DISSERTAÇÃO FINAL

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INTRODUÇÃO Entendemos que a categoria da igreja como povo de Deus serve de elemento aglutinador dos fiéis e que implica num status jurídico de pertença onde todos podem ter acesso a uma vida digna, à terra, à uma identidade legitimada pela comunidade e a caminho da construção de uma nova sociedade, uma comunidade alternativa e diferenciada. Veremos que o Antigo Testamento relata o chamado de Abraão, e a formação do povo de Deus que se confirmou na aliança de Javé com Israel elegendo-o dentre os povos, para fazer dele o seu povo. Como também no Novo Testamento, veremos que a igreja, através de Cristo, é o novo Israel de Deus. Mediante Cristo todos poderiam fazer parte: judeus e gentios, evidenciando, assim, a continuidade da história do povo de Deus com o povo de Israel. E, como resposta a essa pertença e nova identidade, a Igreja desempenhará a missão recusada por Israel de ser bênção, e abençoar todos os povos mediante a obediência. A escolha desse vocábulo bíblico com referencia à

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A IGREJA COMO POVO DE DEUS

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Page 1: DISSERTAÇÃO FINAL

INTRODUÇÃO

Entendemos que a categoria da igreja como povo de Deus serve de elemento

aglutinador dos fiéis e que implica num status jurídico de pertença onde todos podem

ter acesso a uma vida digna, à terra, à uma identidade legitimada pela comunidade e a

caminho da construção de uma nova sociedade, uma comunidade alternativa e

diferenciada.

Veremos que o Antigo Testamento relata o chamado de Abraão, e a formação

do povo de Deus que se confirmou na aliança de Javé com Israel elegendo-o dentre

os povos, para fazer dele o seu povo.

Como também no Novo Testamento, veremos que a igreja, através de Cristo,

é o novo Israel de Deus. Mediante Cristo todos poderiam fazer parte: judeus e

gentios, evidenciando, assim, a continuidade da história do povo de Deus com o povo

de Israel. E, como resposta a essa pertença e nova identidade, a Igreja desempenhará

a missão recusada por Israel de ser bênção, e abençoar todos os povos mediante a

obediência.

A escolha desse vocábulo bíblico com referencia à igreja como p ovo de Deus

é uma tentativa de resgatar o seu valor, sua relevância e o seu emprego para os dias

de hoje acerca da igreja, intencionando o retorno a uma terminologia mais plena,

pura, bíblica e ecumênica.

Esse conceito não é uma expressão a mais da realidade eclesial, entre outras

características, mas sim o ponto de partida para uma nova compreensão da Igreja, da

qual dependem muitas outras.

Há muitas imagens nas Escrituras e, mais especificamente, neotestamentária

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para designar e conceituar a Igreja, dentre elas, pode-se destacar a imagem paulina

nas cartas aos Colossenses (1:15-18) e aos Efésios (1:18-23), da Igreja como Corpo,

cuja Cabeça é Cristo. Essa interpretação da Igreja como corpo místico de Cristo,

continuaria sendo, uma das imagens mais adequada para definir a Igreja.

No entanto, nossa preocupação é desencadear uma reflexão e uma tentativa

de fomentar uma mudança histórica, teológica e prática na maneira de compreender a

Igreja. Neste sentido, povo de Deus caracteriza melhor o conceito e poderia ser o

mais apropriado para definir a Igreja.

A categoria de povo de Deus é mais adequada que outras para destacar

determinados aspectos da Igreja. Por exemplo:

1. Povo de Deus traduz mais diretamente a condição de Igreja peregrina. A

igreja por ser um povo está condicionada à história e à cultura de sua época, de sua

sociedade e do mundo secular, sujeita a erros e as conseqüências de suas opções

históricas que a afasta da práxis e do ideal evangélico.

2. Povo de Deus é uma categoria mais adequada para inserir a compreensão

da Igreja dentro de uma visão dinâmica e evolutiva da história. Diante disso, pode

levar em conta os condicionamentos históricos, que, por conseguinte, tornar-se mais

flexível e atual sua mensagem e a missão.

3. Povo de Deus indica mais a idéia de continuidade com o povo de Israel. A

aliança com Deus se revelou em meio a acontecimentos históricos, em sua

manifestação progressiva e em direção a uma verdade sempre maior (Gl 3:15-22).

Podemos afirmar que a categoria de povo de Deus é mais adequada que a de

corpo de Cristo, pois, no sentido de pertença à Igreja, o conceito de povo de Deus,

que, sob estes pontos de vistas apontados acima, é muito mais amplo e flexível que as

de corpo e membros.

Diante disso, o objetivo deste trabalho é:

- Contribuir para a compreensão de que povo de Deus não quer dizer massa

passiva e irresponsável, mas o povo de Deus é, acima de tudo, uma associação de

homens e mulheres ativos e responsáveis. É ativo porque o Espírito Santo os habita e,

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responsáveis, porque são enviados ao mundo para testemunhar, proclamar e viver o

Evangelho de Cristo Jesus.

- Pretender mostrar que a categoria Povo de Deus remete a uma compreensão

comum e básica de nossa condição eclesial: revelar a nossa condição comum 1 de

crentes como realidade primária e fundamental a partir da qual fomos constituídos

povo de Deus (1 Pe 2:9-10).

Enfatizando isso, Lohfink escreve:

Povo de Deus não significa estado de Israel. Povo de Deus também não é apenas a comunidade espiritual dos devotos que, sendo os mansos da terra, esperam a salvação. Povo de Deus é aquele Israel que tem consciência de ser eleito e chamado por Deus, com todo a sua existência - o que quer dizer também: em toda sua dimensão social. Povo de Deus é aquele Israel que, segundo a vontade de Deus, se deve distinguir de todas as nações da terra.2

Em termos bíblico-teológicos existem algumas dimensões (características,

propriedades) destacadas por biblistas e teólogos para definir o que é a Igreja, dentre

elas: “esposa de Cristo”; “casa” ou “templo de Deus” 3; “Corpo místico de Cristo”;

“sacramento de salvação”; “encarnação continuada de Cristo”; “pessoa mística”;

“comunhão visível da vida espiritual” 4; outras como “Reino de Deus em fase de

atuação”; “povo de Deus”5 entre outros.

Sobre cada uma dessas dimensões da Igreja, poderiam desenvolver amplos

trabalhos exegéticos e científicos.6 Não seguiremos o exemplo, mas procuraremos

nos ater e nos limitar a uma exposição sintética sobre a dimensão da Igreja como

1 Pretende-se evitar a clericalismo: a tensão entre o clero e laicato. Esse assunto será abordado no segundo capítulo, no subtítulo 3.3. Lohfink é da opinião de que Jesus rejeita decididamente para a comunidade dos discípulos o domínio e as estruturas de domínio, como são comuns na sociedade. Gerhard LOHFINK, Como Jesus Queria as Comunidades? A Dimensão Social da Fé, p. 160.2 G. LOHFINK, op. cit., p. 169-170.3 Heinrich FRIESL, Modificação e Evolução Histórico-Dogmática da Imagem da Igreja . In: Johannes FEINER; Magnus LOEHRER (Orgs.), “A Igreja”, p. 9.4 Em Battista MONDIN, As Novas Eclesiologias: Uma imagem atual da Igreja, na primeira parte da obra pode ser encontrado um estudo das definições elaboradas pelos seus precedentes.5 Battista MONDIN, op. cit., p. 306.6 João Batista LIBÂNIO faz uma análise diferente da realidade eclesial a partir da categoria de “cenários”. A igreja comporta-se dentro de determinado cenário, num duplo movimento. Ad intra, ela organiza sua própria vida. Ad extra, tece relações com o mundo político-econômico, cultural e religioso circundante. Cenários da Igreja, p. 13. Avery DULLES, A Igreja e Seus Modelos, primeiro capitulo emite considerações oportunas para o uso de modelos na eclesiologia.

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povo de Deus na perspectiva bíblica: veterotestamentária: a relação de Deus com

Israel e, neotestamentária, a relação de Deus com a Igreja.

Nossa tarefa se limitará a apontar algumas passagens veterotestamentária

quanto a origem e formação do povo de Deus, iniciado com o chamado e eleição de

Abraão (Gn 12) e a extensão da aliança aos seus descendentes e, na exposição

neotestamentária, no que concerne à atenção de Jesus que era dirigida e voltada para

a reconstituição e restauração do povo de Deus - Israel, conforme Lohfink afirma que

“Jesus estava empenhado na reconstituição e restauração do povo de Deus (...) toda a

sua atividade estava dirigida a Israel”.7 Em Jesus, o reino de Deus irrompeu na vida

humana de forma definitiva ao agregar em torno de si os seus e iniciando uma nova

era, um tempo escatológico, que caminha para uma consumação final.

Desenvolveremos nos capítulos ulteriores sobre a Igreja na teologia cristã.

Apontaremos sua natureza e sua caminhada na história. Discutiremos a tensão

existente entre o clericalismo e os leigos e o resgate pelo reformador Martinho

Lutero do principio bíblico do sacerdócio por todos e para todos. E, finalizando o

segundo capítulo discutiremos sobre a relação da Igreja com o Reino de Deus.

E, finalmente, mas não menos importante, no terceiro capítulo, destacaremos a

missão do povo de Deus através das dimensões ou características da Igreja tais como

a proclamação (querigma), o serviço (diaconia), a comunhão (koinonia) e a

evangelização.

7 Gerhard LOHFINK, Como Jesus Queria as Comunidades? A dimensão social da fé cristã, p. 43.

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CAPÍTULO IO QUE É POVO DE DEUS NA BÍBLIA

A partir do texto sagrado, as Escrituras, o início da formação do povo de

Deus pode ser encontrado no Antigo Testamento, através do chamado de Abraão, que

se confirmou na aliança de Javé com os seus descendentes, mais especificamente com

a nação de Israel elegendo-a dentre os povos, para fazer dela o seu povo.

A perspectiva bíblica do presente capítulo estará centralizada na pessoa e no

chamado de Abraão e na aliança de Deus com a nação de Israel do que nas demais

personagens do Antigo Testamento, como Moisés, Jacó e seus descendentes.

A tarefa que nos propomos, neste capítulo, é resgatar, sob a ótica

eclesiológica, o conceito de Igreja como povo de Deus para os dias atuais. A

comunidade de fé tem negligenciado a premissa de que efetivamente é povo de Deus.

Esta prerrogativa não deve gerar e nem despertar um sentimento de triunfalismo e,

quando percebe-se que acontece é exatamente o contrário, caminho de renúncia,

ascese e austeridade, voltam para trás engessando-se e acomodando-se em ser apenas

uma ajuntamento solene sem objetivos, metas e propósitos. Tornando-se um fim em

si mesmo.

A igreja é povo de Deus. Ao reconhecer essa imagem, a Igreja confirma seu

vínculo com a tradição veterotestamentária, relembrando os símbolos que giravam

em torno das idéias de eleição e aliança. Assim, a categoria da Igreja como povo de

Deus está fundamentada pela Sagrada Escritura no que concerne às idéias: eleição,

aliança, serviço e missão de Deus entre os seres humanos.

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O estudo dos textos do Antigo e Novo Testamentos estabelecem

características históricas visíveis e concretas, referidas ao povo de Deus, 8 de que

foram elegidos para testemunhar a presença de Deus na história dentro de um

propósito de redenção universal.

A igreja, eleita e vocacionada, foi escolhida para proclamar às nações os atos

redentores e salvíficos de Deus, por intermédio de seu filho Jesus Cristo. “A Igreja

tem por missão despertar, acordar, preocupar, mostrar os caminhos, exortar e

estimular constantemente”.9

Portanto, evidencia-se a relevância de tratar o tema a que nos propomos,

pois, as distorções quanto à compreensão são inúmeras.

1. Antigo Testamento

A linha principal da tradição do Antigo Testamento revela que Deus escolhe

das muitas nações que existem no mundo um único povo, que seja sinal de

salvação10, pois, na medida em que cumpre sua missão, as nações circunvizinhas vão

aprendendo e assimilando os valores do povo de Deus (Is 2:1-4).

A iniciativa é divina! A eleição e chamado de Abraão são inteiramente frutos

da ação proposital de Deus. Abraão era um arameu de ascendência pagã (Gn 11:26-

29) e originário de uma família idólatra (Js 24:2). Logo, não poderia reivindicar

qualquer mérito na escolha de Deus.

A história religiosa de Israel como Povo de Deus começa com um homem:

Abraão. É o que nos propomos discutir no próximo ponto.

1.1. O chamado de Abraão

Em termos bíblicos, Javé, em sua sabedoria infinita e soberania

8 Norbert LOHFINK defende a tese e desenvolve um amplo trabalho exegético, em capítulo sobre o Povo de Deus, afirmando que a expressão exata é “família de Iahweh” e não “povo de Deus” tendo em vista o contexto histórico-religioso, onde escreve: “A família de Iahweh não é, em sua origem e por todo o AT, um conceito eclesiológico, mas soteriológico”. Grandes Manchetes de ontem e de Hoje, p. 148.9 José COMBLIN, Igreja e sua Missão no Mundo , Tomo III, p. 9.10 Gerhard LOHFINK, op. cit., p. 45.

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inquestionável, acolhe e escolhe um único povo, para fazer dele sinal de salvação.

Esse fato começa com uma família: em Abraão (Gn 17:1-8), num clã, num grupo,

num povo pequeno (Dt 7:7-9).

No começo da história de Israel, não se encontram grupos e/ou tribos

etnicamente homogêneas. Pelo contrário, deparamos famílias, grupos e tribos de

origens bem diferentes, que eram denominados pelo termo Hapiru11, que se referia às

pessoas sem filiação familiar no sentido sociológico. Eram estrangeiros, cativos e

escravos de status inferior dentro de um reino. A família do patriarca Abraão

enquadrava-se nessas características. Vivia em semi-desertos e estepes. Limitava-se a

ocupar áreas e caminhos onde haviam poços de água e pastagens suficientes para o

rebanho.12

É neste contexto de peregrinação que Javé convoca Abraão:

O Senhor disse a Abraão: Parte da tua terra, da tua família e da casa de teus pais para a terra que eu te mostrarei. Eu farei de ti uma grande nação e te abençoarei. Tornarei grande o teu nome. Tu seja uma bênção. Eu abençoarei os que te abençoarem, e quem te injuriar, eu o amaldiçoarei: em ti serão abençoadas todas as famílias da terra (Gn 12:1-3).13

Portanto, em Gênesis 12 encontramos a resposta de Deus para a dispersão

humana (Gn 11:1-9). A eleição e o chamado de Abraão são manifestações da graça de

Deus para com um povo, mas visando todos os povos da terra.

1.2. A aliança é estendida aos seus descendentes: Israel

Através da escolha de Abraão, sua fé e obediência ao chamado de Javé nasce

o povo de Israel14 e, por conseguinte, a aliança de Javé com o patriarca abrange e se

estende a toda a sua descendência - o povo de Israel. 15

11 John BRIGHT, História de Israel, emite uma longa argumentação e interpretação sobre o termo: “Hapiru”, p. 118-122.12 Georg FOHRER, História da Religião de Israel, p. 26ss.13 Tradução da versão: Tradução Ecumênica da Bíblia, TEB.14 Norbert LOHFINK, Grandes Manchetes de ontem e de hoje: O Antigo Testamento e os grandes temas de nossos dias, no capítulo “Povo de Deus” defende a tese que em vez de chamar “povo de Deus” deveria ser “família de Iahweh”. Utiliza-se da estatística para prová-lo. Afirma que no Antigo Testamento ocorrem nada menos do que 354 amostras de “povo de Iahweh” contra somente 2 de “povo de Deus”. Cada povo era povo de um determinado deus, ou que cada deus possuía um povo (2 Cr 32:14-17). Outro autor elabora um trabalho extenso sobre o conceito: am Iahweh - laos tou Theou é Medard KEHL, A Igreja, uma Eclesiologia Católica, p. 271-272.

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Da mesma forma que Abraão, seus descendentes (Êx 6:7; Lv 26:12; 29:12; 2

Sm 7:24; 11:4) deveriam lembrar-se constantemente de que sua eleição e chamado

não se baseavam em seus próprios méritos, mas na iniciativa de Deus em amá-los e

chamá-los dentre as nações visando um propósito (Dt 7:6-8).

Javé elegeu16 seu povo como instrumento a seu serviço para anunciar a

salvação aos povos de toda terra e conduzir o mundo inteiro no reconhecimento da

glória de Deus. A escolha de Israel como povo de Deus tinha como objetivo

testemunhar a glória do Deus criador, libertador e redentor de todas as nações.

Conforme a teologia bíblica, Deus impõe sua soberania ao escolher um povo.

É a pedagogia divina que começa com um pequeno grupo, e, no entanto, inclui o

mundo inteiro, isto é, através do exemplo daqueles que foram chamados primeiro.

Todavia, ser povo (am) de Deus não deve levar ao egoísmo religioso ou à

xenofobia; somente pode haver uma configuração autêntica de obediência à fé e ao

serviço para a salvação dos povos. Não se vive para si mesmo, senão somente para

Javé e, deste modo, para outros povos (goyim).17 Assim, esta eleição e este chamado

podem ser entendidos não como um mero privilégio, mas como uma responsabilidade

para com as nações da terra.

Nesta predileção se concentra toda a dignidade religiosa de Israel. Javé é o

seu Deus e Israel é seu povo. Israel toma consciência de ser povo eleito, de sua

unidade nacional e religiosa, de sua missão de ser sinal para todos os povos, desde o

momento em que Javé interveio sobre a escravidão do Egito:

Por isso dize aos filhos de Israel: Eu sou o Senhor. Eu vos farei sair das corvéias do Egito. Libertar-vos-ei da sua servidão. Eu vos reivindicarei com poder e autoridade. Tomar-vos-ei como meu povo, e para vós eu serei Deus . Conhecereis que sou eu, o Senhor, que sou vosso Deus; aquele que vos faz sair das corvéias do Egito (Êx 6:6-718 - grifo nosso).

15 Gerhard von RAD, Teologia do Antigo Testamento, p. 26, afirma que “povo de Israel” é um anacronismo. Israel é a confederação sagrada de tribos, constituída na Palestina, após a tomada da terra. Antes disso, não se pode falar de um “povo de Israel” numa perspectiva histórica. 16 A. R. HULST, “Pueblo”. In: C. Westermann; E. JENNI, (Ed.). Diccionario Teológico Manual del Antiguo Testamento, p. 373-416, Tomo II, afirma que não foi a eleição, mas sim a redenção que fez de Israel povo de Deus. A eleição é fruto de reflexão posterior, cfe Dt 7:6-8.17 A. R. HULST, “Pueblo”. In: C. Westermann; E. JENNI (Ed.), op. cit., p. 4l2. 18 TEB.

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Neste mesmo sentido se entende e confirma a idéia da aliança: “Para vós

outros olharei, e vos farei fecundos, e vos multiplicarei, e confirmarei a minha

aliança convosco (...) porei o meu tabernáculo no meio de vós, e a minha alma não

vos aborrecerá. Andarei entre vós e serei o vosso Deus, e vós sereis o meu povo” (Lv

26:9-12).

Israel, portanto, tornou-se o povo escolhido dentre todos os outros povos, era

propriedade exclusiva de Javé. Israel tornou-se o povo de Javé, com o qual Deus fez

uma eterna aliança que se assenta, do início ao fim, na fidelidade de Javé. 19 Seu

conteúdo será eternidade irrevogável (Êx 32:13; Lv 26:42; Dt 4:31). Esse povo,

segundo Stenzel, realiza “assim o seu dogma nacional, o indissolúvel complexo

étnico-religioso de ser o povo de Deus”.20

Mas a eleição não se destina a criar uma casta senhorial auto-suficiente e

autólatra, mas missionários a serem enviados ao mundo e a dar testemunho (Is 43:10;

49:6; 60:3; Jr 1:5). Russel P. Shedd argumenta que “a missão de Israel às nações

tinha por objetivo atraí-las ao Deus de Israel, para que assim aprendessem a obedecer

e a adorar ao Deus verdadeiro e crer nele” 21. O desejo de Javé era fazer cumprir a

promessa feita à Abraão. Sua meta era fazer de Israel um sinal elevado de visitação e

bênção a todos os povos: “para a salvação dos muitos pelos poucos, dos orgulhosos e

poderosos pelos fracos e oprimidos”.22

Podemos afirmar que a eleição e o chamado do povo de Deus no Antigo

Testamento têm sua base na iniciativa divina, no propósito de que através deste povo,

outros sejam alcançados e abençoados. O modo através do qual Israel viria a ser

usado é desenvolvido ao longo da história da salvação. No capítulo 12 do livro de

Gênesis podemos encontrar em forma embrionária a natureza e propósito do povo de

Deus no mundo.

1.3. O fracasso da aliança: desobediência e apostasia

No entanto, infelizmente, Israel não obedeceu, não cumpriu a missão pela

qual Javé o designara de ser luz para as nações (Is 42:6). A história de Israel nos

19 Hans KÜNG, A Igreja, v. 1, p. 170-178.20 cfe Alois STENZEL “A Igreja”. In: J. FEINER, & M. LOEHRER, A Estrutura Sacramental da Igreja, IV/4, p. 9.21 Russel P. SHEDD, Fundamentos Bíblicos da Evangelização , p. 19.22 A. STENZEL, op. cit., p. 10.

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mostra que, ao invés de tornar o nome de Deus conhecido e temido entre os povos da

terra, Israel o profanou aos olhos de todas as nações (Ez 36:22-23). Ele se afastou de

Deus para a presença dos ídolos (Jr 5:19; 18:15; Ez 14:5-6). Seus líderes e juízes

tornaram-se corruptos, favorecendo o rico e oprimindo o pobre (Is 3:14-15; Am 2:6-

8; 5:7,10-12; Mq 3:1-4,9-11). A desigualdade econômica e social prevaleceu (Is 5:8;

Am 4:1; Mq 2:1-5). Seus pastores eram falsos (Mq 3:5-8,11).

O profeta Oséias fala da apostasia presente de Israel e de sua salvação

escatológica. Oséias foi instruído a chamar um de seus filhos de “não-meu-povo”,

pois o Israel rejeitado não era mais o povo de Deus, e ele não era mais o seu Deus

(Os 1:9; Am 3:2). Kehl define melhor a questão quando afirma:

Só no profeta Oséias é que Israel, por sua apostasia de Iahweh, perde inteiramente de forma provisória o caráter de povo de Deus: torna-se “não-povo” (Os 1:9). Mas Oséias expressa a um só tempo a esperança de que num tempo posterior, Iahweh voltará receber Israel como meu povo (Os 2:23).23

A resposta de Israel não corresponde à ação de Deus em seu favor. É uma

história de fracasso e de traição, de queda e de infidelidade: uma história de pecado.

Assim, Israel aprofunda a sua crise, tanto política quanto religiosa que resulta na

queda do Estado como juízo e castigo pela conduta e pecados do povo. Mesmo diante

do chamado de Deus para o arrependimento, Israel gradualmente se esqueceu da sua

natureza particular como povo de Deus e do seu propósito para servir entre as nações.

Entretanto, e no mesmo contexto do anúncio de punição que emerge nos

escritos proféticos, o tema do “remanescente” sempre esteve preservado ou

presente.24 O profeta declara: “Eis que os olhos do Senhor Deus estão contra este

reino pecador, e eu o destruirei de sobre a face da terra; mas não destruirei de todo a

casa de Jacó, diz o Senhor” (Am 9:8).

Quanto maior o distanciamento de Israel, tanto maior era a esperança em um

novo Israel, formado de novo por Deus:

Hei de dar-lhes um coração leal; porei neles um espírito novo; eu lhes tirarei do corpo o seu coração de pedra e lhes darei um

23 Medard KEHL, A Igreja: Uma Eclesiologia Católica, p. 273.24 O conceito do remanescente já estava presente na história da salvação. Por exemplo: Noé, Abraão, Isaque e Jacó foram escolhidos dentre outros.

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coração de carne, para que caminhem segundo minhas leis, guardem os meus costumes e os cumpram. Serão para mim um povo e eu serei para eles Deus” (Ez 11:19-20; cf. 14:11; 36:28; 37:23; Jr 7:23; 24:7; 30:22; 32:37-40).

Nós mesmos, antes de nos tornarmos cristãos, precisamos reconhecer que

estávamos nesta mesma situação de exclusão. Estávamos alienados de Deus e de seu

povo. O que conhecíamos acerca de Deus e de seu povo, a Igreja, não significava

quase nada. É exatamente esta a situação do mundo atual, da mesma forma que sem

Cristo a barreira de separação e inimizade foi levantada entre judeus e gentios, assim

também a nossa sociedade sem Cristo tem levantado barreiras sociais, raciais e

sexuais dando vazão a terrível tendência de discriminação, tornando-a uma das

principais característica da sociedade e da humanidade sem Cristo.

1.4. A expectativa de um novo povo escatológico

O que era para ser desfrutado como posse presente torna-se agora, depois do

fracasso do povo da aliança, aspiração de promessa para o futuro. Israel, Povo de

Deus, torna-se um conceito escatológico: Javé tornar-se-á de novo o Deus de Israel,

voltará a ser o povo de Javé; o fim dos tempos restaurará de novo o começo dos

tempos; Javé libertará de novo Israel, salvá-lo-á, e conquistá-lo-á; terá misericórdia

do seu povo e perdoar-lhe-á os seus pecados. Serão chamados filhos do Deus vivo

(Os 1:10). Serão um novo povo e um espírito novo. O Espírito do Senhor será

derramado por sobre o povo (Jl 2:28-32) e a circuncisão do coração tomará o lugar da

circuncisão da carne (Jr 4:4; 24ss; Dt 30:6).25

Portanto, a expectativa escatológica rompe a barreira nacionalista e a nova

comunidade escatológica: a Igreja toma para si o conceito de Povo de Deus baseada

pela fé no Senhor Jesus Cristo. Ao mesmo tempo, o grupo dos discípulos é

prefiguração daquilo que o Israel escatológico, reconstituído em todos seus membros,

deve ser um dia.26

É o que veremos a seguir, agora, sob a perspectiva bíblica neotestamentária.

2. Novo Testamento

Se a história do povo de Deus no AT começa com um homem, Abraão, assim

25 Hans KÜNG, A Igreja, p. 169.26 Gerhard LOHFINK, op. cit., p. 102.

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também no NT com Jesus Cristo.

O ministério de Jesus era dirigido a Israel e desejava reuni-lo e fazer dele o

verdadeiro povo de Deus e, mesmo na sua morte, manteve sua missão vinculada para

com Todo-Israel.

A constituição dos doze é uma das indicações de que Jesus se dirige a Israel.

O grupo dos discípulos não foi concebido como substituto ou sucessor de Israel, mas

devia estar aberto e orientado para Israel. Ele deveria prefigurar o Israel

escatológico; ele deveria representar, como sinal, aquilo que em si deveria ter

acontecido em todo-Israel.27

2.1. A Aliança é estendida aos seus descendentes: a Igreja

Após o evento morte/ressurreição de Cristo, os discípulos de Jesus,

compreendem-se como o verdadeiro Israel, não só como o verdadeiro mas, ao mesmo

tempo, como o novo Israel.28 O fundamento era a fé mediante a experiência pessoal

no ressuscitado. Para os que criam, tinham como cumpridas em Cristo as promessas

do Antigo Testamento.

Para Lohfink, essa autocompreensão mostra-se primeiramente no seu

“comportamento”. Os discípulos deixam a Galiléia e vão para Jerusalém. A razão é

escatológica. Estavam convencidos de estarem no meio dos acontecimentos finais e,

conforme a fé judaica, os acontecimentos finais tem início em Jerusalém.

Outro fato é a questão do batismo (At 2:38-42). O batismo é pensado como

sacramento escatológico para Israel: diante do fim iminente, o povo de Deus deve ser

selado para poder subsistir no juízo do Filho do Homem. Ainda um terceiro

fenômeno destaca a autocompreensão da comunidade primitiva, o círculo dos doze é

completado por eleição (At 1:15-26). Os doze são testemunhas escatológicas contra

Israel.

Lohfink complementa, afirmando que a reconstituição escatológica de Israel,

começada por Jesus, está sendo continuada pela comunidade pós-pascal dos

discípulos em fidelidade a Jesus e ao seu projeto. 29

27 G. LOHFINK, op. cit., p. 112.28 Hans KÜNG, A Igreja, V. 1, p. 153.29 G. LOHFINK, op. cit., p. 105-6.

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A Igreja que consiste tanto de judeus como de gentios tornou-se os ramos da

oliveira - o povo de Deus - o verdadeiro Israel. 30 Chama-se a si mesma a “Ekklesia de

Deus” (1 Co 15:9; Gl 1:13). No grego, etimologicamente , ekklesia significa reunião

pública, assembléia, reunião da comunidade política. No entanto, a versão das

Setenta, em muitas passagens, traduz o termo qahal, isto é, a reunião do povo da

aliança do Antigo Testamento por ekklesia. É compreendida como o verdadeiro povo

de Deus. Os cristãos quando se chamam a si mesmos de Ekklesia de Deus, devem ter-

se compreendido como o verdadeiro Israel.31

Mesmo depois da abertura para a aceitação de gentios e pagãos incircuncisos,

a idéia de ser povo de Deus é mantida. Todas as comunidades que professam sua fé

no Cristo ressurrecto, mesmo as comunidades em que os cristãos vindos do

paganismo eram em maior número, consideram-se a si mesmas como povo de Deus.

Neste sentido, a Igreja universal é a única verdadeira igreja, incorporando todos os

verdadeiros cristãos. Nesse nível, a Igreja é uma entidade espiritual e não possui

forma. As igrejas locais pertencem ao Corpo de Cristo na medida em que elas têm

membros realmente convertidos e comprometidos. Deduzimos que nenhuma igreja

local e nenhuma denominação reflete perfeita ou adequadamente a plenitude da

Igreja, povo de Deus.

2.2. Conceitos paulinos sobre a igreja como povo de Deus

O apóstolo Paulo trabalhou e aprofundou a questão teológica deste termo:

Igreja, povo de Deus e atribuiu-o aos cristãos vindos do paganismo como

“descendência de Abraão” (Rm 4; Gl 3). Todos os que crêem em Cristo, são os

verdadeiros descendentes de Abraão, portanto, o verdadeiro povo de Deus. A teologia

paulina não privilegia nenhuma etnia: os benefícios e privilégios de Israel valem para

todos o que crêem em Cristo: Abraão é seu pai (Rm 4:12); são herdeiros (Gl 3:29);

são filhos da promessa (Gl 4:28); são os eleitos (Rm 8:33); são chamados (Rm 1:6s);

são os amados (Rm 1:7); são os filhos de Deus (Rm 8:16; Gl 3:26).

Na teologia paulina, esses conceitos eram atribuídos ao contexto da idéia de

povo de Deus. Aqueles que professam sua fé em Cristo estão sob a nova aliança do

30 George E. LADD, Teologia do Novo Testamento, p. 499; H. Küng, op. cit., V. 1, p. 162.31 Karl Ludwig SCHMIDT, “Igreja”. In: Gerhard KITTEL (Ed.), A Igreja no Novo Testamento, p. 15-56, trabalha exaustivamente a etimologia do termo ‘Ekklesia’. Chega à conclusão de que o termo “igreja” é tão sobrecarregado que sugere que se use a tradução de “comunidade eclesiástica”.

13

Page 14: DISSERTAÇÃO FINAL

fim dos tempos (2 Co 3:6); refletem a glória do Senhor, o que antes, acompanhava e

beneficiava apenas o povo de Israel (2 Co 3:8); são templo de Deus, habitação do

Espírito Santo (1 Co 3:16); são a plantação de Deus (1 Co 3:5-9); são o edifício de

Deus (1 Co 3:9); são os verdadeiros cincuncisos (Fp 3:3), pois a mesma se dá no

coração e pelo Espírito (Rm 2:29).

É evidente que Paulo não trata a Igreja como o verdadeiro Israel, expressa-o

indiretamente, trata-o como “Israel segundo o Espírito”, o mesmo vale para os outros

autores dos escritos do Novo Testamento (Tg 1:1). Esse passo teológico já foi dado

no século primeiro pelos autores dos evangelhos: “Por isso vos afirmo que o Reino

de Deus vos será tirado e confiado a um povo que produza seus frutos” (Mt 21:43;

8:12; Lc 20:16).

Portanto, já não era mais necessário fazer parte da nação judaica para tornar-

se povo de Deus, apenas fé em Jesus Cristo era condição, sine qua non, suficiente

para isso. Agora, todos aqueles que crêem, quer judeus, quer gentios, fazem e podem

fazer parte do novo povo de Deus.

Na epístola aos Efésios 2:19-22, Paulo destaca algumas imagens metafóricas

sobre a nova comunidade de judeus e gentios:

Vocês, portanto, já não são estrangeiros, nem hóspedes, mas concidadãos do povo de Deus e membros da família de Deus. Vocês pertencem ao edifício que tem como alicerce os apóstolos e os profetas (...). Em Cristo, toda construção se ergue, bem ajustada, para formar um templo santo no Senhor. Em Cristo, vocês também são integrados nessa construção, para se tornarem morada de Deus, por meio do Espírito (2:19-20,22).

Reino de Deus (v. 19a). Paulo afirma que os gentios estavam separados da

comunidade de Israel, mas agora “já não sois mais estrangeiros ou peregrinos” são

considerados cidadãos do Reino. O Reino de Deus não é um reino terreno nem uma

estrutura espiritual, o Reino de Deus é o próprio Deus regendo o seu povo e

outorgando-lhe privilégios e responsabilidades. Judeus e Gentios pertencem

igualmente a esta nova comunidade inter-racial, governada por Deus, comunidade

esta que substituiu a antiga teocracia nacional do Antigo Testamento.

Família de Deus (v. 19b). Paulo muda de metáfora, passa do Reino para a

14

Page 15: DISSERTAÇÃO FINAL

família. Em Cristo Jesus, judeus e gentios são mais do que cidadãos do mesmo

Reino, são filhos do mesmo Pai e vivem como irmãos. Mais adiante Paulo afirmará

que só existe um Deus que é Pai de todos. Porém o que Paulo enfatiza aqui não é a

paternidade de Deus, mas sim a fraternidade entre judeus e gentios.

Templo de Deus (v. 20-22). Paulo chega agora a sua terceira imagem

metafórica. O templo de Jerusalém era o ponto central na identidade de Israel como

povo de Deus. Agora havia um novo povo, será que haveria também um novo

templo? Sim, havia um novo templo, mas esse templo não era feito de pedras, mas de

pessoas. Qual seria a função desse novo templo? É a mesma função do velho templo:

“ser habitação de Deus” (22). Deus vive nesse povo, individualmente e também na

comunidade. Por que essa diferença sobre templo entre o velho e o novo povo de

Deus? O novo povo não era uma nação, mas uma nova comunidade inter-racial e de

alcance mundial. Um centro geográfico não seria apropriado para este novo povo. A

medida que desenvolve a sua metáfora Paulo enfatiza as partes que constituem esse

templo.

Paulo discorre, em primeiro lugar, do fundamento. Para Paulo os

fundamentos são os apóstolos e profetas. Visto que esses dois grupos

desempenhavam um papel pedagógico, parece claro que o fundamento não são essas

pessoas, mas sim a instrução que eles transmitiam. Apóstolos aqui não é genérico

podendo simbolizar missionários, bispos ou plantadores de Igreja, mas significa o

grupo seleto dos escolhidos de Jesus para essa finalidade, ou seja, os doze mais Paulo

e Tiago, irmão do Senhor. Já os profetas, diferentes da conotação atual, não são os

adivinhadores do futuro, aqueles que vivem apontando qual será o cônjuge ou o

próximo emprego, aqueles que vivem promulgando bênção, mas nunca dizem quais

são e nem quando elas chegarão, os profetas do NT são mestres inspirados aos quais

vinha a Palavra de Deus e que a transmitia fielmente aos outros. Em termos práticos,

quer dizer que este edifício está firmado sobre as Escrituras do Novo Testamento.

Em segundo lugar, Paulo fala da pedra angular que é de importância crucial

para um edifício. A pedra angular unia e alinhava as paredes e deixava o edifício

firme. Paulo está falando da função de Jesus de conservar aprumado, unido e estável

o edifício que está em crescimento. Unidade e crescimento da Igreja acontecem em

conjunto, e Jesus é o segredo de ambos.

15

Page 16: DISSERTAÇÃO FINAL

Paulo passa da estrutura do templo para as pedras individuais. Não significa

que qualquer pessoa seja uma pedra viva que compõem o templo, mas as pessoas se

tornam pedras vivas no relacionamento pessoal com Cristo: “Cristo Jesus, a pedra

angular, na qual todo edifício, bem ajustado (...) no qual também vós juntamente

estais sendo edificados”.

Quando Paulo escrevia sua carta, existia em Éfeso um magnífico templo de

mármore, uma das sete maravilhas do mundo, dedicado a deusa Diana. Ao mesmo

tempo havia em Jerusalém o templo judaico, construído por Herodes. Dois templos,

um pagão e outro judeu, projetados por seus devotos como residência divina, esses

templos estavam vazios do Deus vivo. Mas qual a habitação do Deus vivo? O Deus

vivo tem no seu povo, a Igreja, seu lar e habitação na terra.

O edifício ainda não está completo, mas está sendo edificado. Mas o povo de

Deus, a Igreja, será também a sua morada nos céus. Somente depois da criação do

novo céu e da nova terra é que uma voz do trono declarará definitivamente: “Eis o

tabernáculo de Deus com os homens” (Ap 21:3).

Para Paulo, a Igreja é o Povo de Deus, escolhido para a sua habitação e

serviço, a fim de proclamar as virtudes do Senhor. Este povo é composto por todo

aquele que recebe Jesus como seu salvador e mantém um relacionamento com ele

como seu Senhor.

O apóstolo Paulo não desqualifica o Israel descrente na sua função histórico-

salvífica, por isso elaborou uma teologia perene que vincula a igreja com a sinagoga

(Rm 9-11). Por exemplo:

- Foi devido ao fracasso de Israel que a salvação alcançou as outras nações

(11:11);

- O fracasso de Israel serve como advertência à Igreja. Assim como Deus não

poupou a Israel, também não poupará a Igreja descrente (11:20-22);

- A Igreja pode aprender com Israel sobre a fidelidade de Deus (11:29; 11:1;

11:12; 11:26s).

- Despertar o ciúme de Israel para que, assim como a Igreja, alcancem a fé

16

Page 17: DISSERTAÇÃO FINAL

(11:11-14).

Não podemos nos esquecer que o Antigo Testamento olha continuamente

para a frente, para o cumprimento de suas profecias e assertivas; o Novo Testamento

olha continuamente para trás, para o Antigo Testamento na realização escatológica

das teofânias na história da humanidade. Ambos os testamentos iluminam e

esclarecem um ao outro nas suas relações mútuas. Há uma corrente de vida que flui

de um para o outro, portanto, a reciprocidade existe entre ambos e que evocam e

apontam para uma conexão histórica: a história contínua do povo de Deus.

O padrão que aponta a relação de continuidade entre Israel e a Igreja é

percebido através do esquema promessa-cumprimento. Este aspecto está presente

tanto no Antigo quanto no Novo Testamentos. Diante disso, o Novo Testamento pode

esclarecer o conteúdo do Antigo Testamento.32

Conclui-se, portanto, que a vinculação entre Israel e a Igreja é permanente,

mostrando que a Igreja sem Israel nem sequer pode existir e, mais ainda, a Igreja

perderia sua identidade se esquecesse de sua relação contínua com Israel.

Padilla endossa esta afirmação, quando escreve:

À luz da insistência do Novo Testamento na unidade da história da salvação, não é possível manter uma distinção rígida entre a antiga dispensação e a nova. Já com Abraão é mostrado que a fé é o princípio básico que determina a relação do homem com Deus (Rm 4; Gl 3). Com efeito, Abraão é o pai de todos os que têm fé (Rm 4:11,16).33

2.3. Conceitos petrinos sobre a igreja como povo de Deus

Na primeira epístola de Pedro, o autor, referindo-se à Igreja de Cristo,

concede títulos aos cristãos que são tomados diretamente do modo como se descreve

o povo de Deus no Antigo Testamento (Êx 19:5-6; 23:22. Is 43:20; 61:6). 34 Os

cristãos assumem tais títulos como o novo Israel de Deus e, o autor da carta, sintetiza

os privilégios, as implicações decorrentes e as e responsabilidades do novo povo de

32 Este assunto: continuidade e descontinuidade entre Israel e a Igreja é exaustivamente explorado e desenvolvido nos opúsculos: George Eldon LADD, Teologia do Novo Testamento, p. 102-103; Ralph L. SMITH, Teologia do Antigo Testamento , p. 342; Werner H. SCHMIDT, Introdução ao Antigo Testamento, p. 353.

33 Carlos René PADILLA, Missão Integral: Ensaios sobre o Reino e a Igreja , p. 89.34 Hans KÜNG, A Igreja, V. 1, p. 180-185.

17

Page 18: DISSERTAÇÃO FINAL

Deus:

Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes misericórdia (1 Pe 2:9-10).

A passagem bíblica supra é um texto do apóstolo Pedro endereçada às diferentes

províncias da Ásia Menor; a epístola trata da vida dos cristãos em uma sociedade estranha e

desprovida de valores reais.

O apóstolo dirige suas palavras em exortação afim de que os cristãos se firmem em

Deus, pois se tornaram seu povo e, assim sendo, deveriam ser íntegros demonstrando um

caráter semelhante ao de Cristo, pois foram eleitos por Deus.

O texto em questão está ligado ao Antigo Testamento, mais especificamente uma

releitura cristã de Êxodo 19:5-6. Ressaltando assim o novo Israel de Deus que se torna seu

povo e sua família espiritual. Notemos que judeus e gentios se tornaram o laos de Deus e,

assim, herdaram um ministério para o serviço onde todos servem a Deus como sacerdotes.

Consideramos que cada crente deve ser encorajado e apoiado à medida que descobre

sua nova identidade em Cristo Jesus. Em vez de centralizar-se numa hierarquia

sacerdotal, cada cristão é declarado sacerdote, com acesso direto ao Deus Pai através

de Jesus Cristo.

Observa-se os vários títulos destacados pelo autor, entre eles: raça eleita, sacerdócio

real, nação santa, povo adquirido e comprado pelo preço de sangue para cumprir uma missão:

anunciar as grandezas dos atos poderosos de Deus com alegria no coração pois, outrora não

conheciam a Cristo, eram dominados pelos falsos valores do mundo, possuíam um caráter

mau e depravado; viviam nas trevas, dominados pelo poder do mal, não tendo

discernimento espiritual. Eram, desta forma, escravos dos seus próprios interesses

diabólicos; porém, agora, se tornaram luz e luzeiros para o mundo, após a conversão,

tornaram-se cidadãos do reino da luz.

Diante do contexto da comunidade petrina, o povo eleito de Deus não

pertencem mais ao mundo e nem a si mesmos, mas agora a Cristo; deveriam estar

18

Page 19: DISSERTAÇÃO FINAL

prontos para desempenhar seus ministérios e para as perseguições que sofreriam.

Pedro enfatiza a vida transformada do Povo de Deus. Consola, fortalece e encoraja

seus companheiros a permanecerem firmes na doutrina e na fé, afim de que a Igreja

tomasse consciência de sua identidade de povo de Deus, de sua missão e das

conseqüências advindas dessa pertença.

Em Êxodo19:6 vemos a promessa feita aos filhos de Israel que seriam a

nação santa de Deus. Porém, devido ao povo judeu desobedecer e rejeitar a Jesus, o

messias, perderam o sacerdócio e a promessa que lhes pertenciam, assim o direito e

as promessas estenderam-se a nós que nos tornamos o povo de Deus, a Igreja de

Cristo.

Somos raça eleita, um grupo de pessoas que compartilha a mesma fé em

Cristo Jesus. Em meio à uma geração corrompida, Deus levanta um povo que o

glorifique e o adore em Espírito de verdade (Jo 4:24). Um povo onde há culto na vida

e na conduta, onde haja aprendizagem, comunhão fraterna, solidária e

verdadeiramente conversão, mudança de vida.

Ser Igreja é ser povo de Deus, pois todos aqueles que obedecem seus

mandamentos tornam-se filhos de Deus e seus sacerdotes. A função sacerdotal de

Israel na antiga aliança era conduzir o povo até Deus. O sacerdote era a pessoa

consagrada a Deus, o intermediário entre o povo e Deus, o que dava as instruções,

mestres da lei, eram os responsáveis pelas ofertas oferecidas em sacrifício a Deus. O

sacerdote tinha muitas responsabilidades representando o povo diante de Deus.

Deus estabelece um padrão para Igreja, para seu povo; o padrão é obedecer

seus mandamentos e cumprir sua vontade. Ter uma vida comprometida com os

valores cristãos, pois somos um povo para servir ao propósito de Deus no mundo.

Todos temos um serviço a executar. Isso significa que: todos os crentes têm acesso

direto a Deus; os cristãos são sacerdotes uns para os outros; os crentes são sacerdotes

de Deus no mundo.

Observando a comunidade cristã primitiva, cônscia de sua pertença à Igreja

como povo de Deus, podemos constatar que esta testemunhava não apenas pela

proclamação (At 2:1-41), mas também pelas suas obras, comportamento e estilo de

19

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vida (At 2:44-47). A conseqüência disso é que a comunidade cristã contava com a

simpatia de todo o povo, e o Senhor acrescentava, dia a dia, os que iam sendo salvos

(At 2:47).

2.4. A identidade da igreja como povo de Deus

Em Gálatas 3:28 e 1 Coríntios 12:13, seu autor, Paulo, elenca algumas das

características que devem nortear a Igreja, como comunidade, que toma para si o

conceito de povo de Deus:

1. “Não há mais judeu nem grego”. A condição religiosa ou racial do ser

humano já não eram mais impedimento para fazer parte da comunidade de fé. Todos

podem ser integrados ao povo de Deus, colocando, assim, em evidência a sua

unidade. Paulo afirma que de ambos, judeus e gentios, Jesus fez um só povo.

2. “Não há escravo nem livre”. A condição sócio-política dos seres humanos

em nada influencia a questão da salvação. As diferenças entre escravo e livre, na

comunidade dos salvos, não significava nada (Fm 16).

3. “Não há homem nem mulher”. Mostrava que era nas comunidades

domésticas que as barreiras eram rompidas e se tornavam irrelevantes, em favor da

nova vinculação de todos a Cristo. O resultado dessa nova relação, é que entre o povo

de Deus não existem mais barreiras de discriminação, pois toda a desigualdade foi

abolida.

Padilla, interpreta essa passagem da seguinte maneira:

Ninguém, com base nesta passagem, sugeriria que os gentios devem tornar-se judeus as mulheres devem tornar-se homens e os escravos devem tornar-se livres a fim de participarem das bênçãos do evangelho. Mas não se faz justiça à passagem se ela não for interpretada como uma afirmação de que em Cristo Jesus apareceu uma nova realidade: uma unidade baseada na fé nele, uma comunidade à qual a pessoa se vincula sem que se tome em consideração sua raça, posição social ou sexo. 35

Compreende-se daí que todos os fiéis constituem o sujeito social da igreja: os

fiéis não podem mais se satisfazer com o papel de “objeto” e funções ministeriais de

35 Ibid., p. 155.

20

Page 21: DISSERTAÇÃO FINAL

direção, todos se tornam sujeito destacado do agir eclesial. 36 Agora, a realidade

eclesial abrange e integra todos os fiéis, sem diferenciação alguma, como Povo de

Deus.37

Podemos concluir compreendendo que o conceito da “igreja como povo de

Deus” expressa bem o caráter universal e missionário da Igreja; Deus suprime na

nova aliança o corte entre o único povo eleito de Israel e os muitos povos gentios, ao

reunir para si um “povo dentre os povos”. Essa reunião só se realiza, portanto, como

acontecimento permanente da missão e da auto-superação deste povo uno rumo aos

muitos povos e culturas. Para a igreja, a missão não deve tornar-se conseqüência da

comunhão entre os seus, mas ambas as tendências básicas constituem somente em

recíproco condicionamento, a verdadeira identidade do povo de Deus. 38

Conclusão

Deus confiou uma missão ao povo de Israel, no entanto, este fracassou pela

sua desobediência e apostasia, embora, Deus havia revelado toda a sua vontade em

fazer de Israel um sinal de sua presença e bondade a todos os povos.

Com o advento de Jesus Cristo, rompendo todas as barreiras sócio-político-

religiosas, fora transferida à Igreja toda urgência dessa tarefa.

A conclusão que chegamos, resume em poucas palavras o que exigiu muitas

páginas para desenvolver e explicar quando Martinho Lutero disse:

Acaso esses [discípulos de Jesus] eram chamados de povo de Deus naquele tempo? Eles certamente eram o povo restante de Deus, mas não tinham esse nome, ao passo que quem tinha esse nome não o era. Quem sabe se em todo o curso do mundo, desde a origem da Igreja de Deus, o estado desta sempre tenha sido tal que alguns eram chamados de povo e santos de Deus e não o eram, ao passo que outros dentre eles o eram efetivamente qual remanescente, mas não eram chamados de povo ou santos?39

36 Medard KEHL, A Igreja: Uma Eclesiologia Católica, p. 33-5.37 Heinrich FRIES, “A Igreja”, In: J. FEINER & M. LOEHRER, Modificação e Evolução Histórico-Dogmática da Imagem da Igreja, V. IV/2, p. 52.

38 Medard KEHL, Ibid., p. 88.39 Martinho LUTERO, Obras Selecionadas, V. 4, p. 62.

Page 22: DISSERTAÇÃO FINAL

Assim, depois dos apontamentos em epígrafe do que é o povo de Deus na

perspectiva bíblica, vamos desenvolver, no segundo capítulo, a perspectiva histórico-

teológica deste mesmo povo na tradição cristã. É o que veremos a seguir.

Page 23: DISSERTAÇÃO FINAL

CAPÍTULO II

A NOÇÃO DA IGREJA NA TEOLOGIA CRISTÃ

Este capítulo não é uma tentativa de oferecer uma análise ou panorama

exaustivo da teologia cristã. Antes, nossa intenção é abordar e limitar a questão sob a

perspectiva histórico-teológica da Igreja. A teologia tem experimentado tempos

difíceis no campo eclesiológico, porém, para aqueles que valorizam a Palavra de

Deus e desejam saber o que Deus está procurando revelar ao seu povo, ela é uma

tarefa necessária, relevante e gratificante.

Começaremos estudando a natureza ontológica do povo de Deus, o caminho

que a comunidade deve percorrer para chegar a beneficiar-se das imprecações de ser

uma comunidade de eleitos e eleitas. Limitada como um organismo institucional, mas

transcendente no que respeita a sua natureza divina.

A relação entre o povo de Israel e a Igreja de Deus será destacada. Onde

veremos, também, a tensão existente entre ambos. Abordaremos a questão sobre a

continuidade ou descontinuidade de Israel com a Igreja.

Estudaremos sobre a Igreja, como povo de Deus na história. A Igreja está no

vértice da história da salvação universal, evidenciada pela escolha e ação divina

sobre uma nação, Israel, para que pudessem ser um sinal para o mundo dos atos

salvíficos e redentores de Deus em seu benefício. Abordaremos o desenvolvimento

histórico distintivo e tensional entre o clero e os leigos.

Será discutido e resgatado um dos pontos basilares da Reforma Protestante:

O sacerdócio universal dos crentes. É para todos. Apontaremos as circunstâncias

Page 24: DISSERTAÇÃO FINAL

históricas do momento em que a igreja perdeu a noção de ser para ter. O monge

Martinho Lutero percebeu o distanciamento existente entre a organização engessada e

hierarquizada e o organismo da Igreja.

Veremos, ainda, e finalmente, a relação entre a Igreja e o Reino de Deus.

Qual é a relação entre ambas. A Igreja com seus discípulos é o reino ou uma agência

visando a inauguração e a sua implantação? Estava nos planos de Jesus dar

continuidade ao seu projeto iniciando um novo movimento, a Igreja? Quem gera o

quê: A Igreja gera o reino ou o reino gera a Igreja? Quem guarda o quê: A Igreja

guarda o reino ou o reino guarda a Igreja?

Enfim, essas e outras questões serão brevemente discutidas neste capítulo

com algumas propostas na tentativa de respondê-las.

1. A natureza ontológica do povo de Deus

A Igreja, assim como o povo de Israel, é uma comunidade de eleitos, não

havia méritos que a qualificasse para entrar em aliança com Deus, a iniciativa foi

unilateral, procede de Javé,40 não está condicionada aos organismos institucionais e

não se sujeita ao espírito humano; sua vida provém do fato de sua eleição: sua

linhagem é santa e sua missão está a serviço do Reino do céus.

Estas dimensões, derivadas de sua eleição, demonstram, ao mesmo tempo,

seu caráter humano e transitório de comunidade. Assim, a Igreja é também uma

instituição de pessoas pecadoras e falhas; sua pureza e santidade se mesclam com a

existência de falsos profetas, que, embora realizando as obras de Cristo estão muito

distantes de seu espírito; ela não é o Reino e por isso sua missão e serviço podem

converter-se até mesmo num pseudo-cristianismo.

A Igreja, diferente do povo de Israel, é uma comunidade constituída

exclusivamente por vínculos religiosos; sua estrutura não supõe e nem exige uma

continuidade num plano ético, cultural ou social com nenhum povo da terra, senão

que está aberta ao todo, à plenitude, à pluralidade das nações. Por outro lado, este

universalismo não contempla as peculiaridades específicas de cada povo, com os

carismas dos seus membros e de suas formas religiosas. Ademais, a Igreja é a forma

40 Hans KÜNG, A Igreja, enfatiza: “é certo que a Igreja é fundação de Deus”, p. 183, V. 1.

Page 25: DISSERTAÇÃO FINAL

escatológica da intervenção de Deus na história do ser humano por intermédio da

ação ministerial de Jesus, presente na terra como realizador perfeito do amor

trinitário ao gênero humano.

A imagem de povo apresenta aspectos familiares e profundos da realidade

eclesial; descreve a Igreja em sua dimensão tanto mística como social e temporal; na

mística, quando os membros se agrupam em torno de Cristo presente nos sacramentos

e no acontecimento da proclamação de Sua Palavra; a dimensão temporal e social se

manifestam no destino da Igreja, em sua peregrinação, missão e implantação do

Reino de Deus.

Para o reformador João Calvino, a Igreja deveria ser uma comunidade onde

houvesse o estímulo e o encorajamento para o exercício da fé e da obediência, e sua

qualidade maior deveria ser norteada pela “comunhão dos fiéis”, mesmo que

implicasse uma vivência em meio à lutas, privações e perseguições. 41

Calvino fazia distinção entre Igreja visível e invisível. 42 A igreja visível é

aquela que podemos conhecer, ver, apalpar, ou melhor, uma assembléia visível de

pessoas que se reúnem num edifício especial no tempo e no espaço, que pertencem a

certa paróquia ou diocese. A igreja deveria possuir os seus ofícios; pastor, professor,

presbítero e diácono, que deveriam colaborar na manutenção da disciplina

eclesiástica. Assim a igreja, deveria cuidar e ter o controle da moral e dos costumes.

A Igreja invisível é composta pelos eleitos e fundamentada pela Palavra de Deus e os

sacramentos. É o conjunto de todos que têm fé em Cristo, onde a comunhão interna é

compartilhada por todos os que possuem fé comum e a mesma esperança.

Lutero, por seu turno, entende a igreja não propriamente como Povo de Deus,

mas como a comunhão dos crentes ou “comunhão dos santos”, como aparece no

terceiro artigo do Credo Apostólico, refletindo a unidade da fé, compartilhada por

todos da comunidade. Portanto, a pertença à Igreja é uma questão de fé. E essa

comunhão entre os fiéis era fruto do Espírito Santo, assim, desqualificava qualquer

conceito institucional para Igreja. Lutero entendia a Igreja como uma união mística,

espiritual e invisível. Conceito novo e revolucionário para o seu mundo.

41 Juan CALVINO, Institucion de la Religion Cristiana , IV, I, 3.42 Juan CALVINO, op. cit., IV, I, 2,7.

Page 26: DISSERTAÇÃO FINAL

Para Lutero, as características da Igreja eram: Batismo, Ceia do Senhor e a

proclamação da Palavra da Deus. A Igreja existe pela Palavra e em torno da Palavra

de Deus e, através dos sacramentos, o Espírito Santo opera e reúne os cristãos no

mundo todo.43

Não obstante, Emil Brunner entende e defende que a Igreja tanto é visível

quanto invisível e discute sobre o papel da mesma na salvação e na vida comunitária.

Demonstra que a Igreja no Novo Testamento é a manifestação da presença do Cristo

e que torna-se revelação e salvação divina em ação. Não a vê como um meio para

atingir um fim; descreve-a ainda como nada mais do que um comunhão de pessoas.

Uma pessoa não crê antes da comunhão, visto que a fé vem pelo ouvir,

portanto, não podendo ser salva de forma isolada ou solitária, pois a verdade e a

comunhão são vistas como a mesma coisa. Por isso, a Igreja possui um papel

relevante nesta comunhão, tanto vertical quanto horizontal. Esta última traz o amor

do Pai como o vínculo da perfeição, que é a essência da comunhão dos que

pertencem à ecclesia.

A comunhão com Cristo e a comunhão com os outros são correlativos, um

não existindo sem o outro. Por isso que é impossível considerar a Igreja como um

meio para se alcançar um fim. Compreendê-la como o próprio fim. Embora, de forma

terrena, este objetivo final da ecclesia seja ainda alcançado imperfeitamente.

O mesmo autor destaca a questão que surge da intenção de se fazer deste

lugar de comunhão de pessoas numa instituição, administrativa e legal, demonstrando

sua oposição ao modelo neotestamentário, uma Igreja como koinonia christou e

koinonia pneumatos, sendo comunhão de pessoas sem o caráter institucional. 44

Brunner apresenta a Igreja como povo de Deus, povo eleito que era também a

legítima descrição de Israel, ligando o velho pacto com o novo. A diferença entre os

pactos, segundo ele, do modelo da Igreja com o do povo de Deus do AT é

reconhecido sob três formas: as leis cerimoniais e rituais de Israel não são mais

válidas no NT; a clara discriminação do velho pacto entre membresia de uma nação

ou raça e membresia de uma comunidade de crentes; a última, é o fato das leis civis

43 Bengt HÄGGLUND, História da Teologia, p. 197-199.44 Emil BRUNNER, O equívoco sobre a Igreja , p. 92.

26

Page 27: DISSERTAÇÃO FINAL

prescritas para Israel como uma entidade política nacional não são mais relevantes.

Por fim, o fato de Jesus ter fundado a ecclesia é vista como de pouco

importância, visto que a Igreja está em qualquer evento enraizado Nele e interpretado

por Ele. Ele é a cabeça do seu corpo que é a ecclesia. Desta forma, a comunidade de

Jesus é o verdadeiro povo do pacto, cuja história inicia do velho pacto, mas atinge

sua realidade através da presença viva do Senhor ressurrecto; por isso, a igreja nada

mais é do que o povo Deus, morada do Espírito, não sendo meramente uma

instituição, mas corpo vivo de Cristo.45

Emil Brunner, conclui, considerando que a característica principal que deve

ser observada e destacada é a tensão entre a Igreja como corpo de Cristo e a

instituição. Afirma que a Igreja hodierna não é mais uma comunhão de pessoas, mas

antes uma instituição. No entanto, afirma, com todas as letras, que Deus tornará a

fazer com que ela seja uma verdadeira comunidade de irmãos energizada pelo Seu

Espírito.46

2. Povo de Israel e igreja de Deus

Depois de percebermos a natureza mística e temporal da Igreja, convém que

tratemos de especificar as relações existentes entre o povo de Israel e a Igreja, como

comunidade continuadora das promessas daquele povo.

Em primeiro lugar, nos termos “povo de Deus” e “Israel”, nos escritos

neotestamentários, é praticamente impossível evitar a ambivalência. Em alguns

momentos, como em Atos 26:17, a Igreja parece situar-se em um plano superior ao

povo e aos gentios; em outros, como em Romanos 15:7-12, se descreve como

formada tanto pelo povo eleito como pelos gentios.

Em segundo lugar, o conceito de povo neotestamentário é unitário; em

nenhuma parte existe uma contraposição radical entre Israel e a Igreja. Existe uma

continuidade47 entre os dois testamentos, o mesmo Deus revela seus desígnios de

45 Emil BRUNNER, O equívoco sobre a Igreja , p. 13-29.46 E. BRUNNER, op. cit., p. 81-125.47 Heinrich SCHLIER defende a tese de que a Igreja, enquanto Povo de Deus “em Cristo”, mantém uma continuidade com o Povo de Deus, que é Israel. “ Igreja”. In: Johannes FEINER & Magnus LOEHRER, Compêndio de Dogmática Histórico-Salvífica, V. IV/1, p. 126-129.

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amor ao mesmo povo.48

Nesse contexto, admite-se que existe uma certa tensão entre Israel e a Igreja.

De um lado, Deus não revogou suas promessas à Israel e, a Igreja é a continuação

legítima, na história da salvação cujo processo começou na criação de Israel, que

Deus elegeu para ser seu povo; por outro lado, a Igreja é uma criação nova 49, uma

entidade espiritual originada pelo sangue de Jesus, composta por muitos povos, na

qual participam todos, judeus e gentios, homens e mulheres, escravos e livres,

segundo a distribuição dos carismas pelo Espírito.50

Sintetizando esse ponto, a interpretação de Hans Küng, complementa:

A Igreja é, sempre e em toda a parte, todo o Povo de Deus, toda a Ecclesia, toda a comunidade de crentes. Todos são a estirpe eleita, o sacerdócio régio, o povo santo. Todos os membros deste Povo de Deus são chamados por Deus, justificados em Cristo, santificados no Espírito Santo. Nisto todos são iguais, dentro da Igreja.51

3. A Igreja, povo de Deus na história

A história é concebida, teologicamente, como a resposta divina ao drama

humano. Essa resposta se dá em diferentes níveis, dentre eles o acontecimento de

Cristo - nascimento, ministério, morte e sua ressurreição - constituem a fase final

mais sublime.

Todo o relato bíblico neotestamentário enfatiza com os acontecimentos da

vida, morte e ressurreição do Senhor e os primeiros cristãos foram homens e

mulheres convertidos pela pessoa de Cristo que, posteriormente, expressaram sua fé

em termos doutrinários. Calvino, ao comentar Gálatas 3:26, afirma que “todos

quantos crêem nele é dado o privilégio de serem feitos de Deus. Como? Pela fé em

Cristo”.52

48 John H. ELLIOTT, Um lar para quem não tem Casa , realiza uma excelente exegese sociológica, baseada na Primeira carta de Pedro, sobre a Igreja, como comunidade dos fiéis, onde o “estranho” não está mais isolado e alienado, mas é irmão.49 Leonhard GOPPELT, Teologia do Novo Testamento, V. 1, afirma que a Igreja, como o povo escatológico de Deus, torna-se a nova criação, que não se limita mais a um povo, como Israel, mas aqueles que em Cristo se tornam um (Gl 3.28), p. 411. 50 Juan Jose H. ALONSO, La Nueva Creacion: Teologia de la Igresia del Señor, p. 213. 51 Hang KÜNG, A Igreja, V. I, p. 178. 52 João CALVINO, Gálatas, p. 114.

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No entanto, a revelação e a ação de Deus não se limitam ao mundo cristão. A

Igreja é concebida como comunidade de fé, mas também como um povo, na história,

como instituição53 que se integra aos planos de salvação de Deus a toda a

humanidade.

Desta forma, a Igreja está no vértice da história da salvação e dos seres

humanos, evidenciada pela ação de Deus sobre o mundo e, mais especificamente, no

povo de Israel por ser este sua continuação e sua perfeição. 54 A ênfase do livro dos

Atos dos Apóstolos aponta para os desígnios de Deus sobre Israel e sobre o Messias

como etapa final da comunicação de Deus com a humanidade.

A perspectiva da revelação progressiva de Deus na história se concebe nas

narrações de ambos os testamentos. A chamada de Deus para fazer de Abraão um

povo de sua propriedade (Gn 12:1-8; 17:1-8); a fé do Patriarca (Gn 15.6); a revelação

à Isaque e Jacó (Gn 26:1-6; 28:10-13); a aliança com esse povo (Êx 19:1-8; 20:1-20);

o preparo do povo pelos profetas para a espera do Messias (Gl 4:4-7).

Jesus é para a comunidade cristã primitiva o cumprimento das esperanças de

Israel (Lc 2:29-32; At 4:11-12). A Igreja surge como a continuação e culminação das

esperanças messiânicas do povo eleito. Assim, a Igreja representa uma nova

economia de graça e salvação em Jesus Cristo e, também, o Israel escatológico,

elevada à dimensões cósmicas, em que culminam todas as intervenções salvíficas de

Deus na história.

Este tema está tão fortemente arraigado no espírito de Paulo, que dele fez um

símbolo interpretativo do crescimento da comunidade cristã, uma realidade a ser

edificada à maneira como a Igreja é compreendida no ministério de Jesus (Ef 2:19-

22).

No entanto, a caminhada de fé da Igreja não foi fácil. Veremos a seguir as

dificuldades com que o povo de Deus encontrou pelo caminho.

53 A Igreja na qualidade de instituição não é marginalizada e nem tampouco torna-se um grupo sectário. 54 Comungam a tese de que a Igreja é continuação entre Israel e o novo Israel, a Igreja: Ênio J. da Costa BRITO, em O Leigo Cristão no Mundo e na Igreja , referindo-se sobre as teses de Yves M. J. CONGAR, p. 51. George E. LADD, Teologia do Novo Testamento , não concorda que a Igreja é a continuação do povo de Israel. Sua tese é que o Reino é tirado de Israel e dado a outros - a ekklesia de Jesus (Mc 12:9). Israel já não é mais a testemunha do Reino de Deus: a Igreja assumiu o seu lugar, p. 108-110.

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Page 30: DISSERTAÇÃO FINAL

3.1. O povo de Deus no segundo século

Lyra afirma que, pela ótica do historiador Stephen Neill, o segundo século da

igreja:

É marcado por uma grande massa de missionários (...) profissionais mantidos pela igreja (...) é a partir deste período que podemos perceber o delineamento de uma nova distinção religiosa privilegiada, fruto de uma necessidade institucional apologética. Os bispos passaram a exercer maior autoridade sobre a Igreja. Começou assim a ser construída através da patrística a instituição da Igreja.55

Devido aos problemas de deturpações doutrinárias advindos do próprio seio

da Igreja, a liderança se viu na necessidade de protege-la, dando assim início a

construção de uma forma de governo institucional; posteriormente , criando assim

uma “verdadeira casta de religiosos que colocaria o ministério leigo no ostracismo

por vários séculos”.56 Vejamos um pouco o contexto vital daquela época.

No primeiro século as igrejas eram independentes, sem uma forte

organização, mas ao aproximar do final do quarto século começa surgir uma

organização institucional e hierarquizada que ficou conhecida como Igreja Católica. 57

Os religiosos consagrados pelo sacramento eram vistos como comissionados

para cumprir a função do ofício sacerdotal que era: "ensino, administração e

santificação levando-os assim à uma posição privilegiada onde eram vistos como

superiores” aos demais membros da comunidade.58

O cristianismo, antes organizado de maneira um tanto indefinida e regido

pelo amor fraterno, torna-se um corpo firmemente coeso com dirigentes oficialmente

reconhecidos. Dava-se assim os primeiros passos a distinção nociva entre clericos

profissionais e os leigos.

55 Sérgio Paulo Ribeiro LYRA, O Ministério Leigo : uma perspectiva histórico-missiológica, p. 112.

56 Ibidem. Ver ainda Walter ELWELL, Enciclopédia Histórico Teológica da Igreja Cristã. O mesmo afirma que bispo significa superintendente, posição de liderança ou pastor do rebanho, p. 196.

57 Robert Hastings NICHOLS, op. cit., p. 36. O termo ‘católica’ quer dizer universal; esta fôra uma federação ou associação de igrejas que eram ligadas por um acordo formal com três aspectos: Uma só forma de governo, bispos presbíteros diáconos; Pela adoção de um só credo; Por todos reconhecerem e receberem uma só coleção de livros do Novo Testamento.

58 Yves CONGAR, Apud, Antônio José NASCIMENTO, Fides Reformata, op. cit., p. 112.

30

Page 31: DISSERTAÇÃO FINAL

3.2. A institucionalização da igreja

O marco definitivo para a institucionalização da Igreja fôra realizado no ano

313 com o imperador Constantino promulgando o edito de Milão onde “tornava o

Cristianismo religio licíta, outrora perseguida, agora conquistava o império” .59

Cairns argumenta que na época em que o Cristianismo tornou-se a religião

aceita pelo Império Romano, o sistema hierárquico estava plenamente estabelecido

na Igreja60 e ainda com a institucionalização e sua incorporação ao Império Romano

como religião oficial, “o cristianismo tornou-se a religião do status-quo. 61

Sergio Paulo Lyra argumenta que a Igreja passa a chamar-se Igreja Católica

Romana, onde o bispo de Roma passa a ter supremacia sobre todos os outros bispos,

tornando o ritual da Igreja cada vez mais sofisticado, distanciado do povo,

centralizando assim o poder.62

Segundo Volkman, como conseqüência surgiram algumas importantes

características deste momento:63

1) O ministério da igreja é monopólio do clero;

2) O clero, por ser de natureza hierárquica, precisa desenvolver uma estrutura

de comando, sendo o bispo a autoridade última em assuntos de doutrina, disciplina e

direção da igreja, vindo em seguida presbíteros e diáconos;

3) A ordenação é a porta de entrada para o clero, conferindo ao sacerdote um

status especial;

4) A ordenação é a autorização para o exercício do ministério;

5) O papa é o bispo dos bispos. Ele é o sucessor de Pedro e o primeiro bispo

de Roma.

59 Sérgio Paulo Ribeiro LYRA, op. cit., p. 112.60 Earle E. CAIRNS, O Cristianismo Através dos Séculos, p. 93-94 Ver: W. WALKER, História da

Igreja Cristã, p. 124-125. Os clericos distinguira-se claramente dos leigos, cresce o valor dos bispos, diáconos presbíteros.

61 Sérgio Paulo Ribeiro LYRA, op. cit., p. 112.62 Sérgio P. R. LYRA, op. cit., p. 112. Roma fôra o centro tradicional de autoridade para o mundo

romano; os bispos receberam poder judicial civil, além das exclusivas autoridades eclesiásticas; seu poder é efetivo na solução de crises políticas e espirituais, levando ao leigo à tornara-se apenas cidadão, ofertante e aprendiz submisso à Igreja.

63 M. VOLKMANN, “Teologia prática e o ministério da Igreja” In HARPPRECHT, C.S. (org). Teologia prática no contexto da América Latina. p. 87-88.

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Page 32: DISSERTAÇÃO FINAL

A partir das idéias acima não é difícil entender a importante observação que

John Driver fez da importância do clero como algo que contribuía para o bem estar

público e reforçava o imaginário simbólico da figura do religioso. 64 Até hoje

podemos ver no nosso país inúmeros eventos e comemorações em que se busca a

presença de um sacerdote (seja católico ou protestante) sob a justificativa de se

assegurar a presença de Deus naquele local!

O ministério, que cuida da esfera espiritual, é de competência do clero, os

seus detentores. Por isso, os bispos monárquicos eram elevados e estimados em

honra, distintos dos demais, para aumentar ainda mais esta distinção, surge a

sucessão apostólica como forma para legitimar a clericalização. Cairns afirma que

assim, consequentemente todos os bispos foram elevados a posição superior aos

demais membros das igrejas e da instituição:

Há uma ininterrupta ligação com Cristo através dos apóstolos; em cada igreja um bispo se elevava acima dos presbíteros como bispo monárquico, assim o bispo Romano passou a ser reconhecido como o primeiro entre os iguais devido à importância do peso da tradição relacionada a sua cadeira. 65

Com a organização hierárquica solidificada, estando o clero exercendo

demasiado domínio espiritual sobre o povo, os concílios criando leis eclesiásticas, o

culto impressionante e cheio de mistérios, seus dogmas autoritários aumentavam

ainda mais a centralização do poder levando o leigo à resignação e alienação. 66

Com a Igreja cada vez mais institucionalizada, os cristãos comuns pareciam

tornar-se cada vez menos essenciais nas atividades da Igreja; seu papel foi se

tornando ouvir obedientemente as ordens do clero. Aumentando e agravando ainda

mais a distinção já existente.

3.3. O desenvolvimento da doutrina distintiva entre clero e laicato

Um dos ideais da idade média era constituir um império governado por Roma

que alcançaria o mundo; neste império havia um código, cujas leis se destinavam a

64 John DRIVER, Contra a corrente – ensaios de eclesiologia radical, p. 34.65 Earle E. CAIRNS, op. cit., p. 94. A Igreja Católica Romana por séculos considerou o papa,

bispos, monges, padres, como uma classe diferenciada de pessoas, priorizado o clero ou participantes do estado espiritual em detrimento dos demais, que faziam parte do estado temporal.

66 Robert Hastings NICHOLS, op. cit., p. 52.

32

Page 33: DISSERTAÇÃO FINAL

regular os atos humanos e enquadrá-los em uma forma de culto, onde o sacerdócio

era exaltado. Este sistema fez do sacerdote o soberano da vida, elevando-o sobre os

demais.67

A distinção entre clero e laicato fôra aparecendo gradualmente, bispos,

presbíteros, diácono eram separados, distintos na posição que ocupavam dos demais

membros da igreja68. Esta distinção por muitos era correspondente a distinção entre a

igreja e o mundo. “A Igreja era concebida como societas perfecta (sociedade

perfeita), porém inequalis (desigual), com os status clericalis e laicalis, tendo cada

grupo seus respectivos direitos e responsabilidades”. 69

Volkman relata que o clero, por ser de natureza hierárquica, precisa

desenvolver uma estrutura de comando, sendo o bispo uma autoridade última em

assuntos de doutrina e disciplina, vindo em seguida presbíteros e diáconos. 70 Peter

Eicher argumenta que devido a este fato o conceito leigo-laikos se torna uma das

principais correntes de oposição e tensão dentro da igreja. 71

Consideramos que os dois vocábulos se desenvolveram na medida em que a

história caminhava. No entanto, os mesmos verbetes estavam aprisionados ou

despidos de seus significados verdadeiros em função da estrutura de poder e de suas

contingências.

A seguir, abordaremos a tensão existente entre clero e laicato, suas

respectivas funções são tentativas de trazer mais luz aos fatos.

3.3.1. O clericalismo

A origem da palavra clerical: “clero é o termo grego Kléros que significa

porção, herança ou partilha”.72 Complementa Walter A. Elwell que a palavra clero

revela: “uma parte indicando um método de seleção; podendo denotar aqueles

67 David SCHAFF, Nossa Crença e a de Nossos Pais, p. 48.68 Robert Hastings NICHOLS, op. cit., p. 37. Ver. R. N. CHAMPLIN, Enciclopédia de Bíblia

Teologia e filosofia, p. 782.69 J. Christian BEKER, Apud, Antônio José do NASCIMENTO, Fides Reformata, op. cit., p. 112.

Ver ainda R. N. CHAMPLIN, op. cit., p. 935-942.70 M. VOLKMANN, Teologia prática e o Ministério da Igreja. In: C. S. HARPRECHT, Teologia

Pratica no contexto da América Latina , p. 80.71 Peter EICHER, Dicionário de conceitos fundamentais de teologia , p. 450.72 R. N. CHAMPLIN, op. cit., p. 771.

33

Page 34: DISSERTAÇÃO FINAL

escolhidos para serem de Deus”, “a parte do Senhor” ou ainda “porção do Senhor”. 73

A palavra clero “acabou ganhando ao longo da história a conotação de algo especial,

que possui uma parte especial”.74

O clero formava, no seu contexto eclesial, uma categoria espiritual distinta

dos demais, os leigos dependiam do clero para encontrarem sentido na vida e êxito

em seus labores75. Vemos uma distinção e divisão abissal entre as classes, pois com o

“clero ficava a responsabilidade de administrar os sacramentos na igreja, ambiente

sagrado; e ao laicato ficava à procura de trabalho no mundo, ambiente profano”. 76

Os ministérios da Igreja tornam-se monopólio do clero, pois os mesmos

tornaram-se as únicas pessoas alfabetizadas, capacitadas e cultas. A educação passou

para as mãos da igreja, aumentando ainda mais seus privilégios, sua supremacia,

criando claramente cidadãos de primeira classe em detrimento dos demais. Em

conseqüência, sacerdotes e religiosos deixaram-se levar a tarefas que não eram

teologicamente essenciais à sua vocação: trabalho acadêmico e burocrático na Idade

Média; de educação e de serviço social nos dias de hoje.

3.3.2. O laicato

73 Walter A. ELWELL, Enciclopédia Histórico teológica da Igreja Cristã , p. 290.74 Luiz Henrique Solano ROSSI, Libertando o Leigo para o Trabalho, p. 2. Ver: Walter ELWELL, op. cit., p. 290. Este termo era usado para referencia aos oficiais ordenados, aumentando a rivalidade das classes.75 W. WALKER, op. cit., p. 124-125. Ver: R. N. CHAMPLIN. op. cit., p. 771. A palavra portuguesa clero veio a significar o grupo inteiro de homens separados mediante ordenação, para serem os líderes da Igreja.76 Antônio José NASCIMENTO, op. cit., p. 112. Ver Peter EICHER, op. cit., p. 450. Ocorrera mais

dualidade entre clero e leigo, agora transferindo-se para o nível religioso e ascético moral, todo clero torna-se homens espirituais, e o povo leigo fica conhecido como carnais.

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Segundo Walter Elwell, o termo laicato deriva do termo “laos”, “povo”. 77 De

acordo com Solano Rossi, podemos afirmar que “o laicato nada mais é do que o

leigo, pois à palavra leigo vem do grego “laos” (povo) “aquilo que é do povo”,

“comum”, “faz parte do povo”78. Ainda podemos observar que “o laicato deve

denotar rigorosamente a totalidade do povo de Deus”. 79

Ressaltando a temática supra, o termo laicato é compreendido pela maioria

dos autores cristãos como a imagem ideal do povo de Deus, pois sua etimologia está

atrelada à “palavra portuguesa deriva-se do grego laikós, relativo ao povo, que por

sua vez vem do termo laós, povo”.80

Historicamente, o termo laicato veio a ser aplicado àqueles que não são

especificamente ordenados ao ministério;81 porém, Robert B. Munger relata que:

O cristianismo foi no início um movimento de leigos (...) tirando pescadores de seus barcos e redes, Jesus fez deles pescadores de homens. Ele ousou crer que pessoas comuns poderiam transformar-se em servos extraordinários de Deus. Dentro do povo comum chamou discípulos que por sua vez enviou para discipular as nações.82

Notamos que o “leigo é o servo eleito por Deus, não institucionalmente

consagrado ao ministério”.83 Porém, a distinção de classes era gritante

“especialmente marcada na Igreja Católica Romana e na ortodoxia oriental, com forte

ênfase no fato de que o dever do laicato era ser ensinado, obedecer e prestar

contribuição financeira”.84

Ressaltamos que a classe leiga, membros comum da igreja, necessitava de

mudanças, de um grito à liberdade e de um despertamento de suas prerrogativas, afim

77 Walter A. ELWELL, op. cit., p. 410.78 Luiz Henrique Solano ROSSI, “Em nosso contexto brasileiro a palavra leigo significa alguma

coisa que tem que ver com a ausência de conhecimento, ignorância em determinado assunto”, op. cit., p. 2.

79 Walter A. ELWELL, op. cit., p. 410.80 R. N. CHAMPLIN, op. cit., p. 782.81 Walter A. ELWELL, op. cit., p. 410. o vocábulo veio a indicar pessoas que não são profissionais

de alguma profissão ou negócio em contraste com profissionais. R. N. CHAMPLIN, op. cit., p. 482.

82 Robert B. MUNGER, Apud, Lawrence O. RICHARDS, op. cit., p. 10.83 Sérgio Paulo Ribeiro LYRA, op. cit., p. 112. 84 Walter A. ELWELL, op. cit., p. 410. Ver: Peter EICHER, op. cit., p. 450. A palavra leigo toma o

significado de excludente: leigo é a olhos vistos não especialista, o não formado, que também não mais entendia a língua culta, o latim, e, por isso, não consegue acompanhar a liturgia, torna-se ouvinte silencioso.

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de trazer e gerar uma revolução para a compreensão do ser Igreja, mesmo porque a

compreensão do povo tornar-se-ia libertadora, abolindo assim, efetivamente, a

divisão dicotômica existente na igreja.

4. A Reforma Protestante e o retorno do ministério leigo

Segundo Earle Cairns, a “unidade foi ponto chave da sociedade medieval,

esta unidade se conseguiu através das instituições universais do santo Império

Romano (...), e devido a padronização espiritual provida pelos sacramentos e pelos

credos”. Porém, sementes de discórdia haviam sido plantadas e tornaram ao tempo da

reforma numa vulcânica explosão que rasgaria em pedaços o tecido da religião

medieval.85

O movimento reformista procurava voltar a pureza original do Cristianismo;

os reformadores queriam desenvolver uma teologia que estivesse em completa

concordância com o Novo Testamento e que resgatasse seus princípios e valores;

“eles criam que isto seria possível a partir do instante em que a Bíblia tornava-se

autoridade final da Igreja”.86

Ressaltamos que muitas foram as contribuições da Reforma para com a

história, mesmo conscientes de que muitas doutrinas envolvidas ficaram apenas no

campo teórico. Nascimento afirma que entre as doutrinas relacionadas, destaca-se:

Uma posição mais restrita acerca da autoridade das escrituras à autoridade papal foi rejeitada; houve a rejeição do conceito das indulgências; foi rejeitada a doutrina da sucessão apostólica. A justificação pela fé, lado a lado com o ensino geral sobre a graça divina tornou-se o fator principal na prédica; houve separação entre Igreja e Estado; houve total rejeição da hierarquia eclesiástica; impôs-se o conceito do sacerdócio de todos os crentes, com a rejeição (por parte da maioria dos grupos protestantes) do conceito de que o ministro é uma espécie de padre.87

Consideramos que entre os assuntos tratados na reforma, destaca-se, salvo

melhor juízo, a tentativa de afastar a dominação clerical; e disponibilizar ou

85 Earle CAIRNS, op. cit., p. 184-5. A prática na vida e nos hábitos da hierarquia papal e a preocupação constante com atividades seculares por parte do papado, levaram muitos a reagir contra a falta de força espiritual que pareciam haver em suas igrejas locais.

86 Earle E. CAIRNS, op. cit., p. 224. Destituindo assim o poder que operava nas mãos da igreja.87 Antonio José NASCIMENTO Filho. O Laicato na Teologia e Ensino dos Reformadores , p. 12.

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proporcionar ao laicato uma participação mais significativa e relevante na vida da

Igreja.

4.1. Martinho Lutero

Segundo Paul Tillich, o “ponto decisivo da reforma e da história da igreja foi

a experiência de um monge agostiniano em sua cela monástica. O único homem que

realmente conseguiu ruptura com o sistema romano”. 88

Martinho Lutero nasceu em 1483 em Eisleben (ao leste da Alemanha) fôra

destinado para o estudo de Direito, porém volta-se para o mosteiro, onde após muitas

lutas interiores e existenciais, desenvolveu uma nova compreensão de Deus, da fé e

da Igreja. Em 1512 doutorou-se em teologia, percebendo claramente os erros da

Igreja Católica.89 Rompendo, assim, com o sistema Romano; 90 envolveu-se em

“conflitos com o papado, seguido de sua excomunhão e a fundação da Igreja

Luterana, a qual presidiu até morrer em 1546”.91

O âmago da teologia de Lutero era que “em Jesus Cristo, Deus deu-se a si

mesmo, absolutamente sem reservas, para nós. Lutero, afirmava que a Bíblia é a

Palavra de Deus, e nela está contida a mensagem de Cristo, a expiação, o perdão dos

pecados e a dádiva da salvação”.92

É importante ressaltar que Lutero sempre considerou-se um membro

verdadeiro e fiel da Igreja una, santa, católica e apostólica. Porém, na qualidade de

mestre e pastor de almas, protestou contra o abuso das indulgências, pronunciou um

‘não’ decisivo a todo sistema papal, denunciou o papa como anticristo, referiu-se à

hierarquia romana como a igreja prostituta do diabo , e ainda outros atos de renúncia

e protestos provocando e agravando o cisma no seio da Igreja. 93

Em seu livro Apelo a Nobreza Cristã da Nação Germânica, Lutero ataca a

distinção entre os dois estados; espiritual e temporal criado pelos Romanistas que

favoreciam a vida do clero em relação ao povo, afirmando ser:

88 Paul TILLICH, História do Pensamento Cristão, p. 227.89 R. N. CHAMPLIN, op. cit., p. 926-927.90 Paul TILLICH, op. cit., p. 241. A vida de Lutero fôra desafiando o papa, abrandando os

camponeses, intervindo em crises políticas, ensinando, pregando e debatendo assuntos eclesiais. 91 Timothy GEORGE, Teologia dos Reformadores, p. 53.92 Ibid, p. 61.93 Ibid, p. 87.

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Pura invenção que o papa, bispos, sacerdotes e monges sejam chamados estado espiritual, ao passo que príncipes, senhores, artesãos e camponeses de estado temporal. Trata-se de uma astuta mentira, mas que ninguém se assuste com ela, por esta razão: Todos os cristãos são verdadeiramente do estado espiritual e não há nenhuma diferença entre eles, a não ser de ofício.94

Lutero luta por uma Igreja do povo, onde Deus seria acessível a todos e não

apenas ao clero, afirmava que o papado havia se apropriado indevidamente de uma

prerrogativa que pertencia apenas a Deus. Assim, a Palavra de Deus não deveria estar

cativa à um grupo distinto de homens, mas a todo povo de Deus. 95

Luta pelo direito e o dever de cada cristão para que o mesmo exercite sua

função profética. Para Lutero, nós que estamos no reino de Cristo, não estamos

confinados a uma ordem eclesial; a um lugar ou uma tribo, todos somos chamados à

adoração e ao serviço. Baseando-se em I Pedro 2:9-10 afirma: “Uma vez que todos os

cristão são chamados das trevas, cada um tem o compromisso de declarar o poder

daquele que nos chamou (...). Cristo deu a cada um o direito e poder de avaliar e

decidir, exortar e pregar”.96

Para Lutero, todos os cristãos fazem parte do ministério de Cristo e ainda que

todo serviço, todo ministério que é realizado em prol do Reino de Deus por qualquer

cristão que seja é aceito e aprovado diante de Deus, não havendo diferença em

importância, nem em classe, mas sim em serviço.

4.2. O sacerdócio para todos

Uma das maiores contribuições de Lutero à eclesiologia foi sua doutrina do

sacerdócio de todos os cristãos97. De todas as ênfases da Reforma na área

eclesiológica, com certeza, a que trouxe maior contribuição para a vida e missão da

Igreja foi o sacerdócio universal.98

94 H. BETTENSON, op. cit., p. 293. “Segue-se, portanto, que entre leigo e sacerdote, príncipes e bispos, não mais há distinção entre estados temporais e espirituais, a única diferença é a do ofício e função”.

95 Timothy GEORGE, op. cit., p. 89. Esclarece que todo cristão é livre para ser como Cristo e para seguir o exemplo de Cristo, cada Cristão deveria louvar, glorificar e dar graças à Deus.

96 Martinho LUTERO, Apud: Antônio José NASCIMENTO, op. cit., p. 128.97 Timothy GEORGE, op. cit., p. 96. Lutero não podendo concordar com a doutrina e a existência

do clero declara que Cristo é o único mediador, e que na igreja todos são sacerdotes, todos tinham o direito de ler, ser ensinado mesmo sem a necessidade de um sacerdote ordenado.

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Para os reformadores, o princípio do sacerdócio universal de todos os

crentes, é visto como um ensino essencial e de destaque na Palavra de Deus,

fornecendo uma base para a “insistência na primazia do laicato nas igrejas

protestantes”.99

Eles afirmavam o princípio bíblico de que cada cristão é ministro de Deus, de que cada pessoa é um sacerdote. O significado mais pleno da expressão é que todos os cristãos são sacerdotes uns dos outros, pois o sacerdócio refere-se ao ministério mútuo de todos os crentes.100

O sacerdócio universal de todos os crente apresenta a pessoa de Cristo como

único mediador entre Deus e os seres humanos, concedendo a cada pessoa salva

“acesso direto ao trono” por intermédio do seu sacrifício na cruz e pela operação do

Espírito Santo no interior do cristão.101

Lutero luta por romper com a tradicional divisão da igreja em duas classes

“clero e laicato”, afirma que cada membro tem parte igual no sacerdócio e isto

significa que os ofícios sacerdotais “são propriedade comum de todos os cristãos, não

há prerrogativa especial de uma casta seleta de homens santos. Para Lutero, baseado

em 1 Pedro 2:9, o sacerdócio de todos os cristãos é tanto uma responsabilidade

quanto um privilégio, um serviço tanto quanto uma posição”. 102

Vicent J. Donovan argumenta:

Naquele momento único e supremo de sua vida, quando Jesus ofereceu sacrifício uma vez por todas, ele reuniu em si mesmo todo o sentimento do sacerdócio e sacrifício, e obliterou para sempre a necessidade da classe sacerdotal.103

A Igreja Católica tenta resgatar, já no fim do século XX, o conceito

eclesiológico da Igreja como Povo de Deus através do 21º Concílio Ecumênico

98 Antônio José NASCIMENTO, op. cit., p. 117, afirma que “Porém nenhum de seus ensinos é tão mal interpretado como este. O que Lutero deixa claro é que a essência de sua doutrina se baseia em que todo cristão é sacerdote de alguém e somos todos sacerdotes uns dos outros”.

99 Antônio José NASCIMENTO, op. cit., p. 113.100 Ibid, p. 117.101 Solano Portela NETO, A mensagem da Reforma para os dias de Hoje, p. 2.102 Timothy GEORGE, op. cit., p. 97, alude que Lutero não rejeitou a ordenação de ministros da

palavra e suas responsabilidades sacramentais, sua grande rejeição era em assumir que um sacerdote, missionário, bispo ou monge por estarem totalmente envolvido com atividades religiosas, eram pessoas mais próximas de Deus e distintas das demais em autoridade e santidade. Ver: Sérgio Paulo R. LYRA, op. cit., p. 112.

103 Vicent J. DONOVAN, apud. Antônio José NASCIMENTO, op. cit., p. 118.

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Page 40: DISSERTAÇÃO FINAL

Vaticano II, iniciado em 11/10/1962, denominou-se o “Concílio da Igreja sobre a

Igreja”, voltado a dimensão pastoral, produziu em sua constituição dogmática

denominada de Lumem Gentium, dispensando todo o segundo capítulo da encíclica

para tratar e resgatar o conceito da Igreja como povo de Deus, numa tentativa de

rechaçar por completo o clericalismo, ou seja, as diferenças entre o clero e o laicato

na Igreja Católica.

Leonardo Boff declara que o Vaticano II, em bom tempo, equilibrou a

perspectiva, recuperando a sanidade teológica ameaçada. A Igreja é

fundamentalmente Povo de Deus; todos participam do múnus magisterial de Cristo;

também os leigos; a hierarquia, no interior deste povo, goza de um múnus oficial,

mas sempre como serviço a toda a comunidade cristã. 104

Boff chama a atenção para a necessidade de se redistribuir o poder do

sagrado. Ou seja, não é apenas mais o pastor, ou o padre quem detêm o "monopólio"

do sagrado. O pobre, o oprimido, enfim, o estratificado social também deve ter

acesso à potesta sacra.105

Diante do exposto, conclui-se que todo sacerdócio leigo e ordenado, deriva

do sacerdócio único, santo e eterno de Cristo. Por meio de Cristo todos os crentes

participam de um sacerdócio universal, não existindo (nem pode!) diferenças de

classes.

5. A igreja e o reino de Deus

Uma questão que fica em aberto a muitos questionamentos e interpretações é

quanto ao relacionamento da Igreja com o Reino de Deus. Para os cristãos dos

primeiros séculos, o Reino foi sempre considerado escatológico. Uma oração

primitiva do segundo século continha: “Lembra-te, ó Senhor, da tua Igreja, para (...)

ajuntá-la como um todo, em sua santidade, dos quatro cantos da terra, para entrar no

teu reino, que tens preparado para ela”.106

No período da patrística, Santo Agostinho de Hipona identificou o Reino de

Deus com a Igreja. A partir da Reforma Protestante, embora em uma forma

104 Leonardo BOFF, Igreja, carisma e poder, p. 218.105 Leonardo BOFF, Igreja, Carisma e Poder, p. 25106 Cfe O Catecismo dos Primeiros cristãos para as Comunidades de Hoje, didaqué: 10:5.

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modificada a identificação de um com o outro foi perpetuada. João Calvino (1509-

1564), um dos sistematizadores da teologia reformada, utilizou a passagem do

Evangelho de Mateus 13:47-50, como argumento bíblico, com o propósito de

fundamentar o princípio da identificação da Igreja com o Reino de Deus. Tais

conceitos relacionados com o Reino e a Igreja, 107 e a relação existente entre os

mesmos, são trabalhados e desenvolvidos por Ladd, quando afirma:

A missão de Jesus foi a de inaugurar uma era de cumprimento como evento antecipado de uma consumação escatológica, e, se num sentido real, o Reino de Deus, em sua missão, invadiu a história humana, ainda que de um modo inesperado, segue-se que aqueles que recebem a proclamação do Reino são considerados não apenas com o povo que iria herdar o Reino escatológico, mas como o povo do Reino há no tempo presente e, consequentemente, em algum sentido da palavra, a Igreja. 108

A relação entre o Reino de Deus e a Igreja pode ser demonstrada nas atitudes

de Jesus. Padilla afirma: “A ênfase central do Novo Testamento é que Jesus veio para

cumprir as profecias do Antigo Testamento e que, em sua pessoa e obra, o Reino de

Deus tornou-se realidade presente”.109

Stott trata deste Reino mostrando os dois extremos tradicionais de concebê-

lo. Uma concebe o Reino como uma realidade completamente realizada. Esta

“escatologia realizada” foi popularizado por C. H. Dodd, afirmando que o Reino foi

plenamente implantado por Jesus. Agora, fica com a Igreja, através da obra social e

da proclamação, implantar a semelhança deste Reino. E no outro extremo, Albert

Schweitzer apresentou a tese de um Reino exclusivamente vindouro. Jesus irá

implantar um Reino totalmente oposto ao contexto humano. 110

Ladd tenta resolver a tensão entre os dois extremos, escrevendo sobre o

Reino que foi inaugurado por Jesus, e que exerce um processo de “fermento,”

atuando de forma libertadora através da história. É o “já, ainda não” do Reino

107 Outros conceitos eclesiológicos poderiam ser trabalhados bíblico/teologicamente, tais como: unicidade, santidade, catolicidade, apostolicidade da Igreja. Embora não sejam objeto específico de abordagem deste trabalho, mesmo tendo com ele relações estreitas, outros conceitos eclesiásticos poderiam ser trabalhados. Podem ser encontrados em muitos livros que tratam de Eclesiologia, dentre eles: Alfredo Borges TEIXEIRA, Dogmática Evangélica, p. 263-267 e Philip J. HEFNER, “A Igreja”, In: Carl E. BRAATEN & Roberto W. JENSON, Dogmática Cristã, V. 2, p. 213-222; Jacques de SENARCLENS, Herdeiros da Reforma, p. 341-346.108 George E. LADD, Teologia do Novo Testamento, p. 100.109 C. René PADILLA, Missão Integral: Ensaios sobre o Reino e a Igreja, p. 197.110 John R. W. STOTT. Ouça o Espírito, Ouça o Mundo , p. 422-424.

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presente, mas não completamente realizado. Portanto, ainda espera-se uma

consumação final que se realizará na parúsia. Jesus ensinou a respeito do Reino que,

“certamente é chegado (...) sobre vós” (Lc 17:20-21), mas ao mesmo tempo ensinou,

em suas parábolas, a respeito da definitiva consumação do Reino no final dos

tempos.111

Embora a Igreja não se eqüivale ao Reino, ela manifesta sua forma de ser

através de sua vida, e proclama a respeito de sua vinda pela evangelização. Porém, a

consumação do Reino não será pela mediação da Igreja, mas pela atuação divina que

se vale do serviço e pregação da comunidade de Cristo, e que vem em contraste com

toda a injustiça e miséria do mundo.

Diante disso, em primeiro lugar, Jesus não assumiu o seu ministério com o

propósito de iniciar um novo movimento, reconheceu a Israel, a quem o pacto e as

promessas foram dados, como os naturais “filhos do Reino” (Mt 8:12; 10:5-6). Sua

missão foi a de proclamar ao povo de Israel que Deus estava agindo naqueles dias a

fim de cumprir as suas promessas e conduzir Israel ao seu verdadeiro destino.

O segundo fato é que Israel rejeitou a Jesus e a sua mensagem a respeito do

Reino. A proclamação do Reino e a chamada ao arrependimento caracterizavam o

ministério de Jesus desde o início, mas o evangelhos registram o conflito e a rejeição

de Israel à mensagem que culminou na sua morte.

O terceiro aspecto é significativo. Embora Israel como um todo rejeitou a

oferta do Reino feita por Jesus, um grupo remanescente abraçou a fé no Cristo,

tornando-se o verdadeiro Israel e os representantes da nação como um todo, portanto,

os discípulos de Jesus são os recipientes da salvação messiânica, o povo de Deus, o

povo do Reino, o verdadeiro Israel.

O fato de que Jesus considerou o círculo daqueles que receberam a sua

mensagem como sendo os filhos do Reino, o povo peculiar de Deus, como o

verdadeiro Israel de Deus, que assumiram o lugar da nação rebelde. No entanto, os

discípulos de Jesus pertencem ao Reino; mas eles não são o Reino. Essa aparente

contradição pode ser explicada.

111 Idem, p. 424.

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Em primeiro lugar, o NT não iguala os cristãos com o Reino. Jesus não

equaciona os discípulos com o Reino. Muitas passagens apontam para a relação

inseparável entre a Igreja e o Reino, mas não a sua identidade (Mt 13:38-43; 16:18-

19); os missionários pregavam o Reino de Deus, não a Igreja (At 8:12; 19:8; 20:25;

28:23-31). Assim, a Igreja constitui-se no povo do Reino, nunca no próprio Reino.

Em segundo lugar, o Reino gera a Igreja. Aqueles que aceitaram a mensagem

e o cumprimento da esperança messiânica do AT foram constituídos como o novo

povo de Deus, os filhos do Reino, o verdadeiro Israel, a Igreja incipiente. Assim a

entrada no Reino significa participação na Igreja, mas a entrada na Igreja não

significa, necessariamente, entrada no Reino de Deus.

Em terceiro lugar, a missão da Igreja é dar testemunho do Reino. Ela não

pode edificar o Reino ou mesmo tornar-se Reino, mas pode proclamar os atos

redentores de Deus em Cristo em favor da criação e das criaturas, como se lê no

evangelho de Mateus, tanto judeus como gentios (Mt 8:11-12). A missão da Igreja

como arauto, sinal, e instrumento do Reino de Deus está em foco.

Em quarto lugar, a Igreja é considerada como sendo a agência do Reino. Os

discípulos foram considerados como agentes instrumentais do Reino, pelo fato de que

as obras do Reino terem sido realizadas por eles como se fossem realizados pelo

próprio Jesus. Pregavam o Reino, mas também curavam os enfermos e expulsavam

demônios (Mt 10:8; Lc 10:17).

Assim, a Igreja torna-se o instrumento do Reino de Deus na proclamação da

Palavra, no serviço e na batalha contra as marcas dos poderes satânicos. 112

Ademais, a Igreja é a guardadora do Reino. O conceito veterotestamentário

tinha Israel como o guardador do Reino. Desde o chamamento de Abraão e a entrega

da lei, o domínio e o governo de Deus podiam ser experimentados somente através da

lei, e, Israel, sendo a guardiã da lei, mantinha o Reino de Deus em custódia.

Nesse contexto, entendemos que na pessoa de Jesus, o reinado de Deus

manifestou-se em um novo evento redentor. A nação de Israel rejeitou a proclamação

deste evento divino, mas aqueles que o aceitaram se tornaram os verdadeiros filhos

112 Leonardo BOFF, Igreja, Carisma e Poder, p. 160

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do Reino. A ekklesia torna-se a guardadora do Reino, em lugar dos israelitas.

Portanto, a Igreja não somente testemunha a respeito do Reino, mas também

constitui-se em instrumento do Reino, à medida que este manifesta o seu poder nesta

era presente, é também a guardadora do Reino. Hans Küng, conclui: “A Igreja não é

o Reino de Deus, mas levanta para ele os olhos, aguarda-o, ou melhor, vai ao seu

encontro como povo peregrino e prega-o ao mundo como seu arauto”. 113

Mais: a Igreja, como povo de Deus, dará evidencias de que o Reino de Deus

está presente histórica e concretamente no mundo na medida em que compreende que

torna-se o “corpo” onde os conceitos absolutos deste mesmo Reino - a liberdade, a

justiça, o amor, a solidariedade - possam encarnar historicamente. Os valores do

Reino de Deus precisam ser corporificados. E, essas corporificações são as

materializações da presença de Deus. “A igreja não pode dispor desta

presencialização de Deus, através de sua palavra e de sua ação humana”. 114 A Igreja,

como povo de Deus, deve manifestar e ser a manifestação corporificada da presença e

dos valores do Reino de Deus.115

O que resulta disso é que se o povo de Deus, na qualidade de ser a Igreja de

nosso Senhor Jesus Cristo, não manifestar concretamente através de sua práxis os

valores do Reino de Deus, perderá a consciência de sua missão e responsabilidade e a

condição de ser guardiã deste mesmo Reino.

Assim tem Deus estabelecido o seu reino entre seu povo. As fronteiras deste reino, entretanto, não são demarcadas por muros nem cercas. Os muros de demarcação são, antes, os dez mandamentos. Quem ultrapassa estes mandamentos sai fora do reino de Deus e deixa de pertencer a seu povo. Reino de Deus e povo de Deus são idéias correlativas.116

Conclusão

Entendemos que é totalmente válida, relevante e atual a perspectiva

113 Hans KÜNG, A Igreja, V. 1, p. 138; C. René PADILLA, afirmou: “Ela não deve ser equiparada com o Reino, mas tampouco separada dele. Seu propósito é refletir os valores do Reino, aqui e agora, pelo poder do Espírito Santo” , op. cit., p. 202.

114 Johannes FEINER, A presencialização da Revelação pela Igreja , p. 13115 Flávio Braga FACCIO, Os sinais do Reino de Deus na História , p. 28116 Herbert HAAG, Teologia Bíblica, p. 212.

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Page 45: DISSERTAÇÃO FINAL

eclesiológica sobre a natureza da Igreja como povo de Deus. É uma prova de que

realmente a ação conscientizadora e libertadora de Deus pode agir em qualquer lugar,

circunstâncias e em qualquer tempo, até mesmo dentro dos muros da Igreja. Aliás, os

filhos de Deus deveriam ser os primeiros a experimentar a integridade da realidade

libertadora de Deus, mediada pelo sacrifício vicário de Cristo.

Esta divisão humana entre cleros e leigos, sagrado e profano, santo e imundo,

favorece somente aqueles que detém o poder, mas uma boa teologia destrói o

pensamento desses que intitulam-se os escolhidos, eleitos e perfeitos, afirmando que

Deus age também naqueles que muitas vezes nós esquecemos e desprezamos. A

esfera da ação de Deus é o mundo e, não necessariamente, a Igreja. Somos desafiados

a proclamar essas verdades, também, a esses excluídos tendo como exemplo a vida de

Jesus, e, nele, imitarmos a sua práxis libertadora.

O discurso sobre Deus e sobre aqueles que lhe pertencem é totalmente

moldado pelos acontecimentos históricos. As condições históricas vão sendo

interpretadas a partir do evento Cristo. Entendemos que a manifestação de Deus para

com os seus é a de um Deus encarnacional, que acolhe e aglutina, e que somos os

seus intérpretes neste mundo. Da mesma forma a igreja é chamada a assumir

encarnacionalmente sua tarefa no mundo.

Temos a função e o privilégio de vivenciar a realidade de que somos povos

de Deus e mostrar a sua face misericordiosa e acolhedora em todo lugar. Cada

geração é responsável em atualizar os atos salvíficos de Deus na história. Já não

basta a Igreja olhar o mundo. Chegou o momento de transformá-lo e até mesmo

substituí-lo pelos valores do Reino de Deus.

A igreja, como um todo, é cooperadora de Deus na medida que se

conscientiza de sua natureza, comunidade de eleitos e eleitas. Agentes do Reino. Essa

verdade pode ser percebida através da história da salvação e da relação entre Israel e

a Igreja. Relação de continuidade do projeto de Deus de fazer com que todos, sem

distinções, possam fazer parte do corpo místico de Cristo, povo de Deus, capacitados,

alimentados, guiados e energizados pelo seu Espírito.

Assim, após a reflexão histórica do povo de Deus na perspectiva da tradição

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cristã, vamos elaborar no terceiro capítulo a missão deste mesmo povo. Entendendo

que esta missão é iniciada em Deus, mas acontece através da Igreja, tendo como local

de concretização, no mundo.

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CAPÍTULO III

Page 48: DISSERTAÇÃO FINAL

A MISSÃO DO POVO DE DEUS

O nosso alvo neste capítulo é elaboração de uma teologia de missão para o

povo de Deus que parte de Deus e traz salvação e transformação a todas as pessoas, a

despeito de seu contexto cultural, étnico ou social. Portanto, uma questão de extrema

pertinência é o ponto de partida para tal missiologia. Existem muitos paradigmas

missiológicos que poderiam nortear nossa reflexão. No entanto, Em Atos 1:6-8, há

dois pontos de partida que nos permitem formular duas filosofias missiológicas,

embora contrastantes e conflitantes. É o que veremos a seguir.

1. Missio Dei

1.1. Antropocêntrica

Na primeira parte da passagem bíblica supra (v. 6) destacamos o primeiro

ponto que nos ajuda a entender e formular um parâmetro missiológico:

antropocêntrico.

É missão a partir do agir humano, que busca os interesses particulares de um

determinado grupo. A pergunta dos discípulos em 1:6 reflete isso, pois posicionava a

nação de Israel em superioridade às demais nações, um reflexo de uma cosmovisão

nacionalista. Ao sintetizarem a restauração de Israel com o Reino de Deus, a

esperança messiânica tomou a forma de um libertador político que iria exercer a ira

de Deus contra os estrangeiros, seus algozes. A missão humana é exclusivista e

particular, e leva determinados grupos a se retirarem do contexto humano mais amplo

a fim de garantir um status sócio-religioso que é negado aos outros.

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O contexto histórico da igreja ajuda a perceber que este modelo missiológico

dominou e condicionou a prática dos cristãos. O resultado foi a construção e a

perpetuação de um abismo entre a hierarquia e os leigos.

1.2. Teocêntrica e Trinitária

Em atos 1:7-8 encontramos o segundo parâmetro missiológico, que também

apresenta a missão teocêntrica e trinitária, a partir do agir divino.

Em 1:7, o projeto salvífico-histórico se deve à autoridade ( exousía) singular

de Deus. A missão não pertence aos seres humanos, mas é missio Dei, obra exclusiva

de Deus. Deus é o autor de todo esforço salvífico.

No Antigo Testamento, os pactos com os patriarcas são sempre iniciativas de

Deus. No pacto abraâmico, o dever principal de Abraão é a obediência ao plano de

ação executada por Deus. É o mesmo com Moisés e Israel, pois a auto-revelação de

Deus não foi uma descoberta de exploração humana, mas uma transmissão de

conhecimento de Deus sobre si mesmo às suas criaturas. Finalmente, as profecias do

surgimento do Salvador são sempre segundo o plano e tempo de Deus, em contraste

com a sabedoria humana.

No Novo Testamento, Deus realiza seu projeto através de Cristo, em

oposição às agendas e conselho humanos. A encarnação, morte, e ressurreição

contradizem qualquer idéia que os seres humanos possam conceber a respeito de sua

própria salvação (1 Co 1:18-25). Conclui-se, então, que a autoridade do Pai sobre a

missão pressupõe a ausência da mediação humana, e a história da salvação depende

singularmente da iniciação, execução e consumação de Deus.

Destaca-se o fato de que a missão teocêntrica é também uma missão

trinitária. A missio Dei é missão do Pai, Filho, e Espírito Santo, que agem juntos em

todas as etapas da história da salvação, realizando juntos todos os eventos salvíficos,

sem qualquer forma de submissão em essência de um ao outro. Como já elaborado, o

desenrolar da história é segundo a exousía do Pai, que faz a história do mundo

colaborar para cumprir os momentos salvíficos (At 1:7). Portanto, a missão é também

pneumatológica. Em Atos 1:8, a presença do Espírito é o fator definitivo para o

testemunho de Jesus. As primeiras instruções aos discípulos exigiam somente a

espera, pois eram apenas a agência de Deus. O Espírito seria o dynámis para cumprir

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uma nova etapa na história da salvação, fornecendo energia operante, força motriz, e

capacitação para realizar as intenções e propósitos de Deus. 117

Como observa Bosch, o Espírito representa a prometida presença de Cristo

em sua comunidade (Mt 28:18). Também representa para a Igreja o mesmo poder

(dynámis) que dirigiu o ministério de Cristo. Como Cristo, a Igreja não é responsável

para provar a legitimidade de sua missão, pois ela é confirmada pela manifestação do

Espírito. Portanto, envolvimento missionário, longe de ser um projeto humano, é

conseqüência do dom do Espírito.

O Espírito inicia e guia a missão, e fornece o poder para realizá-la. Por fim, a

iniciação e direção do Espírito na missão representam a vontade de Deus para a

salvação universal, manifestada em Cristo, e agora completada através da agência da

Igreja. Atos 1:8 estabelece isso com o anúncio do testemunho a partir dos judeus para

todas as nações da terra.118

Se a missão é trinitária, então é também cristológica. Em Atos 1:8, Jesus é o

enviador dos discípulos, a porta-voz de Deus para decretar a missão universal. Mas

ao enviar seus discípulos para serem suas testemunhas, ele estava referindo ao seu

agir histórico. Os discípulos eram testemunhas de sua encarnação, morte, e

ressurreição, que agora seriam anunciadas a toda a criação. No entanto, esta

proclamação não seria só um anúncio de fatos, mas reflexão sobre o significado

destes fatos para todas as pessoas. Portanto, queremos afirmar que ao enviar seus

discípulos para darem testemunho dele, Jesus estava se fornecendo como o próprio

conteúdo deste testemunho. Em seu ministério e atuação salvífica, Jesus se mostrou

como o conteúdo do Reino de Deus, prova de sua proximidade ao contexto humano, e

evidência da auto-oferta de Deus a todos os seres humanos.

117 Júlio Paulo Tavares ZABATIERO, Poder e Testemunho – Missões em Atos 1 e 2. In: C. Timóteo CARRIKER (org). Missões e a Igreja Brasileira , p. 82.

118 David J. BOSCH, Missão Transformadora, p. 113-115.

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Isso nos leva ao conceito da encarnação. A vida e ministério de Jesus foram

vida e ministério encarnados. Em outras palavras, Jesus na terra representou Deus na

terra. Era a invasão de Deus no mundo, onde Deus aceitou a totalidade do contexto

humano para tornar-se participante nos sofrimentos, limitações e processos

cotidianos da vida humana. No entanto, com a intenção salvífica, esta operação

encarnada representou a auto-revelação de Deus à totalidade das etnias, culturas e

classes sociais que compõem o mosaico mundial. Embora a partir do contexto

judaico, Jesus encarnou o conteúdo da mensagem salvífica universal.

A encarnação de Deus em Jesus, além de representar a proximidade do Reino

de Deus para todos que se conformam ao senhorio de Cristo, também representou o

modelo missionário que Deus estabeleceu para a Igreja. A missão da Igreja se modela

segundo a atuação histórica de Jesus entre os seres humanos. Esta atuação tinha duas

dinâmicas. A primeira era horizontal, a todos os povos, e a segunda era vertical, para

cima e baixo na escala social. A respeito da dinâmica horizontal, devemos mencionar

primeiro que o ministério de Jesus se realizou a partir dos judeus, pois Jesus buscou

salvar as ovelhas perdidas de Israel. Sua postura inclusivista aos povos gentílicos, a

primeira vista, parece ocultada.

A análise do ministério de Jesus revela de forma concreta suas intenções

salvíficas para com os gentios (Lc 4:23-27), incluindo os samaritanos (Jo 4), e os

romanos (Mt 8:5-13). Jesus deixou plenamente revelada a disponibilidade do Reino

aos gentios ao decretar o testemunho entre todas as nações em Atos 1:8. Portanto, os

feitos e as suas palavras implicam na universalidade do evangelho para todos os

grupos étnicos.

No ambiente social, a encarnação manifestou a disponibilidade do Reino para

todos que a sociedade antiga israelita marginalizava. No evangelho de Lucas, o

ministério de Jesus dá uma atenção especial para mulheres (7:12-14), enfermos

(8:43-48), leprosos e imundos (5:13), publicanos (18:9-14; 19:9-10), prostitutas

(7:36-50), e criminosos (23:39-43). O evangelho é anunciado aos pobres (6:20-22) e

aos pecadores (5:29-32), enquanto que os ricos não são rejeitados, mas advertidos

quanto ao perigo das riquezas (18:24-30). Ainda mais, a opção de vida de Jesus não

foi a afluência e aprovação pública, mas a simplicidade e rejeição. Portanto, ao

realizar seu projeto salvífico participando do contexto de pobres e estigmatizados,

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Jesus mostrou que o Reino de Deus era para aqueles que nada puderem fazer para

ganhar cidadania no Reino, senão depender da misericórdia de Deus, enquanto que,

os que se julgavam os administradores do Reino, eram rejeitados. Desta forma, a

missão novamente é missio Dei, pois pressupõe a ausência de qualquer mediação

humana e a soberania de Deus para sua realização, e também representa a

preocupação de Deus na integralidade de cada indivíduo. Em outras palavras, o

evangelho é integral. Representa uma proposta divina para a salvação espiritual e a

transformação material que valoriza as necessidades sociais, econômicas, físicas e

emocionais de todos.

2. Missio eclesiae

A missão da Igreja (missio eclesiae) obedece ao modelo ministerial de Jesus

na encarnação. Atos 1:8 é nada mais do que representação do agir salvífico de Jesus,

por agência humana, que ultrapassa barreiras culturais, nacionais e sócio-econômicas

para tornar o Reino de Deus universal. O testemunho dos discípulos, pelo dynámis do

Espírito, era o anúncio dos eventos histórico-salvíficos, com seus significados, em

“(...) toda a Judéia e Samaria e até aos confins do mundo”. Importância igual é dada

à evangelização de Jerusalém, Samaria, e das demais nações.

Cada região mencionada representou um desafio cultural e social para os

discípulos. Jerusalém foi testemunha ocular dos feitos salvíficos de Deus em Jesus, e

agora se torna o ponto de partida da evangelização mundial, e o primeiro a ser

confrontado com a convicção e perdão de pecados. “Toda a Judéia” incluiu a

Galiléia, região de miséria econômica e mistura racial com povos gentílicos e,

portanto, terra desprezada pelos judeus fiéis. Samaria, a “pátria da heresia”, era

odiada pelos judeus por causa de sua impureza de raça e infidelidade à Lei Mosaica.

Em último lugar, “aos confins da terra” implicava não somente na pregação a todos

os povos gentílicos, até aos mais distantes, mas também aos romanos, os inimigos

conquistadores.119

Portanto, a missão dos discípulos é de testemunho entre os grupos

estigmatizados por serem pobres e impuros, entre os de culturas estranhas, e entre os

considerados como inimigos. Assim, a missão da Igreja, como povo de Deus, implica

na superação de preconceitos culturais e sócio-econômicos, e, segundo o exemplo

119 Júlio Paulo Tavares ZABATIERO, op. cit., p. 83.

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encarnacional, na convivência e participação no contexto dos que são marginalizados

pelos sistemas sociais e culturais. Implica na demonstração do evangelho integral

através da aceitação incondicional dos ricos e dos economicamente desfavorecidos,

na compaixão visível para os rejeitados pela sociedade, e na superação de barreiras

culturais e nacionais para levar o evangelho aos povos mais desconsiderados pelo

mundo ocidental, até mesmo aos que são vistos como inimigos.

Em resumo, conclui-se que Atos 1:6-8 revelam a prática missiológica, pois

trata do progresso no projeto histórico-salvífico de Deus. O Filho e o Espírito, tanto

através do ministério terrestre de Jesus (Lc 4:18) quanto por meio da marcha

missionária da Igreja, permanecem em cooperação divina para tornar o Deus triúno

conhecido a todos os povos da terra, efetuando a auto-revelação de Deus na história.

Este projeto implica em salvação proclamada e oferecida a todos que se deixam

conformar-se ao senhorio de Cristo e a libertação espiritual, material e emocional

para todos os excluídos, estigmatizados e vitimados, sem distinção segundo critérios

culturais, sociais e econômicos.

2.1. A missão do povo de Deus

É importante esclarecer que o verdadeiro sentido da Igreja não se deixa

confinar numa definição conceitual. A Escritura não fornece uma definição da Igreja,

mas apresenta diversos aspectos dessa única realidade, aspectos que precisam ser

somados e completados e às vezes corrigidos, uns pelos outros. 120 Todos os aspectos

devem ser levados em consideração, não se pode admitir a exclusão deste ou daquele.

A missão da Igreja como povo de Deus está fundamentada pela Sagrada

Escritura no que concerne as idéias: eleição, aliança, serviço e missão de Deus. A

liberdade é a marca desse relacionamento, no entanto, existe uma alternância

constante entre obediência e desobediência, mas nem uma nem outra situação quebra

a aliança de Deus com seu povo.

A noção da missão do povo de Deus, expressa e manifesta a continuidade

entre Israel e o novo Israel: a Igreja. A literatura paulina fundamenta a idéia de que a

Igreja é a imagem do corpo de Cristo, ela é a extensão, a continuação de Cristo neste

120 Para Dom Murilo S. R. KRIEGER, Deixa meu Povo ir, p. 118. A Igreja é a assembléia de todos (Clérigos e Laicos) aqueles que, pelo batismo, foram convocados para estarem ao redor da mesma mesa, sendo que é o próprio Cristo quem a preside.

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mundo. Cristo é a cabeça do corpo que a Igreja se torna. A missão da Igreja,

proveniente de sua própria natureza, é ser a presença de Cristo no mundo, em

obediência ao Cristo que a governa e que caminha junto com o seu povo, leigos e

leigas, povo da Nova Aliança.

A Igreja, como povo de Deus, pode e deve ser uma comunidade de eleitos

que adora e glorifica a Deus servindo ao próximo; que vive em comunhão fraterna e

solidária com os seus, que acolhe os excluídos, que proclama a mensagem libertadora

de Cristo mediante a instrumentalização do Espírito Santo que os torna,

verdadeiramente, povo missionário de Deus.

É um dos fatos marcantes de nossa era é que, no contexto latino-americano,

começa surgir uma reflexão que leva em consideração justamente a realidade sofrida,

injusta e oprimida em que vive a maior parte da população deste continente. A Igreja

não está isenta destas injustiças, pelo contrário, pelo seu espírito pacífico e

resignado, não oferece resistência, nem alternativas práticas e eficientes que

desmonte e desmascare as intenções implícitas e explícitas destas estruturas injustas,

extratificadoras e desumanas da nossa sociedade.

Como conseqüência dessa profunda crise, a Igreja latino-americana inicia seu

processo de reestruturação, ao mesmo tempo, ocorre uma desestruturação mundial

das formas tradicionais de pensamento e de crenças e, muitas vezes, a caótica procura

de novas formas e estruturas que dê conta e responda esses anseios. A força leiga da

Igreja afastada e, sempre, na defensiva durante séculos, torna-se agora uma parte da

busca do ser humano hodierno e, como Povo de Deus, toma posição frente a uma

sociedade sem vínculos afetivos e sem relacionamentos duradouros, desfragmentada

e totalmente alienante. Como essa conscientização de ser Igreja poderá ser e fazer

diferença nesta sociedade pós-moderna?

A Igreja latino-americana encontra-se num momento novo. Nunca se

produziu tanta reflexão bíblico-teológica como agora. E, entretanto, sua identidade

teológica, sua práxis, precisa ser elaborada, ainda não existe. A Igreja precisa manter

seus dogmas e suas verdades, no entanto, deve traduzi-la para o ser humano moderno

e, ao mesmo tempo, dialogar e participar do próprio desenvolvimento desta cultura

secular e influenciá-la.

54

Page 55: DISSERTAÇÃO FINAL

Sejam quais forem as verdades que a Igreja proclame, o Povo de Deus deve

distinguir-se sempre como a comunidade de homens e mulheres que confessem o

Senhorio de Jesus Cristo, que vivam sob a proteção e inspiração do Santo Espírito e

se comprometam, como membros, e assumam seu compromisso e sua missão em prol

do Reino de Deus.121 Deixará de ser Igreja quando Jesus não for mais reconhecido

como o Senhor, como o modelo-mor para a vida humana e a história. 122 A Igreja

primitiva distinguia-se por sua proclamação e confissão de que “Jesus Cristo é o

Senhor” tanto nos cultos (intra muros) quanto na sociedade (extra muros).

No entanto, a missão do povo de Deus não se esgota com o querigma. Deve

reconhecer sua responsabilidade de trabalhar e esforçar-se em todos os níveis e

sentidos em prol do Reino de Deus na terra. O Reino torna-se um acontecimento que

se manifesta através das ações seculares. Mais: a Igreja deve sempre ser uma

comunidade de homens e mulheres empenhados num compromisso integral com as

tarefas da diaconia. Torna-se uma parte do trabalho essencial da Igreja e um aspecto

de sua tarefa missionária. Através do serviço no e para o mundo, a Igreja apressa,

efetivamente, o dia em que todos serão levados ao reconhecimento de que a

verdadeira pregação do Evangelho obteve, enfim, um efeito relevante na vinda e

consumação final do Reino.

2.2. As dimensões da missão da igreja

À luz do Novo Testamento, a Igreja possui três dimensões, as quais são

possibilidades de expressar o modo pela qual a Igreja, através de seus filhos e filhas,

leigos e leigas, realiza o seu ministério e cumpre a sua missão. A tríade 123

neotestamentária tem sido chamada pelos teólogos como: Querigma (proclamação da

Mensagem Cristã)124; Diaconia (serviço no/para o mundo) e Koinonia (o caráter

fraterno e solidário do Povo de Deus).

121 Este aspecto é especialmente desenvolvido por José Míguez BONINO no seu Livro: Ama e Fazes o que Quiseres, 1982, onde elabora um extenso trabalho sob a ética cristã. O Povo de Deus deve estar consciente da nova ordem, do mundo novo, em Cristo com o advento do seu Reino.122 A literatura é muito rica sobre o assunto: Senhorio de Cristo. Veja as acertadas reflexões do Dr. Alberto F. ROLDÁN, Señor Total, Publicaciones Alianza, 1998; Dionísio PAPE, Cristo é o Senhor. ABU, 1976.123 A tríade ministerial da Igreja é tratada exaustivamente por muitos tratados bíblico-teológicos. Nosso propósito não é tratar o assunto conceitualmente, mas, tão somente, tematicamente.124 C. H. DODD, Segundo as Escrituras, p. 7-23; Johannes FEINER, Revelação e Igreja, p. 119-134, trabalham com competência e esmero a conceituação e aplicação do termo “ querigma” na vida e na práxis da Igreja.

55

Page 56: DISSERTAÇÃO FINAL

No entanto, essa tríade não pode ser entendida como aspectos distintos,

antes, se complementam, refletindo uma única realidade: o caráter integral da obra

redentora da Igreja no desempenho de sua missão.

Os elementos que aqui colocamos como dimensões da Igreja, Charles van

Engen discute como o propósito e o papel da igreja local, considerando a eclesiologia

pela "perspectiva multifacetada" da razão de ser da Igreja, no que diz respeito à sua

participação no mundo "por meio da koinonia, querigma, diaconia, martíria" como

"comunidade pactual do rei", ou no contexto do Reino de Deus no mundo. 125

Martinho Lutero as chama de marcas da igreja, notae ecclesia.126 As marcas arroladas

por Lutero são: a Palavra, o Batismo, a Santa Ceia, o ministério, a oração, o

sofrimento e “outras”. Sugere de chamá-las de sacramentos. 127

Veremos a seguir algumas marcas ou dimensões da Igreja, as mesmas não

abarcam e abrangem todas as categorias elencadas pelo reformador, mas denotam a

essência eclesiológica do povo de Deus.

2.2.1. A dimensão querigmática da igreja

O termo “querigma”, no grego, significa “mensagem”. Logo, a Igreja é

chamada para proclamar e viver uma mensagem. A sua mensagem consiste na

proclamação ao mundo daquilo que Deus tem feito pelo ser humano em Jesus Cristo.

Bonino, avança nessa distinção da tarefa da Igreja, quando afirma: “A Igreja, isto é, a

comunidade daqueles que abraçam uma tarefa histórica na liberdade do perdão e da

santificação de Deus, não pode existir a não ser na celebração, proclamação e

testemunho concretos dessa liberdade”.128

Esta função de anunciar é fundamental e a torna diferente de tudo o mais. A

mensagem que seus filhos e filhas proclamam é uma mensagem de libertação e de

chamado à maturidade. Os textos bíblicos do Novo Testamento apontam para a

125 Charles van ENGEN, Povo missionário, povo de Deus, p. 112. 126 O II capítulo do livro de Salvador PIÉ-NINOT, Introdução à Eclesiologia, trabalha com esmero os conceitos fundamentais da Igreja. Destaca a igreja como sacramento, comunhão, povo de Deus, corpo de Cristo, tradição viva, sociedade e como instituição. Sua abordagem é à luz do fundamento de que a Igreja Católica Romana é a sucessora legítima do colégio apostólico. Já a tradição protestante evoca como principal paradigma da Igreja é o do povo de Deus e que sua maior preocupação, segundo Calvino, está no trabalho pastoral e na "cura de almas". John H. LEITH, A Tradição Reformada, p. 128.127 Philip J. HEFNER, A Igreja. In: Carl E. BRAATEN & Robert W. JENSON, Dogmática Cristã, V. 2, p. 231-232ss.128 José Míguez BONINO, A Fé em Busca da Eficácia, p. 128.

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Page 57: DISSERTAÇÃO FINAL

mensagem que a Igreja tem que proclamar: Jesus Cristo. A Boa Nova é a libertação

que Cristo trouxe e oferece aos homens e mulheres que nele crêem.

É nesta aspecto que a Igreja possui um papel fundamental, pois a ela como

povo de Deus, cabe a responsabilidade do Kerigma, ou seja, da proclamação do

evangelho e das boas novas: Cristo Jesus. Hoje ainda Jesus está pregando ao mundo,

através dos lábios dos seus seguidores.

O lugar da pregação e do ensino129 na Igreja se deduz facilmente do que já foi

dito. Eles são essenciais para a vida eclesiástica porque são instrumentos poderosos

para comunicar e vivenciar o evangelho que se encontra no âmago da vida da Igreja e

para torná-lo, também, efetivo fora da Igreja.

A proclamação e a evangelização não estão confinadas as quatro paredes do

templo, nem são monopólio da liderança da Igreja. A palavra de Deus não é

propriedade da instituição e nem está presa sob a velha ortodoxia alienante e

desfigurada. A Igreja é Povo de Deus. Todos participam. Todos podem participar do

serviço de ensinar, todos são enviados à missão, todos são co-responsáveis pela

comunidade, todos devem se santificar, “todos somos irmãos” (Mt 23:8).

Boff expressa isto da seguinte maneira: “(...) uma Igreja do povo, com os

valores do povo, em termos de linguagem, expressão litúrgica, religiosidade popular,

etc”.130

Segundo Van Engen, a Igreja existe para os outros, para a humanidade, Ela

se envolve com os oprimidos, não apenas evangeliza, prega e ensina, mas também

age. A missão visa fortalecer as igrejas, é uma nova concepção que identifica a

essência da mesma. No entanto, o testemunho é algo que deve ser levado em

129 Paulo FREIRE, no seu livro: Educação como Prática da Liberdade , elabora um excelente ensaio sobre a necessidade do ensino, como instrumento pedagógico, com o objetivo de gerar vida e não como um veículo de ideologias alienantes que somente mantém o status quo, e a ignorância da massa empobrecida. A igreja, também, não foge dessa responsabilidade. Fica o registro: poderia-se destacar a didaqué (ensino) como uma das dimensões do igreja, no entanto, o assunto é tão sério que merece um tratamento especial abordando essa temática devido a sua relevância.130 Leonardo BOFF, Igreja: Carisma e Poder , p. 208. Outro livro do mesmo autor: Eclesiogênese, aborda o assunto sobre a gênese de uma nova Igreja. É a mesma igreja de Jesus Cristo, mas concretizada dentro de um outro quadro, onde não existe mais a divisão entre clérigos e leigos. Nesse livro, Boff também demonstra que as CEBs, são Igrejas. No entanto, as CEBs apontavam para uma renovação na Igreja Católica, mas fracassou, pois, possuía apenas um crivo ideológico (objetividade) e, agora, substituída pelo movimento carismático (subjetividade).

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Page 58: DISSERTAÇÃO FINAL

consideração, a vida do cristão é a Bíblia que o não crente lê. 131

2.2.2. A dimensão diaconal da igreja

A pregação e o testemunho não esgotam a missão da Igreja. Ela precisa

reconhecer sempre sua responsabilidade de trabalhar e esforçar-se em todos os níveis

e com todos os recursos em prol do Reino de Deus na terra. Deve compreender que o

Reino é um acontecimento que se manifesta mais freqüentemente por meios seculares

do que religiosos: os cegos recobram a vista, os surdos têm os ouvidos abertos, os

estropiados são curados, os pobres recebem esperança e assim por diante (Mt 25:31-

46).

A Igreja deve sempre ser uma comunidade integralmente empenhada num

compromisso total com as tarefas da diaconia, não como tática para futuras

conversões ou simplesmente para bom exemplo, mas porque é uma parte do trabalho

essencial da Igreja e um aspecto integral de sua tarefa missionária. Através de seu

apostolado de serviço no e para o mundo, a Igreja apressa de fato o dia em que todos

os seres humanos serão levados juntos à transformação social e ao resgate definitivo

da dignidade humana.

A Igreja não limita-se apenas a palavra de libertação, mas também tem de

juntar-se a Cristo em sua obra de libertação do ser humano. Isto é “diaconia” ou

serviço. A Igreja não se restringe à proclamação da chegada do Reino, tem a função,

também, de anunciar os seus benefícios. O ministério de Jesus estava imbuído de um

projeto que envolvesse o ser humano integral, quando proclamou: “O Espírito do

Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para pregar boas novas aos pobres,

enviou-me a proclamar libertação aos cativos e restauração de vista aos cegos, para

pôr em liberdade os oprimidos e apregoar o ano aceitável do Senhor” (Lc 4:18-19).

O Cristo vai à frente, e, os filhos da Igreja não tem outra alternativa senão a

de seguir o mestre. Servi-lo é juntar-se à sua obra de libertação no mundo. A

diaconia, portanto, está envolvida no ato de tornar a Palavra de Deus em ação

libertadora. No entanto, diaconia não é meramente um serviço social, mas significa,

sobretudo, que toda a comunidade cristã é uma comunidade chamada a servir.

131 Charles van ENGEN, Povo missionário, povo de Deus: Por uma redefinição do papel da igreja, p. 142-143.

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Page 59: DISSERTAÇÃO FINAL

A tarefa da Igreja é a de ser diáconos do mundo, que se submete e se entrega

à luta pela libertação, saúde, dignidade e integridade do ser humano e do mundo. Ao

atuar entre os excluídos e a favor deles, a Igreja reflete o caráter de Deus que se

preocupa com o ser humano na sua totalidade. Somente assim o mundo será

impactado pela pregação proclamada através dos atos de justiça, compaixão e serviço

do povo de Deus.

A proclamação sem a diaconia é abstrata e vazia. A diaconia sem a

proclamação não faz sentido. Jesus Cristo evangelizava curando e curava

evangelizando. Mosconi acrescenta: “não é só discurso que Jesus faz. Ele age

também, e muito! Sua prática aparece antes e depois dos discursos, e os discursos

estão aí para esclarecer o sentido de sua prática (...), a prática e o discurso em Jesus

são algo inseparáveis”.132

Esta dimensão da vida da Igreja tem seu próprio valor intrínseco, de acordo

com o exemplo e a mensagem de Jesus, mas também em valor instrumental no

fortalecimento do Povo de Deus para seu ministério e serviço no mundo.

Paulo retrata esse princípio afirmando que a Igreja é um corpo com muitos

membros, todos vivificados pelo mesmo Espírito e cada qual com sua função. Não

existe nenhum membro não carismático, vale dizer, ocioso, sem ocupar um

determinado lugar e função na comunidade: “cada membro está a serviço do outro

membro” (Rm 12:5). Assim, o verdadeiro serviço do Povo de Deus, aflora quando

homens e mulheres colocam o que são, o que têm e o que podem a serviço de Deus,

dos irmãos, do próximo, do pobre e dos excluídos. Referem ao Espírito Santo seus

dons e talentos e os fazem frutificar como dádivas de Deus em benefício da

humanidade.133

Para o reformador, João Calvino, apesar de crer que a pobreza era um

instrumento de Deus, não deixou de se envolver e tentar mudar o quadro social e

político de sua época. Pois, acreditava que a Igreja tinha uma função de apoio aos

pobres, mas que cabia ao Estado cuidar deles, porém, devido à proporção do

problema, a Igreja dava assistência. Prova disso, é que diante da situação social de

132 Luis MOSCONI, Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus, p. 25. Em outro livro: Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos , novamente vincula o discurso de Jesus com sua prática, p. 17.133 Leonardo BOFF, Igreja, Carisma e Poder, p. 238-239.

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Page 60: DISSERTAÇÃO FINAL

Genebra onde havia muita opressão aos pobres, altos impostos, vícios, prostituição,

analfabetismo e falta de assistência por parte do Estado, Calvino, aplica e organiza o

diaconato.

Em suas ordenanças eclesiásticas, delineou a atividade dos diáconos que era

a administração da obra de caridade e foi ele quem primeiro resgatou esta função

bíblica. Os diáconos em Genebra devem ter sido especialistas na ação social, além do

cuidado pastoral que deveriam prestar dando assistência, consolo e conselhos aos

pobres.

Calvino empenhou-se tanto na reforma da Igreja, quanto na reforma da

sociedade e a Igreja teve um papel fundamental para tais desdobramentos. A Igreja

em Genebra contribuiu com hospitais, dando assistência aos pobres e necessitados,

criação da primeira escola primária da Europa, assistência a refugiados, fiscalização

de preços, diminuição da jornada de trabalho, cursos profissionalizantes. Enfim, a

Igreja encarnou naqueles dias um papel de instrumento de libertação, pois a teologia

social do reformador sustentava que a Igreja deveria envolver-se com os excluídos e

oprimidos, sem fazer qualquer distinção de credo ou raça. 134

A encarnação é o modelo para a missão diaconal da Igreja. Em sua

encarnação Jesus identificou-se com a humanidade pecadora, solidarizou-se com ela

em suas aspirações, angústias e debilidade e a dignificou como criatura feita à

imagem de Deus. A Igreja é chamada a encarnar sua missão ao estilo de Jesus. Este

cumprimento demanda cruzar fronteiras geográficas, culturais, sociais, lingüísticas,

espirituais, com todas as suas conseqüências.135

A Igreja não é o que muita gente pensa, uma espécie de clube 136 filantrópico,

spa espiritual, um lugar onde as pessoas pensam do mesmo jeito ou coisa semelhante.

Os membros vão à igreja por causa de Deus. Seus interesses e motivações extrapolam

os interesses e atividades humanas. Vão para adorar a Deus em comunidade,

celebrativamente, mas ao adorar a Deus, encarnam a dura realidade do próximo

servindo-os, para a glória de Deus.

134 Earle E. CAIRNS, O Cristianismo através dos Séculos : uma história ilustrada da Igreja Cristã, p. 264 e Thimothy GEORGE, Teologia dos Reformadores, p. 239135 Valdir STEUERNAGEL, Obediência missionária e prática histórica , p. 178.136 Charles van ENGEN, op. cit., p. 200.

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Page 61: DISSERTAÇÃO FINAL

Em vez de um mero clube religioso, limitado, restrito, vivendo em função e

em prol dos seus próprios interesses, a Igreja pode ser descrita como possuindo uma

“dupla personalidade”.

Por um lado ela é um povo “santo” separado do mundo para pertencer a Deus. Por outro, porém, é composta de gente “mundana”, no sentido de que é enviada de volta ao mundo para testificar e servir. É isto que o Dr. Alec Vidler, segundo a linha de Bonhoeffer, chama de “o santo mundanismo” da Igreja. A Igreja nunca poderá se engajar na missão, a não ser que preserve ambos os lados de sua identidade.137

Enfim, a Igreja precisa resgatar esse princípio de que não pode afastar-se do

mundo, isolando-se, mas também não pode assimilar os seus valores. Sua missão é o

seu serviço no e para o mundo. Stott conclui:

A missão parte da doutrina bíblica que considera a Igreja na sociedade. Uma eclesiologia desequilibrada produz uma missão igualmente desequilibrada. (...) os cristãos devem impregnar a sociedade não-cristã. Assim, sua dupla identidade e a dupla responsabilidade da Igreja serão bem evidentes. 138

Depois de termos nos ocupado com a significação dos termos proclamação e

serviço, fica a pergunta; qualquer precede ou procede?

A solidariedade missionária inspirada por Jesus em seu ministério encarnado

lança a base para a interação da Igreja com os dilemas e conflitos de sua vizinhança,

pois se constitui como a postura que permite a manifestação da justiça no interior da

Igreja, mas também na sociedade.

Essa postura implica num desdobramento social, a procura da justiça que

envolve a reivindicação e promoção da dignidade e direitos de todos os indivíduos, e

a provisão compassiva de recursos para ajudar cada um a superar os seus conflitos. 139

No entanto, como argumenta Ricardo Barbosa de Sousa, não é apenas a defesa dos

marginalizados que manifesta a justiça, mas a postura amorosa e comunitária que os

aceita como membros da família.140 Isso combate a visão paternalista que visa

reverter o quadro de injustiça pela apropriação de recursos e doação de favores para

ajudar os excluídos.

137 John STOTT, Mentalidade Cristã, p. 45.138 Ibid, p. 45.139 J. Kirk ANDREW, op. cit., p. 53-55.140 Ricardo Barbosa de SOUSA, A Justiça dos Filhos do Reino , p. 233.

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Page 62: DISSERTAÇÃO FINAL

A missão é equilibrada pela dinâmica da evangelização. Aqui levanta-se a

discussão da ordem prioritária entre evangelização e serviço social, uma dicotomia

mantida pelo Movimento Crescimento de Igreja, 141 cuja atenção em técnicas e

métodos pragmáticos se fortalece pela preocupação com a disposição de recursos

para cumprir a missão. Segundo Juan Miranda, a limitação dos recursos à disposição

da Igreja exige a priorização da evangelização sobre o serviço, a fim de promover em

primeiro lugar a salvação eterna. Em relação a transformação social, “Não teríamos o

dinheiro, as energias e as pessoas necessárias. Isso implica em estabelecer

prioridades.”142 No entanto, argumenta-se que a Igreja sob o impulso do Espírito

cumpre sua missão não pelo financiamento de projetos sociais e emprego de

estratégias e técnicas, mas principalmente pela mudança de mentalidades e a

superação de preconceitos e barreiras de segregação. Por isso, concordamos com

Manfred Grellert, em seu artigo sobre a missão da Igreja no Brasil.

À medida que seu serviço ajuda a aliviar a dor humana e a transformar as estruturas sociais que escravizam milhões de pessoas na pobreza, miséria e exploração, a Igreja ganhará credibilidade e será ouvida pelo mundo como quem tem autoridade para dizer algo de valor.143

Entretanto, não é suficiente argumentar pela não-dicotomização da

proclamação e serviço. Na realidade, a maioria dos recursos não são dedicados a

nenhuma expressão missionária, sem antes serem consumidos pela manutenção da

estrutura eclesial. Por isso, a evangelização e serviço social tratam-se de atividades

periféricas da Igreja. Chama-se atenção à importância de trazer de volta ao centro da

vida da Igreja a necessidade do ser humano em relação ao plano integral de Deus

para a humanidade. Se cada necessidade humana é vista como uma oportunidade para

o encontro entre a humanidade e o Deus compassivo, então se tornam desnecessários

tanto a priorização pragmática das dimensões missionárias quanto o uso consumista

de finanças e energias para atividades que só beneficiam a igreja local, como por

exemplo a construção de novos templos.

141 Este movimento é da inspiração de Donald McGAVRAN. Sua obra Compreendendo o Crescimento da Igreja é um estudo valioso sobre a evangelização eficaz, embora que sua tese de que as igrejas locais devem crescer segundo a divisão de unidades homogêneas representa uma tendência demasiadamente pragmática. C. René PADILLA, em sua obra Missão Integral, traz uma refutação teológica e exegética para contrabalançar as idéias deste movimento.

142 Juan Carlos MIRANDA, Manual de Crescimento da Igreja , p. 47.143 Manfred GRELLERT, Dimensões da Missão da Igreja no Brasil , In; C. Timóteo Carriker (org.),

Missões e a igreja Brasileira , v. 3, perspectivas teológicas, p. 97.

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Page 63: DISSERTAÇÃO FINAL

Salienta-se, então, a integralidade do evangelho, assunto trabalhado por

Stott, citando Mahatma Gandhi, que criticou a prática missionária inglesa pela

condicionalidade de seu serviço, cujo altruísmo tinha o objetivo de ganhar

convertidos. “Eu sustento que proselitizar sob o manto de serviço humanitário é, no

mínimo, insaudável (...) porque devo eu mudar minha religião porque um médico que

professa o cristianismo (...) tem me curado de alguma doença?” 144 Assim, Stott nota a

hipocrisia de considerar o serviço como um meio para ou expressão da

evangelização. A missão é assim executada com motivos secundários, e a conversão

se torna um pagamento para receber favores. Portanto, o serviço social não é uma

subdivisão da evangelização. Os dois são entidades distintas, cada um sendo um fim

em si mesmo.145

Stott defende a primazia da evangelização, na base do argumento de que a

separação de Deus é a condição mais degradante. 146 Não negamos que haja distinção

entre a evangelização e o serviço social, e que a necessidade mais profunda do ser

humano é a sua alienação de Deus. Porém, a primazia de um sobre o outro fica inútil

quando a comunidade cristã, movida pelo Espírito, se dispõe a satisfazer as

necessidades humanas que lhe são apresentadas, usando seus próprios recursos e

energias. A Igreja que permanece alheia à situação de miséria e alienação ao seu

redor é uma comunidade fora de seu propósito e longe de sua missão. Palavras e

obras devem se constituir como o princípio de todas as atividades eclesiais, andando

de mãos dadas para descrever e manifestar a presença de Deus, cujo amor implica em

ajudar sem qualquer expectativa de retorno. É somente assim que o amor de Deus no

contexto humano se apresenta de forma incondicional. “Ver necessidade e possuir a

solução compele o amor à ação, e seja esta ação evangelística ou social, ou até

mesmo política, depende daquilo que ‘vemos’ e daquilo que ‘temos’”. 147

Afirmamos, então, a proposta holística de Stott, argumentando e defendo a

parceria entre ação social e pregação. Inspirado pela atuação de Jesus enviado ao

mundo pelo Pai, a Igreja enviada exerce um diálogo de palavras e obras para

144 Apud, John R. W. STOTT, Christian Mission in the Modern World, p. 26.145 Idem, p. 25-28.146 Ibidem.

147 John R. W. STOTT, Christian Mission in the Modern World, p. 28.

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Page 64: DISSERTAÇÃO FINAL

manifestar o caráter do Reino.

(as) palavras (de Jesus) explicavam suas obras e suas obras eram uma manifestação concreta de suas palavras. (...) Afinal, as palavras só deixam de ser abstratas quando se concretizam em atos de amor; e as obras, de igual maneira, continuam sendo ambíguas, até que sejam interpretadas pela proclamação do evangelho.148

Diante disso, salienta-se a idéia de que a evangelização em si promove

transformação social, idéia que tem fortalecida a primazia da proclamação. Bosch

relata a história do surgimento do fundamentalismo, que nasceu como uma reação ao

Evangelho social liberal. Este, com sua ênfase pós-milenista, se alicerçou na crença

de que haveria uma evolução gradual até a instalação de uma idade de ouro por

Cristo em sua parúsia. Em íntima relação com a demistificação da Bíblia do método

exegético histórico-crítico, afirmou a compaixão e conhecimento humano como o

meio de restauração social. No entanto, trata-se de um conceito etnocêntrico, pois

concebeu missões como um projeto para compartilhar as bênçãos da sociedade norte-

americana com os estratificados sociais para promover civilização e a cristandade. 149

O fundamentalismo pré-milenista, contudo, se inclinou para o outro extremo, com

sua escatologia fatalista em relação a sociedade, profetizando o aumento de

catástrofes e injustiça (quanto pior, melhor!) como sinais da volta de Cristo.

Portanto, a pregação do evangelho foi considerado como a tarefa suprema, tendo o

objetivo de apressar a volta do Rei, enquanto que o envolvimento político-social foi

visto como suspeitos.150

Até meados do século XX, a tensão entre os dois se amenizou. No entanto,

ainda continuou influente no pensamento de principais líderes evangélicos. Billy

Graham declarou sua convicção de que se a Igreja voltasse à sua tarefa principal, a

de proclamar o evangelho e converter as massas, então haveria um grande impacto

positivo na solução ou, pelo menos, amenizar as necessidades sociais, morais e

psicológicas da humanidade.151 Entretanto, a história tem revelado um quadro

diferente. Carl Henry escreve sobre a “consciência pesada” do fundamentalismo,

148 John R. W. STOTT, Ouça o Espírito, Ouça o Mundo , p. 385-386.149 David J. BOSCH, op. cit., p. 283, 319-320. Este autor elabora a tensão entre o Fundamentalismo

e o Liberalismo (evangelho social), e narra a origem e história dos dois. O frei Leonardo BOFF também discute o tema num livro-CD com o título: Fundamentalismo. No entanto, o frei analisa o tema sob a ótica do radicalismo Islâmico e o Protestante.

150 David J. BOSCH, op. cit., p. 316-317.151 Idem, p. 404.

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notando sua falência em desafiar as injustiças de regimes totalitários, racismos, e

tratos internacionais corruptos. “Fundamentalismo, ao revoltar contra o Evangelho

Social, parecia também ter revoltado contra o imperativo social cristão.” 152

Núñez elabora a questão com mais profundidade ao notar a forte influência

do fundamentalismo na América Latina, trazido pelos missionários estrangeiros. A

opção pelo silêncio político, a fuga e alienação dos dilemas sociais acabaram sendo

uma opção política, pois ao falhar em denunciar as injustiças, a Igreja

silenciosamente foi conivente, ou pior, aprovou a corrupção sócio-política maciça.

Como resultado, o crescimento numérico da Igreja, resultado de um árduo trabalho

evangelístico aumentou, mas sem conotação social, não tem servido para transformar

o quadro de miséria, injustiça e desigualdades sociais. 153

É nesta crise que desenvolveu-se a Teologia da Libertação, que representa

um movimento cristão autêntico latino americano. Teólogos católicos latino-

americanos que se perceberem debaixo de dominação de poderes e interesses

comerciais do primeiro mundo, reagiram contra o sistema capitalista e classista,

afirmando a necessidade de uma opção preferencial pelos pobres. 154 O movimento

recebeu seu impulso depois da Conferência de Bispos Latino Americanos (CELAM

II), em Medellín, Colômbia, em 1968, onde houve uma decisiva preferência

esquerdista. Isso favoreceu a popularidade do livro Una Teologia de la Liberacion

(1971), escrito por Gustavo Gutiérrez, para muitos, o teólogo principal e fundador da

Teologia da Libertação.155

Este movimento postulou um novo método hermenêutico “ver, julgar e agir,”

que trata-se de um diálogo ativo com o contexto de miséria e injustiça que escraviza

e prejudica as multidões. Leonardo Boff, escreve sobre este método, que começa com

a situação existencial e parte para uma reflexão que faz uma leitura dependendo das

ciências sociais. Assim, se chega até um consenso a respeito do ideal existencialista

para o povo e dos meios para sua realização.156 No entanto, como explica Núñez, esta

152 David J. BOSCH, op. cit., p. 404.153 Emílio Antonio NÚÑEZ, op. cit., p. 376-379.

154 David J. BOSCH, op. cit., p. 432-438.155 Emílio Antonio NÚÑEZ, op. cit., p. 248.156 Leonardo BOFF, Clodovis BOFF, Como Fazer Teologia da Libertação , p. 39-46.

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hermenêutica recebe mais influência das ciências sociais do que da Bíblia, com

destaque principal nas teses sociais e econômicas de Marx, Hegel e Kant. As ciências

fazem com que a Bíblia fale e, também, determinam sua mensagem. 157

Nascida em tempos de turbulência, esta teologia político-social representa

uma confrontação aos regimes militares e ditadores, procurando defender a dignidade

e direitos dos deserdados e excluídos da sociedade. Seu valor se encontra em sua

solidariedade efetiva com as massas. 158 O famoso lema de “ler a Bíblia a partir dos

pobres”159 demonstrando sua natureza como um movimento popular, e salienta seu

valor central afirmando a necessidade de cada indivíduo e grupo ser o sujeito de seu

próprio processo de desenvolvimento.

No entanto, a Teologia da Libertação ainda trata-se de um movimento

missionário reducionista. A “práxis revolucionária” 160 de Boff é na realidade um

filtro sociológico através do qual se lê e interpreta a Bíblia. Assim, a salvação não é

mais reconciliação individual com Deus, mas toma sentido político, libertação de

uma situação de opressão para desempenhar a prática de libertar outros. A ação

social toma o lugar da evangelização, negligenciado a dimensão individual da vida

humana. Portanto, aproxima-se a uma salvação pelas obras. 161 Brown critica os

teólogos libertacionistas pela sua falta de atenção à eternidade da salvação, e pela

idéia da mediação humana e meritória para a salvação. Resume esta salvação não em

termos de revolução, mas ressurreição e volta iminente de Cristo.

Nós podemos parafrasear a pergunta de Jesus: Que aproveita ao homem libertar o mundo inteiro, mas falir em libertar a ele mesmo? A esta pergunta a teologia da libertação não tem dado resposta; pior ainda, é uma que nem tem perguntado.162

Da mesma forma que a ênfase na primazia da evangelização negligencia a

dimensão horizontal do evangelho, a teologia da libertação falta na dimensão vertical

com Deus, carecendo de perspectiva eterna. Ao resumir a missão em termos apenas

proclamatórios, a Igreja calada perante o quadro de miséria e exploração falha em

manifestar a compaixão presente e restauradora de Deus, que aponta à maneira de ser

157 Emílio Antonio NÚÑEZ, op. cit., p. 250.158 Leonardo BOFF, Clodovis BOFF, op. cit., p. 38.159 S. J. João Batista LIBÂNIO, et al. 20 Anos de Teologia na América Latina e no Brasil , p. 20.160 Leonardo BOFF, Clodovis BOFF, op. cit., p. 48-50.161 John R. W. STOTT, Christian Mission in the Modern World, p. 92-95.162 Harold O. J. BROWN, What is Liberation Theology? p. 15.

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Page 67: DISSERTAÇÃO FINAL

do Reino vindouro. E ao reduzir a missão à práxis revolucionária sócio-política, a

teologia da libertação, embora trazendo dignidade e alívio, deixa de fornecer

esperança eterna e levar o ser humano a uma libertação integral mediada pela

reconciliação pessoal com o Criador.

Diante disso, devemos ser capazes de perceber o propósito e natureza da

missão da Igreja. Embora o serviço social e a evangelização não resumem a

totalidade da ação da Igreja, se constituem como sua expressão missionária. Esta

expressão é a manifestação da presença de Deus solidária com os homens e mulheres,

incorporada por Cristo, e continuada pelo Espírito Santo por meio da Igreja. É

também presença articulada pelas palavras e obras. Isso chama atenção para o

evangelho integral, com suas dinâmicas verbal e braçal. Pela proclamação, a Igreja

na missio Dei desafia, consola, e chama ao arrependimento e integração no Reino de

Deus. É convocação a um encontro com Deus que produz uma reorientação da vida.

Como uma comunidade de serviço, a Igreja manifesta de forma concreta a

maneira de ser do Reino, alimentando, cuidando, curando, dignificando, fornecendo

trabalho, visitando, doando e abençoando os necessitados onde quer que se

encontram. Inclui-se a ação social, que age nas arenas política, econômica e social,

denunciando práticas sociais e burocrática-administrivas que geram e perpetuam a

pobreza e preconceitos, ou negam o direito das pessoas à educação e a uma vida

digna. Portanto, o Reino se torna imanente e ativo entre uma humanidade

desamparada por meio de uma Igreja solidária e fraterna.

Resumindo, todas as necessidades humanas se tornam pontos de encontro

para manifestar a natureza compassiva de Deus e concretizar o propósito da Igreja

em missão, cujas palavras conduzem as pessoas social e espiritualmente alienadas a

uma reconciliação imediata, integral e eterna.

2.2.3. A dimensão koinoníaca da igreja

“E perseveraram... na comunhão” (At 2:42), “todos os que creram estavam

juntos e tinham tudo em comum” (2:44). A palavra comunhão ou koinonia descrevia

o relacionamento conjugal do antigo mundo grego. Várias vezes no Novo

Testamento, se refere à nossa comunhão com Deus (1 Jo 1:3-7), mas, geralmente,

koinonia fala do nosso relacionamento com outros cristãos. É interessante que na

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Page 68: DISSERTAÇÃO FINAL

literatura neotestamentária há mais imperativos que destacam nossa comunhão uns

com os outros do que aos nossos deveres no mundo ou até ao nosso relacionamento

direto com Deus. Isso revela que o nosso relacionamento com Deus é medido mais

pelos nossos relacionamentos com outros cristãos do que por qualquer outro fato (1

Jo 3:23; 4:7,20).163

A palavra koinonia é geralmente traduzida, na ótica latino-americana, por

“comunhão”, “fraternidade”, “solidariedade”. Cox afirma que a koinonia é o “aspecto

da responsabilidade da Igreja que exige uma demonstração visível daquilo que a

Igreja está dizendo no querigma e apontando na sua diaconia”. 164

Boff, afirma que a Igreja, Povo de Deus, é configurada por “comunidades de

batizados, de fé, esperança e amor, animados pela mensagem de absoluta fraternidade

de Jesus Cristo que se propõe, historicamente, a concretizar um povo de livres,

fraternos e participantes”.165

A Igreja como povo de Deus pode e deve ser uma comunidade de eleitos para

o serviço a Deus e ao próximo; que vive em comunhão com os seus, que acolhe os

excluídos, que proclama a mensagem libertadora de Cristo mediante a

instrumentalização do Espírito Santo que os torna, verdadeiramente, povo de Deus.

Gillis comenta:

A igreja, pela prática da comunhão em profundidade, deve oferecer um modo alternativo de relacionamento social, concedendo cura para aqueles que estão sendo destruídos no caos do mundo moderno. Daí a razão de uma trabalho pessoal, em vez de construir um número maior de templos, cada vez maiores para abrigar ali relações tão ou mais massificantes que as experimentadas fora da igreja.166

Outro aspecto que merece ser destacado, pois é o que diferencia a igreja de

outras agremiações civis e comunitárias. É a sua dimensão missiológica que expressa

a ação de Deus no mundo, no passado, hoje e no futuro.

2.2.4. A dimensão missionária da igreja163 J. Scott HORRELL, Ultrapassando Barreiras, p. 22.164 Harvey COX, A Cidade do Homem, p. 119.165 Leonardo BOFF, Ibid, p. 185.166 Christian GILLIS, Eclesiologia à Brasileira, In: J. Scott HORRELL, Ultrapassando Barreiras,

p. 202.

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Page 69: DISSERTAÇÃO FINAL

O evangelismo e o serviço são dimensões e atividades da missão da Igreja

que, por meio da palavra e ação, oferece a cada pessoa e comunidade, onde quer que

seja, uma oportunidade válida de ser desafiada a uma reorientação radical de sua

vida. Esta reorientação implica aspectos tais como ser liberada da escravidão ao

mundo e seus poderes, abraçar a Cristo como Salvador e Senhor, chegar a ser um

membro vivo de sua comunidade, a igreja, alistar-se em seu serviço de reconciliação,

paz e justiça na terra, e estar comprometida com o propósito de Deus de colocar

todas as coisas debaixo do domínio de Cristo.

A evangelização é um mandato de Jesus para expandir o evangelho por todo

o mundo. Começou com Pedro em Atos 2 pregando-o em praça pública e três mil

pessoas foram alcançadas. O livro de Atos traz à memória a unção da igreja primitiva

ao espalhar as boas notícias via pregação, testemunho, viagens missionárias e

martírio. Mostra outras formas de evangelização: boas obras (Tt 3:1,2,8,14), prática

do bem e a mútua cooperação (Hb 13:16), visita aos órfãos e viúvas (Tg 1:27),

procedimento exemplar no meio dos incrédulos (1 Pe 2:12) e prontidão para

responder a todo aquele que nos pedir a razão da esperança (1 Pe 3:15). Um grupo

que está vivendo de acordo com a vontade de Deus exerce uma atração e influência

positiva nas pessoas que estão procurando a verdade. 167

A Sagrada Escritura é básica na conceituação, elaboração e prática

missionária, John Stott afirma: “Sem a Bíblia a evangelização do mundo seria não

apenas impossível, mas também inconcebível”. 168 Ela coloca sobre nós a

responsabilidade de evangelizar o mundo, dá-nos um evangelho a proclamar, diz-nos

como fazê-lo e declara-se o poder de Deus para a salvação da humanidade.

Qualquer missionário tem que ter os princípios e valores bíblicos como seu

instrumento de fé e prática, pois qualquer outro mecanismo torna impraticável fazer

missões. Podemos perceber essa mesma verdade nas palavras e na prática de Jesus

(Jo 5:17; 4:34; 15:16; 20:21; Mt 24:14; 28:18-20).

As Escrituras, segundo Macedo, revelam “um Deus em suas dimensões

cósmica, soteriológica e escatológica”.169 Seu conteúdo bíblico-missionário é

167 J. Scott HORRELL, op. cit., p. 22-23.168 John STOTT, A Bíblia na evangelização do mundo , p. 01.169 Aproniano Wilson de MACEDO, Teologia de Missões, p. 26.

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Page 70: DISSERTAÇÃO FINAL

profundo, porquanto exalta Deus e percebe a igreja como co-responsável da ação de

Deus no mundo. Deus é o senhor que comanda as ações e a igreja é sua serva. Foi

escolhida, salva e enviada para proclamar a história da salvação, a histórica de

Cristo, que é realidade oculta de toda a história, agora, porém, revelada. Macedo

abordando esse assunto diz que “a Bíblia é básica na evangelização porque ela é

antes de tudo uma revelação de Deus, não um conjunto de idéias e histórias a respeito

dele. Se ela é a fonte da teologia, logicamente é a base para a ação missionária”. 170

Os textos bíblicos relatam que a Igreja é uma comunidade que Deus criou para uma

missão. É esse o conceito de ‘povo de Deus’ no Antigo (Gn 12:4; 18:18; Is 43:10;

42:6-8), e no Novo Testamentos (Mt 20:23-28; 28:16-20; Jo 17:15; 20:19-23; 1 Pe

2:9-10; 2:18-25).

A missão da Igreja não pode ser concebida como uma atividade, mas sim,

como a própria razão de ser e existir. A igreja não é um fim em si mesma. Foi

idealizada por Deus com um propósito distinto e definido, é o seu agente. A igreja

não existe para si mesma. Só tem sentido na medida em que está a serviço de Deus no

mundo. Tudo o mais deve girar em torno deste imperativo: missionar. Os

missionários surgem dentro da própria comunidade. 171 Missionário e comunidade são

correlativos e complementares. Sua esfera de ação é o mundo. Só assim a Igreja tem

sentido. Só assim, é verdadeiramente Igreja de Jesus Cristo.

Diante disso, a Igreja não é uma estranha no mundo e nem é sua inimiga. A

missão e função dos seus filhos, leigos e leigas, nos levam a pensar na Igreja como

serva do mundo. Assim como a redenção da humanidade passou pela necessidade de

Cristo tornar-se servo, também, para continuar a missão de Cristo, a igreja deverá

tornar-se serva e, com humildade, ir ao encontro dos necessitados.

Essa verdade fez com que Shelley fosse peremptório: “Devemos reentrar no

mundo de que saímos, só que agora como embaixadores de Cristo”. 172 Como isso

pode ser realizado? É o que veremos a seguir.

2.2.4.1. O mundo como obra de Deus

Deus criou o mundo e por isso lhe pertence (Sl 24:1). Asensio, confirma: “o

170 A. W. de MACEDO, op. cit., p. 27171 José COMBLIN, Antropologia Cristã, p. 30.172 Bruce SHELLEY, A Igreja: o povo de Deus , p. 126.

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israelita recorda no culto, interpelando assim a Deus, as antigas façanhas de Javé

(...). Javé acima de todos os deuses, dominador das “águas”, vencedor do monstro

(Raab), criador e rei”.173

Essa compreensão perpassa toda a Escritura como credo confessional sobre a

percepção de Deus. Não como um ser abstrato, etéreo, afirma-se, pelo contrário, a

concretude da unicidade de Deus, de sua grandeza e incomparabilidade com os

deuses das nações circunvizinhas. Josué proclama que sua casa serviria a Javé (Js

24:15). Elias argumenta ao povo infiel para que escolhesse a quem serviriam: a Javé

ou a Baal (1 Rs 18:21).

Os textos bíblicos mostram a centralidade de Javé como criador e

mantenedor da criação.174 O israelita sabe que o feito criacional de Javé foi a seu

favor e que somente ele, como Povo escolhido de Deus, pode ser o intérprete da ação

criadora de Deus. A igreja de Jesus Cristo também tem a percepção de ser a

continuadora e mediadora da ação de Deus no mundo, como agentes transformados e

transformadores.

Charles van Engen exprime com singular capacidade o que significa ser povo

de Deus no mundo:

(...) fica evidente que a natureza transformadora da congregação não é apenas uma preocupação teórica. É por meio dos vários subsistemas da congregação que o povo de Deus conserva a sua salinidade, para que possa contribuir missionariamente para a transformação do mundo em que foi colocado pelo qual Cristo morreu. Estando “no mundo”, sem ser “do mundo”(Jo 17:11-16), a Igreja está constantemente interagindo com o mundo, para que o mundo possa crer (17:21). A estipulação de alvos dá forma concreta à relação missionária da igreja com o seu ambiente.175

Para Boff o mundo é "como o espaço da historificação do Reino e de

realização da própria Igreja". A Igreja é compreendida como realidade escatológica

do "Reino dentro do mundo e mediação para que o Reino se antecipe mais

173 V. M. ASENSIO, Livros Sapienciais e outros escritos , p. 318.174 Os judeus no AT tinham uma imagem do cosmos bem diferente da nossa. Representavam-no como um disco enorme e plano, circular, rodeado pelas imensas águas do oceano. Estava assentado sobre quatro colunas que se afundavam no abismo. Ariel Álvarez VALDÉS, Que Sabemos sobre a Bíblia?, V. 1, p. 61; A terra era vista como uma imensa plataforma rodeada e sustentada pelas águas. V. M. ASENSIO, op. cit., p. 317.175 Charles van ENGEN, op. cit., p. 183.

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Page 72: DISSERTAÇÃO FINAL

densamento no mundo".176

2.2.4.2. O mundo como objeto do amor de Deus

Deus se revela na história. Os relatos bíblicos destacam o caminhar de Deus

com o ser humano. Chama um povo para fazê-lo bênção e seu sinal na terra (Gn 12).

Contrai uma aliança com Abraão (Gn 15:18) e, através de Moisés, com o povo de

Israel (Êx 24:8).177 O Deus que se revelou no Êxodo e na caminhada do povo pelo

deserto até a conquista da terra prometida. Deus está sempre agindo e imiscuindo-se

na história para o bem do ser humano e da criação. É através dos eventos históricos e

de seus filhos e filhas que Deus fala, se revela e renova a vida no mundo.

O mundo é a arena da atuação libertadora e renovadora de Deus. A força

leiga da Igreja evidencia-se na medida em que participa do mundo. A missão da

Igreja é juntar-se a Deus no seu trabalho de libertação e renovação.

Deus ama contextos seculares e suas comunidades crentes. A Igreja é “O

povo de Deus”, mas esses mundos, também são “O povo de Deus”. Qualquer visão do

mundo secular que ignore ou rejeite essa verdade básica é superficial e viola o

espírito do Cristianismo. Por isso, quando nós falarmos da vida no contexto da igreja,

nós temos que reconhecer sua realidade divina e cultural, no mesmo momento. Outro

modo de dizer isso é que a Igreja está situada em um contexto só, a criação, mas

dentro desse contexto, Deus fala na voz da cultura e na voz do transcendente. 178

Os excluídos devem ser os primeiros destinatários da missão da Igreja, uma

vez que a boa-nova de Jesus se mostra na capacidade de gerar sentido lá onde a

existência parece ter fracassado. Uma evangelização que não trouxer uma

potenciação maior de vida, que não desafogar as mentalidades dos medos

existenciais, que não levar a estruturas sociais de maior colaboração e daí de

humanização, dificilmente prolonga e atualiza a boa-nova de Jesus. 179 Assim, cabe a

Igreja e a seus filhos e filhas atualizarem os atos redentores de Deus em favor de

todos, mas, prioritariamente, aos empobrecidos e excluídos da vida socio-político-176 Leonardo BOFF, Igreja, Carisma e Poder, p. 16

177 Alfons DEISSLER, O Anúncio do Antigo Testamento, p. 12.178 James FARRIS, O que é teologia prática , In: Caminhado: Revista da Faculdade de Teologia da

Igreja Metodista, p. 92.179 Leonardo BOFF, Nova Evangelização: Perspectiva dos Oprimidos, p. 88-89.

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Page 73: DISSERTAÇÃO FINAL

econômica e religiosa, como sujeitos principais da evangelização. 180

Odilon Chaves avança um pouco mais, complementando a tese de Boff,

afirmando:

A Igreja deve anunciar que chegou para ficar ao lado dos oprimidos (...) a Igreja não deverá somente se preocupar em resolver seus problemas sociais. Cristo deve habitar em cada coração, dando conforto, amor, alegria, certeza que Deus está presente. Deve haver uma transformação interior, no coração, e uma transformação social.181

Mas, para proclamar a ação histórica de Deus ao mundo, torna-se necessária

a compreensão de que o mundo é o locus teológico, onde Cristo envia sua Igreja e

promete conduzi-la.

Para entender a missão do povo de Deus, precisamos discutir a missão da

igreja. A razão de ser da igreja é essencialmente missionária: glorificar a Deus

proclamando as boas novas através do serviço.

Diante disso, é urgente repensar a eclesiologia a partir da missiologia. Todo o

povo de Deus é missionário e não devemos, sob hipótese alguma, departamentalizar a

igreja em segmentos distintos e excludentes. A tarefa proclamadora não compete tão

somente a elite eclesial e a comunhão não está limitada as atividades litúrgica e

cúltica, mas todos são irmãos e irmãs, povo de Deus.

180 Leonardo BOFF, Ibid, p. 123 e do mesmo autor: América Latina: Da Conquista à Nova Evangelização, p. 101. Neste opúsculo aparece uma História da Salvação a favor dos oprimidos e até, às vezes, a partir dos oprimidos. Esta investigação nos ensina a importância de ler a Bíblia a partir dos pobres, de vincular a teologia com a práxis libertadora, de repensar e respeitar a pedagogia bíblica. Somente assim chegaremos ao novo Reino proposto por Cristo.181 Odilon CHAVES, A Evangelização Libertadora de Jesus , p. 62-63.

73

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CONCLUSÃO

A compreensão do propósito intencional, missional e universal de Deus para

com o mundo, deve causar grande impacto na sua Igreja, tanto da forma de pensar,

como também de agir como Povo de Deus. Evangelização e responsabilidade social

são partes integrantes da missio Dei, portanto, inseparáveis e indispensáveis na

missão integral da Igreja de Jesus Cristo no mundo e para o mundo.

Primeiramente, como aqueles que foram eleitos e chamados para ser parte

integrante do Povo de Deus, reside apenas na ação intencional que Deus teve um dia

para conosco; temos que reconhecer que esse fato reside tão somente na graça de

Deus. Como Povo de Deus precisamos aprender acerca do sentimento de Jesus

quando ora: “Não te peço para tirá-los do mundo; e, sim, para guardá-los do

maligno” (Jo 17:15).

Em segundo lugar, o Povo de Deus precisa reconhecer que a ação intencional

de Deus nos concedendo “vida juntamente com Cristo” não é apenas dom de Deus,

mas também responsabilidade para com aqueles que nos cercam, pois somos agora

“feitura dele, criados em Cristo para boas obras” (Ef 2:1-10). Como Abraão foi

chamado para ser uma bênção para todas as nações da terra, em Jesus fomos

escolhidos e chamados para sermos sal da terra e luz do mundo (Mt 5:13-16).

Assim, como Israel, fomos eleitos e chamados não apenas para ser “depósito”

das bênçãos de Deus, mas principalmente “canal” para que estas cheguem a todo

74

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homem e mulher latino-americanos.182

Em terceiro lugar, uma vez compreendido nosso papel como veículos das

bênçãos de Deus aos povos da terra precisamos reavaliar nossas atividades e

estruturas eclesiais, tendo em vista uma postura missionária mais clara e objetiva em

relação ao povo brasileiro. Assim como os discípulos foram chamados para ir e dar

frutos, e frutos que permanecessem, nós também fomos chamados por Deus e

enviados a gerar frutos em nosso contexto vivencial (Jo 15:16).

Podemos perceber que a compreensão de pertença ao Povo de Deus é,

realmente, uma descoberta maravilhosa. A pessoa surge, apoiada na força da

esperança, das profundezas de seu desespero. Sua covardia é substituída pela

coragem. Os laços rígidos de seu egoísmo são rompidos pelo sabor da gratidão que o

desprendimento traz. A alegria brota e inunda sua dor, e o amor entra na vida do ser

humano para aniquilar sua solidão e restaurar sua dignidade.

Ao proclamar a Palavra libertadora, ao experimentar a comunhão dos santos

e ao servir o outro, o Povo de Deus encontrou seus semelhantes e seu lugar na

história, tal é a transformação do isolamento existencial no modelo saudável de Jesus

Cristo e, paralelamente, descobriu o que significa viver na dimensão da Igreja como

Povo de Deus.

Destacamos as características da Igreja como povo missionário de Deus,

onde não existe o binômio laicato versus clérigos, mas, tão somente, um povo em

missão, onde todos são chamados a serem proclamadores da Palavra, ao ensino, a

comunhão e ao serviço. Uma Igreja que serve, que trabalha e acolhe os excluídos e

deles cuidam, em nome de Jesus (Mt 25:44-45) e, acima de tudo, que vivam em

comunhão fraterna e solidária.

Uma Igreja que evangeliza e uma Igreja que serve. São marcas unívocas da

182 Cfe Jorge PIXLEY e Clodovis BOFF, em Opção pelos Pobres, defende a tese que a proclamação do Evangelho e os valores do Reino de Deus devem ser feitos, preferencialmente, pelos pobres. Segundo esta visão os pobres aparecem como verdadeiros sujeitos. Com ele procura-se ter uma relação basicamente simétrica e igualitária. São nosso irmãos, amigos, companheiros, enfim parceiros de uma ação conjunta, p. 250; Leonardo BOFF, Teologia do Cativeiro e Libertação , comunga da mesma tese quando afirma: o pobre apresenta-se como Teofania e Cristofania enquanto ele é a memória permanente da Transcendência concreta que questiona todos os nosso arranjos , p. 198.

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Page 76: DISSERTAÇÃO FINAL

missão da Igreja e da função do povo de Deus. Há outras que poderiam ser

mencionadas: uma Igreja libertadora, solidária, encarnada e sofredora. O testemunho

da Igreja é parte indispensável na economia de Deus neste mundo. Conclui-se que a

missão da Igreja é a sua própria vida.

Lembremos da pessoa e ministério de Jesus, que identifica-se com todos os

estrangeiros, emigrantes, forasteiros, mendigos, exilados, cativos, escravos e pobres,

e que ensinava seus discípulos a também serem estrangeiros, pobres e livres para o

serviço e a evangelização. Sendo assim, identifica-se com o povo latino-americano

que sofre toda sorte de exclusão, violência, repressão, perseguição e morte.

Boff defende a tese que a Igreja do futuro deverá ser a Igreja do passado.

Essa concepção é articulada sob a forma de que o povo de Deus é um povo em

missão libertadora que está em oposição à qualquer teologia que aliene o ser humano

do seu meio; de seus direitos, e, por conseguinte, promotora da não-vida, mas que

seja, acima de tudo, uma Igreja missionária, solidária e fraterna, que produza uma

teologia que promova a esperança e a vida. 183 A Igreja perde seus sinais de

veracidade quando não é uma comunidade marcada por fé, esperança, amor e a

procura livre da verdade.

A formulação da Igreja, constituída de leigos e leigas, como povo de Deus,

não é um modo exclusivista ou uma maneira de restringir à comunhão e participação

de todos no mesmo corpo, pelo contrário, mostrar que a comunidade é acolhedora e

aglutinadora. Todos podem fazer parte da família missionária de Deus. 184 Sob esta

perspectiva, o debate é amplo, poderia abrir caminhos para um novo diálogo inter-

eclesias e fomentar uma nova maneira de ver e compreender a missão da Igreja como

Povo de Deus.185

O que discutimos nesta dissertação indica ou sugere que devemos:

1. Repensar a correta articulação entre: Reino-mundo-Igreja

Quando esta articulação não é plenamente desenvolvida, corre-se o risco de

183 Leonardo BOFF, Igreja, carisma e poder, p. 218.184 George Eduardo LADD, Teologia do Novo Testamento, p. 501.185 O enfoque é ecumenicamente muito fecundo, porque o tema ‘A Missão dos Leigos como Povo de

Deus’ encontra ressonância entre a maioria dos católicos, protestantes e ortodoxos.

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gerar grandes desvios teológicos. Por exemplo: a) a identificação da Igreja como

sendo o próprio Reino de Deus,186 criando assim, uma "imagem eclesial abstrata,

idealista, espiritualizante e indiferente à trama da história". b) a "identificação com o

mundo projeta uma imagem eclesial secularizada, mundana, disputando o poder entre

outros poderes deste século". c) a Igreja pensada a partir de si mesma, sem vínculo

com o Reino, gerando uma "imagem eclesial auto-suficente, triunfalista". 187

2. Repensar o conceito de missão da Igreja.

Não é simplesmente destinar recursos financeiros - quando o fazem - para que

o evangelho espalhe visando a expansão do Reino de Deus. A missão é integral na

medida que alcança e interpreta todas as dimensões do ser humano com suas

necessidades, carências materiais e existencias bem como gerando um espaço

simbólico onde a fé e as inter-relações acontecem e possam expressar-se de maneira

solidária, fraterna e comunitária.

3. Questionar a instituição quando tenta engessar e inibir a diversidade ministerial do

povo de Deus.

A história demonstra que a instituição-igreja sempre foi questionada e

confrontada na medida que se afastava de sua natureza missionária e de sua arrogante

postura de impedir que os filhos e filhas de Deus exercem seus dons e ministérios,

pois quando a Igreja torna-se insensível, "as nossas comunidades se brutalizam, as

igrejas-denominações se ossificam e aí as estruturas sociais não são questionadas e

estão livres para dar vazão a toda sua repressão irracional e totalitária". 188

4. Dialogar com os novos modelos alternativos da ação ministerial do povo de Deus,

tais como células, grupos caseiros, discípulado dentre outros.

Existem uma série de atividades e ministérios nas Igrejas onde o povo de Deus

exercita seus dons e ministérios. Muitos modelos de grupos pequenos, caseiros e

discipulado nos quais celebram os atos salvíficos de Deus entre as pessoas, exercita-

se a fé e serviço em prol dos irmãos e da comunidade.

O grupo pequeno é o lugar em que as pessoas são evangelizadas, discipuladas,

186 Esta abordagem é mais detalhadamente explicada na seção: "A Igreja e o Reino de Deus", p. 41.187 Leonardo BOFF, Igreja, Carisma e Poder, p. 16-l7.188 Rubem Olino da ROSA, Amadurecendo com o Luto, p. 34

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equipadas para servir; é o lugar em que os membros se edificam mutuamente. O

grupo serve como comunidade em que os cristãos podem prestar contas uns aos

outros e manter total transparência entre si.

A atividade eclesial não limita-se às quatro paredes do templo, muito menos

ao exercício pastoral da elite pensante das igrejas.

O Povo de Deus é chamado a viver no mundo. É o local para onde Deus

enviou sua Igreja, para viver a sua fé, e ser um sinal de esperança e libertação para o

mundo. Não é concebível uma vivência cristã fora do mundo. O mundo é a terra onde

Deus plantou a semente da sua Igreja.

Diante disso, se Jesus não for levado a sério, a Igreja pode justificar sua

passividade. Se Israel que era “considerada” a oliveira boa e, por causa da

desobediência, foi rejeitada, quanto mais não rejeitará a oliveira brava, precisamente,

nós, a Igreja de Jesus Cristo. A complacência e a indolência da Igreja não serão

toleradas.

Se a igreja for fiel ao seu chamado e a sua missão como povo de Deus, vai

criar novos odres onde o povo de Deus possa atuar e viver de forma plena e integral

todas as riquezas de uma vivência cristã sadia e saudável.

78

Page 79: DISSERTAÇÃO FINAL

BIBLIOGRAFIA

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