DisserT Giovanni Rossi Gênero Anarquismo

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINAPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA

    Gabriel Peruzzo

    O BEIJO AMORFISTA E A PATOLOGIA DOORGANISMO SOCIAL: MONOGAMIA E FAMLIA NUCLEAR

    NOS PAPIS DO LIBERTRIO GIOVANNI ROSSI

    Dissertao submetida ao Programa dePs-Graduao em Histria daUniversidade Federal de SantaCatarina para a obteno do grau deMestre em Histria.Orientadora: Prof.a Dr.a Roselane

    NeckelCo-orientador: Prof. Dr. Marcos F. F.

    Montysuma

    Florianpolis2012

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    Gabriel Peruzzo

    O BEIJO AMORFISTA E A PATOLOGIA DO ORGANISMOSOCIAL: MONOGAMIA E FAMLIA NUCLEAR NOS PAPIS

    DO LIBERTRIO GIOVANNI ROSSI

    Esta dissertao foi julgada adequada para obteno do Ttulo deMestre, e aprovada em sua forma final pelo Programa de Ps-Graduaoem Histria.

    Florianpolis, 03 de agosto de 2012

    ___________________________Prof.a Dr.a Eunice Sueli Nodari

    Coordenadora do Curso

    Banca Examinadora:_______________________

    Prof.a Dr.a Roselane NeckelOrientadora

    Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC_____________________________

    Prof. Dr. Marcos F. F. MontysumaCo-orientador

    Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC_________________________

    Prof.a Dr.a Marlene de FveriUniversidade do Estado de Santa Catarina - UDESC

    ____________________________Prof.a Dr.a Janine Gomes da Silva

    Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC_________________________________

    Prof.a Dr.a Joana Maria Pedro (suplente)Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC

    _______________________________________

    Prof.a

    Dr.a

    Silvia Maria Fvero Arend (suplente)Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeo professora Roselane Neckel, s professoras Marlenede Fveri, Joana Maria Pedro e Janine Gomes da Silva, por terem aceito,gentilmente, compor a banca examinadora. Ao professor MarcosMontysuma, pela fora nos momentos finais e, especialmente, minhafamlia, pelo apoio nos momentos de dificuldade passados nos ltimosanos.

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    Isso explica outra questo: por que a vida no tudo; por que deixa atrs de si lembranas,

    afeies, vestgios, por que vivemos todos,um pouco depois de ns.(Piotr Kropotkin)

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    RESUMO

    Este trabalho tem como objetivo compreender as respresentaes dolibertrio italiano Giovanni Rossi acerca dos relacionamentos conjugaismonogmicos e da famlia nuclear no final do sculo XIX. Foramutilizadas como fontes, sobretudo, suas obras lanadas entre os anos de1891 e 1895, assim como correspondncias endereadas a amigos efamiliares e outros escritos publicados na imprensa libertria da poca.Assim sendo, a partir dos papis de Giovanni Rossi, o presente trabalhoaborda as discusses entre anarquismo, famlia, conjugalidades e amorlivre.

    Palavras-chave: Giovanni Rossi. Colnia Ceclia. Anarquismo.Famlia. Amor Livre. Monogamia.

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    ABSTRACT

    This study aims to understand the representations of italian GiovanniRossi libertarian about relationships and marriage monogamous nuclearfamily in the late nineteenth century. Were used as sources, above all,his works released between the years 1891 and 1895, as well as lettersaddressed to friends and family and other writings published innewspapers of the time libertarian. Thus, form the papers of GiovanniRossi, this paper discusses the discussions between anarchism, family,conjugalities and free love.

    Keywords: Giovanni Rossi. Cecilia Colony. Anarchism. Family. Free

    love. Monogamy.

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    SUMRIO

    INTRODUO................................................................................... 141. A COLNIA CECLIA E O ANARQUISMO DE GIOVANNIROSSI................................................................................................... 281.1 NOTAS SOBRE A COLNIA CECLIA ...................................... 281.2 O ANARQUISMO EXPERIMENTAL E AS MATRIZES DOPENSAMENTO DE GIOVANNI ROSSI ............................................ 421.2.1 Augusto Comte: a Sociologia e o Organismo Social................ 541.2.2 Piotr Kropotkin: Anarquismo e Cincia .................................. 602 O ANARQUISMO NA VIDA PRIVADA: AMOR LIVRE E

    FAMLIA............................................................................................. 682.1 A EUROPA DO SCULO XIX OU O ESPAO E O TEMPO DOANARQUISMO ................................................................................... 682.1.1 Anarquismo: Liberdade para a Construo de um HomemNovo...................................................................................................... 752.1.2 Amor Livre e Famlia no Pensamento Libertrio no Final doSculo XIX ........................................................................................... 823. OS RELACIONAMENTOS MONOGMICOS E A FAMLIANUCLEAR EM GIOVANNI ROSSI................................................. 983.1 BEIJO AMORFISTA E MONOGAMIA ........................................ 983.2 ENTRE O EGOSMO DOMSTICO E A SOLIDARIEDADE DAVIDA COLETIVA: A FAMLIA NUCLEAR OU A PATOLOGIA DOORGANISMO SOCIAL ..................................................................... 113CONSIDERAES FINAIS ........................................................... 128ARQUIVOS ........................................................................................ 134FONTES............................................................................................. 136CARTAS E PERIDICOS. ................................................................ 136OBRAS DE GIOVANNI ROSSI ........................................................ 136REFERNCIAS................................................................................ 138

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    INTRODUO

    Em 1890, no contexto das polticas imigratrias, foi fundada nointerior do estado do Paran uma colnia de imigrantes italianosanarquistas. Nas terras de Santa Brbara, distrito de Palmeira, estacolnia denominada Ceclia, ganharia as pginas dos livros de histriacomo um dos episdios mais instigantes do movimento libertrio

    brasileiro, do qual teriam participado, supostamente, o imperador D.Pedro II e o maestro Carlos Gomes.

    Pensada para ser um laboratrio social onde pudessem sertestados e analisados na prtica os pressupostos tericos do anarquismo,essencialmente as propostas relacionadas ao amor livre e a dissoluo da

    famlia nuclear burguesa, a Colnia Ceclia, produto do sculo XIX,forneceu uma amostra de alguns dos fenmenos histricos maissignificativos daquele fim de sculo. As idias e ideais socialistas, osmovimentos imigratrios, assim como o discurso cientificista estavam

    presentes em uma pequena poro de terra do interior do sul do Brasil.No obstante as controvrsias que envolveram a histria da

    Colnia Ceclia, como assinala Agnaldo Kupper, ela existiu.1 E durantesua efmera existncia, somou experincias de incalculvel valorhistrico, o que lhe valeu o reconhecimento nas pginas da literatura e

    nos palcos da dramaturgia2

    , assim como nas telas do cinema por meiodas lentes do cineasta francs Jean-Louis Comolli3 e de uma srie dateleviso brasileira4 dedicada a experincia libertria vivida na regiodos Campos Gerais paranaenses entre os anos de 1890 e 1894.

    Como muitas colnias de imigrantes fundadas no sculo XIX, aCeclia nasceu e morreu pobre. Entretanto, seus idealizadores traziam na

    1 KUPPER, Agnaldo. Colnia Ceclia: uma experincia quase esquecida. p. 73.

    In: gora, Santa Cruz do Sul, v. 6, n. 2, p. 69-80, jul./dez. 2000.2 Foram publicados dois romances baseados na experincia de amor livre vividapor Giovanni Rossi na Colnia Ceclia, respectivamente, por Afonso Schmidt eMiguel Sanches Neto, assim como uma pea teatral de autoria de RenataPallottini. Cf. SCHMIDT, Afonso. Colnia Ceclia. Romance de umaexperincia anarquista. So Paulo: Brasiliense, 1980; SANCHES NETO,Miguel. Um amor anarquista. Rio de Janeiro: Record, 2008; PALLOTTINI,Renata. Colnia Ceclia. Rio de Janeiro: Achiam, 2002.3La Cecilia. Direo: Jean-Louis Comolli. Produo: Filmoblic. Frana/Itlia,1976. 113 min.4 A srie foi ao ar em 1989 pela Rede Bandeirantes de Televiso. Cf. KUPPER,Agnaldo. Colnia Ceclia: uma experincia quase esquecida. In: gora, SantaCruz do Sul, v. 6, n. 2, p. 69-80, jul./dez. 2000, p. 73.

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    bagagem algo mais do que o sonho de fazer a Amrica. Traziam oprojeto de fundar nas solides americanas, uma colnia onde fossepossvel testar empiricamente as teorias libertrias. Tendo frente oagrnomo e mdico veterinrio Giovanni Rossi, a Colnia Ceclia seriamais que um refgio de imigrantes que vinham buscar dias afortunadosnas terras do Novo Mundo: seria um laboratrio social. A consistncia ea solubilidade das teorias libertrias deveriam ser postas a prova,submetidas aos cnones da cincia positiva, pois assim ganhariamlegitimidade.

    Ainda na juventude, aos dezessete anos, quando j integrava osquadros da Associao Internacional dos Trabalhadores, Giovanni Rossidefendia a necessidade de fundar uma colnia socialista experimental na

    Polinsia.5

    Acadmico graduado em cirurgia e medicina veterinria,Giovanni Rossi pensava que as teorias libertrias deveriam ser estudascientificamente com base nos mtodos adotados pelas cincias naturais.

    Influenciado pela sociologia de Augusto Comte, o veterinrio eanarquista Giovanni Rossi, acreditava que a partir do estudo emcolnias-laboratrio, seria possvel determinar as leis que regiam osfenmenos sociais e, com isso, corroborar ou refutar as teoriaslibertrias para que, assim, pudessem ser utilizadas como instrumentosde transformao social.

    Entretanto, antes de levar a cabo o projeto de fundar uma colniaexperimental no sul do Brasil, Giovanni Rossi participou de outrasexperincias em cooperativas agrcolas ainda em terras italianas. Foramtrs as tentativas infrutferas empreendidas na dcada de 1880,respectivamente, nas provncias de Brscia, Cremona e Parma. Seriaapenas no ano de 1890 que Giovanni Rossi conseguiria obter xito coma fundao de uma colnia experimental no interior do estado do Paran.

    Pioneiro do movimento anarquista brasileiro, Giovanni Rossi nofoi apenas um dos responsveis por introduzir as idias libertrias noBrasil6, como foi tambm um dos pioneiros dos estudos sociolgicos no

    pas. Entretanto, seus estudos cientficos no ficaram circunscritos aoexperimento sociolgico da Colnia Ceclia. Aps deixar a colnia,Rossi atuou como diretor da Escola Superior de Agronomia de Taquari eno desenvolvimento de uma das primeiras instituies de pesquisacientfica do sul do Brasil: a Estao Agronmica e de Veterinria do

    5 MELLO NETO, Candido de. O anarquismo experimental de Giovanni Rossi.

    De Poggio al mar Colnia Ceclia. Ponta Grossa: Ed. UEPG, 1998, p. 23-24.6 RODRIGUES, Edgar. Universo crata. V. 2. Florianpolis: Insular, 1999, p.53.

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    Estado.Fundada em 1895 no interior do estado de Santa Catarina, mais

    precisamente em Rio dos Cedros, ncleo de colonizao italianalocalizado no Vale do Itaja e ento pertencente ao municpio deBlumenau, a Estao Agronmica e de Veterinria do Estado foi umadas instituies cientficas pioneiras de pesquisa agrcola na regio suldo pas e a primeira de Santa Catarina. Criada com o propsito deaperfeioar e desenvolver o cultivo de fumo, importante produto daeconomia regional, a Estao Agronmica e de Veterinria viveu seumomento de maior produtividade durante o decnio compreendido entreos anos de 1897 e 1907, perodo em que esteve sob a direo deGiovanni Rossi.

    Vindo de Taquari, no Rio Grande do sul, O Dr. Giovanni Rossi,como era ento chamado pelas autoridades locais, tais como ogovernador Herclio Luz, autor da lei que autorizava a fundao dainstituio, destacou-se frente da Estao Experimental empreendendoatividades que excediam as suas atribuies. Durantes os dez anos emque atuou como diretor da Estao Agronmica, Giovanni Rossi noapenas ampliou e diversificou as culturas agrcolas pesquisadas,inicialmente direcionadas ao desenvolvimento de um nico gnero, ofumo, como transformou a instituio de pesquisas em um centro de

    ensino. Rossi atuou ainda como editor da Revista Agrcola, peridico dedivulgao cientfica da Sociedade Agrcola Catarinense, fundada em1904.

    Dois anos aps a transferncia da Estao Agronmica de Riodos Cedros para a regio de Florianpolis no ano de 1905, mudanasugerida por Giovanni Rossi, este decide retornar com a famlia Itlia,deciso que afetaria seriamente a produo da Estao Experimental.7

    A Histria prdiga em narrativas que versam sobre experinciasde colnias socialistas, como o Falanstrio do Sa, fundado na metadedo sculo XIX na atual cidade de So Francisco do Sul, Santa Catarina,e inspirado nas idias de Charles Fourier.8 Entretanto, para alm daanlise cientfica dos princpios polticos e econmicos do anarquismo,

    7 SANTOS, Lucy Woellner dos. Estao Agronmica e de Veterinria doEstado (1895-1920): uma abordagem histrica sobre o incio da pesquisaagrcola em Santa Catarina. Florianpolis: Ed. da UFSC, 1998, p. 105-151.8 Idealizada pelo mdico homeopata Binot Joseph Mure, a Colnia do Salocalizava-se na atual regio da Vila da Glria, parte continental de SoFrancisco do Sul. Composta por imigrantes franceses, a Colnia do Samanteve-se ativa entre os anos de 1842 e 1844.

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    Giovanni Rossi almejava com a fundao da Colnia Ceclia, aexperimentao do amor livre, ou como preferia, do beijo amorfista.9Esta proposta de relacionamentos conjugais encontrava na pluralidadede amores simultneos o meio de alcanar fins ainda mais audaciosos: adissoluo da famlia nuclear burguesa. Reside aqui a peculiaridadedesta experincia vivida no sul do Brasil no interior da Colnia Ceclia.

    Segundo Michele Perrot,

    unnimes em criticar a famlia de sua poca, raros,porm, so os socialistas que pensam em sua totaleliminao. Igualmente raros so os que

    pretendem uma subverso dos papis sexuais, toprofunda a crena numa desigualdade naturalentre homens e mulheres.10

    Nesse sentido, Giovanni Rossi pode ser admitido como um dessescasos raros, dado que, diferentemente de seus correligionriosanarquistas que definiam amor livre como a unio conjugal espontnea,divorcivel e, no entanto, monogmica, Giovanni Rossi acreditava queos relacionamentos conjugais deveriam ser poligmicos e, sobretudo,

    polindricos, pois desta forma, a famlia nuclear burguesa seria

    definitivamente eliminada, contrariando Michele Perrot. Para GiovanniRossi, a dissoluo da famlia nuclear era tida como o objetivo maispremente do anarquismo, antes mesmo do fim da propriedade privada eat do Estado.

    Segundo Candido de Mello Neto,

    a discusso sobre a famlia, o amor, a mulher, emtoda obra de Rossi alcana nveis de maiorimportncia. contra o comportamento burgusem relao famlia que ele dirige sua maioragressividade reformista.11

    Temas recorrentes em seus escritos, as reflexes sobre o amor

    9 ROSSI, Giovanni. Um caso de amor na Colnia Ceclia. (1893). In: ROSSI,Giovanni. Colnia Ceclia e outras utopias. Traduo e introduo de MarziaTerenzi Vicentini e Miguel Sanches Neto. Curitiba: Imprensa Oficial, 2000,

    p.127.10 PERROT, Michelle (org.). Histria da vida privada. Da Revoluo Francesa Primeira Guerra. V. 4. Cia. das Letras: So Paulo, 1991, p. 100.11 MELLO NETO, 1998, p. 25.

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    livre e, especialmente, as crticas austeras famlia nuclear, ocupamposio de destaque no pensamento deste libertrio italiano.

    Lugar-comum na produo bibliogrfica tangente ColniaCeclia, as idias de Giovanni Rossi relativas ao amor livre, assim comosuas crticas contundentes em relao famlia nuclear soconstantemente colocadas em relevo, todavia, as razes destes discursoscusticos permaneciam nebulosas. As pesquisas dedicadas a ColniaCeclia no abordam especificamente estes dois aspectos do pensamentode Giovanni Rossi, muito embora sejam constantemente assinalados.Apesar de ser apontada como a mais completa e importante pesquisaacerca da Colnia Ceclia e da vida de Giovanni Rossi, nem mesmo aobra do mdico Candido de Mello Neto lana luz sobre tais questes.

    Obra de carter memorialista, a publicao de Candido de MelloNeto, de acordo com o prprio autor, no um estudosociolgico.12Segundo Candido de Mello Neto, seu livro teve comoobjetivo divulgar a experincia vivida por Giovanni Rossi e seuscompanheiros, assim como despertar algum interesse entre

    profissionais das reas de histria, sociologia, poltica e literatura.13Assim, tendo em vista a carncia de trabalhos que tematizam a

    relao entre anarquismo, amor livre e famlia, assim como as lacunasdas pesquisas anteriores relativas ao olhar de Giovanni Rossi sobre o

    amor livre e a famlia nuclear, propomos investigar e compreender asrepresentaes acerca dos relacionamentos conjugais monogmicos e dafamlia nuclear burguesa construda pelo idealizador e fundador daColnia Ceclia na segunda metade do sculo XIX.

    Apontada como categoria central da Histria Cultural por SandraPesavento, a categoria representao permite compreender a diversidadede olhares e sentidos acerca da realidade. Por meio das representaesos historiadores ganham acesso realidade complexa do passado,tentando chegar quelas formas, discursivas imagticas, pelas quais oshomens expressam a si prprios e o mundo [...] atravs de normas,instituies, discursos, imagens e ritos.14

    Construdas a partir de um conjunto de elementos mentaisarticulados e originados da experincia sensvel com o mundo real, asrepresentaes formam uma espcie de cartografia interiorizada darealidade social, por meio da qual, grupos e indivduos orientam suas

    12 MELLO NETO, 1998, p. 21.13 Ibid., p. 21.14 PESAVENTO, Sandra Jatahi. Histria e Histria Cultural. Belo Horizonte:Autntica, 2005, p. 39-42.

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    prticas. As representaes agem como matrizes de prticas queconstroem o prprio mundo social,15 de onde decorre sua importncia

    para a compreenso de uma realidade social complexa e fragmentada,tal como sugere abaixo Giovanni Levi.

    O contexto social, segundo Giovanni Levi, pode ser concebidocomo um espao que, atravs do ajustamento de seus elementos aosistema do qual fazem parte, tornam-os inteligveis, ou ainda, como umespao que, quando observado por outra perspectiva a partir deelementos aparentemente anmalos ou insignificantes assumemsignificado e revelam as incoerncias ocultas de um sistema unificado.16

    Por esta via, os contextos no so negados, mas definidos comomantos que no se estendem de forma una e homognea sobre a

    sociedade. Pontuados por interstcios que fogem s normas impositivasdo sistema, esta malha possui hiatos que revelam as contradies e afalibilidade dos contextos sociais, delineando um contexto complexo e

    permeado por indivduos e grupos com representaes singulares darealidade.

    Admite-se, portanto, a realidade no como um monolitointransponvel, mas como uma rocha porosa, permeada por fissurasatravs das quais escorrem discursos e prticas que fogem s normas,convertendo-se em um palco onde os personagens afirmam posies

    atravs do embate de representaes acerca do mundo, estas, plurais emnmero e singulares entre si.

    Para Sandra J. Pesavento,

    as representaes apresentam mltiplasconfiguraes, e pode-se dizer que o mundo construdo de forma contraditria e variada, pelosdiferentes grupos do social e expressa asupremacia conquistada em uma relao histrica

    de foras. Implica que esse grupo vai impor a suamaneira de dar a ver o mundo, de estabelecerclassificaes e divises, de propor valores enormas, que orientam o gosto e a percepo, quedefinem limites e autorizam os comportamentos eos papis sociais.17

    15 CHARTIER, Roger. O Mundo Como Representao. In: Beira da Falsia.A Histria Entre Certezas e Inquietudes. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2002, p. 72.16 LEVI, Giovanni. Sobre micro-histria. In: BURKE, Peter (org.). A escrita daHistria: novas perspectivas. So Paulo: Ed. da UNESP, 1992, p. 155.17 PESAVENTO, 2005, p. 42.

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    Importante categoria de anlise para o estudo das configuraessociais, as representaes auxiliam a compreender como e por que estasmesmas configuraes assumiram determinados contornos, bem comoos vetores que agiram sobre a sua formao. As representaes sociaisesto sempre inseridas no mago de relaes de fora, estabelecidas pordiferentes grupos que almejam fazer crer e impor suas prpriasrepresentaes, suas prprias vises de mundo e com isso reproduziruma sociedade a partir de seus prprios interesses.

    Nesse sentido, a categoria representao proposta como meio dealcanar os sentidos de um dado passado mostra-se adequada paracompreender realidades multifacetadas, trazendo tona grupos e

    indivduos que constroem nos interstcios do sistema normativo, suasprprias representaes de mundo, como fizeram os anarquistas daColnia Ceclia, sobretudo, seu idealizador e fundador Giovanni Rossino tocante aos relacionamentos monogmicos e famlia nuclear

    burguesa.Para tanto, sero analisadas essencialmente fontes escritas. As

    fontes escritas, atravs da anlise dos discursos historicamenteconstrudos, apontam para as representaes sociais do autor e de seusleitores, descrevendo a sociedade tal como pensam que ela , ou como

    gostariam que fosse.18 Nesse sentido, os escritos de Giovanni Rossiconsistem em importantes fontes para compreender suas representaesacerca dos relacionamentos conjugais monogmicos e da famlianuclear, dado que so tingidos intensamente por crticas e reflexessingulares sobre o amor livre e a famlia nuclear.

    Reunidos em uma antologia19 publicada pela Imprensa Oficial doParan e dedicada inteiramente s obras de Giovanni Rossi, osopsculos editados entre os anos de 1891 e 1895 intitulados ONascimento da Colnia Ceclia (1891), Comunidade AnarquistaExperimental (1893), Um Caso de Amor na Colnia Ceclia (1893) e OParan no Sculo XX (1895) fornecem um importante manancial deinformaes para compreender suas representaes.

    Seus relatos remetem construo da Colnia Ceclia e sexperincias vividas por seus habitantes, exceto O Paran no sculo XX,

    18 CHARTIER, Roger. A Histria Cultural entre prticas e representaes.Lisboa: Difel / Bertrand Brasil, 1988, p. 19.19 ROSSI, Giovanni. Colnia Ceclia e outras utopias. Traduo e introduo deMarzia Terenzi Vicentini e Miguel Sanches Neto. Curitiba: Imprensa Oficial,2000.

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    onde Giovanni Rossi discute suas idias atravs de uma narrativaficcional. Giovanni Rossi costumava utilizar narrativas ficcionais comoveculo de propaganda poltica. Atravs de personagens fictcios, asidias libertrias eram discutidas e divulgadas.

    Em O Paran no sculo XX, Giovanni Rossi narra como teria sedado o processo revolucionrio ocorrido no estado do Paran durante a

    primeira metade do sculo XX. No futuro idealizado por GiovanniRossi, o processo revolucionrio seria pacfico, realizado sem o recursodas armas. A revoluo narrada por Giovanni Rossi e definida por elecomo um movimento cientfico20 teria como fundamento oconhecimento produzido pelas nascentes cincias sociais, bem como adifuso das idias de um dado conjunto de pensadores. Estes pensadores

    podem ser admitidos como influncias intelectuais importantes deGiovanni Rossi, dado que foram suas idias e teorias responsveis pelompeto revolucionrio e pela estruturao da sociedade libertria por eleimaginada.

    Atravs de suas idias, os intelectuais exercem o poder de agirsobre os indivduos, transformando suas prticas e representaes. Destaforma, a anlise das idias dos pensadores que influenciaram GiovanniRossi pode contribuir significativamente para a compreenso de suasrepresentaes acerca dos relacionamentos monogmicos e da famlia

    nuclear.Entretanto, dado a impossibilidade de analisar o conjunto da obra

    dos pensadores citados por Giovanni Rossi, optamos por fazer umrecorte e analisar as idias daqueles que foram mais representativos emseu tempo e cujo pensamento parece flertar mais intimamente com asidias de Giovanni Rossi. Deste modo, dos autores citados e cujasteorias anarquistas foram estudadas e divulgadas durante o processo deconstruo da sociedade libertria imaginada por Giovanni Rossi,optamos pela anlise do pensamento de Piotr Kropotkin, por serapontado por George Woodcock como o maior expoente do anarquismoa partir da dcada de 1870.21

    Diferentemente do que afirma Beatriz Pellizzetti Lolla emReflexes sobre uma utopia do sculo XIX, acreditamos que foi PiotrKropotkin e no Errico Malatesta quem exerceu maior influncia sobre

    20 ROSSI, Giovanni. O Paran no sculo XX. (1895). In: ROSSI, Giovanni.Colnia Ceclia e outras utopias. Traduo e introduo de Marzia Terenzi

    Vicentini e Miguel Sanches Neto. Curitiba: Imprensa Oficial, 2000, p. 145.21 WOODCOCK, George.Histria das idias e movimentos anarquistas. V. 1. Aidia. Porto Alegre: L&PM, 2002, p. 212.

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    Giovanni Rossi, especialmente por defender a aproximao entreanarquismo e cincia, bem como a observao dos fenmenos naturaiscomo base de induo para pensar as questes sociais, assim como fezGiovanni Rossi ao desnaturalizar a prtica da monogamia.

    Da mesma forma e ainda que no seja citado diretamente porGiovanni Rossi, figurando como uma referncia indireta, AugustoComte, um dos pensadores mais influentes do sculo XIX, aparececomo uma figura importante para a compreenso de suas representaes,uma vez que as intertextualidades ou a relao que um texto estabelececom outros, como salienta Eni Orlandi, aponta para como o texto deveser lido.22

    Entre as linhas dos escritos de Giovanni Rossi, encontramos

    inmeras referncias ao positivismo de Augusto Comte, sobretudo, aanalogia entre sociedade e organismo, a qual a representao de famlianuclear est direta associada.

    Contudo, aos quatro opsculos mencionados, todos perpassadospor discursos favorveis ao amor livre e hostis famlia nuclear, soma-se ainda os documentos do acervo pessoal de Candido de Mello Neto.Mdico descendente de fundadores da Colnia Ceclia, Candido deMello Neto autor de O Anarquismo Experimental de Giovanni Rossi,

    principal trabalho publicado sobre a Colnia Ceclia e seu fundador.

    Resultado de uma ampla pesquisa que o levou a percorrerdiversos pases, como Itlia, Frana, Inglaterra, EUA e Holanda, adocumentao encontrada pelo mdico pontagrossense hoje parteconstituinte do acervo do Museu dos Campos Gerais, instituioadministrada pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Nos arquivosdo Museu dos Campos Gerais encontramos trs categorias de fontessobre Giovanni Rossi, respectivamente, literrias, ordinrias e

    jornalsticas, como cartas endereadas famlia e amigos, tais como asdestinadas aos irmos Sestilio e Properzia e ao seu correspondenteAlfred Sentfleben, assim como artigos e cartas publicados na imprensalibertria e socialista da poca.

    No primeiro captulo, com o propsito de situar o leitor,buscamos compor uma viso panormica da Colnia Ceclia, expondoem linhas gerais, como foi fundada e estruturada, ressaltando asdificuldades e privaes enfrentadas pelos habitantes do ncleoexperimental libertrio com o intuito de desconstruir a imagem ednica

    22 ORLANDI, Eni Pulcinelli.Discurso e Leitura. So Paulo: Cortez; Campinas:Ed. UNICAMP, 1996, p. 42.

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    retratada por alguns autores sobre a vida no interior da colnia. Nessesentido, tambm questionamos a verso largamente difundida e bastantecontroversa que envolve os nomes do maestro Carlos Gomes e,sobretudo, do imperador D. Pedro II na fundao da Colnia Ceclia.

    Ainda no primeiro captulo, procuramos compreender as razespelas quais Giovanni Rossi defendia a fundao de colniasexperimentais, assim como a influncia exercida por Piotr Kropotkin eAugusto Comte na constituio de suas idias e representaes. Seforam as idias de Piotr Kropotkin que motivaram Giovanni Rossi aaproximar anarquismo e cincia e tomar a natureza como base deinferncia para elaborar suas teses sociais, como fez ao desnaturalizar amonogamia a partir da observao do comportamento sexual da fauna e

    da flora, foi inspirado pela sociologia positivista de Augusto Comte, queGiovanni Rossi pensou e desenvolveu o anarquismo experimental eprops a fundao de colnias-laboratrio, assim como na analogia entreorganismo e sociedade proposta por Comte, encontramos evidncias

    para compreender sua representao da famlia nuclear.No segundo captulo, procuramos evidenciar os contornos do

    pensamento anarquista e o contexto histrico de emergncia das idiaslibertrias, delineando algumas das principais caractersticas do sculoXIX a partir das anlises de Ren Rmond e Eric Hobsbawm, pensando

    o sculo em questo, como um momento de grande complexidadehistrica e marcado por vertiginosas vicissitudes, assim como o

    pensamento anarquista como uma expresso crtica deste tempo e quebuscava fornecer respostas para um perodo de grande instabilidade econtradies.

    Em um segundo momento, buscamos definir alguns fundamentosdo pensamento anarquista para compreender as razes das crticaslibertrias dirigidas aos relacionamentos conjugais e famlia nuclear nofinal do sculo XIX. Ainda que heterogneo e caracterizado pordiferentes vertentes tericas, o pensamento anarquista datado eapresenta uma base comum, definida, sobretudo, pela afirmao daliberdade como uma condio sine qua non para o desenvolvimentohumano pleno, de onde o termo libertrio empregado como sinnimo deanarquista.

    Avessos poltica institucional e a formao de partidospolticos, a transformao social passava, deste modo, invariavelmentepela reforma e desenvolvimento do indivduo. Apenas com liberdade

    os indivduos poderiam desenvolver todas as potencialidades humanas morais, fsicas e intelectuais alcanando-se assim, a formao de umHomem novo, pilar da nova sociedade que imaginavam.

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    Foi nesse sentido, que o anarquismo se ops a todas as formas deautoritarismo que pudessem obstruir o desenvolvimento das

    potencialidades humanas, desde aquelas impostas por regimes polticosat as que se fazem sentir na vida privada, estendendo suas crticas,desta forma, tambm aos relacionamentos conjugais e famlia. Nessecontexto, expomos as crticas libertrias em relao famlia e aosrelacionamentos conjugais no perodo, ressaltando sua proposta econcepo de amor livre com o propsito de estabelecer um contrapontocom as idias de Giovanni Rossi, distinguindo com isso, suas

    particularidades.O terceiro e ltimo captulo foi dedicado s representaes de

    Giovanni Rossi relativas aos relacionamentos conjugais monogmicos e

    ao amor livre, este, entendido por Giovanni Rossi como o meio atravsdo qual a famlia nuclear poderia ser extinta. Neste captulo, buscamosfrisar a diferena entre o que comumente era denominado de amor livre

    pelos libertrios na virada do sculo XIX para o XX, e o que GiovanniRossi propunha como beijo amorfista. Por fim, abordamos o processode formao da famlia nuclear, assinalando o isolamento desta emrelao sociedade circundante no sculo XIX, bem como arepresentao de Giovanni Rossi em relao famlia nuclear burguesano final dos anos oitocentos. Tida por Giovanni Rossi como uma

    instituio com interesses conflitantes com o meio social, a famlianuclear era representada como uma doena que poderia ameaar oequilbrio e a harmonia do organismo social.

    O interesse pela histria da famlia surgiu durante a leitura dostextos de Microfsica do Poder,23 de Michel Foucault. Em AGovernamentalidade, Foucault discorre sobre o processo que no sculoXVII fez surgir o problema da populao e de como a famlia foiconvertida pelo Estado em um instrumento para conduzir a populao afins desejados. O controle da populao pelo Estado, levado a caboatravs da famlia que, a partir deste momento passou a ser tida comoum instrumento para as polticas do Estado, chamaram a ateno para arelao entre famlia e anarquismo, movimento poltico historicamenteidentificado pelas crticas contundentes ao Estado como forma deorganizao social.

    Os primeiros contatos com Giovanni Rossi ocorreram por meioda obra de Zlia Gattai, denominadaAnarquistas, graas a Deus24 e, emespecial, atravs do romance histrico do escritor paranaense Miguel

    23 FOUCAULT, Michel.Microfsica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.24 GATTAI, Zlia.Anarquistas, graas a Deus. Rio de Janeiro: Record, 2000.

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    Sanches Neto, intitulado Um amor anarquista,25 onde o autor tinge comas cores da prosa literria a experincia poltica e amorosa de GiovanniRossi no interior da Colnia Ceclia. Instigado pelas idias de GiovanniRossi sobre a famlia e os relacionamentos conjugais, bem como curioso

    para distinguir as matizes entre Histria e Literatura impressas porMiguel Sanches Neto, os primeiros passos foram trilhados, ento, com olevantamento bibliogrfico sobre a Colnia Ceclia e Giovanni Rossi,revelando que a Histria poderia ser ainda mais cativante do que aLiteratura.

    Nesse sentido, as atenes se voltaram para o imigrante elibertrio italiano Giovanni Rossi, dado a radicalidade de suas idias notocante aos relacionamentos conjugais e famlia nuclear, mesmo

    quando comparado aos discursos libertrios mais fervorosos, bem comopor sua obstinao, coragem e ousadia em fundar uma colniaanarquista experimental no interior do sul do Brasil no final do sculoXIX com o intuito de observar na prtica suas teorias sobre o amor livree a extino da famlia.

    O presente trabalho no tem como objetivo devassar toda a vidade Giovanni Rossi ou escrever sua biografia, tampouco conceber suasidias como representativas do movimento anarquista, mas compreenderum aspecto do seu pensamento, isto , suas representaes acerca dos

    relacionamentos conjugais monogmicos e da famlia nuclear.Adotar um nico homem como objeto de pesquisa significa

    reintegrar o indivduo aos domnios da Histria, admitindo-o comosujeito histrico, no necessariamente redutvel aos ditames de grupo,classe ou contexto, concebendo-o tambm como responsvel pelodesenrolar do processo histrico e no apenas uma massa annimacomposta por homens e mulheres sem nomes e sem rostos.

    Para Carlo Romani, autor de uma biografia sobre o anarquistaOreste Ristori, o individual e o geral, somente ocorrem de uma formadada, e no de outra, por conta da ao do sujeito que deixa o anonimatoe chama para si as rdeas da conduo de sua histria pessoal.26 Ouseja, em ltima instncia, o indivduo quem decide romper a letargia edesafiar regimes polticos, questionar valores e modificar o curso da

    prpria vida e do processo histrico de acordo com suas representaes

    25 SANCHES NETO, Miguel. Um amor anarquista. Rio de Janeiro: Record,2000.26 ROMANI, Carlo. Oreste Ristori: Uma aventura anarquista. Dissertao(Mestrado em Histria). Instituto de Filosofia e Cincias Humanas daUniversidade Estadual de Campinas, Campinas, 1998, p. 4.

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    de mundo, como ousou fazer Giovanni Rossi ao deixar a Europa eabandonar o conforto de uma vida pequeno-burguesa e insistir emexperimentar relacionamentos conjugais poligmicos e polindricos nasdistantes e solitrias terras do planalto paranaense, tudo, para que todos,algum dia, pudessem gozar da liberdade de amar e viver em uma outrasociedade, mais justa e igualitria, onde o bem-estar social no fossemais um privilgio, mas uma realidade comum a todos, ainda que paratanto, fosse necessrio derrubar por terra a mais antiga e tradicionalinstituio social: a famlia.

    Nesse sentido, os escritos de Giovanni Rossi constituem umaimportante documentao para o estudo do pensamento libertrio emrelao famlia e aos relacionamentos conjugais, contribuindo para

    compreender o pensamento de um dos precursores do movimentolibertrio brasileiro, para a histria da famlia, bem como para o estudoda Histria Cultural e suas imbricaes scio-polticas.

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    1. A COLNIA CECLIA E O ANARQUISMO DE GIOVANNIROSSI

    1.1 NOTAS SOBRE A COLNIA CECLIA

    Em abril de 1888, aps ministrar uma conferncia na Casa doPovo a favor do amor livre, o anarquista Giovanni Rossi encontra umdos seus mais ilustres e prestigiados amigos, o compositor e maestro

    brasileiro Carlos Gomes. Giovanni Rossi, que nascera no cerne de umafamlia de msicos, onde aprendera desde a mais tenra idade a apreciar otalento dos grandes compositores e a dedilhar os primeiros acordes nasteclas do piano, tornando-se um virtuoso instrumentista, era sobrinho do

    professor Lauro Rossi, descobridor e mestre de Carlos Gomes noconservatrio de Milo e, por intermdio do qual, supostamente, teriasido apresentado ao msico brasileiro.

    Nesse sentido, enquanto caminhavam tranquilamente pelas ruasde Milo, Carlos Gomes, conhecido ufanista, exaltava as grandezas daterra natal, discorrendo sobre as riquezas da fauna e da flora brasileira, oque no deixava de impressionar o amigo agrnomo e mdicoveterinrio. Entretanto, a imaginao de Giovanni Rossi alou vosainda mais altos ao tomar conhecimento da passagem do Imperador D.

    Pedro II pela cidade de Milo, onde seria recebido por Carlos Gomes eoutros msicos em jantar solene.Muito debilitado, D. Pedro II que sofria de diabete, viu seu

    quadro de sade se agravar aps ser acometido por malria. Destaforma, seguindo as recomendaes mdicas, partiu para a Europa em

    busca de clima mais ameno, onde pudesse dar continuidade aotratamento e se recompor rapidamente a fim de assumir o trono quehavia deixado sob a gide de sua filha, a ento regente princesa Isabel.

    Extasiado com as possibilidades oferecidas por uma terra to

    vasta e majestosa, que tanto orgulhava o amigo Carlos Gomes, GiovanniRossi no hesitou em procurar o imperador brasileiro. Homem ilustradoe de idias arrojadas, Pedro II era amante das cincias e das artes, umverdadeiro mecenas e, ainda que monarquista, haveria de se interessar

    pelos projetos que almejava desenvolver nos confins do Brasil.Dias mais tarde, Giovanni Rossi ps-se a bater pernas at onde

    estava hospedado o imperador dos trpicos. Contudo, a ansiedade setransformaria em desalento quando, j s portas do Hotel Milan,

    presenciaria D. Pedro II sendo transladado em uma maca. Seu estado desade se agravara e era necessrio remov-lo para instalaes maisapropriadas para que pudesse receber tratamento adequado. Assim, o

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    imperador partiu para a Frana, deixando Milo sem ter com oanarquista a conversa que este tanto ansiava.

    Entretanto, apesar de no conseguir a audincia com D. Pedro II,Giovanni Rossi, gentilmente, entrega ao conde da Mota Maia, mdicoque integrava o squito do imperador, uma carta a este destinada,desejando-lhe imediatas e sinceras melhoras. Porm, no era este to-somente o contedo da carta. Entre palavras de conforto e votos demelhoras, Giovanni Rossi apresentava seu projeto de fundar colniassocialistas experimentais e, encarecidamente, solicitava o apoio doimperador mediante a doao de terras para a concretizao de seusideais em solo brasileiro.

    Na Frana, j com a sade restituda, D. Pedro II passeava pelas

    ruas de Paris na companhia do conde da Mota Maia, observandoatentamente os ttulos das obras expostas por livreiros que ascomercializavam ali mesmo, em bancas improvisadas junto s margensdo Sena. Foi assim, que entre pilhas de livros empoeirados, Pedro IIencontrou um livreto intituladoIl Comune In Riva Al Mare27, cujo autordenominava-se Crdias.

    Crdias. O nome lhe era familiar, todavia, seus esforos paralembrar a identidade do autor pareciam inteis. Enquanto vasculhava o

    ba da memria em busca de algo que lhe remetesse quele nome, D.

    Pedro II foi alertado pelo conde que tratava-se do responsvel pela cartaque lhe havia sido entregue em Milo, solicitando terras para a fundaode uma colnia experimental anarquista.

    Motivado pela audcia de Giovanni Rossi, um anarquista quesolicitava o apoio de um imperador, Pedro II prontamente adquiriu olivro e, aps tomar parte das idias de Giovanni Rossi, dito Crdias,decide escrever ao anarquista italiano oferecendo terras devolutas doBrasil meridional para a instalao do ncleo de imigrantes libertrios.Trezentos alqueires dos Campos Gerais do Paran seriam reservados

    para a fundao da colnia experimental idealizada por Giovanni Rossie, no interior da qual, seriam testadas e analisadas empiricamente asteorias anarquistas de reestruturao social.

    Com o aval do imperador D. Pedro II, sem mais demoras,Giovanni Rossi deu incio arregimentao de pessoas dispostas a seaventurar e levar adiante as idias libertrias em terras desconhecidas eenfrentar as precrias instalaes dos transatlnticos que faziam otransporte de imigrantes para a Amrica. No dia vinte de fevereiro de

    27Ttulo pelo qual a obra literria de Giovanni Rossi originalmente intitulada IlComune Socialiste ficaria conhecida no Brasil.

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    1890, juntamente com outros imigrantes que se acotovelavam no cais doporto de Gnova, o primeiro grupo de libertrios embarca no Citt diRoma rumo s distantes terras do planalto sul brasileiro. Ali, entre aspalmeiras e o laranjal, hasteada no alto de uma imponente palmeira,tremularia ao vento a bandeira rubro-negra do anarquismo.

    Espcie de mito fundador, esta verso romanceada do nascimentoda Colnia Ceclia teve origem em uma obra literria de autoria do

    jornalista e escritor Afonso Schmidt, cujo ttulo denomina-se ColniaCeclia: romance de uma experincia anarquista28. Romance histricodesenvolvido, sobretudo, em torno do caso de amor livre vivido poralguns integrantes da colnia, a prosa ficcional de Afonso Schmidt foiresponsvel por criar e difundir uma verso idlica que envolve a

    fundao da colnia libertria, reproduzida a partir de ento, por umasrie de autores que se debruaram sobre o episdio.Segundo Afonso Schmidt, atravs de notas publicadas em anexo

    ao romance, a obra teria sido inspirada em matrias escritas pelojornalista Alexandre Cerchiai, publicadas em So Paulo nos Quadernide La Libert no ano de 1932 e que traziam em anexo, excertos do

    polmico relato de Giovanni Rossi denominado Un episodio damorelibero nella Colonia Cecilia. Alexandre Cerchiai, eminente jornalista daimprensa libertria e colaborador do jornal o Estado de So Paulo, teria

    deslocado-se at Palmeira e Santa Brbara, onde teria coletadoinformaes sobre a suposta participao de D. Pedro II e Carlos Gomesna fundao da colnia experimental anarquista.29

    Nas dcadas que seguiram a publicao do romance de AfonsoSchmidt, editado pela primeira vez em 1942, Histria e Literaturaimbricaram-se reproduzindo a verso proposta por Schmidt, como podeser observado nas obras de Newton Stadler de Souza, de AgnaldoKupper, de Edgar Rodrigues e de Beatriz Pellizzetti Lolla, assim comoem dois dos livros da renomada escritora Zlia Gattai, qui, o casomais instigante, por se tratar de obras de cunho memorialista.30

    28 SCHMIDT, Afonso. Colnia Ceclia. Romance de uma experinciaanarquista. So Paulo: Brasiliense, 1980.29 Ibid., p. 106.30 Em ordem alfabtica, as obras dos autores supracitados em que a difundidaverso sustentada so: GATTAI, Zlia. Anarquistas, graas a Deus. Rio deJaneiro: Record, 2000; GATTAI, Zlia. Citt di Roma. 7 Ed. Rio de Janeiro:

    Record, 2002; KUPPER, Agnaldo. Colnia Ceclia. So Paulo: FTD, 1993;LOLLA, Beatriz Pellizzetti. Reflexes sobre uma utopia do sculo XIX.Curitiba: Secretaria de Estado da Cultura, 1999; RODRIGUES, Edgar. Os

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    Em Anarquistas, Graas a Deus, obra em que Zlia Gattairelembra acontecimentos vividos em famlia durante as primeirasdcadas do sculo XX na cidade de So Paulo, a autora relata a

    passagem dos avs paternos pela Colnia Ceclia. Nas memrias daescritora, Ernesto Gattai, seu pai, referindo-se a Colnia Ceclia, teriadito aos filhos:

    Vocs esto vendo? Sabiam que eram toimportantes? Pois, para que vocs estivessem aquihoje, foi preciso a interveno do filsofoGiovanni Rossi, do Maestro Carlos Gomes e de D.Pedro II, Imperador do Brasil. Que tal? riu donosso espanto.31

    Em todas estas publicaes, a participao do imperador D. PedroII na fundao da Colnia Ceclia atravs da concesso de terras, figuracomo a pedra fundamental do projeto de Giovanni Rossi. Contudo, senas memrias de Zlia Gattai como nos livros de Agnaldo Kupper e deEdgar Rodrigues a verso aparece como inconteste, nas linhas de Oanarquismo da Colnia Ceclia e de Reflexes sobre uma utopia dosculo XIXela merece ressalvas.

    Muito embora ressalte que a suposta participao de D. Pedro IIno seja simplesmente fruto da imaginao e da criatividade literria deAfonso Schmidt, pois teria fundamentado-se nos relatos de AlexandreCerchiai, Beatriz Pellizzetti Lolla admite que a origem do relatopermanece uma incgnita.32 Da mesma forma e muito sucinto,

    Newton Stadler de Souza chama a ateno para a ausncia de fontes quepossam documentar a sugerida relao entre o imperador e o anarquista.

    De acordo com o autor,

    as hipteses para justificar a deciso de D. PedroII em trazer imigrantes anarquistas para o Brasilso precrias, falta de documento de afirmao

    anarquistas: trabalhadores italianos no Brasil. So Paulo: Global, 1984;SOUSA, Newton Stadler de. O anarquismo da Colnia Ceclia. CivilizaoBrasileira: Rio de Janeiro, 1970.31 GATTAI, Zlia.Anarquistas, graas a Deus. Rio de Janeiro: Record, 2000, p.

    262.32 LOLLA, Beatriz Pellizzetti. Reflexes sobre uma utopia do sculo XIX.Curitiba: Secretaria de Estado da Cultura, 1999, p. 44.

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    histrica. Quaisquer delas seriam vlidas at omomento em que contestadas, historicamente.33

    Neste nterim, buscando explicaes para a interveno direta doimperador brasileiro na fundao da colnia libertria, Newton Stadlerde Sousa argumenta que D. Pedro II estaria insatisfeito com a polticaimigratria nacional desenvolvida no Paran, dado o fracasso dasexperincias de colonizadores russos e alemes na regio dos CamposGerais.

    Assentados em terras improdutivas, os colonos reivindicavam queo governo brasileiro tomasse providncias, exigindo, inclusive, comoqueriam os russos, a repatriao. Atestando a as pssimas condies do

    solo, o Estado brasileiro responsabilizou-se ento pela alimentao dasfamlias dos colonizadores e posteriormente pelo transporte destes parao estado de Nevada, nos Estados Unidos, fatores que representaramvolumosos custos para o Estado brasileiro alm de comprometer acredibilidade da poltica imperial de imigrao.

    Para restaurar a imagem da poltica imigratria nacional, ogoverno brasileiro objetivava demonstrar a eficcia dos servios deimigrao trazendo para o Brasil, imigrantes italianos anarquistas. Avinda destes imigrantes teria um efeito positivo junto diplomacia dos

    dois pases e, se porventura o empreendimento submergisse novamente,as responsabilidades poderiam ser imputadas ao inconformismoinstintivo dos anarquistas por governos organizados.34

    As hipteses levantadas por Newton Stadler de Sousa socontestadas nas pginas de O anarquismo experimental de GiovanniRossi35. Publicada pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, a obrade Candido de Mello Neto o resultado da mais extensa pesquisa sobrea vida e obra deste libertrio, assim como da colnia por ele fundada emterras brasileiras no apagar do sculo XIX. Descendente de fundadoresda Colnia Ceclia, Candido de Mello Neto passou por Itlia, Frana,Inglaterra, Holanda, Estados Unidos e por alguns dos principaisarquivos histricos do Brasil no encalo de documentos que pudessemcontribuir para a reconstruo da histria da Colnia Ceclia e da

    biografia de seu idealizador.

    33 SOUSA, Newton Stadler de. O anarquismo da Colnia Ceclia. Rio deJaneiro: Civilizao Brasileira, 1970, p. 10.34 SOUSA, 1970, p. 11.35 MELLO NETO, Candido de. O anarquismo experimental de Giovanni Rossi.De Poggio al Mare Colnia Ceclia. Ponta Grassa: Ed. UEPG, 1998.

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    Para Candido de Mello Neto,

    Rossi, incorrigvel detalhista, no faz qualqueraluso a isso em livros, em cartas a familiares e

    amigos ou em relatrios ao seu bigrafo deZurique.Tambm A. Capellaro, o cronista da ColniaCeclia, responsvel por numerosas referncias em

    jornais e revistas da Europa e da Amrica doNorte, sequer se refere ao nome de D. Pedro II.E os poucos autores paranaenses, contemporneosda experincia libertria, quando escreveramsobre a Colnia, tampouco registraram qualquer

    interferncia do Imperador.36

    Mdico e historiador, Candido de Mello Neto atenta para ossintomas e indcios que desconstroem a verso saborosa, mas ficcionaldesta histria. Passo a passo, com a preciso de um cirurgio, o mdico

    profissional e o historiador diletante expem seus argumentos: em 1888,Rossi encontrava-se ocupado com a experincia de Cittadella e portantono poderia estar com Pedro II em Milo; o projeto de fomentarcolnias agrcolas no norte da Itlia encabeado por Giovanni Rossi,

    tinha como objetivo evitar a sada do pas de milhares de robustosemigrantes37; Rossi pensava em ir para as colnias Kaweah e Sinaloa,situadas respectivamente na Califrnia e no Mxico; as terras para afundao da colnia no foram doadas mas compradas com a ajuda daCooperativa Cittadella.38

    Nomes como o de Carlos Gomes e Lauro Rossi tambm voprogressivamente sendo apagados das pginas da histria da ColniaCeclia. A partir das pesquisas da italiana Rosellina Gosi, apoiada emdepoimento de Ebe Rossi, filha de Giovanni,39 Candido de Mello Netoda continuidade ao desmonte dos elementos ficcionais que revestirameste captulo da histria da Colnia Ceclia. Segundo Ebe Rossi, o

    parentesco de seu pai com Lauro Rossi, o professor do conservatrio deMilo, no existiu. Tratava-se apenas de um homnimo. Nem mesmo a

    paixo do pai pela msica, to presente nos livros de Schmidt, Stadler,Kupper e mesmo de Zlia Gattai confirmada por Ebe Rossi.

    36 MELLO NETO, 1998, p. 103.37 Ibid., p. 105.38 Ibid., p. 106.39 Ibid., p. 104.

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    Gradativamente, Histria e Literatura assumem cores diferentes.As palavras de Mello Neto encontram ressonncia nos prprios

    relatos de Giovanni Rossi. Em O nascimento da Colnia Ceclia40,datado de 1891, Rossi afirma que o destino final do grupo era o Uruguaie no o Brasil. Em funo das constantes perturbaes provocadas pelomal de mar, o pequeno grupo de imigrantes decidiu desembarcar no

    porto de Paranagu e tentar a sorte em solo paranaense:

    Ns devamos ir a Porto Alegre, mas dois dosnossos companheiros sofriam de tal maneira domal de mar que decidimos poupar-lhes os outroscinco ou seis dias de navegao e descer aqui,

    para fundar a nossa colnia socialista em algumaparte do Paran, que sabamos com clima ameno esaudvel.41

    Uma vez desatados os ns que entrelaavam Histria e Literatura,a deciso sobre o local onde seria instalada a Colnia Ceclia parece ter

    pertencido mais ao acaso do que a benevolncia do imperador brasileiro.Como relatava Giovanni Rossi, as circunstncias mais do que suas

    prprias vontades, conduziram-nos ao municpio de Palmeira, no estado

    do Paran (Brasil).

    42

    Nesse contexto, de acordo com os relatos de Giovanni Rossi,aps uma experincia frustrada na tentativa de fundar uma colniaexperimental do Stagno Lombardo, foi por sugesto de AschilleDondelli, que no dia vinte de fevereiro de 1890, a bordo do Citt diRoma, ele e mais cinco companheiros, partiram para a Amrica do Sul. 43Nas promissoras terras do continente americano, destino idealizado pormuitos conterrneos dos libertrios, o anarquismo experimental porcerto vingaria, e com ele, o amor livre e o fim da famlia nuclear.

    Os emigrantes e libertrios italianos haviam decidido que apenasum pequeno grupo incumbiria-se da responsabilidade de localizar as

    40 ROSSI, Giovanni. O nascimento da Colnia Ceclia. (1891). In: ROSSI,Giovanni. Colnia Ceclia e outras utopias. Traduo e introduo de MarziaTerenzi Vicentini e Miguel Sanches Neto. Curitiba: Imprensa Oficial, 2000.41 Ibid., p. 28-29.42 ROSSI, Giovanni. Comunidade anarquista experimental. (1893). In: ROSSI,Giovanni. Colnia Ceclia e outras utopias. Traduo e introduo de Marzia

    Terenzi Vicentini e Miguel Sanches Neto. Curitiba: Imprensa Oficial, 2000, p.64.43 Rossi, op. cit., p. 21.

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    terras onde fundariam a colnia. Alm de Giovanni Rossi, Cattina eAschille Dondelli, Evangelista Benedetti, Lorenzo Arriguini e GiacomoZanetti compunham o pequeno grupo44 que em 18 de marodesembarcou na baa do Rio de Janeiro. Aps alguns dias hospedados naIlha das Flores, os seis libertrios embarcados no vapor Desterro, fariamainda uma escala em Santos antes de aportarem em Paranagu, litoral doestado do Paran, em vinte e oito de maro de 1890. Em Paranagutomariam o trem para Curitiba onde seriam orientados pela Inspetoria deTerras e Colonizao a fundarem a colnia no territrio de So Mateus,onde corre o bonito rio Iguau,45 conforme as palavras de GiovanniRossi. Instalados provisoriamente em Curitiba, l permaneceram atRossi e Benedetti, que haviam partido para o interior do estado,

    retornarem com a localizao exata das terras que abrigariam o ncleolibertrio.46Em dois de abril de 1890, Giovanni Rossi e Evangelista Benedetti

    chegavam a Palmeira. Observador perspicaz, o veterinrio e agrnomoGiovanni Rossi tomou nota de todos os traos que davam forma regio. Geografia, fauna e flora seriam meticulosamente analisadas, tudo

    para que, desta vez, a colnia experimental encontrasse xito em soloparanaense. Assim, relatava Giovanni Rossi:

    Nestas terras, perto de alguns ps de laranja, nafrente de quatro altas palmeiras, os recm-chegados tiveram a sorte de encontrar umacasinha de madeira abandonada que, de imediato,foi ocupada. Eram os primeiros dias de abril de1890.47

    Nas proximidades da colnia Santa Quitria e da colniafrancesa, fundadas respectivamente por colonizadores russos e por

    famlias vindas de Avignon, os libertrios italianos edificaram a sua

    44 ROSSI, Giovanni. O nascimento da Colnia Ceclia. (1891). In: ROSSI,Giovanni. Colnia Ceclia e outras utopias. Traduo e introduo de MarziaTerenzi Vicentini e Miguel Sanches Neto. Curitiba: Imprensa Oficial, 2000, p.22-23.45 Ibid., p. 37.46 Ibid., p. 35.47 ROSSI, Giovanni. Comunidade anarquista experimental. (1893). In: ROSSI,

    Giovanni. Colnia Ceclia e outras utopias. Traduo e introduo de MarziaTerenzi Vicentini e Miguel Sanches Neto. Curitiba: Imprensa Oficial, 2000, p.64.

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    colnia experimental48. Inicialmente abrigaram-se todos em habitaesimprovisadas que mais tarde dariam lugar ao vilarejo Anarquia,49como era denominado o conjunto de moradias da colnia, composto porvinte pequenas construes rudimentares, muitas delas de cho-batido edesprovidas de boa parte do mobilirio necessrio para uma modestahabitao.50

    No obstante o diminuto nmero de pioneiros e a instabilidadedemogrfica que perdurou at o fim da Ceclia, a pequena colniachegou a somar trezentos habitantes,51 abastecida por sucessivas levasde imigrantes que para l se dirigiram entre os anos de 1890 e 1894.Entre outubro de 1890 e junho de 1891, perodo em que Rossi regressou Itlia para persuadir homens e mulheres dispostos a compor o ncleo

    libertrio, a colnia veria sua populao atingir aproximadamente 150pessoas, crescimento demogrfico que despertou a preocupao deGiovanni Rossi.52

    Contudo, apesar das oscilaes demogrficas, os habitantes dacolnia, desde a sua gnese, excluram qualquer forma de organizaosocial rgida, bem como lderes e chefias que respondessemindividualmente pelo ncleo libertrio. A Colnia havia sido fundada

    para ser um laboratrio social e deveria manter a coerncia com asprerrogativas tericas do anarquismo, ainda que falhasse. Identificar as

    consistncias e as fragilidades das teorias libertrias estava entre osobjetivos do anarquismo experimental. Nesse sentido, centralizaodas decises, seus habitantes propunham formas de organizaoespontneas, baseadas nos princpios de autogesto e estabelecidasatravs de acordos mtuos e voluntrios. Segundo Giovanni Rossi,

    por uma reao natural ao formalismo estril efunesto do perodo passado, o grupo no quis terqualquer tipo de organizao. No foi estipulado

    48 ROSSI, Giovanni. O nascimento da Colnia Ceclia. (1891). In: ROSSI,Giovanni. Colnia Ceclia e outras utopias. Traduo e introduo de MarziaTerenzi Vicentini e Miguel Sanches Neto. Curitiba: Imprensa Oficial, 2000, p.39-40.49 ROSSI, Giovanni. Comunidade anarquista experimental. (1893). In: ROSSI,Giovanni. Colnia Ceclia e outras utopias. Traduo e introduo de MarziaTerenzi Vicentini e Miguel Sanches Neto. Curitiba: Imprensa Oficial, 2000, p.75.50 Ibid., p. 75.51 Ibid., p. 81-82.52 Ibid., p. 66.

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    nenhum pacto, nem verbal nem escrito. Nenhumregulamento, nenhum horrio, nenhum encargosocial, nenhuma delegao de poderes, nenhumanorma fixa de vida ou trabalho.53

    Entretanto, questes relativas infraestrutura, s atividadeseconmicas, divergncias internas, em suma, questes de interesse geral,demandavam alguma forma de organizao poltica que permitisse a

    participao e deliberao dos moradores. Para tanto, adotava-se umsistema de referendo bastante questionado por Giovanni Rossi:

    um sistema grotesco de referendum, obrigando aspessoas a perderem muito tempo em assembliasociosas, das quais resultavam to-somente

    promessas no cumpridas, ambies maldissimuladas e mexericos ridculos. Elegiam-secomisses, votavam-se regulamentos, discutia-seat o embrutecimento. A colnia, naquele tempo,

    por no ter a conscincia anarquista que podiasalv-la, estava destinada a morrer.54

    Da mesma forma que o sistema poltico, a organizao da

    produo material da colnia no obedecia padres rgidos defuncionamento, orientando-se pela mxima comunista de cada umsegundo suas foras, a cada um segundo suas necessidades. A atividadeeconmica da colnia baseava-se na agricultura, na criao de animais,na produo artesanal de barris de madeira e tambm na construo deestradas subsidiadas pelo governo,55 atividade esta, que representavauma importante fonte de recursos para a aquisio de diversos insumos egneros no produzidos na colnia.

    A organizao da produo material caracterizava-se pelaausncia de qualquer norma impositiva que disciplinasse ostrabalhadores em relao jornada de trabalho, ou ainda, em relao diviso do trabalho. A quantidade e o ritmo das atividades, assim comoa funo exercida pelos trabalhadores, submetiam-se s vontades de

    53 ROSSI, Giovanni. Comunidade anarquista experimental. (1893). In: ROSSI,Giovanni. Colnia Ceclia e outras utopias. Traduo e introduo de MarziaTerenzi Vicentini e Miguel Sanches Neto. Curitiba: Imprensa Oficial, 2000, p.

    69.54 Ibid., p. 67.55 Ibid., p. 66.

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    cada indivduo.Giovanni Rossi era enftico ao dizer que o trabalho na Ceclia

    no tem regulamentos nem qualquer organizao.56 Contudo,costumava-se obedecer os ciclos da natureza, iniciando o trabalho comos primeiros raios de sol at o entardecer. Observa-se ainda, que oscolonos organizavam a diviso do trabalho por gnero, reservando smulheres os afazeres domsticos, enquanto os homens eramresponsveis pelo trabalho na lavoura e outras atividades braais:

    levantamos mais ou menos quando nasce o sol alguns um pouco antes, outros um pouco depois.Em determinadas pocas, dada a urgncia decertos trabalhos, contamos com uma espcie dedespertador pedimos ao companheiro maismadrugador que nos acordasse (...). Saindo decasa, cada um se dirigia ao seu trabalho, enquantoas mulheres preparavam o caf na cozinhacomum. Depois de uma ou duas horas de trabalhomatutino, um de cada vez, em grupos, todos comtimo apetite, corremos ao refeitrio(...).Voltamos a trabalhar at por volta do meio-dia, quando se d outra visita ao refeitrio (...).

    Em seguida, tiramos duas horas de descanso, otempo de digerir e fumar um cigarro. Voltamos,ento, ao trabalho at o por-do-sol57.

    Para Rossi, a conscincia das necessidades e o medo dacrtica58 eram os fatores responsveis pelo bom desenvolvimento da

    produo que, entretanto, foi descrita como insuficiente para satisfazeras necessidades materiais mais elementares dos moradores da colnia.Segundo Giovanni Rossi,

    a nossa vida, quanto s condies materiais, agora bastante miservel, muito mais miservel doque a que levam neste pas os operrios sob oregime capitalista. E entende-se que deva ser

    56 ROSSI, Giovanni. Comunidade anarquista experimental. (1893). In: ROSSI,Giovanni. Colnia Ceclia e outras utopias. Traduo e introduo de MarziaTerenzi Vicentini e Miguel Sanches Neto. Curitiba: Imprensa Oficial, 2000, p.

    73.57 Ibid., p. 76.58 Ibid., p. 75.

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    assim, uma vez que ns temos que criar tudo como nosso trabalho, ao passo que na vida burguesa seusufrui abundantemente do trabalho acumulado

    pelas geraes passadas, sob a forma de capital,

    de confortos privados, de servios pblicos eassim por diante.59

    Consoante ao que vem sendo dito, Amilcare Capellaro60, em cartapublicada no peridicoLa Rvolte, alerta os emigrantes interessados empartir para o Paran com o intuito de integrar o experimento libertrio,sobre as reais condies de vida no interior da Colnia Ceclia:

    no podendo responder diretamente a todos os

    companheiros que se dirigiram a mim para fazerparte da Colnia Ceclia na provncia do Paran(Brasil), eu os advirto que atualmente, visto a

    pequena produo que ela possui, no se podefornecer trabalho e alimentao a muitas pessoas,e por isto sou obrigado a limitar o nome doscompanheiros que partiro na prxima expediode 25 corrente.Reservo-me de dar no prximo nmero um

    quadro geral da colnia. Eu advirto a esses quequerem dela fazer parte, que eles devem estarconvencidos que l embaixo, eles no tm aindaabundncia. Estes que se decidiram, devem se

    preparar para grandes sacrifcios.61

    As dificuldades enfrentadas pelos colonos para assegurar asubsistncia atribuda por Giovanni Rossi inexperincia doshabitantes da colnia em relao ao trabalho no campo, dado que muitos

    eram operrios e artesos e no camponeses habituados ao cultivo da

    59 ROSSI, Giovanni. Comunidade anarquista experimental. (1893). In: ROSSI,Giovanni. Colnia Ceclia e outras utopias. Traduo e introduo de MarziaTerenzi Vicentini e Miguel Sanches Neto. Curitiba: Imprensa Oficial, 2000, p.74.60 Integrante da Colnia Ceclia, Amilcare Capellaro manteve correspondnciacom muitos peridicos libertrios da Europa e dos Estados Unidos, como o La

    Rvolte, Les Temps Nouveaux e Freiheit, divulgando notcias e informaes

    acerca da colnia experimental fundada por Giovanni Rossi.61 Publicada no peridico francs La Rvolte, semana de 23 a 29 de julho de1892.

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    terra. Em carta endereada aos irmos Sestilio e Properzia, GiovanniRossi salientava que preciso porm refletir que quase nenhum de nsera agricultor,62 fator que dificultava a produtividade das lavouras.

    Entretanto, as crticas de Rossi no se restringiam organizaopoltica e econmica da colnia, sendo tambm proferidas contra aprecariedade da vida cultural dos seus habitantes, descrita por ele comodemasiado incipiente e pobre.63 Rossi queixava-se que instruo,msica, teatro, bailes, diverses de vrios gneros, gostaramos muito det-las, mas at agora no foi possvel.64

    No ano de 1895, o peridicoLes Temps Nouveaux publicou umacorrespondncia emitida de Curitiba por um dos ex-moradores daColnia Ceclia, qui Amilcare Capellaro, uma vez que o jornal refere-

    se ao autor apenas como o correspondente,65

    anunciando o fim dacolnia experimental anarquista. Segundo o missivista,

    a Colnia Ceclia, situada nesta provncia, a 18quilmetros de Palmeira, no existe mais desde oano passado. Ela teve, como todas as espcies detentativas, sua juventude, sua idade viril e suadecadncia, mas aqui o ciclo no foi muito longo:quatro anos somente e tudo acabou.66

    De acordo com o correspondente, as dificuldades materiaisimpediram que a colnia se desenvolvesse e fosse capaz de prover cadaum de seus habitantes com o essencial para satisfazer as necessidadesimediatas, fazendo surgir uma crise que despertou desentendimentos erivalidades entre os moradores da Colnia Ceclia. Segundo ocorrespondente annimo, neste pas preciso bastante dinheiro parafazer vir os apetrechos e o material necessrio ao desenvolvimento daobra: a pobreza nos impediu.67 No obstante as dificuldades materiais e

    62 Carta endereada aos irmos Sestilio e Properzia, datada de 12 de outubro de1891.63 ROSSI, Giovanni. Comunidade anarquista experimental. (1893). In: ROSSI,Giovanni. Colnia Ceclia e outras utopias. Traduo e introduo de MarziaTerenzi Vicentini e Miguel Sanches Neto. Curitiba: Imprensa Oficial, 2000, p.76.64 Ibid., p. 76.65 Publicada no peridico francs Les Temps Nouvaux, semana de 17 a 23 de

    outubro de 1895.66 Ibid.67 Publicada no peridico francs Les Temps Nouvaux, semana de 17 a 23 de

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    a crise de subsistncia, vieram ainda as divergncias pessoaisresponsveis por desagregar o ncleo libertrio:

    assim como nas assemblias, formam-se partidose rivalidades, o vcio aparece como nas prises:

    procura-se, pensa-se em encostar-se sobre osoutros. Ento chega a saturao e se dispersam.Alguns malficos compram tudo e tornam-se, porsua vez, grandes proprietrios.68

    Giovanni Rossi, em carta a Alfred Senftleben, atribuiu osdesentendimentos e divergncias que contriburam para o fim daColnia Ceclia, ao egosmo dos imigrantes parmenses que chegaram aoncleo libertrio no final de 1891 e que, durante o convvio com osdemais moradores, passaram a exigir mais produtividade doscompanheiros, muitos dos quais, sem qualquer experincia com otrabalho agrcola, ou ainda, por serem pouco dados ao trabalho nocampo. Desta forma, questionava e conclua Giovanni Rossi:

    Como podia funcionar e como funcionou esteegosmo em uma comunidade anarquista?Somente comparando a prpria produtividadecom o trabalho alheio. Esta comparao era fcil edesfavorvel aos companheiros no agricultores,

    por que estes pouco habituados ao trabalho doscampos e alguns tambm pouco trabalhadores porndole, por hbito ou de propsito.69

    De acordo com Giovanni Rossi, o resultado dessas rivalidades

    foi que alguns colonos abandonaram a

    comunidade e se estabeleceram como colonosindependentes sobre terreno prprio. Outrosficaram. De resto, os demais, tacitamente ou

    publicamente, incentivavam os companheiros aum maior trabalho. Ento se deu o fenmenocurioso, que naquela comunidade anarquista, cadaum sentia pesar sobre si o controle docompanheiro, mais pesado e insuportvel, por

    outubro de 1895.68 Ibid.69 Carta endereada a Alfred Senttblen, datada de 06 de abril de 1896.

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    quanto silencioso e travestido, do controle de umchefe de salo em uma oficina burguesa. Faltandovirtualmente o direito ao cio, a anarquia setransformou em uma palavra. A permanncia na

    Ceclia para alguns, tinha se tornado moralmentepenosa.70

    Os relatos de Giovanni Rossi, assim como de outros moradoresda Colnia Ceclia trazem tona as dificuldades e privaes enfrentadas

    pelas colnias de imigrantes fundadas no interior do Brasil no final dosculo XIX. Suas palavras desfazem o cenrio romntico retratado pelaliteratura e que muito contriburam para cristalizar uma representaoutpica em torno da Colnia Ceclia, onde seus habitantes desfrutavamfartamente de uma vida igualitria, sem lei e sem vcios, como o caricatoGioia Aristide, personagem do romance de Afonso Schmidt.71 Gioia, um

    burocrata italiano desiludido, decide acompanhar os anarquistas nafundao da colnia e, ao pisar nas terras de Santa Brbara, despe-se e

    passa a viver nas matas como um eremita.Nos relatos e nas cartas de Giovanni Rossi, bem como nas

    correspondncias de Amilcare Capellaro, possvel perceber que aorganizao poltica e econmica da Colnia Ceclia estavam longe da

    vida idealizada nas pginas dos romances. No obstante suassingularidades, a Colnia Ceclia era mais uma entre tantas colnias deimigrantes italianos pobres que buscavam assegurar a subsistncia emsolo brasileiro. Contudo, apesar de todos os entraves, foi no interior daColnia Ceclia que Giovanni Rossi conseguiu concretizar seusobjetivos: a prtica do anarquismo experimental ou a anlise emprica ecientfica das teorias libertrias.

    1.2 O ANARQUISMO EXPERIMENTAL E AS MATRIZES DO

    PENSAMENTO DE GIOVANNI ROSSINascido na cidade de Pisa no ano de 1856, norte da Itlia,

    Giovanni Rossi, o primognito do casal Carolina e Tito, pertencia a umafamlia pequeno-burguesa. A me, Carolina Baldi Rossi, era filha de ummdico, enquanto o pai, Tito Rossi, exercia a profisso de advogado72.Giovanni, o mais velho dos seis filhos, recebeu slida formao

    70 Carta endereada a Alfred Senttblen, datada de 06 de abril de 1896.71 SCHMIDT, 1980, p. 39.72 MULLER, Helena Isabel. Flores aos rebeldes que falharam. Giovanni Rossie a utopia anarquista. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1999, p.130.

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    acadmica, graduando-se em medicina e cirurgia veterinria na EscolaSuperior de Pisa e na Academia de Perugia73.

    Muito ligado s cincias naturais, Giovanni Rossi no se deteveao exerccio da medicina veterinria, ampliando seu raio de atuaotambm para a rea das cincias agrrias. Foi nas terras da famlia, que o

    jovem mdico veterinrio iniciou sua carreira profissional e deu osprimeiros passos em direo a produo cientfica, publicando estudosrelacionados zoologia e agronomia74. Mais tarde, seus artigoscientficos nas reas de agronomia e veterinria seriam muito

    prestigiados, especialmente no Brasil, sobretudo quando esteve frenteda Escola Superior de Agronomia de Taquari, sediada no Rio Grande doSul, e em Santa Catarina, dirigindo a Estao Agronmica e de

    Veterinria do Estado.75

    Contudo, muito antes de percorrer a regio sul do Brasilpropagando idias subversivas e atuando no fomento de instituies deensino e pesquisa no campo das cincias naturais, Giovanni Rossi, almdos inumerveis artigos cientficos, empenhou sua caligrafia redigindoopsculos e artigos dedicados propaganda e defesa do anarquismoexperimental. Os esforos de Crdias76 para fazer valer as idias doanarquismo experimental, assim como para persuadir correligionrios

    para a fundao de colnias-laboratrio, permeiam suas publicaes,

    desde a primeira edio de Un Comune Socialiste, em 1878, at apublicao de Lo Sperimentale, peridico editado entre 1886 e 1887exclusivamente com o intuito de divulgar a necessidade de experimentare analisar empiricamente as teorias libertrias.

    Profcuo escritor da imprensa revolucionria, Giovanni Rossipublicou muitos artigos em peridicos socialistas e anarquistas como oIn Marcia,Il Secolo,La Rivendicazione,La Plebe, Favilla, Il Lavoro, IlSocialista e Humanitas, este, responsvel por incorporar entre suas

    pginas, oLo Sperimentale, extinto precocemente aps a publicao decinco nmeros.77

    73 SANTOS, Lucy Woellner dos. Estao Agronmica e de Veterinria doEstado (1895-1920): uma abordagem histrica sobre o incio da pesquisaagrcola em Santa Catarina. Florianpolis: Ed. da UFSC, 1998, p. 110.74 Ibid., p. 110.75 Ibid., p. 110.76 Pseudnimo adotado por Giovanni Rossi e com o qual assinava muitos de

    seus escritos.77 As referncias dos peridicos com os quais Giovanni Rossi contribui podemser encontradas no conjunto de obras relacionadas Colnia Ceclia, listadas em

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    vido por observar na prtica o funcionamento das teoriaslibertrias, Giovanni Rossi empreendeu uma srie de tentativas defundar colnias experimentais, comeando em Gavardo, provncia deBrscia, no ano de 1883, formando uma sociedade agrcola, organizadanos moldes de uma cooperativa,78 segundo Candido de Mello Neto.

    Sofrendo com as dificuldades impostas pela vigilncia dasautoridades locais, Rossi, com o apoio de Giuseppe Mori, socialista quecompunha o Parlamento Nacional da Itlia, funda em 1887, aAssociao Agrcola Cooperativa de Citadella, no Estagno Lombardo,

    provncia de Cremona79. No entanto, a recusa dos colonos face aoestatuto sedimentado sobre princpios libertrios, desestimularam Rossi,que no interior da prpria Citadella, cria no ano de 1888, a Unione

    Lavoratrice per La Colonizzazione Sociale In Italia. Esta associao,com sede provisria em Cittadela, visava fundar em Parma uma colniaexperimental.80

    Obstinado, as tentativas frustradas de medrar colniasexperimentais libertrias em Brscia e Cremona no desacreditaramGiovanni Rossi, que insistiria ainda mais uma vez em praticar oanarquismo na Itlia antes de partir para o Brasil. Foi junto aoscamponeses do povoado de Torricella, provncia de Parma, que Rossifaria sua ltima tentativa. Mais tarde, muito desses camponeses iriam

    integrar o conjunto de imigrantes que constituram a Colnia Ceclia.Segundo Candido de Mello Neto, Giovanni Rossi

    defendeu, a partir da adolescncia, e desde queabraou o socialismo, a tese de que no bastavaapresentar as idias libertrias como teoricamenteas melhores para a construo de uma sociedade

    justa; era necessrio exibir a comprovao,mostrar sua viabilidade. A comprovao poderia

    ser demonstrada pelos resultados obtidos nascolnias experimentais.81

    O anarquismo experimental s foi possvel ser pensado em

    ordem alfabtica nas referncias bibliogrficas. Alguns peridicos, como IlLavoro e Il Socialista, esto disponveis para consulta no Museu dos CamposGerais, localizado na cidade de Ponta Grossa - PR.78 MELLO NETO, 1998, p. 71.79 Ibid., p. 78.80 Ibid., p. 8481 MELLO NETO, 1998, p. 67.

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    funo de um dado contexto histrico que ensejou que Giovanni Rossiadmitisse a sociedade como objeto de estudo cientfico. Paracompreender a necessidade de Giovanni Rossi de experimentar asteorias libertrias e de exp-las ao julgamento da cincia, deve-secompreender o papel ocupado pela cincia naquele contexto, bem comoas matrizes do seu pensamento.

    Os avanos da cincia e da tecnologia provocados pela SegundaRevoluo Industrial ou Cientfico-Tecnolgica nas ltimas dcadas dosculo XIX, mais precisamente, entre as dcadas de 1870 e 1914,encerravam um perodo de incertezas para expandir desmesuradamenteos horizontes, inaugurando uma fase de grande esperana e otimismo nofuturo da humanidade, cujo progresso teria como carro-chefe, o

    desenvolvimento cientfico, trao marcante deste fim de sculoconhecido como a era da sciencia82.Envolvido pela atmosfera intelectual do sculo XIX, que elegeu

    a cincia uma cincia positiva e determinista como seu mito deorigem, seu porto seguro,83 Giovanni Rossi acreditava que as idias eteorias anarquistas deveriam no apenas ser iluminadas pelo sabercientfico, como experimentadas com base nos mtodos das cinciasnaturais. Como um cientista que reproduz em laboratrio os fenmenosnaturais para serem analisados e com isso determinar as leis gerais que

    regem o fenmeno, Rossi pensava poder conhecer as leis que regem osfenmenos da vida social,84 como ele prprio assinalava. Identificandoseus aspectos positivos e negativos, as teorias libertrias poderiam serrevistas, ganhando assim consistncia e legitimidade cientfica para

    persuadir os segmentos do proletariado ainda no convencidos pelasteorias libertrias.

    De acordo com as autoras deNo Tempo das Certezas, sonhou-semuito na passagem do sculo XIX para o XX.85 Tal como seuscontemporneos, Giovanni Rossi no apenas sonhou muito, comoacreditou que aquele era o tempo para concretizar os seus prprios

    projetos polticos e sociolgicos, mais precisamente, para fundar umacolnia-laboratrio onde as teorias libertrias pudessem ser analisadas

    82 COSTA, ngela Marques da; SCHWARCZ, Lilia Moritz. No tempo dascertezas 1870 1914. Rio de Janeiro: Cia. das Letras, 2000, p. 15.83 Ibid., p. 48.84 ROSSI, Giovanni. Comunidade anarquista experimental. (1893). In: Colnia

    Ceclia e outras utopias. Traduo e introduo de Marzia Terenzi Vicentini eMiguel Sanches Neto. Curitiba: Imprensa Oficial, 2000. p. 81.85 COSTA; SCHWARCZ, 2000, p. 11.

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    atravs do prisma da cincia positiva.Para Giovanni Rossi, a relevncia da anlise cientfica do

    comportamento social humano em colnias experimentais justificava-sepor duas razes: a primeira, por fornecer argumentos palpveis daaplicabilidade das teorias libertrias, como pode ser observado em Onascimento da Colnia Ceclia, quando Rossi diz sempre ter sonhadocom a idia de encontrar outro argumento de persuaso numaexperincia parcial de vida socialista,86 assim como quando alega quepara quem no ficou persuadido com as teorias, oferecemos a

    prtica.87Amilcare Capellaro, em carta publicada noLa Rvolte no ano de

    1892, corrobora os propsitos expostos por Giovanni Rossi ao escrever

    que a maior parte dos indivduos que vieram paraa colnia no ano de 1891 eram todos anarquistasrevolucionrios convencidos que eles iriamdemonstrar assim ao mundo, que a anarquia no uma utopia como dizem os adversrios, mas queela pode ser realizada na prtica.88

    Entretanto, propaganda pelo exemplo, Rossi aliava outroobjetivo: contribuir para o desenvolvimento do conhecimento cientficodas questes sociais. Referindo-se aos esforos para fundar a ColniaCeclia, Rossi indagava se

    as fadigas, as privaes, os tormentos moraiscausados pelo medo do insucesso serviram paraalguma coisa? Acrescentaram um dado positivoao patrimnio cientfico da sociologia, umexemplo aos argumentos da propaganda?89

    Para Giovanni Rossi, atravs da sociologia seria possvelconhecer as leis que regem os fenmenos sociais de modo a utiliz-las

    86 ROSSI, Giovanni. O nascimento da Colnia Ceclia. (1891). In: ColniaCeclia e outras utopias. Traduo e introduo de Marzia Terenzi Vicentini eMiguel Sanches Neto. Curitiba: Imprensa Oficial, 2000, p. 21.87 Ibid., p. 22.88 Publicada no peridico francs La Rvolte, semana de 01 a 07 de outubro de1892.89ROSSI, Giovanni. Comunidade anarquista experimental. (1893). In: ColniaCeclia e outras utopias. Traduo e introduo de Marzia Terenzi Vicentini eMiguel Sanches Neto. Curitiba: Imprensa Oficial, 2000, p. 79.

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    no processo de transformao social, tal como propunha AugustoComte, pensador que exerceu forte influncia sobre Giovanni Rossi.

    Segundo Augusto Comte, as vantagens de conhecer as leis dosfenmenos expressavam-se pela mxima cincia, da previdncia;

    previdncia, da ao.90 Deste modo, para Rossi, as teorias libertriasno deveriam ser conflitantes com as leis que regem os fenmenossociais, mas desenvolvidas sobre bases empricas e cientficas, ou seja,sociolgicas, pois desta forma se tornariam exeqveis. De acordo comRossi,

    advm disso a necessidade, ou pelo menos aconvenincia, para ns, de estudarexperimentalmente nesse sentido as capacidadeshumanas, para poder aplicar em seguida oconhecimento exato delas na determinao das

    provveis transformaes sociais no campo daatividade econmica.91

    Diferentemente do esteretipo do militante anarquista terroristadifundido em fins do sculo XIX, Giovanni Rossi pretendia utilizar oconhecimento cientfico, mais especificamente, a sociologia positivista,

    como instrumento de transformao social. Motivado pelo impulso dasdescobertas cientficas nas ltimas dcadas do sculo XIX, assim comopelas possibilidades oferecidas pelas cincias sociais que despontavamnaquele momento, em especial, pela nascente sociologia, GiovanniRossi pretendia revestir as teorias libertrias de cientificidade de modo a

    produzir um discurso autorizado, tornando legtimas as teoriaslibertrias por meio da validao cientfica em colnias experimentais.

    A confiana depositada por Giovanni Rossi no conhecimentocientfico, sobremaneira, nas cincias sociais como instrumento de

    transformao da realidade, pode ser observado nas pginas de OParan no sculo XX, obra literria em que Rossi idealiza um processorevolucionrio ocorrido no estado do Paran durante o sculo XX.Atravs do personagem Dr. Grillo, Giovanni Rossi afirma que durante o

    processo de transformao social, paralelamente propaganda popular,a propaganda cientfica ficou mais intensa,92 e conclui: de todas as

    90 COMTE, Auguste. Curso de filosofia positiva. In: Os pensadores. So Paulo:

    Abril Cultural, 1978, p. 23.91 ROSSI, op. cit., p. 80.92 ROSSI, Giovanni. O Paran no sculo XX. (1895). In: Colnia Ceclia e

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    cincias sociais nasceu a convico da necessidade e da iminncia deuma grande transformao das estruturas econmicas e burguesas.93

    Para Giovanni Rossi, o movimento revolucionrio quetransformaria a realidade da futura sociedade paranaense seria ummovimento cientfico, movido por idias e no por armas. SegundoRossi,

    este movimento cientfico, do qual participou aintelectualidade do Paran, no s possua suas

    prprias bibliotecas, suas associaes, seus jornaise suas reunies como tambm exercia tamanhainfluncia na opinio pblica que foi instituda

    uma cadeira de sociologia na Universidade doParan.94

    Em Comunidade anarquista experimental, datado de 1893,Giovanni Rossi dedica-se extensamente a desfazer os mal-entendidosque obscureciam as razes de ser da Colnia Ceclia e do anarquismoexperimental, e que muitas vezes motivavam elementos alheios colnia, muitos dos quais pertencentes ao movimento anarquista, comoErrico Malatesta,95 a fazer crticas contundentes aos libertrios do

    ncleo experimental, reputados de desertores.96 Giovanni Rossi eraacusado de abandonar as lutas revolucionrias para tentar edificar umamicro-sociedade utpica, onde apenas alguns poucos desfrutariam deuma vida livre e igualitria.

    Giovanni Rossi no almejava fundar comunidades onricas ondetodos pudessem desfrutar os deleites de uma sociedade que reunissetodos os predicados das utopias de Morus e Campanella, nem mesmofornecer a frmula para as sociedades vindouras como pensava Fourier.Segundo Giovanni Rossi,

    outras utopias. Traduo e introduo de Marzia Terenzi Vicentini e MiguelSanches Neto. Curitiba: Imprensa Oficial do Paran, 2000, p. 145.93 Ibid., p. 145.94 Ibid., p. 145.95 Errico Malatesta (1853-1932). Anarquista italiano defensor do anarco-comunismo. Exerceu grande influncia no movimento anarquista internacional,contribuindo tambm para a formao dos primeiros movimentos sociaisorganizados na Argentina, onde esteve exilado em 1885.96 ROSSI, Giovanni. Comunidade anarquista experimental. (1893). In: ColniaCeclia e outras utopias. Traduo e introduo de Marzia Terenzi Vicentini eMiguel Sanches Neto. Curitiba: Imprensa Oficial, 2000, p. 63.

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    alguns julgavam que tivssemos vindo aquifabricar o modelo, o espcime da sociedade

    futura, para depois apresent-lo, com ou sempatente, humanidade, de maneira que, logo apsa revoluo social, esta no tivesse outroincmodo a no ser de encomendar sua fabricao

    por atacado.97

    Giovanni Rossi desmentia aqueles que os acusavam de tentarreproduzir em escala reduzida a sociedade libertria idealizada,alegando que a sociedade fruto da soma de fatores espontneos e no

    do produto da vontade consciente de alguns poucos:A saber: que uma organizao social no o

    produto arbitrrio de vontades individuais oucoletivas, que no a realizao de um idealfilosfico nem a ampliao de um ensaio parcial,mas a transformaes espontneas de toda ahumanidade, que encontra em si as necessidades,os meios e as maneiras de se transformar.98

    As vozes dissonantes, Rossi contestava dizendo que a ColniaCeclia teria sido fundada com o intuito de provar, para si mesmos e

    para os outros, se e como um grupo viveria sem leis e sem donos,99bem como com o propsito de estudar cientificamente por meio deamostragem, a interao entre indivduos em uma sociedade libertria,tal como observa-se no excerto abaixo:

    V-se, portanto, que o nosso propsito no foi a

    experimentao utopista de um ideal, mas oestudo experimental e na medida do possvelrigorosamente cientfico das atitudes humanasem relao aos problemas mencionados.Quem tiver pouca prtica nos mtodos das

    pesquisas cientficas, dever achar que em uns

    97 ROSSI, Giovanni. Comunidade anarquista experimental. (1893). In: ColniaCeclia e outras utopias. Traduo e introduo de Marzia Terenzi Vicentini e

    Miguel Sanches Neto. Curitiba: Imprensa Oficial, 2000, p. 79.98 Ibid., p. 79.99 Ibid., p. 64.

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    poucos indivduos no podem ser estudadas asqualidades de todo gnero humano ou, numalinguagem simples, que o que possvel entre

    poucos nem sempre o entre muitos.100

    Denominando-se de otimista da escola positivista,101 GiovanniRossi, apoiado nos princpios da sociologia de Augusto Comte, buscavacompreender atravs do estudo em colnias experimentais, as leis quedeterminavam os fenmenos sociais. Segundo Giovanni Rossi, o fsico

    estuda os mecanismos da vida tais como ocorremem milhares de sujeitos atravs da vivisseco deum nico organismo. E mostrando a nu o corao

    palpitante nos espasmos da agonia, no diz: eis avida, e sim: eis as leis que regem os fenmenosda vida.Quisemos fazer o mesmo para procurar conheceras leis que regem os fenmenos da vida social.Para o nosso intento, a rigor teria sido suficientefazer uma experincia com um nico homem quetivesse sido subtrado ao estmulo do interesse

    pessoal, influncia da autoridade a ao imprio da

    lei.Ns, ao contrrio, tivemos a possibilidade deefetuar a experincia com mais de trezentas

    pessoas que, por perodos mais ou menos longos,viveram na Ceclia.102

    A corroborao pela cincia das teorias libertrias era, paraGiovanni Rossi, uma condio necessria para a viabilidade doanarquismo. Os estudos sociolgicos e a identificao das leis que

    regem a sociedade determinariam o pragmatismo das teorias libertrias.Homem do seu tempo, Giovanni Rossi acreditava piamente nasverdades da cincia e em seu potencial libertador.

    Em O Paran no sculo XX, obra em que Rossi expe suas idias

    100 ROSSI, Giovanni. Comunidade anarquista experimental. (1893). In: ColniaCeclia e outras utopias. Traduo e introduo de Marzia Terenzi Vicentini eMiguel Sanches Neto. Curitiba: Imprensa Oficial, 2000, p. 81.101 ROSSI, Giovanni. Um caso de amor na Colnia Ceclia. (1893). In: Colnia

    Ceclia e outras utopias. Traduo e introduo de Marzia Terenzi Vicentini eMigue