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Março, 2014 „E OUVIRAM-SE AS VOZES DE MULHERES AFRICANAS...” O FEMINISMO AFRICANO E A ESCRITA DE CHIMAMANDA NGOZI ADICHIE” Natalia Telega-Soares Dissertação de Mestrado em Estudos sobre as Mulheres. As Mulheres na Sociedade e na Cultura.

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Março, 2014

„E OUVIRAM-SE AS VOZES DE MULHERES AFRICANAS...”

O FEMINISMO AFRICANO E A ESCRITA DE CHIMAMANDA

NGOZI ADICHIE”

Natalia Telega-Soares

Dissertação de Mestrado em Estudos sobre as Mulheres.

As Mulheres na Sociedade e na Cultura.

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Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à

obtenção do grau de Mestre em Mestrado em Estudos sobre as Mulheres.

Mulheres na Sociedade e na Cultura, realizada sob a orientação científica de

Professora Doutora Ana Paiva Morais e Professora Doutora Ana Maria

Mão de Ferro Martinho Carver Gale.

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“I am not free while any woman is unfree, even when her shackles are very different from my own.

And I am not free as long as one person of color remains chained.

Nor is any one of you.”

(Audre Lorde)

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AGRADECIMENTOS

Esta dissertação representa um caminho – uma viagem ao meu interior – no sentido

de aquisição de conhecimentos, que considero preciosos e do despertar da consciência

sobre matérias que acredito me alargaram os horizontes e me enriqueceram pessoalmente.

Um percurso pautado, por vezes, por incertezas, questionamentos e pontual desalento mas

que, acima de tudo, se revelou num trilho cheio de luz, cores e fragrâncias – com novas

vozes que passaram a ecoar na minha vida – quando a minha imaginação e reflexões se

familiarizaram com a temática, na senda de respostas a perguntas que me colocara no

início da pesquisa.

Não existem palavras que possam exprimir a minha gratidão a quem comigo

embarcou nesta aventura e me fortaleceu, nomeadamente em momentos menos fáceis.

Os primeiros agradecimentos são endereçados à minha Orientadora, a Professora

Doutora Ana Paiva. Não será exagero se admitir que a Professora se revelou a orientadora

de sonho. Registo, com grande apreço, o entusiasmo com que me aceitou como orientanda

e como isso representou, para mim, um enorme privilégio. Pelo apoio técnico, referências,

sugestões, palavras reconfortantes, encorajamento e atenção que me dispensou – a minha

profunda gratidão.

Expresso palavras de agradecimento também à Professora Doutora Ana Mão de

Ferro Martinho Gale – pela gentileza ao aceitar a tarefa de coorientação desta dissertação,

pelo apoio no que se reporta a indicações bibliográficas e pela estimulante troca de ideias

que me proporcionou.

À São, minha querida cunhada e amiga, uma grande mulher que admiro e sempre

vou admirar, por todo o apoio ao longo dos últimos meses e pela leitura crítica do meu

trabalho. As suas palavras cheias de força animaram-me quando foi preciso.

Ao José, meu marido e grande amigo, minha alma gémea, pelo apoio constante em

cada fase de realização deste estudo, desde a conceção à paginação, acompanhando sempre

com afeto e entusiasmo as minhas inquietações e descobertas. Obrigada por teres

caminhado comigo!

Todos os meus pensamentos vão para os meus queridos Pais que, embora vivam

quase a 4.000 quilómetros de Portugal, estão presentes no meu coração. Estou grata por

terem sempre acreditado em mim e, com isso, me terem feito acreditar que com ética,

trabalho, esforço e determinação tornamo-nos naquilo que queremos ser.

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Por fim, não posso deixar de mencionar as minhas amigas e amigos que estiveram

também ao meu lado e me prestaram atenção, auxílio, colocando questões que me

ajudaram a refletir e a prosseguir: Ewa K., Ewa S., Gabriela M., Juliana S., Joana C. e

Przemek Z. Obrigada por fazerem parte da minha vida!

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RESUMO

„E OUVIRAM-SE AS VOZES DE MULHERES AFRICANAS...”

O FEMINISMO AFRICANO E A ESCRITA DE CHIMAMANDA NGOZI

ADICHIE”

NATALIA TELEGA-SOARES

Esta dissertação tem como objetivo analisar a problemática do pensamento de mulheres

negras, afro-americanas e africanas, expressamente nas suas obras selecionadas para o

efeito. Pretende-se aprofundar as questões relacionadas com a problemática do racismo e

das práticas de exclusão levadas a cabo por feministas brancas ocidentais perante mulheres

negras e denunciadas por intelectuais negras como bell hooks, Patricia Hill Collins, Audre

Lorde, feministas pós-coloniais como Uma Narayan, Chandra Talpade Mohanty e Gayatri

Chakravorty Spivak e africanas, nomeadamente Molara Ogundipe-Leslie, Oyeronke

Oyewumi, Chikwenye Ogunyemi, etc.

No âmbito deste trabalho, dar-se-á particular relevo à questão da voz de mulheres negras,

no sentido da sua capacidade de denunciar as práticas discriminatórias por parte dos

feminismos ocidentais que relegaram as mulheres negras à margem da vida cultural e

histórica. Analisar-se-á a razão por detrás de distanciamento de feministas negras de alguns

conceitos promovidos por feminismos ocidentais e explicar-se-á a importância da

insistência de mulheres negras no seu direito à auto-nomeação enquanto ato político e

simbólico. O ato que leva as mulheres negras a elaborar respostas mais adequadas à

realidade e às necessidades das suas conterrâneas que não são, de maneira nenhuma,

idênticas às verbalizadas pelas feministas no Ocidente.

Nesta dissertação de mestrado, optou-se, principalmente, por uma perspetiva cultural (na

sua parte dedicada à teoria feminista, por exemplo) de forma a enquadrar a problemática da

mulher africana enquanto sujeito com voz. A parte baseada em obras literárias incluída na

dissertação, que apresenta dois romances de autora nigeriana da nova geração,

Chimamanda Ngozi Adichie, terá como objetivo fornecer um instrumento de análise mais

prático dos problemas abordados na parte inicial.

PALAVRAS-CHAVE: feminismo, mulheres, África, voz, escrita

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ABSTRACT

“AND THERE WERE HEARD AFRICAN WOMEN´S VOICES ...”

THE AFRICAN FEMINISM AND CHIMAMANDA NGOZI ADICHIE´S

WRITING”

The aim of this thesis is to examine problematics of thought expressed in selected writings

by Black, Afro-American and African women. We sought to fathom questions related to

the problem of racism and exclusionary practices implemented by White Western feminists

toward Black women and denunciated by Black female intellectuals, such as bell hooks,

Patricia Hill Collins, and Audre Lorde; by post-colonial feminists, such as Uma Narayan,

Chandra Talpade Mohanty, and Gayatri Chakravorty Spivak; and, finally, by African

women, namely, Molara Ogundipe-Leslie, Oyeronke Oyewumi, and Chikwenye

Ogunyemi, among others.

Within the scope of this work, particular focus shall be placed on the question of Black

women´s voice, specifically its ability to denounce discriminatory practices implemented

by Western feminisms that relegate Black women to the margin of cultural and historical

life. We will examine the reasons behind detachment of Black feminists from some of the

concepts disseminated by Western feminisms, and we will expound significance of Black

women´s insistence upon their right to self-naming as a political and symbolic act - the act

which prompts Black women to elaborate more adequate answers to their own reality and

necessities which are not, by any way, synonymous to those expressed by the feminists in

the West.

In this Master Thesis, we have opted for a cultural perspective (in the Thesis´s part

dedicated to the feminist theory, for instance) to contextualise the problematics of the

African woman as an individual possessing her own voice. The part based on literary

works included in this study presenting two novels by a Nigerian female writer of the new

generation, Chimamanda Ngozi Adichie, has as its aim to provide a tool for a more

practical analysis of the questions touched upon in the initial part.

KEY WORDS: feminism, women, Africa, voice, writing

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ÍNDICE

Introdução …………………………………………………………………..... 1

1. Mulheres Afroamericanas e a crítica do feminismo anglo-americano …... 5

1.1. O conceito de irmandade enquanto fundamento do feminismo branco ……… 5

1.2. Críticas do feminismo hegemónico e do conceito de irmandade

por mulheres negras …………………………………………………………… 7

1.3. Imagens estereotípicas das mulheres negras …………………………………... 8

1.4. As práticas de racismo e da exclusão no passado histórico ……………............ 11

1.5. As experiências das mulheres negras enquanto conhecimento subjugado ……. 12

1.6. As vozes emergentes de mulheres negras na contemporaneidade e na História

passada...…………………………………………………………………........... 14

1.7. Os pontos de rutura entre feministas brancas e negras…………………………. 17

2. Construção da mulher do Terceiro Mundo enquanto “Outra” …………… 20

2.1. O que significa “Terceiro Mundo”? …………………………………………… 21

2.2. Mulher colonizada entre duas culturas em guerra ……………………………… 22

2.3. Imagens da “Outra” na epistemologia feminista ocidental …………………….. 25

2.4. Pode a “Outra” falar? ………………………………………………………….. 30

3. O Feminismo africano e o pensamento centrado nas mulheres ……………. 32

3.1. As linhas de demarcação entre o feminismo ocidental e africano ……………… 33

3.1.1. Género enquanto uma categoria da análise …………………………….. 33

3.1.2. Posicionamento perante homens e maternidade ………………………… 34

3.2. O ato libertador de auto-nomeação ……………………………………………. 36

3.3. Conceitos e alternativas oferecidos por mulheres africanas …………………….. 37

3.3.1. Womanism de Chikwenye Ogunyemi …………………………………… 38

3.3.2. Africana womanism de Cleonora Hudson-Weems ……………………… 40

3.3.3. Stiwanism de Molara Ogundipe-Leslie ………………………………….. 41

3.3.4. Motherism de Catherine Acholonu ……………………………………… 43

3.3.5. Negofeminismo de Obioma Nnaemeka …………………………………. 44

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4. A escrita literária como voz de insurgência …………………………….... 47

4.1. Na margem do cânone – exclusão de escritoras africanas …………………. 48

4.2. Romper com os estereótipos à volta de mulheres africanas: a narrativa de

Chimamanda Ngozi Adichie ………………………………………………… 51

4.2.1. A Cor de Hibisco ……………………………………………………. 52

4.2.2. Meio Sol Amarelo …………………………………………………… 56

Conclusões ………………………………………………………………….. 62

Referências bibliográficas …………………………………………………. 65

Índice onomático …………………………………………………………… 70

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Introdução

Esta dissertação intitulada “E ouviram-se as vozes de mulheres africanas…”

Feminismo africano e a escrita de Chimamanda Ngozi Adichie” nasceu da vontade de

contribuir para o campo dos Estudos sobre as Mulheres através da análise da temática da

voz da mulher negra, da invisibilidade desta e das múltiplas opressões que a relegam para a

margem da cultura. Ao longo dos últimos anos, através do processo de leitura e reflexão,

temo-nos apercebido da necessidade de estudar e analisar a problemática do pensamento da

mulher negra e da sua forma de abordar a sua condição e posição perante o mundo, para

que o seu pensamento e a escrita sejam mais conhecidos e apreciados. Acreditamos que a

análise da problemática das questões relacionadas com os feminismos negros e africanos, a

reflexão sobre a reação das mulheres negras no que diz respeito à construção da mulher do

Terceiro Mundo enquanto Outra e sobre a insistência das mulheres africanas no direito à

auto-nomeação, enriquecem o conhecimento académico, abrindo espaço para discussão e

reflexão acerca de questões levantadas neste estudo.

O presente trabalho pretende trazer respostas às questões que nos inquietaram

profundamente: porque é que as mulheres negras se separaram do movimento feminista

ocidental e não se identificaram com muitos aspetos que motivaram as feministas brancas,

porque é que as feministas ocidentais excluíram as mulheres negras do seu conceito de

“irmandade”, como é que as intelectuais negras, afro-americanas e da diáspora africana

reagiram ao conceito de “irmandade”, quais foram os pontos de rutura entre as feministas

brancas e negras, e, por fim, como as intelectuais negras usaram a sua voz, que lhes foi,

outrora, negada, para denunciarem as práticas racistas e discriminatórias dos feminismos

brancos. A insistência das feministas africanas em se autonomearem, em criarem a sua

própria terminologia que se adequasse melhor às suas vidas e realidades, constituiu um

ponto muito importante para este trabalho, pois permitiu demonstrar que as mulheres

africanas não são vítimas mudas sem a sua própria voz expressa através da palavra escrita.

Aliás, o termo “voz” é o fio condutor de todo o trabalho, ligando os seus capítulos com o

objetivo de desenhar uma imagem da mulher africana enquanto ser poderoso, ciente de si e

capaz de desafiar não só os estereótipos provenientes do ocidente mas também as normas

culturais africanas.

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É de extrema importância aqui sublinhar que não se trata, e não se pode tratar, de

todas as mulheres africanas de forma equivalente, tal como todo o continente africano não

pode ser visto e “lido” segundo os mesmos critérios, pois a sua riqueza histórica e cultural

não o permite. Tratar as mulheres africanas como indivíduos homogéneos seria uma forma

de lhes recusar a sua singularidade e heterogeneidade.

Em termos de orientações teóricas, pretende-se apresentar algumas correntes da

teoria feminista, analisar o conceito de “irmandade” como um dos principais motivos de

atuação das feministas ocidentais da segunda vaga, para compreendermos melhor a

separação dos feminismos brancos por parte das algumas feministas pós-coloniais. Serão

ainda apresentados alguns dos conceitos fundamentais dos “feminismos” africanos para

compreender o caminho que as mulheres africanas percorreram e com que dificuldades se

depararam na sua busca de autodefinição, e de apresentação de soluções teóricas para a

problemática das mulheres que são provenientes delas próprias - do seu percurso

intelectual e da sua escrita - e não do mundo exterior, ocidental.

A bibliografia utilizada para o efeito foi escolhida cuidadosamente para que

pudesse ilustrar as problemáticas referidas. Revelou-se muito estimulante e importante

para nos apresentar algumas intelectuais negras que se tornaram ícones do pensamento

feminista negro e analisar alguns dos seus trabalhos. Desta forma, optou-se por livros e

ensaios escritos ainda nos anos 70, 80 e 90 do século XX por académicas negras como, por

exemplo, bell hooks, Patricia Hill Collins, Angela Davis, Audre Lorde, Mary Kolawole,

Oyeronke Oyewumi, Molara Ogundipe-Leslie, as feministas do Terceiro Mundo (o uso do

termo será apresentado no Capítulo 2) como Gloria Anzaldúa, Uma Narayan ou Chandra

Talpade Mohanty, visto que o que interessava era identificar o pensamento das mulheres

negras analisando a sua escrita e, desta forma, dar-lhes voz, em vez de analisar as obras das

feministas ocidentais sobre as mulheres negras.

O objetivo principal desta dissertação de mestrado será argumentar e provar que as

mulheres africanas lutam, com sucesso, contra a imagem que lhes é imposta de serem

mudas, de não terem a voz com que se possam autodefinir, de dar o nome à sua luta e ao

seu quotidiano. É importante realçar que se abordará, principalmente, a perspetiva cultural

(na sua parte dedicada à teoria feminista, por exemplo) de forma a enquadrar a

problemática das mulheres africanas enquanto detentoras de voz no sentido de elas serem

capazes de se pronunciar sobre a sua condição e vida. A parte desta dissertação que

incidirá sobre obras literárias terá como objetivo fornecer um instrumento mais prático de

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análise dos problemas abordados na sua parte inicial. A escolha de uma escritora africana

que pudesse ilustrar a tese desta dissertação, de que as mulheres são detentoras de uma voz

própria, lutadoras e raramente se assumem como vítimas, foi ditada por várias razões. É

verdade que Chimamanda Ngozi Adichie é, atualmente, uma das mais conhecidas e lidas

autoras africanas e uma escritora cujas obras se encontram traduzidas para várias línguas.

Além disso, ela é considerada uma escritora talentosa, premiada por cada um dos seus

romances, e que, nas suas obras, se debruça sobre temáticas importantes para o povo

nigeriano. No entanto, a sua escrita toca nas problemáticas que são cruciais para este

trabalho – a situação das mulheres africanas nas suas sociedades e as estratégias de

sobrevivência que adotam face às dificuldades. Por escrever com mestria sobre mulheres,

celebrando as suas forças e capacidades, como recomendou às escritoras africanas a

académica e feminista nigeriana Chikwenye Ogunyemi (1985), Chimamanda Ngozi

Adichie revelou-se o exemplo perfeito da voz da escritora africana contemporânea.

O presente trabalho encontra-se dividido em quatro capítulos, sendo os três

primeiros de cariz mais teórico. O capítulo 1 debruça-se sobre o conceito de “irmandade”

desenvolvido por feministas brancas ocidentais, o problema do racismo no movimento e

pensamento feminista na história passada e no presente, analisando a escrita das mulheres

afro-americanas e a sua insistência na necessidade de desconstruir a imagem negativa da

mulher negra e da sua sexualidade. Serão ainda apresentados exemplos das práticas de

exclusão por parte das feministas brancas ocidentais no mundo académico e literário. O

capítulo 2 centrar-se-á na denúncia do silenciamento das mulheres do Terceiro Mundo por

parte das feministas ocidentais. A partir dos textos de Uma Narayan e Chandra Talpade

Mohanty analisar-se-á como as obras sociológicas e literárias produzidas no Ocidente

contribuíram para a construção da mulher do Terceiro Mundo enquanto “Outra”, vítima

sem voz. Da mesma forma, a mulher africana foi construída enquanto vítima pobre,

ignorante e inconsciente da sua situação. No capítulo 3 serão analisados os conceitos

ligados às várias versões do “feminismo” africano, questão muito importante para as

intelectuais africanas se autonomearem e autodefinirem, sendo que o poder de darem o

nome à sua luta constitui um ato político. Nesta parte do trabalho tentaremos compreender

quais são as vertentes e as leituras do feminismo africano e o motivo pelo qual as

intelectuais africanas fizeram o esforço de se separar do feminismo ocidental. O último

capítulo debruçar-se-á sobre dois romances de Chimamanda Ngozi Adichie – “A Cor do

Hibisco” (2003) e “Meio Sol Amarelo” (2006) de forma a compreender se, e em que

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medida, a ficção duma das escritoras africanas da nova geração contribuiu para devolver a

voz perdida das mulheres africanas.

É verdade que Adichie publicou três romances (sendo “Americanah” publicado em

2013 o terceiro romance), um volume de contos (The Thing around Your Neck, 2009) e

uma peça de teatro (For Love of Biafra, 1998), no entanto, para objeto desta dissertação

centrar-nos-emos nos dois primeiros romances. Esta opção justifica-se porque o âmbito

desta dissertação não engloba toda a obra da autora e não pretende analisar de forma

exaustiva todas as dimensões da sua escrita. O romance “Americanah” merece, sem

dúvida, um estudo separado, visto que as questões de identidade racial, de pertença étnica e

da identidade construída à volta da raça e das relações inter-raciais nos Estados Unidos

transcendem o objetivo deste trabalho. A personagem principal de “Americanah” – Ifeoma

- é extremamente complexa e construída, também, em grande parte, em torno destas

questões raciais as quais merecem um tratamento específico e mais desenvolvido do que

seria possível realizar neste estudo, sob pena de resultar numa análise incompleta. Feita

essa escolha, procederemos à análise crítica de todas as questões enunciadas nesta

Introdução, na esperança de encontrar respostas para as perguntas e tentar contribuir, de

alguma forma, para imprimir visibilidade ao pensamento e à figura da mulher africana,

enquanto entidade dotada de voz própria.

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1. Mulheres Afroamericanas e a crítica do feminismo anglo-americano

O objetivo deste capítulo será compreender, através de literatura selecionada para o

efeito, e criada, principalmente nos anos 80 e 90 do século XX, porque é que um dos

grandes conceitos dos feminismos brancos ocidentais – o da irmandade (sisterhood) –

nunca foi abraçado por mulheres negras. Tentaremos analisar criticamente as reações

expressas através da escrita – ensaios, artigos, livros completos – de mulheres negras que,

principalmente nas últimas décadas do século passado, se ergueram contra as imagens

estereotipadas dominantes das sociedades brancas ocidentais e que se estendem à crítica

feminista. Foram estas imagens, que datam dos tempos de escravatura e que perduram até

ao dia de hoje, que relegaram as mulheres negras à invisibilidade histórica e cultural.

Audre Lord (2007a) afirma que a invisibilidade de mulheres negras é o resultado da

visibilidade distorcida pela cultura e do silêncio imposto a mulheres negras. A noção de

irmandade promovida por feministas brancas assentava na crença de que todas as mulheres

sofriam do mesmo tipo de opressão (patriarcal) pelo que se revelou, graças ao trabalho

efetuado por várias feministas negras, um conceito oco, falso e hipócrita, como teremos a

possibilidade de verificar.

1.1. O conceito de irmandade enquanto fundamento do feminismo branco

Nas últimas décadas do século XX, durante a segunda vaga dos feminismos, viram

a luz do dia e, por conseguinte, abanaram a sociedade rompendo com ideias estabelecidas,

os livros que se tornaram as principais referências para as gerações contemporâneas e

futuras de mulheres cuja missão foi lutar pelos seus direitos. Em 1963 foi publicado o livro

de Betty Friedan “Feminine Mystique”, sete anos depois, em 1970, Kate Millet publicou a

sua tese de doutoramento “Sexual Politics”, no mesmo ano saiu o livro de Shulamith

Firestone “The Dialectic of Sex: A Case for Feminist Revolution” e, também em 1970,

Germaine Greer publicou o seu muito aclamado livro, “The Female Eunuch”. O ano de

1970 foi muito prolífico e testemunhou a explosão das publicações de grande impacto na

área dos feminismos. Estes trabalhos serviram de inspiração para os futuros trabalhos de

feministas e académicas/os. Finalmente, no mesmo ano (1970) Robin Morgan editou uma

antologia de textos feministas radicais sob o título significativo “Sisterhood is Powerful”.

Todos estes trabalhos, tal como outros, não mencionados aqui, mas considerados

importantes no mundo académico e ativista, visaram procurar resposta à pergunta: porque

é que a mulher é oprimida, quem a oprime e quais podem ser as eventuais soluções para a

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sua situação. Uma das conclusões tiradas por académicas feministas foi que todas as

mulheres, em todos os cantos do mundo, sofrem da mesma maneira. O conceito de

patriarcado ganhou imensa popularidade dentro dos estudos sobre as mulheres e foi visto

enquanto elemento principal responsável pela situação precária das mulheres (Narvaz &

Koller, 2006: 51). O patriarcado é, para explicar sucintamente, a supremacia masculina em

todas as dimensões da vida que relega mulheres à posição marginal dentro da sociedade –

tanto no espaço público, como no privado. Como argumenta Kramarae (1993: 397), o

termo “patriarcado” foi usado por feministas com grande frequência, já que parecia esgotar

todas as explicações sobre a opressão de mulheres no mundo. Como afirma esta autora,

através da pesquisa dos livros e documentos que tratavam da condição marginalizada das

mulheres, o patriarcado foi identificado, em todos estes trabalhos, como o sistema comum

à subjugação das mulheres.

Neste contexto, segundo o pensamento feminista dominante na época, se todas as

mulheres sofriam do mesmo tipo de opressão das mãos de homens só por serem mulheres,

o que as unia era precisamente o facto de serem mulheres. Na base desta caraterística –

mulheres não relacionadas biologicamente mas sim ligadas em solidariedade em

sofrimento e em luta comum contra a opressão – foi criado o termo de irmandade. A

relação de amizade e irmandade entre as mulheres tornou-se a base fundamental do

feminismo da segunda vaga. Na ótica das feministas, só esta relação de respeito e de amor

mútuo, compreensão e solidariedade face ao sofrimento e abuso experienciado por

mulheres, tem o potencial de subversão e libertação da opressão patriarcal (Lugones &

Rosezelle, 2003: 406-407).

Curioso é o facto de todos estes textos publicados nos anos 70 e 80, se

concentrarem somente na figura da mulher branca da classe média cuja experiência da vida

no seio da sociedade branca e patriarcal passou a ser a experiência universal de todas as

mulheres, em todo o mundo. Problemas enfrentados por mulheres brancas, tais como falta

de oportunidades no mercado de trabalho e na vida académica, domesticidade forçada e

supremacia masculina visível em cada dimensão da vida, tornaram-se, por extensão, os

problemas principais de todas as mulheres.

Shulamith Firestone (1970) acusa no seu livro “The Dialectics of Sex” a família

patriarcal de ser um dos maiores obstáculos à autorrealização das mulheres. Betty Friedan

(1963) descobre na sua famosíssima obra “The Feminine Mystique” “o problema que não

tem nome” com que a maioria de mulheres americanas tem que se confrontar: o vazio da

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existência da mulher da classe média que nunca trabalhou profissionalmente e que, por

obrigação externa, ficou confinada à vida doméstica:

“But the new image this mystique gives to American women is the old image:

´Occupation: housewife´. Beneath these sophisticated trappings, it simply makes certain

concrete, finite, domestic aspects of feminine existence – as it was lived by women whose

lives were confined, by necessity, to cooking, cleaning, washing, bearing children – into

religion, a pattern by which all women must now live or deny their femininity.”

(Friedan, 1963: 21)

Estes trabalhos e pontos de vista contribuíram para a visibilidade da mulher

enquanto vítima do sistema que a oprime ditando as condições da sua vida, as escolhas que

devia fazer, os padrões que devia seguir para corresponder à imagem da mulher perfeita e,

principalmente, feminina. Nestas imagens, as mulheres eram meramente bonecas, objetos

de decoração sem voz própria e vontade de dar rumo à sua vida (Bartky, 1998). Não se

pode, por isso, subestimar todo o efeito que as campanhas, as ações de sensibilização, os

livros, os discursos, etc. tiveram na mentalidade da sociedade na altura. As mulheres

feministas de segunda vaga, mostraram ao mundo que houve algo errado na forma como as

mulheres eram tratadas e representadas, privadas dos seus direitos e relegadas à posição de

cidadãs de segunda classe (Thompson, 2002: 338).

1.2. Críticas do feminismo hegemónico e do conceito de irmandade por

mulheres negras

O pensamento feminista desenvolvido durante a segunda vaga dos feminismos veio

a ser criticado fortemente por mulheres intelectuais afro-americanas e outras mulheres de

cor que entraram (ou tentaram entrar) em diálogo com os principais aspetos tratados no

feminismo chamado hegemónico (Thompson, 2002). Uma das principais acusações feitas

ao feminismo branco foi que este levou a cabo a tentativa de se posicionar na prática

política, enquanto o único movimento feminista que possuía a legitimidade para tal (Amos

& Parmar, 1984: 4). A experiência das mulheres brancas foi considerada a mais adequada,

a mais importante e quase universal, o que fez com que toda a panóplia de outras

experiências vividas por parte das mulheres negras fosse ignorada. Amor e Parmar

argumentaram que o pensamento feminista da segunda vaga nunca analisou devidamente a

questão do racismo, tão profundamente enraizado nas sociedades ocidentais. A ausência da

questão da raça na escrita e na prática feministas da época contribuiu para uma certa

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miopia entre as feministas brancas, empurrando assim a história das mulheres negras para

as margens da consciência e do conhecimento.

Contra essa tradição de apagamento histórico e cultural das mulheres negras nos

Estados Unidos levantaram-se várias intelectuais negras fazendo o trabalho que visava

colocar as mulheres negras no centro do movimento feminista, devolvendo-lhes o valor

que mereciam. Contam-se entre estas intelectuais Angela Davis, Audre Lorde, Barbara

Smith, bell hooks, Frances Bell, Julianne Malveaux, Toni Cade Bambara e Patricia Hill

Collins, entre outras. É claro que mais mulheres negras se envolveram ativamente na

missão de devolver a voz às mulheres que foram silenciadas pelo mainstream cultural,

histórico e feminista, porém a dimensão deste capítulo permite-nos só mencionar e analisar

a escrita e as ideias de algumas destas intelectuais.

1.3. Imagens estereotípicas das mulheres negras

A denúncia relativamente à estereotipia e às imagens negativas sobre as mulheres

negras foi já referida por parte de Angela Davis (1981: 3) que, no seu importante livro

“Women, Race and Class” afirmou que, nos estudos e nas pesquisas feitos por

investigadores/as americanos/as não houve espaço para nem interesse em incluir as

mulheres negras. Nos trabalhos que tratavam assuntos relacionados com a família ou as

tradições dos escravos, a mulher ou era invisível ou aparecia como ser extremamente

sexuado e promíscuo. Aliás, os relatos e os estudos sobre a suposta promiscuidade e

sexualização dos negros abundavam no mundo académico e influenciaram o imaginário

popular. A mulher negra, em especial, foi considerada como “fácil” e sempre disponível

sexualmente – como argumentavam as académicas negras feministas – e esta imagem

prevalece até hoje, prejudicando a situação da mulher negra na sociedade contemporânea

(Gilman, 1985; hooks, 1982, 1998, 2000, 2003; Collins, 2000).

Para melhor compreendermos esta imagem negativa, que é, aliás, um conjunto

destas imagens relacionadas com a mulher negra na sociedade branca ocidental,

necessitamos de recuar no tempo. A sexualidade dos negros, já no século XVII, tornou-se

sinónimo do desvio, ato ilícito e repugnante. O apetite sexual e o desejo erótico

assemelhavam-se mais aos dum macaco do que aos do ser humano (Gilman, 1985: 230).

Foram estas as imagens que predominaram na literatura das viagens ou “científica” da

época (séculos XVII-XIX). Com efeito, a mulher negra tornou-se o símbolo da sexualidade

negra doentia – lasciva, incontrolável e contrária à sexualidade sublimada da mulher

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branca. Estas diferenças, como explica Gilman, serviam para diferenciar (e valorizar

hierarquicamente) a raça negra e branca com o objetivo de elevar a raça branca. Vale a

pena aqui salientar, que com estas tendências na ciência, na filosofia, na arte, etc. que

visavam provar a superioridade biológica e moral da raça branca (Mama, 1995) a mulher

branca, embora oprimida em certas formas na sua sociedade, situava-se em posição de

superioridade em relação à mulher negra que se encontrava no fundo da camada social.

A ciência vai, assim, ao encontro do imaginário representado na arte – no

Dictionnaire des sciences médicales (1819), a natureza sexual dos negros é descrita como

“voluptuosa”, desconhecida nos climas do mundo ocidental, devido ao desenvolvimento

abundante dos órgãos sexuais dos negros. A fisionomia é o que distingue as raças e é

reveladora da natureza dos negros. A aparência física da mulher negra – a cor da sua pele e

a forma dos seus genitais são vistos como inerentemente diferentes (Gilman, 1985: 231).

Na literatura do século XIX a mulher negra era fortemente associada à prática de

prostituição. Assim, os dois elementos: o da prostituição e o da cor negra da pele iam de

mãos dadas com o discurso médico e literário da época. A mulher negra era associada

também aos órgãos sexuais anormais, e, por conseguinte, demonstrava a sexualidade

devoradora, perigosa e ilícita.

Estes argumentos sobre as imagens relativas à sexualidade das mulheres negras

ecoam na escrita de bell hooks (1982). No livro “Ain´t I a woman” a autora analisa a vida

das mulheres escravas transportadas para os Estados Unidos onde foram sujeitas a todos os

tipos de abusos, inclusive, ou talvez convenha admitir – principalmente – a abusos sexuais

por parte do seu dono branco. Violação na propriedade branca era uma realidade

quotidiana das mulheres negras. Bell hooks argumenta que toda a estereotipia ligada à

sexualidade ilícita e devoradora das mulheres negras tem as suas raízes no sistema de

escravatura quando todas as mulheres negras foram vistas como imorais, depravadas

sexualmente e “disponíveis” em qualquer momento. Têm aqui a sua culpa também as

mulheres brancas da época que contribuíram para esta opinião sobre as mulheres negras,

repetindo que as mulheres negras sempre iniciavam a relação sexual com homens, e por

isso justificava-se a exploração sexual das mulheres negras (hooks, 1982). Este trabalho,

escrito quando a autora era muito jovem é um documento muito importante dado que

imprimiu visibilidade à condição precária da mulher negra nos Estados Unidos, desde os

tempos da escravatura até aos dias de hoje. É também, um grito de revolta contra as

práticas de exclusão por parte das feministas brancas: «The success of sexist-racist

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conditioning of American people to regard black women as creatures of little worth or

value is evident when politically conscious white feminists minimize sexist oppression of

black women» (hooks, 1982: 51).

Alguns anos mais tarde, bell hooks continua a sua luta contra a marginalização das

mulheres negras e prossegue o tema da objetificação dos corpos e da sexualidade destas

mulheres. In “Selling Hot Pussy” (1998) a autora sublinha o facto de, na cultura

contemporânea, estarmos a evidenciar as tendências que tiveram lugar já no século XVII e

XIX, como atrás foi mencionado. Continuam as imagens da mulher negra como o objeto

sexual atraindo os olhares que mutilam o seu corpo. Em pleno século XX as mulheres

negras continuam a ser vítimas dos estereótipos negativos sobre a sua sexualidade,

promiscuidade e disponibilidade “a pedido”. E, novamente, as mulheres negras ficaram

entregues a si próprias com o problema, visto que o pensamento e a ação feminista dos

tempos que corriam não colocavam questões acerca da condição das mulheres negras. Ou o

problema nunca foi identificado ou, se o foi, terá sido ignorado como não sendo um

problema que dissesse respeito ao feminismo branco.

Vale a pena ainda apresentar a posição de Patricia Hill Collins (2000: 76) acerca

das imagens estereotipadas (por ela denominadas “imagens controladoras” [controlling

images]) na sociedade branca acerca das mulheres negras. Todas as imagens estereotipadas

servem para manter o instrumento de controlo vivo e eficiente. No imaginário popular, as

mulheres negras são tudo: recebem o apoio social, são sexua(liza)das, são consideradas

como mães poderosas (matriarcas) que, com efeito, não necessitam realmente de ajuda, ou

também são vistas como dependentes de Estado, no sentido de beneficiarem de apoio

social sem sequer tentarem trabalhar. Estas imagens fazem com que a discriminação contra

elas seja “justificada” e sustentada.

A autora distingue os seguintes três tipos de opressão das mulheres negras, nos

Estados Unidos da América: a opressão de cariz económico (visto que as mulheres negras

são exploradas economicamente e constituem a parte da sociedade americana mais atingida

pelo desemprego), opressão política (por exemplo, dificuldades em aceder a educação de

qualidade) e opressão da imagem do corpo, já acima referida. Esta última imagem da

“mulher de má vida” representa uma imagem muito viva e atual da sociedade

contemporânea.

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1.4. As práticas de racismo e de exclusão no passado histórico

O conceito da irmandade, ou seja, o sentido de união em prol dos direitos de todas

as mulheres, já existia, embora expresso de outra forma, nos tempos da luta pelos direitos

dos negros nos Estados Unidos. Pode-se afirmar, que no seio da atividade política das

mulheres em prol da libertação dos negros, nasceu a consciência de que as mulheres foram

subjugadas e forçadas à submissão. No caso das irmãs Grimké (Sarah e Angelina),

provenientes duma família sulista que possuía escravos, a consciência sobre a condição das

mulheres emergiu porque, na sua luta contra a escravatura, elas foram atacadas e

ridicularizadas por homens (Davis, 1981: 40.). Até a Igreja se pronunciou sobre a sua

atividade argumentando que, ao tentar substituir o lugar do homem na praça pública, elas

desafiavam a vontade de Deus em relação às mulheres.

Porém, no recente movimento dos direitos das mulheres e de todos os cidadãos,

aparece uma mancha, uma certa falha. Entre as mulheres brancas que defendem a abolição

da escravatura e os direitos das mulheres, não houve nenhuma mulher negra. Não só não

houve, como nem no discurso, nem nos documentos da época, a condição precária das

mulheres negras é sequer mencionada. Como argumenta Davis, só as irmãs Grimké

fizeram referências às condições das mulheres negras (escravas). Ambas criticaram

fortemente as ativistas brancas por estas terem ignorado as necessidades das mulheres

negras e por se terem “esquecido” de as envolver na luta contra a escravatura.

O racismo evidente dentro do movimento em prol das mulheres revelou-se

particularmente gritante e profundo quando começou a campanha pelo direito ao voto, no

seio do movimento sufragista. As sufragistas Elizabeth Cady Stanton ou Susan B. Anthony

opuseram-se ferozmente à emancipação política dos homens negros, se o direito ao voto

não fosse concedido às mulheres brancas (Davis, 1981: 78). Para o Partido Republicano, a

emancipação dos homens negros ia garantir mais votos porém, as líderes do movimento

sufragista revelaram profundo racismo rejeitando a hipótese de conceder o direito ao voto

aos homens negros, chamando-lhes ignorantes. Neste contexto, tem que se afirmar que as

mulheres negras nem sequer foram consideradas como merecedoras de um dos direitos

mais básicos da democracia. Foram ignoradas enquanto mulheres e cidadãs pelas suas

irmãs brancas (Sheftall-Guy, 1995).

O racismo no seio do movimento sufragista foi tão forte que a própria Susan B.

Anthony receava que as suas colegas brancas do sul pudessem separar-se do movimento e

da causa, se as mulheres negras fossem convidadas a se juntarem ao grupo (Davis, 1981).

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É certo que as feministas americanas daquela época não estiveram à altura da situação

quando era urgente responder ao racismo cada vez mais forte da sociedade americana.

1.5. As experiências de mulheres negras enquanto conhecimento subjugado

Esta exclusão das mulheres negras da atividade política e feminista empreendida

por mulheres brancas foi denunciada também nos nossos dias por feministas negras. O

conceito de irmandade foi considerado hipócrita e oco – ele não trazia nada às mulheres

negras nos Estados Unidos. Até se pode argumentar que o pensamento eurocêntrico estava

e continua a estar no centro de interesse da epistemologia feminista (Collins, 2003: 322). A

autora sempre viu a relação entre o conhecimento e as relações de poder. Mais do que isso,

ela estabeleceu as ligações entre o feminismo negro e o projeto da justiça social. O meio

académico, enquanto lugar onde nasce o conhecimento e onde as feministas brancas

desenvolveram as suas teorias, pode-se tornar também o locus da exclusão. Como

demonstrado por feministas negras, a exclusão das mulheres negras das universidades e

dos programas em Estudos sobre as Mulheres e Feministas assegurou aos homens brancos

e às mulheres brancas o espaço dentro destas instituições. Esta exclusão levou também à

consolidação da hegemonia branca. Foi revelado (hooks, 2003) que as feministas

ocidentais brancas contribuíram para o silenciamento das mulheres negras, suprimindo as

suas ideias e não permitindo a divulgação das mesmas. Embora as mulheres negras tenham

tido, há muito, ideias explícitas acerca da intersecção de fatores tais como a raça, o sexo e a

classe na sua opressão, elas próprias não encontraram o seu lugar dentro das estruturas

feministas brancas. A título de exemplo, bell hooks afirma que, durante muito tempo, as

académicas feministas negras não foram aceites pelos seus pares. Nas organizações

feministas brancas que trabalhavam no terreno também faltou lugar para as mulheres

negras (exemplo de NAWSA)1.

Esta denúncia é exatamente feita por uma feminista negra, lésbica, poeta e mãe de

dois filhos – Audre Lorde. No seu volume de ensaios e discursos compilados num livro

sob o título marcante “Sister Outsider” (2007) questiona porque é que as mulheres negras

académicas nunca são convidadas para conferências, ou se são convidadas, é em número

1 NAWSA – National American Woman Suffrage Association foi uma organização que nasceu em 1890

como resultado da fusão de National Woman Suffrage e American Woman Suffrage Association. Fonte:

http://www.britannica.com/EBchecked/topic/404319/National-American-Woman-Suffrage-Association-

NAWSA [acedido em 25 de Dezembro de 2013 às 10h23].

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reduzido. Porque existe aquele medo de tentar compreender as vivências e as experiências

das mulheres negras?

A palavra escrita por mulheres negras não pode ser apropriada para os efeitos

planeados por mulheres brancas, para provar as “verdades” preestabelecidas (hooks, 2000)

mas tem que ser lida para ser compreendida. Lorde (2007c: 43) assume que não é viável o

argumento quando uma académica ou uma professora afirmam que não se sentem

suficientemente preparadas ou não lhes cabe a elas ensinar a literatura das mulheres negras.

Justificam-se por não possuírem a experiência duma pessoa de dentro, duma insider.

Porém o contra-argumento de Lorde é – então estas académicas sentem-se preparadas para

ensinar a escrita e o pensamento dos clássicos gregos ou de Shakespeare? Na verdade,

estamos a lidar aqui, segundo afirma Lorde, com um pretexto para evitar entrar na

realidade quotidiana das mulheres negras. É uma responsabilidade de mulheres perante as

outras que lhes deveria ditar o envolvimento na ação de quebrar os silêncios e constituir as

pontes entre as diferenças. As separações que foram impostas às mulheres, tanto às brancas

como às negras, pela sociedade racista, não podem servir de desculpas para não iniciar a

tentativa de diálogo. Os silêncios são o que imobiliza o movimento na direção do outro:

“The fact that I am here and that I speak these words is an attempt to break that silence

and bridge some of those differences between us, for it is not difference which immobilizes

us, but silence. And there are so many silences to be broken”2.

(Lorde, 2007c: 44)

A mesma autora diz que a recusa ou a falta de vontade de estudar profundamente a

palavra escrita por mulheres negras, de incluir as suas obras nos programas de estudos

sobre as mulheres ou nas disciplinas relacionadas com a literatura das mulheres se deve ao

facto de as mulheres negras continuarem a não ser consideradas enquanto pessoas na sua

íntegra, sujeitos independentes com um conjunto de ideias, observações, histórias e

vivências por contar.

Estas observações remetem-nos para o conceito utilizado por Michel Foucault

sobre conhecimentos subjugados (Clarke, 1980) e que se adequa muito bem à problemática

aqui apresentada. Segundo Foucault, os conhecimentos subjugados são os conhecimentos

ingénuos localizados no fundo da hierarquia que não atingem os níveis requeridos para

serem introduzidos no sistema oficial institucionalizado. Noutras palavras, são os

conhecimentos ”não validados”, que existem ao lado dos conhecimentos autorizados. São

2 Discurso apresentado no “Painel da Literatura e do Lesbianismo” da Modern Language Association (MLA)

em Chicago no dia 28 de dezembro de 1977.

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os conhecimentos ocultos, desqualificados como não suficientemente credíveis. Cremos

que os conhecimentos das mulheres negras, as suas histórias e experiências possam ser

classificados consoante a definição de conhecimentos subjugados por terem sido,

precisamente, ocultos, ignorados, rejeitados por feminismos brancos. Vale a pena referir

que pode ser “útil” nomear ou categorizar um certo tipo de conhecimento como

“subjugado” porque, desta forma, ele perde a sua raison d´être ou a qualidade de ser

verdadeiro. Assim, o/a autor/a deste tipo de conhecimento é ignorado/a, desacreditado/a e a

sua experiência acaba por ser excluída.

1.6. As vozes emergentes de mulheres negras na contemporaneidade e na

História passada

Referindo os conhecimentos subjugados e colocando-os no contexto da

escrita/experiência das mulheres de cor, é oportuno mencionar a voz, expressa através da

palavra, na antologia dos textos criados por mulheres negras/de cor e editada por duas

escritoras e feministas chicanas – Cherríe Moraga e Gloria Anzaldúa. Esta antologia, sob o

título “This Bridge Called My Back”, publicada em 1981, foi trabalhada com o objetivo de

dar voz às mulheres oprimidas e apagadas na cultura e na história. As experiências do seu

quotidiano foram expressas em várias formas: através da poesia, do ensaio, dos discursos,

etc. Através da sua escrita, estas mulheres negras e de cor pretendiam prestar homenagem à

experiência que viviam e que constituía uma experiência muito diferente da de mulheres

brancas e também da de homens negros:

“By giving voice to such experiences, each according to her style, the editors and

contributors believed that they were developing a theory of subjectivity and culture that

would demonstrate the considerable differences between them and Anglo-American

women, as well as between them and Anglo-European men and men of their own culture”.

(Alcarón, 2003: 404).

Como afirma Norma Alcarón (2003: 407), a antologia em questão teve enorme

impacto na escrita e no pensamento feminista das décadas seguintes, porque abriu espaço

para os feminismos alternativos e não só para os feminismos brancos. A partir da data da

publicação do livro em 1981, foi possível incluir outros discursos feministas

(conhecimentos subjugados) no mainstream feminista e cultural. Tendo sido, todavia, a

brecha aberta, segundo explica a autora, há que renovar o debate acerca do impacto que

esta antologia provocou no feminismo branco. As feministas brancas citavam os textos do

livro apoiando-se neles para argumentar sobre as diferenças entre as mulheres de cor e

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brancas, porém, ao mesmo tempo, apagavam as diferenças entre estes grupos apresentando

as mulheres negras e de cor como uma amálgama, um grupo homogéneo, sem as suas

próprias diferenças e variedades. Desta forma, todas as mulheres negras foram empurradas

para uma categoria de “mulheres de cor”, o que nos faz voltar ao pensamento de Audre

Lord, citado neste capítulo, que dizia que os estereótipos e a apresentação errada e

simplista de mulheres negras as relegou, na realidade, para a invisibilidade e apagamento

cultural.

A questão da diferença foi também abordada por Audre Lorde (2007b). No seu

artigo de grande relevância “The Master´s Tools Will Never Dismantle the Master´s

House” a autora expõe o argumento de que o grande erro do feminismo constituiu a

tentativa de tolerar as diferenças, em vez de as aproveitar para reforçar as relações entre as

mulheres. As diferenças assumem o potencial de criar uma fonte de enriquecimento e

empoderamento, porém, as mulheres foram socializadas ou para ignorarem as diferenças

entre elas ou para as tratar como uma fonte do potencial conflito, uma razão que está por

detrás da separação.

“Difference must not be merely tolerated, but seen as a fund of necessary polarities

between which our creativity can spark like a dialectic. Only then does the necessity for

interdependency become unthreatening. Only within that interdependency of different

strengths, acknowledged and equal, can the power to seek new ways of being in the world

generate, as well as the courage and sustenance to act where there are no charters”.

(Lorde, 2007b: 111)

A diferença é vista, então, como uma fonte da criatividade e pode-se revelar uma

força inspiradora que contribui muito mais para a aproximação mútua do que o silêncio, o

medo e a separação. A diferença não tem que ser, obrigatoriamente, destrutiva, como

aparece universalmente vertida no pensamento filosófico do mundo ocidental onde as

diferenças são pensadas em termos de hierarquização e binarismo. O diferente, o outro,

tem que ser desvalorizado e colocado na posição inferior (Braidotti, 1994).

É importante sublinhar que, nos anos 70 e 80 do século XX ouviram-se, com toda a

força, mais vozes de mulheres afro-americanas que falaram a respeito da diferença e da

condição da sua vida. Apareceram publicações importantes, ao lado da já mencionada

antologia editada por Cherríe Moraga e Gloria Anzaldúa. Foi publicada uma antologia

“The Black Woman” (1981) e editada por Toni Cade Bambara ou “Home Girls: A Black

Feminist Perspective” editada em 1983 por Barbara Smith (James & Busia, 1993), entre

outras, cujo objetivo foi recuperar a visibilidade da mulher negra. O grupo de feministas

negras e lésbicas, the Combahee River Collective, fundado por Barbara Smith também

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tomou a sua posição na cena cultural e feminista da época, publicando em 1974 uma

importante declaração acerca das questões como o racismo, a opressão multifatorial, o

sexismo, a hegemonia heterossexual e a opressão de classe (The Combahee River

Collective, 2003).

Embora, como aqui temos provado, os feminismos brancos tenham contribuído,

conjuntamente com a cultura da sociedade e as suas práticas do racismo, do sexismo e do

classismo, para o sufocamento e silenciamento das mulheres negras, elas nunca se

adaptaram às regras ditadas pela maioria branca. O grande trabalho foi feito pelas mulheres

intelectuais negras com o objetivo de tirar das trevas as figuras importantes de mulheres na

história do movimento pelos direitos das mulheres. A “herstoria” – a história vista e

descoberta por mulheres e sobre mulheres traz-nos de volta nomes de mulheres

insubmissas, cientes do trabalho preciso para mudar a sociedade e as regras pelas quais

esta sociedade se governava.

Uma das primeiras intelectuais negras – Maria W. Stewart - já no século XIX

reconheceu a necessidade de as mulheres negras rejeitarem toda a estereotipia à sua volta

(Collins, 2003, Sheftall-Guy, 1995). Foi ela que argumentou que a opressão das mulheres

negras tem múltiplas caras, sendo uma delas a opressão de género, outra a opressão da

classe e a terceira a opressão de raça. Para Stewart não foi suficiente identificar as origens

da opressão; ela até tencionava ir mais longe e incentivava as suas irmãs negras para elas

procurarem denominar-se, criar autodefinições, buscar a sua própria força na fonte da

autonomia pessoal. Encorajava as mulheres para estas seguirem o exemplo dos homens na

luta pela independência e autonomia pessoal. As mulheres tinham que reclamar os seus

direitos e privilégios. A causa era a vida ou a morte. A inércia significava a morte, e a ação

prendia-se com a vida. Um forte instrumento de mudança e do empoderamento das

mulheres, na ótica de Stewart, foi a educação. O conhecimento permitia o acesso ao poder

– o poder de dar rumo à sua própria vida. O conhecimento era o poder em si próprio.

A atividade intelectual das mulheres negras no século XIX era bastante prolífica e

não se limitava à escrita de Stewart. Havia outras intelectuais negras que devolveram a voz

à mulher negra colocando-a no centro do seu interesse e da sua ação. Devolvidas ao mundo

por feministas do século XX, trazem-nos o depoimento que desmente o estereótipo sobre a

mulher negra enquanto ser passivo, somente vitimizado e não consciente da sua situação.

As obras que foram escritas no final de século XIX por mulheres negras tiveram como

objetivo analisar a situação sociopolítica à data e lutar contra a dura realidade da

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comunidade afro-americana. As mulheres negras pronunciaram-se contra o linchamento, o

racismo, a falta de condições humanas e outras injustiças feitas aos negros nos Estados

Unidos, desde os tempos da escravatura (Mama, 1995). As angústias das mulheres afro-

americanas não se limitavam somente às “questões das mulheres” (Carby, 1985).

A escrita das mulheres como Ann Cooper3, por exemplo, tornou-se uma arma de

intervenção cultural e política. O desafio perante as mulheres negras consistiu, afinal de

contas, em dar uma nova forma à sociedade. Curiosamente, Ann Cooper não fazia a

distinção entre os aspetos biológicos dos sexos. No seio da sociedade, as mulheres também

sabiam adaptar-se às normas e às regras do sistema masculino, enquanto os homens

podiam apresentar as caraterísticas e seguir as virtudes femininas. Os textos de Cooper

atacavam fortemente as práticas da exclusão de mulheres/feminismos brancos, acusando-as

de falta de solidariedade (Guy-Sheftall, 1995: 43).

As mulheres brancas tiveram a sua parte na consolidação do sistema patriarcal que

criou e reforçou as estruturas sociais que assentavam no racismo e sexismo. Por manter o

silêncio sobre a múltipla discriminação das mulheres negras, por defender os interesses da

sua raça e classe e o estatuto social de que as mulheres brancas gozaram, elas, desta forma,

reforçaram o sistema de opressão. Como afirmava Ann Cooper, se o racismo tivesse sido

erradicado do movimento feminista, teria sido benéfico para as próprias mulheres brancas.

O que aconteceu foi que foram criadas instituições separadas, agendas/planos separados,

animosidade e tudo menos a solidariedade e irmandade tão amplamente defendidas por

feministas brancas.

1.7. Os pontos de rutura entre feministas brancas e negras

Tendo analisado todos os argumentos expostos por feministas negras e

apresentados até agora, parece-nos compreensível a posição de mulheres negras que não se

conseguiram rever nos objetivos e no pensamento do feminismo branco, nem identificar

com eles. Quase nada do que era exposto no pensamento feminista branco apelava às

mulheres negras visto que as experiências do quotidiano dos dois grupos eram totalmente

diferentes, para não dizer opostas. O nível da vida económico diferencia muito os dois

3 Anna Julia Cooper (1858 – 1964) – filha dum dono de escravos e ela própria uma escrava. Conhecida como

defensora dos direitos do povo negro e das mulheres, professora, primeira mulher negra a obter doutoramento

(com a tese dedicada à problemática de linchamento). Publicou um livro: ”A Voice From the South and Other

Important Essays, Papers and Letters”. Fonte: http://essays.quotidiana.org/cooper_a/ [acedido em 25 de

Dezembro de 2013 às 10h55].

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grupos. Os padrões de feminilidade que se aplicavam às mulheres brancas (enquanto fadas

de lar, mães perfeitas, etc.) não eram compatíveis com as mulheres negras que se viam

obrigadas a trabalhar desde terna idade e depois, na vida adulta, para sustentar a família. O

direito ao aborto, invocado por muitas mulheres brancas também se revelou menos

adequado às mulheres negras que, frequentemente, foram forçadas à esterilização ou

contraceção contra a sua vontade (Altekruse & Rosser, 1993). São conhecidos muitos

casos de uso de medicamentos não testados ou perigosos como Depo Provera no âmbito de

políticas demográficas que atingiam as mulheres de cor, na tentativa de controlar o número

de filhos (Bulbeck, 1998). A família e a maternidade que eram apresentadas por muitas

feministas brancas enquanto instituições que oprimiam as mulheres (Firestone, 1970;

Delphy & Leonard, 1992; Rich, 1995; Badinter, 2010, etc.) revelaram-se, em muitos casos,

loci de resistência, de sobrevivência e de força para as mulheres negras. É de sublinhar que

a experiência de maternidade vivida por mulheres negras difere bastante da vivenciada por

mulheres brancas. Nas comunidades afro-americanas as mulheres criaram laços fortes fora

da família, com outras mulheres que, em casos de necessidade, podiam criar filhos de

outras mulheres. O termo em inglês “othermothering” refere-se à tradição vinda da África,

onde se atribuía imenso valor à maternidade e onde as mulheres que se ocupavam de filhos

das outras ganhavam estatuto social e respeito na comunidade (James, 1993: 48). As

mulheres afro-americanas transplantaram este conceito e esta prática para solo americano

aliviando, desta forma, a experiência da maternidade e, criando laços fortes dentro da

comunidade. Na vida das mulheres brancas esta prática era quase impossível sendo que as

mulheres brancas se viam obrigadas a educar os filhos sozinhas, sem o apoio de outras

mulheres brancas. Não é, por isso, uma tarefa penosa e solitária criar filhos na comunidade

afro-americana e, consequentemente, a maternidade assume um outro significado e valor

para elas. Neste contexto, a denúncia da família e da maternidade enquanto instrumentos

de controlo e submissão das mulheres não se aplica às mulheres negras não sendo este o

objetivo com o qual elas se podiam identificar.

Seria prudente também referir que, embora tenham peso maior, o racismo e as

práticas de exclusão como o vazio do termo irmandade não constituíram os únicos fatores

que afastaram as mulheres negras e de cor do movimento feminista branco. Além das

diferentes realidades do quotidiano vividas por mulheres desfavorecidas e menos

privilegiadas, registaram-se algumas propostas no pensamento feminista branco que não se

adequaram à mentalidade e à cultura das mulheres negras. Houve e continua a haver

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leituras diferentes das realidades e das experiências. Um dos pontos de rutura ou de

separação entre as feministas brancas e negras é a atitude perante homens (Joseph &

Lewis, 1981). Na ótica das mulheres negras, as feministas brancas fizeram o necessário

para se separarem dos homens. Afirma Lewis (1981: 55), que na sua tentativa de

identificar a fonte da opressão das mulheres, uma parte importante das feministas brancas

radicais apontou os homens enquanto principais responsáveis pela situação precária das

mulheres. Na sua vertente radical, o feminismo imaginou o espaço sem homens onde a

criação e o individualismo no feminino podiam encontrar todas as condições para a sua

ampla expressão. Esta hipótese, porém, não convenceu as mulheres negras que não

queriam e não podiam criar o seu próprio mundo separado dos homens. Devemos ter

presente que, para as mulheres negras, os homens eram irmãos na luta contra a

discriminação racial e era com eles que faziam todos os esforços para sobreviver no seio da

sociedade racista (Joseph & Lewis, 1981). E é verdade também que, para as mulheres

negras de classes desfavorecidas, o alvo não é ganhar contra os homens para chegar ao

estatuto social por eles ocupado porque, como observa bell hooks (2003), os homens

negros de classes baixas também são alvo da opressão racista capitalista, da mesma forma

que as mulheres negras o são. Identificar o homem como o principal responsável da

opressão das mulheres não só não é suficiente, como contribui para o conflito e hostilidade

desnecessários entre seres humanos.

Filomena Chioma Steady (1993: 96) defendeu a tese de que o conceito de

irmandade, nestas condições e tendo em conta as diferentes realidades mais o racismo do

movimento feminista, é perigoso no sentido de ocultar os verdadeiros problemas das

mulheres negras. A irmandade é somente uma ideia ingénua que não nos permite ver com

clareza as múltiplas opressões das mulheres e a participação das próprias mulheres na

opressão das outras menos privilegiadas (Steady, 1993). A mesma autora avisa que para

evitar uma certa apatia dos feminismos e para prevenir que o sistema patriarcal se

reproduza e solidifique, a liderança dos movimentos feministas tem que, obrigatoriamente,

incluir as mulheres de minorias étnicas. Enquanto existirem mulheres excluídas do

movimento, os objetivos deste de promover a igualdade entre os sexos e pôr fim à

discriminação, não serão atingidos.

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2. Construção da mulher do Terceiro Mundo enquanto “Outra”

A contestação expressa por intelectuais afro-americanas como bell hooks, Patricia

Hill Collins, Audre Lorde e muitas outras a propósito do essencialismo e do racismo

inerente ao pensamento feminista da segunda vaga no seio dos feminismos anglo-

americanos, acendeu um rastilho que deu início e força à voz das mulheres de cor que

começaram a opor-se à hegemonia dos feminismos brancos. As reações das feministas

afro-americanas encontraram toda a compreensão e foram ainda mais fortalecidas no

espírito da irmandade política por outras mulheres de cor, nomeadamente as da América

Latina (Gloria Anzaldúa, Cherríe Moraga, Maria Lugones) ou as de origem asiática,

radicadas nos Estados Unidos (Elaine Kim ou Trinh T. Minh-ha,) (Tong, 2009).

Nas décadas seguintes, as feministas insistiram na necessidade de pensar e teorizar

as questões ligadas ao género não as separando de outros fatores sociais, mas em forte

ligação com outros problemas já levantados por pensadoras afro-americanas. Sublinhou-se

que o género tinha que ser analisado criticamente em conjunto com os fatores de classe,

raça, origem étnica, orientação sexual, idade, etc. Acrescenta-se o facto de a crítica

feminista proposta por mulheres do Terceiro Mundo conter mais um aspeto de extrema

relevância nas diferenças entre as mulheres: o da cultura e das diferenças culturais entre as

mulheres.

Este capítulo, então, será dedicado a uma análise de críticas e resistências

oferecidas por feministas do Terceiro Mundo, segundo as quais alguns dos feminismos

ocidentais, sendo fruto da mentalidade/filosofia ocidental que se posiciona no centro de

discurso filosófico e científico rejeitando outros conhecimentos (Lazreg, 1988: 84) e que

também se posiciona em oposição a outras culturas e sistemas de pensamento, projetaram a

visão da mulher do Terceiro Mundo enquanto “Outra”, silenciando-a e marginalizando as

suas experiências e histórias. Serão analisados alguns dos trabalhos criados por intelectuais

do Terceiro Mundo com o objetivo de verificarmos como se opuseram às normas

estabelecidas por feministas ocidentais.

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2.1. O que significa “Terceiro Mundo”?

É de grande importância, no entanto, pensarmos, em primeiro lugar, o que significa

a expressão “Terceiro Mundo” e em que contextos/situações é usada. A expressão não se

revela simples e unidimensional – ela carrega consigo uma carga emocional e, muitas

vezes, como afirmam os/as intelectuais, encontra-se associada à inferioridade cultural,

económica e civilizacional (Johnson-Odim, 1991). Propomos uma definição de Garber

(1992), que afirma o seguinte:

“What the so-called third world nations have in common is their postcolonial status, their

relative poverty, their largely tropical locations, and the fact that they were once subject to

Western rule.”

(Garber, 1992 apud Bulbeck, 1998: 34)

Como explica Bulbeck, no seu sentido original, a expressão “Terceiro Mundo” significava

a “terceira força” das nações posicionadas entre o primeiro mundo democrático e o

segundo mundo composto por países sob o regime comunista. Trinh T. Minh-ha, por sua

vez, sugere que o terceiro mundo continua a representar o subversivo, a voz reprimida que

está prestes a explodir na direção do centro (Bulbeck, 1998: 35). Bulbeck fornece a sua

própria definição do Terceiro Mundo: «”The third world” is a category produced and

reproduced by capitalist imperialism, referred to in the oppositions between industrialised

north and developing south, or core and periphery» (ibidem., p. 35). No seu trabalho de

grande impacto intitulado “Feminism Without Borders”, Mohanty (2003) aborda a questão

da expressão e acrescenta a sua leitura à polifonia do debate. Para a autora, os termos

“ocidental” e “Terceiro Mundo” continuam a constituir as designações com forte cariz

político, no entanto ela, passados vários anos a efetuar pesquisas e trabalhos académicos,

chegou à conclusão de que se sente mais à vontade com outras expressões, para substituir

“Terceiro Mundo”. Argumenta que “One-Third World” e “Two-Thirds World” se revelam

mais úteis, particularmente, quando estão associados à divisão “Third World/South” e

“First World/North” (Mohanty, 2003).4

No contexto deste trabalho, utilizaremos a

expressão “Terceiro Mundo” porque a mesma foi abraçada por feministas pós-coloniais

4 Os conceitos de “one-third world” e “two-thirds world” são explicados brevemente no livro de Chandra

Mohanty “Feminism without Borders” publicado em 2003 onde a autora se inspira no trabalho efetuado por

Gustavo Esteva e Madhu Suri Prakash sobre qualidade de vida a nível económico no mundo desenvolvido e

em desenvolvimento.

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que se identificaram com os objetivos, as necessidades e as lutas de pessoas do Terceiro

Mundo. Vejamos a interessante argumentação de Uma Narayan (1997) a este respeito:

“(…) Calling myself a “Third World feminist” is problematic only if the term is understood

narrowly, to refer exclusively to feminists living and functioning within Third World

countries as it sometimes is. But like many terms, “Third World feminist” has a number of

current usages. Some feminists from communities of color in Western contexts have also

applied the term “Third World” to themselves, their communities, and their politics. (…). As

a feminist of color living in the United States, I continue to be a “Third World feminist” in

this broader sense of the term”.

(Narayan, 1997: 4)

Trata-se de uma escolha consciente, embora a expressão suscite reações e associações

negativas. Porém, ela pode também tornar-se uma força e um meio de articular as vozes

dissidentes.

2.2. Mulher colonizada entre duas culturas em guerra

A perspetiva acima descrita verificou-se, de facto. As feministas do Terceiro

Mundo tornaram-se a voz da consciência de algumas das correntes dos feminismos brancos

e o grito de desobediência face às práticas imperialistas que subalternizaram as mulheres

nativas tornando-as “outras”. Segundo McCann e Seung-Kyung (1993: 4-5), é muito

importante examinar o percurso que conduziu as teorias feministas do Norte (as teorias dos

feminismos heterogéneos) a apresentarem os discursos e as vozes vindas de outras partes

do mundo como típicos e representantes de todas as mulheres. Vale a pena lembrarmo-nos

de que quem não faz parte do grupo subordinado, não se encontra, logicamente, afetado

pelo processo de dominação que define o grupo “inferior”. Mais do que isso, os membros

do grupo dominante não estão marcados por aspetos como a raça, a classe, processos

coloniais e neocoloniais de dominação. Não tendo vivido este tipo de experiência, as

atitudes das mulheres brancas do Norte apresentam exemplos de puro racismo e sexismo

(McCann & Seung-Kyung, 2003).

Prende-se também com este problema do sexismo e racismo praticados por

feministas ocidentais o problema da cultura e das diferenças que há entre as mulheres de

vários cantos do mundo. Afinal, serão todas as mulheres iguais, estarão todas elas expostas

ao mesmo tipo de opressão, onde a cultura não conta ou, se tem expressão, é na opressão

das mulheres que a mesma se manifesta, como afirmam os trabalhos levados a cabo pelas

antropólogas feministas do Ocidente sobre as vidas de mulheres do Terceiro Mundo?

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Porque o efeito destes trabalhos foi (re)produzir, como adiante veremos, a mulher do

Terceiro Mundo enquanto vítima (McCann & Seung-Kyung, 2003: 4).

O trabalho nesta área, desenvolvido por Uma Narayan (1997, 2000, 2003)

académica feminista da Índia, radicada nos Estados Unidos, serve-nos de grande apoio

para podermos compreender como as questões culturais, extremamente complexas e

multidimensionais, foram distorcidas e manipuladas com o objetivo de criar a mulher do

Terceiro Mundo enquanto “Outra”. Vale a pena analisarmos com mais atenção o

pensamento e a argumentação desenvolvidos por Narayan, cujo trabalho marcou a teoria

cultural e feminista das últimas décadas. A argumentação apresentada pela autora suscitou

debates no mundo académico acerca das práticas imperialistas no seio do feminismo

ocidental e contribuiu para mais denúncias por parte de pensadoras do Terceiro Mundo no

que diz respeito à construção das mulheres não-ocidentais enquanto vítimas. Nos seus

textos, a autora sublinha o facto de o feminismo precisar de reconhecer o valor das

diferenças e das experiências diversificadas sob pena de as romantizar e de lhes atribuir o

valor ocidental ou, até, de as oprimir. Existe um grande risco de abordar as diferenças

culturais de uma forma pouco pragmática ou retirada do contexto.

Para muitas feministas do Terceiro Mundo, as mulheres que abraçaram as causas

feministas, abraçaram, ao mesmo tempo, as causas de hegemonia cultural originárias do

mundo ocidental. É muito importante sublinhar, para vermos com mais clareza a lógica no

pensamento de mulheres africanas que será analisado no próximo capítulo, que, segundo

Narayan, qualquer contestação da cultura nativa, no seio do próprio país, se depara com

forte resistência e é vista como fruto da educação ocidentalizada. Porém, no caso da autora,

a dor e a revolta contra as injustiças aplicadas às mulheres nasceram antes de ela ter

recebido a educação ocidentalizada. Apareceram como fruto da observação da vida e da

experiência da sua mãe, que, de forma silenciosa e obediente, passou à filha o legado de

desobediência, a coragem de falar em voz alta sobre as injustiças (Narayan, 2003: 12).

A crítica da sua própria cultura não é e não tem que ser, automaticamente, uma

prova de falta de lealdade perante “os seus” e a prova de impregnação da cultura ocidental.

Relembremos que, no caso de intelectuais afro-americanas, a relutância em criticar os

aspetos da sua própria comunidade e o machismo dos homens negros também teve as suas

raízes no medo de serem acusadas de deslealdade, de rejeitarem a sua raça e de

prejudicarem a luta que mulheres e homens afro-americanos partilhavam. Quando as

feministas do Terceiro Mundo avançam com críticas severas do sistema que oprime as

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mulheres, elas, pura e simplesmente, repetem o que as mulheres não feministas, as suas

conterrâneas, afirmam acerca da sua cultura. Neste sentido, se a voz vem de dentro, é

repetida após a denúncia das mulheres, como argumenta Narayan, não pode ser acusada de

estar impregnada dos valores ocidentais. O feminismo do Terceiro Mundo não é, de forma

alguma, a imitação do feminismo ocidental. Se há, no entanto, semelhanças entre as

maneiras como (re)agem as feministas ocidentais e do Terceiro Mundo, isto explica-se

pelo facto de existirem certas formas de opressão e subjugação de mulheres, tanto no

mundo ocidental como no Terceiro Mundo.

Se a noção de “ocidentalização” é uma noção particularmente negativa no mundo

não ocidental, isto deve-se, claramente, à história da colonização e ao contraste profundo

entre a cultura ocidental e a “indígena” (Said, 1994; John, 1996; Mohanty, 2003;

Oyewumi, 2003). As lutas pela independência da dominação ocidental não só assentavam

na rejeição do domínio político dos colonizadores, mas também na rejeição total do valor

da cultura ocidental, imposta aos povos colonizados. Assistiu-se à tentativa de (re)valorizar

a cultura indígena/local conjuntamente com as suas práticas e tradições. Esta valorização

da cultura foi uma resposta à erradicação ou regularização dos costumes culturais dos

povos colonizados sendo uma forma de sobrevivência das pessoas e de comunidades

inteiras (Said, 1994).

No contexto da colonização, a figura da mulher tornou-se um campo de batalha de

forças políticas no que diz respeito à cultura ocidental e à cultura da colónia (Narayan,

1997: 55). Todas as práticas tradicionais dos tempos pré-coloniais tornaram-se um

importante ponto de conflito e de negociação entre as culturas ocidental e colonizada.

Nesta luta de valores e tradições, as práticas indígenas foram relegadas para o domínio da

barbárie e rotuladas de retrógradas pela cultura ocidental, que as via e interpretava como

uma prova de inferioridade da cultura indígena. A mulher colonizada tornou-se, neste

processo, o símbolo do corpo oprimido pelo discurso e pela cultura tradicional. Vale a pena

salientar que as elites masculinas do Terceiro Mundo defendiam estas práticas como as

reminiscências do passado glorioso do seu país. As mulheres, no discurso nacionalista e

libertário, foram apresentadas como guardiãs das tradições e como uma garantia de

continuação cultural e religiosa do povo (Narayan, 1997: 19).

Nestes discursos, tanto do lado do colonizador como do lado do colonizado, as

mulheres feministas (ou “somente” interessadas em questões de mulheres) tiveram a sua

contribuição no processo de jogo entre as duas culturas. A título de exemplo: as feministas

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britânicas da época vitoriana constituíram a sua missão de levantamento da “Outra” da

miséria, propondo as reformas (ligadas à prostituição e prevenção de doenças sexualmente

transmissíveis) sem sequer ouvir atentamente a voz da mulher indiana. Enquanto na

Inglaterra as mulheres reformistas lutaram pela dignificação das suas conterrâneas, no solo

colonizado a “Outra”, a mulher colonizada, tornou-se o peso da mulher branca (Narayan,

1997, Mohanty, 2003). Neste processo, falou-se em representação da mulher enquanto

outra construindo a sua subjetividade sem, porém, lhe dar a voz. As questões de género

foram usadas em prol de interesses políticos e culturais onde o importante, tanto para o

colonizador como para o colonizado, foi contrastar as mulheres de dois lados numa lógica

dicotómica.

2.3. Imagens da “Outra” na epistemologia feminista ocidental

As feministas do Terceiro Mundo vieram a denunciar os trabalhos efetuados no

Ocidente que tentaram explicar, através da apropriação dos valores ocidentais e usando os

instrumentos da análise crítica tipicamente ocidentais, os costumes e as tradições do

mundo não ocidental. As denúncias permitem-nos compreender que estes trabalhos, tanto a

nível literário, sociológico ou antropológico, demonstraram uma abordagem que ignorava

as especificidades históricas e políticas (Narayan, 1997). Estes trabalhos, de cariz

feminista, destinados, muitas vezes aos leitores ocidentais com pouco conhecimento na

área, revelaram falta de compreensão dos condicionalismos culturais e históricos por detrás

da descrição de certas práticas culturais, como sati, circuncisão genital feminina, dote, etc.

O exemplo clássico, já fortemente criticado por Audre Lord (2007a) na sua carta à autora

do livro em questão, Mary Daly (Gyn/Ecology, publicado pela primeira vez em 1978)5, é

como ela utiliza exemplos de práticas culturais na Índia e África sem pesquisar, de forma

objetiva, os contextos de cada uma das práticas que critica.

Como observaram as feministas do Terceiro Mundo, o feminismo ocidental teve

tendência para omitir e marginalizar as mulheres não-ocidentais que, por conta da sua

etnia, classe e/ou orientação sexual, já estavam marginalizadas. Os seus interesses,

simplesmente, não faziam parte das análises e agendas políticas das feministas ocidentais.

5 A carta (“An Open Letter to Mary Daly”) foi escrita no dia 6 de maio de 1979 e na sequência de falta da

resposta por parte de Mary Daly, quatro meses mais tarde, Audre Lorde decidiu publicar a carta para esta

poder ser lida por todos/todas os/as leitores/as. No entanto, alguns académicos mantêm que Mary Daly

chegou a responder à carta de Audre Lorde e esta resposta foi encontrada entre os dossiers de Lorde.

Fonte: http://www.historyisaweapon.com/defcon1/lordeopenlettertomarydaly.html [acedido dia 26 de

novembro de 2013 às 12h55].

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Exclusões deste tipo contribuíram e continuam a contribuir para a construção de teorias

pouco verídicas e adequadas às mulheres do Terceiro Mundo. Estas teorias não conseguem

fornecer respostas ao que, supostamente, desejam fazer: unir todas as mulheres do mundo.

Por outro lado, quando aparecem os trabalhos que pretendem incluir no projeto feminista

as mulheres do Terceiro Mundo, o que eles realmente fazem é excluir e silenciar estas

mulheres através de uma representação mal informada e preconceituosa. Narayan acredita

que são estas representações erradas das culturas do Terceiro Mundo que constituem um

obstáculo à mútua compreensão e à construção de “comunidades de resistência” (Narayan,

1997: 45).

Quando as feministas ocidentais tratam os temas relacionados com as práticas

culturais como o sati, o casamento precoce de raparigas, o dote, a circuncisão genital

feminina ou a questão de véu, todas estas práticas são privadas do seu contexto que muda

de país para país, de comunidade para comunidade e que depende da época na história

(Lazreg, 1988: 86). Desta forma, argumenta Narayan, (e as palavras dela ecoam nos

trabalhos de Mohanty), apaga-se a história e oculta-se o contexto da tradição. O problema

habita na noção de durabilidade de certas práticas, como se as mudanças culturais não

operassem no seio da sociedade sujeita à transformação ao longo dos tempos. Deparamo-

nos aqui, sem dúvida, com o legado da filosofia ocidental segundo o qual os sítios como

África eram lugares sem história e que a sua história começou somente com a chegada do

colonizador branco (Said, 1994).

No mesmo sentido e com o objetivo de denúncia, ergue-se a voz de Chandra

Talpade Mohanty, outra feminista indiana radicada no Ocidente. Segundo ela, alguns dos

textos que perpetuam a imagem monolítica da mulher do Terceiro Mundo colonizam

novamente as vidas e as experiências de vários grupos de mulheres, apagando as suas

especificidades (Mohanty, 2003). No imaginário ocidental, é nestas terras – imóveis,

resistentes à mudança, subdesenvolvidas – é que a mulher se encontra vítima das tradições.

Segundo esta lógica, a “típica” mulher do Terceiro Mundo está severamente limitada e

vitimizada. Vejamos um fragmento muito relevante que ilustra esta tese:

“(…) Third World women as a group or category are automatically and necessarily defined

as religious (read: not progressive), family-oriented (read: traditional), legally

unsophisticated (read: they are still not conscious of their rights), illiterate (read: ignorant),

domestic (read: backward), and sometimes revolutionary (read: their country is in a state of

war; they must fight). This is how the “Third World difference” is produced.”

(Mohanty, 2003: 40)

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Esta imagem contrasta claramente com a da mulher ocidental enquanto ser

moderno, livre de fazer as suas escolhas e opções, educada e não constrangida por religião

ou por tradição (Mohanty, 2003: 30). À medida que mulheres ocidentais têm todo o

controlo sobre as suas vidas e os seus corpos, mulheres do Terceiro Mundo apresentam-se

como seres passivos, pouco conscientes da sua condição precária, silenciados e, acima de

tudo, com necessidade de apoio por parte das suas “irmãs” ocidentais. Tal análise

normativa, com a distribuição desigual de poder e das capacidades, contribuiu fortemente

para a vitimização de mulheres do Terceiro Mundo e para a sua apresentação enquanto

“Outras”. A “Outra” aparece diante de nós como um ser construído através do discurso

normativo e redutor, nunca ganhando a subjetividade de uma mulher material, viva e real,

agente da sua própria vida e história.

Os títulos analisados por Mohanty a propósito de mulheres do Terceiro Mundo

corroboram a sua teoria e as denúncias feitas tanto por ela, como por outras intelectuais. A

título de exemplo, “Comparative Perspective of Third World Women: The Impact of Race,

Sex and Class” (1983) de Beverly Lindsay, “Women of Africa: Roots of Oppression”

(1983) de Lindsay Cutrufelli, “Frogs in a Well: Indian Women in Purdah” (1979) de

Patricia Jeffrey – todos estes trabalhos reproduzem a mesma imagem de mulheres do

Terceiro Mundo que não possuem interesses políticos, que são política e/ou

economicamente dependentes e não têm nenhum poder nas suas comunidades e vidas. A

mulher do Terceiro Mundo presente nestas imagens é sempre mutilada pela sua própria

comunidade. Questiona Mohanty: seria possível e aceitável publicar um livro intitulado

“Mulheres da Europa” quando se sabe muito bem que o tal essencialismo e o apagamento

de diferenças entre mulheres europeias seria uma forma de crime contra elas (Mohanty,

2003: 25)?

“When “women of Africa” as a group (versus “men of Africa” as a group?) are seen as a

group precisely because they are generally dependent and oppressed, the analysis of

specific historical differences becomes impossible, because reality is always apparently

structured by divisions – two mutually exclusive and jointly exclusive groups, the victims

and the oppressors. Here the sociological is substituted for the biological, in order,

however, to create the same – a unity of women. Thus it is not the descriptive potential of

gender difference but the privileged positioning and explanatory potential of gender

difference as the origin of oppression that I question.”

(Mohanty, 2003: 25-26)

Neste contexto, Taiwo (2003: 46) fala da pobreza profunda da teoria feminista

ocidental. Aborda a pobreza no sentido de ausência ou da insuficiência teórica. Como

explica, pode também existir pobreza no sentido de irrelevância duma teoria. Cremos que

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no contexto da teoria feminista ocidental, na sua relação com a África e o modus operandi

com que tratou as mulheres africanas, podemos afirmar que Taiwo se refere não à ausência

da teoria mas à sua insuficiência em termos de categorias da análise. Não existe, segundo o

autor, a tal ligação necessária entre a vida e a teoria. Tal como Leila Ahmed (1982)

denunciou a ignorância total do mundo ocidental acerca de mundo árabe e os

condicionalismos da vida quotidiana de mulheres árabes, também os/as académicos/as

africanas acusaram as académicas ocidentais de ignorância e de falta de vontade de ouvir

as mulheres africanas. Analisando os aspetos estereotípicos do trabalho sobre as mulheres

Kaguru levado a cabo por Meeker & Meekers em 1997, pergunta Taiwo:

“Why is it necessary to generalize from Kaonde or Kaguru women to African women at

large? What is it about Kaguru or Kaonde women that magically transforms them into

typical African women unless we already assumed the coherence of the phrase or have

decided that all African women are the same? It is problematic enough, once one sets

out with some respect for the complexity of one´s subject matter, to speak of Kaguru

women. How much more will it be to speak of Tanzanian, not to talk about East African, or

African women? This penchant for generalization must be traced to a fundamental lack of

respect for the complexity of African life.”

(Taiwo, 2003: 60)

Trata-se de um exemplo de um fenómeno que Lazreg (1988: 96) denomina

«exercer poder discursivo sobre a “Outra”». Ela afirma que mulheres no Terceiro Mundo

encontram-se “capturadas” entre três tipos de discurso: o discurso disseminado por homens

sobre a diferença do género, o discurso sociológico (científico) sobre os povos do Terceiro

Mundo (no artigo dela, precisamente do Norte da África e do Médio Oriente) e o discurso

produzido dentro da academia feminista sobre as mulheres inseridas nas sociedades não-

ocidentais. Lazreg fornece alguns exemplos destes discursos, um deles sobre o uso de véu

como símbolo, na imaginação ocidental, da subjugação e opressão da mulher árabe. Não

interessam os contextos, as motivações políticas de mulheres que decidem usar o véu – o

discurso ocidental nega às mulheres árabes a liberdade de decidir se querem ou não usar

véu, bem como o respetivo motivo. Junto das feministas ocidentais, sublinhou-se o facto de

o véu poder, em alguns casos, em alguns contextos e em algumas épocas, tornar-se um

símbolo de resistência contra a cultura e as políticas imperialistas do Ocidente, porém as

vozes das feministas árabes continuam, muitas vezes, abafadas e negadas.

O argumento sobre o silenciamento da voz da mulher árabe é confirmado por

Taiwo quando refere uma situação bastante frequente na academia ocidental: dois anos

depois de Leila Ahmed ter publicado, na revista Feminist Studies, o seu artigo crítico sobre

a abordagem ocidental das complexidades do mundo árabe, tentando chamar a atenção

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para a problemática de práticas de exclusão de “outros” conhecimentos, Barbara K. Larson

publica noutra revista de renome, Signs, um artigo onde descreve a condição oprimida da

mulher árabe, a vítima, muda e passiva, do Islão, sem sequer ter mencionado o trabalho

efetuado por Ahmed. A triste conclusão é que «No Arab or African scholar qualifies as

required or even recommended reading» (Taiwo, 2003: 54).

No mesmo sentido, Wanjira Muthoni argumenta que a questão da mutilação genital

feminina assume grande importância para as mulheres ativistas em África mas que, quando

confrontadas com as acusações moralistas e pouco informadas do ponto de vista cultural

feitas por feministas ocidentais, que se sentem no seu direito de instruir as mulheres

africanas sobre os efeitos nocivos desta prática, fazem com que qualquer possibilidade de

cooperação, ou mesmo a compreensão seja gravemente comprometida (Arndt, 2000: 724).

Okome (2003) vai ainda mais longe quando argumenta que o próprio termo “mutilação

genital feminina” (inglês: Female Genital Mutilation, FGM) serve para disseminar a ideia

de que as sociedades africanas praticam esta tradição para desfigurar, deliberadamente, os

corpos de mulheres:

“Indeed, the practice of female genital surgeries has been identified by Western feminists

as the ultimate signifier of African male dominance and women´s powerlessness. (…) The

term FGM is problematic not only because it emerges from an assumption that the intent of

societies in which these procedures are practiced is to control women by wreaking violence

on them, but also these societies are presumed to desire butcher, mangle, deform, assault

and batter their women en masse, an assumption that has not be conclusively proven.”

(Okome, 2003: 68)

Tendo, então, em consideração os graves problemas com os quais as mulheres do

Terceiro Mundo se deparam a respeito do direito de autodefinição, Lazreg coloca uma

pergunta de grande importância: se as intelectuais feministas no Ocidente lutaram durante

décadas contra as imagens estereotipadas e redutoras das mulheres brancas que persistiam

na história e na cultura ocidental, porque é que fizeram o mesmo a mulheres não

ocidentais? Porque é que consolidaram as imagens negativas sobre a Outra, contribuindo

para a sua múltipla marginalização, se elas próprias eram, outrora, vítimas das mesmas

imagens negativas e redutoras? E, por fim, porque é que, se o feminismo e a sua

epistemologia assentam na experiência pessoal, se negou às mulheres do Terceiro Mundo

esta possibilidade de exprimir as suas próprias experiências e contar as suas histórias?

Porque, como se tornou claro, a experiência das mulheres do Terceiro Mundo foi sempre

subvalorizada e rotulada como “conhecimento local” (Lazreg, 1988: 84).

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A diferença tão temida no feminismo ocidental operou a dois níveis. Por um lado,

fez com que fosse “essencializada” e criasse a “Outra” (Narayan, 2003: 85) – tão diferente

que não pode ser compreendida e marcada pela sua cultura onde a cultura surge como um

carimbo no corpo da mulher. Por outro lado, esta diferença resultou no apagamento da

“Outra”, onde as categorias como a raça, a classe, a religião, a cor e a própria

individualidade da mulher são sujeitas à invisibilidade. Conclui Lazreg: «For example, a

Muslim woman is no longer a concrete individual. She is not Algerian or Yemeni – she is

an abstraction in the same way as a “woman of color” is» (Lazreg, 1988: 98). E podíamos

acrescentar: ela é uma abstração da mesma forma que é abstração a mulher africana, ou

indiana ou latino-americana.

2.4. Pode a “Outra” falar?

Por fim, surgem-nos algumas perguntas importantíssimas: quem fala em nome de

quem? São de quem as vozes que conseguimos ouvir? E que vozes são abafadas e

apagadas pela epistemologia ocidental, que tem o monopólio do conhecimento “verídico” e

autêntico? As perguntas formuladas por Lazreg são muito adequadas e encaixam-se aqui

muito bem: como podem falar as mulheres do Terceiro Mundo numa situação quando tudo

já foi dito, aparentemente, por elas? Quando já foram definidas, rotuladas, “descobertas” e

descritas. Se a língua já foi escolhida por elas, como elas ainda podem falar? Usando que

língua (Lazreg, 1988: 95)?

Gayatry Spivak parece-nos pessimista a este respeito (Morton, 2003), quando tenta

fornecer resposta à pergunta: “Can the Subaltern Speak? (1988). Spivak tece uma ligação

entre a figura da mulher e o silêncio, porque as mulheres foram apagadas por duas vezes:

no discurso imperialista e na historiografia da insurgência contra o colonizador. O duplo

apagamento vem, então, de fora e de dentro. O mencionado pessimismo revela-se na frase:

«And the subaltern woman will be as mute as ever» (Spivak, 1988: 90).

Porém, na nossa ótica, as mulheres do Terceiro Mundo expressam a sua voz e

ousam usá-la. Empregam-na para construir as suas identidades, para articular as suas

expetativas e esperanças autodefinindo-se e criando o espaço onde há lugar para as suas

experiências. Os capítulos seguintes tentarão comprovar esta tese.

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Terminemos então a reflexão sobre a “Outra”, com as palavras de Lazreg, que

trazem esperança:

“What is needed [para as mulheres falarem] is a phenomenology of women´s lived

experience to explode the constraining power of categories. Such a phenomenology

would not be a mere description of the subjective meaning of woman´s experiences.

Rather, it would be the search for the organizing principles of women´s lived reality

as it intersects with men´s”.

(Lazreg, 1988: 95)

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3. O Feminismo Africano e o pensamento centrado nas mulheres

A contextualização e as teorias sobre os feminismos africanos emergiram nos anos

noventa do século XX como uma resposta à exclusão por parte da segunda vaga dos

feminismos brancos ocidentais. Se se diz que os anos oitenta do século XX foram a década

dos feminismos de mulheres de cor (e dos feminismos afro-americanos), já a década

seguinte assistiu ao desenvolvimento dos feminismos africanos. Se os feminismos afro-

americanos criticaram fortemente os feminismos brancos de mulheres de classe média por

se esquecerem, convenientemente, da realidade e desigualdades com que as mulheres

negras se deparavam, os feminismos africanos, por sua vez, lutaram e exigiram do

feminismo ocidental incluir na sua análise outros aspetos muito importantes que iam para

além das questões de género, tais como colonialismo, etnicidade e imperialismo.6

Este capítulo centrar-se-á na voz de mulheres africanas como sujeitos que “speak

truths”, como podemos ver na citação que serve de epígrafe a este capítulo. Analisaremos

alguns aspetos essenciais do pensamento de mulheres africanas e a sua abordagem das

questões como o género, o papel da mulher africana na sociedade e, acima de tudo, a

questão da voz e do poder de se autonomear, de poder dar o nome à sua luta e à sua

consciência. É muito importante aqui salientar, que quando se aborda África, tem que se

sublinhar que o continente tem múltiplas faces e não pode ser, de forma nenhuma,

“essencializado” ou categorizado, ou até generalizado. Existem vários tipos de África, na

sua diversidade sociodemográfica, cultural, histórica e religiosa. Questiona Ogundipe-

Leslie (1994):

“Do we mean: A Christian or a Muslim Africa; Africa with indigenous religious; the

Lusophone African countries which underwent liberation struggles, South Africa still

under siege; independent African countries; Arab Africans; Black South or White South

Africans; the right-wing Inkatha elements or white liberals; (…)”

(Ogundipe-Leslie, 1994: 216)

A anterior citação envolve uma questão que nos consciencializa de que, ao analisar-

se o pensamento africano e, nomeadamente, o feminismo africano, surge a obrigação de

prevenir a tentação de tratar todo o continente africano como uma unidade homogénea,

sem diferenças entre países, povos e culturas.

6 http://encyclopedia.jrank.org/articles/pages/5940/African-Feminisms.html [acedido em 30 de janeiro de

2014 às 10h21].

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3.1. As linhas de demarcação entre o feminismo ocidental e africano

3.1.1. Género enquanto uma categoria de análise

Uma das principais diferenças entre o feminismo ocidental e o feminismo africano

baseia-se no facto de que a noção de feminilidade não significa exatamente a mesma coisa

para as sociedades ocidentais e africanas. A categoria “mulher” não pode ser considerada

como uma categoria separada do seu contexto. “Mulher” não constitui somente um papel

social, uma identidade, uma posição ou uma localização como acontece no feminismo e na

cultura ocidental. Antes de mais, “mulher” é uma soma de várias posições, papéis e

significados (Oyewumi, 1997, 2003). Como explica Oyeronke Oyewumi, cada indivíduo

ocupa múltiplos contextos que não estão separados um do outro, mas que interagem,

misturam-se e influenciam-se mutuamente. Cada indivíduo tem, por conseguinte, várias e

múltiplas relações com o poder, o privilégio e a desigualdade. A autora vai mais longe e

acusa a cultura e o feminismo ocidental de terem implementado (imposto até) os seus

valores e as suas soluções socioculturais no corpo africano deixando marcas indeléveis

(Oyewumi, 1997: 9). A África tornou-se um recipiente de ideias ocidentais que não se

adequam à realidade africana.

Visto que a categoria de mulher não é estável nem imóvel, e que, em muitas

sociedades africanas, “feminilidade” é só um dos aspetos da pessoa e transcende o papel

social, não faz sentido falar de género enquanto categoria sociocultural mas sim baseado na

diferença biológica. Enquanto no discurso ocidental o corpo é uma base da categorização

do género (poder-se-á dizer que tudo começa com o corpo), no discurso africano a

distinção entre o sexo e o género não tem a base epistemológica do ser. Isto deve-se ao

facto de, em muitas sociedades africanas, existirem múltiplas categorias sociais que não

têm as suas origens na distinção corporal dos sexos. Um bom exemplo desta situação é a

categoria do “female husband” – o sistema de género praticado por Igbo7 na Nigéria

(Sudarkasa, 1986) onde uma rapariga mais velha entre os filhos pode ser escolhida pelo

seu pai, caso não haja na família um herdeiro masculino, para assumir o papel social de um

homem. Biologicamente a filha é uma menina mas o seu “género social” (o de rapaz) tem

mais peso na sociedade do que o biológico. Ogundipe-Leslie (1994: 13) corrobora os

argumentos de Oyewumi e de Sudarkasa afirmando que as relações interpessoais nas

7 Um dos maiores grupos étnicos no leste, sul e sudoeste da Nigéria, Camarões e Guiné Equatorial. Ver mais

em: http://www.britannica.com/EBchecked/topic/282215/Igbo

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sociedades africanas vão muito mais para além das relações de género, por isso torna-se

errado analisar mulheres africanas somente na sua interação com homens. Por exemplo, o

casamento pode ser muito mais do que uma relação entre dois sexos; pode ser e, muitas

vezes é, uma rede de relações e interdependências entre duas ou mais mulheres e mulheres

e homens onde fatores como a idade, ou a ordem da entrada na família pela via do

casamento tem mais importância do que o próprio género. Okome (2003: 79) argumenta

que não existe igualdade entre homens e mulheres mas ela também não existe mesmo entre

as próprias mulheres só por elas partilharem o mesmo sexo biológico. Na sociedade Ibo

(Nigéria) mulheres que entram na família através do casamento não gozam do mesmo

estatuto que as filhas (as irmãs do marido). As esposas mais novas não recebem o mesmo

tipo de tratamento que as esposas seniores. Uma mulher chefe tem mais poder do que

qualquer mulher ou homem. E, por fim, um homem rico tem o estatuto mais elevado do

que um homem pobre. Sylvester (1995: 964) relata que, no Zimbabwe, um grupo de

mulheres trabalhadoras em propriedades agrícolas não tinha, curiosamente, a noção de

serem mulheres e da sua “feminilidade”. Sylvester reconheceu que se preparou para

entrevistar “mulheres” no senso strictu da palavra mas foi confrontada com um elemento

de surpresa. Houve pessoas que lhe disseram que a categoria de “mulher” no sentido geral

podia ser atribuída na base do trabalho efetuado. Outras sentiam que a categoria de mulher

não podia existir se as divisões entre elas fizessem com que elas não pudessem exercer a

sua solidariedade. A noção geral foi que tinha que se ter cuidado com a categoria de

mulher e os seus interesses/expetativas porque outras mulheres podiam discordar e fazer

uma outra leitura da questão.

Torna-se, então, claro que a organização social dos povos africanos é bastante

diferente da dos países europeus ou da América do Norte e, consequentemente, a categoria

de género não é a única ou a mais importante na vida e na realidade quotidiana de uma

pessoa africana. Logo, o feminismo na sua vertente ocidental, com o grande enfoque nas

questões relacionadas com o género aplica-se muito menos ao continente africano.

3.1.2. Posicionamento perante homens e maternidade

Um outro ponto de demarcação ou de diferenças substanciais entre feminismos

africanos e ocidentais é a atitude perante homens. Do lado ocidental mantém-se e nutre-se

a posição de que o único opressor das mulheres africanas é o homem africano. Todos os

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trabalhos levados a cabo nos anos 80 e 90 do século XX “comprovam” a situação precária

da mulher em África causada exclusivamente pelo homem que é: «the enemy, the exploiter

and oppressor» (Kamara, 2011: 213, Ogunyemi, 1996: 114). Chega-se à conclusão, então

de que há uma guerra entre homens e mulheres africanos. A proposta de solução dirigida a

mulheres africanas foi a de criar um mundo autónomo separado dos homens com a estética

e economia emocional adequada a mulheres.

As mulheres africanas, tal como as suas irmãs afro-americanas rejeitaram esta visão

do feminismo argumentando que problemas com os quais se confrontam as mulheres e os

homens africanos (a pobreza, a exploração capitalista, a falta de recursos básicos como a

água, a corrupção política, etc.) requerem a cooperação entre os sexos e as soluções para

estes problemas não podem ir na linha do pensamento dicotómico. Por esta razão, como

argumenta Kramara e outras académicas africanas, a perspetiva africana difere imenso da

ocidental: sublinha-se a complementaridade dos sexos e o papel da cooperação. Ambos,

mulheres e homens podem e devem (como veremos neste capítulo) trabalhar em todas as

esferas da vida juntos, sem se deixarem separar pelo pensamento hierárquico, alheio ao

pensamento africano (Dove, 1998: 515).

Pode-se, então afirmar, que a especificidade do feminismo africano assenta na

solução pacífica e, talvez, possamos avançar com a afirmação que esta abordagem de

mulheres africanas é mais humanista porque procura garantir o bem-estar dos dois sexos.

Esta visão assenta na cultura africana que se expressa pelo interesse pelo coletivo – o bem

da comunidade é de maior importância do que o bem individual.

No sistema que valoriza a comunidade e o coletivo, o papel da mulher no seio da

comunidade é mais estimado – a mulher é vista como mãe, traz vida ao mundo, garante e

assegura a regeneração espiritual dos anciãos. Ela, a mãe, transmite a cultura e constitui o

centro da organização social. Porém, o papel da maternidade não é atribuído somente às

mães biológicas. Baseando-se nos trabalhos académicos, Dove afirma (1998: 520-521) que

a maternidade transcende as relações de sangue e de género, mesmo nos tempos de hoje.

Uma outra pessoa, membro da família, ou não, pode desempenhar o papel da mãe. E este

papel constitui a fonte da força, do reconhecimento, do empoderamento e do estatuto da

mulher na sua comunidade. A maternidade, neste sentido, traduz os valores de

comunidade, da importância do outro e de formas de resistência. A ética do cuidado,

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muitas vezes criticada em algumas correntes dos feminismos ocidentais é levada a um

outro patamar no pensamento africano. A tarefa de “othermothering”, a fonte da força das

mulheres afro-americanas, é uma das mais gloriosas tarefas da mulher no continente

africano. Uma mulher que não tem filhos biológicos, pode ser protegida emocionalmente

através do seu papel da “mãe dentro da comunidade” onde esta prática lhe confere o

estatuto da mulher sábia e respeitada (Ogundipe-Leslie, 1994).

3.2. O ato libertador de auto-nomeação

Carol E. Boyce Davies (1994: xi), na introdução ao livro de Molara Ogundipe-

Leslie intitulado “Re-creating Ourselves: African Women & Critical Transformations”

argumenta que sempre houve inúmeras tentativas de silenciar as vozes minoritárias,

outrora abafadas pela cacofonia de vozes provenientes do mainstream feminista, as

tentativas de ignorar as vozes de mulheres negras africanas. Devemos acrescentar a isso o

problema da “política da citação” ou a “política da exclusão” que rejeita e desvaloriza a

contribuição intelectual de mulheres africanas. É importante, neste contexto, seguir a

sugestão de Audre Lorde que fala dos “discursos transformativos” no seu ensaio “The

Transformation of Silence into Language and Action” (Lorde, 2007c: 43). O discurso

transformativo é praticado por mulheres africanas quando elas erguem a sua voz para falar

das suas realidades, para apresentar as propostas e alternativas ao feminismo ocidental.

Não importa neste contexto, que elas sejam chamadas de loucas, pois a loucura é atribuída

a quem se opõe e resiste à ordem estabelecida. É uma estratégia de opressão a de chamar

louca a quem fala em voz alta contra a realidade sufocante. Para ganharem voz própria,

para resistirem à imagem de ser mudo, passivo e vitimizado, as mulheres africanas

tornaram-se porta-vozes das suas irmãs. Visto que as ideias do feminismo ocidental, com

as suas práticas racistas e criação da “Outra”, não se adequavam às realidades africanas,

tornou-se urgente poder dar o nome à luta e à causa que as mulheres africanas

implementaram. Embora o projeto do feminismo ocidental tenha sido recuperar poder

através da linguagem e do ato de nomear, esta mesma linguagem tornou-se um dos

instrumentos da opressão, marginalização e silenciamento da “Outra”. O poder da

autodeterminação através da linguagem, da palavra, foi negado às mulheres do Terceiro

Mundo, por isso o projeto de ganhar a voz, de ousar falar e de trabalhar os conceitos em

termos da língua foi um dos mais importantes para as mulheres africanas.

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Foi muito importante poder dar o nome ao pensamento de mulheres africanas

porque, se não o tivessem feito, outros/as teriam inventado nomes por elas. Ao deixar

outros dar o nome a uma teoria, as mulheres africanas deixariam também que esta pessoa

as definisse novamente. Desta forma seria fácil perder o espaço, a margem de manobra – e

essa seria uma forma de as mulheres africanas se tornarem um objeto nas mãos do outro

(Arndt, 2000: 10).

Segundo afirma, no mesmo sentido, Obioma Nnaemeka, académica e feminista

nigeriana, as mulheres africanas devem ter o poder de nomear, o poder de chamar as

coisas, de lhes atribuir o nome. Este poder, até há duas ou três décadas, era-lhes negado, e

pode fazer com que elas sejam capazes de definir o seu lugar, o seu nome e a sua luta. A

causa então é política e não se reduz somente a uma questão de terminologia: «What is at

stake is the issue of agency, subjectivity, and power – the power to name oneself, one´s

location and one´s struggle» (Arndt, 2002: 13).

O termo “feminismo” suscita em África muitas dúvidas e resistências entre as

próprias feministas africanas e escritoras que se debruçam nas suas obras sobre as relações

entre os sexos. O facto de o feminismo branco global e imperial não ser um fenómeno com

o qual as mulheres africanas se identifiquem faz com que elas se distanciem muitas vezes

do próprio termo. A escritora nigeriana Flora Nwapa, acusada e “rotulada” de ser feminista

diz: «I don´t use that word because I don´t like the word» (Arndt, 2002: 23). Curiosamente,

enquanto Flora Nwapa rejeita o termo “feminismo” quando se desloca a obodo oyibo (terra

de gente branca), abraça o termo quando está em Nsukka, Nigéria (Arndt, 2002). A

resistência das autoras e académicas africanas a definirem-se e identificarem-se com o

feminismo constitui também uma forma de reação contra a leitura e apropriação dos textos

escritos por elas por parte das feministas brancas que aplicam as suas regras atribuindo aos

textos e aos pensamentos de mulheres africanas as caraterísticas do feminismo branco. A

título de exemplo, Katherine Frank, feminista e académica branca apropria-se da literatura

escrita por Buchi Emecheta, Flora Nwapa ou outras escritoras africanas do ponto da vista

ocidental “often virtually “raping” it [o texto] in the process.” (Arndt, 2002: 22).

3.3. Conceitos e alternativas oferecidos por mulheres africanas

Na sua tentativa de se definirem, nomearem e identificarem, as mulheres africanas

trabalharam no sentido de desenvolver a terminologia e os conceitos do pensamento

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centrado nas mulheres, o que nós, no mundo ocidental, poderíamos designar por

“feminismo”. Uma das versões do feminismo africano está ligada a uma

posição/pensamento chamado em inglês “womanism”. No contexto afro-americano o termo

é atribuído a Alice Walker. O termo simboliza a transição que ocorreu numa rapariga

adolescente que descobriu em si uma mulher. Este nascimento, a nova consciência, duma

mulher pode surgir como efeito de um incidente dramático ou traumático (morte, um ato

de racismo, etc.). Segundo Walker, womanism é uma resposta mais completa e eficaz do

que aquilo que o feminismo propõe a respeito de relações entre dois sexos. Como afirma

Alice Walker, a diferença entre o womanism e feminismo é equivalente à diferença entre

roxo e lavanda (Arndt, 2002: 38). A definição fundamental é a seguinte: «A womanist is

[c]ommitted to survival and wholeness of the entire people, male and female» (ibidem, p.

38). Para Alice Walker, o conceito do womanism é mais amplo porque não se limita

somente às questões ligadas à discriminação na base do sexo, mas procura encontrar

respostas aos problemas de racismo, da identidade étnica das pessoas, às questões de cariz

económico e social. No entanto, como afirma Susan Arndt, o conceito trabalhado por Alice

Walker, ignora o problema de separatismo visto que para Alice Walker as mulheres

brancas não podem ser incluídas no fenómeno. Somente as mulheres negras podem ser

adeptas do conceito – isso exclui também os homens negros. Este conceito foi também

trabalhado por mulheres em África, embora tenha, na versão africana, um caráter um

pouco diferente.

3.3.1. Womanism de Chikwenye Ogunyemi

Chikwenyé Okonjo Ogunyemi, a crítica literária nigeriana, autora do famoso livro

“Africa Wo/Man Palava. The Nigerian Novel by Women” publicado em 1996 desenvolveu

a sua própria versão do conceito womanism. Como ela própria explica, chegou ao termo

independentemente de Alice Walker, mas o facto de o mesmo ter sido utilizado pela autora

afro-americana revelou-se uma surpresa agradável (Ogunyemi, 1985: 72). É verdade que

em alguns aspetos o womanism dela é semelhante ao conceito desenvolvido por Alice

Walker, no entanto, existem também diferenças. Tal como Alice Walker, Ogunyemi

concorda que o womanism africano é uma forma de feminismo: «African womanism

believes in the freedom and independence of women like feminism» (Arndt, 2002: 39).

Porém, as diferenças estruturais existentes entre o Norte branco e o Sul negro implicam

que esta ideia está a ser posta em prática de uma forma diferente. Como ela explica: «the

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39

ultimate difference between the feminist and the womanist is … what each sees of

patriarchy and what each thinks can be changed» (ibidem, p. 39).

Como podemos ver, para Ogunyemi, o conceito do womanism subentende a

consciência de que as questões de género não são e não podem ser separadas dos outros

fatores e das outras realidades que, em conjunto, determinam a vida das mulheres no seu

contexto familiar, local e comunitário. Só este contexto tem todo o sentido para as

mulheres africanas e é aqui que elas divergem da compreensão do feminismo branco,

muito focado nas questões de género e das relações de género privadas, muitas vezes, do

seu contexto. A noção de raça ligada à classe e género, o trio abandonado pelas feministas

marxistas, utilizada por Ogunyemi difere substancialmente da noção avançada por Alice

Walker. Para ilustrar melhor o argumento usado por Ogunyemi, deixaremos aqui, na

versão original, dez aspetos que um/a womanist era obrigado/a ter em consideração:

“1. Global capitalism and consumption that impoverish the poor; 2. The political

economics of race; 3. Feminisms and other imperialisms – postcoloniality in cahoots

with global sisterhood; 4. Interethnic skirmishes and cleansing; 5. Religious

fundamentalism – African traditional religions, Islam, and Christianity; 6. Elitism,

militarism, and feudalism; 7. The language issue; 8. Gender constrictions; 9.

Gerontocracy; 10. In-lawism and other cultural constraints”.

(apud Arndt, 2002: 40).

São aspetos de extrema importância para as mulheres (e não só) da África porque

definem o quotidiano delas influenciando, também, as relações de género. É neste sentido

que o feminismo africano tem que se separar e diferir do feminismo branco ocidental que,

por sua vez, está confrontado com outros problemas a resolver.

“As a woman with her own particular burden, knowing that she is deprived of her rights

by sexist attitudes in the black domestic domain and by Euro-American patriarchy in the

public sphere; as a member of a race that feels powerless and under siege, with little

esteem in the world – the black female novelist cannot wholeheartedly join forces with

white feminists to fight a battle against patriarchy that, given her understanding and

experience, is absurd. So she is a womanist because of her racial and sexual

predicament.”

(apud Arndt, 2002: 40).

Este ponto de vista, que nos parece pertinente por ser analisado na perspetiva da

mulher negra Africana, foi criticado por disseminar ideias racistas. Jenny de Reuck,

académica da África do Sul, afirmou que Ogunyemi fez o esforço de constituir o sujeito

dentro da dimensão racista no âmbito do conceito do womanism africano. No entanto,

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40

Ogunyemi simplesmente invocou os aspetos, talvez menos confortáveis para as feministas

brancas, porém às quais elas não podem virar as costas ignorando o contexto e realidade

das mulheres africanas. Nos seus textos, nomeadamente neste trabalho “African Wo/Man

Palava” Ogunyemi vai ainda mais longe – não só separa a sua visão do feminismo africano

(womanism) da do feminismo branco ocidental, como também o distancia do feminismo

afro-americano, acusando-o de não ver e não tomar em conta as realidades e as

especificidades africanas. Ela argumenta que só as mulheres africanas podem ser

seguidoras do womanism visto que são elas que conhecem melhor, na sua própria pele, os

aspetos da vida e da realidade quotidiana africana. O womanism abraça e celebra raízes

negras, os ideais da cultura negra e oferece uma visão refrescante de feminilidade negra.

Faz parte da tentativa de criar o seu próprio termo/nome, de se autoidentificar sem deixar

esta tarefa a outros.

3.3.2. Africana womanism de Cleonora Hudson-Weems

Uma outra visão do feminismo africano foi desenvolvida nos anos noventa do

século XX. A afro-americana Cleonora Hudson-Weems inventou o seu contexto do

feminismo africano chamado “Africana womanism”8 – «an ideology created and designed

for all women of African descent» (Arndt, 2002: 46). Esta visão do feminismo separa-se

totalmente do feminismo branco, visto que o feminismo ocidental foi transplantado para o

terreno africano por feministas brancas e com o objetivo de lhes trazer vantagens.

“I think that to talk of the terminology, feminism, we have to deal with the inception of

the term itself and what its original design was. Who designed it and what were the

needs of the women who designed it? It was a term created, designed and defined by

white women… It was exclusionary. Black women were not accepted; they were not

invited to be part of it… [W]hen I think of strong black women from Africa, from the

total diaspora, I never think of them as feminists, because I know what feminism means

to me, I know that it means ´get back´”. (apud Arndt, 2002: 47)

O traço caraterístico da Africana womanism é a rutura total com o feminismo

branco ocidental e a exclusão de qualquer tentativa de conciliação ou solidariedade com os

objetivos do feminismo ocidental. Aqui a questão de género e das relações de género nem

sequer são questionadas e as mulheres negras africanas que ficaram convencidas com o

8 Ver mais em: http://africanawomanismsociety.webs.com/ [acedido em 14 de janeiro de 2014 às 14h41]

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pensamento feminista são acusadas de traição como copiadoras do pensamento imperial e

colonizador. Para Hudson-Weems a verdadeira Africana womanist é:

“(1) a self-namer and (2) a self-definer, (3) family-centered, (4) genuine in sisterhood,

(5) strong, (6) in concert with male in struggle, (7) whole, (8) authentic, (9) a flexible role-

player, (10) respected, (11) recognized, (12) spiritual, (13) male compatible, (14) respectful

of elders, (15) adaptable, (16) ambitious, (17) mothering and (18) nurturing”. (apud Arndt, 2002: 48).

A rejeição do feminismo branco foi tal que Hudson-Weems apelou às mulheres

africanas para rejeitarem também o próprio termo “feminismo” – nem “feminismo

africano” nem “feminismo negro” eram os termos adequados ao contexto e à experiência

das mulheres africanas. Mas a própria palavra “africana” foi considerada por Hudson-

Weems como a mais adequada no contexto africano pois descrevia a realidade étnica:

«[Africana”] identifies the ethnicity of the woman being considered and this reference to

her ethnicity, establishing her cultural identity, relates directly to her ancestry and land-

base – Africa» (apud Arndt, 2002: 48).

As caraterísticas da verdadeira womanist africana fazem-nos pensar em mulheres

que lutam ao lado dos homens, em pé de igualdade, pela libertação dos dois sexos e com os

quais possam construir uma nova sociedade – “in concert with a male struggle” e “male

compatible”. Esta cooperação com homens em prol da mudança é um elemento

diferenciador do “womanism” de Alice Walker e das várias correntes do feminismo

africano. Uma outra diferença, desta vez do womanism proposto por Ogunyemi, é que

Hudson-Weems não se concentra especialmente em questões de raça / racismo, embora a

própria palavra “africana womanism” sugira uma forte identificação com a pertença étnica.

Vale a pena aqui salientar que, para Chikwenye Ogunyemi, a versão do womanism

proposta por Hudson-Weems é utópica no sentido da sua abordagem romântica de a

relação entre mulheres e homens ignorar os perigos que homens podem representar para

mulheres, nalgumas circunstâncias (Ogunyemi, 1996: 119).

3.3.3. Stiwanism de Molara Ogundipe-Leslie

Gostaríamos de abordar aqui um terceiro conceito ligado ao feminismo africano,

que foi proposto por uma académica nigeriana – Molara Ogundipe-Leslie em 1994. A

autora avançou com o termo totalmente novo – stiwanism formado a partir de acrónimo

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“Social Transformation Including Women of Africa” (Awuor, 1996). Como Ogundipe-

Leslie afirma:

“(…) This new term ´STIWA´ allows me to discuss the needs of African women today

in the tradition of the spaces and strategies provided in our indigenous cultures for the

social being of women…´STIWA´ is about the inclusion of African women in the

contemporary social and political transformation of Africa. I am sure there will be few

African men who will oppose the concept of including women in the social transformation

of Africa, which is really the issue. Women have to participate as co-partners in social

transformation”

(apud Arndt, 2002: 50).

A interpretação das suas palavras aponta no sentido de que as mulheres não só têm

o direito de participar na vida política e social do seu país ou da sua comunidade, como

devem fazê-lo. Um ponto muito interessante é que Ogundipe-Leslie apela às mulheres

africanas para tomarem responsabilidade por si próprias no sentido de desenvolverem os

seus interesses, de se envolverem na vida da comunidade, de se tornarem ativas. A

verdadeira emancipação das mulheres virá quando elas próprias se tornarem agentes da sua

mudança, em vez de se dedicarem às tarefas supostamente femininas, como leitura de

revistas cor-da-rosa, etc.: «Don´t just read fashion magazines. Don´t read only soft part of

newspapers, the “human angle” stories, the gossip, the scandal. Take an interest in society,

not only in your immediate family. Get out. Get involved.» (Ogundipe-Leslie, 1994: 231)

Aqui ela menciona os aspetos pouco falados e analisados em alternativas avançadas

por Ogunyemi (womanism) e Hudson-Weems (Africana womanism) – o papel e as relações

de género na vida quotidiana das mulheres africanas. Ogundipe-Leslie argumenta que as

relações de género constituem a parte fundamental na vida e que estas só podem ser o alvo

de transformação se as transformações básicas sociais tiverem lugar. Este conceito é

também dirigido a mulheres africanas, excluindo as mulheres brancas e afro-americanas. E,

a ideia principal é, tal como nos casos dos pensamentos centrados nas mulheres

apresentados neste capítulo, que há necessidade de se separar do feminismo branco com o

objetivo de encontrar respostas às necessidades e problemas de mulheres africanas:

“The creation of a new word is to deflect energies from constantly having to respond to

charges of imitating Western feminism and, in this way, conserve those energies, to avoid

being distracted from the real issue of the conditions of women in Africa… This new term

describes my agenda for women in Africa without having to answer charges of

imitativeness or having to constantly define our agenda on the African continent in relation

to other feminisms, in particular, white Euro-American feminisms which are unfortunately

under siege by everyone.” (apud Arndt, 2002: 50).

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O novo termo é uma tentativa, também, de evitar as acusações de Ogundipe-Leslie

se aliar ao feminismo, já que este termo suscita muitas reações negativas. A autora

identifica-se com o feminismo e acredita que ele é essencial para mulheres e homens

africanos, porém está consciente de que a causa é tão importante que é melhor protegê-la

de ataques.

3.3.4. Motherism de Catherine Acholonu

É o momento de apresentar neste capítulo mais um conceito africano ligado às

mulheres porque o fenómeno de maternidade é central na vida das mulheres africanas. No

seu livro publicado em 1991, no subtítulo chamado “Afrocentric alternative to feminism”

Catherine Acholonu propõe motherism como uma alternativa ao feminismo. Inspirada pelo

papel central da maternidade nas sociedades africanas, a nigeriana Acholonu avançou com

a teoria de que maternidade significava também natureza (nature) e cuidado (nurture) – os

aspetos que podem atribuir à mulher um grande poder. Curiosamente, é de notar que no

âmbito do feminismo ocidental, durante a segunda e terceira vaga do feminismo, esses

conceitos do cuidado e da natureza foram bastante desvalorizados estando eles na base da

discriminação das mulheres. Porém, na ótica de Catherine Acholonu a mulher enquanto

mãe tem o papel e a tarefa de cuidar da sua família, proteger a caraterística natural da

família, da criança, da sociedade e do ambiente (Arndt, 2002: 53). Ambos, homens e

mulheres, podem seguir o conceito de motherism.

Espera-se deles, do homem e da mulher, no entanto, a consciência e a resposta a

vários problemas sociais, culturais e comunitários. O/a seguidor/a do motherism é tudo

menos o ser passivo e ignorante. Ela e ele devem estar «… concerned about the menace of

wars around the globe, racism, malnutrition, political and economic exploitation, hunger

and starvation, child abuse and mortality, drug addiction, proliferation of broken homes

and homelessness around the world, the degradation of the environment and the depletion

of the ozone layer through pollution…» (in Arndt, 2002: 54).

De novo, a questão de género não é central na teoria proposta por Catherine

Acholonu e esta posição deve-se, na opinião de Susan Arndt, ao facto de que, segundo

afirma Acholonu, nas sociedades tradicionais africanas não existia opressão de género – as

mulheres não foram de forma alguma subjugadas e discriminadas pelo homem. Tal como

argumentou a outra académica nigeriana aqui mencionada, Oyeronke Oyewumi, o

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equilíbrio entre os sexos e a igualdade de género existente nas sociedades africanas antes

do advento do colonialismo foram destruídos pela imposição das soluções e estruturas

ocidentais no terreno africano. Um dos objetivos do colonizador foi enfraquecer a posição

das mulheres africanas nas sociedades tradicionais porque o poder e a influência que elas

detinham constituíam uma fonte de força capaz de resistir aos objetivos da colonização.

Antes de África ter sido conquistada, era imperativo acabar com o poder das mulheres

africanas (Arndt, 2002: 58). Assim, além da negligência e da violação dos direitos

humanos, a colonização introduziu novas relações entre os sexos agravando a situação das

mulheres em geral. Em termos sociais e económicos, as mulheres ficaram a perder muito

tornando-se mais dependentes dos homens.

É certo que em algumas das suas afirmações, Catherine Acholonu pode ser

considerada bastante controversa, para não dizer injusta, face ao feminismo ocidental que

ela acusa de ser contra a natureza, contra a criança e contra a cultura. Ela, tal como

algumas outras “feministas” africanas, critica as mulheres africanas apoiantes do

feminismo ocidental por demonstrarem uma atitude pouco crítica em relação à adoção dos

ideais e valores do feminismo ocidental no terreno africano, particularmente pela tese de

que as mulheres africanas são oprimidas e subjugadas por homens. Como diz: «the truth is

that what determines social status in Africa, in all parts of Africa is economic power, and

hardly gender» (apud Arndt, 2002: 57). Seria quase suicídio para uma mulher africana

adotar ideologias do feminismo ocidental sem ter em conta as diferenças históricas,

culturais e sociais das duas culturas.

O que se deve pretender é a complementaridade dos sexos e não a igualdade –

«(…) equality is controversial and self-destructive; complementarity is diplomatic,

mentally supportive and dynamic» (apud Arndt, 2002: 58). Como podemos ver, o conceito

do motherism não procura transformar as relações de género porque a própria fundadora do

conceito não acredita em desigualdade em função de género. A sua noção de feminismo

não tem por base a luta contra a opressão de mulheres visto que neste conceito a cada sexo

é atribuído outro papel e tarefas do quotidiano.

3.3.5. Negofeminismo

Este termo proposto por Obioma Nnaemeka engloba a visão do feminismo da

negociação (daí o prefixo “nego”) – é o feminismo sem egoísmo, por assim dizer, o

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feminismo que assenta no valor da comunidade (Nnaemeka, 2004). A autora reconhece

que o feminismo africano é tão rico e diversificado como a própria África, e propõe o

termo não necessariamente para ocultar as diferenças e a diversidade do pensamento

centrado na mulher mas para dar relevo às práticas que lhe parecem comuns nas sociedades

africanas – práticas que assentam nos valores, atitudes e instituições que são comuns para

as nações e povos de África Subsaariana. Este leque de valores partilhado no continente

africano pode servir de base para constituir debates em torno de África e as suas

especificidades. No conceito de negofeminismo dominam os valores de compromisso – de

dar e de receber – do equilíbrio e da harmonia. Isto é uma visão africana de feminismo que

opera através da adaptação, numa certa forma, à mentalidade e à cultura sem criar

confronto. As adeptas de negofeminismo desarmam as minas do patriarcado através da

flexibilidade, sem trazerem grandes riscos e perigos a mulheres que visam mudar a

sociedade. A ideia chave é que o feminismo africano desafia, luta e desconstrói as velhas

estruturas sem entrar em conflito com homens e com a sociedade sabendo como negociar o

espaço cultural e político onde as mulheres podem exercer os seus direitos da cidadania.

Embora neste capítulo sejam apresentados conceitos que se separam dos feminismos

brancos ocidentais e não esgotam o tema nem a riqueza do pensamento, é necessário

realçar que há um grupo de mulheres africanas que estão envolvidas, pela escrita e pelo

ativismo, em questões em prol das mulheres e que, ao mesmo tempo, não se distanciam

nem procuram uma rutura com o feminismo enquanto termo e a opção política.

A título de exemplo, Zoe Wicomb9 (África do Sul), Nawal El Saadawi

10 (Egito),

Akachi Adimora-Ezeigbo11

(Nigéria), Abena Busia12

(Gana), Ama Ata Aidoo13

(Gana)

9 Zoe Wicomb - escritora sul-africana nascida em 1948. Atualmente leciona na Universidade de Strathclyde,

Escócia. 10

Nawal el Sadaawi - médica, escritora, académica e feminista egípcia, nascida em 1931 que possui uma

obra importante publicada sobre situação de mulheres árabes, mutilação genital feminina, etc. 11

Akachi Adimora-Ezeigbo – académica nigeriana, escritora, primeira vice-presidente do PEN Nigéria e

membro de Associação Nigeriana de Mulheres Escritoras (inglês: Women Writers´ Association of Nigeria). 12

Abena Busia - atualmente Presidente do Departamento de Estudos sobre as Mulheres e de Género na

Universidade de Rutgers, EUA. Possui vasta obra sobre feminismos africanos e literatura de mulheres negras. 13

Ama Ata Aidoo - escritora, académica, e ex-Ministra de Educação de Gana nascida em 1940. Nos seus

livros apresenta mulheres que desafiam normas tradicionais e culturais da sua comunidade.

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afirmaram que se identificaram com o feminismo. Embora repitam que o contexto social,

cultural e político africano exige outras teorias e soluções além das propostas pelas

feministas ocidentais, concordam, no entanto, que há raízes comuns e semelhanças entre as

situações e os problemas de mulheres ocidentais e africanas. Citando as palavras de Akachi

Adimora-Ezeigbo: «Whatever the differences between black and white feminism, there can

be no doubt that both share certain aesthetic attitudes» (Arndt, 2002: 67). O facto de se

ouvirem várias vozes e de se observarem posições diferentes face aos feminismos significa

somente que as mulheres não ficam indiferentes perante a sua realidade, vida e quotidiano

procurando as suas próprias respostas e, embora tenham visões diferentes da problemática

das mulheres, partilham a mesma preocupação. A polifonia das vozes constitui uma prova

da riqueza do pensamento das mulheres africanas.

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4. A escrita literária como voz de insurgência

Qual seria o melhor campo para ouvir a voz das mulheres africanas que não o da

literatura? A palavra escrita pode constituir uma arma poderosa para combater a

invisibilidade, a marginalização e o silenciamento imposto às mulheres africanas tanto pela

cultura ocidental como por homens africanos enquanto escritores (Kolawole, 1997).

Kolawole argumenta que as mulheres africanas transcenderam, no entanto, o silêncio,

precisamente através da literatura pois esta tornou-se para elas um instrumento

indispensável para a autorreflexão, autoexpressão e autolibertação. Da mesma forma, a

escrita pode tornar-se também um instrumento de auto-preservação e auto-cura. Um

fragmento muito interessante e emocional incluído na carta de Gloria Anzaldúa dirigida às

mulheres escritoras do Terceiro Mundo ilustra o que simboliza a escrita para a “Outra”:

“O ato de escrever é um ato de criar alma, é alquimia. É a busca de um eu, do centro do

eu, o qual nós mulheres de cor somos levadas a pensar como “outro” – o escuro, o

feminino. Não começamos a escrever para reconciliar este outro dentro de nós? Nós

sabíamos que éramos diferentes, separadas, exiladas do que é considerado “normal”, o

branco-correto. E à medida que internalizamos este exílio, percebemos a estrangeira

dentro de nós e, muito frequentemente, como resultado, nos separamos de nós mesmas e

entre nós. Desde então estamos buscando aquele eu, aquele “outro” e umas às outras”.

(Anzaldúa, 2000: 232)

Para a autora, a escrita constitui uma forma de não se deixar rotular e definir por

outros. É uma forma de se insurgir contra a opressão e injustiça – é o dever para com

outras irmãs do Terceiro Mundo e as mulheres negras. Escrita é uma forma de superar o

medo e de gritar em voz alta sobre o que habita no coração.

Neste capítulo analisaremos como a voz da mulher africana surge na palavra escrita

de uma das escritoras nigerianas – Chimamanda Ngozi Adichie - representante da nova

geração e, talvez, da nova forma de pensar e escrever. A escolha desta autora pareceu-nos

importante, não só por ela pertencer à nova geração de autoras africanas mas também,

porque na sua abordagem às sociedades contemporâneas africanas, nomeadamente

nigeriana, podem-se encontrar traços do pensamento feminista. Mariama Bâ (in Ogunyemi,

1985: 65) argumentou que escrever sobre mulheres não significa, necessariamente, que

uma autora é feminista. De igual forma, um autor que escreva sobre África não tem que

ser, obrigatoriamente, nacionalista. Segundo Mariama Bâ, uma autora é feminista quando

dedica os seus esforços para expor e denunciar a tragédia das mulheres, quando protesta

ativamente sobre discriminação e degradação das mulheres e quando elogia as suas

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capacidades físicas e intelectuais. Por sua vez, Ogunyemi explica-nos a sua visão do que é

um romance feminista:

“A reader can expect to find in it some combination of the following themes: a critical

perception of and reaction to patriarchy, often articulated through the struggle of a

victim or rebel who must face a patriarchal institution; sensitivity to inequities of sexism

allied with an acceptance of women and understanding of the choice open to them; a

metamorphosis leading to female victory (…)”

(Ogunyemi, 1985: 64-65)

Num romance que carrega traços feministas temos, portanto, sinais de sensibilidade

perante a situação das mulheres, mas, além disso, possuímos também soluções e estratégias

de sobrevivência que fazem das mulheres seres em transformação, passando de uma

situação de fragilidade para uma posição de vitória. Dá-se importância às personagens

femininas que cumprem um papel fazendo o/a leitor/a compreender os mecanismos de

opressão das mulheres mas também as formas de os combater. Como argumentam as

teóricas feministas (Ogundipe-Leslie, 1994: 57), a mulher escritora tem duas

responsabilidades: descrever a realidade das mulheres através dos olhos das mulheres e

contar sobre o que significa ser mulher.

O objetivo deste capítulo será olhar de perto as personagens femininas que habitam

as páginas dos romances de Chimamanda Ngozi Adichie. As figuras femininas

apresentadas em dois dos romances desta autora serão analisadas no que diz respeito às

situações que enfrentam e posições que tomam perante as adversidades - será que as suas

reações perante a vida e outros, as formas de pensar e de se comportar empoderam-nas,

tornando-as invencíveis e fortes ou fazem-nas vulneráveis e indefesas? E, finalmente,

poderemos dizer que as personagens femininas que nos são apresentadas pela escritora

saíram da pena duma escritora engagée, feminista de convicção? Antes disso, porém,

abordaremos a problemática de cânone e da exclusão das mulheres africanas enquanto

escritoras deste cânone.

4.1. Na margem do cânone – exclusão de escritoras africanas

O campo da literatura africana, e por conseguinte, o conceito de “cânone” literário

sempre pertenceu aos homens, e esta situação continua a persistir até aos dias de hoje,

embora possamos ouvir cada vez mais vozes femininas, nesta área prestigiosa da produção

literária. Lília Momplé (1999) admite que a própria palavra “cânone” é virtualmente

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desconhecida entre escritores e escritoras moçambicanos – é a palavra que gera uma certa

confusão. No entanto, esta escritora moçambicana tem certeza sobre uma coisa e afirma:

«(…) nenhuma escritora moçambicana se encontra representada no cânone educativo. Nos

livros de leitura adoptados para o ensino, os nossos textos simplesmente não existem.»

(Momplé, 1999: 32-33).

Como afirma Catarina Martins (2011) no seu artigo publicado em e-cadernos do

CES Coimbra intitulado “´La Noire de…´ tem nome e voz. A narração de mulheres

africanas anglófonas e francófonas para lá da Mãe-África, dos nacionalismos

anticoloniais e de outras ocupações”, a situação do cânone literário africano ser “ocupado”

e definido principalmente por homens, tem vindo a ser criticado pelas escritoras africanas e

pela crítica feminista, particularmente a partir dos anos oitenta do século XX (Martins,

2011: 119). O papel das feministas no processo da escrita tem vindo a ser crucial «com a

inclusão, portanto, na academia de preocupações de investigação e críticas que ora

denunciassem as mensagens sexistas (escritos quer por homens, quer por mulheres), ora

revelassem vozes, até então silenciadas, que retiravam a mulher do lugar de subalternidade

que até então lhe havia sido atribuído» (Macedo, Amaral, 2005: 14). A palavra, a

expressão literária tornaram-se uma arma feminista e serviram para alcançar os objetivos

de mulheres africanas dedicadas à defesa dos direitos das mulheres e da mudança social,

como observámos no capítulo anterior.

Segundo argumenta Catarina Martins, o facto de as mulheres terem sido excluídas e

subalternizadas no domínio literário prende-se com a luta anticolonial e anti-imperialista.

A dimensão da literatura africana está fortemente ligada às questões políticas, coloniais, da

luta contra o colonizador e pós-colonialismo. Costumava-se argumentar que foram estes

temas que dominaram a produção literária africana e que contribuíram para o

estabelecimento do “cânone” literário masculino. O livro “The Empire Writes Back”

(1989) de Bill Aschcroft, Gareth Griffiths e Helen Tiffin analisa a literatura africana e cita

somente três nomes de mulheres escritoras entre todo o batalhão de homens. Florence

Stratton (1994) e Makuchie Nfah-Abenuyi (1997) confirmam também que nos trabalhos

em que analisaram a literatura africana se ignoraram as questões de género; a experiência

literária das mulheres escritoras foi sujeita à invisibilidade e, até, ao apagamento.

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É inegável que os trabalhos académicos dedicados à literatura africana deram pouca

atenção à expressão literária das mulheres africanas. As revistas académicas (a título de

exemplo, African Literature Today) ilustraram esta tendência visto que, se apareciam

artigos publicados sobre a literatura feminina, os mesmos surgiam, principalmente, nas

edições especiais dedicadas a mulheres escritoras (isto, nos anos 70 e 80 do século XX)

(Aidoo in Stratton, 1994). Foram publicados alguns livros dedicados ao assunto de

mulheres africanas na literatura, mas estes apareciam esporadicamente. Além disso, as

mulheres africanas, enquanto escritoras, não só foram ignoradas nos trabalhos dedicados à

literatura africana, mas a sua voz, quando falaram, foi silenciada. Como se afirma (in Nfah-

Abenuyi, 1997: 6): «the neglect of the woman as a writer in Africa has been an unfortunate

omission because she offers self-images, patterns of self-analysis, and general insights into

the woman´s situation which are ignored by, or rather inaccessible to, the male writer».

A exclusão das escritoras africanas do campo da literatura reconhecida pelo

Ocidente repetiu-se no solo africano. Afirma Nfah-Abenuyi (1997: 2) que embora as

mulheres africanas tenham sido ativas no campo da literatura tradicional oral, enquanto

escritoras têm sido ignoradas e nunca receberam a atenção que mereciam. A autora fornece

algumas explicações acerca desta situação. Em primeiro lugar, relata que uma das

principais razões foi a chegada tardia das mulheres à cena literária dos muitos países

africanos – neste caso os fatores que influenciam esta chegada tardia são: educação que

privilegia rapazes, costumes relacionados com o casamento e os sistemas tradicionais da

família que não permitiram às mulheres desenvolver as suas capacidades literárias. No

entanto, a mesma autora afirma que a partir dos anos 60 do século XX havia mulheres

africanas que publicaram os seus trabalhos (por exemplo, Flora Nwapa, Buchi Emecheta,

Ama Ata Aidoo, etc.). Todavia os escritores promoviam o seu trabalho e a sua escrita à

custa das suas conterrâneas (Nfah-Abenuyi, 1997:3). É importante aqui relembrar que

houve alguns progressos neste campo existindo atualmente muito mais interesse pela

literatura das mulheres africanas do que nos anos 70 e 80 do século XX, em resultado da

insistência das académicas feministas em estudar a escrita das mulheres (Nfah-Abenuyi),

1997). No entanto, é de extrema importância continuar o trabalho e ouvir o que as

mulheres africanas têm a dizer sobre si e as suas irmãs.

A separação do feminismo ocidental explorada nos capítulos anteriores prendeu-se

também com a necessidade de, primeiro, desconstruir a mulher africana enquanto Outra

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mas, ao mesmo tempo igual às outras mulheres africanas e, no passo seguinte, de construir

de novo as mulheres africanas enquanto seres heterogéneos, distintos e que tenham a sua

própria voz e que possam negar a visão redutora ocidental da mulher africana pobre,

ignorante, rural, sem poder e presa à tradição misógina da sua sociedade. Assim, o papel da

literatura africana escrita por mulheres é o de «afirmação do papel das mulheres nas

sociedades e nas culturas africanas» (Martins, 2011: 126).

4.2. Romper com os estereótipos à volta de mulheres africanas: a narrativa de

Chimamanda Ngozi Adichie

Chimamanda Ngozi Adichie, uma jovem escritora nigeriana, nascida em 1977,

constitui um exemplo da poderosa voz feminina que se destaca na cena atual literária da

África de expressão inglesa em geral e da Nigéria, em particular. É de realçar o facto de os

romances de Adichie terem sido traduzidos para várias línguas, inclusive o português e o

polaco, e gozarem de imensa notoriedade. Chimamanda Ngozi Adichie é a quinta criança

dos seis filhos do casal Grace Ifeoma e James Nwaye Adichie. Cresceu em Nsukka numa

casa antes ocupada pelo escritor nigeriano de referência, Chinua Achebe14

. Era oriunda de

uma família intelectual, já que o seu pai trabalhava na Universidade de Nsukka. Foi o

primeiro professor de estatística na Nigéria e, passados anos, tornou-se Vice-Reitor da

Universidade. A sua mãe, Grace, trabalhava como funcionária administrativa na mesma

universidade. Em 1996 Chimamanda Adichie emigrou para os Estados Unidos onde lhe foi

atribuída uma bolsa de estudo na Universidade Estatal de Eastern Connecticut vindo a

completar, com distinção, um curso em Comunicação e Ciências Políticas em 2001.

Continuou a sua educação e tirou o curso de mestrado em Escrita Criativa na Universidade

de John Hopkins em Baltimore15

. Em 2008 Chimamanda Ngozi Adichie completou mais

um curso de mestrado, desta vez em Estudos Africanos na Universidade de Yale.

Atualmente, Adichie é casada e divide o seu tempo entre a Nigéria onde ensina

regularmente a escrita criativa e os Estados Unidos.

Críticos literários tentam descrever, ou até rotular, Chimamanda Ngozi Adichie

como uma escritora nigeriana, feminista, negra ou até afro-americana. Esta necessidade de

categorizar os/as escritores/as, no entanto, pode fazer com que toda a classificação seja

14

www.l3.ulg.ac.be/adichie/cnabo.html [acedido no dia 15 de janeiro de 2014 às 15h10]. 15

http://www.l3.ulg.ac.be/adichie/cnabio.html [acedido em 15 de janeiro de 2014 às 15h15].

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limitativa. Como afirma a própria escritora, estas generalizações são bastante redutoras

porque deixam de fora muitos aspetos que são relevantes na própria identidade de

pessoas.16

Ela acrescenta que se sente igualmente Ibo, Nigeriana, Africana e todas estas

identidades enriquecem a sua maneira de ver/ler o mundo. Vai ainda mais longe do que

isso ao declarar que é a soma de todas estas identidades e mais outras (Adichie, 2008).

Contra essas tendências redutoras de atribuir um rótulo a uma mulher escritora, escreveu

quase vinte anos antes Trinh T. Minh-ha (1989) opondo-se à classificação na base de

género e etnia:

“Neither black/red/yellow nor woman but poet or writer. (…) Being merely a writer

without doubt ensures one a status of far greater weight than being “a woman of color who

writes” ever does. Imputing race or sex to the creative act has long been a means by which

a literary establishment cheapens and discredits the achievement of a non-mainstream

women writers”.

(Minh-ha, 1989: 6)

A voz de Chimamanda Ngozi Adichie identifica-se com o feminismo e, tal como

algumas escritoras africanas mencionadas previamente neste trabalho, não se distancia do

conceito do feminismo e dos valores e objetivos que ele representa. Na sua escrita

deparamo-nos com mulheres africanas vivas, heterogéneas e autênticas, senhoras de si que

definem a sua própria vida mesmo em tempos da paz e da guerra.

4.2.1. A Cor de Hibisco

O primeiro romance de Chimamanda Ngozi Adichie, “A Cor de Hibisco” (The

Purple Hibiscus), foi publicado em outubro de 2003 e ganhou o prémio Commonwealth

Writers´ Prize for Best First Book em 2005. Os acontecimentos do romance desenrolam-se

na Nigéria pós-colonial, numa família abastada de Eugene Achike, uma personagem tanto

fascinante como repugnante devido ao seu comportamento perante a sua mulher e os filhos

ditado pela religiosidade mal compreendida. Como argumenta Fwangyil (2011: 262), a

autora faz-nos um retrato de sociedade e do ambiente opressor e sufocante em que as

mulheres vivem. Ogwude (2011: 111) avança com a opinião de que o romance explora o

chauvinismo religioso enquanto hostilidade cultural.

A narrativa pertence a Kambili, rapariga adolescente, à beira de puberdade. É

através dela que somos apresentados a algumas personagens femininas do romance que

16

www.lg.ulg.ac.be/adichie/cnainterview.html [acedido no dia 15 de janeiro de 2014 às 16h15].

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despertam o nosso interesse. Em primeiro lugar, Beatrice, mãe de Kambili e mulher de

Euguene, também cunhada da Tia Ifeoma que será analisada um pouco mais adiante.

Como atrás mencionado, colocámos a pergunta se as personagens femininas de

Chimamanda Ngozi Adichie reagem de uma forma sustentada, abrindo o espaço para o seu

empoderamento ou se, pelo contrário, se deixam vencer pelas normas e expetativas sociais.

À primeira vista, Beatrice é-nos apresentada como uma mulher submissa, ameaçada pelo

seu marido, que permanece muda e profere poucas palavras ao longo das páginas da obra.

Sabemos, através da adolescente Kambili, que a mãe sofre a fúria implacável e ataques

físicos por parte de Eugene e é, pura e simplesmente, vítima da violência doméstica. O

sofrimento da mulher exprime-se, de cada vez após ser espancada, através do ato da

limpeza das estatuetas colocadas na estante da sala; o mesmo sofrimento demonstra-se,

silenciosamente, em forma de nódoas negras na cara da mulher, o que é o fruto e o

testemunho mudo da violência vivida por Beatrice.

“Há anos, antes de eu conseguir compreender o que se passava, sempre ouvia barulho

vindo do quarto deles como se estivessem a bater com qualquer coisa contra a porta,

costumava perguntar-me porque é que as polia. (…) Demorava pelo menos um quarto

de hora a limpar cada estatueta de ballet. Nunca tinha lágrimas no rosto. Da última vez,

há duas semanas apenas, quando o seu olho inchado ainda estava roxo, quase negro como

uma pêra-abacate demasiado dura, ela mudara-lhes a ordem depois de as ter polido”

(Adichie, A Cor de Hibisco, 2010, p. 15).

[“Years ago, before I understood, I used to wonder why she polished them each time I

heard the sounds from their room, like something being banged against the door. (…)

She spent at least a quarter of an hour on each ballet-dancing figurine. There were never

tears on her face. The last time, only two weeks ago, when her swollen eye was still the

black-purple color of an overripe avocado, she had rearranged them after she polished

them”]

(Adichie, Purple Hibiscus, 2009, pp. 10-11).

Qualquer tentativa de resistir à autoridade feroz do marido, mesmo numa situação

de fragilidade ligada à indisposição causada pela gravidez provoca um ataque de ódio e

violência. A mulher tem que pagar pelo “pecado” de contrariar a vontade do seu marido. O

preço a pagar pela violência são abortos espontâneos sucessivos e a impossibilidade de ter

mais filhos, preocupação constante de Beatrice. Com a impossibilidade de ter mais um

filho, em particular, um rapaz, associa-se o medo de rejeição pelo marido e pela

comunidade; Beatrice exprime este medo e angústia quando relata à sua cunhada que os

mais velhos da comunidade já sugeriram ao Eugene que se case com uma mulher que lhe

desse mais filhos. A recusa por parte de Eugene de se juntar a mais uma mulher, gere em

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Beatrice um profundo sentimento de gratidão – afinal, ele não é assim tão mau já que

poderia fazer o que seria normal se seguisse a tradição. É esta gratidão, em conjunto com a

dependência económica, e o esforço de implementar as normas culturais onde a mulher

sem marido é uma cidadã de segunda classe, que fazem com que Beatrice permaneça em

silêncio e nunca questione a autoridade do marido. Não a questione mesmo quando Eugene

maltrata os seus próprios filhos inventando torturas mais repugnantes por cada pequena

“subversão” feita no dia-a-dia.

No entanto, a ditadura em casa de Eugene tem um fim. A solução, embora

chocante, vem de Beatrice. A decisão agonizante de matar o seu marido é, porém, uma

decisão heroica. Chimamanda Adichie nunca justifica o ato da sua protagonista, e também

não a culpabiliza. Deixa o processo de reflexão ao seu leitor/à sua leitora. Cremos, no

entanto, que o homicídio perpetrado por Beatrice é o grito pela liberdade – a sua liberdade

e a dos seus filhos. Trata-se, afinal, de um grito da mulher torturada e privada da sua

dignidade há anos. Não é, de forma nenhuma, uma solução desejável, nem um final feliz.

Pode ser, isto sim, um início da nova vida, talvez marcada pela depressão e remorsos, mas

mesmo assim uma vida livre da violência e da falta de esperança. Após a morte do seu

marido, Beatrice desafia as normas da sociedade recusando cortar o cabelo ou vestir-se de

preto ou branco. Como se a morte de Eugene despertasse vida, embora penosa, em

Beatrice.

O ato desesperado de Beatrice faz-nos pensar que mesmo as vítimas têm as suas

formas de sobreviver e resistir; nunca são totalmente mudas e passivas. Elas têm a sua voz,

mesmo se o preço a pagar para a articular for altíssimo.

Ao lado de Beatrice, conhecemos neste romance mais uma protagonista muito

interessante e, à primeira vista, a mulher que não podia ser mais diferente de Beatrice. É a

Tia Ifeoma, irmã de Eugene, cunhada de Beatrice. Trata-se de uma mulher educada, viúva

com dois filhos e detentora de uma personalidade forte e cheia de vida. Já na primeira

descrição a Tia Ifeoma aparenta uma alegria que falta, obviamente, a Beatrice. Ri-se

imenso, e o riso dela ecoa pela casa toda. Os filhos da Tia Ifeoma, ao contrário da Kambili

e do seu irmão, Jaja, vivem uma plena vida, numa casa onde as suas opiniões são

respeitadas, onde se respira liberdade e onde não grassa o ambiente murcho da

religiosidade levada ao extremo. É importante salientar que a Tia Ifeoma, independente

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economicamente, leciona na universidade e possui uma personalidade que lhe proíbe

deixar intimidar-se pela família do marido (que morreu num acidente) no que diz respeito

às suspeitas relativamente à morte dele. A mulher está consciente de que a família e a

comunidade do seu marido suspeitam de o ter morto. No entanto, esta suspeita não lhe

causa transtorno. Sabe perfeitamente que a família se governa pelas tradições mais

obscuras que discriminam, muitas vezes, as mulheres que entraram nas famílias pela via do

casamento.

A Tia Ifeoma possui toda a coragem para desafiar o seu irmão, Eugene, sobre a

maneira como ele trata o seu pai (Pa Nnukwu) pelo facto de ele não se ter convertido. O

“pagão” nunca teve a possibilidade de dedicar tempo com qualidade aos seus netos,

Kambili e Jaja, e nunca teve o direito de entrar em casa de Eugene. Quando o Pa Nnukwu

morre, é a Tia Ifeoma, ela própria cristã, que se opõe à ideia do enterro cristão do seu pai –

desta forma obedece à vontade dele e demonstra respeito face à sua escolha de permanecer

animista. A sua dignidade coerente não lhe permite aceitar o apoio financeiro de Eugene

pois está consciente de que a aceitação do apoio significaria a necessidade de se submeter à

vontade do irmão.

Quando as duas mulheres, Beatrice e Tia Ifeoma, conversam na sua intimidade, é-

nos revelado que o facto que gere a profunda gratidão em Beatrice (de Eugene não ter

seguido os conselhos da umunna relativamente a casar-se com outra mulher a fim de

procriar mais filhos), é visto por Tia Ifeoma como nada de particular. Na sua ótica, Eugene

não fez nada extraordinário ao recusar-se casar com uma segunda mulher. Seria, afinal de

contas, ele próprio a perder com esta solução. Sem dúvida nenhuma, nesta conversa revela-

se o espírito indomável e solidário da Tia Ifeoma com as mulheres. É este sentido de valor

humano enquanto mulheres, solteiras ou não, que a Tia Ifeoma defende e tenta transmitir

às suas alunas na universidade. É o discurso que Beatrice chama “universitário”, que pouco

tem a ver com a realidade quotidiana das mulheres africanas, pois para Beatrice «Um

marido coroa a vida de uma mulher, Ifeoma. É isso que elas querem» (Adichie, A Cor de

Hibisco, 2010, p. 72) [A husband crowns a woman´s life, Ifeoma. It is what they want.]

(Adichie, Purple Hibiscus, 2009, p. 75). Para a Tia Ifeoma, o casamento não tem,

necessariamente, que significar um estado de graça. A vida sem o homem tem o seu valor

simplesmente porque a vida duma mulher tem o seu valor, ao contrário do que é levada a

pensar Beatrice. «Nwunye m, às vezes a vida começa quando o casamento acaba» (Adichie,

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A Cor do Hibisco, 2010, p. 71) [Nwunye m, sometimes life begins when marriage ends”]

(Adichie, Purple Hibiscus, 2009, p. 75). A mensagem emancipadora está subjacente na

opinião da Tia Ifeoma quando esta afirma que o diploma universitário pode não ser a fonte

da liberdade porque quando as estudantes se casam, os seus maridos começam a controlar

a suas vidas. Tal como no romance seguinte, Adichie opina que a educação pode ser uma

fonte de libertação e a garantia da autonomia das mulheres se estas quiserem fazer dela,

dos estudos, o seu instrumento da emancipação. Ecoam aqui, nesta mensagem, as palavras

de Ogundipe-Leslie, que apelava para que as mulheres africanas se tornassem senhoras de

si próprias através da educação e da autonomia económica.

Não nos restam dúvidas de que a personagem da Tia Ifeoma é personagem forte e

insubmissa. Em tudo o que faz, desafia as normas de género e questiona a posição da

mulher como vista pela sociedade tradicional nigeriana. É independente, é intelectual,

apoia o seu pai como se fosse um homem, encoraja Kambili a vestir calças e pensar pela

sua própria cabeça. Na situação de falta de meios económicos, luta diariamente pelo

sustento da sua família e, quando acabam todas as possibilidades, não recua perante a

opção de emigrar para os Estados Unidos em busca de vida melhor para si e seus filhos.

Embora muito diferentes, ambas, Beatrice e Tia Ifeoma, revelam-se lutadoras, dispondo,

cada uma delas, de várias estratégias de sobrevivência.

4.2.2. Meio Sol Amarelo

As páginas do segundo romance de Chimamanda Ngozi Adichie “Meio Sol

Amarelo” (Half of a Yellow Sun) publicado em 2006 albergam muitas personagens, entre

quais as mulheres que diariamente lutam pela independência das suas vidas, das suas

famílias e do seu país. Nas posições, decisões e traços caraterísticos destas mulheres

podemos encontrar os ecos do pensamento feminista apresentado nos primeiros três

capítulos deste trabalho: a luta pela dignidade, pelo direito a viver a sua vida na sua própria

maneira, o amor pela família, pela pátria e pela terra. O romance descreve um capítulo

sangrento da História da Nigéria e a guerra do Biafra pela independência entre 1967-70.

Neste romance falam-nos as vozes de várias personagens – a de Ugwu, o rapaz criado do

professor Odenigbo, a de Odenigbo, a de Kainene e a da sua irmã gémea Olanna e a de

Richard, um inglês engagé na causa política do Biafra.

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Olanna e Kainene, as principais mulheres do livro, pertencem à classe média

nigeriana cujos pais fazem parte dos homens e mulheres de negócios, os novos-ricos, as

pessoas sem ideais e os oportunistas. As irmãs não podiam ser mais diferentes uma da

outra, quer a nível físico quer psicológico. Kainene seguiu o seu pai na escolha da vida

profissional tornando-se uma mulher de negócios. Olanna, por sua vez, cursou na

Inglaterra onde fez sociologia e, ignorando a vontade do seu pai, tomou a decisão de se

mudar para a cidade de Nsukka onde tencionava lecionar na universidade local e viver com

Odenigbo, professor na mesma universidade. As duas mulheres são sofisticadas, educadas

num liceu britânico prestigioso, estabelecido pelos e para os Ingleses abastados na Nigéria.

Ambas têm uma forte visão da sua própria vida que não vai ao encontro dos planos

estabelecidos para elas pelos seus pais, isto é particularmente verdadeiro no caso da

Olanna. Como a rapariga é de extrema beleza, os pais tentam empurrá-la para os braços do

Chefe Okonji, em troca de um contrato lucrativo. A decisão de não aceitar o posto de

trabalho no Ministério e de não aceitar os avanços do Chefe tal como de se juntar ao

Odenigbo em Nsukka para viver com ele e trabalhar na universidade no Departamento de

Sociologia demonstram a personalidade forte e indomável da jovem mulher. O mesmo

pode-se afirmar sobre Kainene, visto que lidar com os negócios no mundo dominado por

homens comerciantes exigia uma certa coragem, profissionalismo e a capacidade de não se

deixar intimidar pelos tubarões de negócios.

A forte mensagem feminista, centrada na voz das mulheres é-nos transmitida

quando Odenigbo trai Olanna. Magoada, sofredora e cheia de incertezas, Olanna vai de

visita à sua tia Ifeka para lhe relatar o que aconteceu na sua vida íntima. Curiosamente,

Olanna não procura comunicar com a sua mãe pois separa-as o mar das diferenças na

forma como encaram as suas vidas. A Tia Ifeka, uma mulher simples mas experiente da

vida, pronuncia as palavras que só podiam ter sido proferidas por uma feminista, uma

mulher consciente de relações de género que dominam o quotidiano: «- Nunca te deves

comportar como se a tua vida pertencesse ao homem. Ouviste-me? – disse a Tia Ifeka. – A

tua vida pertence-te a ti, só a ti, soso gi». (Adichie, Meio Sol Amarelo, 2009, p. 284) [You

must never behave as if your life belongs to a man. Do you hear me? Aunty Ifeka said.

´Your life belongs to you and you alone, soso gi´] (Adichie, Half of a Yellow Sun, 2009, p.

227). Esta é a voz própria duma mulher africana, da mesma mulher que muitas feministas

ocidentais imaginaram e descreveram como pobre, vítima das tradições africanas que a

deixam sem voz e sem a capacidade de decidir sobre a sua própria vida. A Tia Ifeka pede

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também a Olanna para esta tentar relativizar a sua experiência e a sua dor porque, afinal de

contas, Odenigbo comportou-se conforme era “esperado” de um homem: durante a

ausência da sua mulher dormiu com uma outra. Na sua lógica, a Tia Ifeka parece querer

dizer que a traição por parte do homem pode não ser necessariamente um drama – há

coisas na vida duma mulher mais importantes do que isto – no caso de Olanna são o

trabalho e a independência económica. São estes fatores que lhe dão o poder para se sentir

forte e livre.

A educação é uma outra forte mensagem em prol do empoderamento das mulheres

que Chimamanda Ngozi Adichie parece transmitir. Uma parte das mulheres que aparecem

no romance tem uma educação – Kainene, Olanna, Miss Adebayo, a Americana Edna

Whaler. Esta educação permite-lhes atuar em pé de igualdade com os homens participando

nas discussões políticas na casa do Odenigbo, atuar para o bem da sociedade e viver a sua

independência. Quando a filha da Tia Ifeka pergunta a Olanna se esta tenciona casar-se

com Odenigbo, a resposta é negativa reforçando a ideia de que Olanna tenciona antes

trabalhar. Ao que Arize responde, tomada pela surpresa e admiração: «Só as mulheres que

leram muito Livro como tu podem dizer uma coisa destas, mana. Se as pessoas como eu,

que nunca leram um Livro, esperarem de mais, caducam» (Adichie, Meio Sol Amarelo,

2009, p. 58). [It is only women that know too much Book like you who can say that, Sister.

If people like me who don´t know Book wait too long, we will expire] (Adichie, Half of a

Yellow Sun, 2009, p. 41). “O Livro” e a educação garantem à mulher o poder intelectual, o

poder de saber o seu próprio valor e o rumo que ela devia tomar na vida. A educação pode

abrir muito mais portas a outras alternativas do que somente o casamento precoce e as

dificuldades da vida duma mulher casada. É a mesma mensagem que nos é passada pela

Tia Ifeoma no romance “A Cor do Hibisco”, e é o motivo que reaparece nas páginas das

duas obras da autora.

No entanto, Adichie apresenta-nos a atitude da mãe de Odenigbo face a Olanna e

tudo o que ela representa enquanto mulher jovem, educada, livre e moderna. Mama está

convencida de que os estudos estragam uma mulher tornando-a arrogante e inútil

(desobediente) enquanto esposa. A educação universitária pode, até, ser uma causa da

infertilidade da mulher, ou seja, pode torná-la um ser inferior sem qualquer “uso”. No

entanto, é importante notar que a mãe de Odenigbo é, como ele próprio observou, uma

mulher simples, ignorante e com medo de tudo o que Olanna representa mas que é

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inalcançável para muitas das mulheres das zonas do mato. Vemos ainda aqui uma forte

crítica, expressa em palavras quase humorísticas, da ignorância intelectual e também uma

mensagem que urge disseminar sobre a ideia de educação enquanto instrumento de

empoderamento das raparigas, mulheres e das sociedades em geral. O exemplo de Ugwu

sugere que com a educação alcançada com a ajuda de Odenigbo, os indivíduos podem

tornar-se os agentes da sua própria vida e do futuro das suas sociedades. Tal como na

versão do feminismo proposto pela Ogunyemi, tanto os homens como as mulheres podem

e devem cooperar na tentativa de transformar a sociedade.

Ao analisar as personagens femininas que aparecem diante dos nossos olhos,

deparamo-nos com outras mulheres que, embora não sejam as personagens principais do

romance, dizem-nos muito sobre a condição e as caraterísticas das mulheres africanas que

desconstroem imagens estereotipadas da “Outra”. A senhora Muokelu é mais um exemplo

da mulher com personalidade forte. Embora sem instrução, ela colabora com Olanna e

Ogwu na tarefa de fornecer educação às crianças de Biafra. Luta diariamente contra as

condições precárias para sustentar a sua família alargada e presta ajuda às pessoas

deslocadas no centro de apoio devido à guerra civil. O seu envolvimento em prol da

comunidade, as estratégias de sobrevivência (por exemplo, ensinar a Olanna a arte de fazer

o próprio sabão) e até a vontade e disponibilidade de se envolver diretamente nas

atividades da guerra, se a situação chegasse a isso, demonstram que as mulheres africanas

são muito mais do que testemunhas mudas e passivas dos acontecimentos à sua volta.

A questão da violência alimentada pela guerra cujo alvo são as mulheres e os

homens está fortemente presente no livro de Chimamanda Ngozi Adichie. A autora

condena a violência exercida contra as mulheres durante a guerra e até um dos

protagonistas do romance, o rapaz Ugwu, não escapa ao destino e torna-se cúmplice de

violência. As raparigas são instrumentalizadas para “o bem da pátria” servindo como

prémio de consolação para os soldados e oficiais de alta patente. Eberechi, uma rapariga

que captou a atenção do Ugwu, foi literalmente oferecida pelos próprios pais a um oficial

do exército. Foi considerada como uma prenda para o oficial, uma oferenda para agradecer

o esforço patriótico em nome do Biafra livre. Tocantes são os pensamentos de Ugwu, os

quais refletem a culpa pelo sucedido. A quem atribuir a culpa? À família da Eberechi? Ao

oficial do exército? Talvez à guerra e à violência que empurraram as pessoas para tomarem

posições que noutras circunstâncias nunca teriam tomado? Pode-se atribuir a culpa à

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misoginia que se revela sobretudo em tempos de guerra? E surge a pergunta, gritante e

inquietante, porque é que Ugwu, o rapaz que conquistou toda a simpatia do/a leitor/a,

violou uma rapariga indefesa num bar seguindo o exemplo dos outros soldados?

Comportamento de imitação social? Medo de ser rejeitado por não seguir o mesmo

comportamento? O referido ato deixou-o envergonhado a pensar o que diria Olanna se

soubesse… São perguntas para as quais Chimamanda Ngozi Adichie não nos deixa

nenhuma resposta. Em vez disso, faz-nos refletir e chegar às nossas próprias conclusões.

Importante é não saltar para os desfechos fáceis, que podiam ser tomados como referência

se seguíssemos a lógica do pensamento feminista ocidental ao qual estamos habituados/as

pois vivemos submersos na cultura ocidental. Estas respostas generalizadas já colonizaram

e subalternizaram as mulheres não ocidentais muitas vezes tornando-as Outras.

Tudo o que a autora descreve prende-se com a própria cultura africana e seria muito

fácil e perigoso cair na tentação de aplicarmos a chave de leitura feminista, própria do

feminismo branco ocidental. Seria a tal violação do texto escrito por uma escritora africana

e a apropriação dos valores ocidentais transpostos para o texto africano. As mulheres

apresentadas no romance são fortes e decididas, envolvem-se na luta pela independência

do novo país (gerindo, como no caso de Kainene, um campo de refugiados ou, como

Olanna, ensinando as crianças em tempos da guerra), lutam pela sobrevivência dos seus

filhos, dos maridos e dos pais. Muitas delas fazem negócios do outro lado, do lado

nigeriano, correndo o risco de serem capturadas, violadas e mortas. Transgridem as regras

e as fronteiras para conseguir os medicamentos e comida; travam uma luta quotidiana não

menos perigosa da que é travada por homens no campo de batalha. A coragem, a

inteligência, a destreza e uma ótima organização constituem a arma poderosa destas

mulheres contra a falta de meios, uma arma de esperança e de futuro. As mulheres na

guerra perdem os filhos, são obrigadas a viver o período de luto mas não podem desistir.

Têm outros filhos para alimentar e proteger. É uma caraterística do motherism, de certeza,

mas não se pode negar que todas as mulheres, em todas as partes do mundo, sofrem com a

perda de filhos; todas elas se encontram sujeitas à violência durante a guerra. Estes são os

lamentos dos quais Mariama Bâ falou – há uma parte comum no sofrimento das mulheres.

No entanto, estas mulheres são uma esperança e garantia do futuro. São elas que

nutrem as comunidades. Maternidade é um valor para elas sem outro igual. O desejo

profundo de Olanna de se tornar mãe e a sua decisão de cuidar do filho de Odenigbo

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concebido com uma outra mulher, Amala, a rapariga simples sem voz e instrumentalizada

pela mãe do Senhor (Odenigbo), demonstra o papel central da maternidade na vida de

mulheres africanas. Porém, evidencia também a força da mulher africana face às situações

inesperadas. Este desejo de Olanna pela maternidade não pode ser interpretado, de forma

alguma, pela parte negativa, aplicando a leitura feminista ocidental onde, em muitos casos,

maternidade está associada à auto-abnegação da mulher e à limitação das suas capacidades

profissionais. Aqui, maternidade é uma função que atribui à mulher poder e

reconhecimento no seio da família e da sociedade. O que não implica que as mulheres

férteis não sejam alvos de discriminação e marginalização social e familiar. Esta realidade

foi retratada por Molara Ogundipe-Leslie (1994) que observou que a maternidade

obrigatória nas sociedades africanas pode conferir à mulher um estatuto elevado mas pode

também, em caso de infertilidade ou de ter somente filhas causar angústias e infelicidade

provocadas pela ostracização social e rejeição pela família do marido.

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Conclusões

O presente trabalho procurou encontrar e ouvir a voz das mulheres negras (afro-

americanas e africanas) que foram relegadas para o lugar da “Outra”, tanto pela cultura

ocidental em geral, como pelo pensamento feminista ocidental em particular. Pretendeu-se

compreender por que razão as mulheres afro-americanas e as suas irmãs africanas se

insurgiram contra os feminismos brancos, rejeitando o conceito de “irmandade”, expondo a

hipocrisia do movimento e pensamento feminista branco e separando-se, por completo, das

ideias-chave disseminadas por intelectuais feministas ocidentais. O nosso objetivo foi,

claramente, centrarmo-nos no pensamento desenvolvido por mulheres intelectuais

africanas, visto que há séculos a sua voz foi abafada, se não reprimida, a fim de as impedir

de se exprimirem e desenvolverem a sua própria filosofia. A voz e a possibilidade de falar,

no sentido de lhes ser conferida a oportunidade de verbalizarem, por exemplo, os seus

valores, causas, convicções, escolhas e de afirmarem a sua identidade, através da escrita e

da palavra, foi o nosso fio condutor.

A metodologia em que se apoiou este trabalho e que se revelou de grande

relevância para este estudo foi a de análise de conteúdo dos principais textos produzidos

por académicas e ativistas afro-americanas e africanas. O nosso interesse girou à volta do

pensamento e da escrita das líderes feministas afro-americanas e africanas, já que durante

décadas, este pensamento não foi divulgado nem encorajado e, cremos, que até hoje

existem lacunas por preencher no que diz respeito à análise académica da escrita, tanto

teórica como literária, das mulheres vistas como Outras – as mulheres relegadas para o

silêncio e invisibilidade pela cultura dominante. É o momento, também, de realçar, que não

se pretendeu tornar exaustivo o tema, pois este revela-se de grande complexidade e

profundidade para ser tratado num trabalho académico a nível de mestrado. Acreditamos

que a temática aqui abordada, apresentada numa forma sucinta mas que permite

compreender algumas questões que colocámos, merece toda a atenção científica e poderia

ser, sem dúvida, abordada através de investigações e estudos de natureza académica. O

importante trabalho já efetuado no âmbito da literatura e do pensamento de mulheres

africanas, empreendido por exemplo, pela Professora Doutora Ana Mão de Ferro Martinho

Galé, permitiu-nos melhor compreender quais são as problemáticas que merecem toda a

atenção e desenvolvimento ao longo de futuras pesquisas.

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O trabalho foi dividido em capítulos de forma a facilitar a organização da

informação e conhecimento que foi surgindo à medida que os textos foram lidos e

analisados. E, seguindo esta lógica, o capítulo 1 apresentou primeiro o conceito de

irmandade proposto por feministas brancas como o instrumento que pudesse unir todas as

mulheres vistas como vítimas da opressão patriarcal. De seguida, concentrámo-nos no

problema do racismo inerente ao movimento feminista branco assinalado por escritoras

afro-americanas e na forma como algumas delas, por exemplo, bell hooks, Patricia Hill

Collins, Audre Lord desnudaram a hipocrisia presente na atitude das feministas brancas

perante as suas “irmãs” negras. As mulheres afro-americanas constituíram uma força que

deu início à contestação da filosofia feminista dominante na qual a mulher branca,

preferencialmente de classe média e mais privilegiada, foi considerada uma norma a nível

cultural e sexual. A mulher negra, com a sua sexualidade feroz e o corpo sempre

disponível foi considerada uma aberração e um desvio à norma.

Foi desta forma que se começou a construir uma imagem da Outra – uma mulher

que não cabia na imagem histórica e culturalmente disseminada e que fugia do padrão

normativo. É precisamente sobre a construção da mulher negra, do Terceiro Mundo,

enquanto Outra, que se debruça o capítulo 2. Através da análise da emergência dos

feminismos pós-coloniais e das problemáticas com os quais se depararam, apresentámos os

trabalhos de algumas feministas do Terceiro Mundo cujo trabalho fez toda a diferença no

que hoje compreendemos por feminismo hegemónico. A escrita e a denúncia feita por

parte de feministas pós-coloniais da Índia, por exemplo, de Uma Narayan, Chandra

Talpade Mohanty ou Gayatri Chakravorty Spivak, serviu-nos para exemplificar como a

mulher do Terceiro Mundo foi construída enquanto vítima, silenciada e relegada para a

invisibilidade, um ser sem a sua própria vontade que necessita de apoio das feministas

brancas em cada esfera da sua vida. Na visão bastante pessimista de Spivak, a mulher do

Terceiro Mundo não possui a voz e permanecerá silenciada para sempre. Porém o capítulo

3 deste trabalho fornece exemplos de grande relevância e cheios de esperança no sentido

em que, afinal, as mulheres vistas como Outras, neste caso, as mulheres africanas,

ganharam a sua própria voz e desenvolveram uma filosofia centrada em mulheres que

desmente a visão redutora apresentada e mantida pelos feminismos ocidentais.

Foram ainda apresentados, com o objetivo de fazer o retrato de mulheres africanas

enquanto criadoras do pensamento e participantes ativas na vida social, alguns conceitos

ligados ao feminismo africano, o qual, por vezes, se separa do termo “feminismo” na sua

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vertente ocidental e busca as ideias originais que assentam na cultura e tradição africana e

se inspiram nos valores tipicamente africanos como o da comunidade, solidariedade em

vez de individualidade, maternidade enquanto instrumento de empoderamento das

mulheres e cooperação com homens em prol de uma sociedade melhor e mais justa.

O aspeto de grande importância sublinhado em todo o trabalho, mas com particular

ênfase neste capítulo foi o da autodefinição. O poder de se auto-exprimir e autodefinir, de

nomear a sua luta, a sua causa e a sua identidade, revelou-se de grande significado para as

mulheres africanas. Isto, porque o ato de nomear é o ato libertador e político que

impossibilita aos outros definir as mulheres africanas por si próprias. Neste contexto, as

mulheres africanas deram continuidade à causa que moveu Audre Lorde e que apelava às

mulheres negras para se nomearem e romperem o silêncio.

Se o ato de se autonomearem é o ato de subversão e de resistência, então é desta

forma que devemos olhar para a função da mulher africana enquanto escritora. Para uma

escritora adepta do womanism, afirma Ogunyemi, a escrita é uma forma de falar em prol

das mulheres e homens negros – mas escrever somente sobre as mulheres não significa

escrever enquanto feminista. A escrita feminista tem, em primeiro lugar, que combater as

imagens negativas enraizadas à volta de mulheres africanas, desconstruir estas imagens

nocivas e proferir a verdade sobre as mulheres africanas – como elas são, como vivem e

como agem. O último capítulo centrou-se, então, em dois romances de Chimamanda Ngozi

Adichie, uma escritora nigeriana da nova geração, para tentar compreender quais as

imagens de protagonistas neles retratadas. Os romances “A cor de hibisco” (publicado em

inglês em 2003) e “Meio sol amarelo” (publicado em inglês em 2006) serviram-nos para

responder à pergunta: será que Adichie conseguiu desconstruir estas imagens

estereotipadas? Com que tipo de mulheres nos deparamos nas páginas destes romances? As

protagonistas dos romances de Adichie ganharam voz?

A conclusão clara é que Chimamanda Adichie tem conseguido fazer ligação entre a

sua visão do feminismo africano e a lealdade para com os valores e tradições africanas. As

personagens femininas retratadas nos dois primeiros romances de autora são personagens

vivas, plenamente humanas na sua diversidade e na forma de ver e viver o mundo. Não se

assemelham, de forma alguma, a vítimas retratadas por feministas brancas que viam só em

mulheres do Terceiro Mundo a miséria e falta de esperança. Elas têm a sua voz que usam

para se insurgir conta injustiças, as normas e expetativas culturais e homens abusadores.

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70

Índice Onomástico

Achebe, Chinua 51

Acholonu, Catherine 43, 44

Adichie, Chimamanda 1, 3, 4, 47, 48, 51, 52, 53, 54, 55, 56,

57, 58, 59, 60, 64

Adimora-Ezeigbo, Akachi 46

Ahmed, Leila 28, 29

Aidoo, Ama Ata 46, 50

Alcarón, Norma 14

Altekruse, Joan 18

Amaral, Ana 49

Amos, Valerie 7

Anthony, Susan B. 11

Anzaldúa, Gloria 2, 14, 15, 20, 47

Arndt, Susan 29, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 46

Aschcroft, Bill 49

Awuor, Ayodo 42

Bâ, Mariama 47, 60

Badinter, Elisabeth 18

Bambara, Toni Cade 8, 15

Bartky, Susan 7

Bell, Frances 8

Boyce, Carole 36

Braidotti, Rosi 15

Bulbeck, Chilla 18, 21

Busia, Abena 15, 46

Cady Stanton, Elizabeth 11

Carby, Hazel 17

Clarke, Richard 13

Collins, Patricia 2, 8, 10, 12, 16, 20, 63

Combahee River Collective, the 15, 16

Cooper, Ann 17

Cutrufelli, Lindsay 27

Daly, Mary 25

Davis, Angela 2, 8, 11

Delphy, Christine 18

Dove, Nah 35

El Saadawi, Nawal 46

Emecheta, Buchi 37, 50

Esteva, Gustavo 21

Ferro Martinho Gale, Ana 62

Firestone, Shulamith 5, 6, 18

Foucault, Michel 13

Frank, Katherine 37

Friedan, Betty 5, 6, 7

Fwangyil, Gloria Ada 52

Garber, Marjorie 21

Gilman, Sander 8, 9

Greer, Germaine 5, 8

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71

Griffiths, Gareth 49

Grimké, Angelina 11

Grimké, Sarah 11

hooks, bell 2, 8, 9,10, 12, 13, 19, 20, 63

Hudson-Weems, Cleonora 40, 41, 42

Ifeoma, Grace 51

James, Stanlie 15, 18

Jeffrey, Patricia 27

John, Mary E. 24

Johnson-Odim, Cheryl 21

Joseph, Gloria 19

Larson, Barbara K. 29

Lewis, Jill 19

Lindsay, Beverly 27

Kamara, Gibreel 35

Kim, Elaine 20

Kolawole, Mary 2, 47

Koller, Sílvia 6

Kramarae, Cheris 6

Lazreg, Marnia 20, 26, 28, 29, 30, 31

Leonard, Diana 18

Lorde, Audre 36, 64

Lugones, Maria 6, 20

Macedo, Ana 49

Malveaux, Julianne 8

Mama, Amina 9, 17, 58

Martins, Cristina 49, 51

McCann, Carol 22, 23

Minh-ha, Trinh T. 20, 21, 52

Mohanty, Chandra 2, 3, 21, 24, 25, 26, 27, 63

Momplé, Lília 48, 49

Moraga, Cherríe 14, 15, 20

Morgan, Robin 5

Morton, Stephen 30

Muthoni, Wanjira 29

Narayan, Uma 2, 3, 22, 23, 24, 25, 26, 30, 63

Narvaz, Martha 6

Nfah-Abenuyi, Juliana 49, 50

Nnaemeka, Obioma 37, 44, 45

Nwapa, Flora 37, 50

Nwaye Adichie, James 51

Okome, Mojubaolu 29, 34

Ogundipe-Leslie, Molara 2, 32, 33, 36, 41, 42, 43, 48, 56, 61

Ogunyemi, Chikwenye 3, 35, 38, 39, 40, 41, 42, 47, 48, 59, 64

Ogwude, Sophia 52

Oyewumi, Oyeronke 2, 24, 33, 43

Parmar, Pratibha 7

Prakash, Madhu Suri 21

Rich, Adrienne 18

Reuck, Jenny, de 39

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72

Rosser, Sue 18

Rosezelle, Pat 6

Said, Edward 24, 26

Seung-Kyung, Kim 22, 23

Sheftall-Guy, Beverly 11, 16

Smith, Barbara 8, 15

Stewart, Maria W. 16

Spivak, Gayatri 30, 63

Steady, Chioma 19

Stratton, Florence 49, 50

Sudarkasa, Naira 33

Sylvester, Christine 34

Taiwo, Olufemi 27, 28, 29

Thompson, Becky 7

Tiffin, Helen 49

Tong, Rosemarie 20

Walker, Alice 38, 39, 41

Wicomb, Zoe 45