DISSERTAÇÃO LINDERVAL

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INTRODUÇÃO José da Silva Pereira é um recifense nascido em 1960 que reside no bairro de Lote XV, município de Belford Roxo desde o ano de 1992, época em que perdeu seu emprego como ascensorista e em que trabalha sem carteira assinada geralmente sendo servente de pedreiro. Entrevistei-o em 1994 1 e ele inibiu-se logo de início quando pedi que descrevesse a sua vida. José ficou em silêncio e logo depois explicou que aquele silêncio devia-se ao fato de não perceber a importância da descrição de sua vida. Ele não era "importante" e por isso considerava estranho alguém pedir que falasse sobre si. Viera muito cedo da região Nordeste acompanhando seus pais. Tão cedo que mal se lembrava da viagem. Estudara "pouco demais", abandonando "os estudo" para ajudar a família vendendo bala nos trens suburbanos do Rio de Janeiro. Casara-se tão logo conseguira um emprego fixo porque "achou" que deixaria a partir dali de depender do dinheiro dos biscates que fazia. Tivera duas filhas que agora "já estavam grandes" e que exigiam confortos que ele não podia dar. Temia pelo futuro delas porque era 1 No item 2 da bibliografia existe uma listagem completa dos entrevistados e de seus dados pessoais, assim como os meios utilizados para a realização das entrevistas. ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISPEREIRA, José da Silva. Entrevista concedida em 03/06/1994Servente de pedreiro, natural de Pernambuco, nascido em 06/04/1960, morador do bairro de Lote XV em Belford Roxo

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INTRODUÇÃO

José da Silva Pereira é um recifense nascido em 1960 que reside no bairro de Lote

XV, município de Belford Roxo desde o ano de 1992, época em que perdeu seu emprego

como ascensorista e em que trabalha sem carteira assinada geralmente sendo servente de

pedreiro.

Entrevistei-o em 19941 e ele inibiu-se logo de início quando pedi que descrevesse a

sua vida. José ficou em silêncio e logo depois explicou que aquele silêncio devia-se ao fato

de não perceber a importância da descrição de sua vida. Ele não era "importante" e por isso

considerava estranho alguém pedir que falasse sobre si. Viera muito cedo da região

Nordeste acompanhando seus pais. Tão cedo que mal se lembrava da viagem. Estudara

"pouco demais", abandonando "os estudo" para ajudar a família vendendo bala nos trens

suburbanos do Rio de Janeiro. Casara-se tão logo conseguira um emprego fixo porque

"achou" que deixaria a partir dali de depender do dinheiro dos biscates que fazia. Tivera

duas filhas que agora "já estavam grandes" e que exigiam confortos que ele não podia dar.

Temia pelo futuro delas porque era muito pobre. Por fim, com exceção das tardes no bar e

do futebol de final de semana essa vida era muito pouco agradável para José.

A segunda pergunta que faria a José ele respondeu-a antes mesmo que eu a

formulasse. Como para dar volume a descrição de sua vida José emendou nessa descrição o

seu dia-a-dia que segundo ele iniciava-se muito cedo, as quatro e trinta. Como não era um

trabalhador com carteira assinada perdera o direito ao vale transporte e embora bem

próximo de sua casa passassem ônibus com destino ao centro do Rio, ele preferia ir até a

estação de Belford Roxo para "pegar" o trem que era mais barato e que permitiria a ele

chegar até a Central do Brasil onde poderia, finalmente, embarcar em um ônibus

direcionado à zona sul da cidade do Rio de Janeiro.

A dificuldade para chegar ao trabalho confundia-se com tantas outras dificuldades da

rotina de José que acabava não chamando a atenção. O que destacou-se realmente na fala

1 No item 2 da bibliografia existe uma listagem completa dos entrevistados e de seus dados pessoais, assim como os meios utilizados para a realização das entrevistas.ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISPEREIRA, José da Silva. Entrevista

concedida em 03/06/1994Servente de pedreiro, natural de Pernambuco, nascido em 06/04/1960, morador do

bairro de Lote XV em Belford Roxo

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desse entrevistado não foram tais dificuldades de deslocamento e sim a sua percepção das

gradações sociais relacionadas ao seu percurso até o local de trabalho.

José a partir de um determinado momento da entrevista iniciou um discurso que

primava pela percepção de que na volta do seu trabalho passava por locais cuja presença

pública ia diminuindo até finalmente "deixar de existir".

Para ele a Central do Brasil sempre pareceu a porta de saída do paraíso e o acesso ao

seu "inferno". Imagens incômodas vinham a sua mente naquele lugar. O cheiro do contato

entre os trilhos e as rodas dos vagões significavam sempre a lembrança dos desesperos de

uma criança que não suportava o calor sufocante daquelas viagens intermináveis em que ele

ainda pequeno se envolvia diariamente ao vender seus doces ou picolés dependendo da

estação do ano.

No período em que trabalhou com carteira assinada, tendo direito ao vale-transporte,

acabou descobrindo que podia existir algo muito mais parecido com a porta do inferno que

a tão temida Central do Brasil. Bem próximo daquela estação de trens, o terminal

rodoviário Américo Fontenelle mostrava-se um lugar mais fétido, cheio de mendigos e

loucos misturados a pivetes, prostitutas e principalmente enormes filas formadas sobretudo

por gente muito pobre que não deixava dúvidas sobre o fato de estarem voltando da

realização de trabalhos indesejáveis

Quotidianamente conforme José era levado de ônibus de Ipanema até o terminal dos

ônibus que se dirigiam à Baixada ele ia enxergando diferenças que não eram visíveis a

todas as pessoas. Aquele caminho em direção a área da Central permitia a José perceber

que a suntuosidade da cidade do Rio de Janeiro diminuía à medida em que ele chegava

próximo da área da Central do Brasil. O lixo e a presença de "marginais" era sempre um

aviso da aproximação da Central, e tais presenças iam aumentando até tornarem-se

completamente visíveis em um terreno baldio que existia até há bem pouco tempo próximo

da "Rodoviária da Central". Lá mendigos revolviam sobras deixadas pelos inúmeros

vendedores ambulantes que "moram" no terminal rodoviário. Na percepção de José todo

aquele lixo e todos aqueles marginais sociais demonstravam uma irônica e constante

saudação carioca à Baixada Fluminense e seus habitantes. José dizia que a Baixada

começava mesmo era ali na rodoviária da Central, ou na estação D. Pedro II, lugar em que

ele não via sequer um policial que vigiasse aquela "bagunça", assistia a crimes e esperava

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uma "eternidade" por um ônibus ou trem que atravessaria vias ladeadas por favelas e que

somente depois de duas horas e meia chegaria finalmente em um bairro repleto de

problemas que ele preferia não enxergar.

José é por certo um representante médio dos moradores da Baixada Fluminense e a

sua entrevista não foi usada durante a confecção desse trabalho exatamente pelo fato do

autor não tê-lo entendido como alguém que expressasse algo de novo. Afinal José era um

simples trabalhador como os milhares que existem na região da Baixada e mostrava-se

extremamente conformado com o absurdo de sua vida de ascensorista transformado à força

em servente de pedreiro improvisado às pressas. Não participava de nenhum movimento

social, não tinha opinião a respeito da vida política nacional ou baixadense e confessava-se

orgulhoso não ter ido votar nas últimas eleições e não se interessar com o fato de Belford

Roxo ser agora um município no qual o primeiro prefeito realizava obras surpreendentes. A

indiferença era a resposta de José. Ele estava alheio a quase tudo, não sendo difícil ignorar,

consequentemente, este morador da Baixada Fluminense.

Por acidente a entrevista de José acabou sendo relida e nessa segunda leitura

finalmente entendemos que diferentemente de tantos outros entrevistados aquele displicente

José acabara enxergando a Baixada Fluminense com outros olhos. O vaivém enervante

característico da vida de um proletário baixadense terminou tornando José insensível.

Mesmo assim espantou-me as comparações que fazia: o seu lugar de moradia era um

"inferno" e o município do Rio de Janeiro (principalmente a zona sul) era o "céu". Na sua

fala simples ele enumera as vantagens da zona sul como asfalto, saneamento, iluminação

pública, policiamento e lazer e atribui ao fato de ser aquela região destinada aos "bacanas"

ser ela tão diferente do seu inferno que começava simbolicamente no Rio com os mendigos,

ladrões, pivetes e prostitutas da Central. Era simples resolver: aquele era o começo do

"lugar dos pobres". Não existir nenhuma daquelas "vantagens" era normal para o

anestesiado José. Não era preciso pensar e o jeito era conformar-se com as sacolas plásticas

necessárias para o envolvimento dos pés calçados em todos os dias em que chovia se não se

quisesse chegar com "quilos de barro" sob os sapatos na estrada onde passa o ônibus que

liga Lote XV a Belford Roxo.

O antagonismo entre esses dois lugares sociais perturbava José. Mas essa perturbação

ganhava contornos incomuns na medida em que ele não se interessava em mudar sua

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situação. As palavras usadas por ele na construção do seu discurso não deixavam dúvidas

de que para ele as "coisas" deveriam ser daquele "jeito" mesmo. Não cabia a ele questionar

algo que estava solidificado, sem chances de mudança na medida em que estavam assim

mesmo antes dele chegar:

Meu pai enfrentou coisa até pior que eu enfrento hoje lá no Norte e aqui mesmo. Ele contava que quando chegou no Rio foi trabalhar em um hotel e quando entupia o esgoto era obrigado a mergulhar de cabeça dentro da fossa para fazer o trabalho de desentupimento. Não devo reclamar e devo tentar dar um futuro melhor para as meninas trabalhando sempre.

Essa conclusão enervante tornou-se chave para este trabalho. Ela provavelmente pode

significar para a maior parte do senso-comum que na Baixada as pessoas são naturalmente

conformadas e alienadas. Indiferentes a opressão que sofrem quotidianamente, podem ser

responsabilizadas pela situação geral de miséria desse que é um dos maiores bolsões de

miséria do Brasil. Ausência do poder público, corrupção, violência, etc. poderiam até ser

males em parte causados pelo Estado, entretanto a culpa maior de todos os males

baixadenses poderiam ser atribuídos à própria população da Baixada se seguíssemos a

opinião geralmente aceita como correta.2

Entretanto este é um trabalho de dissertação, e em um trabalho desse tipo pré-

conceitos, vulgarizações e opiniões devem ser deixados de lado em nome de conclusões

não definitivas, porém alcançadas através de uma ampla investigação. Tendo em mente

toda essa opinião negativa a respeito da população da Baixada Fluminense era necessário

verificar de que maneira essa população realmente organizava-se, pois era simples demais

concluir que a população baixadense constituía-se em uma massa amorfa, desorganizada,

portanto.

Ao mesmo tempo a percepção de alguma ordem não era algo simples, uma vez que o

que sobressaía principalmente através da imprensa era um retrato que fixava na mente das

pessoas a noção de que a Baixada, tal como as favelas, eram caos urbanos indesejáveis.

Porém a viagem dentro desse caos demonstrava que existia um espírito ali. Necessário se

fazia, entretanto, traduzir as maneiras como tal espírito manifestava-se.

Assumimos assim a idéia de que investigar as identidades da população da Baixada

constituía-se em uma das maneiras de tornar visível esse espírito existente ali. Aquela

2 Opinião essa que freqüentemente iguala a Baixada Fluminense às favelas cariocas. O que revela também um preconceito em relação aos moradores de favelas.

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conclusão desanimada de um dos meus primeiros entrevistados forneceu-me elementos

para concluir que era necessário entender os motivos que o levavam a anular-se tão

completamente ao mesmo tempo em que organizava coletiva, porém precariamente, o meio

onde vivia. Daquele mundo de recusas e frustrações surgiam soluções que opunham-se em

tudo àquela consideração3.

Esta dissertação nasce da contradição aparente e nessa medida é somente um esforço

na direção de compreender as maneiras encontradas pelos habitantes desse mundo

particular que é o conjunto de bairros periféricos da região da Baixada Fluminense para

tornar "menos ruim" o mundo no qual eles são "obrigados a viver".

Orientaram no caminho a ser seguido nesse trabalho a impossibilidade de se

concordar com a opinião geral sobre a população da Baixada Fluminense e a não

concordância com as conclusões do pequeno número de trabalhos acadêmicos destinados a

decifrar as identidades dos baixadenses. Fazia-se necessário enxergar a população com

outros olhos, uma vez que nem a tese de alienação geral aceita pelo senso-comum nem a

hipótese de ser a Baixada Fluminense um simples transplante da região Nordeste do Brasil

que permeia de forma até involuntária diversos dos trabalhos acadêmicos que têm como

tema a Baixada dão conta de suportar uma análises mais aprofundada a respeito da

população que desde a explosão dos loteamentos em meados da década de 1930, habita

essa parte da região metropolitana do Rio de Janeiro.4

3 O próprio entrevistado em questão ao responder a uma pergunta feita a todos os entrevistados moradores de bairros periféricos da Baixada Fluminense respondeu da seguinte maneira: "a gente aqui é obrigado a fazer isso que você falou de organizar... de trabalhar no bairro... na rua... (...). Acontece que nenhum político se interessa pelos bairros. A gente é que ajeita do jeito que dá. Ficar bom não fica, mas dá pra ir vivendo." 4 Trabalhos como os apresentados a seguir - mesmo pesando a favor de alguns o mérito de serem pioneiros em suas disciplinas - resolveram rapidamente o problema de analisar-se a população da Baixada Fluminense considerando-a como reprodutora de costumes ("valores culturais") inerentes ao campo brasileiro. Destacando-se o Nordeste brasileiro, segundo alguns atores, como a região que mais doou à Baixada a sua "cultura": BELOCH, Edith Maria. Loteamantos Periféricos: Algumas considerações sobre essa forma de moradia proletária. Tese de mestrado em Planejamento Urbano. Rio de Janeiro, PUR/UFRJ, 1980, mimeo.BELOCH, Israel. Capa Preta e Lurdinha. Tenório Cavalcanti e o povo da Baixada, Rio de Janeiro, Record, l985.SEGADAS, Maria Terezinha. Nova Iguaçu; absorção de uma célula urbana pelo grande Rio de Janeiro. Tese de livre-docência em Geografia, Rio de Janeiro, Faculdade Nacional de Filosofia, l960.SOUZA, Josinaldo Aleixo de. Os grupos de extermínio em Duque de Caxias - Baixada Fluminense. Tese de mestrado, Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais/UFRJ, 1997, mimeo.

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Um caminho diverso deveria ser trilhado e tal caminho necessitava ser menos simples

na medida em que deveria levar em consideração o fato de serem os atuais baixadenses

homens já enraizados nessa região e que reagem de uma forma própria ante a pequena

presença do poder público encontrando soluções que explicam em grande parte a cultura

política sui generis desenvolvida na região da Baixada. Ou seja, o caminho a ser seguido

em uma investigação destinada a explicar as opções políticas dos homens da Baixada

Fluminense devem levar em consideração sobretudo o próprio homem baixadense. Pré

interpretá-lo, entendendo-o como politicamente alienado pode significar unicamente o

resultado da exposição desse homem à lentes sob as quais ele não pode ser visto

adequadamente.

Um problema colocou-se desde o início da pesquisa que originou o presente trabalho:

que documentos deveriam ser utilizados em uma dissertação destinada a investigar a partir

da visão dos próprios baixadenses as identidades da população dos bairros periféricos das

cidades da Baixada Fluminense?

Nesse sentido influenciou-nos por demais as justificativas de Carlo Ginzburg

expostas na introdução de “O queijo e os vermes”.

Para o autor de “O queijo e os vermes”, que elegeu como tema de estudos homens

que, às margens da sociedade da Idade Moderna, construíram a partir de antigas tradições

pré-cristãs e de elementos que vazavam do cristianismo uma cultura popular, as

dificuldades metodológicas acentuavam-se na medida em que pretensas bruxas, feiticeiros,

curandeiros, hereges e anabatistas, dentre outros “monstros” da Idade Moderna, geralmente

não escreviam, e quando o faziam o fruto de seus esforços raramente chegava aos “arquivos

da repressão”, fato que obrigaria o estudioso a trabalhar com uma documentação que não

espelhava opiniões próprias. Assim, apesar da grande quantidade de documentos gerados

pela Igreja durante a Idade Moderna, sua imprecisão estabelece uma barreira difícil de

transpor-se, o que por vezes faz com que o investigador resolva, tal como os inquisidores,

sugestionar a fala dos seus investigados.5

Menocchio, o personagem principal de “O queijo e os vermes”, com uma verborragia

e destemor que lhe valeram a vida, é uma preciosíssima exceção. Geralmente os indivíduos

5 GINZBURG, Carlo, “O Inquisidor como antropólogo: Uma analogia e as suas implicações” in A micro história e outros ensaios. Lisboa, Difel, 1991.

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capturados pela santa inquisição forneciam depoimentos confusos e confissões forçadas,

uma vez que nascidas sob a dor ou somente sob o temor das terríveis sessões de tortura6.

Entretanto ao contrário da totalidade dos indivíduos pertencentes às classes subalternas,

Menocchio sabe ler e escrever, o que permite que seu “biógrafo” analise seus escritos e as

leituras que ele admite ter feito. Entretanto, conhecedor das limitações que seu objeto assim

mesmo oferece, Ginzburg frisa na Introdução à edição italiana da sua obra que o ideal seria

poder ouvir os relatos orais das bruxas, feiticeiros e demais “monstros” da Idade Moderna.

Tal desejo impossível do historiador nasce exatamente por estar defrontando-se com um

grupo social não informado do período “pré-industrial”, que apresenta, como todos os

estratos subalternos da sociedade ocidental, uma cultura estritamente oral:

Ainda hoje a cultura das classes subalternas é (e muito mais se pensarmos nos séculos passados) predominantemente oral, e os historiadores não podem se por a conversar com os camponeses do século XVI (além disso não se sabe se os compreenderiam). Precisam então servir-se sobretudo de fontes escritas (e eventualmente arqueológicas) que são duplamente indiretas: por serem escritas e em geral , de autoria de indivíduos, uns mais outros menos, abertamente ligados à cultura dominante7.

Ginzburg considera que os antropólogos sociais ao construírem habitualmente os seus

documentos estão muito à frente de historiadores na análise de fenômenos ligados a

identidade cultural de classes subalternas da sociedade ocidental ou de grupos ágrafos. O

apego aos documentos escritos estaria condicionando o comportamento dos historiadores

que para a análise de grupos populares lançam mão da chamada história quantitativa que ao

redimir as classes subalternas do esquecimento, as condenam ao eterno anonimato dos

números. Assim para fugir dos filtros e intermediários deformadores que localiza nos

documentos escritos de que é obrigado a servir-se, entenderá que a fala de Menocchio,

tradutora da sua própria memória além da memória de seu grupo, conforme o ponto de vista

assumido por Ginzburg, é a seu fonte mais confiável. A pregação da sua teogonia, as

discussões infindáveis sobre a legitimidade do poder da igreja, extensamente confirmados

nos depoimentos das diversas testemunhas, aparecem nas respostas de Menocchio perante

os inquisidores como elementos fundamentais na reconstituição da memória, ou seja, para

Ginzburg a análise da fala de Menocchio, transcrita nos autos do processo contra o moleiro,

6 TREVOR-ROPER, Hugh. “A obsessão das bruxas na Europa dos séculos XVI e XVII”, in Religião, Reforma e transformação social. Lisboa, Presença, 1978. Este capítulo demonstra exaustivamente os métodos utilizados nos interrogatórios de acusados de bruxaria e faz-nos sentir a falsidade dos depoimentos de torturados.7 GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. O cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela inquisição. São Paulo, Cia das Letras, 1989, pp. 17 e 18.

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funcionam como a maneira alternativa de conversar menos indiretamente com o agente

construtor de cultura popular na Idade Moderna e estabelecer a identidade cultural de toda

uma classe.

O centro dessa atual pesquisa sobre a população baixadense e as suas formas de

organização foram de maneira definitiva contaminadas pelas considerações de Ginzburg na

medida em que percebemos ser necessário ouvir a população estudada. A realização de

entrevistas e a busca em periódicos locais por opiniões e reclamações dos moradores de

bairros periféricos da Baixada Fluminense favoreceram a investigação de aspectos da

cultura popular desenvolvida pela atual população da Baixada Fluminense.

Nossa pesquisa localiza-se entre os anos de 1988 e 1995. Tal recorte cronológico

curto deve-se ao fato de estarmos tomando como eixo explicativo de nossa dissertação a

passagem conturbada do primeiro prefeito de Belford Roxo, Jorge Julio Costa dos Santos, o

Joca, pela vida pública baixadense. Por inúmeros motivos discutidos no corpo desse

trabalho o primeiro prefeito de Belford Roxo, distrito iguaçuano que iniciou seu processo

emancipatório exatamente em 1988, estabeleceu-se como o exemplo lapidar da maneira do

baixadense comum organizar-se politicamente. O fato de termos feito girar a pesquisa em

torno da figura de Joca,8 não eqüivale, entretanto, a um desejo nosso de biografar este

personagem. Perceber-se-á durante a exposição que, apesar de ter incentivado o seu

processo de mitificação, Joca dificilmente pode ser lido como um líder que deseja destacar-

se da população "sujeita" a ele, podendo-se pensar maximamente em uma simbiose entre

massa e herói salvador.

Enfim este trabalho destina-se a perceber, a partir das lentes fornecidas pelos próprios

baixadenses, as maneiras como os Josés da Silva Pereira organizaram o seu meio, criando

especificidades não tão visíveis a olho nu.

8 1995, marco final da pesquisa, é exatamente o ano da morte de Joca.

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Capítulo I

DAS VILAS ENTREPOSTOS AOS LOTEAMENTOS PERIFÉRICOS

1 - A Baixada Fluminense

Encurralada entre a suntuosa e miserável cidade do Rio de Janeiro e um interior

montanhoso e pouco habitado encontra-se a populosa região que todo o Brasil conhece

como Baixada Fluminense. É comum somente vê-la como um conjunto de casebres não

rebocados, como um dos maiores bolsões de miséria do Brasil ou compará-la com favelas.

Tal comparação e visões não destoam em nada da realidade imediata: As casas mal

construídas e não acabadas, a inexistência de serviços e aparelhos urbanos essenciais, a

função “dormitório” desses municípios e o controle que traficantes e “matadores” exercem

em grande parte dos bairros populares baixadenses, torna esta região um lugar socialmente

bem próximo das favelas brasileiras.

O que talvez mais distancie estes dois locais de moradia proletária seja o fato de que

para os problemas das favelas diversos trabalhos se voltaram desde muitos anos, enquanto

para a Baixada Fluminense um grupo de trabalhos acadêmicos que não chega a duas

dezenas tenta dar conta de estabelecer as especificidades de uma região que entre os anos

1920 e 1980 serviu como um verdadeiro depósito de sobras humanas dentro do processo de

despovoamento do campo e das sempre ineficazes medidas de combate à favelização dos

morros cariocas. Ou seja, tudo que foi dito até o dia de hoje acerca da Baixada Fluminense

é pouco para que se possa pensá-la como um tema bem estudado. Diversos aspectos da vida

social e política que pululam ali continuam intocados ou foram extremamente mal tocados,

seja pela miopia intelectual de alguns investigadores sociais, seja pelo ofuscamento que os

problemas inerentes à antiga capital federal do Brasil lança sobre as regiões urbanas

adjacentes a ela.

Os estudos acerca da cultura política baixadense produzidos ao longo das últimas

décadas inserem-se neste caso de incompreensão intelectual. Fato facilmente perceptível

9

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quando, por exemplo, vê-se como são encarados os assassinatos políticos ocorridos na

Baixada ou o aparecimento sucessivo de líderes políticos providenciais pouco ortodoxos.

É comum pensar a Baixada como uma terra de ninguém assemelhada a uma cidade

fantasma de um filme de western americano ou, opinião menos simplista, mas nem por isso

mais consistente, como um simples transplante de um antigo Nordeste brasileiro com os

seus coronéis e as suas sangrentas disputas por terra e poder. Tais visões servem

minimamente como desculpa para se determinar que não vale a pena um estudo mais

aprofundado sobre esta região.

Ao se falar de Tenório Cavalcanti e seu bando de protegidos (ou protetores), por

exemplo, tornou-se inevitável compará-lo a Lampião e seu bando de cangaceiros. E a

criação de uma noção fatal, a de “jagunço urbano”, somente resolve mal um problema ou,

antes, não o resolve, envolvendo-o em um campo estranho à cultura política baixadense.

Dialogar com as visões confusas sobre a Baixada e as suas formas políticas pressupõe

que conheçamos as origens da população que recentemente ocupou esta região e como

conduziu-se o processo de semi-urbanização9 dessa área que até os anos 1930

caracterizava-se por ser um "celeiro"10 para a capital da República.

Enquanto é possível datar o surgimento das favelas cariocas, a história da ocupação

da Baixada da Guanabara por uma população em grande parte migrante ou ex-favelada, não

tem o seu início tão facilmente demarcado. O conhecimento de que durante os anos 1930

inicia-se o processo de industrialização do país com a conseqüente intensificação da

migração campo-cidade tão característica da industrialização da América Latina, conjugado

à verificação de que é exatamente nesse período de mobilidade social que ganham força os

gritos da elite carioca contra as favelas11, permite-nos saber que na região da Baixada

9 Semi-urbanização foi a melhor palavra encontrada para definir o estado atual da Baixada Fluminense: composta de cidades com baixa infra-estrutura urbana e de periferias extremamente desaparelhadas. 10 GEIGER, Pedro Pinchas & MESQUITA, Miriam Gomes Coelho. Estudos Rurais da Baixada Fluminense. Rio de Janeiro, IBGE, 1956, pp.56,58.11 Exemplo melhor dessa mobilização contra as favelas talvez seja a criação em 1941 da Comissão Encarregada do Estudo dos Problemas de Higienização das Favelas, que tinha como funções controlar a entrada no município do Rio de “indivíduos de baixa condição social” e recambiar os indivíduos já instalados nas favelas para os seus estados de origem ou a “Batalha do Rio” promovida pelo jornalista Carlos Lacerda em 1947 que tinha como finalidade primeira concientizar as autoridades municipais, estaduais e federais a fim de tornar possível o cercamento dos morros e o controle policial da invasão de “indigentes”. Parisse, Lucien. Favelas do Rio de Janeiro, evolução, sentido. Caderno do CENPHA 5, Rio de Janeiro, 1969.

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Fluminense os primeiros assentamentos de proletários recém vindos de diversas áreas do

país teve o seu início durante a década de 1930.12

Pode-se apurar que esses primeiros assentamentos foram simples expansões da

periferia do Rio de Janeiro sobre o solo de antigas e fracassadas fazendas. O futuro

município de São João de Meriti e de Duque de Caxias, contíguos ao grande centro urbano

industrial foram os primeiros a terem a antiga terra agrícola retalhada pelos loteamentos.

Um parêntese nesta exposição servirá para melhor explicitar como verificaram-se as

inúmeras divisões ocorridas após os anos 1940 na Baixada Fluminense e que

transformaram Nova Iguaçu - o único município do que hoje denominamos Baixada

Fluminense até os anos 1940 - no médio município que ele é nos dias atuais.13

Nova Iguaçu deu origem aos seguintes municípios: Duque de Caxias (1943), São

João de Meriti (1947 - destacado de Duque de Caxias), Nilópolis (1947 - destacado de

Nova Iguaçu), Belford Roxo (1990 - destacado de Nova Iguaçu) Queimados (1990 -

destacado de Nova Iguaçu), Japeri, (1991- destacado de Nova Iguaçu) e Mesquita (1999)

também destacado do que restou de Nova Iguaçu. Municípios como Itaguaí, Paracambi e

Seropédica (destacado de Itaguaí em 1997), também classificados como pertencentes à

Baixada Fluminense nunca foram partes de Nova Iguaçu e não apresentam as mesmas

características sociais desses sete municípios surgidos a partir de Nova Iguaçu. Na

realidade eles assemelham-se mais aos municípios de Magé e de Guapimirim (destacado de

Magé em 1990), que têm como atividade primordial a agricultura. Tais ressalvas na

determinação do que chamar de Baixada Fluminense, longe de significar o cultivo de

preciosismos, equivale, logo de início, ao desejo de demarcar com exatidão a região que

será estudada. A intenção aqui é fazer com que a designação Baixada Fluminense evoque o

conjunto de oito municípios14 pertencentes à Região Metropolitana do Rio de Janeiro que,

12 Entretanto a tese que melhor explicou o desenvolvimento dessa região define a década de 1910 como a década em que surgem as primeiras habitações especificamente destinadas a trabalhadores urbanos . Segadas, Maria Terezinha. Nova Iguaçu; absorção de uma célula urbana pelo grande Rio de Janeiro. Tese de livre-docência em geografia, Rio de Janeiro, Faculdade Nacional de Filosofia, l960, mimeo pp. 21-22, ver também nota 11. 13Todo o processo de retalhamento de Nova Iguaçu é bem descrita no livro "História Social da Baixada Fluminense. Das sesmarias a Foros de Cidade" de Walter Prado. (PRADO, Walter. História Social da Baixada Fluminense. Das sesmarias a Foros de Cidade, Rio de Janeiro, Ecomuseu Fluminense, 2000.)14 Belford Roxo, Duque de Caxias, Japeri, Mesquita, Nilópolis, Nova Iguaçu, São João de Meriti e Queimados.

11

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ocupados recentemente, caracterizam-se, resumidamente, por possuir uma grande

população proletária ocupante de um antigo solo agrícola transformado, parcialmente,

através das empresas loteadoras, em urbano.

Assim, nas décadas posteriores a 1930 as ações de expulsões dos morros cariocas, o

crescimento do movimento de migração ligado à fuga das condições adversas do campo

brasileiro, o desenvolvimento da indústria da construção civil que abriu uma espécie de

Eldorado para "peões de obra" na cidade do Rio de Janeiro, ou seja, a passagem do Brasil

agrário para o Brasil industrial promoveu a transferência do “lixo humano”15 tão necessário

à construção da economia carioca também para a região da Baixada Fluminense.

2 - A ocupação da Baixada Fluminense

Pode-se localizar dois momentos distintos na história de ocupação da Baixada

Fluminense: a partir do século XVII, em uma data não confirmada, esta região foi

lentamente ocupada em função dos caminhos que ligavam o porto do Rio de Janeiro ao

interior do Brasil. Em um período menos recuado no tempo - entre as décadas de 1930 e

início da década de 1980 - esta região recebeu explosivamente uma grande quantidade de

migrantes vindos principalmente do Nordeste e do interior da própria região Sudeste.

Nova Iguaçu16 foi ocupada primordialmente por grupos de colonos que aproveitando-

se de suas terras férteis e de uma estratégica rede hidrográfica estabeleceram-se às margens

de certos rios que passaram a possuir ancoradouros facilitadores do escoamento da

produção agrícola até o porto do Rio de Janeiro17. Tais ancoradouros, chamados

imodestamente de “portos” pelos memorialistas regionais, deram origem aos pequenos

vilarejos dos quais um dos mais importante foi Iguassú, que recebeu tal nome por

localizar-se às margens de um rio com esse mesmo nome.

15 Esta designação para a população dos loteamentos baixadenses foi ouvida pelo autor ao realizar uma entrevista com um antigo morador de Nova Iguaçu, inconformado ainda com a transformação do "Recôncavo da Guanabara" em área urbana ocupada por migrantes nordestinos.16 Conforme explicitamos acima, Nova Iguaçu é hoje o nome de uma cidade média da região da Baixada. Entretanto para este primeiro período apresentado aqui, o nome Nova Iguaçu pode ser lido como um substituto do termo Baixada Fluminense na medida em que até o ano de 1943 todo o território hoje pertencente à Região Metropolitana do Rio de Janeiro e chamado hoje de Baixada Fluminense fazia parte do município de Nova Iguaçu. 17 PEIXOTO, Ruy Afrânio, Imagens Iguaçuanas, Nova Iguaçu, mimeo, 1963, p. 18

12

Page 13: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Não há motivos, entretanto, para pensar-se em tais vilas ancoradouros como focos

importantes de povoamento, pois a vida ali não girava em torno de uma atividade

agregadora como a agricultura e sim do nomadismo característico da circulação de

mercadorias. Ou seja, tais vilarejos, por mais que os memorialistas regionais os idealizem,

não podem ser entendidos como os responsáveis pelo desenvolvimento dos atuais focos

populacionais da região, uma vez que cessada a necessidade de utilização das vias que

chegavam a estes vilarejos, eles transformavam-se rapidamente em ruínas.

Uma prova da impossibilidade de pensar-se nas vilas-entrepostos como focos

permanentes de povoamento pode ser obtida em uma visita ao bairro de Iguaçu Velho: o

conjunto de ruínas cercado por loteamentos fracassados e casebres perdidos no matagal e

nos alagados, mal deixam perceber que ali localizou-se a próspera vila de Iguassú tão cara

aos memorialistas regionais.

O seguinte documento datado de 1922, pertencente ao livro de memórias de um

antigo juiz de direito que exerceu sua atividade na antiga vila de Iguassú e demonstra a

rapidez e violência da decadência dessa vila:

Pouco tempo depois da minha chegada à antiga corte, fui mandado para Iguassú, como juiz municipal. A poucas horas da ponta do Caju , pela estradinha do Rio d'Ouro, a Vila de Iguassú era, então, um grande povoado morto. Constituída principalmente por uma rua larga, sinuosa e longa, a vila tivera suas horas de prosperidade atestada pelas grandes casas de sobrado e vastos armazéns alpendrados, tudo então fechado, sem moradores(...).” “A estrada de ferro, porém, drenando todo esse movimento comercial, reduziu Iguassú à penúria e à morte. A vila se despovoou; os canais, desde então abandonados, se entulharam de vegetação e de lodo; as águas cresceram, cobrindo os campos, tornando-os imprestáveis para qualquer cultura e enchendo o ar de miasmas do impaludismo e da opilação, que assolavam a pobre gente que não pôde se retirar.18

Esse rápido abandono significou unicamente uma transferência e não o final do

período inaugurado pelas vilas entroncamentos localizadas entre um rio e um conjunto de

caminhos, uma vez que a Baixada continuaria sendo ainda por determinado tempo uma

região ligada quase exclusivamente ao trânsito de mercadorias e pessoas: a antiga vila de

Iguaçu ruiu devido ao fato de em 1858, aos pés da serra de Madureira e em uma localidade

conhecida como Maxambomba, confluência de alguns caminhos e local de repouso de

caravanas de tropeiros, ter sido inaugurada uma das estações da Estrada de Ferro D. Pedro

II, futura Central do Brasil.

18 SEGADAS, Maria Terezinha. Nova Iguaçu; absorção de uma célula urbana pelo grande Rio de Janeiro. Tese de livre-docência em geografia, Rio de Janeiro, Faculdade Nacional de Filosofia, l960, mimeo pp. 64-65.

13

Page 14: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

É razoável pensar que o antigo sistema de transporte de mercadorias através do dorso

de animais e dos rios da região caducaria rapidamente, sendo fatalmente substituído pelos

vagões de trens, responsáveis pela transformação de Maxambomba na nova sede do

município de Iguassú e na admissão do adjetivo “nova” como prefixo para este município a

partir de 191619.

A partir das estações ferroviárias que rapidamente cruzaram a região da Baixada

Fluminense20 pode-se pensar no incremento da atividade agrícola e na fixação de

população. Segundo Edith Maria Beloch,21 entre os anos de 1910 e 1930 o povoamento

desta região cresceu em média 239%. Pode-se atribuir à atividade citrícola a

responsabilidade pelo crescimento demográfico, no entanto, novamente não é correto

imaginar que será esta atividade a responsável pela transformação das estações ferroviárias

baixadenses em focos primários de povoamento permanente: a citricultura desenvolveu-se

com sucesso na região da Baixada e foi a responsável pela transformação do antigo

engenho de Maxambomba no receptor e beneficiador de grande parte dos frutos

consumidos mundialmente22, entretanto, a ausência de preocupações com o controle de

pragas, manutenção da fertilidade do solo e, principalmente, o surgimento de uma empresa

mais lucrativa, definiram o fim da cultura citrícola e a “invasão” desordenada da antiga

terra agrícola pelas empresas loteadoras.

3 - Loteamento e auto construção

Contíguo e, em certos locais, paralelamente à cultura dos frutos cítricos, encontra-se o

loteamento23. Não incorre em erro considerá-lo como uma solução final para os problemas

agrícolas tradicionalmente enfrentados pelos proprietários rurais da Baixada na medida em

que é o loteamento o responsável visível pela destruição da agricultura praticada ali.

Apesar da má vontade de alguns memorialistas regionais a respeito do loteamento, a

observação do processo de transformação da terra agrícola da Baixada Fluminense em

19 PEREIRA, Waldick. Op.cit. p. 95.20 SEGADAS, Maria Terezinha. Op.cit. p.22-25.21 BELOCH, Edith Maria. Loteamantos Periféricos: Algumas considerações sobre essa forma de moradia proletária. Tese de mestrado em Planejamento Urbano. Rio de Janeiro, PUR/UFRJ, 1980, mimeo, p. 50.22 GEIGER, Pedro Pinchas & MESQUITA, Miriam Gomes Coelho. Estudos Rurais da Baixada Fluminense, Rio de Janeiro, IBGE, 1956, pp. 108-109. 23 Regiões muito próximas do antigo Distrito Federal como São João de Meriti, Nilópolis e Duque de Caxias já experimentavam o fracionamento de suas fazendas bem antes do “boom” loteador ocorrido entre 1950 e 1970, O que ocorreu, segundo Segadas, exatamente devido à proximidade dessas regiões com o Distrito Federal que se expandiu, anexando antigas fazendas iguaçuanas.

14

Page 15: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

semi-urbana demonstra-nos de que maneira surgiram algumas peculiaridades importantes

por permitirem a visualizaçao do processo de construção identitária de uma grande parcela

da atual população baixadense.

A grande máquina loteadora teve como motores alguns fatos díspares: de um lado o

tradicional raquitismo da agricultura baixadense não sustentou por muito tempo o título de

maior produtor mundial de cítricos24 e afundou os fazendeiros em um mar de dívidas que os

levou a enxergar na partilha e na venda das frações de terra em forma de lotes o único

socorro disponível. De outro lado a necessidade proletária de obter moradia a baixo custo e

a ausência de uma política oficial de assentamento de trabalhadores, fato que primeiro fez

crescerem as favelas cariocas, determinou que a auto construção se estabelecesse como

regra definidora de diversos outros comportamentos.

Segundo o resumo de um geógrafo defensor da Baixada como um local destinado à

agricultura e que estudava a Baixada Fluminense em pleno auge da empresa loteadora, um

loteamento pode ser comparado a um “cemitério” onde jazem “antigas tradições

agrícolas”25. Mas este local é também de nascimento e pode-se pensar que a antiga terra

agrícola orientou até a maneira como se dividiriam as cidades baixadenses após a expansão

dos lotes.

Certa continuidade permitiu que se chamasse o conjunto de municípios que

circundam o ex Distrito Federal por um mesmo nome: a existência de uma população

proletária que utilizou originariamente o conjunto de bairros que circundam as cidades que

cresceram às margens das estações ferroviárias como local de moradia / dormitório (daí a

estranha designação cidade-dormitório que fornece-nos uma imagem mental

incomodamente explicativa).

Uma rápida exposição do processo de surgimento dos loteamentos permitirá que se

pense como essa forma de habitação proletária auxiliou na configuração das maneiras

24 Na realidade a produção de cítricos na Baixada não sustentou-se por muito tempo. Desde as primeiras plantações até o seu final não existem sequer 50 anos, hoje cultuados fervorosamente por memorialistas que contrapõem esta época aos loteamentos engrandecendo aquela para esquecer-se dos "grandes males" causados pelos migrantes. Dois exemplos disso são apresentados aqui. O primeiro é uma espécie de poesia produzida em 1963 pelo professor Ruy Afrânio Peixoto. O segundo é o símbolo da prefeitura municipal de Nova Iguaçu administrada por um antigo aluno do professor: Nelson Bornier – ver Anexos I e II no final do capítulo. 25 GEIGER, Pedro Pinchas & MESQUITA, Miriam Gomes Coelho. Estudos Rurais da Baixada Fluminense, Rio de Janeiro, IBGE, 1956, p. 185.

15

Page 16: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

através das quais a população baixadense organizou-se em seu novo e hostil ambiente e de

que maneira essa população migrante e/ou fugitiva das favelas cariocas26 construiu suas

especificidades identitárias.

É possível contar a história dos loteamentos baixadenses voltando os olhos para uma

série de trabalhos que se ocuparam do processo de transformação da Baixada em um local

habitado por uma grande massa de proletários migrantes. Acima, sem a preocupação de

detalhar, seguimos este caminho. Existe, entretanto, uma segunda possibilidade e nossa

investigação trilhou preferencialmente por este caminho diverso: ouvir os moradores dos

loteamentos, tentando conhecer as maneira como esses homens e mulheres enxergam-se e

sentem os seus locais de residência enquanto constróem suas casas e seus bairros. Eis o

resultado:

Para o homem do loteamento o horizonte é dúbio. Ao mesmo tempo em que se

considera um "privilegiado" por possuir algo de seu e estar finalmente distante do aluguel,

das condições adversas de uma favela e das incertezas da agricultura, encontra-se inseguro

em um local estranho e no qual tudo se encontra por fazer. Sua providência primeira é a

construção da casa: a responsável imediata pela sua fuga do aluguel.

É importante salientar que para o trabalhador construtor da sua casa em um

loteamento, esta edificação surge como algo extremamente valioso pois, invariavelmente,

ele constrói sua casa em um momento de incertezas. O projeto de possuir o seu “canto”

aparecerá como um fator estratégico na diminuição de tais incertezas, daí constituir-se algo

repetitivo um discurso assemelhado a este:

Morar em casa alugada sempre é um sufoco pra gente que era muito pobre. Pensa bem chegar... chegar aqui no Rio, vindo de onde eu vim e ter que encarar ao mesmo tempo uma sacaria ganhando pouco... - pra quem tava acostumado com uma enxada é ruim demais - ... e no mesmo tempo morar de aluguel e ter de sustentar mulher, mãe e filharada. Rapaz! a única coisa que eu pensava naquela época era comprar o terreno e fazer o barracão.27

Considerando que o seu “barracão” não está, após vinte anos pronto e que ele

continuou até aposentar-se trabalhando em um serviço pesado, a utilização do verbo no 26 Em algumas das entrevistas realizadas para a confecção deste trabalho procurou-se saber qual a opinião do morador dos loteamentos sobre as favelas cariocas, local de passagem de vários desses migrantes. Invariavelmente eles entendem que a favela é um local mais ameaçador que o seu bairro. O que incentivou-nos a qualificá-los como "fugitivos das favelas cariocas". 27 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISSANTOS, Clenio de Lima. Entrevista

concedida em 01/11/1995 Aposentado do setor químico, natural de Pernambuco, nascido em 02/04/1945,

morador do Morro da Cocada em Belford Roxo

16

Page 17: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

passado - "era" - para designar a sua situação financeira enquanto construía a casa, serve

para enfatizar o valor que ele doa à construção dessa casa.

As condições em que o proletário construirá sua casa explicam, em parte, o aspecto

dos bairros que circundam as diversas cidades da Baixada: as condições financeiras do

homem do loteamento e o sentido pragmático destas construções não permitem a mínima

preocupação com a estética, fazendo com que o conjunto de casas não acabadas que

formam um bairro popular façam grandes porções da Baixada assemelharem-se a locais

arruinados.

Tais construções foram feitas geralmente pelo próprio proprietário acompanhado de

seus parentes e amigos. Segundo um estudo feito durante a década de 1970 no bairro de

Bom Pastor, localizado no maior distrito de Nova Iguaçu - Belford Roxo - gastava-se em

média dois dias para que a primeira parte da casa ficasse pronta28. Esta primeira parte

geralmente era composta por cozinha e quarto, cômodos essenciais para a ocupação da casa

que o proprietário continuaria construindo (a partir daí geralmente sozinho ou com ajuda de

membros de sua família) durante anos nas suas raras horas de folga nos finais de semana.

Segundo este outro entrevistado esta casa foi a responsável pela modificação de certas

"idéias" suas, na medida em que ele já tinha uma família grande e “criada” e acabou tendo

que concordar com o fato de sua mulher e filhas trabalharem fora, o que para ele sempre

fora algo inaceitável:

[...] acabou acontecendo que eu não conseguia ao mesmo tempo construir pagar o lote e sustentar todo mundo. A mulher foi trabalhar em casa de família e minhas filhas passaram a trabalhar fora. Eu não concordava com isso, mas foi o único jeito de não perder este terreno e o alicerce que já tinha nele.29

O retrato simples dessa casa proletária não ficaria completo se não incluíssemos aí a

sua paisagem: um lote de aproximadamente 360 metros quadrados que ocupa parte de uma

quadra cercada por ruas abertas recentemente pelas máquinas responsáveis pela derrubada

dos últimos laranjais. A infra-estrutura básica necessária à adequação urbana, obtida através 2830 LIMA, Maria Helena de Beozzo. Em busca da casa própria: Auto-construção na periferia do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1979, mimeo, p. 25. Através da leitura deste trabalho entramos em contato com noções usualmente utilizadas pelos urbanistas, como auto-construção e equipamentos urbanos. Tais noções se tornaram importantíssimas na determinação das maneiras como a região da Baixada Fluminense foi ocupada pelos proletários. 29 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISFREITAS, Otacílio José de. Entrevista

concedida em 21/11/95Vendedor ambulante, natural do Espírito Santo nascido em 08/03/1960, morador do

bairro de Bom Pastor em Belford Roxo

17

Page 18: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

dos mínimos equipamentos urbanos, foi esquecida tanto pelo agente loteador como pelo

poder público. Restando ao proprietário do lote o encargo de organizar o espaço que, na sua

opinião, não deveria estar sob a sua responsabilidade, mas...

E você acha que a gente é porco prá deixar a rua virar um chiqueiro? O jeito foi ir cavando vala, tirando o matagal da rua, fazendo cobertura para os pontos de ônibus e mais um bocado de coisa que não era prá gente fazer.30

É recorrente em trabalhos que tratam dos loteamentos baixadenses a consideração

deste como algo não assistido pelo poder público31. Na realidade o loteamento surge como

uma iniciativa extremamente lucrativa levada adiante por alguns particulares não

preocupados com a legalização desse local de moradia ou com a construção da infra-

estrutura necessária à ocupação humana de uma determinada área. Para alguns autores o

poder público municipal mostra-se omisso aí porque, na realidade, era do seu interesse que

as diversas propriedades rurais deixassem de existir dando lugar aos loteamentos, melhor

substitutos dos incertos impostos rurais na medida em que poderiam gerar impostos

urbanos a partir da construção das casas dos operários e da intensificação da atividade

comercial.32 Ou seja, segundo essa visão a não observação de regras elementares na

preparação de uma área para a ocupação humana anteciparia as maneiras como o poder

30 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISLEITE, Antonio de Souza. Entrevista

concedida em 21/08/1995 Estivador aposentado, natural de Pernambuco, nascido em 08/03/1933, morador do

bairro de Chatuba em Mesquita 31 As seguintes obras produzidas invariavelmente por urbanistas e geógrafos tratam de uma forma direta ou tangencial a questão dos loteamentos nas periferias da região metropolitana do Rio de Janeiro. Na feitura desse trabalho embasamo-nos também em tais obras com a finalidade de construir um retrato dos loteamentos: 1) CASTRO, Marre. “Qualidade de vida urbana: crítica e autocrítica” in Anais do Simpósio de Estudos do Planejamento Urbano e Habitacional. Rio de Janeiro NEURB/PUC, 1978, mimeo. 2) LIMA, Maria Helena de Beozzo. Em busca da casa própria: Auto-construção na periferia do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1979, mimeo3) RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz. Dos cortiços aos condomínios fechados. As formas de produção da moradia na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1997.4) SANTOS, Carlos Nelson dos. “Voltando a pensar em favelas por causa das periferias” in Anais do Simpósio de Estudos do Planejamento Urbano e Habitacional, NEURB, PUC, Rio de Janeiro, 1978.5) SEGADAS, Maria Terezinha. Nova Iguaçu; absorção de uma célula urbana pelo grande Rio de Janeiro. Tese de livre-docência em geografia, Rio de Janeiro, Faculdade Nacional de Filosofia, l960, mimeo.6) GEIGER, Pedro Pinchas & MESQUITA, Miriam Gomes Coelho. Estudos Rurais da Baixada Fluminense, Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, IBGE, 1956. 32 GEIGER, Pedro Pinchas & MESQUITA, Miriam Gomes Coelho. Estudos Rurais da Baixada Fluminense. Rio de Janeiro, IBGE, 1956, pp. 123 - 124.

18

Page 19: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

público municipal encararia os novos bairros formados através da junção dos loteamentos:

indiferente.

Tal indiferença causará a apropriação por parte dos novos moradores de

responsabilidades pertencentes ao poder público. Enquanto um loteamento vai crescendo,

necessidades vão surgindo e o modelo de construção da casa proletária exposto acima

acaba por atravessar os limites de cada lote para a rua: para o novo morador é impossível

sobreviver "decentemente" em um local sem rede de esgoto, onde todos os dejetos são

lançados na rua ou no quintal do vizinho. Também se torna inconveniente permitir-se que

as ruas abertas com as separações dos quarteirões que formam o loteamento sejam tomadas

novamente pela vegetação que ocupa os lotes ainda não vendidos. O morador entrará em

cena como construtor e mantenedor precário dos equipamentos urbanos necessários às

mínimas condições de salubridade e conforto.

A noção auto construção utilizada por nós ao falarmos da edificação das casas

proletárias nos loteamentos, é elástico o suficiente para dar conta desta construção de

equipamentos urbanos que caracterizou a ocupação recente da Baixada Fluminense e que,

conforme veremos adiante, perpetuou-se, estabelecendo-se como um padrão de ocupação

espacial.

Além dos depoimentos orais e de algumas opiniões divulgadas pela escassa imprensa

regional da época, não existem documentos que testemunhem as maneiras “escolhidas”

pela população de recentes migrantes para ocupar os loteamentos. Depoimentos como o

seguinte podem auxiliar-nos na compreensão da maneira como os recentes moradores dos

bairros originários dos loteamentos percebiam-se e reagiam ante a apatia do poder público

em suas diversas esferas:

A gente vive aqui respeitando algumas regrinhas. Quando eu comprei o terreno ainda não tinha muita casa mas as regras já existiam. É diferente de favela em que cada um faz o que quer.Nunca existiu uma associação forte... cada um sabe que não pode fazer o que quer, e alguns ajudavam os que tinham mais expediente a ajeitar o bairro. Por exemplo: ali embaixo tem um valão que foi a gente que fez. Aqui perto não tem rio e as valas acabavam indo parar na outra rua. A gente fez entre as ruas uma vala maior até virar aquele valão que hoje em dia um montão de político vem limpar mas que ninguém se lembra de canalizar33

33 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISLEITE, Antonio de Souza. Entrevista concedida em 21/08/1995 Estivador aposentado, natural de Pernambuco, nascido em 08/03/1933, morador do bairro de Chatuba em Mesquita

19

Page 20: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Não pretendemos apresentar um morador ideal que resolve seus problemas revelando

sentimentos altruístas. Tal opinião ingênua poderia surgir do fato de estarmos coletando a

opinião das pessoas sobre fenômenos vivenciados por elas mesmas. O homem do

loteamento não faz muito mais que reagir às condições impostas a ele. Sua percepção de

que reivindicar junto à prefeitura municipal é inútil levou-o a pensar em seu bairro como

um lugar para o qual os olhos oficiais não se voltarão por não ser o próprio morador desse

bairro significante ante um organismo distantíssimo chamado por ele de “prefeitura”:

Não foi somente na época que eu vim pra cá que a prefeitura não se interessa por isso aqui... até hoje eles só aparece... fazer obra aqui só quando tem política. A prefeitura daqui só faz obra no centro ou no bairro onde mora os parentes do prefeito. Acho também que a gente não pode reclamar muito não porque na verdade a gente nem existe pra eles: isto aqui era um loteamento ilegal e ninguém paga imposto nenhum. Até hoje não se paga nada pra eles.34 A prefeitura faz pouco e a gente não pede nada. Eles são tão imprestáveis que todo mundo aqui ainda paga imposto territorial mesmo sendo assim lotado de casa.

Eles podiam no mínimo lançar esse tantão de obra e ter mais recurso de imposto.35

A estrutura de carências na Baixada Fluminense pode ter sua origem localizada no

momento de ocupação da antiga terra agrícola, ou seja, no momento de loteamento da

Baixada.

A verificação da expansão da auto-construção para os bairros formados pelos

loteamentos dá-nos oportunidade de investigar algo desenvolvido ao longo da ocupação

proletária e tornado em comum na medida em que os loteamentos transformavam-se em

bairros populares.

Pode-se pensar a partir da indiferença estatal verificada na exposição dos mecanismos

de ocupação proletária da região da Baixada e da conseqüente extensão da auto construção

34 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISNOVAES, Guilherme Antônio.

Entrevista concedida em 10/10/95.Aposentado do setor químico, natural do interior do estado do Rio de

Janeiro, nascido em 08/03/1948, morador do bairro da Prata em Belford Roxo35 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISQUEIROZ, Jorge. Entrevista concedida

em 29/10/95. Eletricista, natural de Belford Roxo, nascido em 25/12/1964, morador do bairro da Prata em

Belford Roxo

20

Page 21: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

para além do lote proletário, a formatação de um problema que pode ser organizado dentro

do seguinte esquema:

1) ausência do Estado na resolução de problemas básicos;

2) percepção de que as reivindicações populares não surtem efeito;

3) auto resolução dos problemas a partir da criação de uma rede que realimenta a

ausência do Estado;

4) fortalecimento e dinamização da rede que designamos de resolução de problemas

práticos.

Logo de saída, necessário faz-se determinar que, diferentemente do que à princípio

pode-se pensar, não é a rede de resolução de problemas práticos algo perceptível e

individual como o serviço comunitário organizado por um morador ou como um mutirão no

qual participam os moradores de uma rua ou de um bairro. Entendemos como contidos

nesta ampla resposta da população à ausência do poder público quaisquer atividades que

tenham a ver com a construção e manutenção de obras infra-estruturais de caráter público,

pois, conforme expomos, na gênese desta rede encontra-se a ineficiência do poder público

em resolver problemas básicos. Atribuímos a esta rede um caráter amplo por percebermos

estarem contidas dentro dela desde ações simples como a manutenção da frente da própria

residência limpa quanto o recurso aos grupos de extermínio como maneira de se manter a

segurança em um bairro baixadense.

4 - A rede de resolução de problemas práticos e a construção de

ideologias populares na Baixada Fluminense

A Rede de resolução de problemas práticos é uma noção imaginada por nós e que se

pretende explicativa na medida em que funciona como uma maneira original de verificar-se

como a população baixadense articula-se na construção de suas identidades36, ou seja,

agindo dentro desse organismo o baixadense faz moverem-se os meios de amenização da

situação desvantajosa ocupada por ele em sua relação com o poder público. No universo

político do homem baixadense encontra-se de maneira muito clara a idéia de que não existe

36 POLLAK, Michael. “Memória e identidade social”. In Estudos Históricos, Rio de Janeiro, FGV, vol. 10,1992, pp. 200-215. IDEM. “Memória, esquecimento, silêncio”. In Estudos Históricos, Rio de Janeiro, FGV, vol. 02, n.03, 1989, pp. 03-15

21

Page 22: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

nenhuma possibilidade de atrair a atenção do poder público para si, o que transfere para a

rede um caráter ideológico se entendermos ideologia como resposta e motor de ações, ou,

dizendo-se de outra maneira, de re-ações, às ideologias populares construídas pela

população proletária da Baixada Fluminense teriam como suas características oposições

mudas ao caráter ausente encarnado pelo Estado nesta região periférica do Rio de Janeiro.37

Tratar ideologia da forma como pretendemos compreendê-la aqui, equivale a usar um

instrumental teórico bastante diferente do tradicionalmente utilizado para trabalhar-se com

este termo tornado dúbio. Pensar no estabelecimento de uma cultura política própria da

população proletária da região da Baixada e submeter a essa cultura as ideologias populares

baixadenses talvez seja o caminho mais curto na direção de desmentir-se o entendimento de

que ideologias populares são unicamente uma deturpação das ideologias transferidas aos

estratos inferiores de uma sociedade pelas classes imediatamente superiores às classes

subalternas.

As ideologias construídas/vivenciadas pela população da Baixada Fluminense não

poderiam ser comparadas, por exemplo, a ideologia isebiana na medida em que não

eqüivaleria a algo articulado dentro de um conjunto de valores políticos definidos e sim a

uma maneira involuntária de reagir a um conjunto de adversidades que configuraram-se no

momento mesmo de ocupação dessa região periférica da segunda maior metrópole

brasileira.

Se pensarmos com Geertz38 que ideologia é um sistema cultural responsável pela

transformação do homem em um animal político, é possível renovar-se a maneira de

encarar-se o conceito de ideologia, sendo a partir da renovação desse conceito necessário

pensar-se que as ideologias populares são construídas por camadas subalternas de uma

sociedade em momentos nos quais esses estratos sociais sentem o seu conjunto tradicional

de valores ameaçados por pressões surgidas nas camadas elevadas da sociedade.

37 As conclusões acerca de ideologia dentro desse trabalho têm como inspiração principal o trabalho de Clifford GEERTZ. "A ideologia como sistema cultural" in A interpretação das Culturas. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1989. Auxiliaram de forma tangente para as nossas conclusões as seguintes obras:VOVELLE, Michel. Ideologies and mentalities, Cambridge, 1990.DUBY, Georges. “História social e ideologia das sociedades.” In História, Novos Problemas, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1995. 38 GEERTZ, Clifford. A interpretação das Culturas. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1989.

22

Page 23: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Nesse sentido o conceito de cultura política tal como proposto por Karina Kschnir e

Leandro Piquet Carneiro39 abarcaria a ideologia popular que seria enxergada como um

componente da cultura política oposto às ideologias oficias (aquelas terminadas em -ismo

tornadas em objeto execrável para grande parte dos estudiosos do social durante o século

XX). Elemento fundamental, entretanto, na medida em que determinaria as ações dos

agentes políticos das classes subalternas, formatando dessa forma comportamentos.

Tomando como exemplo a própria população proletária da Baixada, ao introduzir-se

o conceito de ideologia popular na análise da cultura política dessa população é possível

passar a não rotular a idéia baixadense de que a reivindicação de direitos é uma "besteira" 40

como alienação. Em lugar de tal rotulação, dever-se-ia considerar que essa idéia nasceu de

experiências concretas experimentadas em conjunto por essa população ao tentar acessar o

poder público que mostrou-se inatingível através de simples reivindicações. Ao mesmo

tempo é possível imaginar ser tal idéia uma das principais responsáveis pela expansão do

ideal de auto construção para fora dos primeiros lotes e pela dinamização da rede de

resolução de problemas práticos exemplificada na fala transcrita logo abaixo. Fala que

pertence a adolescentes bastante distantes do momento em que seus avôs migrantes

chegaram ao loteamento porém ainda reprodutores de práticas iniciadas há duas gerações:

[...] você deve ter visto que não temos luz nessa rua apesar da gente pagar todo mês iluminação pública na conta de luz. Foi besteira reclamar e a gente comprou os bocais e foi roubando luz da Light e colocando luz em cada poste. 41

"Água é a mesma coisa. Todo mundo aqui tem porque pagou para uns cara furar o cano da adutora que passa na rua de trás. A CEDAE nunca veio aqui legalizar e a gente vai gastando sem pagar. Adianta reclamar? 42

39 "(...) conjunto de atitudes, crenças, e sentimentos que dão ordem e significado a um processo político, pondo em evidência as regras e pressupostos nos quais se baseia o comportamento de seus atores." CARNEIRO, Leandro Piquet e KSCHNIR, Karina. "as dimensões subjetivas da política: cultura política e antropologia da política", in Estudos Históricos, Rio de Janeiro, FGV, vol. 13, nO 24, 1999. pp. 227-250. 40 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISSILVA, Raul Leonardo. Entrevista concedida em 29/03/99.Porteiro, natural de Ceará, nascido em 30/06/1949, morador do morro da Galinha em Belford Roxo 41 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISQUEIROZ, Fabiano da Silva. Entrevista

concedida em 29/10/98.Comerciário, natural de Belford Roxo, nascido em 20/12/1983, morador do bairro

Barro Vermelho em Belford Roxo42

ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISMATOS, Fernando Ferreira. Entrevista

concedida em 09/04/99.Comerciário , natural de Duque de Caxias, nascido em 11/05/1983, morador do bairro

23

Page 24: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

No decorrer da nossa pesquisa no Jornal de Hoje deparamo-nos com uma coluna

diária que trazia reclamações dos moradores de municípios da Baixada Fluminense sobre as

condições em que esses moradores viviam em seus bairros. Inicialmente chamou-nos a

atenção o fato dessa coluna de nome sugestivo - "Boca no Trombone" - reproduzir

fielmente a fala dos moradores dos bairros periféricos da Baixada. Além dessa fala em

estado puro chamou-nos a atenção a possibilidade de se conseguir com a leitura daquelas

reclamações estabelecer-se uma tipificação das reclamações populares. Sendo diária a

coluna e apresentando cinco reclamações por edição e, em cada edição, sendo vizinhos os

entrevistados, nascia a possibilidade de se qualificar essas reclamações populares através de

uma leitura que nos possibilitasse perceber quais problemas mais afligiam os baixadenses.

O recolhimento desses dados tinha uma intenção definida: comprovar a hipótese que

estava na gênese da noção rede de resolução de problemas práticos. Tínhamos a esperança

de comprovar que os problemas que mais chamariam a atenção dos moradores seriam os de

difícil resolução informal, ou seja, quanto mais difícil para a própria população resolver um

problema mais ele chamaria a atenção. Problemas geralmente enxergados como alarmantes

para qualquer observador externo (a violência, por exemplo) talvez sequer fossem

percebidos pelos entrevistados uma vez que maneiras internas de resolverem-se tais

problemas os transformassem em menores ou inexistentes, talvez.

Coletamos dados publicados nesta coluna entre o período próximo ao decréscimo do

processo de migração para a Baixada, 1982, e 1997, época em que a coluna Boca no

Trombone foi substituída pela coluna Seu Bairro, também destinada a apresentar problemas

urbanos da Baixada, porém não mais reproduzindo a fala dos próprios moradores.

Unicamente ler as reclamações populares não é surpreendente por não se encontrar no

elenco de problemas apontados pelos baixadenses ouvidos algo que se distancie

significativamente de reclamações comuns encontráveis em qualquer região periférica de

metrópoles brasileiras. Assim a ausência de saneamento básico, policiamento,

pavimentação, hospitais e escolas públicas, lotes abandonados, lixo acumulado, opções de

lazer, dentre outros, surgem como os principais problemas a se resolver ou mal resolvidos.

de Lote XV em Belford Roxo

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Page 25: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

A organização na ordem decrescente de importância desses problemas é que sugerem

que os baixadenses importam-se mais acentuadamente com problemas estritamente ligados

à ação efetiva do Estado. A organização dos problemas em ordem de importância

demonstra-nos que a falta de hospitais é o que mais aflige essa população, quando, devido

aos números alarmantes da ausência de fornecimento de água potável, de esgotamento

sanitário e de pavimentação, ou da grande disparidade representada na relação

policial/habitantes esperava-se que o saneamento básico ou a segurança pública surgissem

como problemas campeões na lista de reclamações populares.

A exposição de algumas dessas reclamações facilita o entendimento da maneira como

os baixadenses encaravam os problemas do seu bairro no momento da visita dos

jornalistas43:

"Adelaide da Costa - moradora do bairro Geraldo Danon, Nova Iguaçu:

'Falta muita coisa nesse bairro mais o pior é a falta de um hospital e de diversão para

as crianças. Escola tem pouca e eu nem preciso falar do calçamento que você mesmo vê

que só tem poeira aqui' - 18/03/1988"

__________________________________________

"Maria de Freitas Mota - moradora do bairro Palhada, Nova Iguaçu:

'Acho aqui uma coisa horrível mais as três piores coisas do bairro são a falta de

asfalto, de água encanada e de telefone' - 01/08/1984"

__________________________________________

"Moacir da Silva - morador do bairro Casa Verde, Belford Roxo, Nova Iguaçu:

'Aqui com certeza os piores problemas são a falta de hospital, de saneamento básico e

de iluminação nas ruas. Quando chove entope tudo e as casas acabam inundadas ' -

08/01/1983"

__________________________________________

"Marcolino da Silva Fernandes - morador do bairro Paraíso, Nova Iguaçu:

43 Lemos um número não determinado de reclamações, isolando dentre essas 2000 reclamações. É importante frisar que chamou-nos mais a atenção o fato do repórter perguntar aos entrevistados o seguinte: "Quais os três maiores problemas de seu bairro?" É perceptível que os moradores não se prendiam somente a três problemas. A natureza da pergunta, no entanto, induzia o entrevistado a pensar de imediato no que mais o preocupava dentro de seu bairro, acreditamos.

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Page 26: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

'Acho que as piores coisas daqui são falta de telefone, escola, água encanada, asfalto,

luz e lazer' - 23/02/1990"

__________________________________________

"Edileuza da Silva - morador do bairro Wona, Belford Roxo:

'O maior problema aqui é mesmo este esgoto entupido e a lama, quando chove. Mas

também quando não chove tem essa poeira. Por causa dela já tive que levar minha filha ao

médico com problemas respiratórios' - 22/06/1990"

__________________________________________

"Osmar Andrade - morador do bairro Casa Verde, Belford Roxo:

'Isto aqui está abandonado. A prefeitura esqueceu da gente. Tanto que a associação de

moradores do bairro é quase inoperante. Não adianta nada levar nossos problemas para o

prefeito. Ele não escuta mesmo' - 21/02/1987"

Reclamações desse tipo, entretanto, são extremamente raras:

"Oswaldo Mariano Mota - morador do bairro K11, Nova Iguaçu:

'A única coisa que tira o meu sono aqui é a insegurança. Já tive dois carros roubados

aqui no bairro e os moradores estão pensando já em pagar uma firma de segurança privada.

Ficou muito ruim principalmente depois que esses traficantes do Rio resolveram fugir para

a Baixada' - 09/08/1996"

__________________________________________

"Praxedes de Paula Andrade - morador do bairro D. Rodrigo, Nova Iguaçu:44

'Vim para cá há dez anos e sempre gostei daqui por causa da tranquilidade que eu não

encontrava na Tijuca onde tenho casa também. Só que de uns tempos para cá a violência

está aumentando acontecendo assalto a qualquer hora. É preciso mais polícia aqui no bairro

com toda a certeza.' - 23/02/1997

A tabela que segue fornece em números absolutos e percentuais o resultado da

pesquisa realizada na coluna de reclamações populares Boca no Trombone:

44 Os bairros iguaçuanos K11 e D. Rodrigo são considerados de "classe média" dentro da Baixada Fluminense.

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Page 27: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

PROBLEMAS NÚMEROS

TOTAIS

PORCENTA

GEM

Hospitais 500 25,0%

Lixos e pragas 400 20,0%

Segurança

pública

340 17,0%

Saneamento

básico

240 12,0%

Transporte

deficiente

180 9,0%

Telefones

públicos

180 9,0%

Creche, escolas 120 6,0%

Iluminação

pública

20 1,0%

Lotes

abandonados

10 0,5%

Opções de lazer 10 0,5%

TOTAL 2000 100%

Não temos a pretensão de fazer um retrato definitivo dos problemas baixadenses a

partir dos dados inseridos. O longo período investigado, dentro do qual diversas

modificações sociais, políticas e econômicas foram introduzidas, diluiu bastante as

possibilidades de se estabelecerem retrato momentâneos, o que fatalmente se imporia se

usássemos dados de um período mais curto. Sendo assim, a única pretensão que esta tabela

pode carregar é a de estabelecer uma hierarquia para as ausências flagrantes na região da

Baixada Fluminense e, partindo de tal hierarquização, estabelecer um caminho para

investigar-se o caráter das reações populares a estas ausências.

A hierarquização das reclamações permite-nos pensar que alguns problemas ou não

causam tanta preocupação, o que contraria a opinião dessa população, uma vez que eles

27

Page 28: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

foram apontados, ou existem maneiras alternativas deles serem resolvidos, o que os torna

menores, mas não inexistentes.

A falta de hospitais aparece como primeiro problema lembrado.45 O que não

surpreende se considerarmos o baixo nível social da população dos bairros onde foram

feitas as perguntas e imaginarmos as dificuldades enfrentadas por esta população ao tentar

montar um serviço paralelo complexo como seria a construção de unidades comunitárias de

saúde. Em contrapartida, a falta de escolas chama menos atenção dos populares do que a

ausência de telefones públicos ou a ineficiência dos serviços de transporte coletivo: o

adiamento indeterminado da educação dos filhos e o recurso à maneiras alternativas de se

locomover, podem ter transformado estes problemas em menores que a dificuldade de se

comunicar através de telefones.

A complexidade de resolução rege a hierarquização dos problemas. Assim a falta de

rede de esgotos e o lixo sempre acompanhado de diversas pragas são menos importantes

que os hospitais, na medida em que a abertura de valas negras e os vertedouros clandestinos

de detritos significam um alívio imediato para estes problemas. Algo, entretanto, chama-

nos mais a atenção, merecendo uma análise mais detalhada: o terceiro lugar alcançado pela

ausência sistemática de policiais nos bairros baixadenses. Apesar de dados oficiais

estabelecerem como relação policial / habitantes a fração 1/450046 a ausência de policiais

não parece incomodar principalmente se percebermos não existirem reclamações nos

bairros mais pobres a respeito dos assassinatos constantes ou ao descobrirmos que somente

25% do total de reclamações relativas a segurança pública foram obtidas nos bairros

periféricos tradicionalmente mais "barra pesada", sendo a maior parte dos reclamantes

sobre segurança pública moradores dos centros de cidades baixadenses ou de bairros mais

urbanizados.47

A hierarquização dos problemas urbanos fornecida pela análise das reclamações

populares, aliada a algumas declarações obtidas em entrevistas com elementos populares e

a percepção da mudança do ideal de auto construção presente na Baixada para além do lote

45 Pesquisa do IBGE realizada em 1997, apontou para o fato de existir naquele momento nos municípios da Baixada Fluminense unicamente um Hospital Geral.46 “Suplemento Especial Pró Baixada”, Jornal de Hoje 26/11/95.47 Mais digno de nota é o fato de as reclamações sobre a ausência de policiais sempre partirem daqueles bairros considerados pela polícia como "menos problemáticos", sendo problemático para os policiais um bairro com grande número de assassinatos ou dentro do qual existam lutas entre grupos rivais. Por "menos problemáticos" entende-se o bairro que tem como crimes mais freqüentes o furto e o roubo.

28

Page 29: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

popular, leva-nos a concluir que algumas demandas se auto resolvem diminuindo a

necessidade de ação do poder público ou pelo menos mascarando certos problemas que

deveriam, se seguirmos um certo padrão de explicação, explodir em forma de um ideal

reivindicativo.

Retomando-se sob novos prismas o conceito de ideologia, a atitude dos baixadenses

pode ser encarada como uma reação que invalida a pré-noção dessa população como

alienada política, o que faz-nos pensar se o arsenal de explicações usualmente utilizadas

para discutir-se as relações entre elites políticas e classes populares necessita de uma nova

interpretação.

5) Elites versus povo: uma alternativa para se pensar clientelismo e assistencialismo

Temos a esperança de que tornou-se claro a partir das análises elaboradas até aqui

não ser a cultura política baixadense construída unicamente pelas classes superiores

presentes nessa região, ensejando essa constatação uma necessária crítica a algumas leituras

do par clientelismo / populismo na política brasileira. Leituras essas que concluíram ser o

locus onde vivem os agentes políticos as classes produtoras de conhecimento e detentoras

da maior parte da riqueza nacional, enquanto para a massa urbana de trabalhadores caberia

o lugar de "parceiro-fantasma"48 de um jogo político para o qual somente é a "massa"

chamada devido ao fato de que na passagem do Brasil rural para o Brasil urbano surgiu a

necessidade desses proletários justificarem o poder político das elites através dos seus

votos.49

O populismo - expressão máxima do clientelismo no Brasil contemporâneo -,

segundo Weffort, seria marcado, portanto por uma ruptura resultante de uma modificação

superficial sofrida pela sociedade nacional em que o antagonismo eterno classes produtoras

versus elites se perpetuaria agora sob uma nova roupagem. Estruturalmente, entretanto, a

sociedade brasileira não se modificara e tal como nos campos os trabalhadores

48 WEFFORT, Francisco Corrêa. O populismo na política brasileira. São Paulo, Paz e Terra, 1980.49 Segundo Francisco WEFFORT a industrialização do Brasil acabou forçando as elites a inserirem as massas populares no jogo político em um processo chamado por ele de “tarefa trágica de toda democracia burguesa” que se processará maquiando a efetiva exclusão popular e traindo a massa citadina. WEFFORT, Francisco Corrêa. O populismo na política brasileira. São Paulo, Paz e Terra, 1980, pp. 123-142

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Page 30: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

experimentavam a clara manipulação exercida pelo coronel, aqui, nas cidades, esses

mesmos trabalhadores deveriam ser apascentados pelo político populista, que levava uma

desvantagem em relação ao coronel por necessitar elaborar um discurso que soasse

melodiosamente ao ouvido das massas urbanas uma vez que já não existia a possibilidade

de exercer-se o poder político através da intimidação explícita. Entrar-se-ia, seguindo-se

esta linha de raciocínio, em uma infinda discussão a respeito do caráter das relações entre

diferentes estratos da sociedade brasileira bem como a maneira elaborada pelas elites para

manter, após 1930, uma distância necessária das antigas "classes perigosas".

De uma maneira genérica encara-se o populismo como contido dentro de uma

estrutura designada clientelismo, que consiste em uma troca de favores entre um superior

que tem como função doar, e um inferior que recebe passivamente, podendo tal troca

fundamentar-se em laços de parentesco (nepotismo), de amizade (compadrio), de mero

interesse ou ainda mesclando essas características.

Passa-se a partir dessas constatações simples a pensar que o clientelismo no Brasil é

bem mais que uma prática restrita a um âmbito individual, de exceção, configura-se como o

modo de o povo brasileiro relacionar-se entre si e com seus governantes.

Vincula-se facilmente essa configuração política a uma espécie de condicionamento

de origem histórica, provocado pelo abandono da população por parte do Estado no

provimento de suas necessidades (que acabaram sendo providas por individuais, seja o

senhor de engenho, o coronel ou o "político amigo"), pela descaracterização do povo como

agente de sua própria história, e pelo interesse da classe dominante em manter essa forma

de exercer a sua hegemonia.

Exercício este de tal modo enraizado, que os próprios membros dessa elite o

consideram uma prática "normal”, não concebendo outra forma de se fazer política e

sociedade que não a clientelista, tornando-se a prática clientelística, então, em uma técnica

de controle social historicamente consagrada.

Não é difícil concluir a partir da "evolução" histórica do Brasil que o poder local foi

algo vivenciado desde o início da colonização brasileira tendo inicialmente a intenção de

atrair investimentos para a nova terra, através da idéia de que se apropriaria de um poder

absoluto aquele que para cá viesse aventurar-se, adicionando a esse "solitário poder" a

possibilidade de obtenção de fantásticos lucros oriundos da agricultura comercial.

30

Page 31: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Pode-se concluir a partir desse fato que as estruturas políticas formadas no Brasil

colonial giravam em função do engenho, sendo os senhores de engenho elementos

fundamentais em uma estrutura na qual dominavam tudo e todos com poderes absolutos.

Observa-se então, que dentro dessa perspectiva, para o "povo brasileiro", composto por

escravos, mulheres e brancos pobres, a noção do Estado como algo impessoal, (cuja função

seria a de promover o bem-estar da coletividade e no qual tais segmentos sociais teriam o

direito de participar) não existia: o que existia era a figura do senhor, único responsável por

qualquer bem-estar (ou mal-estar) de seus dependentes e o único que, faria algo que

ajudasse seus agregados.

Urgia pois, estar sempre na graça do senhor, dar-lhe apoio em qualquer circunstância,

sob pena de exclusão da própria sociedade.

Tais fatos levaram à desconsideração e descaracterização da maior parte da população

brasileira como segmento com real importância política e social, propiciando, por um lado,

a formação de poderosas oligarquias nas províncias e, por outro, a eclosão de movimentos

de revoltas populares (expressão da tensão subjacente nesta sociedade totalitária) incapazes

de articular uma organização política em torno de um objetivo concreto.

Os poucos movimentos populares que alcançaram o poder no Brasil, (a revolta dos

Cabanos no Pará em 1833, a revolta dos Balaios no Maranhão em 1837, entre outros),

foram marcados eles próprios por práticas clientelísticas, não conseguindo manter o "povo"

no poder por muito tempo.50

Com o advento da Constituição de 1891 que consignava em seu bojo algumas

reivindicações liberais (como a forma republicana de governo e a extensão do voto a todos

os maiores de 21 anos, o que colocava o Brasil no rol dos países "democráticos") passa a

ser imprescindível à burguesia cafeeira estimular vividamente o poder local, baseando-se na

força do coronel e no enfraquecimento do poder municipal para manter o controle dos

novos segmentos sociais emergentes e garantir a estabilidade institucional, para o

desenvolvimento da cultura cafeeira e a preservação dos interesses elitistas , internos e

externos.

50 REIS, João José Reis. Rebelião escrava no Brasil, São Paulo, Brasiliense, 1986.FREITAS, Decio. Cabanos os guerrilheiros do imperador, Rio de Janeiro, Graal, 1982. DIAS, Claudete Maria Miranda. Balaios e bem-te-vis: a guerrilha sertaneja, Teresina, Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1996.

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Page 32: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

A função do coronel dentro da política do "café com leite" era a de apropriar-se das

funções de Estado de tal modo que a população de determinada comunidade dependesse

unicamente dele para a satisfação das suas necessidades mais elementares, diferindo, dessa

maneira, muito pouco o padrão colonial de clientelismo dessa nova sujeição popular.

A capacidade de conseguir eleições favoráveis à situação determinava o próprio

poder do coronel junto à sua comunidade, uma vez que ele também dependia dos recursos

financeiros das esferas superiores de poder, doadoras-mor de assistência.

Estabelecia-se, assim, a relação clientelista em três níveis: comunidade-coronel-

governo, onde o governo só libera as verbas para o coronel satisfazer a comunidade e

manter o seu prestígio se este conseguir os votos da comunidade para o candidato do

governo.

A comunidade reconhece por sua vez, a autoridade do coronel e é grata a ele pelos

favores que faz atendendo-a.

Observa Maria de Lourdes, M. Janotti sobre esse fenômeno:

“Um dos pontos interessantes de serem notados é o reconhecimento tácito que a

Comunidade tem da autoridade do coronel. Abandonada pelos poderes públicos no que se

refere à saúde, à justiça e à instrução, pois o município não tinha condições de atendê-lo,

via o coronel como protetor natural(...).51

As instituições políticas e administrativas em seu caráter impessoal, estavam longe de

ser compreendidos pelo homem do campo. Os poderes da República eram personificados

no presidente, no governador, nos deputados, prefeitos e vereadores. Assumia o

coronelismo uma conotação de "direito natural" do mais forte e do mais rico.

A sucessão elitista ocorrida em 1930 significou principalmente a chegada ao poder

de uma burguesia industrialista que recorreu, através de Getúlio Vargas, a uma política de

massas em que entre as "funções" dos trabalhadores constava a de enxergar na figura de

Getúlio Vargas não o delegado político do qual se espera a utilização de verbas públicas

para promover o bem-estar de toda a sociedade, mas um salvador que se dignou preocupar-

se com a situação do "povo brasileiro", premiado por leis trabalhistas, do sufrágio secreto

51 JANOTTI, Maria de Lourdes. O coronelismo: uma política de compromissos. São Paulo, ed. Brasiliense, 1987. LEAL, Vítor Nunes. Coronelismo, enxada e voto; o município e o regime representativo no Brasil, 2 o ed., São Paulo, Alfa-Ômega, 1975

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Page 33: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

para todos os maiores de dezoito anos, indústrias de base e uma política mais autônoma e

menos dependente do exterior.

Durante a vigência da "República Populista" estabeleceram-se pactos entre "povo" e

políticos, o que resultou, apesar do relativo desenvolvimento econômico e político

característico dessa época, na não "evolução" do povo brasileiro, mantido da condição de

massa, e não agindo como classe: Os trabalhadores brasileiros não conseguiam identificar

na figura do patrão o “outro”, não existia a noção da contradição do sistema. Isso deve-se à

própria política de massas, que acentuava o caráter paternalista das relações de produção, e

a necessidade de manutenção das aquisições econômicas do proletariado:

Enquanto o universo social e cultural está predominantemente impregnado dos valores e padrões comunitários e patrimoniais, os trabalhadores não podem formular as suas reivindicações em termos propriamente políticos (...). Nesse universo, as tensões sociais desdobram-se no misticismo ou na violência individualizada e anárquica.52

Podendo-se, então, observar claramente a continuidade histórica do padrão

clientelista de dominação.

Salientamos, quando falávamos da época Colonial no Brasil, o caráter de favor,

assumido pela assistência que dava o senhor ao seu dependente. No coronelismo, o

abandono do município por parte do Estado e a dependência da comunidade dos

mandatários locais acentuava esse caráter, sendo que naquele momento histórico,

observava-se uma nítida troca de favores: O apoio político incondicional ao coronel versus

o que ele pudesse trazer de assistência para a comunidade. Durante a "República Populista"

ocorre o mesmo fenômeno clientelista do período colonial brasileiro, apenas adaptado às

modificações históricas, mas, no fundo, sempre o mesmo clientelismo que perdura até hoje.

Do exposto, conclui-se que o clientelismo no Brasil, muito mais do que uma

circunstância particular, é uma técnica de controle social da classe dominante sobre as

dominadas.

A "técnica" tem como ponto chave a desarticulação das classes dominadas através da

centralização do poder nas mãos de pessoas da classe dominante que confiscam para si as

funções da máquina estatal como se esta fosse sua propriedade.

52JANOTTI, Maria de Lourdes. O coronelismo: uma política de compromissos. São Paulo, ed. Brasiliense, 1987, p.05.

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Page 34: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Paralelamente verifica-se a criação do mito que estas pessoas são “especiais” (e não

meros funcionários públicos) e que não só têm o direito natural de estar no poder, como

está subentendido, no ato da eleição, que, ao ocupar seu cargo, poderá esta pessoa

“especial” fazer o que bem entender nele.

Como este político é considerado “amigo” pela comunidade que o elegeu, esta espera

que o seu padrinho faça algo em seu benefício, sem que algum retorno seja realmente

exigido.

A sistemática adotada provoca como conseqüência a descaracterização e o descrédito,

por parte da população, naquelas instituições que poderiam vir a ser uma ameaça ao poder

dominante (caso fossem utilizados em benefício da população) como os partidos políticos,

o governo, as leis e o próprio Estado.

A população, no clientelismo, torna-se dependente e incapaz de organizar-se e

participar efetivamente do jogo político do poder, que é totalmente comandado, então, pelas

elites. Possuindo a máquina estatal e o controle do jogo político, podem as elites utilizá-los

para a preservação e consecução de seus interesses.

A conclusão óbvia da visão maniqueísta apresentada acima, é que essa "evolução"

histórica anômala do "povo brasileiro", somente poderia resultar no acirramento dos

conflitos de classe (ou deveria ser de massa? [sem-terra x latifundiário, grevistas x patrões,

miséria das periferias x conforto dos centros urbanos]), que deverão simplesmente

"explodir" nossa sociedade fazendo com que o nosso centenário sistema clientelista

aproxime-se finalmente de um colapso.

Tal leitura equivocada e comum é bastante injusta tanto com as nossas elites quanto

(e principalmente) com as nossas classes subalternas chamadas genericamente de "povo".

Pode-se tomar como exemplo do estranhamento elitista em relação à inclusão das

classes populares no jogo político democrático o conjunto de "ideologias" elaboradas pelos

intelectuais ligados ao ISEB. Mas as conclusões se diferenciam muito das retiradas do

conjunto de idéias maniqueístas expostas acima.

Surgindo em um momento no qual a vida política brasileira caracterizava-se pelo

extremo dinamismo político, as formulações teóricas isebianas não deixaram uma marca

34

Page 35: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

profunda na história do pensamento intelectual brasileiro, porém definiram formas

escolhidas por determinadas frações da elite intelectual e política para desenvolver o novo

conceito de nação que intentava-se criar naquele momento de urbanização acelerada do

país.

Longe de pretender estabelecer novas maneiras de se encarar as idéias isebianas, a

exposição de algumas delas neste trabalho justifica-se somente por serem aqueles

intelectuais contemporâneos da passagem do Brasil rural ao Brasil urbano, iniciarem as

suas atividades durante o início da "república populista" e terem pensado no

estabelecimento de ideologias de desenvolvimento nacional intrinsecamente ligadas ao que

alguns isebianos chamavam de "grandes massas" nacionais. Foram os isebianos, portanto,

intelectuais extremamente preocupados com o estabelecimento de uma ideologia nacional

desenvolvimentista baseada em idéias que consideravam ser "verdadeira" a ideologia capaz

de unir todas as classes da nação, transformando o país em um local no qual haveria a paz

social tão necessária ao desenvolvimento.

Para além de constituírem em qualquer uma de suas diversas fases as principais idéias

isebianas fontes principais de ideologias oficiais do Brasil anterior ao golpe militar de 1964,

demonstra-nos essas idéias a enorme distância existente entre o que arquitetavam as elites

governamentais do país e o conjunto da população brasileira principalmente se

debruçarmo-nos sobre os isebianos que se preocupavam com a formulação de uma

ideologia específica destinada ao desenvolvimento da "nação". Ora, em 1956 ano de

transformação do IBESPE em ISEB, não era mais possível para a elite política brasileira

negar o fato de que qualquer plano de construção nacional deveria necessariamente

abranger o conjunto de trabalhadores que agora habitavam as cidades brasileiras,

transformadas rapidamente em enxames humanos. Surgirão dentro do ISEB idéias

desenvolvimentistas que enxergarão nas "massas" trabalhadoras as esperanças de se chegar

à "realidade".53

Em relação à necessidade de estabelecer-se uma ideologia nacional de

desenvolvimento baseada nas massas trabalhadoras, duas correntes aparentemente opostas

dentro do ISEB surgirão: a primeira encabeçada por Hélio Jaguaribe e secundada por

nomes como Cândido Mendes e Corbisier, defenderá teses que têm como característica

53 PINTO, Álvaro Vieira. Consciência e realidade nacional. Rio de Janeiro, ISEB, 1960. Vol. I, p. 64.

35

Page 36: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

geral a percepção da massa como um elemento importante dentro do processo de

desenvolvimento nacional. Tal importância detida pelas classes populares reveste-se,

entretanto da necessidade de manter-se uma distância segura demonstrada pela

consideração de Hélio Jaguaribe segundo o qual as massas deveriam ser "conscientizadas"

pelas classes empreendedoras, que têm como uma das suas funções demonstrar às

"grandes massas" que o desenvolvimento levado adiante pelas classes proprietárias é o

principal responsável pela elevação do nível de vida da própria massa. Para Jaguaribe e seu

grupo, portanto, as classes subalternas assumiriam um lugar de destaque na medida em que

menos se manifestassem. Esse autor pensa que muito raramente as "aspirações sociais" de

um determinado grupo correspondem aos seus reais "interesses" fazendo com que as

classes sociais sejam constantemente "vítimas da própria ideologia perdendo a

oportunidade de organizar em função dela [a ideologia] a sociedade a que pertencem."54

Aparentemente bem distante dessa anulação das ideologias populares parece

localizar-se Alberto Vieira Pinto. Em sua obra Ideologia e desenvolvimento Nacional este

autor define a ideologia de desenvolvimento nacional como "necessariamente" um

fenômeno de massas. Para transformar-se em verdadeira ideologia nacional

desenvolvimentista essa ideologia deveria proceder da consciência das massas pois para

Vieira Pinto é o trabalho o elemento essencial das transformações não somente materiais

mas também das transformações de consciência. Ora, é portanto a consciência das massas

trabalhadoras o ingrediente essencial na elaboração de qualquer ideologia

desenvolvimentista que se pretenda nacional. Em tal aspecto as idéias de Vieira Pinto

parecem diferir em muito das idéias de Jaguaribe, sendo essa distância, entretanto,

aparente: Vieira Pinto até de uma forma mais radical determina serem os estudiosos da

sociedade brasileira e os governantes da nação os únicos arautos dessa consciência,

cabendo a eles o fardo de interpretar a consciência das massas - pois essa consciência não

surgiria claramente - transformando tal consciência em "verdade" capaz de moldar uma

ideologia nacional de desenvolvimento que não atenda aos interesses de uma única classe.

Capaz, entretanto de satisfazer tanto a burguesia quanto as massas trabalhadoras da nação.

54 JAGUARIBE, Hélio. Nacionalismo na atualidade brasileira. ISEB, Rio de Janeiro, 1959, p. 49

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Page 37: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

A importância de lembrar e expor idéias de isebianos sobre o conjunto de

trabalhadores brasileiros tem nesse trabalho unicamente a intenção de mostrar a grande

distância entre um determinado discurso oficial55 e a prática de elementos das classes

trabalhadoras. Exatamente no momento em que a classe trabalhadora ganhava esses

cicerones desconhecidos por ela, cavavam-se nos terrenos dos loteamentos baixadenses os

buracos dos alicerces das casas proletárias sem que para tal fato se voltassem os olhares do

Estado. Na realidade o discurso oficial quando leva em consideração as classes subalternas

somente pode encará-las como um rebanho pronto para ser conduzido, negando a essas

classes a capacidade de organizar-se e adaptar-se nesse novo ambiente que é a metrópole

para onde afluem massas gigantescas de trabalhadores rurais empurrados pelas misérias do

campo brasileiro e atraídos pela possibilidade de um recomeço sobre novas bases.56

Enfim, a ação popular na Baixada que não pôde ser enxergada pelo poder público no

momento em que surgiam os primeiros loteamentos, conviveu com interpretações a respeito

da inserção das classes subalternas na vida urbana brasileira que idealizaram

(negativamente) o "povo" em lugar de perceber poderem as classes subalternas

organizarem-se. As tentativas isebianas de se fazer surgir da "consciência das massas"

uma ideologia ideal e toda a interpretação que considerava o populismo como uma relação

monologal demonstra dois grandes equívocos quando comparamos as interpretações

oficiais e as ações proletárias na região da Baixada Fluminense: o primeiro equívoco revela

uma incapacidade do Estado em suas diversas esferas de perceber o organismo que nascia

do encontro das maneiras paralelas de se resolver problemas urbanos. A rede de resolução

de problemas práticos nascida desse encontro de soluções informais é hoje utilizada por

alguns prefeitos baixadenses,57 explicitando que o desprezo demonstrado pela elite regional

55 A lembrança das idéias isebianas nos limites desse trabalho fez-se basicamente com a intenção de manter um discurso que prima pela prática. Quando falamos em ausência do poder público reportamo-nos a um conjunto de práticas oficias realizadas na região estudada por nós. Práticas essas que ignorando a população que ali assentava-se, ocasionaram o surgimento de reações populares. De uma maneira geral as práticas oficiais - melhor exemplo talvez seja o ISEB - durante a "República Populista" primaram por uma desconfiança em relação ao elemento popular e a explícita despreocupação em construir as bases de uma nação possuidora de menores diferenciações sociais. 56 Em municípios baixadenses como Belford Roxo a porcentagem de pessoas não nascidas no município chega a 84% segundo dados apresentados pelo IBGE em 1997. Verificar Anexo III no final desse capítulo.57 No capítulo II a ação de prefeitos dos novos municípios baixadenses surgidos a partir de 1990 com o desmembramento final dos distritos iguaçuanos é analisada, considerando-se esses prefeitos como os representantes de uma nova elite governamental oriunda da dinamização da rede de resolução de problemas práticos com o desenvolvimento de um tipo sui generis de liderança que chamamos de marginal.

37

Page 38: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

governante58 durante a época de ocupação proletária da Baixada Fluminense somente

reforçou as dificuldades enfrentadas pelos grupos de proletários que inicialmente ocuparam

os loteamentos.

O segundo equívoco revelado sobre a ação proletária na Baixada Fluminense

relaciona-se com o entendimento de que existe passividade popular no desconhecimento de

deveres e direitos e na negação das reivindicações como algo efetivamente solucionador de

problemas políticos inerentes à ação de governos. Aquele tradicional entendimento de que

cabe ao governo a responsabilidade por resolver todos os problemas, aspecto do

paternalismo extremamente aprofundado em nossas instituições políticas, é criticado

involuntariamente por esse morador que se orgulha do fato de não depender do governo

para manter sua rua transitável e seu bairro parcialmente organizado:

Não passava lixeiro? Não tinha era nada. Era um monte de terreno sem casa e com um monte de mato no meio daquelas terra tinha ainda uns pezinhos de laranja tudo arrasado. As rua toda esburacada e com mato. Sem iluminação nenhuma. Só pra encurtar a conversa: eu que tava chegando do interior do Espírito Santo quase voltei pra trás na mesma hora. Eu esperava um lugar organizado e era um arraso. Olha só hoje. Frente da casa capinada, luz na rua, ponto de ônibus coberto, tudo saneado. Me pergunta se a prefeitura ajudou? Ajudou nem um pouquinho. Também não dava pra ficar só reclamando e esperando pelos outros. Brasileiro tem mania de achar que tudo é responsabilidade dos outros. Eu capino a frente da minha casa, levo o lixo pra estrada de Madureira onde passa o caminhão todo dia, mantenho a luz do meu poste funcionando e ainda ajudo o pessoal da comunidade a construir um posto de saúde comunitário no bairro. Depois a gente vai pagar o médico prá vim aqui uma vez na semana. Não dá prá depender de quem não se importa com a gente. Político aqui não tem vez. A gente resolve quase tudo e ainda se sente gente porque tá ajudando o outro quando faz alguma coisa em comunhão com o irmão da gente que vive aqui do seu lado.59

O desprezo ao poder oficial revelado na fala desse habitante de um antigo

loteamento iguaçuano choca-se frontalmente com a solução conciliadora do ideal

reivindicativo e ao mesmo tempo introduz uma crítica ao paternalismo preconizado pelas

medidas assistencialistas utilizadas por uma série de políticos brasileiros. Para além disso a

fala do entrevistado permite-nos pensar nele como alguém que orgulha-se de substituir a

ação oficial da prefeitura iguaçuana, atribuindo a si e ao seu grupo de vizinhos -"irmãos" -

a responsabilidade pela construção de equipamentos urbanos mínimos, porém capazes de

58 Ver Anexo I no final do capítulo.59 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISSILVA, Marcos Vinícius da. Entrevista concedida em 02/09/1998Vendedor ambulante, natural do município do Rio de Janeiro, nascido em 30/10/1968, morador do bairro Bom Pastor em Belford Roxo

38

Page 39: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

tornar o seu bairro em um lugar menos desprezível. A passividade passa distante do

discurso desse entrevistado. Não ter certeza de seus direitos e deveres significou para ele

unicamente a possibilidade de construir para si e para o seu grupo um conjunto de direitos

e deveres próprios - não escritos - dentro do qual manter a frente da casa limpa é algo

imperativo, sendo um dever de todos ajudar o "irmão" realizando obras que na verdade

beneficiarão todo o bairro.

Tal ponto de vista de um indivíduo pertencente a uma comunidade baixadense

choca-se claramente com a visão maniqueísta acerca das relações políticas entre desiguais

que apresentamos acima ou com uma consciência-matéria-prima buscada pelos isebianos,

por exemplo.

A fala do entrevistado de uma certa maneira afina-se com as novas visões sobre o

clientelismo que estudos mais recentes trouxeram para o campo político nacional, na

medida em que essa categoria, segundo essas novas visões, não se constituiria exatamente

em uma relação de dominação levada adiante por um membro da elite política que encara o

conjunto dos trabalhadores urbanos como sua massa amoldável.

Não exatamente ao contrário, porém de uma maneira diversa do que disseram os

pioneiros estudiosos dos fenômenos relacionados ao clientelismo no Brasil, um conjunto de

novos pensadores sociais entende que existe na realidade um diálogo entre elite política e

classes subalternas, não havendo unicamente uma relação de simples troca desvantajosa

entre os dois atores (elite política e povo)60. Mesmo em um período extremamente eivado

pelas práticas assistencialistas como a república dos coronéis é difícil pensar-se em uma

sujeição completamente muda dos "oprimidos" pelos "opressores" como mostra-nos José

Murilo de Carvalho,61 que em um diálogo com Vitor Nunes Leal demonstra, auxiliado por

estudos realizados por Paul Cammack, que o voto, agente intermediador básico entre os

agentes políticos envolvidos nessa trama não possuía um peso tão elevado como aquele

pensador entendeu ter. Na realidade não existiu uma expansão da base eleitoral apesar do

advento da República brasileira, não podendo, portanto, afirmar-se que os coronéis (agentes

opressores fundamentais da república velha) assentavam o seu poder unicamente sobre o

60 LEAL, Vítor Nunes. Coronelismo, enxada e voto; o município e o regime representativo no Brasil, 2 o ed., São Paulo, Alfa-Ômega, 1975 61 CARVALHO, José Murilo de. "O coronelismo", in Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro (1930-1983). FGV, v. II, pp.932-934, Rio de Janeiro, Forense Universitária / FINEP, 1984.

39

Page 40: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

controle do voto dos elementos sujeitos a ele, conforme o afirmado por Vitor Nunes Leal

em 1949.

Também verificando as relações existentes entre elite política e classes subalternas

brasileiras a partir de 1930, Angela de Castro Gomes em artigo de 199662, após um balanço

bibliográfico sobre o tema, ofereceu uma análise baseada no seu próprio trabalho sobre

relações clientelísticas dentro do Governo Vargas63. Seguindo um conjunto de trabalhos que

reavaliavam o papel dos atores políticos dentro do Brasil urbano pós-1930, essa autora

demonstra não ser possível conformar-se com o ponto de vista que considera os

trabalhadores brasileiros conclamados pelo líder providencial Getúlio Vargas como uma

massa inerte e manipulável, distante disso a sua "abordagem se recusava atribuir aos

trabalhadores uma posição política passiva, não importando se mais ou menos

completa."64 Sendo necessário "atribuir aos trabalhadores um papel ativo - vale dizer: uma

presença constante na interlocução com o Estado - significava reconhecer um diálogo

entre atores com recursos de poder diferenciados, mas igualmente capazes de se apropriar

e reler as propostas político-ideológicas um do outro."65 Admitindo-se essa visão mais

autônoma torna-se possível reavaliar o papel das classes subalternas da sociedade brasileira,

abrindo-se a partir daí a possibilidade de visualizá-las "relendo" as ideologias das classes

superiores ou - e é este o nosso ponto de vista talvez mais radical - reagindo as ideologias

oficiais ao criar mecanismos que preenchem os locais deixados vazios pelo Estado.

Resolvido o problema de reavaliar-se as tradicionais visões acerca dos atores políticos

brasileiros resta perceber como a prática assistencialista que permeia as relações entre

sujeitos políticos desiguais pode ser percebida não necessariamente como algo apenas

negativo, mas como uma prática que permite aos elementos populares alcançar o que esses

estratos sociais consideram como seus direitos.

Se por um lado as práticas assistencialistas ensejam o surgimento de máquinas

políticas geralmente postas em ação para beneficiar seus construtores e mantenedores66 -

62 GOMES, Angela de Castro. O populismo e as Ciências Sociais no Brasil, in Tempo. Rio de Janeiro, Vol. 1, no 2, 1996, pp.31-58. 63 IDEM. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1994. 64 GOMES, Angela de Castro. "O populismo e as Ciências Sociais no Brasil", in Tempo. Rio de Janeiro, Vol. 1, no 2, 1996, pp.31-58. p. 5365 Ibid., p. 53

40

Page 41: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

fato que é constantemente lido como negativo principalmente por possibilitar a corrupção67

-, por outro lado esse assistencialismo resolve de forma imediata problemas enfrentados

quotidianamente por diversos estratos das classes subalternas, transformando-se dentro de

determinados espaços urbanos na forma essencial de obtenção de benfeitorias geralmente

não alcançáveis através das reivindicações.

A partir de um trabalho como O cotidiano da política68 em que se pode acompanhar o

dia-a-dia de dois políticos cariocas que transformaram em "curral eleitoral"69 um bairro

periférico da Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro é possível verificar-se a existência de

algumas peculiaridades que envolvem tanto os dois elementos da elite política como - e

principalmente - a população do bairro que garante a estes políticos as suas sucessivas

eleições.

Os dois políticos - pai e filha - já tornaram em tradicionais as suas presenças no poder

legislativo do estado do Rio de Janeiro (o pai) e da capital desse estado (a filha).

Notabilizam-se os dois dentro do bairro, entretanto, não pela sua eficiência legislativa mas

sim por uma espécie de abandono dos objetivos desse poder a partir da transformação deles

em agentes facilitadores dos diálogos entre a "comunidade" do bairro e o poder executivo,

garantindo para a "comunidade" do bairro condições adequadas de sobrevivência como

creches, escolas bem cuidadas, policiamento, saneamento básico, etc. Conforme esses

próprios políticos dizem em entrevistas realizadas para a confecção do trabalho de Karina

Kuschnir, seus mandatos não teriam sentido se não se constituíssem em elementos que

obtém "acessos" ao poder executivo. Todo e qualquer aspecto da vida política é de menor

importância para esses dois políticos que essa pavimentação de caminhos que facilitem a

chegada (indireta) dos elementos populares aos centros executivos de poder, o que explica

as constantes trocas de partido realizadas pelos dois legisladores e a escolha de assessores

que podem auferir vantagens econômicas a partir da influência dos dois parlamentares e ao

mesmo financiar suas "obras sociais" e campanhas políticas, aliás, facilitadas pelo fato de

66 DINIZ, Eli. Voto e máquina política; patronagem e clientelismo no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Paz e terra, 1982.67 BEZERRA, Marcos Otávio. Corrupção : um estudo sobre poder publico e relações pessoais no Brasil, Rio de Janeiro, Relume-Dumara, 1995. 68 KUSCHNIR, Karina. O cotidiano da política. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2000.69 O termo "curral eleitoral" embora já desgastado, parece encaixar-se perfeitamente no caso desses dois políticos que conseguiram eleger-se sucessivas vezes sempre arrebanhando dentre do bairro de sua influência uma quantidade grande de votos.

41

Page 42: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

não precisarem se expandir por toda a cidade do Rio de Janeiro, mas unicamente pelo

bairro de atuação dos parlamentares e para as suas cercanias.

A atuação desses dois parlamentares no bairro suburbano carioca de Roseiral 70 tem a

intenção primeira de criar uma máquina política garantidora da permanência desses atores

no centro da vida política. Inegavelmente, no entanto, essa máquina não exatamente se

realimenta da manutenção da "estrutura de misérias",71 mas sim da possibilidade de se

poder alcançar mais benfeitorias ou manterem-se as já conseguidas por esses "eficientes"

políticos que "escolheram" Roseiral como "sua área de influência".

Configura-se a partir do exposto uma troca entre desiguais. Tal troca não é, no

entanto, desvantajosa para a população envolvida. O assistencialismo que reveste todas as

relações entre a vereadora, seu pai e a "comunidade" suburbana de Roseiral é capaz de

trazer benefícios reais à população desse bairro que se destaca de alguns outros do subúrbio

carioca exatamente por estar melhor assistido pelo poder público que se torna (sempre

indiretamente) alcançável através das estradas - "acessos" políticos - abertas e

pavimentadas pelos dois parlamentares.

Poderia parecer que esse assistencialismo benfeitor é unicamente uma forma de

disfarçar uma anomalia política. Tal consideração, entretanto, pressupõe que consideremos

a existência de um padrão de comportamento político, ou seja, que exista um

comportamento ideal e que qualquer desvio desse ideal deva ser considerado

negativamente.

O calcanhar de aquiles das visões tradicionais sobre assistencialismo, talvez residam

exatamente aí, uma vez que elas sempre partem do respeito a esse ideal político72, o que faz

com que invariavelmente tais visões consigam adjetivar unicamente de maneira negativa as

relações políticas entre desiguais.73 O que é algo lógico, pois, existindo um ideal, qualquer

70 Segundo a autora é esse um nome criado por ela a fim de facilitar o anonimato dos personagens do livro. 71 DINIZ, Eli. Voto e máquina política; patronagem e clientelismo no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Paz e terra, 1982.72 Ideal personificado pela democracia representativa, que por sua própria natureza, pressupõe o afastamento do cidadão dos mecanismos de gerenciamento do Estado, obrigando, entretanto que os componentes do corpo social somente recebam adequadamente o título de cidadão quando pressionam o Estado através da fiscalização e da reivindicação de direitos.73 Como exemplos de adjetivos comumente utilizados pelos tradicionais estudiosos do fenômeno assistecialista/clientelista para designar as classes populares temos: alienadas, manipuladas, massificadas, fracas, passivas, desorganizadas, destinatárias, objetos, cooptadas, enganadas, inconscientes, etc.

42

Page 43: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

fuga dele constitui-se em anomalia e, portanto, resolvido está, através da rotulação,

qualquer problema.

O que talvez deva ser pensado é se é papel do investigador social analisar um fato

qualquer inserindo-o em um conjunto pré-definido de valores, ou seja, se é papel da

investigação social estabelecer ideais ou comparar comportamentos definindo como

anômalo o comportamento que não cabe em um determinado modelo.

Uma conclusão relacionada a essa questão de ser legítimo estabelecer-se um padrão

de comportamento político pode ser encontrado no já citado artigo de Angela de Castro

Gomes74, que ao deparar-se com o processo de construção da classe operária brasileira

concluiu não poder existir uma maneira correta ou incorreta de uma sociedade construir e

remodelar o seu campo político, não podendo um processo histórico de construção de

classe sofrer "desvio", já que não existe uma meta para se alcançar.

É possível concluir a partir das considerações expostas acima que as reavaliações das

relações políticas necessariamente existentes entre classes subalternas e elites políticas

diferenciam-se de tal forma das conclusões inerentes às visões tradicionalmente aplicáveis

às classes populares brasileiras que tornou-se possível a partir dessas novas visões

construírem-se trabalhos que primem pela visualização das maneiras criadas pelas próprias

classes populares para vivenciar o político. Não se trata de negar completamente a validade

dos tradicionais pontos de vista acerca das relações clientelísticas, uma vez que continuam

a existir intercâmbios entre elites políticas e classes subalternas. A natureza desses

intercâmbios, entretanto, é que deve ser revista, não devendo sobreviver qualquer visão que

leve a formulações de juízos de valor.

O capítulo seguinte de uma forma mais objetiva demonstrará as maneiras como o

conjunto de elementos proletários habitantes da Baixada Fluminense organizaram-se com a

finalidade última de fazer frente às diversas ausências causadas pelo poder público em suas

diversas esferas. Será retomada então uma discussão já iniciada no presente capítulo que

pauta-se pelo estabelecimento de maneiras diversas das tradicionalmente encontradas para

74 GOMES, Angela de Castro. "O populismo e as Ciências Sociais no Brasil", in Tempo. Rio de Janeiro, Vol. 1, no 2, 1996, pp.31-58.. p. 52

43

Page 44: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

resolverem-se problemas oriundos o mais das vezes pela negação do poder público em

presentificar-se nos bairros periféricos das diversas cidades baixadenses.

ANEXO I

UM TREM QUE PARTE75

Ruy Afrânio Peixoto

75 PEIXOTO, Ruy Afrânio, Imagens Iguaçuanas, Nova Iguaçu, mimeo, 1963, p. 03

44

Page 45: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Longe, ainda longe, na curva de Mesquita, já se ouvia o apitar do trem.

Movimentava-se a Estação. Era o “Fumaça” que ia chegar, como já anunciara o sinozinho

do Agente.

Garotos, a postos, preparavam seus sacos de laranjas, suas cestinhas de biscoitos,

doces de leite e roletes de cana.

As janelas abriam-se curiosas e das chácaras de laranjeiras que se debruçavam até a

linha férrea, saiam espectadores ansiosos.

O trem ia chegar...

Se bem que diário, era um acontecimento festivo, contudo, para essa pacata

Maxambomba, sem grandes preocupações.

Os trilhos já gargarejavam à aproximação da máquina ofegante, rumorosa, na

majestade de civilização.

Da rua, onde pacientes burros tropeiros pisoteavam a lama, surgiam, ronceiramente,

os retardatários.

O trem esperava...

O ar se impregnava de carvão e a máquina, exalando um ofegante suspiro, parava

finalmente.

Começava o movimento.

Fisionomias eufóricas, sorrisos, amabilidades, trocas de cortesias.

Eram conhecidos os que chegavam, porque só os conhecidos chegavam.

Com um plangente apito, que se perdia no eco das serras, partia, vagarosamente, o

trem.

E o tempo passou...

* * *

Centenas de pessoas, acotovelando-se, comprimindo-se, esperam, na extensa faixa de

cimento, o trem que não tarda.

E ele chega, o elétrico, rápido, como rápido estanca sua imensidão metálica, rangendo

nos trilhos suas rodas freadas a ar comprimido.

A um só tempo, mais de uma dezena de portas se abre para uma avalanche humana

que se choca com a outra comprimida, cá fora, que vai afoguetando, para dentro do trem,

homens socalcados.

45

Page 46: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

São fisionomias suarentas, cansadas, esgotadas do trabalho.

Empurrões, impropérios, palavrões.

Ainda há centenas de pessoas na estação, enquanto já outras centenas cascateiam-se

pelas escadas, aos atropelos, para se arremessarem aos ônibus e lotações que se agitam,

impacientes, nos seus motores de explosão.

Uma buzina curta despótica, anuncia, a um tempo, o cerrar das portas e a partida do

trem, instantânea, como uma veloz lacraia metálica do progresso.

Progresso...

Oh! Nova Iguaçu por que não ficaste sempre Maxambomba?

ANEXO II

SÍMBOLO DO GOVERNO MUNICIPAL IGUAÇUANO ENTRE 1996-2000:

46

Page 47: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

ANEXO III

A BAIXADA FLUMINENSE EM NÚMEROS76

Belford Roxo

Área total (1997): 73,5 km2

Data de instalação: 01/01/1993

Demografia

População (1996): 393.520

Densidade Demográfica (1996): 5.354,0 hab/km2

Óbitos: 1962

Óbitos violentos: 385

Porcentagem de migrantes: 84%

Taxa média geométrica de crescimento anual da população(1991-1996): 1,76%

Taxa de urbanização (1991): 100,0%

Área social

Estabelecimentos ambulatoriais credenciados pelo SUS (março/1997): 44

Hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 3

Leitos para internação em hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 310

Estabelecimentos de ensino existentes (1996)

Federal: 0

Estadual: 50

Municipal: 69

Particular: 44

Número de eleitores (1996): 221.456

76 FONTE: (http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm )

47

Page 48: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Delegacias de Polícia (1996): 1

Infra-estrutura

Ligações faturadas de água do sistema CEDAE (1996): 70.360

Economias ligadas ao sistema de água da CEDAE (1996): 100.715

Terminais telefônicos instalados (1995): 8.734

Telefones públicos (1995): 162

Economia

Estimativas do PIB, a preços correntes, a custo de fatores - 103 R$ (1995): 1.572.906

Arrecadação de ICMS - 103 R$ (1996): 33.447

Duque de Caxias

Área total (1997): 465,7 km2

Data de instalação: 01/01/1944

Demografia

População (1996): 712.370

Densidade Demográfica (1996): 1.529,7 hab/km2

Óbitos: 4204

Óbitos violentos: 951

Porcentagem de migrantes: 70%

Taxa média geométrica de crescimento anual da população(1991-1996): 1,30%

Taxa de urbanização (1991): 99,4%

Área Social

Estabelecimentos ambulatoriais credenciados pelo SUS (março/1997): -

Hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 16

Leitos para internação em hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 1.661

48

Page 49: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Estabelecimentos de ensino existentes (1996)

Federal: 0

Estadual: 94

Municipal: 96

Particular: 70

Número de eleitores (1996): 487.397

Delegacias de Polícia (1996): 5

Corpo de Bombeiros (1996): 1

Infra-estrutura

Ligações faturadas de água do sistema CEDAE (1996): 79.894

Economias ligadas ao sistema de água da CEDAE (1996): 124.151

Terminais telefônicos instalados (1995): 34.792

Telefones públicos (1995): 473

Economia

Número de estabelecimentos (1993)

Extrativa Mineral: 3

Indústria de Transformação: 818

Construção Civil: 116

Comércio: 1.774

Serviços: 1.250

Administração Pública: 17

Agropecuária: 27

Outras: 480

Número de empregados (1993)

Extrativa Mineral: 50

Indústria de Transformação: 24.179

Construção Civil: 2.899

Comércio: 14.018

Serviços: 25.109

Administração Pública: 9.412

49

Page 50: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Agropecuária: 11

Outras: 5.690

Estimativas do PIB, a preços correntes, a custo de fatores - 103 R$ (1995): 3.211.745

Arrecadação de ICMS - 103 R$ (1996): 707.126

Itaguaí

Área total (1997): 279,3 km2

Data de instalação: 11/02/1820

Demografia

População (1996): 69.961

Densidade Demográfica (1996): 250,5 hab/km2

Óbitos: 757

Óbitos violentos: 209

Porcentagem de migrantes: 79%

Taxa média geométrica de crescimento anual da população(1991-1996): 2,88%

Taxa de urbanização (1991): 93,6%

Área Social

Estabelecimentos ambulatoriais credenciados pelo SUS (março/1997): 50

Hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 4

Leitos para internação em hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 268

Estabelecimentos de ensino existentes (1996)(1)

Federal: 2

Estadual: 22

Municipal: 48

Particular: 11

Número de eleitores (1996): 60.208

Delegacias de Polícia (1996): 1

Corpo de Bombeiros (1996): 1

50

Page 51: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Infra-estrutura

Ligações faturadas de água do sistema CEDAE (1996)(1): 12.952

Economias ligadas ao sistema de água da CEDAE (1996)(1): 17.898

Terminais telefônicos instalados (1995)(1): 5.280

Telefones públicos (1995)(1): 73

Economia

Número de estabelecimentos (1993)(1)

Extrativa Mineral: 50

Indústria de Transformação: 63

Construção Civil: 20

Comércio: 328

Serviços: 207

Administração Pública: 8

Agropecuária: 16

Outras: 97

Número de empregados (1993)(1)

Extrativa Mineral: 190

Indústria de Transformação: 2.288

Construção Civil: 357

Comércio: 1.493

Serviços: 3.019

Administração Pública: 2.506

Agropecuária: 93

Outras: 3.056

Estimativas do PIB, a preços correntes, a custo de fatores - 103 R$ (1995): 613.557

Arrecadação de ICMS - 103 R$ (1996): 26.821

(1) Inclui o município de Seropédica

Japeri

51

Page 52: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Território

Área total (1997): 82,9 km2

Data de instalação: 01/01/1993

Demografia

População (1996): 66.427

Densidade Demográfica (1996): 801,3 hab/km2

Óbitos: 532

Óbitos violentos: 57

Porcentagem de migrantes: 81%

Taxa média geométrica de crescimento anual da população(1991-1996): 0,21%

Taxa de urbanização (1991): 100,0%

Área Social

Estabelecimentos ambulatoriais credenciados pelo SUS (março/1997): 9

Hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 3

Leitos para internação em hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 220

Estabelecimentos de ensino existentes (1996)

Federal: 0

Estadual: 8

Municipal: 16

Particular: 6

Número de eleitores (1996): 45.674

Delegacias de Polícia (1996): 0

Corpo de Bombeiros (1996): 0

Infra-estrutura

Ligações faturadas de água do sistema CEDAE (1996): - dados não disponíveis

Economias ligadas ao sistema de água da CEDAE (1996): - dados não disponíveis

Terminais telefônicos instalados (1995): 300

Telefones públicos (1995): 6

52

Page 53: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Economia

Estimativas do PIB, a preços correntes, a custo de fatores - 103 R$ (1995): 24.913

Arrecadação de ICMS - 103 R$ (1996): 496

Magé

Área total (1997): 390,7 km2

Data de instalação: 12/06/1789

Demografia

População (1996): 180.550

Densidade Demográfica (1996): 462,1 hab/km2

Óbitos: 1376

Óbitos violentos: 182

Porcentagem de migrantes: 79%

Taxa média geométrica de crescimento anual da população(1991-1996): 1,97%

Taxa de urbanização (1991): 93,9%

Área Social

Estabelecimentos ambulatoriais credenciados pelo SUS (março/1997): 65

Hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 5

Leitos para internação em hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 440

Estabelecimentos de ensino existentes (1996)

Federal: 0

Estadual: 32

Municipal: 52

Particular: 20

Número de eleitores (1996): 120.673

Delegacias de Polícia (1996): 1

Corpo de Bombeiros (1996): 1

53

Page 54: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Infra-estrutura

Ligações faturadas de água do sistema CEDAE (1996): 13.977

Economias ligadas ao sistema de água da CEDAE (1996): 18.210

Terminais telefônicos instalados (1995): 4.211

Telefones públicos (1995): 64

Economia

Número de estabelecimentos (1993)(1)

Extrativa Mineral: 9

Indústria de Transformação: 130

Construção Civil: 22

Comércio: 495

Serviços: 217

Administração Pública: 7

Agropecuária: 32

Outras: 110

Número de empregados (1993)(1)

Extrativa Mineral: 74

Indústria de Transformação: 3.620

Construção Civil: 165

Comércio: 2.214

Serviços: 2.030

Administração Pública: 2.363

Agropecuária: 134

Outras: 919

Estimativas do PIB, a preços correntes, a custo de fatores - 103 R$ (1995): 189.235

Arrecadação de ICMS - 103 R$ (1996): 9.651

(1) Inclui o município de Guapimirim

Mesquita

54

Page 55: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Área total (1997): 35,36 km2

Data de instalação: 01/01/2001

Demografia

População (1999): 141,995

Densidade Demográfica (1996): 4.016 hab/km2

Taxa de urbanização (1991): 100%

Área Social

Estabelecimentos ambulatoriais credenciados pelo SUS (março/1997): 3

Delegacias de Polícia (1996): 1

Corpo de Bombeiros (1996): 0

Nilópolis

Área total (1997): 19,2 km2

Data de instalação: 22/08/1947

Demografia

População (1996): 155.190

Densidade Demográfica (1996): 8.082,8 hab/km2

Óbitos: 1245

Óbitos violentos: 84

Porcentagem de migrantes: 91%

Taxa média geométrica de crescimento anual da população(1991-1996): -0,37%

Taxa de urbanização (1991): 100,0%

Área Social

Estabelecimentos ambulatoriais credenciados pelo SUS (março/1997): 40

Hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 4

Leitos para internação em hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 442

55

Page 56: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Estabelecimentos de ensino existentes (1996)

Federal: 0

Estadual: 15

Municipal: 14

Particular: 28

Número de eleitores (1996): 142.180

Delegacias de Polícia (1996): 1

Corpo de Bombeiros (1996): 1

Infra-estrutura

Ligações faturadas de água do sistema CEDAE (1996): 29.870

Economias ligadas ao sistema de água da CEDAE (1996): 39.238

Terminais telefônicos instalados (1995): 9.178

Telefones públicos (1995): 230

Economia

Número de estabelecimentos (1993)

Extrativa Mineral: 0

Indústria de Transformação: 87

Construção Civil: 18

Comércio: 417

Serviços: 260

Administração Pública: 7

Agropecuária: 8

Outras: 107

Número de empregados (1993)

Extrativa Mineral: 0

Indústria de Transformação: 1.090

Construção Civil: 116

Comércio: 2.423

Serviços: 2.730

Administração Pública: 2.229

56

Page 57: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Agropecuária: 0

Outras: 1.542

Estimativas do PIB, a preços correntes, a custo de fatores - 103 R$ (1995): 492.171

Arrecadação de ICMS - 103 R$ (1996): 5.747

Nova Iguaçu

Área total (1997): 566,6 km2

Data de instalação: 29/07/1833

Demografia

População (1996): 801.036

Densidade Demográfica (1996): 1.413,8 hab/km2

Óbitos: 5421

Óbitos violentos: 901

Porcentagem de migrantes: 83

Taxa média geométrica de crescimento anual da população(1991-1996): 0,73%

Taxa de urbanização (1991): 99,6%

Área Social

Estabelecimentos ambulatoriais credenciados pelo SUS (março/1997): 110

Hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 8

Leitos para internação em hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 1.502

Estabelecimentos de ensino existentes (1996)

Federal: 0

Estadual: 103

Municipal: 82

Particular: 92

Número de eleitores (1996): 526.724

Delegacias de Polícia (1996): 4

57

Page 58: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Corpo de Bombeiros (1996): 1

Infra-estrutura

Ligações faturadas de água do sistema CEDAE (1996): 74.420

Economias ligadas ao sistema de água da CEDAE (1996): 112.143

Terminais telefônicos instalados (1995): 28.858

Telefones públicos (1995): 618

Economia

Número de estabelecimentos (1993)(1)

Extrativa Mineral: 19

Indústria de Transformação: 600

Construção Civil: 107

Comércio: 2.477

Serviços: 1.496

Administração Pública: 15

Agropecuária: 31

Outras: 611

Número de empregados (1993)(1)

Extrativa Mineral: 473

Indústria de Transformação: 14.388

Construção Civil: 1.331

Comércio: 16.800

Serviços: 21.318

Administração Pública: 6.325

Agropecuária: 91

Outras: 9.505

Estimativas do PIB, a preços correntes, a custo de fatores - 103 R$ (1995): 1.611.982

Arrecadação de ICMS - 103 R$ (1996): 51.566

(1) Inclui os municípios de Belford Roxo, Japeri e Queimados

Paracambi

58

Page 59: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Área total (1997): 179,3 km2

Data de instalação: 13/11/1960

Demografia

População (1996): 38.844

Densidade Demográfica (1996): 216,6 hab/km2

Óbitos: 291

Óbitos violentos: 20

Porcentagem de migrantes: 83

Taxa média geométrica de crescimento anual da população(1991-1996): 1,29%

Taxa de urbanização (1991): 92,0%

Área Social

Estabelecimentos ambulatoriais credenciados pelo SUS (março/1997): 23

Hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 6

Leitos para internação em hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 2.161

Estabelecimentos de ensino existentes (1996)

Federal: 0

Estadual: 7

Municipal: 18

Particular: 4

Número de eleitores (1996): 29.422

Delegacias de Polícia (1996): 1

Corpo de Bombeiros (1996): 1

Infra-estrutura

Ligações faturadas de água do sistema CEDAE (1996): 4.314

Economias ligadas ao sistema de água da CEDAE (1996): 5.614

Terminais telefônicos instalados (1995): 1.648

Telefones públicos (1995): 21

59

Page 60: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Economia

Número de estabelecimentos (1993)

Extrativa Mineral: 2

Indústria de Transformação: 27

Construção Civil: 1

Comércio: 112

Serviços: 66

Administração Pública: 1

Agropecuária: 4

Outras: 32

Número de empregados (1993)

Extrativa Mineral: 10

Indústria de Transformação: 1.762

Construção Civil: 0

Comércio: 344

Serviços: 1.992

Administração Pública: 318

Agropecuária: 0

Outras: 214

Estimativas do PIB, a preços correntes, a custo de fatores - 103 R$ (1995): 71.644

Arrecadação de ICMS - 103 R$ (1996): 775

Queimados

Área total (1997): 78,0 km2

Data de instalação: 01/01/1993

Demografia

População (1996): 108.531

Densidade Demográfica (1996): 1.391,4 hab/km2

Óbitos: 794

Óbitos violentos: 87

60

Page 61: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Taxa média geométrica de crescimento anual da população(1991-1996): 1,89%

Porcentagem de migrantes: 79

Taxa de urbanização (1991): 100,0%

Área Social

Estabelecimentos ambulatoriais credenciados pelo SUS (março/1997): 15

Hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 1

Leitos para internação em hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 57

Estabelecimentos de ensino existentes (1996)

Federal: 0

Estadual: 17

Municipal: 18

Particular: 10

Número de eleitores (1996): 71.008

Delegacias de Polícia (1996): 1

Corpo de Bombeiros (1996): 0

Infra-estrutura

Ligações faturadas de água do sistema CEDAE (1996): 19.112

Economias ligadas ao sistema de água da CEDAE (1996): 25.602

Terminais telefônicos instalados (1995): 1.646

Telefones públicos (1995): 52

Economia

Estimativas do PIB, a preços correntes, a custo de fatores - 103 R$ (1995): 735.838

Arrecadação de ICMS - 103 R$ (1996): 40.649

Seropédica

Área total (1997): 266,6 km2

Data de instalação: 01/01/1997

61

Page 62: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Demografia

População (1996): 54.252

Óbitos: 209

Óbitos violentos: 52

Densidade Demográfica (1996): 203,5 hab/km2

Taxa média geométrica de crescimento anual da população(1991-1996): 0,71%

Porcentagem de migrantes: 90%

Taxa de urbanização (1991): 75,1%

Área Social

Estabelecimentos ambulatoriais credenciados pelo SUS (março/1997): 10

Leitos hospitalares:

Número de eleitores (1996): 33.118

Delegacias de Polícia (1996): 1

Corpo de Bombeiros (1996): 0

Economia

Estimativas do PIB, a preços correntes, a custo de fatores - 103 R$ (1995): 39.372

Arrecadação de ICMS - 103 R$ (1996): 1.698

Capítulo II

A REDE DE RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS PRÁTICOS

Conforme verificamos no capítulo I, juntamente com o parcelamento da Baixada

Fluminense em forma de loteamentos, um modelo de construção efetivou-se nessa região: a

62

Page 63: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

auto construção, que transferiu-se das habitações populares para os mínimos equipamentos

urbanos presentes nos bairros populares. Com o incremento do povoamento na região da

Baixada Fluminense, tal estrutura radicalmente ligada à ineficiência dos poderes públicos,

realimentou-se tornando crônica a inexistência de infra-estrutura básica nos bairros

baixadenses oriundos da junção de loteamentos distintos.

A informalidade da resolução dos problemas baixadenses introduziu-se como regra

geral, permitindo visualizar tanto a ausência dos poderes públicos, quanto perceber a

"incapacidade" popular de organizar-se formalmente com a intenção de pressionar as

diversas esferas do poder público através de um ideal reivindicativo.

O presente capítulo tem como objetivo analisar a dinâmica de surgimento e de

funcionamento do que designamos rede de resolução de problemas práticos, ao mesmo

tempo em que visa demonstrar como o modelo político tributário desse organismo

configurou fenômenos como a formação desenfreada de novas municipalidades, a

transformação das câmaras municipais em órgãos executivos auxiliares das prefeituras

municipais geridas por políticos de origem popular que se elegeram exatamente por

auxiliarem essa forma de organização popular e que somente conseguiram chegar às

esferas formais de poder exata-

mente por diferirem do tipo de político tradicionalmente encontrado na região da

Baixada Fluminense.

1 - Dissecando a rede de resolução de problemas práticos

Durante o mês de setembro de 1998 algumas disputas ocorridas em um distante bairro

baixadense refletiram-se nas colunas políticas de alguns jornais locais. Elas tiveram como

personagens principais um líder comunitário e um vereador do município de Nova Iguaçu e

apresentavam certos elementos característicos: o vereador acusava o líder comunitário de

estar, a partir da formação de um movimento denominado “roça limpa”, cobrando dos

moradores desse bairro pela "proteção policial" oferecida pelo grupo de extermínio

chefiado pelo líder comunitário e de efetuar alguns serviços, como por exemplo o

63

Page 64: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

recolhimento do lixo doméstico e a dragagem de um rio que corta o bairro, exigindo em

troca desses serviços pagamento por parte da população. O líder comunitário defendia-se

alegando estar sofrendo ameaças por parte do “vereador da área” que, sendo qualificado

pelo líder como “omisso”, não participava de nenhuma maneira da melhoria do bairro que

se caracterizaria por não ser assistido de nenhuma maneira pelo poder público e ter no

trabalho de seus moradores a única forma de manutenção das melhorias conseguidas

unicamente em épocas de campanha eleitoral, uma vez que o “vereador da área” não se

preocuparia com o bairro, visitando-o somente para cuidar de sua padaria e para aproveitar-

se dos votos da comunidade”. Durante este mês de trocas de acusações entre o vereador

Daniel da Padaria e o cabo bombeiro Elias Santos alguns jornais regionais e algumas seções

especiais de jornais cariocas de grande circulação explicitaram fotos do líder comunitário

realizando serviços essenciais como a limpeza de valas negras ou o recolhimento do lixo

doméstico. Além do cabo bombeiro, chamavam a atenção nessas fotos alguns moradores

que participavam ativamente das atividades comunitárias retratadas.

Setembro de 1998 foi-se e com ele foram-se as disputas referidas através de um

acordo em que o cabo submetia-se ao vereador. Algo manteve-se, entretanto: a manutenção

de aparelhos urbanos realizada pelos moradores que apareciam nas fotos dos artigos de

periódicos que tratavam das disputas entre os dois líderes. Nos diversos vasilhames

transformados em latas de lixo, mantidos nas esquinas principais do bairro e nos quais se lê:

"movimento comunitário roça limpa", a população continua depositando o lixo

doméstico que é recolhido por um caminhão pertencente ao senhor Ademir, “morador da

localidade e que transporta para o ‘lixão’ localizado perto dali todos os detritos recolhidos

das casas”.77

Perto do trabalho comunitário que subsistiu às disputas citadas, não passa de um

rótulo o nome “movimento comunitário roça limpa”. Todo o "serviço" orgulhosamente

organizado pelo cabo bombeiro Elias Santos já era silenciosamente realizado pela

população desse bairro proletário localizado nos limites de Nova Iguaçu e Belford Roxo

muito tempo antes do cabo bombeiro ter convidado jornalistas para documentar o seu

"trabalho comunitário". Distantes da atenção de qualquer esfera do poder público, e

escondidos em um bairro que não atraía a preocupação dos políticos iguaçuanos, os

77 Jornal Hora H, 23/10/199, pág. 02.

64

Page 65: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

moradores dessa região de Nova Iguaçu acostumaram-se a manter as mínimas condições

garantidoras da vida urbana desse grupo de bairros constantemente inundados por um

conjunto de riachos que corta essa área somente parcialmente drenada pelas obras de

saneamento da Baixada Fluminense realizadas durante a década de 1930.78

A consideração do vereador da "área" como "omisso" por parte desses moradores fez-

se por dois motivos: em primeiro lugar os bairros localizam-se em uma área não preparada

para a urbanização que fez-se ali de uma maneira desorganizada perpetuando os problemas

oriundos das inundações dos riachos chamados de "valões" pela população. Em segundo

lugar é exatamente a dificuldade de resolução ou pelo menos a impossibilidade de

mascaramento dos problemas desses bairros que afastam deles outros políticos, vistos como

"omissos" na medida em que não diminuem as agruras dessa população que é assim

obrigada a limpar os "valões", iluminar a estrada que liga os bairros à via que conduz ao

centro do município de Nova Iguaçu, recolher os detritos de todas as casas, organizar

patrulhas noturnas a fim de garantir a volta das "crianças" dos colégios, evitando

parcialmente a ação de estupradores e ladrões, dentre diversos outros tipos de trabalho

incorporados ao dia-a-dia dos moradores desses bairros.

Qualificar esse tipo de trabalho realizado pela população da Baixada como mudo

serve para que pensemos na rede de resolução de problemas práticos como algo pouco

perceptível exatamente pelo seu caráter espontâneo, surgindo por isso mesmo, tal como nas

fotografias dos artigos elencados para ilustrar as disputas, como imperceptível.

Dizendo-se de uma maneira diversa: moradores de bairros periféricos de cidades da

Baixada Fluminense convivem com o fato de precisarem construir e manter as mínimas

condições urbanas presentes nesses bairros, porém essa ação cotidiana somente se torna

explícita em momentos de crise, de agudização dos problemas como o momento vivido no

conflito entre os dois indivíduos. Nesses momentos os problemas oriundos da baixíssima

78 Os problemas decorrente do caráter inundável dessa região foram parcialmente resolvidos somente em 1936, época em que o governo federal, desejando explorar de forma mais eficiente o potencial agrícola de toda a Baixada criou o Serviço de Saneamento da Baixada Fluminense. Órgão que, levando adiante diversas tentativas frustradas de saneamento das áreas inundadas, contribuiu para tornar habitável uma grande área anteriormente isolada pelos brejos e pela malária. As diversas tentativas frustradas ou bem sucedidas de saneamento da Baixada Fluminense encontram-se detalhadamente descritas no relatório de Hildebrando de Araújo Góis (GÓIS, Hildebrando de Araújo. O Saneamento da Baixada Fluminense, Rio de Janeiro, Diretoria de Saneamento da Baixada Fluminense, 1939).

65

Page 66: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

infra-estrutura urbana ensejam o surgimento de movimentos caracterizados por

emprestarem à práticas solitárias e cotidianas um caráter extraordinário. Pode-se encontrar

em diversos jornais regionais exemplos de movimentos surgidos a partir da agudização do

abandono de um determinado bairro baixadense. Porém, tal como o “movimento

comunitário roça limpa” esses não tiveram um caráter permanente deixando antever,

entretanto, um conjunto de soluções preexistentes (e pós existente) à constituição do

"serviço".79 É exatamente a essa ação pré-existente e pós-existentes a esses movimentos

concretos que designamos rede de resolução de problemas práticos.

Os serviços comunitários ou os mutirões formados para resolver problemas imediatos

distinguem-se dessa rede na medida em que surgem unicamente em momentos de crise ou

de agudização de problemas ou nascem do desejo de alguns líderes locais de se destacarem

politicamente através do aproveitamento do serviço já comumentemente realizado pelos

moradores de bairros periféricos. Não são esses serviços, por isso, espontâneos, surgem

com uma finalidade determinada e deixam de existir tão logo atinjam o seu objetivo.

Diferentemente desses serviços a rede de resolução de problemas práticos pode ser

adjetivada como muda por revelar uma forma sui generis de convivência urbana: a

cotidianização de problemas e a transformação das suas resoluções em algo inerente à vida

do conjunto de uma população de proletários. Enfim a informalidade de resolução dos

problemas seria algo estrutural e não fortuito ao contrário dos diversos serviços

comunitários baixadenses.

Deparamo-nos com uma população que utiliza-se de dados memoriais para conviver

com um meio urbano inóspito o que pode ser constatado nas diversas entrevistas que

realizamos e em outras entrevistas realizadas para a confecção do trabalho "Da coleta do

79 Os seguintes artigos do Jornal de Hoje de diferentes datas tratam de agudizações de problemas decorrentes da baixa infra-estrutura urbana e da conseqüente formação d e grupos comunitários destinados ao protesto ou a resolução dos problemas : "Moradores criam grupo para resolver problemas da região:Cansados de buscar inutilmente nos órgãos públicos a solução para os seus problemas, moradores dos bairros Jardim Tropical, Ulisses, Margarida e Monte Líbano decidiram se unir e criar o grupo comunitário geração 2000.... " - Jornal de Hoje, 11/05/1989"Moradores de Austin fazem manifestação contra abandono" - Jornal de Hoje, 22/01/1990"Manifestação em Lote XV acaba em tumulto" - Jornal de Hoje, 02/06/1998"Comunidade em mutirão faz reforma de escola em Moquetá"- Jornal de Hoje, 13/02/1990"Comunidade constrói nova ponte no bairro Aliança "- Jornal de Hoje, 14/07/1993"Moradores Juntam lixo e espalham na rua principal de Miguel Couto como protesto"- Jornal de Hoje, 10/05/1992

66

Page 67: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

lixo a cidadania ativa? Estudo sobre o grupo de representantes de rua de Rancho Fundo" 80 de Janecleide de Aguiar que propôs-se investigar um movimento comunitário baixadense

e que utilizamos por não terem sido realizadas intencionando confirmar questionamentos

semelhantes aos nossos, porém, pretendendo demonstrar a possibilidade da população

baixadense organizar-se formalmente a fim de pressionar órgãos públicos.

Uma vez que citamos um trabalho que tem exatamente a intenção de estudar um

grupo comunitário formal, torna-se necessário enfatizar que o fato de identificarmos uma

rede de resolução de problemas que caracterizaria a maneira como a população baixadense

"organiza-se" a fim de resolver questões relativas ao arranjo do seu meio urbano, não

eqüivale exatamente a uma negação da existência de grupos comunitários formais

constituídos com a intenção final de resolver uma ou mais questões específicas. A rede de

resolução de problemas práticos, entretanto, não é temporária e gradua a sua ação informal

de acordo como se apresentem os problemas de uma determinada área da Baixada

Fluminense. É nesse sentido que ela é muito mais ampla que qualquer grupo comunitário

formal: Independente de querer ou não, o morador dos bairros periféricos baixadenses

participam de tal rede porque necessariamente ocupam os lugares deixados vagos pela

ação estatal, o que ocorre quotidianamente na vida do morador baixadense, independendo

quase sempre da sua vontade de participar ou não da resolução de problemas.

Incluir nessa rede a ação de grupos de extermínio baixadenses, demonstra a

amplitude de tal organismo social incorporador até de certas atitudes mentais, uma vez que

seria ilógico pensar no morador comum da região da Baixada, geralmente trabalhador e

religioso, como um membro de grupos exterminadores que geralmente matam após um

julgamento particular os suspeitos de cometerem crimes. É, porém, perceptível que o

baixadense médio encara tais grupos como a mais eficaz - talvez a única - forma de se

manter a "paz" em bairros da periferia das diversas cidades baixadenses. Essa atitude

mental justificaria a ação dos matadores justiceiros que dominam uma "área" tendo a

certeza de que sua ação criminosa encontra-se dentro dos limites do código de valores que

orientam o cotidiano dos moradores desses bairros populares.

80 AGUIAR, Janecleide Moura de. Da coleta do lixo a cidadania ativa? Estudo sobre o grupo de representantes de rua de Rancho Fundo. Tese de mestrado, Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais/UFRJ, 1997, mimeo.

67

Page 68: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Na memória da população estudada solidificou-se algo ímpar traduzido pela idéia

principal da declaração a seguir:

Não passa lixeiro, tem uma rua aqui e não passa lixeiro, ruas que passam carros, tá entendendo? Eu achava isso daí incrível. Eu comecei a conversar com os vizinhos: nunca passou lixo? Não, nunca tinha passado lixo aqui, em trinta, quarenta anos que moram ali. ‘Mas vocês nunca se juntaram?’ ‘Ah, nós tentamos, mas não adianta, sabe? Saneamento básico, não sei o que lá.’ Também não adiantava ir lá na Prefeitura, porque os políticos não têm nada. Não era possível continuar daquele mesmo jeito...o lixo tinha que ir embora de algum jeito e aquelas vala fedorenta... a gente tinha que mudar e juntando a gente passou a fazer por a gente mesmo, porque se não ajeita a gente mesmo os político é que não vai arrumar, entendeu? Você perguntou sobre grupo de extermínio. Conheço gente que participa desses grupos e que matam sem nenhuma dó. Não concordo porque sou cristão. Mas por outro lado bandido é que nem mato: quanto mais arranca mais aparece. O jeito é matar mesmo. 81

A auto-resolução não é, portanto, uma escolha: ela apresenta-se como uma reação não

sentida e tende a configurar novas maneiras da população baixadense relacionar-se com o

poder público e mesmo a solidificação de um novo entendimento de como deve ser

administrado um município: na região da Baixada o extremo parcelamento administrativo

causado pela criação de novos municípios espelha a percepção da ineficiência do poder

público, demonstrando ao mesmo tempo uma das faces do processo de dinamização da rede

de resolução de problemas práticos.

1.1 - A municipalização de distritos baixadenses

A criação de novas municipalidades no Brasil contemporâneo não é algo exclusivo da

região da Baixada Fluminense. A partir da nova constituição de 1988 criaram-se as

condições para que diversas elites distritais transformassem os seus distritos em novos

municípios. Pode-se dizer que tal fato ocorreu devido a maior autonomia dada aos

municípios pela Carta de 1988, quando essas sub-unidades da Federação passaram a

receber um tratamento diferenciado por parte dos legisladores que dotaram os municípios

de poder constitucional próprio (art. 29). Nessa linha de autonomia, a Constituição de 1988

atribuiu aos Municípios competências tributárias próprias (arts. 30, III, 45, III e art. 156), e

81 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISQUEIROZ, Jorge. Entrevista concedida

em 29/10/95. Eletricista, natural de Belford Roxo, nascido em 25/12/1964, morador do bairro da Prata em

Belford Roxo

68

Page 69: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

participações no produto da arrecadação de impostos da União (art. 158, I e III), e em

impostos estaduais (art. 158, III), bem como no repasse do Fundo de Participação dos

Municípios (arts. 115, I, "b") e participação dos Municípios do estado nos recursos que este

receber por conta de sua participação no produto da arrecadação do imposto federal sobre

produtos industrializados (art. 159, III).

Em contrapartida passou a ser bastante ampla a esfera de obrigações de prestação de

serviços públicos essenciais, que ficou por conta dos municípios, no campo da educação,

saúde, transportes e assistência social.

A partir da autonomização dos distritos municipais,82 surgiram, como era de se

esperar, uma quantidade enorme de novos municípios, pois sendo ouvida a população do

distrito somente ("...às populações diretamente interessadas...") passava a ser simples

emancipar um distrito municipal mesmo se ele não possuísse uma vida econômica

autônoma: passava a ser sustentável o novo aparato administrativo através das verbas

repassadas obrigatoriamente pelos governos estaduais e federal. Não sendo as leis

complementares estaduais geralmente rigorosas no que concerne a criação de novos

municípios, desenhou-se um quadro caracterizado pelo surgimento de municipalidades

completamente carentes de recursos próprios e dependentes, portanto, do Fundo de

Participação dos Municípios (FPM).

O seguinte trecho de um artigo publicado em um jornal paulista, serve como

demonstrativo dos equívocos cometidos a partir da inexistência de uma lei estadual que

regulamente a repartição municipal:

Atualmente, no Estado de São Paulo, a Lei Complementar nº 651, de 31/07/1990, não exigiu um número mínimo de população, mas apenas um mínimo de 1.000 eleitores. E bastam 100 eleitores da área que se deseja emancipar, por exemplo, de um Distrito, para desencadear o processo perante a Assembléia Legislativa, sendo considerada favorável a consulta plebiscitária se obtiver a maioria dos votos válidos, tendo votado a maioria absoluta dos eleitores. Ou seja, na melhor hipótese em um Distrito com 1.000 eleitores, precisariam votar validamente 501, dos quais bastavam 251 para aprovar a criação do novo Município! E, provavelmente, gerar a inviabilidade imediata e futura.Em conseqüência, e considerando-se também os Municípios criados anteriormente, pode-se dizer que segundo o recenseamento de 1996, existem no

82 Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.(...)§ 4º – A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios preservarão a continuidade e a unidade histórico-cultural do ambiente urbano, far-se-ão por lei estadual, obedecidos os requisitos previstos em lei complementar estadual, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações diretamente interessadas.

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Estado, 40 Municípios com população de até 3.000 habitantes, sendo 14 deles com menos de 2.000 e 5 abaixo de 1.500. Considerando o eleitorado em 1998, há 39 municípios com menos de 2.000 eleitores.Ora, com esses números, com que população economicamente ativa podem contar esses Municípios? E assustadoramente mínimo será o número de contribuintes. À toda evidência não conseguirão produzir atividade econômica suficiente, muitas vezes não gerando receitas sequer para cobrir o custo da estrutura político-administrativa, quanto mais para a prestação de serviços essenciais à população, no campo da educação, saúde, transporte, assistência social e outros serviços públicos que os munícipes esperam do seu governo local. Ficam na dependência de repasses de verbas estaduais e federais.83

A experiência de autonomização de distritos brasileiros transformados em

municípios após a Constituição de 1988, pode também ser explicada pelo momento político

vivido pelo país: a queda definitiva do regime militar e a redemocratização do país enchiam

de esperanças a população brasileira que mostrava-se bastante otimista por descobrir-se

como participante dos destinos da nação. Para a população dos distritos iguaçuanos o

"SIM" respondido nos plebiscitos equivalia, dessa forma, a renovação da esperança de um

recomeço, daí o entendimento de que Nova Iguaçu era "um atraso" e a valorização das

lideranças políticas distritais. Não se levava em consideração as desvantagens oriundas da

criação de uma nova administração, somente se conseguia vislumbrar a possibilidade da

inauguração de um novo tempo a partir da separação de Nova Iguaçu, que perdeu boa parte

dos impostos, do seu território, de empresas localizadas nos distrito, tendo ao mesmo tempo

que arcar com as despesas de um número maior de funcionários que, na ausência de leis

complementares estaduais eram simplesmente devolvidos pelos antigos distritos que se

organizam criando diversos novos empregos públicos.84

Apesar do retalhamento da Baixada Fluminense e a criação de municípios na Baixada

ser uma conseqüência do caráter autonomista da Constituição de 1988 e da esperança de

um recomeço que caracterizou aquele momento da vida nacional, há especificidades que

funcionaram como causa das emancipações de distritos iguaçuanos. Para além de admitir-se

83 CITADINI, Antonio Roque, Diário Comércio & Indústria, 24 e 25 de novembro de 1998, pp. 4 -5. 84 A porta aberta pela Constituição de 1988 parece ter começado a fechar-se a partir da Emenda Constitucional nº 15, de 1996, que deu nova redação ao parágrafo 4º do artigo 18 da Constituição, que dispõe sobre a criação, incorporação, fusão e desmembramento de Municípios. Essa Emenda estabelece que somente pode ocorrer a criação de novos municípios dentro do período determinado por lei complementar federal, impedindo a influência de campanhas eleitorais e de acordo com lei estadual, porém dependendo de consulta prévia mediante plebiscito, às populações dos municípios, consulta que só pode ser realizada "após a divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei". Passa a ser vedado, portanto, a possibilidade de fazer-se um plebiscito somente dentro do distrito a emancipar-se, o que provavelmente tornará pouco prático novos retalhamentos municipais.

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Page 71: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

como verdadeira a visão de que a criação de novos municípios a partir do grande município

de Nova Iguaçu foi ao encontro do desejo de determinados grupos de melhor controlar seus

“currais eleitorais” criando novas municipalidades ou tornar mais eficiente uma

determinada máquina política através da criação de toda uma nova estrutura administrativa,

percebe-se nas entrevistas realizadas o entendimento popular de que a municipalização dos

distritos possibilitaria o controle do poder por alguns líderes regionais que, conhecedores

dos problemas populares, principalmente por não serem “estrangeiros”, poderiam

finalmente atuar no sentido de transformar a estrutura de carências:

[...] é claro que nós tinha que querer ficar livre de Nova Iguaçu. Tudo quanto era prefeito naquela época era estrangeiro, morador da Barra. Que que ia querer fazer por Bom Pastor, Barro Vermelho.85 Agora com a emancipação foi outra coisa. O primeiro prefeito já fez coisa que a gente nem sonhava em ver um dia aqui.”86

"Com certeza Belford Roxo só seria melhor se não fosse ligado a Nova Iguaçu. Basta olhar para a economia do município o tanto de fábrica que temos... Só a Bayer deve representar boa a maior parte dos impostos municipais, só que nada era investido aqui que continuava sempre dando e nunca recebendo em troca. Além de tudo isso o povo daqui era muito mais participante da política, ao contrário de Nova Iguaçu em que ninguém fiscaliza, participa de nada."87

A seguinte observação recente feita por um morador do município de Queimados

enfatiza a consideração de Nova Iguaçu como a personificação do mal em oposição ao bem

representado pelo distrito:

Queimados até hoje é um município meio rural, só que na época que estávamos presos a Nova Iguaçu isso era uma bagunça geral por que Nova Iguaçu não se preocupava com isso. Nenhum bairro era asfaltado e até o centro era uma lamaceira só. Não dá pra dizer que tudo está excelente. Falta arrumar muita coisa. Mas já tem viaduto, bastante escola e asfalto em alguns bairros e no centro. Devagar o prefeito vai tentando fazer voltar as indústrias que saíram do distrito industrial daqui. Na minha opinião Nova Iguaçu só se preocupava em tirar dinheiro dos moradores daqui e investir no centro de Nova Iguaçu mesmo. Além disso o que existia de corrupção por lá era muito grande, basta lembrar do Paulo Leone88 e antes dele de Ruy Queiroz que destruiu as escolas do município para favorecer os colégios dele. Se a gente pensar bem acaba descobrindo que Nova

85 Bairros populosos do atual município de Belford Roxo. 86 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISALMEIDA, Jacinto de. Entrevista

concedida em 12/09/1998.Operário da construção civil natural de Pernambuco, nascido em 06/09/1942,

morador do bairro de Areia Branca em Belford Roxo.87 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISSILVA, Odmar da. Entrevista concedida

em 28/11/95.Funcionário público, natural do município do Rio de Janeiro, nascido em 30/06/1951, morador

do bairro da Prata em Belford Roxo

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Page 72: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Iguaçu sempre foi um foco de político ladrão. E esses ladrões viviam as custas de Queimados, Belford Roxo e Japeri. É por isso que não tinha nada feito aqui.89

Para o morador do distrito emancipado passa a ser fundamental que o político

municipal seja alguém bem próximo dele, para quem ele possa falar ou pedir algo

importante durante uma simples conversa ou com quem possa contar tal como se conta com

um amigo ou parente próximo:

A vantagem da emancipação era muito grande. Só assim podia assumir a prefeitura gente muito parecida com a gente. Daqui de Belford Roxo mesmo. Gente que conhecia nossas necessidades, que tinha interesse em melhorar isso aqui. O dinheiro daqui passava a ficar aqui mesmo e as obras tinham que sair porque a gente podia pressionar os políticos que era na verdade gente que a gente conhecia e não um monte de gente desconhecida e que precisava ter influência para se poder falar com ele. Apesar da roubalheira melhorou muito isso daqui depois de emancipado.90

Algumas das entrevistas permite-nos pensar que a população dos distritos iguaçuanos

enxergava nas emancipações uma maneira de no mínimo encontrar agentes auxiliares no

seu costumeiro trabalho de auto resolução de problemas. Essa esperança da população é

demonstrada pelo fato dos entrevistados valorizarem constantemente as lideranças dos

movimentos de emancipação e expressarem sempre o desejo de que assumissem as novas

prefeituras elementos que já auxiliassem a população através dos diversos "serviços

sociais" espalhados através dos distritos:

[...] emancipação significava pra mim poder escolher alguém que já se preocupava com a gente, que já ajudava a gente que era pobre. Antes a gente não tinha voz. Depois da primeira eleição ficou mais fácil ser atendido até porque o prefeito era um cara daqui. Era rico mas era daqui e dava pra encher o saco dele fácil, fácil. O doutor Jorge91 era um homem que já ajudava a gente antes. Com a

88 Prefeito iguaçuano entre 1984 e 1988. Acabou não concluindo o mandato pois ocorreu uma intervenção estadual em Nova Iguaçu devido às acusasões de corrupção no executivo. Jornal de Hoje, 23/05/1992, p.03.89 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISARAÚJO, José. Entrevista concedida em

12/12/1997Pequeno comerciante, natural de Minas Gerais, nascido em 04/04/1962, morador do bairro Paraíso

em Queimados.90 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISGÓIS, Caio Silveira. Entrevista

concedida em 13/08/1998Pedreiro , natural do Piauí, nascido em 08/03/1960, morador do bairro da Prata em

Belford Roxo91

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prefeitura na mão era mais fácil pra gente ser ajudado. Foi por isso que ele foi eleito.92

A partir das opiniões emitidas nas entrevistas é possível pensar-se que para o

Baixadense médio a criação de municípios é uma maneira de dinamizar a rede de resolução

de problemas práticos . Se considerarmos que para boa parte da população baixadense era

comum resolver seus problemas urbanos cotidianos através da auto resolução, a criação do

novo município permitiria que ele fortalecesse o seu parceiro na resolução de problemas: a

liderança política local, que, mesmo quando eleita, tinha o seu raio de ação limitado pelo

fato de estar atuando na distante Nova Iguaçu. Agora tornava-se possível conversar

diretamente com a liderança política. E se esses líderes se notabilizavam exatamente por

auxiliarem a população baixadense responsável pela manutenção das condições mínimas de

urbanidade, à frente do poder regional seria muito mais fácil para ele auxiliar a rede de

resolução de problemas práticos, dinamizando-a, por conseguinte:

A gente não parou de fazer serviço que devia ser feito pela prefeitura com a emancipação. Só que agora era diferente: eu lembro que uma vez o prefeito, veio aqui, viu o problema, não prometeu nada e eu disse pra ele que a gente da rua tava disposto a ajudar na solução do problema. Só que nós não tinha dinheiro pro material. Ele pensou um pouco, olho de novo pro valão e foi-se embora sem falar nada. No dia seguinte um vereador chegou com uns homens da prefeitura e com manilhão grande (dava um homem dentro) daí o vereador disse que o Joca mandou dizer que tava sem verba e que só podia ceder aqueles homens e por poucos dias. A gente tinha de organizar um jeito de fazer o trabalho. Aí nós se juntou e fizemos o encanamento da rua. Depois veio o asfaltamento e acabou daí pra frente aquelas enchentes. 93

A criação do novo município possibilita o ser ouvido e o recebimento da ajuda

daqueles que já ajudavam anteriormente. A diferença é que esses agora detêm o poder

municipal, o que significa minimamente a chance de fortalecer o parceiro já auxiliar no

trabalho mudo da população baixadense.

ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISRIBEIRO, Fátima Silva. Entrevista

concedida em 10/03/1998Empregada doméstica, natural do município do Rio de Janeiro, nascida em

30/06/1951, moradora do bairro Belmonte em Queimados92 Jorge Pereira da Cunha, prefeito de Queimados entre 1992 e 1996.93 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISGIL, Jorge de Souza. Entrevista

concedida em 10/10/1998Servente de pedreiro, natural de Pernambuco, nascido em 18/02/1954, morador do

bairro de Bom Pastor em Belford Roxo

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2 - A criação do município de Belford Roxo

Com a finalidade de verificar de forma melhor o processo de dinamização da rede de

resolução de problemas práticos através das emancipações distritais resolvemos

acompanhar uma dessas emancipações. Escolhemos o processo de emancipação do

município de Belford Roxo dentre todos os outros dessa última fase de emancipações não

somente por ser ele o primeiro, portanto o modelar para o posterior retalhamento do

município de Nova Iguaçu que chegou a 1999 unicamente com dois de seus antigos seis

distritos, mas principalmente porque a observação da transformação de Belford Roxo em

município funcionou como algo exemplar na medida em que este distrito caracterizava-se

por fornecer a Nova Iguaçu uma grande quantidade de políticos sendo ao mesmo tempo

palco de contradições ímpares, situação esta explorada ao máximo pelos líderes

emancipacionistas nos seus discursos. Assim, apesar de metade dos vereadores iguaçuanos

serem oriundos de Belford Roxo e de em 1988 mais de 50% da renda municipal ter saído

dali, o serviço de coleta de lixo doméstico conseguia atingir somente 27% das residências, a

população atendida por água encanada, esgotamento sanitário e pavimentação das ruas mal

chegava a 1%, não existia no distrito nenhum pronto-socorro e somente 31 escolas públicas

tentavam - sem conseguir - atender a todas as crianças, ficando aproximadamente 40%

delas sem vagas94. Tais números não conhecidos mas vivenciados pelos belfordroxenses

traduziram-se em um apoio maciço ao “SIM” propagandeado pelos políticos locais durante

a campanha de emancipação do distrito.

A melhor hipótese para a situação ímpar de Belford Roxo dentro de Nova Iguaçu é a

que determina ser o antigo distrito resultado de um crescimento rápido, voraz e não

planejado. Fatos como a inauguração da rodovia Presidente Dutra no início da década de

1950 e a eletrificação dos trilhos da linha auxiliar de trens (Rio D'ouro) que ocorreu no

início dos anos 1960 e que determinou a transformação de Belford Roxo em estação

terminal uma vez que dali até a localidade iguaçuana de Tinguá, no sopé da serra do mar,

os trilhos foram abandonados sob a alegação de não existirem passageiros em número

9418 Dados retirados de uma pesquisa realizada pela Associação Comercial e Industrial de Belford Roxo (ACIBER) e publicada no Jornal de Hoje em 10/09/1988.

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suficiente para a manutenção da linha,95 garantiram a expansão urbana do distrito e o

incremento demográfico que havia se iniciado com o loteamento da antiga fazenda do

Brejo e que terminou por não restringir-se unicamente às proximidades da sede da antiga

fazenda - que transformou-se no centro do distrito - devido também à chegada de algumas

indústrias que explicam o rápido crescimento demográfico ocorrido a partir do início da

década de 1960, crescimento este que garantiu a ocupação rápida da vasta região agrícola

que circundava o centro do distrito e que transformou-se no conjunto de bairros

pertencentes hoje ao atual município de Belford Roxo.

Enquanto o centro de Nova Iguaçu possuía ainda laranjais decadentes, o distrito de

Belford Roxo convivia já com a violência urbana que perturbava um articulista do Jornal

Correio da Lavoura quando este enumerou os prejuízos que o distrito iguaçuano

experimentava com a implantação da empresa multinacional Bayer no local, assinalando o

aumento da violência nos bairros da periferia como algo novo e assustador, sendo já

possível nomear uma série de bandidos famosos que “infestam” a região 96.

A consideração de Belford Roxo como uma “caricatura da Baixada”, observação de

um ex-prefeito iguaçuano interessado em evitar a emancipação97, torna-se válida se

pensarmos que os problemas típicos de uma ocupação rápida e não planejada refletiram-se

ali de uma maneira contundente, autorizando-nos imaginar que é Belford Roxo um objeto

de estudo capaz de lançar luz sobre o conjunto maior Baixada Fluminense.

95 No antigo Brejo repetiu-se o fenômeno já descrito no capítulo anterior em que a substituição de uma via (a linha de trens que ia até Tinguá) acaba eliminando a necessidade da manutenção de uma vila. Aqui, no entanto, a construção da Via Dutra drenou a produção que era escoada antes pelos sempre atrasados trens da Estrada de Ferro Rio d'Ouro fazendo o distrito de Belford Roxo transformar-se em uma parede para o povoamento iguaçuano. Belford Roxo a partir daí apresentou-se como um local próspero para os loteadores pois apresentava uma estação terminal (propagandas a respeito do fato de poder-se embarcar no trem elétrico sem precisar estar de pé durante as viagens até a Central do Brasil costumavam surtir efeito durante as décadas de 1950 e 1960), possuía uma grande proximidade com a Via Dutra e acesso fácil com o centro do município através da pavimentada estrada Plínio Casado e localizava-se em uma região onde as obras de saneamento da Baixada Fluminense conseguira alcançar sucesso.96 Correio da Lavoura, 30 de junho de 1963, p. 02. Na realidade este articulista revela-se equivocado se realmente encarava a Baixada como um local "bucólico" antes da industrialização e do conseqüente incremento populacional. No ano de 1963 certas regiões da Baixada Fluminense experimentavam uma rápida transformação caracterizada pela decadência dos citricultores e pelo advento das empresas loteadoras. A luta pela terra nessa região que recebia migrantes revestia-se, às vezes, de grande violência, o que pode ser confirmado na observação da vida de Tenório Cavalcanti durante esse período. 97O prefeito iguaçuano Paulo Leone ridicularizava os que desejavam a emancipação do Distrito de Belford Roxo chamando esse Distrito de caricatura da Baixada, defendendo a sua idéia de que sozinho aquele Distrito perpetuaria a sua principal marca: "o fato de ser o local onde mais se morre assassinado em todo o planeta". Jornal de Hoje, 29/06/1985.

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Page 76: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Belford Roxo não foi o primeiro distrito iguaçuano a emancipar-se. Conforme

expomos no primeiro capítulo, até 1943 quase a totalidade do que é hoje a região da

Baixada Fluminense constituía-se no grande município de Nova Iguaçu. A partir dessa data

o rápido crescimento do então Distrito Federal acabou por tragar o seu "celeiro natural"98,

transformando áreas contíguas a este em regiões exclusivamente destinadas ao abrigo de

migrantes e de ex-favelados.

A Duque de Caxias em que Tenório Cavalcanti notabilizou-se durante a década de

1940 era ainda parte de um distrito de Nova Iguaçu99. Distrito afastado, entretanto, quase

totalmente rural, mas onde a especulação imobiliária desenvolveu-se rapidamente, gerando

problemas para os quais a distante Prefeitura Municipal de Nova Iguaçu não estava

preparada para enfrentar, fazendo com que Tenório, relembrando o seu passado na Baixada,

e justificando os seus atos violentos colocasse entre os conselhos de sua mãe o seguinte:

“...quando a justiça dos homens falha a nossa tem que ser feita...A vida a gente

constrói com as próprias mãos”.100

A Duque de Caxias de Tenório havia se transformado rapidamente em uma "terra de

ninguém", assemelhada ao Nordeste, segundo Tenório, porque a lei que ali imperava era a

"lei do bacamarte".

Não é possível dentro dos limites deste trabalho apontar as causas desse primeiro

retalhamento municipal, entretanto não é difícil perceber que algumas áreas do antigo

distrito de Meriti já se desassemelhavam tanto do conjunto maior representado pelo

município de Nova Iguaçu que tornou-se incômodo para os novos habitantes dessa região

conviverem com a "desordem" que imperava em Caxias já acostumada a assistir crimes

horríveis sem que alguma autoridade existisse ali para interferir. Como bom filho, surge

Tenório no livro de memórias escrito por sua filha como alguém que tomando ao pé da letra

os conselhos maternais, popularizou-se por investir-se de poderes múltiplos todos eles

utilizados para que a "justiça" se estabelecesse.

98 GEIGER, Pedro Pinchas & MESQUITA, Miriam Gomes Coelho. Estudos Rurais da Baixada Fluminense. Rio de Janeiro, IBGE, 1956, pp.56,5899 Duque de Caxias durante a década de 1940 era uma localidade do distrito iguaçuano de Meriti. PEIXOTO, Ruy Afrânio. Imagens iguaçuanas, Rio de Janeiro, 1960, mimeo, pp. 58,59.100 As frases atribuídas a Tenório Cavalcanti foram todas retiradas do livro de memórias escrito por uma das filhas desse famoso político baixadense. CAVALCANTI, Sandra Tenório. Tenório, Meu Pai. Rio de Janeiro, Global Editora, 1996.

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Tenório era um político importante o suficiente para que algumas obras - acadêmicas

ou não - tenham se preocupado com a sua vida e trajetória política. Porém as opiniões a

respeito dele divergiram bastante, provavelmente devido ao seu caráter contraditório e

ímpar. Pode-se dizer que em comum as opiniões a respeito dele consideram-no como um

representante de uma elite nordestina decadente que especificamente na região de Duque de

Caxias inaugurou o assistencialismo capaz de garantir-lhe um fiel rebanho político. Para

manter tal rebanho, entretanto, "o homem da capa preta" precisava proteger seus aliados

políticos e eleitores da ação de pistoleiros à serviço das antigas elites rurais desse lugar que

se urbanizava a olhos vistos. Para garantir tal proteção palavras não bastavam, sendo

necessário Tenório Cavalcanti falar mais alto que seus inimigos eliminando-os antes que

fosse eliminado por eles.

Definitivamente a Duque de Caxias de Tenório Cavalcanti não pode ser considerada

o berço do organismo por nós aqui analisado, porém especificidades existentes na Duque

de Caxias de Tenório perpetuaram-se e pode-se pensar que Belford Roxo emancipou-se por

razões no mínimo semelhantes. Vejamos:

Se ao contrário de Duque de Caxias o distrito de Belford Roxo apresentava-se

geograficamente próximo do centro do município de Nova Iguaçu, era uma sensação

presente ali a idéia do abandono por parte da prefeitura iguaçuana, afinal de contas mesmo

antes da propaganda emancipacionista a população belfordroxense entendia ser o seu

distrito rico o suficiente para prescindir de Nova Iguaçu caso todos os recursos

provenientes das indústrias e do comércio fossem investidos no próprio distrito. Tal fato

fica bem mais claro quando percebe-se de que forma a própria população avaliava o seu

distrito sob o controle iguaçuano:

[...] acho difícil o senhor me convencer de que não separar era uma solução prá gente. O senhor sabe melhor que nós que isso daqui foi controlado mais de duzentos anos por Nova Iguaçu. E o que nós tinha aqui? Mesmo tendo um montão de indústria e até que bastante loja, mais ou menos setecentos mil moradores tinha que se contentar com as migalha de Nova Iguaçu. Se ficar junto fosse solução a gente sempre teria sido um ótimo lugar de viver e não a desgraça que era”.101

101 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISALVES, José da Costa. Entrevista concedida em 09/06/1998 Vendedor ambulante, natural do Espírito Santo nascido em 08/03/1960, morador do bairro de Bom Pastor em Belford Roxo.

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O desprestígio iguaçuano era unânime entre a população que construía um discurso

uno e sempre variando entre a exaltação do seu distrito e o fato de sentirem-se tão "órfãos

dos políticos"102 e da prefeitura iguaçuana que restava a eles mesmos "tocarem" obras que

eram obrigações da prefeitura:

[...] agora você vê só: além de trabalhar igual um animal de carga a gente é obrigado ainda a cuidar do valão, porque se não ele entope e a nossa casa vira um chiqueiro. Era lixo pra todo lado e nem adiantava brigar com os outros por que esse valão vem de longe e recebe o lixo de uma montueira de bairro. Eu não esqueço o dia que debaixo de um toró eu e os vizinhos saímos correndo pra limpar o valão que já tava quase entupido em baixo da ponte. Foi um Deus nos acuda com água de esgoto até a altura dos peito. Cortei o meu pé todinho em caco de vidro e depois ainda fiquei doente, tudo porque a prefeitura de Nova Iguaçu não recolhia nem uma ponta de cigarro de lixo e os burro morador lá de cima enchia o valão de lixo”.103

A seguinte reflexão estabelece uma postura um pouco diferente dividindo

responsabilidades, mesmo assim define as diversas esferas do poder público como estáticas:

Não é que a gente nunca ache que é preciso trabalhar em um mutirão ou mesmo sozinho arrumando alguma coisinha na rua, mas isso também era ridículo: ter que fazer cobertura de ponto de ônibus, colocar luz na rua, limpar vala pra evitar enchente, arrumar rua esburacada, fazer creche...se você reclamasse só vai perder tempo. A coisa é tão feia que você nem sabia com quem reclamar.”104

É impossível ouvindo as entrevistas de belfordroxenses não entender que o recurso à

construção e manutenção dos equipamentos urbanos era a única saída que eles percebiam

para não tornar a sua vida ali insuportável. Uma vez que consideravam ser inútil

reivindicar, o acionamento da rede funcionaria como a maneira de criar e manter as

condições para a sobrevivência na Baixada Fluminense.

102 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISCABRAL, João Meirelles. Entrevista

concedida em 19/05/1998 Aposentado da indústria química, natural do Espírito Santo nascido em 14/09/1942,

morador do bairro de Interlândia em Belford Roxo.103

ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISQUEIROZ, Jorge. Entrevista concedida em 29/10/95. Eletricista, natural de Belford Roxo, nascido em 25/12/1964, morador do bairro da Prata em Belford Roxo 104 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISPESSANHA, Capitiliano Ferreira.

Entrevista concedida em 07/07/1998Motorista, natural do Piauí, nascido em 08/04/1967, morador do bairro

Xavante em Belford Roxo

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Diferentemente de Duque de Caxias, em Belford Roxo a emancipação política insere-

se no que consideramos acima um processo de dinamização da rede de resolução de

problemas práticos, ou seja, a percepção das ausências do poder público alcançou um grau

tão alarmante que a massa de trabalhadores absorveu de forma gradativa a idéia de que

seria a emancipação a única forma de fortalecer os agentes assessores do conjunto de

serviços comumentemente realizados de maneira informal.

Pode-se pensar, portanto, nos diversos movimentos emancipacionistas da região da

Baixada Fluminense, iniciados a partir de 1988,105 como algo abraçado pela população

baixadense por razões precisas e não como um movimento unicamente levado adiante por

políticos interessados na transformação de um distrito em um novo município alimentador

de uma máquina política determinada. Para o morador de um novo município baixadense a

emancipação definiria um novo horizonte onde finalmente o poder público se

presentificaria, pelo menos auxiliando o trabalhador na sua prática muda dentro da rede de

resolução de problemas práticos:

[...] presta atenção no jeito que eu pensava: se emancipa diminui, e era muito mais fácil governar uma cidade menor. Isso que você falou da gente continuar fazendo esse serviço [na rua] não passou pela cabeça que eu ia parar de limpar isso tudo aí...o que eu pensei foi assim: 'sendo uma cidade sozinha isso pode melhorar porque eu vou poder pelo menos saber a quem pedir ajuda'. Antes a gente até pedia, mas o vereador que morava aqui e que exercia em Nova Iguaçu ia falar com o prefeito e voltava com promessa demais mas depois acabava sumindo porque não conseguia nada e a gente sempre boiando nessa lama”.106

Transformar Belford Roxo em município poderia até fortalecer alguns políticos mas

isso parecia pouco importante perto das vantagens enumeradas pela população:

[...] pensar que a gente tava sendo usado pra ajudar alguns políticos a ficar mais rico ainda?...nem passou isso pela minha cabeça. Mas acho que de um jeito ou de outro eles rouba mesmo. Pelo menos se mudasse um pouco mais o lugar que a gente vive, já melhorava bem mesmo.107

105 Esse é o ano de realização de alguns plebiscitos que visavam a emancipação de distritos iguaçuanos.106 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISPAULINO, José Mota. Entrevista concedida em 01/04/1998Pedreiro , natural do Pará, nascido em 08/03/1949, morador do bairro de Babi em Belford Roxo 107 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISSANTOS, Jorge Costa. Entrevista

concedida em 10/05/1998Fiscal de Ônibus, natural do município do Rio de Janeiro, nascido em 30/06/1951,

morador do bairro da Prata em Belford Roxo

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Percebe-se na grande maioria dos discursos de entrevistados escolhidos para esta

pesquisa, além do entendimento de que com a emancipação Belford Roxo transformara-se

de tal maneira que não se poderia pensar na união com Nova Iguaçu como uma escolha

inteligente, a nítida idéia de não ser mais possível tolerar o volume de trabalho advindo da

expansão da auto construção para a rua. Ou seja, o volume de trabalho realizado de

maneira informal aumentara de tal forma que transformava-se em extremamente incômodo

na medida em que os problemas tornavam-se mais complexos, o que fazia com que

deixassem de ser facilmente resolvidos através da pura informalidade, ou seja, Belford

Roxo crescera muito rapidamente. Na mesma proporção desse crescimento,

desenvolveram-se problemas cuja solução não poderia ser dada pela informalidade da rede

de resolução de problemas práticos. A emancipação significava a possibilidade de renovar

as soluções informais, dinamizar a rede e ao mesmo tempo possibilitar o assessoramento

desse organismo pelos representantes de um tipo sui generis de liderança caracterizada

exatamente por auxiliar os personagens que fazem mover-se a informalidade de resolução.

Escolhemos o termo marginal para designar o líder comunitário que assessora a

população baixadense dentro da rede de resolução de problemas práticos. Essa designação

escolhida para definir um tipo específico de liderança baixadense é incômodo na medida

em que permite a ocorrência de equívocos que talvez façam a utilização de termos menos

chocantes como paralelo ou alternativo mais aconselháveis. Marginal, entretanto, surgiu-

nos como mais explicativo na medida em que, radicalmente ligado à população, o agente

político baixadense representante desse tipo de liderança, se caracterizaria precipuamente

por assessorar o organismo informal de resolução de problemas, mantendo-se para isso à

margem de qualquer esfera do poder político. O líder marginal necessariamente é um

membro da comunidade que, destacando-se na realização dos serviços informais,

transformou-se em uma referência visualizada pela população principalmente quando da

ocorrência de emergências capazes de mobilizar grande número de indivíduos de uma

determinada comunidade.

Em nenhum momento é possível confundir este tipo de líder com aquele agente

assistencialista - muito freqüente na região da Baixada Fluminense também - que se

aproximaria de uma determinada comunidade com a única e exclusiva intenção de através

da prestação de determinado serviço auferir benefícios eleitorais. Tais agentes são

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Page 81: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

geralmente profissionais liberais ou comerciantes que disponibilizam parte de seu tempo,

capital ou propriedades para "servir" à comunidade em épocas de campanha eleitoral. Ao

contrário desse "benfeitor", o líder marginal baixadense encontra-se radicalmente ligado à

população ao qual passa a servir, evidenciando-se por fazer funcionar de forma mais

eficiente a rede de resolução de problemas práticos, ele consegue ganhar a confiança da

maior parte de seus pares para os quais aparece ou como o solucionador informal de

problemas freqüentes cuja resolução escapa a uma solução imediata ou um elemento capaz

de aproximar o poder público do conjunto da população desses bairros seja através da

proximidade dele com um político municipal ou com a própria elevação desse líder

marginal a um cargo político.

Discursos formulados por baixadenses moradores de Belford Roxo e de bairros

periféricos de Nova Iguaçu ajuda-nos a definir um perfil mais preciso do líder marginal

baixadense:

Sempre aparece alguém que acaba liderando a gente na organização de algum trabalho. Tem gente que tem o dom de ajudar e juntando com isso um dom de juntar todo mundo e tomar decisão acaba aparecendo aquele sujeito que junta todo mundo e que tira da cama no domingo quem gosta de dormir pra poder ir ajudar em algum tipo de trabalho aí no bairro.108

Se não tem o seu Joaquim aqui isso tava bem pior. Ele é meio grosso mais chega e resolve logo. Não gosta da ajuda de político e quer sempre que todo mundo ajuda. 109

A dona Maria sempre foi aqui uma liderança forte. Ela até já tentou organizar uma Associação de Moradores mas acaba sempre não dando certo porque o povo daqui é desunido e desconfiado demais. Eles acha que ela quer dinheiro dos outro. Mesmo sem Associação ela consegue ajudar muito a gente. Faz pouco tempo que a chuva derrubou a ponte e ela reunia gente pra ir na prefeitura reclamar...tá certo que eles nem ligaram e ela não desistiu junto o pessoal, conseguiu cimento nas lojas de material e acabou com a ajuda do Tuninho110, refazendo a ponte que agora não cai mais porque não é de madeira mais.111

108 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISCORDEIRO, Lílian Expedito. Entrevista

concedida em 22/07/1998 Auxiliar de serviços gerais, natural de Alagoas, nascida em 01/01/1958, moradora

do bairro de Bom Pastor em Belford Roxo., 109 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISMOREIRA, João da Silva. Entrevista

concedida em 30/06/1998Ladrilheiro , natural do município do Rio de Janeiro, nascido em 31/07/1946,

morador do bairro da Prata em Belford Roxo110 Tuninho Távora: vereador por Nova Iguaçu desde finais da década de 1980. 111

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Page 82: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

A proximidade do líder com os elementos da comunidade é a característica principal

da liderança marginal baixadense. Como líder ele funciona como agente facilitador da

resolução de problemas práticos. E a elevação de um indivíduo a este status parece

relacionar-se muito mais à sua capacidade de incentivar a resolução prática de problemas

que a sua proximidade com elementos ou órgãos ligados às esferas oficiais de poder. Aliás

para alguns dos representantes dessa liderança os "políticos" representam um mal do qual a

sua comunidade deve manter-se o mais distante possível:

Desculpa a minha desconfiança no telefone é que eu já estou vacinado contra político e ainda mais agora com essa decisão de recusar água da CEDAE e construir um reservatório próprio para o bairro chove de político mal intencionado querendo se aproveitar de um trabalho que eles nunca tiveram.112

O senhor Antônio de Souza Leite durante as suas declarações sempre refere-se a

representantes do poder público como homens mal intencionados que se caracterizariam na

sua visão por desejarem aproveitar-se sempre de um trabalho comunitário nunca apoiado

pelo próprio político. Morador antigo do bairro da Chatuba, no município de Mesquita, o

senhor Antônio de Souza Leite passou a chamar a atenção dos periódicos locais quando

resolveu escrever uma longa carta para as redações de alguns periódicos informando sobre

uma decisão desafiadora: ele se cansara de reclamar e de "encher o saco" dos seus

vizinhos para exigir que a CEDAE normalizasse o abastecimento de água para esse grande

bairro mesquitense. Decidido, ele diz na carta:

[...]resolvi processar a referida empresa que há quatro anos recusa-se a abastecer de água o meu bairro alegando que o crescimento demográfico na área esgota todas as possibilidades de abastecimento. O seu antecessor na direção dessa empresa disse-me saber como resolver este problema, no entanto não faz isto devido ao fato de os moradores do bairro da Chatuba não possuírem nenhuma ‘influência política’.113

ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISBARCELOS, Vítor Augusto. Entrevista concedida em 10/09/1999Mestre de obras, natural do interior Fluminense, nascido em 10/10/1957, morador do bairro de Piam em Belford Roxo. 112 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISLEITE, Antonio de Souza. Entrevista

concedida em 21/08/1995 Estivador aposentado, natural de Pernambuco, nascido em 08/03/1933, morador do

bairro de Chatuba em Mesquita 113 LEITE, Antônio de Souza. “Carta ao Sr. José Maurício Nolasco. Presidente da CEDAE”. Correio de Maxambomba, 24/11/95, p.02.

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Page 83: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Utilizando-se do que o senhor Antônio de Souza considerava o seu último e

desesperado recurso, organizou uma comissão encarregada de estudar a possibilidade de

[...]utilizando recursos e mão-de-obra unicamente da comunidade desse bairro, canalizar água de nascentes da Serra de Madureira, que abasteceriam uma represa que seria a responsável pelo abastecimento do bairro através dos canos da própria CEDAE, que enterrou os tubos no chão mas nunca se preocupou em fazer a água chegar às casas. Na verdade em uma eleição os caminhões da CEDAE somente serviram para fazer a campanha política de alguns candidatos que saíram pelo bairro com os canos prometendo resolver nossos problemas de abastecimento."114

Não possuir "influência política" é para o senhor Antônio algo que somente pode ser

resolvido através da "organização de órgãos paralelos que consigam substituir o

governo e que não precise submeter a comunidade aos políticos". É compreensível

através das palavras desse líder popular os motivos pelos quais não se deve confiar nas

Associações de Moradores: "sem nenhuma exceção essas associações se juntam a um

bando de políticos que somente esperam a ajuda do nosso trabalho para colocar

depois de uma obra porca pronta uma faixa em que a comunidade agradece o

trabalho sujo do bandido do político. Além disso todo presidente de associação acaba

virando político. Não dá pra confiar mesmo."

Sobressai das palavras do senhor Antônio a nítida impressão de que o seu papel de

liderança dentro da região onde vive a mais de 45 anos somente é reconhecido na medida

em que ele consiga mobilizar os seus vizinhos conscientizando-os de que ele mesmo já

experimentou reclamar e se a utilização de sua energia não adiantou, resta unicamente

agora como esperança de "dias melhores para a Chatuba" colocarem os moradores

mesmos a "mão na massa", fazendo para a comunidade o que a prefeitura de Nova Iguaçu

e o governo do estado115 nunca se preocuparam em fazer.

O perfil do líder marginal da região da Baixada Fluminense traçado até aqui permite-

nos chegar às seguintes conclusões: é esse elemento alguém necessariamente integrado à

comunidade em que vive, ele não existiria sem a informalidade de resolução de problemas

114 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISLEITE, Antonio de Souza. Entrevista

concedida em 21/08/1995 Estivador aposentado, natural de Pernambuco, nascido em 08/03/1933, morador do

bairro de Chatuba em Mesquita 115 A confusão reinante aqui onde os municípios de Mesquita e Nova Iguaçu sobrepõem-se deve-se ao fato de Mesquita ter se emancipado somente em 1999. Como escrevemos em 1999 e falamos de fatos ocorridos em 1995, a confusão estabeleceu-se.

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Page 84: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

práticos, pois, conforme vimos, é ele parte integrante dessa informalidade, agindo como um

elemento facilitador na medida em que organiza os trabalhos realizados dentro da rede.

Desvinculado da rede, o líder marginal poderia surgir unicamente como mais um dos

"políticos" que pululam na região ignorando o trabalho mudo da rede de resolução de

problemas práticos, ou - mais comumentemente - se aproveitando da boa vontade de

alguns inocentes para conseguir votos através da realização de "obras de maquiagem"

que, segundo o senhor Antônio, "acabam com a primeira chuva".

Muito embora a presença desse tipo de liderança nos bairros baixadense seja comum,

a imprensa local somente os focaliza em momentos extremos, quando, por exemplo, uma

ponte derrubada há muito tempo é reconstruída pelos moradores de um bairro, quando a

falta de água potável determina planos alternativos para a captação e distribuição desse

produto, quando um membro da comunidade cansado da insegurança resolve, com a ajuda

de vizinhos, organizar um grupo de extermínio destinado "à limpeza do bairro",116 ou

quando mutirões organizam-se para desobstruir "valões". A distância do poder público seria

uma marca desses líderes e uma ojeriza aos políticos percebe-se nos seus discursos.

116 O jornal de Hoje do dia 30/01/1987 noticiou o sucessivo surgimento de cadáveres em uma das ruas do Bairro Barro Vermelho em Belford Roxo. Curioso era que os cadáveres sempre apareciam em um mesmo local: próximo de um muro em que se podia ler a seguinte inscrição "estamos limpando o bairro". Aliás a inclusão entre os trabalhos da rede de resolução de problemas práticos dos justiçamentos tão comuns na Baixada choca-se em completo com a tese de Josinaldo Aleixo de Souza (Os grupos de extermínio em Duque de Caxias -Baixada Fluminense. Tese de mestrado, Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais/UFRJ, 1997, mimeo.) que abordou o tema dos grupos de extermínio na Baixada Fluminense entendendo-os como organismos criados por policiais pagos por comerciantes ou traficantes interessados em manter o controle sobre regiões das quais dependem (à moda das favelas) para manter os seus negócios e a sua impunidade. Esqueceu-se o autor de investigar quem preferencialmente são as vítimas dos matadores. Se houvesse investigado apropriadamente ele perceberia que em sua maior parte são delinqüentes moradores do próprio bairro onde acabam morrendo, não existindo na Baixada por parte da população aquela comoção habitualmente vista na morte de traficantes de favelas cariocas. Ao contrário nos bairros baixadense uma certa sensação de alívio surge do fato de estarem sendo mortos os "malandrinhos" de um determinado bairro. Esqueceu-se o autor de demonstrar a participação popular nesses justiçamentos. Como dito acima não é possível ignorar a atitude mental da população baixadense em relação aos assassinatos. E a população da Baixada Fluminense consegue até ultrapassar crenças religiosas no entendimento de que é necessária a prática dos extermínios: “Não acredito que o Joca fosse matador, mas também se fosse não veria nada de tão monstruoso nisso. Esses caras matam quem precisa morrer mesmo. Obedecer essas frescuras de defesa dos direitos humanos é piada para gente como a gente que aqui não tem direito a nada. Dizer que quem entra na casa de quem trabalha, estupra a mulher e as filhas dos outros e mata trabalhador tem direito chega a ser maldade. Para mim só importa saber que ele foi o único homem público que se importava com o povo. Se ele matava, era falso, indo a igrejas evangélicas e a macumbas (o entrevistado é evangélico), desviava o dinheiro da prefeitura... isso todo político faz. Pelo menos Belford Roxo deixou de ser a terra de ninguém que era quando não era emancipada. QUEIROZ, Jorge. Entrevista concedida em 29/10/95.

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Page 85: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Ao longo do tempo a liderança do tipo marginal foi-se transformando até estabelecer-

se como uma liderança nitidamente diferenciada do que a imprensa local chama de

"lideranças políticas locais tradicionais".117 Os líderes marginais eleitos vereadores,

prefeitos e deputados estaduais são em grande parte os responsáveis por movimentos de

mobilização popular como as emancipações distritais ou o incentivo ao trabalho realizado

em mutirões compostos por moradores de bairros periféricos das cidades baixadenses. Não

seria, portanto, completo o perfil do líder marginal se não entendermos que grande parte

desses líderes lentamente, porém de forma decisiva, tomaram assento primeiramente nos

legislativos municipais e depois nas prefeituras dos distritos iguaçuanos emancipados. Essa

"invasão" é facilmente constatada verificando-se, por exemplo, que entre os componentes

da Câmara Municipal de Belford Roxo, grande parte dos vereadores é oriunda de bairros

periféricos, onde destacaram-se anteriormente como líderes comunitários.

No trabalho já referido sobre a ação de grupos de extermínio na Baixada

Fluminense118, o cientista social, Josinaldo Aleixo de Souza chamou esta casa de "Câmara

de padeiros", sendo padeiro, segundo o autor um vocábulo comumentemente utilizado para

designar justiceiros na região da Baixada Fluminense. Como geralmente a população

belfordroxense entende serem os vereadores em sua maior parte "matadores", a observação

do cientista social conduz-nos a pensar que em sua maioria os moradores de Belford Roxo

entendem serem os vereadores líderes marginais ligados a grupos de extermínio - tal como

em toda a Baixada Fluminense119 - muito comuns em Belford Roxo.

O primeiro prefeito de Belford Roxo surgiu-nos como um exemplo lapidar da

liderança marginal baixadense na medida em que experimentou uma rápida ascensão

política completamente ancorada na sua eficiente ação social substituidora do poder público

e no seu forte carisma pessoal. Acompanhar tal ascensão permite-nos compreender ao

mesmo tempo as razões que orientam a o desenvolvimento da liderança marginal e a

mutação que tal estilo de lidar com o poder público imprime no próprio poder público: a

chegada de Joca à prefeitura de Belford Roxo determinou a inauguração de um estilo 117 Jornal de Hoje, 23/08/1992, p. 04. 118 SOUZA, Josinaldo Aleixo de. Os grupos de extermínio em Duque de Caxias - Baixada Fluminense. Tese de mestrado, Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais/UFRJ, 1997, mimeo, pp. 123,124119 Entre os candidatos a vereador do município de Queimados para as eleições do ano 2000 um apelido chama a atenção de quem não reside naquele município e não conhece o famoso cabo da Polícia Militar e "matador" Beto Capeta.

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Page 86: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

diverso de governo. Em lugar da negação da reivindicação política como algo eficiente na

resolução dos problemas, a população belfordroxense aposta que se Joca comportar-se à

frente da prefeitura como comportou-se como um líder marginal de seu bairro e como

vereador iguaçuano, "Belford Roxo, nunca mais será a mesma"120.

Poder-se-ia pensar que somente o carisma pessoal de Joca é que força o surgimento

de opiniões favoráveis a seu respeito. Porém isso desfaz-se ao acompanharmos algo como

uma galeria publicada pelo Jornal de Hoje em que todos os candidatos às primeiras

eleições municipais belfordroxense são apresentados.

A galeria, composta de uma fotografia do candidato, do seu nome e apelido contém

como parte mais importante um breve relato da vida política de cada candidato. Os diversos

candidatos - quase todos vereadores por Nova Iguaçu ou deputados estaduais - eram

apresentados como eficientes ou não dependendo quase exclusivamente da sua tradição na

realização de serviços comunitários. Projetos desses vereadores e deputados sequer foram

citados no artigo e o maior espaço foi destinado ao vereador Joca que justamente naquele

momento sem dúvida nenhuma era a figura política mais tenazmente ligada ao atendimento

das comunidades belfordroxenses, evidenciando a sua pequena biografia a percepção dos

belfordroxenses de que necessário fazia-se um administrador não exatamente

comprometido com a manutenção da tradição mas um construtor. Alguém que se mostrasse

capaz de remodelar o distrito de Belford Roxo, substituindo por completo a necessidade da

recorrência ao trabalho de construção e manutenção de equipamentos urbanos mínimos

realizado pelas comunidades belfordroxense.

Caso extremo de liderança marginal, Joca se estabeleceu na Prefeitura Municipal de

Belford Roxo não somente como o candidato eleito por mais de 80% do eleitorado: foi-se

transformando ele paulatinamente - na medida em que ia substituindo a rede de resolução

de problemas práticos - em uma espécie de herói. A opinião popular a respeito de Joca

caracteriza esse processo de heroicização:

Primeiro a gente percebeu que ele não mentia nem prometia e já fazia. Eu ouvia falar que ele ajudava muita gente lá de dentro de Belford Roxo com as ambulâncias que ele comprou antes de ser vereador. Ele como vereador de Nova Iguaçu era um tal de ver ambulância por aqui... Acho que ele doou as

120 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISMEDEIROS, Matheus Eulálio da Silva. Entrevista concedida em 09/06/1998 Pedreiro , natural do Piauí, nascido em 08/03/1960, morador do bairro da Prata em Belford Roxo

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ambulâncias dele e comprou muito mais delas. Mudou o centro todo como prefeito mas mesmo antes disso pela primeira vez na vida eu me senti gente quando o asfalto e a água encanada passou aqui na minha rua por causa dele brigar até conseguir fazer o prefeito de Nova Iguaçu colocar asfalto aqui. Sem prometer ele brigava e ia limpando tudo e fazendo isso tudo virar cidade de verdade. Pode ter existido político igual, mas melhor que ele é impossível. Como Getúlio Vargas, Juscelino e Tancredo ele também foi morto por que se preocupava com o povo.121

Percebe-se no relato dessa moradora uma gradação que conduz-nos a pensar que Joca

notabilizou-se gradualmente e que todo o seu prestígio adveio do fato de não ter frustrado

as expectativas populares. As ambulâncias parecem surgir do relato como o ato inicial e

espetacular. Mesmo antes de inserir-se em qualquer esfera de poder público estas

ambulâncias parecem significar a oportunidade de Joca manter-se muito próximo dos seus

futuros eleitores na medida em que permitem que Joca destaque-se do conjunto de líderes

informais, uma vez que a manutenção de um serviço de transporte de doentes transforma

Joca em um benfeitor permanente e presente nos momentos de grande desespero da

população atingida pelas suas ações sociais.

Logo após essas ambulâncias vieram os "serviços sociais"122 e uma eleição

consagradoramente expressiva para o legislativo iguaçuano. Eleito vereador, Joca se

especializará em negar a sua função legislativa continuando em ação agora através do seu

serviço social e da sua assistência pessoal às comunidades belfordroxenses. A gradação

chega ao ápice quando a moradora iguala Joca a personagens levados à categoria de heróis

salvadores nacionais (Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves) através de

mortes trágicas. Ganha o nosso personagem o título de salvador123 destinado a redimir

Belford Roxo da péssima imagem de "pior município da Baixada". Vê-se que para a

entrevistada é a ação de Joca o fator determinante no aumento da sua auto estima na

medida em que ela afirma ter passado a se entender como gente devido a uma dessas ações

gratuitas do líder marginal que agora postado em esferas superiores de poder continua,

entretanto, ligado a massa belfordroxense da qual emergiu não unicamente para beneficiar-

121 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISCORRÊA, Odília de Freitas. Entrevista concedida em 10/09/1998Empregada doméstica, natural do interior Fluminense, nascido em 09/03/1960, moradora do bairro de Nova Píam em Belford Roxo 122 Não unicamente na Baixada Fluminense mas muito nessa região tornou-se uma prática comum o oferecimento de serviços diversos em locais chamados de "serviços sociais" por candidatos a cargos públicos.123 A idéia de um salvador político é melhor tratada no capítulo III; servindo como base para esse assunto o capítulo sobre o mito do salvador do livro "Mitos e mitologias políticas" de Raoul Girardet. GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. São Paulo, Cia. das Letras, 1987.

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se mas para transformar-se em um autêntico representante do "povo" de Belford Roxo para

o qual a discussão de idéias e a proposição de leis destinadas a uma melhoria a longo prazo

da vida assemelha-se ao discurso daqueles políticos tradicionais fazedores de promessas e

conhecidíssimos da população Belfordroxense exatamente por prometerem "mundos e

fundos"124 e nunca cumprirem suas promessas. Afastado desses dois pólos, situa-se o líder

marginal que ancorado na sua estreita ligação com a população da qual geralmente emergiu

encarna um estilo próprio de governo.

O próximo capítulo esmiuça tal estilo baixadense de governar ao acompanhar de

forma sucinta a trajetória política de Joca e as suas inúmeras maneiras de relacionar-se

com a rede de resolução de problemas práticos.

Capítulo III

"ANDANDO PELO VALE DA SOMBRA DA MORTE": A TRAJETÓRIA

POLÍTICA DE JOCA

1 - Esperando o cadáver

A morte é, invariavelmente, um dos momentos mais marcantes na trajetória de alguns

indivíduos. Esquecem-se aí diversas características, geralmente as negativas, da vida desses

indivíduos, passando-se a construir uma segunda pessoa, essa sempre ideal, em um

processo de mitificação, tão corriqueiro no mundo ocidental que pode-se pensar ser ele um

dos grandes responsáveis pela criação de heróis diversos destinados geralmente a

representar esperanças perdidas ou exemplos a se seguir. Entende-se que a mitificação, por

maior que seja o carisma 125 pessoal do defunto, é sempre algo conduzido por um grupo que

o admirava em vida e que exatamente por isso sente-se na obrigação de não deixar sua

memória desaparecer e, indo mais além, retocar seu retrato através da pintura de novas

124 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISCORRÊA, Odília de Freitas. Entrevista

concedida em 10/09/1998Empregada doméstica, natural do interior Fluminense, nascido em 09/03/1960,

moradora do bairro de Nova Píam em Belford Roxo125 WEBER, Max. On charisma and institution building : selected papers., : University of Chicago, 1968 Chicago (The heritage of sociology).

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imagens, sempre ideais e mais fáceis de se fazer uma vez que construídas distantes de quem

mais poderia anuviar este retrato: o morto.

Em resumo, a morte corresponde a um momento supremo de construção e retoque de

memórias, sendo óbvio pensar que tais memórias deverão variar de acordo com o morto.

Ser este morto um homem público carismático pode eqüivaler à construção de memórias

conflitantes, afinal muito provavelmente personagens de tal tipo juntam em torno de si

grupos diversos e as disputas entre os membros desses grupos pode eqüivaler a criação de

retratos diversos, por vezes opostos.

O personagem sobre a vida e morte do qual nos debruçaremos abaixo foi um líder

apressado e contraditório que atuando em Belford Roxo transformou-se, a partir de sua

morte em um mito político126 para a população desse município baixadense. A verificação

de sua vida feita por nós aqui não se constitui em uma tentativa de biografá-lo. Seguir a sua

ascensão até o cargo máximo de seu município pressupõem que consideramos ser ele o

melhor representante de um tipo particular de liderança que embora possa parecer solitário,

gravita em torno das maneiras "escolhidas" pela população baixadense para relacionar-se

com o poder público e com as dificuldades cotidianas encontradas pelos que ocupam a

região da Baixada Fluminense.

Iniciar a descrição da sua vida exatamente pelo final dela prende-se a uma

necessidade de ordem prática: aqui podemos encontrar o líder carismático muito próximo

da massa belfordroxense que em outros momentos parecerá submetida a ele. A passividade

de um morto pode servir-nos para definir de uma maneira mais clara a simbiose que existiu

entre Joca e a população de Belford Roxo. Iniciar a descrição dessa vida em um outro

momento qualquer provavelmente não daria a este capítulo o tom que desejamos que ele

tenha: o de uma união entre líder e massa popular.

126 Conforme dissemos anteriormente a nossa interpretação de mitologias políticas é baseada no capítulo sobre o mito do salvador do livro "Mitos e mitologias políticas" de Raoul Girardet. (GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. São Paulo, Cia. das Letras, 1987.)As seguintes obras servem-nos como referências para tratar o tema da mitologia política:ELIADE, Mircea. Mito e realidade. São Paulo, Perspectiva, 1991HARRIS, Marvin. Vacas porcos, guerras e bruxas. Os enigmas da cultura. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1978.

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2 - Assassinato

Não era difícil imaginar que Joca acabaria a sua vida assassinado, afinal ele era

considerado - e orgulhava-se dessa consideração - participante de um grupo de extermínio,

havia sido apontado como receptor de cargas roubadas, 127 sendo famosa sua falta de

medidas: mobilizava grande quantidade de seguranças a fim de proteger-se, mas acumulava

desafetos, esbofeteando opositores políticos em pleno centro da cidade de Belford Roxo ou

participando de ataques armados à casa de vereadores que teimassem em não pensar

segundo as suas "sugestões".128 Se a morte violenta era previsível, ela ocorreu, entretanto,

no momento em que ninguém esperava: Joca estava no auge de seu governo e talvez por

causa da quantidade de seguranças ou devido as duas pistolas que gabava-se de portar, era

difícil imaginar o primeiro prefeito belfordroxense abatido por onze tiros dados durante um

assalto mal sucedido ocorrido quando Joca e outros prefeitos baixadenses encaminhavam-

se para uma reunião entre eles e o ex-governador fluminense Marcello Alencar129. Mas,

enfim, é preciso manter-se preso a algo concreto e o fato é que ele aproximadamente às

18:30 do dia 20 de junho de 1995 foi assassinado após reagir a um assaltante apelidado de

ratinho (apelido provavelmente proveniente do pequeno tamanho do ladrão) que, atraído

pelo grosso colar e pulseira de ouro do prefeito, aproximou-se do carro dirigido por Joca

quando este parou em um engarrafamento próximo ao túnel Santa Bárbara. Segundo o

então prefeito de São João de Meriti - que viajava ao seu lado e tinha a perna imobilizada,

conseguindo mesmo assim afastar-se do local do crime enquanto os tiros eram disparados -

Joca recusou-se a entregar suas jóias ao bandido, tentou abrir a porta do carro e utilizar suas

armas ao mesmo tempo. O bandido, inexperiente e impressionado com o tamanho de Joca,

"assustou-se" e descarregou uma pistola no corpo do prefeito que morreu instantaneamente,

127 A forma pela qual Joca conseguiu enriquecer não é muito clara. Nas suas entrevistas dizia ter sido baleiro em trens, carroceiro, cobrador e motorista de ônibus, lutador de luta livre, até ter se transformado em empresário do ramo de transportes e material de construção. Como não existiu uma maneira de investigar-se isso sem correr riscos, preferimos conformarmo-nos com as versões divulgadas pela imprensa local que falam de uma transformação rápida de Joca em empresário bem sucedido. Os meios utilizados por ele para chegar a isso (trabalho, apara de cargas roubadas, etc.) não sabemos. 128 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISA.D.F. Entrevista Concedida em

09/09/1995Não disponíveis129 Especula-se atualmente na região da Baixada que a reunião com Marcello Alencar trataria do afastamento do deputado federal Nelson Bornier do cargo de secretário especial da Baixada.

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ficando estendido no asfalto à mercê de curiosos130 tal como dezenas de corpos que todos os

dias são abandonados na Baixada Fluminense considerada por um dos prefeitos dessa

região um "estado cujo governador é Joca".131

Algumas horas mais tarde (três horas da madrugada do dia seguinte) uma equipe do

Jornal O Dia chegando ao centro de Belford Roxo encontrou uma multidão concentrada na

praça Eliakim Araújo, que é a principal praça do pequeno centro municipal de Belford

Roxo. Incentivada por um dos filhos de Joca a multidão atacou a equipe desse jornal que

era acusado de ter retirado fotos de Joca assassinado enquanto a perícia policial realizava os

seus trabalhos deixando Joca somente de sunga. A multidão apoderou-se do equipamento

dos jornalistas que somente deixaram de ser agredidos devido à interferência de alguns

conhecidos políticos e jornalistas locais que impediram o pior colocando-se entre a

multidão enfurecida e a equipe do jornal carioca.132

A imprensa local calculou que na madrugada do dia 21 de junho mais de cem mil

pessoas concentravam-se na praça central do município esperando pelo corpo de Joca. É

significativo verificar como a população lamentava-se pelo prefeito morto: é certo que um

ar de perplexidade pairava sobre aquela multidão que tentava localizar dentro das

informações desencontradas um culpado pelo ultraje ao seu líder. Não existia certeza

nenhuma a respeito de como aconteceu a morte mas os relatos de pessoas que

acompanharam o cortejo deixam perceber que pensava-se coletivamente de uma forma

assemelhada à seguinte:

[...] hoje se diz que ele foi morto em um assalto. Mas lá na praça ia dar risada o povo se alguém conta uma história dessas. Aquele homem grande daquele jeito, que só andava armado e com um monte de segurança, morrer assaltado...nem dá pra pensar. Você perguntou o que que eu sentia. Sentia tristeza pela morte de um parente, porque pra mim ele era que nem um da família. Desde muito tempo ele ajudava a gente lá de casa dando colégio prás criança estudar(...) levava doente pro hospital qualquer hora da madrugada, dava material pra obra (...) porque eu e meus filhos é que fizemos obra pra morar, meu marido morreu há muito tempo e sobrou pra nós... ele nem era político ainda e já ajudava (...) era um pai pros meus filhos (...) gostava de gente pobre porque ele também era trabalhador e pobre (...)

130 A versão apresentada aqui para a morte de Joca foi retirada dos seguintes periódicos Jornal de Hoje, 21/06/95 - p. 3-7, O Dia 21/06/95 - pp. 3-5 e Hora H, 21/06/95 - p. 2-5. 131 O primeiro prefeito do município de Japeri Carlos Moraes Costa costumava chamar Joca de o "governador da Baixada" devido ao fato do prefeito de Belford Roxo ser o presidente da “Associação de Municípios da Baixada Fluminense e Adjacências”. Jornal de Hoje, 06/11/93 - p. 2. 132 Jornal de Hoje, 23/06/1993

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Page 92: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

eu tinha que ficar naquele frio esperando o corpo que nunca chegava, era que nem uma obrigação pra mim (...) nunca vai existir um outro político aqui igual ele. Têm uns aí que cisma de dar pão e sopa pra gente mais é falsidade. Passa a eleição eles desaparece (...) ele não era só político era um homem que ajudava se tinha ou não eleição. Tava presente o ano todo.133

Cem mil pessoas não ocupariam uma praça na madrugada de quinta para sexta-feira

para esperar um cadáver não querido, é lógico. Existem aspectos dessa espera, entretanto,

que a diferenciam de um simples desejo coletivo de homenagear um político popular morto.

Escapa do depoimento a nítida impressão de que a entrevistada considera o seu

deslocamento como uma obrigação. Joca trata-se para dona Maria de um "membro da

família", ou até mais que isso pois ela chegará em outra parte da entrevista à afirmar que

quando "gente da minha mesma família me abandonou, ele me ajudou". O líder morto,

neste momento de velório, está mais que durante toda a sua vida política unido à população

belfordroxense, que não é para aí conduzida, mas, em um típico comportamento de massa,

conduz-se com a finalidade única de reverenciar alguém considerado por essa massa como

um herói. O comportamento da massa de belfordroxenses legitima o entendimento de Joca

como uma espécie de salvador.

Representantes da antiga elite política local sentiam-se também desamparados ante a

morte do primeiro prefeito belfordroxense, prova esse fato o editorial em tom profético do

Correio da Lavoura do dia 23 de junho de 1995 que concluía:

[...] correr Belford Roxo o perigo de retornar ao período negro da sua história, quando bandidos conhecidos notabilizaram-se por infernizar a vida de sua população que experimentou por um prazo muito curto a paz garantida por um dos maiores líderes políticos dessas plagas.134

A idéia de estabilidade do governo Joca lembrada pelo editor de "O Correio da

Lavoura" talvez deva-se à lembranças fortes como a evocada por um entrevistado que

justificava sua admiração ao prefeito morto relembrando um acontecimento inusitado

vivido pelo prefeito que foi a única pessoa a conseguir fazer com que alguns traficantes

133 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISGUIMARÃES, Maria Teixeira.

Entrevista concedida em 02/09/1995.Doméstica, natural do Rio de Janeiro, nascida em 08/03/1960, moradora

do Morro da Cocada em Belford Roxo,134 Correio da Lavoura, 23/06/1995, p.01.

92

Page 93: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

permitissem que os bombeiros recolhessem o cadáver de um desafeto deles que, morto já

há quatro dias, contaminava com sua podridão toda a vizinhança. Segundo o entrevistado,

morador de uma bairro popular próximo ao centro do município, o prefeito ao saber por

parte de moradores do acontecido, abandonou seu gabinete na prefeitura e subiu o Morro da

Galinha junto com o carro dos bombeiros. Chegando lá, Joca não se contentou em assistir

ao recolhimento do cadáver: procurando o traficante que havia impedido a retirada anterior

do corpo, fez com que o próprio traficante levasse o defunto até a viatura dos bombeiros135.

Por mais inverossímil que essa história seja (e não é possível apurar a sua veracidade), ela

ilustra-nos o modo como Joca era visualizado pela população: para além de ser um político

ele era considerado como o proprietário de soluções para problemas que, apesar de

poderem ser considerados como simples, perpetuavam-se ganhando o status de insolúveis.

A espera na madrugada fria é parte de um processo de mitificação, no entanto é

perceptível que tal espera longe de simbolizar a construção de um exemplo através das

aparas da imagem de um político tradicional, eqüivale a uma homenagem a quem melhor

conseguiu aproximar-se do povo e de suas práticas de resolução de problemas. O papel do

mito aqui sofre uma espécie de inversão: apesar de continuar à reboque de uma construção,

não existiu espaço para nenhum elemento da elite política regional construir a imagem ideal

de Joca: ao contrário disso, o retrato prevalecente foi o construído pela própria população.

Tendendo o resultado a espelhar soluções pouco convencionais para problemas tornados

crônicos ante a pequena presença de ações estatais na região da Baixada.

Amanheceu o dia 21 de junho de 1995. O centro comercial de Belford Roxo logo se

tornou pequeno demais para comportar a multidão que teimava em não organizar-se a fim

de ver o corpo de Joca. A fila que se estendeu por mais de dois quilômetros deu lugar

rapidamente a uma procissão que teve como destino final o cemitério da Solidão, tendo

inicialmente percorrido todo o pequeno centro da cidade de Belford Roxo. Indo até o

ostentoso pórtico de entrada da cidade construído um ano antes pelo prefeito agora morto.

A multidão pára sob o pórtico. Enfatiza um jornal local ser possível durante essa parada

135 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISNOVAES, Mário Geraldo . Entrevista

concedida em 02/09/1995Funcionário público aposentado , natural de Alagoas, nascido em 08/03/1940,

morador do bairro de Areia Branca em Belford Roxo

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Page 94: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

ouvirem-se lamentos traduzidos em frases curtas como: "perdemos nosso pai!" e

"Belford Roxo nunca mais será a mesma". Após essa parada a procissão seguiu seu

destino que era o túmulo onde futuramente seria gravada a frase “Serei sempre Joca” e um

coração construído com lâmpadas fluorescentes.

Durante todo o cortejo fúnebre e até no cemitério percebe-se uma disputa realizada

por políticos baixadenses que desejam homenagear o prefeito através de discursos, as

lamentações populares, entretanto, sufocam tais tentativas de homenagem. Seguindo as

descrições expostas pelos periódicos locais e mesmo por alguns jornais cariocas percebe-se

que ocorre nessa condução do cadáver uma apropriação popular da figura de Joca. Sobra

pouquíssimo espaço para os correligionários do prefeito. A massa formada em torno da

morte de Joca determina a impossibilidade de pensar-se que essa morte possa funcionar

como uma oportunidade para que um grupo de amigos inicie isoladamente um processo de

mitificação política. Nos dias seguintes a essa procissão e enterro, o túmulo de no 2409 do

Cemitério da Solidão passou a receber uma grande quantidade de visitantes, alguns deles

deixando alguns pequenos bilhetes como os de algumas alunas de um colégio particular do

município:

“Joca, desejamos que você esteja em paz. Pelo sorriso que você tinha e pelo prefeito

que você era, um beijo dos alunos do Centro de Educação Moderna.” Ou esses bilhetes

deixados por populares que não se identificaram:

“Tio Joca, ilumine os nossos dirigentes de onde você estiver.”

“Continue ajudando Belford Roxo a ser a cidade do amor.”

“Nunca mais teremos um prefeito como você, que foi o único a se preocupar com

pobre.”

Descartada a possibilidade de imaginar que existiu uma condução para o processo de

mitificação política de Joca, resta-nos pensar que ele notabilizou-se por refletir anseios

populares e somente é possível pensar nele como alguém que corporificou inúmeros

anseios dessa população fundida a ele. A identificação é aí direta, sendo difícil pensar em

Joca como alguém destacado da população belfordroxense. Ele é tal como demonstraremos

em seguida o resultado extremado de uma maneira popular de resolver problemas políticos.

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Page 95: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

3 - O Salvador

Dias 20 e 21 de junho de 1999: O túmulo de Joca no cemitério da Solidão em Belford

Roxo não contrastaria em muito com aquele mesmo túmulo no dia 21 de junho de 1996136

se não fosse por um detalhe: segundo os funcionários do cemitério público a rotina nesse

dia em nada lembrava uma data especial: logo cedo um carro da prefeitura parou em frente

ao cemitério e dois ramalhetes de flores foram conduzidos ao túmulo de Joca. Menos de

dez pessoas visitaram o túmulo nesse dia - quarto aniversário da morte de Joca - nem

sequer uma nota foi publicada na imprensa local. Estranho isso ocorrer com o prefeito que

mesmo depois de morto conseguiu reunir em torno de si aliados e adversários políticos

conduzindo ao executivo municipal sua esposa e ao legislativo municipal e estadual

candidatos que pautaram suas campanhas enfatizando uma estreita ligação com as práticas

do ex-prefeito. Teria o mito político se desfeito? As condições que permitiram a Joca

exercer um poder tão invejado pelos demais prefeitos baixadenses dissolveram-se?

Em lugar de decepcionar, o silêncio demonstrado pela população belfordroxense

poucos anos após a passagem de Joca pela prefeitura desse município revela-nos algo

fundamental para entender-se a peculiaridade das soluções encontradas pela população

baixadense e o recurso a indivíduos que contribuem para a solução desses mesmos

problemas. A mitificação política de Joca é fluida porque na realidade todo o seu carisma

embasava-se muito menos nos seus atos espetaculares e muito mais na percepção popular

de que Joca era parte do povo belfordroxense e de que suas soluções somente diferiam em

grandeza das soluções tradicionalmente encontradas pela população baixadense. Não era

possível, portanto, que o processo de mitificação política de Joca se restringisse a objetos

concretos como um túmulo, um livro de memórias, uma estátua ou uma rua. Muito mais

próximo que todos os objetos que possam lembrar Joca está a convivência diária com

problemas para os quais Joca significava em primeiro lugar uma solução. Solução que

mesmo parcialmente já era proporcionada pela rede de resolução de problemas práticos.

Considerar Joca como o homem que age em conformidade com essa rede auxilia no 136 Completou-se nessa última data um ano da morte de Joca. E o cemitério foi tomado por uma multidão que durante todo o dia visitou o túmulo. Mesmo com a prefeitura municipal de Belford Roxo não promovendo naquele momento em que era ocupada por um opositor de Joca nenhuma comemoração que lembrasse o falecimento do líder, diversos políticos se conduziram para o Cemitério da Solidão a fim de homenagear "o principal cabo eleitoral das eleições municipais" daquele ano. Eleições que terminaram garantindo à esposa de Joca o cargo de prefeita logo no primeiro turno. Jornal de Hoje, 23/06/1996, pp. 01-03.

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Page 96: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

entendimento dos motivos existentes para o "esquecimento" popular da figura de Joca. Ele

assemelhou-se a um símbolo e mesmo morto esse símbolo, o que o gerou continua atuando

e dirigindo a sua atenção para outros agentes espetaculares ou mesmo para a muda ação de

construção e manutenção de equipamentos urbanos tão comum na Baixada Fluminense.

Não se deve em momento algum entender Joca como superior a todo o conjunto de

soluções encontradas pela população baixadense. O fato de ser transformado em mito

revela unicamente uma profunda identidade entre Joca e a população "submetida" a ele.

Identidade forte o suficiente para dispensar a necessidade da manutenção do mito que

parecerá ser enterrado em um tempo recorde.

O "esquecimento" que a população belfordroxense infligiu ao seu herói deve-se

também a alguns fatos relacionados diretamente a vida política de Joca. Eleito prefeito em

1992 e assassinado em 1995, sua vida política como prefeito foi muito curta e embora

algumas de suas ações fossem espetaculares, elas não conseguiram fixar-se de forma

permanente na memória da população belfordroxense pois ele não conseguiu sequer

terminar o seu mandato como prefeito. Além disso seus herdeiros políticos frustaram as

expectativas de continuidade do seu estilo de governo. Exemplo maior dessa frustração foi

a sua esposa Maria Lúcia que eleita prefeita em 1996, revelou-se incapaz de lidar

adequadamente com a população belfordroxense. Servindo como motivo de piadas, pois a

população de Belford Roxo entendia que era uma "prefeita-fantoche". Não guardando

nenhuma semelhança com o falecido marido. Pode-se pensar que Joca não encontrou

eficientes guardiões da sua memória, sendo esses guardiões, segundo Pollak

fundamentalmente necessários no processo de conservação e reelaboração da memória.137

A tese defendida por Raoul Girardet em 1978138 que considerou ser um campo

político conflituoso um local privilegiado para o aparecimento de uma espécie sui generis

de personagem: o salvador, elevado pelos cidadãos (ou súditos) - geralmente

desesperançados naquele momento - em uma espécie de herói, transformou-se em clássica.

Certamente Girardet baseou-se no mito do messias quando iniciou suas formulações

sobre o salvador, uma vez que este mito de origem judaico cristã fixou-se tão radicalmente

137 POLLAK, Michael. “Memória, esquecimento, silêncio”. in Estudos Históricos, RJ, vol. 02, n.03, 1989, pp. 03-15138 GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. São Paulo, Cia. das Letras, 1987.

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Page 97: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

na cultura do mundo ocidental, fazendo com que se transformasse em um fenômeno de

massa facilmente descoberto em situações extremas nas quais toda a esperança esvaiu-se e

uma determinada massa já não acredita ser possível resolver através dos métodos

tradicionalmente experimentados suas angústias. Nesse sentido pode-se pensar que Girardet

ao tratar das contemporâneas formas de mitologia, de uma forma acidentalmente irônica,

restaurou ao seu campo original - a política - um antigo mito oriental extremamente

radicalizado no mundo ocidental: o do herói salvador infalível e redentor.

Sobre os messias, o antropólogo Marvin Harris demonstra-nos em um livro

destinado a contextualizar "aberrações" produzidas coletivamente por grupos sociais

diversos139 que esses personagens não habitariam somente a cultura judaica e cristã como

também diversas outras culturas. O mito do messias presente na cultura ocidental é, no

entanto, uma derivação do messiah hebreu (título dado primeiramente ao rei Davi, e que

tem, dentre outros, o significado de escudo, protetor ungido pela divindade, etc.)

equivalente para os hebreus a um general poderosíssimo prometido por Iavé e que, livraria

o povo eleito de seus inimigos. Para Harris o mito do messias hebreu ganhou cada vez mais

força devido exatamente à força agregadora da religião que serviu como contrabalanço ante

a desvantagem geográfica da Terra Prometida, disposta como um corredor que

historicamente serviu de passagem para os soldados de poderosos exércitos da Antigüidade.

A esperança na vinda de um general poderosíssimo, capaz de fazer renascer a era

expansionista do rei Davi foi a saída não convencional para que o povo de Israel

mantivesse a esperança de não desaparecer sob os pés de filisteus, babilônicos, assírios,

gregos e romanos.

O cristianismo (kristos era o nome pelo qual os judeus se referiam ao seu esperado

místico salvador militar ao falarem em grego), como ingrediente essencial da formação

cultural ocidental, trouxe, portanto, desde a sua origem - o judaísmo - o mito do messias, do

espetacular salvador prometido futuro. E muito embora se possa dizer que Jesus não tenha

sido o príncipe guerreiro anunciado pelos profetas,140 a noção de uma salvação futura e

definitiva fixou-se de tal forma na cultura ocidental que a continuidade desse mito é

inegável.

139 HARRIS, Marvin. Vacas porcos, guerras e bruxas. Os enigmas da cultura. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1978.140 Marvin Harris duvida especulativamente da bondade e cordialidade de Jesus, tentando demonstrar as suas vinculações com pelo menos dois grupos rebeldes de sua época. Op. cit., pp. 136-155

97

Page 98: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Insere-se o trabalho de Raoul Girardet naquele conjunto de trabalhos que a partir de

finais da década de 1970 esforçaram-se na renovação de enfoque da história política: Se até

aquele momento evitava-se de uma certa forma como objetos temas do campo político,

nesse exato momento ensejou-se vincular a política a diversos outros campos com a nítida

intenção de, ao se permitir o contato entre os fenômenos políticos e diversas outras áreas do

conhecimento humano, tornar tal campo menos sujeito a factualidade.

Algumas considerações de Girardet sobre o fenômeno político/mítico do salvador

devem ser ressaltadas para que se possa pensar no surgimento tempestuoso dos salvadores

como personagens emblemáticos das relações políticas vivenciadas quotidianamente por

sociedades inteiras.

Girardet desenha um cenário caracterizado pelo fato de ser o agente político salvador

alguém possuidor de soluções excepcionais para uma sociedade determinada. Surgirá ele

necessariamente em momentos marcados pela instabilidade das instituições

tradicionalmente aceitas por aquela sociedade, sendo portanto "o salvador"

necessariamente o habitante de um mundo em crise, estando o seu atributo de salvador

intimamente ligado a essa crise. Dizendo-se de um outro modo: "o salvador" não seria

notado se o mundo em que habita não possuísse um alto grau de instabilidade política.

Com a intenção de checar a validade de suas conclusões, alguns personagens serão

eleitos por Girardet como modelos de agentes políticos salvadores. O primeiro desses

personagens - o Senhor Pinay - é real e o segundo - Tête d'Or - foi retirado pelo autor da

literatura de seu país.

O Sr. Pinay é o presidente do Conselho empossado pela Assembléia Nacional

francesa em 1951, momento complexo em que a França caracterizava-se por experimentar

uma profunda crise econômica responsável pela desvalorização exagerada do Franco. O

salvador nesse momento instável da economia francesa moldar-se-ia perfeitamente na

figura de um pai: candura, banalidade, bom senso, enfim, "um homem qualquer", que no

entanto passa a não pertencer-se mais unicamente porque o tempo em que vive

transformou-o em um símbolo "em que inumeráveis franceses reconheceram o que

desejavam para a França..." 141. O desejo de retornar a um passado cada vez mais

141 GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. São Paulo, Cia. das Letras, 1987

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Page 99: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

ameaçado pelas incertezas exige a admissão de um herói em nada aventureiro. Na realidade

um técnico avesso às maneiras abruptas de se fazer política. Para o novo presidente do

Conselho a política pode ser tudo menos um jogo.

Habitando o mundo da ficção o personagem de Paul Claudel (Tête d'Or) parece não

poder ser comparado em nada ao Sr. Pinay, brusco, excepcional e louco ele transforma-se

de homem comum em ser adorado, temido e ao mesmo tempo amado, quando imagina-se

destinado a um grande futuro que somente poderia ser alcançado através da usurpação do

trono de um antigo imperador representante do marasmo de uma vida condenada a uma

eterna repetição. Tête d'Or é, então o herói de um mundo instável, não exatamente por

estar ameaçado de deixar de existir, mas sim por correr o risco de existir sempre. O herói

claudeliano Tête d'Or não tem como lema de vida restabelecer um passado ideal (a idade

de ouro). Ele existe, ao contrário disso, para criar um presente sem se importar com um

futuro e sobre o túmulo do passado. É um herói salvador da exceção, portanto.

Em comum Tetê d'Or e o Sr. Pinay têm a rapidez com que passaram pelos seus

mundos. Nenhum dos dois deixou rastro, sendo o primeiro eliminado pela própria

"canalha" desprezada por ele e o outro superado pela sua própria mediocridade.

Girardet usa esses dois personagens com a intenção nítida de estabelecer um padrão

do agente político salvador. Concluirá ele ao final que o amálgama das personalidades

desses dois modelos extremos de salvadores é que constituiria um retrato mais de acordo

com o agente salvador político real; aquele que mais freqüentemente surgiu na vida política

do ocidente contemporâneo.

Seguirá Girardet não mais buscando modelos explicativos, mas expondo salvadores

europeus facilmente identificáveis por significarem em momentos especiais da vida das

nações européias soluções adequadas para mundos em franca decomposição.

Muito embora cite Mircea Eliade142 que apontou Jesus Cristo como o modelo

primeiro desses salvadores ocidentais, Girardet difere desse estudioso romeno na medida

em que não pensa no salvador como um elemento que se esforça para santificar-se ou que

é o objeto de um culto que necessite da força a fim de impor-se. Tal diferença entre o héroi

Girardiano e o salvador mítico de Eliade, aponta para o fato de que o salvador político

142 ELIADE, Mircea. Mito e realidade. São Paulo, Perspectiva, 1991

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Page 100: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

traçado por Girardet pode ser lido muito mais como uma resultante do que como um agente

espetacular na medida em que ele ao surgir já encontraria um cenário caótico montado,

cabendo ao salvador tomar o seu lugar nesse caos, eliminando-o logo em seguida.

De que maneira enquadra-se Joca no papel do heróico salvador retratado acima?

A mitificação política de Joca poderia por si só defini-lo como um herói do tipo

salvador?

É inegável que a reação popular à morte de Joca e os gestos populares relacionados

aos seus funerais dificilmente poderiam deixar de dar a ele os louros da vitória de uma

santificação. Por si só a sua morte retira da obscuridade qualquer dúvida de ser ele o herói

salvador destinado a conduzir a população belfordroxense até um porto seguro distante o

bastante do caos a que pode ser comparado a Baixada Fluminense.143

Joca, tal como os salvadores girardianos, é o habitante de um mundo em crise e

assume um papel relevante na indicação de soluções para os inúmeros problemas que

atingem a população belfordroxense fundida à sua imagem.

Comparada com os mundos habitados pelos salvadores girardianos, a Baixada

Fluminense é um mundo em constante crise, uma vez que para ali se destinaram indivíduos

oriundos do interior do Brasil, desamparados completamente pelo poder público em suas

diversas esferas. Estabeleceu-se na Baixada Fluminense uma estrutura de carências capaz

de alimentar as condições adversas já existentes desde os momentos iniciais da ocupação.

Joca surgiu então exatamente no momento em que essa estrutura de carências públicas

explodia sob a forma das emancipações distritais. No final da década de 1980 torna-se

insuportável para a população baixadense conviver com a inacessibilidade do poder público

municipal representado pela prefeitura iguaçuana. Passa a ser de fundamental importância

nesse momento decisivo para cada ex-distrito iguaçuano fazer subir ao poder um

representante distrital, uma vez que os antigos líderes populares distritais transformados em

vereadores e estabelecidos como pontes entre suas regiões e a prefeitura iguaçuana não dão

conta de amenizar as situações desvantajosas que se impõem aos moradores de cada um

143 O termo Baixada Fluminense muito embora tenha sido apropriado pelo senso comum que retirou dele toda a sua seriedade geográfica, traz às mentes de membros da elite baixadense lembranças incômodas que os faz negar a validade de chamar-se estes municípios por este nome, optando por sinônimos menos comprometedores como "recôncavo" ou "recôncavo fluminense". Jornal de Hoje, 08/03/97, p.03

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desses distritos. Nesse momento decisivo surge Joca que passaria despercebido caso não

fosse o portador de soluções eficientes dirigidas para o estabelecimento de organismos

públicos capazes de substituir a rede de resolução de problemas práticos.

Não seria possível pensar Joca como um salvador político no estilo de um Tiradentes

ou um Marechal Floriano Peixoto144 na medida em que sua imagem não se prestou a uma

construção intencional. Ao contrário da missão de um salvador construído, Joca

emoldurou-se a uma tela já construída pela população da Baixada Fluminense enquanto

esta ampliava a auto construção para o espaço público. Ele destaca-se exatamente por

assemelhar-se à população Baixadense. Nesse aspecto não é um herói da exceção mas sim

o elemento mais capacitado a ocupar o poder público exatamente por destacar-se dos

demais políticos representantes de um elite política regional.

Concluí-se, portanto, que a mitificação política de Joca não atende à necessidade de

um determinado grupo de eleger um símbolo como elemento sintetizador dos anseios da

preservação de um mundo político. Joca é, ao contrário, o aprovado e prático autor de

mudanças profundas (destrutivas/construtivas) em um mundo caótico.

4 - De baleiro a prefeito

Acompanhar a transformação pessoal sofrida por Joca no seu caminho até a prefeitura

de Belford Roxo permitirá que se pense melhor na sujeição deste a todo um conjunto de

antigas práticas criadas pela própria população belfordroxense.

A mídia não era algo muito querido por Joca. Muito provavelmente por isso durante

toda a sua vida pública poucas foram as entrevistas concedidas por ele. É fácil concluir as

razões dessa ojeriza à imprensa: ele somente chorara duas vezes depois de adulto e uma

dessas vezes devera-se aos jornalistas145. Manter distância da imprensa era então uma boa

estratégia, segundo o prefeito para "sofrer menos". Na realidade tal estratégia não

funcionava muito bem porque os atos de Joca primavam pelo espetáculo e isso determinava

144 SIMAS, Luiz Antônio. O evangelho segundo os jacobinos Floriano Peixoto e o mito do salvador da República brasileira, Tese de mestrado, Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais/UFRJ, 1994, mimeo.145 Jornal de Hoje, 18/10/93, p.05

101

Page 102: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

que a imprensa local quase que diariamente se ocupasse da descrição desses espetáculos.

Aliás a atitude hostil dessa imprensa existiu até o momento em que Joca passou a ser

considerado uma figura política marcada para a liderança de seu município: logo após a

eleição de 1992 um articulista do Jornal de Hoje cobra de Joca uma atitude em relação ao

editorial "Eleições manchadas de sangue"146 publicado no Jornal do Brasil em que,

segundo o articulista, a população belfordroxense foi atacada quando o Jornal do Brasil

considerou, segundo o articulista do Jornal de Hoje, a escolha de um "matador" para o

executivo de um município fluminense como o exemplo de quanto essa mesma população

era "alienada" e "ignorante".147

Os processos judiciais abertos contra Joca não pesavam mais para a imprensa da

Baixada, para a qual ele era agora "o prefeito de um dos mais ricos municípios dessa

região" e não mais o "participante de um grupo de extermínio". Apesar das raras entrevistas

concedidas por ele, constituem essas pequenas entrevistas contidas em periódicos locais as

únicas fontes capazes de nos informar sobre a sua origem e a maneira como ele destacou-se

dentre os demais migrantes fluminenses até tornar-se o prefeito do município onde viveu

por quarenta anos antes de tornar-se prefeito.

Joca, tal como grande parte da população de Belford Roxo, não era originário da

região da Baixada. Ele viera bem cedo do interior do estado do Rio de Janeiro e segundo

seu próprio relato começou a trabalhar ainda criança, pois pertencia a uma família muito

grande e pobre (treze irmãos filhos de uma merendeira e de um operário da Rede

Ferroviária Federal). Vendeu bala nos trens, foi ajudante-de-obras, pedreiro, cobrador e

motorista de ônibus, lutador de luta livre e carroceiro antes de transformar-se em um bem

sucedido empresário do setor de transportes e construções.148 A leitura de entrevistas de

Joca deixa claro que não é importante para ele relembrar esse passado comum a grande

parte dos migrantes belfordroxenses, nem mesmo que a sua intenção possa ser vangloriar-

se pelo fato de destacar-se em relação a grande massa socialmente submetida da qual

emergiu. A parte da sua vida que merece destaque, segundo ele, é aquela que inicia-se

quando ele resolve, “ ...não pensando em exercer nenhum cargo, fazer o trabalho social". E

tal prática inicia-se, segundo o prefeito, de uma maneira bastante simples: ele constatou

146Jornal do Brasil, 18/10/1992, p.07 Jornal do Brasil, 19/10/1992, p.12147 Jornal de Hoje, 22/10/1992, p.04 148 Jornal de Hoje, 21/11/93, p.5.

102

Page 103: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

que... "Ambulância sempre foi uma coisa muito difícil por aqui e achei que essa era a

melhor maneira de ajudar. Hoje mantenho catorze unidades, uma delas com UTI"149.

Muito embora Joca não se preocupe em detalhar como foi o início do seu serviço

social, alguns entrevistados informaram que tudo começou com um carro velho (um

volkswagem tipo brasília) que recebeu uma pintura com o nome de Joca, tendo a figura de

um coração substituindo graficamente a letra "O" do apelido Joca, e passando a partir daí a

servir como ambulância:

[...] como não tinha nada... e ele nas piores horas, de madrugada, servia o povo levando pra hospital do Rio. A gente batia na casa dele qualquer hora quando precisava em uma emergência e ele nunca se negava a atender...acho que ele começou a fazer isso no início sem tanto interesse em ser alguma coisa. Aqui no bairro só tem pobre e ele sendo mais rico passou a ter pena de nós eu acho...depois é que pode ser que ele já não fizesse tanto por pena mas também por interesse de se eleger. 150

Ainda como morador do bairro de Heliópolis151, na periferia de Belford Roxo, Joca

passou da ambulância improvisada à construção de um "serviço social" e durante a década

de 1980, quando começava a ganhar força a antiga idéia de emancipar-se o distrito de

Belford Roxo, Joca, apesar de não ser ainda candidato passou a distribuir cestas básicas,

sopa, materiais de construção, e proteção a moradores ameaçados por bandidos. Sua fama

de benfeitor e de homem valente atraía políticos e fez nascer nesse migrante

"desinteressado" a percepção de ser possível para ele candidatar-se à Câmara de Vereadores

de Nova Iguaçu.

Da velha brasília para os muros, o nome Joca - agora acompanhado do slogan "O

homem que ama Belford Roxo" - revela logo na primeira e única eleição para vereador

possuir uma farta energia eleitoral.

Em um resumo rápido a trajetória eleitoral de Joca pode ser apresentada da seguinte

maneira: candidatou-se à Câmara de Vereadores de Nova Iguaçu em 1988 e elegeu-se nesse

149 Jornal de hoje, 21/11/1993, p.5.150 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISMONTEIRO, Florêncio Marcos.

Entrevista concedida em 23/11/95Mestre de obras , natural do interior do Rio de Janeiro, nascido em

28/01/1950, morador do bairro Xavante em Belford Roxo151 Oficialmente Joca nunca deixou de ser morador de Heliópolis, porém não tinha somente uma casa. Era famoso em Belford Roxo por ser amante de pelo menos cinco mulheres. Mantinha cada uma delas em uma casa sua e visitava suas amantes regularmente. Porém, sua esposa oficial, Maria Lúcia, continuava morando em Heliópolis.

103

Page 104: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

pleito com o maior número de votos válidos (mais de cinco mil votos). Em 1992 elegeu-se

prefeito de Belford Roxo com 69,8% do total de votos, dispensando o segundo turno.152

Muito embora ao relembrar o seu primeiro cargo eletivo o prefeito tenha admitido

não ter sido um vereador assíduo e combatente: um acidente grave, segundo ele, obrigou-o

a afastar-se da Câmara Municipal por um ano e quatro meses153, as muletas, que diz ter

usado durante onze meses, não atrapalhou-lhe na demonstração da sua preocupação para

com "o seu povo". Mostra essa preocupação o fato de mesmo enquanto não podia

freqüentar a Câmara Municipal ter continuado "atendendo aos pedidos da população" em

seu serviço social.

Como saldo da sua primeira aventura eleitoral ostentou o saneamento de l49 ruas e a

construção de 9 postos médicos. Revelando-se um conhecedor profundo das principais

necessidades da população que o elegeu, o vereador Joca utilizou o cargo para estender a

sua influência junto aos moradores de seu distrito. Fazendo a sua primeira troca de partido

(troca o Partido do Movimento Democrático Brasileiro [PMDB], partido que abrigava a

elite política regional, pelo Partido Democrático Trabalhista [PDT]) ele estreitou sua

aproximação com o prefeito de Nova Iguaçu Aluisio Gama. Aproximação essa que

permitiu a Joca demonstrar ao "seu povo" que além de ser um vereador ativo mantinha

relações com elementos que poderiam favorecer a futura emancipação de Belford Roxo e a

imediata realização de obras que pudessem diminuir as agruras da população do distrito.

É preciso lembrar que naquele momento Aluisio Gama - prefeito iguaçuano entre

1988 e 1992 - era favorável a emancipação de Belford Roxo e mantinha com Joca uma

relação amistosa, sempre atendendo as indicações de obras propostas pelo vereador. Fato

que servia para que Joca, se destacasse dos demais vereadores que tinham como origem

Belford Roxo. Ao mesmo tempo era para o prefeito iguaçuano estratégico manter-se

presente no distrito de Belford Roxo e vincular a sua imagem a alguém tão carismático,

uma vez que ali existia uma quantidade grande de eleitores que poderiam auxiliá-lo na

continuidade da sua carreira política. Provavelmente visando o seu futuro Aluisio Gama

reorganizou todo o centro do distrito de Belford Roxo mesmo após a decisão de que o

152 Jornal de Hoje, 21/11/ 93, p. 5 / 20/03/1992, p. 03. Se levarmos em consideração somente o total de votos válidos Joca se elegeu com mais de 80% dos votos.153 Apresentando sucessivos pedidos de afastamento, não encaminhando nenhum projeto e não se pronunciando sequer uma vez, na realidade o prefeito enquanto foi vereador de Nova Iguaçu caracterizou-se pela nulidade da sua representação. Atas da Câmara Municipal de Nova Iguaçu, 1990 - 1993.

104

Page 105: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

distrito deixaria de pertencer a Nova Iguaçu. Fato que auxiliou Joca na sua escalada rumo à

primeira prefeitura belfordroxense, já que as obras realizadas na administração Aluisio

Gama foram indicações do vereador Joca.

Apesar de ter sua importância aumentada, as matérias de periódicos locais sobre o

vereador Joca revelam um homem tão acanhado politicamente a ponto de desconhecer a

sua própria influência, fato que o levou a aceitar uma composição política em que seria

lançado vice-prefeito caso um mandato-tampão ocorresse em 1990154. Ou seja, apesar de

assediado por candidatos de diversos partidos, Joca ainda reconhecia a liderança política

tradicional existente no novo município.

A ação das suas ambulâncias, dos materiais de construção que distribuía, das cestas

básicas e das sopas e a aliança com o prefeito de Nova Iguaçu acabou convencendo Joca de

que era possível vôos independentes e solitários. Vôo alçado em 1991 quando lançou-se

candidato à prefeitura belfordroxense desvinculado da elite política tradicional do ex-

distrito.

Necessário faz-se pensar no fenômeno Joca delimitando as fronteiras da sua figura,

definindo-o como diverso dos habitantes de seu métier político. No sucinto relato da

transformação do homem comum Joca em prefeito de um município importante da região

da Baixada Fluminense destacam-se três tempos distintos: em um primeiro Joca é alguém

que, confundido com todos os outros habitantes de Belford Roxo, poderia ser definido

como aquele que percebe de uma maneira diversa sua realidade e a de seus circundantes

desenvolvendo o que ele mesmo chamou de "sensibilidade social"155.

Em um momento intermediário, em que talvez graças a esta "sensibilidade" parece

perceber não ser a informalidade algo muito confortável, nosso personagem imaginará,

corretamente, que pode fazer muito mais pelos "seus" transformando-se em um

representante oficial dos belfordroxenses que são seus "vizinhos".

154 Jornal de Hoje, 13/04/1992, p. 03155 Jornal de Hoje, 11/10/ 1992, p. 05

105

Page 106: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Finalmente é possível encontrar nosso homem - à princípio timidamente - tomando

consciência de que ele é bem mais que um simples representante popular, ele é, sim, o

eleito: Aquele que ao contrário de vários outros políticos regionais156 pode alçar vôo livre

solitariamente, lançar-se contra toda a tradicional classe política local que, aliás, golpeou-o

de início, para depois submeter-se acelerando a sua escalada para o centro das atenções

políticas locais.

Se, conforme Norbert Bobbio, a elite de uma determinada região é representada por

aquelas pessoas existentes na sociedade que detêm a maior parte dos poderes por serem

mais organizados e por possuírem interesses comuns, situação que os transforma em

solidários pelo menos na manutenção das regras do jogo157, pode-se afirmar que em Belford

Roxo existia uma elite bastante aproximada em seus interesses.

Algumas famílias tradicionais haviam possuído propriedades importantes no "Velho

Brejo", porém pode-se pensar que constituía a elite local tradicional de Belford Roxo

elementos que se destacaram dentro do ex-distrito como comerciantes, profissionais liberais

e industriais a partir principalmente do loteamento dessa região. Fato que transformou

Belford Roxo em um local excelente para o desenvolvimento de atividades econômicas

relacionadas ao comércio e à indústria. A elite regional belfordroxense não diferia em 1991

de forma acentuada da elite existente em todos os municípios da Baixada: pessoas

enriquecidas às custas de atividades recentemente praticadas nessa região e que na

realidade haviam substituído os citricultores da década de 1950, de tal forma que se

tivéssemos de pensar em uma época para o surgimento da elite baixadense que opunha-se a

Joca deveríamos pensar não em um passado muito remoto, mas sim na época de transição

econômica quando os loteamentos surgiram salvando parte dos citricultores, transformados

forçadamente em loteadores, e dando à região da Baixada uma função dormitório. Função

156 Em um artigo publicado em 30/11/1991 um articulista do Jornal de Hoje admira-se com o fato de representantes de tradicionais famílias se acotovelarem disputando a possibilidade de Joca servir como candidato a vice em chapas sempre encabeçadas por essas lideranças. O articulista lê nessas disputas a evidência maior de que "a política em Belford Roxo gira em torno de Joca", vereador por Nova Iguaçu eleito com mais de cinco mil votos todos eles de belforroxenses e que tinha "a cara e a simplicidade política do povo respondendo sempre com franqueza e sobremaneira preocupado com a eliminação das vergonhas que assolam aquele ex-distrito iguaçuano com toda a certeza o mais abandonado de todos os distritos de Nova Iguaçu". Jornal de Hoje, 30/11/ 1991, p. 02157 BOBBIO, Norberto.(org.) Dicionário de política. Brasília, Ed. UNB, 1986, pp. 385-391.

106

Page 107: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

que permitiu o acúmulo de capitais por parte de alguns elementos que para melhor garantir

as suas conquistas terminaram ocupando os executivos e legislativos municipais

baixadenses.

Em Belford Roxo especificamente pessoas como Ediraldo Gomes, Waldir Vilela,

Ricardo Gaspar, José Haddad e Osvaldo Lima transformaram-se em representantes

políticos da elite regional. Há vários anos lutando pela "supremacia política"158 de Belford

Roxo, esses políticos conformavam-se com um certo padrão de comportamento,

caracterizado pela indiferença à população mais pobre, somente procurada em épocas de

campanha eleitoral. A sobrevivência desses políticos dentro dos distritos iguaçuanos

habitados principalmente por elementos populares não chega a ser uma façanha se

considerarmos que a população belfordroxense não se preocupava acentuadamente com a

competência dos seus governantes e representantes. Prefeitos e vereadores eram elementos

estranhos, distantes, sendo "natural" para os belfordroxenses serem esquecidos pelos

políticos vistos sempre como "espertalhões". O momento da eleição sobressaía como o

mais importante da relação na medida em que se poderia negociar o voto, alcançando-se

assim alguns benefícios pessoais ou coletivos:

Antes da emancipação e do governo do Joca, os político espertalhão comandava aqui... comandava não é verdade: eles era eleito. Só que como a gente era obrigado a votar, trocava a promessa de votar em qualquer um por alguma coisa pra gente ou para o bairro. Era natural a gente só ser lembrado na política (eleição) depois tudo mudou muito. A gente passou a ser ouvido todo o tempo tanto pelo prefeito como pelos vereadores.159

A diferença entre Joca e outros políticos é simples: ele conhecia a vida dura e se preocupava em dar alguma melhoria pro povo. Não pensava só nele só. Antes era tão diferente. Prometiam. Ninguém acreditava. Conseguia às vezes alguma coisa e depois nem se via o candidato. Depois do Joca não. A gente é valorizado e via o prefeito e os vereadores sempre.160

158 PEIXOTO, Ruy Afrânio. Imagens iguaçuanas, Rio de Janeiro, 1960, mimeo, p. 54.159 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISPIRES, Marcelino de Freitas. Entrevista concedida em 12/04/1997. Vendedor ambulante, natural de Minas Gerais, nascido em 19/11/1949, morador do bairro de Andrade de Araújo em Belford Roxo 160 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISFERNANDES, Paulo. Entrevista

concedida em 02/09/1998. Operário do setor químico, natural de Nova Iguaçu, nascido em 28/06/1964,

morador do bairro da Prata em Belford Roxo

107

Page 108: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Pode-se pensar que em toda a região da Baixada Fluminense a indiferença popular

aos políticos representantes das elites regionais - que chamamos aqui de tradicionais -

correspondia a uma regra, o que pode ser exemplificado pelos atos de "protesto" político

praticados por alguns eleitores nas eleições municipais de 1992 quando a soma de votos

nulos e abstenções em Nova Iguaçu chegou a 33% do total, chamando mais a atenção

cédulas que continham restos de fezes e um número excessivo de votos em times de

futebol, jogadores e em personagens de novelas161.

Para além da percepção da oposição entre os políticos tradicionais e Joca (um líder

marginal carismático), é possível pensar através da fala dos entrevistados que a política

ordinariamente praticada na Baixada, passou a significar algo incômodo. Em comparação

com o político tradicional, o líder marginal é um elemento inovador. A sua aceitação por

parte da população baixadense exigiu uma adaptação dos políticos tradicionais, algo que

não ocorreu, entretanto. Estabelecendo-se uma sujeição de elementos da elite política

baixadense aos novos líderes marginais, destacando-se dentre esses Joca, que durante a sua

ascensão política nunca esqueceu-se de um personagem sempre presente nas suas

entrevistas. Na realidade esse personagem sempre esteve presente nas fases da carreira

política de Joca: os "vizinhos".

Todas as distinções políticas de Joca somente podem ser visualizadas se pensarmos

na ação desse líder junto a essa massa socialmente subalterna da periferia da Região

Metropolitana do Rio de Janeiro ou, dizendo-se de uma maneira diferente, deve-se sempre

pensar em Joca como um personagem produzido e conduzido em função da vontade

popular. De início ele não é em nada diferente de seus vizinhos. Infernizado exatamente

pelos mesmos problemas, Joca inicia o seu descolamento ao tornar-se uma voz ativa, ou

melhor, uma ação ativa e que extrapola a auto-resolução de problemas em que ele estava

diretamente envolvido: Joca deixa de ser o sujeito que conversa com dois de seus colegas

de rua e resolve, por exemplo, manilhar uma vala negra que passa em frente da sua casa:

ele "preocupa-se" em "fazer o serviço social"162 o que eqüivale a uma maneira mais efetiva

de substituir o Estado.

161 Jornal de Hoje, 21/11/1992, p. 06.162 Jornal de Hoje, 21/11/ 93, p. 05

108

Page 109: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Pode-se pensar em Joca com toda a justeza como o representante típico da maneira

original do baixadense resolver o seu problema de diálogo com o poder público.163 Tanto é

assim que o vereador Joca (1988-1992) não deixou na Câmara Municipal de Nova Iguaçu

nenhuma marca da sua passagem. Toda a sua preocupação nesse período ia ao encontro de

otimizar sua ação como agente executivo. O que lhe garantiu chegar à prefeitura

belfordroxense sendo o proprietário de um serviço social que contava com: "catorze

unidades [ambulâncias], uma delas com UTI"164, uma ampla rede de distribuição de

cestas básicas, máquinas que serviam na abertura e limpeza de valas negras e na reabertura

de ruas tomadas pelo mato, com um grupo de funcionários que atendem pessoas com

problemas como ausência de vagas em colégios ou falta de emprego, dois postos de saúde e

duas clínicas.165 Para além disso, Joca - bem distante da imprensa - orgulha-se por

conseguir "intimidar bandidos". O que fazia inúmeras pessoas procurarem-no diariamente

na prefeitura a fim de conseguir proteção dada por grupos de extermínio controlados por

"amigos do Joca"166. Esta última característica do prefeito acabará fazendo com que as

pessoas atribuam a ele as morte de bandidos, alimentando a antiga acusação de ser ele o

chefe de um grupo de extermínio167.

Era comum durante o período de ascensão política de Joca compará-lo a Tenório

Cavalcanti. Alguns jornalistas locais chegavam a pensar em Joca como o "sucessor

legítimo"168 daquele político que viveu em um tempo conturbado em que a região da

Baixada sepultava a sua antiga tradição rural e transformava-se muito rapidamente em uma

das regiões onde a disputa por terra gerava enormes conflitos que jogavam grandes e

decadentes proprietários de terras contra miseráveis migrantes nordestinos que buscavam

na Baixada a chance de obter casa própria e ao mesmo tempo manterem-se distantes das

favelas cariocas. A trajetória política de Tenório é bem conhecida e sobressai de sua

biografia o fato de que este político, que chegou à Baixada durante a década de 1940

fugindo dos assassinos de seu pai, destacou-se por estar inserido em uma rede clientelística

163 O Anexo IV no final desse capítulo é a transposição integral de um artigo do Jornal de Hoje em que Joca aparece em contato íntimo com a população de bairros periféricos de Belford Roxo. Fica claro na leitura desse artigo as estratégias políticas de atuação de Joca. 164 Jornal de Hoje, 21/11/ 93, p. 05 165 Jornal de hoje, 01/07/1992, p. 07166 Jornal de Hoje, 21/11/ 93, p. 05167 Jornal de Hoje, 11/10/ 92, p.05168 Correio de Maxambomba, 11/12/91, p.04

109

Page 110: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

que conseguiu atingi-lo no distante estado de Alagoas: quando fugiu de seu estado Tenório,

foi trabalhar na fazenda de um parente de sua mãe que devia favores ao seu falecido pai

antes desse empobrecer. Tenório agiu durante todo o tempo dentro de uma intrincada rede

clientelística onde casou-se com a filha de um antigo prefeito de Nova Iguaçu ligado ao

parente de sua mãe que o recebeu primeiramente. Jamais Tenório distanciou-se desse tipo

de relação baseada no comprometimento entre semelhantes. A população da Baixada entra

nesse jogo como um desigual, surgindo para Tenório como uma forma eficiente de garantir

o seu poder através da ocupação da região por gente de sua confiança, principalmente

"cabras"169 valentes que o servissem nos momentos de confronto com os antigos

proprietários. É possível encarar Tenório, dessa forma, como o sujeito que distingui-se dos

demais na medida em que partindo de um papel subalterno dentro de uma rede

clientelística, transforma-se no líder de uma facção que se caracterizará pelo uso da

violência como maneira de galgar posições antes ocupadas por adversários. O uso da

violência que inicialmente serviu para alcançar posições, posteriormente garantiu - como

que por acidente - a proteção da população migrante que não cessou de chegar em Duque

de Caxias até a década de 1980. Tenório Cavalcanti, seguramente o primeiro dos políticos

assistencialistas dessa região, não pode somente por isso ser pensado como um líder

popular se considerarmos que a população da Baixada era para Tenório Cavalcanti

unicamente algo assemelhado aquele parceiro fantasma celebrizado por Weffort ao falar no

papel do povo citadino responsável pela ascensão do político populista170, estando

entretanto o político Tenório Cavalcanti e a massa recentemente mobilizada e sujeita a ele

distanciadíssimos pela prática de uma série de subterfúgios necessários ao ofuscamento

popular e ao impedimento de uma efetiva participação no jogo político.

Ao contrário de Tenório Cavalcanti, entre Joca e a população belfordroxense não há

uma distância sensível. Nesse caso comparações que não cessem na proximidade

geográfica tendem a criar anacronismos, e mesmo se pensarmos no assistencialismo de

Joca, existem distinções claras, pois se essa prática é possibilitada pelo cenário de

desolação social que, perpetuamente, é a Baixada Fluminense, as intenções são diversas:

Joca continuaria existindo sem o seu assistencialismo. Ele não se elegeu "enganando" seus

169 CAVALCANTI, Sandra Tenório. Tenório, Meu Pai. Rio de Janeiro, Global Editora, 1996, p.50. 170 WEFFORT, Francisco Corrêa. O populismo na política brasileira. São Paulo, Paz e Terra, 1980.

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Page 111: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

"vizinhos", existiu toda uma história anterior que permitiu ao baixadense morador de

Belford Roxo identificar-se com Joca e que, para além disso, permitiu ao homem comum

perceber que os métodos de Joca não diferiam, senão em intensidade, dos atos que o

próprio morador praticou durante toda a sua vida em Belford Roxo. A identificação entre o

líder e a massa é tão intensa que Joca não se percebeu como parte da elite política da sua

região, aceitando em 1990 ser o vice-prefeito em uma legenda encabeçada por um político

que possuía uma aprovação popular muito menor que a aprovação de Joca. Já naquela

época171 ele se definia como alguém "querido pelo fato de ter a cara de seu povo"172.

Inexiste em Joca nesse momento a percepção de que a distância entre ele e os demais

políticos reside exatamente no fato de ser ele "parte do povo" belfordroxense.

O período que corresponde a definição de candidatos à prefeitura de Belford Roxo

eqüivale a uma modificação na maneira como Joca encara-se. A percepção de que seu

apelo popular tende a transforma-lo em um objeto eleitoral por parte de pretensos

candidatos "naturais" pertencentes a tradicional elite política local, faz com que ele procure,

finalmente, um espaço político próprio. Tal busca o conduziu a outra migração partidária e

ele que havia trocado o Partido do Movimento Democrático Brasileiro [PMDB] pelo

Partido Democrático Trabalhista [PDT] - dentro do qual permaneceu somente cinco meses -

com a finalidade de aproximar-se do prefeito de Nova Iguaçu, agora resolve que o PDT,

partido que tem em Laerte Bastos173 um "candidato natural", deve ser substituído pelo

Partido Liberal [PL]174 - troca que ocorreu em 1991.

171 O jornal de Hoje editado no dia 13/04/1990 discute sobre os nomes que participariam das eleição municipais excepcionais que ocorreriam em outubro daquele mesmo ano. Joca empenhara sua palavra a Ediraldo Matos e seria o seu vice. Enfatizava o jornal, entretanto, que Joca seria muito mais feliz se fosse o candidato a prefeito. Alegava o jornalista possuir indicações de que independente do candidato a prefeitura, se Joca fosse o vice a candidatura seria vitoriosa. Jornal de Hoje, 13/04/1990, p.03.172 Jornal de Hoje, 13/04/1990, p.03. 173 Laerte Bastos: político militante do PDT. Antes do fenômeno Joca era o líder político mais popular de Belford Roxo. Migrante também, a sua carreira política notabilizou-se a partir da sua participação em grupos responsáveis pela organização de trabalhos comunitários destinados a construção de casas em mutirão. Participante das Ligas Camponesas, acabou sendo preso e torturado durante o regime militar. Foi o segundo colocado nas eleições municipais que consagraram Joca, sendo naquele momento deputado federal e vice prefeito de Nova Iguaçu. Jornal de Hoje, 21/05/1992.174 Joca consegue eleger-se como primeiro prefeito de Belford Roxo em 03/10/1992, sendo o candidato de uma frente de partidos que incluía além do Partido Liberal (PL), o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), o Partido da Frente Liberal (PFL), o Partido Democrata Cristão (PDC), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o Partido Democratatico Social (PDS) Jornal de Hoje 11/10/1992, p. 05.

111

Page 112: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

A submissão à elite política local a que Joca sujeitara-se até aquele momento finaliza-

se com um rompimento radical que gerou grande parte dos inimigos políticos de Joca. A

partir daí e durante toda a campanha os grupos que antes o cortejavam passaram a opor-se a

todas as suas ações. As acusações de participação em grupos de extermínio e em quadrilhas

de aparas175 de cargas roubadas transformam-se por essa época em processos e o antigo

líder comunitário deixa de ser reconhecido pela imprensa unicamente como "um homem

do povo" para ser considerado também como um dos principais "chefes de grupos de

extermínio da Baixada".

Deve-se ter em mente que o elenco de acusações que pesaram sobre o prefeito nunca

foram provadas e muito embora para a realização desse trabalho tenhamos nos deparado

com entrevistados que garantiram terem assistido execuções realizadas com a participação

de Joca, no seu conjunto os depoimentos e as matérias de periódicos locais indicam uma

simples aproximação de Joca com grupos de extermínio. Participações indiretas prevalecem

como testemunhos mais freqüentes em entrevistas: ou seja: pessoas que conviveram com

Joca em diferentes períodos de sua vida lembram que ele era amigo de exterminadores e

que não condenava tal prática, pelo contrário, considerava necessária e bem-vinda a morte

de elementos socialmente problemáticos176. Até nessas considerações não existem

diferenças em relação ao que geralmente a população dos bairros mais pobres da Baixada

pensam. Novamente Joca destaca-se pela sua proximidade com o que chamava de "seu

povo", podendo-se entender que ele incentivava as ações de justiçamento. De qualquer

maneira as acusações de participação em grupos de extermínio e em receptação de cargas

roubadas mais freqüentes nos jornais locais a partir da saída de Joca do PDT e da sua

entrada no PL, servem para mostrar os efeitos de um rompimento entre Joca e a elite

política local. Ser verdade ou não tais acusações é algo pouco relevante na medida em que

o que importa para nós é entender de que maneira ocorria a interação entre Joca e a

população de Belford Roxo.

5 - O governador da Baixada

175 Na linguagem policial dá-se o nome de "apara" ao ato de receptar carga roubada. A promotora Tânia Maria Sales Moreira, que investigava a ação dos grupos de extermínio na Baixada apontou Joca em 1985 como chefe de grupo de extermínio e receptor de cargas roubadas. Entretanto ele nunca foi a julgamento devido a falta de provas. Jornal de Hoje, 22/06/95, p.03. A176 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAIST.M. Entrevista concedida em

12/09/1995Dados não disponíveis

112

Page 113: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Uma das primeiras aparições públicas de Joca como prefeito foi para, juntamente

com um grupo de fiscais improvisados, fechar estabelecimentos comerciais em que as

licenças de funcionamento não estivessem pagas. Recheadas com fotos do próprio prefeito

lacrando lojas, as edições de jornais regionais do dia seguinte anunciavam a inauguração de

um "novo tempo"177.

Comparado com o tempo anterior, este diferenciava-se pela observância de regras

básicas, como a fiscalização do pagamento de impostos, o condicionamento de novas

construções à liberação de plantas na prefeitura e ao pagamento de taxas, e, principalmente,

a extensão dos serviços públicos básicos a parte mais pobre da população belfordroxense.

Caminhões destinados a recolher detritos passaram a rodar por Belford Roxo todos os dias,

muros pintados nas cores do novo município (azul e branco), não receberam mais

pichações, ativaram-se antigos postos de saúde e anunciou-se para breve a construção de

outros postos e de um moderno hospital. Prometeu-se a construção de um batalhão da

polícia militar e de mais escolas. Promessas, entretanto, não eram o forte de Joca e por isso

ele se apressou em desapropriar terrenos baldios do centro e de bairros mais populosos que

abrigavam lixeiras transformando-os rapidamente em praças com brinquedos. Uma grande

quantidade de ruas recebeu saneamento e pavimentação e para que fosse diminuída a

periculosidade do trânsito, instalaram-se diversos redutores de velocidade no centro do

município. Enfim, a população tinha motivos para surpreender-se ante a enxurrada de

benfeitorias que de repente caia sobre Belford Roxo. O centro, marcado pela eterna sujeira,

pelas inundações freqüentes, e pelo desrespeito ao espaço público, ganhou uma grande área

de lazer, permanecendo limpo e conservado. Nos bairros o recolhimento do lixo, as obras

de saneamento e as promessas de novos colégios e de melhoria do serviço de saúde e

segurança alimentavam as esperanças da transformação de Belford Roxo em uma “cidade-

modelo”. Para além disso tudo desabavam os índices de violência, excetuando-se aí o

número de homicídios que aumentaram sensivelmente principalmente morrendo pessoas

através de chacinas nitidamente caracterizadas, segundo a polícia, como obra de

justiceiros.178

177 Jornal de Hoje, 03/01/1993, p. 09 Correio de Maxambomba, 05/01/1993178 Jornal de Hoje, 20/03/1993, p. 09

113

Page 114: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Joca assumiu a prefeitura de Belford Roxo em primeiro de março de 1993. Para

alguns entrevistados que o conheceram bem antes da época em que era prefeito, ele por

essa época não lembrava mais o "líder comunitário" de 1983 ou o vereador que em 1989

entendia, apesar do amplo apoio popular, não ser qualificado o suficiente para assumir a

prefeitura de seu município. Ele era, em certos aspectos o contrário de tudo o que havia

sido até ali:

O poder subiu a sua cabeça. Reclamava o tempo todo da preguiça de todo mundo. Visitava colégios municipais para fiscalizar o trabalho das professoras e às vezes humilhava algumas em público. Chegava em postos de saúde antes de todo mundo e ficava esperando para ver se os médicos chegariam tarde. Fazia questão de acompanhar a fiscalização quando dava blitz no comércio. Ele mesmo lacrava as portas das lojas. Irritava-se com qualquer opositor e chegou a bater na cara de um vereador aqui na praça, na frente de todo mundo.179

O comportamento agressivo era explicado por Joca da seguinte maneira:

"Não existia melhor opção que ele para Belford Roxo",179 o que fazia com que

considerasse "Belford Roxo um "brinquedo" seu." 179 Entendendo-se como a única

esperança de salvação para o caos que era o seu município, Joca se notabilizaria pelo

estabelecimento de símbolos que vinculavam sua imagem pessoal ao seu "brinquedo"

(Belford Roxo): o símbolo da sua campanha à prefeitura havia sido um coração. Esse

símbolo pessoal passará a ocupar o centro do Brasão do município, que é um coração

envolto por correntes e uma mensagem que lembra o slogan de campanhas eleitorais de

Joca: "Paz e progresso", as laterais dos pontos de ônibus mandados construir por Joca e

um monumento no centro do novo município.

A estreita vinculação entre Joca e Belford Roxo é, entretanto, melhor entendida

quando lembramos o fato do prefeito ter mandado gravar um coração em um de seus dentes

de ouro e o de ter encomendado um hino oficial que apresentava como tema não o passado

de seu município mas a sua figura comparada no hino a um salvador heróico e solitário:

“Ele chega carregando uma bandeira

18/08/1993, p. 05. 15/11/1993, p. 10, Correio de Maxambomba,18/05/1993, p.0317/12/1993, p.02179 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISSILVA, Odmar da. Entrevista concedida

em 28/11/95.Funcionário público, natural do município do Rio de Janeiro, nascido em 30/06/1951, morador

do bairro da Prata em Belford Roxo

114

Page 115: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Traz o símbolo da ‘paz e liberdade’

Sobe morro, desce morro

Dia-a-dia sem parar

À procura de crianças para ajudar

Olha ele aí, olha ele aí

Sempre ao lado de Deus

Fazendo esse povo feliz

Joca, Joca

Amigo de ontem

Amigo de hoje

Amigo de sempre”180

Ao lado da ampla aprovação popular, acusações sucediam-se: agora ele não era

somente o receptador de cargas roubadas e líder de grupos de extermínio baixadenses.

Também é um voraz consumidor das verbas municipais que encara como seus recursos

pessoais. Alguns inimigos mais corajosos destacam ser a grande quantidade de automóveis

exibidos por Joca e por seus parentes mais próximos incompatível com uma administração

honesta e alguns vereadores reclamam entender o prefeito não poder existir oposição a sua

pessoa e ao seu governo, entendimento que fez com que a casa de alguns deles se

transformasse em alvo de atentados em vésperas de votações de projetos importantes para o

prefeito.181

A cooptação dos vereadores belfordroxenses não se fez, entretanto, sempre sob uma

chuva de balas: em pouco tempo Joca conseguiu eliminar grande parte da oposição que se

fazia a ele de uma maneira que distingue o governo Joca dos antigos governos iguaçuanos

ao mesmo tempo em que possibilita-nos pensar nesse governo como o estabelecedor de um

padrão de gestão levada adiante pelos líderes marginais da região da Baixada Fluminense.

180 Três últimas estrofes de “Mensagem ao tio Joca”, hino oficial do município de Belford Roxo. Jornal de Hoje, Edição de Belford Roxo, 12/11/93 entre os anos de 1993 e 1995. p. 09. Após sua morte o hino oficial do município de Belford Roxo deixou de ser o“Mensagem ao tio Joca", passando a referir-se a fatos históricos ligados ao antigo distrito de Belford Roxo. 181 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAIST.M. Entrevista concedida em

12/09/1995Dados não disponíveis

115

Page 116: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Não muito depois de iniciar seu governo no início de 1993, Joca iniciou negociações

com os empresários belfordroxenses a fim de definir um plano que deveria servir de base

para a "reconstrução de Belford Roxo",182 plano esse que não deveria somente levar em

consideração as verbas municipais mas que deveria contar com a participação de todos os

empresários interessados em obter o apoio do governo municipal, potencial garantidor de

uma expansão econômica dentro do município. Seguindo o discurso de Joca na reunião que

encerrou tais negociações, a existência de oposição era indesejável pois era pouco prática,

propiciando unicamente um excesso de discussão que emperrava o prosseguimento das

medidas emergenciais propostas e efetivadas por Joca. Portanto cada um dos empresários

deveria preocupar-se em doar ao município o que estivesse dentro das suas condições a fim

de permitir à nova prefeitura manter o enorme canteiro de obras em que transformara-se o

ex-distrito iguaçuano.

A multinacional Bayer do Brasil, maior empresa privada da região, ficou encarregada

de organizar a defesa civil municipal, fornecendo para isso sua brigada interna de

bombeiros e doando à prefeitura as viaturas que serviriam ao novo município. Além disso

os vasilhames destinados a abrigar temporariamente o lixo de todo o município tinham

como origem essa multinacional que pintava seus tambores de produtos químicos vazios

com as cores do novo município espalhando-os por todos os bairros. A cooperação entre as

empresas e a prefeitura tornou-se essencial para que Joca se mantivesse como o mestre de

obras que revelou-se durante todo o seu curto governo.

A parceria com as empresas municipais parece ter inspirado Joca no caminho de

transformar a Câmara de Vereadores em sua aliada incondicional. Algo que foi facilitado

pelo fato desse primeiro legislativo municipal belfordroxense ser formado quase

exclusivamente por líderes marginais representantes de grupos de bairros dos quais esses

vereadores dependiam na medida em que "faziam o trabalho social" auxiliando a rede de

182 A Associação Comercial e Industrial de Belford Roxo (ACIBER) mesmo antes da posse de Joca já contribuía com o governo do novo município encomendando ao Instituto Brasileiro de Administração Muniucipal (IBAM) um projeto que quantificava o que todos já sabiam: Belford Roxo era um município que nascia com fontes de renda definidas, porém apresentava uma quantidade enorme de problemas relacionados principalmente ao crescimento desordenado da população que terminou por levar a uma péssima ocupação do solo urbano e ao desaparecimento da pouca infra-estrutura existente no antigo ex-distrito iguaçuano. No seu discurso de agradecimento o prefeito eleito enfatizou a necessidade de realizar um governo integrado no qual os empresários e as associações de moradores deveriam participar de forma efetiva a fim de construir um município forte. Jornal de Hoje, 20/09/1992, p. 07.

116

Page 117: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

resolução de problemas práticos, o que os caracterizava portanto, como representantes

distritais diversos de um simples vereador.

Nada melhor para Joca que o loteamento dos bens públicos municipais,

transformados em moedas utilizadas largamente na compra da fidelidade dos vereadores.

Dividindo o município em áreas de atuação, em que o vereador - conforme a sua potencial

fidelidade ou a sua condição econômica - receberia escolas, postos de saúde e ambulâncias

que deveriam ser usadas unicamente no atendimento de necessidades da população dos

bairros responsáveis pela sua eleição. Tal prática transformava os primeiros vereadores

belfordroxenses em clientes políticos de Joca extremamente preocupados em debelar

qualquer sombra de oposição ao líder do poder executivo municipal. Jogada de mestre que

possibilitava ao novo prefeito dividir suas responsabilidades e carrear para si louros de uma

espécie de trabalho de assessoria realizado pelos vereadores.

É possível pensar que a estratégia imaginada e posta em prática por Joca elimina

grande parte da oposição existente na Câmara Municipal. Não significa isso que ele não

continue acumulando desafetos entre a antiga elite política regional e até entre membros de

associações de moradores. Característico desse movimento de criação de inimigos foi a sua

reação à ausência da população de um determinado bairro em uma reunião marcada por ele

na Associação de Moradores. Irado pela ausência dos "principais interessados", os chamará

de preguiçosos e dirá que se fosse para fumar maconha ou cheirar cocaína todos estariam

ali. 183

O talento para criar inimigos políticos é o responsável por diversas versões populares

para a sua morte prematura. A conspiração surgia como motivo recorrente para explicar

essa morte. Dizia-se que ele fora morto à mando do governador Marcello Alencar que

estaria preocupado com o crescimento da sua importância política e também que sua

mulher (a atual prefeita de Belford Roxo Maria Lúcia) mandara matar Joca com a

finalidade de apropriar-se de toda a riqueza que ele acumulara como prefeito de Belford

Roxo.

183 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISSILVA, Odmar da. Entrevista concedida

em 28/11/95.Funcionário público, natural do município do Rio de Janeiro, nascido em 30/06/1951, morador

do bairro da Prata em Belford Roxo

117

Page 118: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Apesar de suas estratégias de cooptação, vereadores recalcitrantes mantém-se na

câmara municipal, porém sua oposição não sensibiliza a população espantada com a

substituição do seu tradicional trabalho de auto construção pelo papel de "fiscais da

prefeitura" que Joca passa a atribuir a população de Belford Roxo. Característico desse

novo papel desempenhado pelos belfordroxenses é o seguinte diálogo mantido entre um

morador e a prefeita de Belford Roxo Maria Lúcia, esposa de Joca: "Prefeita, não adianta

jogar asfalto. A tubulação de escoamento tem um diâmetro ridículo. Vai tudo encher

novamente na primeira chuva. Quando o falecido (Joca) passava aqui a gente falava e era

ouvido numa boa. Agora a senhora fica toda alterada. Eu sei que a senhora é boa, mas é

preciso ouvir o povo". Maria Lúcia devolve: "Vocês é que são meus fiscais. Por que não

mandou parar a obra?".184

Acabam surtindo efeito inverso do esperado as acusações de seus oposicionistas na

medida em que acusar Joca de corrupto não demove os belfordroxenses, sobremaneira

interessados em justificar todos os atos do seu líder providencial.

Os pará-choques das inúmeras ambulâncias que Joca mantinha como veículos

essenciais do seu serviço social ostentavam a seguinte frase: "O senhor é meu pastor e

nada me faltará"185. Encontramos três versículos abaixo desse um outro trecho bíblico

capaz de expressar melhor a maneira escolhida pelo primeiro prefeito para conduzir sua

vida política e seu governo: "Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte mal

nenhum temeria..."186

Os dois anos e três meses do governo Joca caracterizaram-se pelo extremismo,

especializou-se ele em manter holofotes apontados em sua direção. Tendo diante de si um

município pequeno, densamente povoado, possuidor de diversas fábricas e de uma

atividade comercial média quando comparada a outros municípios da Baixada,187 Joca

demonstrou saber desde o primeiro dia de mandato que a última necessidade de sua gente

era possuir um prefeito burocrático tal como os antigos prefeitos de Nova Iguaçu, alguns 184 Veja Rio, 09/04/1997, p. 10. 185 Salmo 23 versículo 01.186 No mesmo salmo acima citado, o versículo 04.187 Belford Roxo em 1990 possuía 376.000 habitantes espalhados em 73 Km2. Segundo a Associação Comercial e Industrial de Belford Roxo (ACIBER) em setembro de 1992 existiam 400 instalações industriais no município.

118

Page 119: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

dos quais originários de Belford Roxo e eleitos, portanto, com amplo apoio desse ex-

distrito.

Inexistindo leis, funcionários necessários a burocracia municipal, Joca iniciou seu

governo de uma maneira improvisada, marcada pela atuação direta. Ele supervisionava

pessoalmente as diversas obras emergenciais como a eliminação dos vazadouros

clandestinos de lixo, a pintura dos muros das cidades e a intimidação aos principais

pichadores que residiam em um dos morros localizados no centro da cidade188.

As ações iniciais de Joca tiveram como marca principal a percepção de que tudo

estava para ser feito e de que a sua missão fundamental era criar um poder público que

pudesse ser definido como presente. Com essa finalidade tornava-se necessário obter

impostos driblando de imediato a primeira grande dificuldade apontada pela prefeitura

iguaçuana que estimava ser de mais de 70% o índice de inadimplência no município189.

Cônscio disso Joca iniciou o esforço no sentido de, por exemplo, regularizar todas as

construções, uma vez que os governos iguaçuanos nunca exigiram regularidade das

construções que oficialmente, portanto, inexistiam, pagando por isso unicamente impostos

territoriais. O conhecimento dessa situação inspirou a sua primeira grande ação pública

como prefeito: fechar o comércio irregular e multar as diversas construções não informadas

à prefeitura.

Arrecadar fundos, abandonar quotidianamente o seu gabinete a fim de acompanhar a

realização das obras que inauguravam o novo município, passam a ser marcas do governo

Joca, conseguindo ele não somente juntar em torno de si o apoio dos belfordroxenses mas

também a admiração da população de outros municípios da Baixada Fluminense, o que fez

com que seu estilo de governo passasse a ser imitado por diversos outros prefeitos dessa

região, contaminando-se de forma definitiva os distritos restantes de Nova Iguaçu com a

idéia de que somente através das emancipações distritais e da eleição de líderes

188 "Subiu no morro e foi falar direto com o chefe do tráfico. Disse que não interferiria no comércio dele desde que ele conseguisse manter a paz por aqui. Perguntou quem eram os pichadores e mandou recado pelo líder do tráfico: a partir daquele dia quem sujasse qualquer prédio na cidade teria de conversar com ele. Acabaram as pichações." ADF. Entrevista concedida em 02/09/1995189 No Correio de Maxambomba de 10/09/1995 o prefeito Altamir Gomes, de Nova Iguaçu, afundado no que ele chamou de a pior crise vivida por Nova Iguaçu desabafou: “A prefeitura não tem condições de sustentar-se. Nenhum governo até hoje preocupou-se em verificar quantos moradores pagam os seus impostos. Nossos levantamentos apontam para uma inadimplência de mais ou menos 70%, e nesse exato momento estão construindo mais casas que nós sequer sabemos que existem. Com as emancipações ficamos com todos os funcionários e perdemos metade da receita. Não temos condições de sobreviver.”

119

Page 120: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

identificados com as necessidades populares seria possível resolver os graves problemas

decorrentes das omissões representadas pela prefeitura de Nova Iguaçu.

As ações de Joca como prefeito belfordroxense sobretudo demonstraram uma

profunda ligação com o ideal de auto construção vivenciado exaustivamente pelos

belfordroxenses.

Muito mais que um hábil manipulador de corações e mentes da população do seio da

qual destacou-se, Joca deve ser lido como o produto de um meio de cultura cultivado pelos

próprios belfordroxenses. Ele foi, portanto, um parceiro do seu "povo" no estabelecimento

de uma alternativa ao desprestígio da massa belfordroxense ante os organismos

oficialmente representativos das diversas esferas do poder estatal. Embebido de seu sucesso

popular ele entregou-se a essa população pauperizada habitante de Belford Roxo,

transformando-se em uma espécie espetacular de herói salvador político mesmo antes de

localizar-se no posto máximo do município ao qual ajudou construir.

ANEXO IV

120

Page 121: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

VEM AÍ O JOCÃO190

O vereador Jorge Julio - Joca - está em contato com vários empresários de peso, de

todo o Grande Rio, para criar, em Belford Roxo, uma rede de mercadões - os Jocões - com

artigos, não só comestíveis, mas de uso indispensável da população. Seu projeto - a

exemplo do que vem sendo feito em Curitiba pelo prefeito Jaime Lerner - visa reunir num

mesmo espaço, alimentos, roupas, sapatos e utilidades, que os empresários forneceriam, no

caso de industrializados, a preços abaixo dos vigentes na praça. Por exemplo: as chamadas

“pontas de estoques”, desde fogões, rádios, etc., teriam suas lojas, ao lado de roupas, muitas

também fora de linha. A parte alimentar ficaria por conta dos produtores que quisessem

ocupar o espaço, desde que compromissados a venderem por preços acessíveis à maioria da

população. A idéia nasceu dos debates que o vereador, provável candidato do PL a prefeito

de Belford Roxo, no próximo ano, realiza todas as quintas-feiras, em Santa Amélia - na

chamada piscina - com moradores de diferentes bairros.

Dali já surgiram o mutirão para limpeza e conservação de ruas, a construção de

manilhas etc. Tudo feito pelos próprios moradores, aos quais são fornecidos os meios para

sua execução. Com isso, garante Joca, já foram atendidas mais de 600 ruas, desde o Lote

XV ao Centro do novo município, dentro do seu projeto “Adeus às valas negras”. Os mo-

radores, com a brita, areia e cimento e as formas que lhes são fornecidas, também já

construíram e colocaram cerca de 400 manilhas. Paralelamente, o atendimento de saúde é

feito pelas ambulâncias que o vereador adquiriu e colocou sediadas nos bairros de Lote XV,

Vila Paulina, São Bernardo, Interlândia, Heliópolis, Nova Aurora, Areia Branca, Redentor

e Miguel Couto. “Eu sei quanto é dura a vida - diz ele, lembrando que trabalha desde os 6

anos de idade, desde baleiro em trens, a engraxate, carroceiro, motorista até chegar a

proprietário de uma empresa de transportes de cargas. Joca explica que sua saída do PDT

não significa rompimento com o Prefeito Aluísio Gama, a quem continua apoiando na

Câmara e com quem conversou, reservadamente, durante quase duas horas na quarta-feira.

190 Jornal de Hoje, 12/12/1991, p. 03.

121

Page 122: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

CONCLUSÃO

No centro da cidade baixadense de Nova Iguaçu, na praça da Liberdade mais

precisamente, ergue-se um monumento à memória do Comendador Francisco Soares de

Souza Mello. Morto no século XIX, este ilustre componente de uma grande família de

latifundiários, considerado pelos memorialistas regionais um dos principais responsáveis

pela emancipação da antiga vila de Iguassú, é lembrado unicamente na data do aniversário

de emancipação da cidade191, ocasião em que o prefeito iguaçuano assiste - quase sozinho -

a uma missa na Catedral de Santo Antônio de Jacutinga e depois leva algumas flores ao

obelisco localizado no centro da praça.192

Embora praticamente esquecido, o Comendador Soares é um morto privilegiado pois

dos seus pares políticos nem sequer um monumento desgastado ergueu-se em toda a cidade.

Ao Comendador homenageou-se com o nome de um bairro de uma rua e com o

monumento citado.

191 Em 09 de janeiro de 1833 a então vila de Iguassú ganhou status de município.192 Jornal de Hoje, 10/01/1995, p.06.

122

Page 123: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

A maneira de fazer-se política dos políticos representante das elites regionais da

região da Baixada Fluminense teve poucas chances de prosperar entre os migrantes

habitantes dessa região.

A maneira informal, violenta, porém eficiente de encarar-se a política levada a cabo

pela liderança marginal surgida nessa região vale bem mais que o mais correto ato de

políticos mantenedores de costumes tradicionais e que colocam-se como o modelo de

bondade e justiça a ser seguido.

Enfim, segregados e condenados a auto construírem casas e equipamentos urbanos, os

homens dos loteamentos desenvolveram durante todos estes anos de ocupação e

esquecimento um conjunto de atitudes defensivas que tornaram em caminho inóspito para a

política tradicional a lama sobre a qual assenta-se a Baixada Fluminense.

A inércia ante a política tradicional não foi substituída, como se poderia esperar, pelo

abraço à reivindicação dos direitos. Na realidade são também desprezados aqueles partidos

e agentes políticos que elegem como discurso um ideal não muito visível. Idealismos não

fazem sucesso entre baixadenses médios.

Abraça-se, empurrado pelas circunstâncias, a auto construção, a aceitação das

adversidades como algo natural, ao desprezo pela reivindicação dos direitos, pelas fórmulas

políticas tradicionais e a eleição dos líderes marginais como a solução auxiliar de uma rede

de resolução de problemas práticos suadamente construída e mantida pelos moradores dos

bairros originários da junção dos diversos loteamentos urbanos "invasores" desse antigo

"celeiro fluminense" com a finalidade de amenizarem-se os efeitos adversos da ausência de

ações sociais capitaneadas pelo Estado.

A auto resolução de problemas urbanos está na origem das diversas emancipações

municipais ocorridas na região da Baixada Fluminense a partir do momento em que a

Assembléia Constituinte de 1988 facilitou as autonomizações distritais, possibilitando a

criação de novas municipalidades. O desejo de grupos elitistas distritais de criar novas

máquinas políticas existiu - e essas novas máquinas foram criadas com efeito - porém é

sobretudo perceptível no novo município de Belford Roxo o início de um processo que

123

Page 124: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

propagou-se por grande parte da região da Baixada: o novo município criado não teve como

ocupante do poder executivo e da câmara de vereadores representantes da elite política

regional. Um líder popular (chamado no nosso trabalho de marginal) submeteu os

candidatos representantes da elite regional. Tal processo de inversão193 equivale à vitória

das ideologias populares baixadenses, configurando a inauguração de um novo estilo de

governo, onde passam a pesar junto às autoridades municipais as formas de resolução de

problemas vivenciadas pelas comunidades baixadenses.

Poder-se-ia alegar que o surgimento da liderança marginal como assessora das ações

levadas adiante pela rede de resolução de problemas práticos corresponderia a uma

contaminação desse organismo popular pelo clientelismo tão característico da política

brasileira. Tal alegação revelaria dois erros facilmente perceptíveis. O primeiro seria o de

se pensar na rede de resolução de problemas práticos como algo puro. O segundo seria

considerar como unicamente negativas todas as relações clientelísticas.

É óbvio que os líderes marginais imiscuem-se na rede com a intenção final de auferir

maior capital político através do aumento do seu poder de doação194, o que não se deve

deixar de observar na Baixada é que o líder marginal é um elemento da própria

comunidade, não deixando em momento algum de dialogar com as suas "bases"195 o "seu

povo" ou os seus "vizinhos". Se por um lado a população baixadenses perde parte da sua

autonomia ao relacionar-se com o político marginal, por outro lado ela possibilita a

pavimentação de caminhos que podem conduzi-la ao outrora distante poder público. Aliás,

no caso específico da Baixada e mais especificamente de Belford Roxo e do prefeito Joca, o

líder marginal não é exatamente um pavimentador de acessos,196 ele assume o papel de um

construtor não unicamente do caminho entre população e governos mas construtor da

própria estrutura governamental do novo município.

Eleito em 1992 prefeito de Belford Roxo com uma votação esmagadoramente

convincente (mais de 80% dos votos válidos), Joca não decepcionou o seu "povo"

exatamente por não ter se julgado superior aos seus "vizinhos". Ao contrário disso ele

193 No caso de Joca a inversão foi bastante nítida, uma vez que em 1990 seria vice em uma chapa encabeçada por um representante da tradicional elite local (Ediraldo Gomes). Em 1992 acabou transformando-se em cabeça de chapa tendo como vice um outro representante da elite política local (Ricardo Gaspar). 194 KUSCHNIR, Karina. O cotidiano da política. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2000. p.135195 BEZERRA, Marcos Otávio. Em nome das bases: política, favor e dependência pessoal. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1999.196 KUSCHNIR, Karina. O cotidiano da política. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2000. P 88-107.

124

Page 125: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

lançou mão da prática quotidianamente experimentada na Baixada Fluminense de auto

resolver problemas para estender o serviço que já realizava entre 1988 e 1992 como

vereador iguaçuano. Chamando-se um "prefeito mestre de obras"197, Joca desde o início de

seu governo se notabilizou por estabelecer-se como aquele que ouvia o "seu povo". Mas do

que ouvir ele chamava homens e mulheres de Belford Roxo de "seus fiscais". Não se

negando a atender os apelos populares, Joca até a sua morte não deixou de auxiliar a

população belfordroxense quando alguma comunidade pertencente a essa população

sugeria a organização de mutirões que resolvessem imediatamente qualquer problema

urbano.

Enfim, as formas de atuação do prefeito Joca diferiram frontalmente da maneira de

ação dos políticos representante das elites regionais da Baixada. Isso não quer dizer que ele

não lançasse mão em momentos especiais de práticas antigas como a distribuição de

materiais de construção, de cestas básicas e de sopas, tornando-se famosas as suas

ambulâncias. O atendimento no caso de Joca, entretanto, foi algo paralelo, servindo

principalmente para possibilitar a eleição de indivíduos ligados a ele. Ao contrário de

Tenório Cavalcanti, com o qual era constantemente comparado, Joca não se destacava por

ser um assistencialista contumaz. Seu sucesso devia-se muito mais a sua capacidade de

construir um novo município a partir das "cinzas". Ao seu caráter organizador e

desbravador.

O momento trágico da morte de Joca fez parecer que sua figura caminhava para uma

mitificação política. A comoção popular fortalecia a certeza de que o caráter inovador de

Joca não conseguiria um substituto. De uma certa maneira isso corresponde a realidade,

pode-se pensar que o patrimônio político de Joca foi dilapidado de tal maneira que ele não

conseguiu repetir a façanha de, mesmo morto, servir como cabo eleitoral de um grande

número de candidatos, algo alcançado facilmente em 1996, quando "conseguiu" eleger sua

esposa como prefeita de Belford Roxo. É correto então pensar que o herói salvador Joca

não teve a sua herança política bem cuidada. Na memória popular Joca, embora não tenha

desaparecido, eclipsou-se.

197 Jornal de Hoje, 23/01/1993

125

Page 126: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Constituí-se também em uma verdade que a ausência de prosseguimento do processo

de mitificação política não implica na negação de que Joca tenha sido um herói salvador

girardiano. Inserido à força em um mundo caótico (Joca era migrante), ele revoltou-se com

essa situação inserindo-se na rede de resolução de problemas práticos como um elemento

transformador. Aproveitando-se dos espaços vazios deixadas pelo Estado, Joca acabou se

transformando em um líder marginal capaz de elevar-se politicamente até chegar ao cargo

máximo de seu município. Pensar que mesmo com o esquecimento ou com a ausência de

mitificação política Joca continua sendo um herói salvador, nasce do fato de entendermos

que o primeiro prefeito era para a população belfordroxense um símbolo gerado pela

comprovação de que a rede poderia ser eficiente e de que a maneira de resolver problemas

na região da Baixada Fluminense constituía-se em algo sui generis.

Tínhamos a intenção de, acompanhando a trajetória política de Joca, estabelecer um

padrão de comportamento político da população da Baixada Fluminense. O risco que

corríamos ao se fazer mover a investigação era perceber ser verdadeiro o que o senso-

comum anunciava sobre o baixadense. Caso comprovássemos isso a conclusão deveria ser

mais ou menos assim:

Os baixadenses são indolentes, alienados e, portanto, facilmente manipuláveis pelas elites políticas brasileiras. Constituem-se em elementos comuns pertencentes às massas de manobra. A sua distância do poder público é culpa exclusivamente sua, pois, devido a sua alienação política, não conseguiram desenvolver a capacidade de indignar-se e reivindicar seus direitos."

Bastante distante disso, concluímos que os baixadenses constituem-se em seres que

desenvolveram ideologias próprias. Chamamos nos limites desse trabalho essas ideologias

de populares não simplesmente por terem elas se originado de uma população subalterna

porém por se oporem elas às ideologias oficiais.

É estranho pensar na formação de ideologias em uma região caótica como a Baixada.

Mas tal estranheza só existe quando se pensa na conceituação clássica de ideologia. Se se

iguala ideologias populares a reações ante ataques vindos de cima, é possível e desejável

dizer-se que a região da Baixada Fluminense comporta uma população que se organiza

126

Page 127: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

levando sempre em consideração os espaços deixados vazios pelo poder público em suas

diversas esferas.

Na realidade esse trabalho pretendeu mostrar essa organização de espaço por parte

dos elementos populares da Baixada Fluminense e de como tal organização espacial

permitiu o surgimento de algo que em momento algum suplantou a própria organização

popular. Daí pensarmos que os esforços de mitificação política do prefeito Joca também

não alcançaram um sucesso permanente por representar ele unicamente uma maneira

popular de se resolver problemas práticos. Muito mais que agente, Joca era um fio

condutor, potente, é verdade, porém no limite, ele mesmo era descartável.

Com ou sem Joca a rede de resolução de problemas práticos continua a existir,

tornando a Baixada em um lugar tolerável para se viver.

BIBLIOGRAFIA

1 - Livros, artigos, dissertações e teses

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representantes de rua de Rancho Fundo. Tese de mestrado, Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências

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Cia. Das Letras, 1987.

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130

Page 131: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

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de mestrado, Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais/UFRJ, 1997, mimeo.

54. VOVELLE, Michel. Ideologies and mentalities, Cambridge, 1990.

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55. WEBER, Max. On charisma and institution building : selected papers. University of Chicago, 1968

Chicago (The heritage of sociology).

56. WEFFORT, Francisco Corrêa. O populismo na política brasileira. São Paulo, Paz e Terra, 1980

2 - Fontes orais

A constatação de que alguns entrevistados sentiam-se incomodados ao saberem que

suas falas estavam sendo gravadas, levou-nos a somente gravar entrevistas daqueles que

não se recusassem a isso, ou que não demonstrassem inibição ante o gravador. Isso fez com

que boa parte das entrevistas fosse realizada sem a utilização de gravações, só existindo de

boa parte da entrevistas transcrições resultantes de apontamentos.

ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTA DADOS PESSOAIS

1. A.D.F. Entrevista Concedida em 09/09/1995 Não disponíveis

2. ALMEIDA, Jacinto de. Entrevista concedida em

12/09/1998.

Operário da construção civil natural de

Pernambuco, nascido em 06/09/1942, morador do

bairro de Areia Branca em Belford Roxo.

3. ALVES, José da Costa. Entrevista concedida em

09/06/1998

Vendedor ambulante, natural do Espírito Santo

nascido em 08/03/1940, morador do bairro Palhada

em Nova Iguaçu.

4. ARAÚJO, José. Entrevista concedida em 12/12/1997 Pequeno comerciante, natural de Minas Gerais,

nascido em 04/04/1962, morador do bairro Paraíso em

Queimados.

5. BARCELOS, Vítor Augusto. Entrevista concedida em

10/09/1999

Mestre de obras, natural do interior Fluminense,

nascido em 10/10/1957, morador do bairro de Piam

em Belford Roxo.

6. CABRAL, João Meirelles. Entrevista concedida em

19/05/1998

Aposentado da indústria química, natural do

Espírito Santo nascido em 14/09/1942, morador do

bairro de Interlância em Belford Roxo.

7. CORDEIRO, Lílian Expedito. Entrevista concedida em

22/07/1998

Auxiliar de serviços gerais, natural de Alagoas,

nascida em 01/01/1958, moradora do bairro de Bom

132

Page 133: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

Pastor em Belford Roxo.,

8. CORRÊA, Odília de Freitas. Entrevista concedida em

10/09/1998

Empregada doméstica, natural do interior

Fluminense, nascido em 09/03/1960, moradora do

bairro de Nova Píam em Belford Roxo

9. FERNANDES, Paulo. Entrevista concedida em

02/09/1998.

Operário do setor químico, natural de Nova

Iguaçu, nascido em 28/06/1964, morador do bairro da

Prata em Belford Roxo

10. FREITAS, Otacílio José de. Entrevista concedida em

21/11/95

Vendedor ambulante, natural do Espírito Santo

nascido em 08/03/1960, morador do bairro de Bom

Pastor em Belford Roxo

11. GIL, Jorge de Souza. Entrevista concedida em

10/10/1998

Servente de pedreiro, natural de Pernambuco,

nascido em 18/02/1954, morador do bairro de Bom

Pastor em Belford Roxo

12. GÓIS, Caio Silveira. Entrevista concedida em

13/08/1998

Pedreiro , natural do Piauí, nascido em

08/03/1960, morador do bairro da Prata em Belford

Roxo

13. GUIMARÃES, Maria Teixeira. Entrevista concedida

em 02/09/1995.

Doméstica, natural do Rio de Janeiro, nascida

em 08/03/1960, moradora do Morro da Cocada em

Belford Roxo,

14. LEITE, Antonio de Souza. Entrevistas concedidas em

21/08/1995 e em 01/12/95

Estivador aposentado, natural de Pernambuco,

nascido em 08/03/1933, morador do bairro de

Chatuba em Mesquita

15. MATOS, Fernando Ferreira. Entrevista concedida em

09/04/99.

Comerciário , natural de Duque de Caxias,

nascido em 11/05/1983, morador do bairro de Lote

XV em Belford Roxo

16. MEDEIROS, Matheus Eulálio da Silva. Entrevista

concedida em 09/06/1998

Pedreiro , natural do Piauí, nascido em

08/03/1960, morador do bairro da Prata em Belford

Roxo

17. MONTEIRO, Florêncio Marcos. Entrevista concedida

em 23/11/95

Mestre de obras , natural do interior do Rio de

Janeiro, nascido em 28/01/1950, morador do bairro

Xavante em Belford Roxo

133

Page 134: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

18. MOREIRA, João da Silva. Entrevista concedida em

30/06/1998

Ladrilheiro , natural do município do Rio de

Janeiro, nascido em 31/07/1946, morador do bairro da

Prata em Belford Roxo

19. NOVAES, Guilherme Antônio. Entrevista concedida em

10/10/95.

Aposentado do setor químico, natural do interior

do estado do Rio de Janeiro, nascido em 08/03/1948,

morador do bairro da Prata em Belford Roxo

20. NOVAES, Mário Geraldo . Entrevista concedida em

02/09/1995

Funcionário público aposentado , natural de

Alagoas, nascido em 08/03/1940, morador do bairro

de Areia Branca em Belford Roxo

21. PAULINO, José Mota. Entrevista concedida em

01/04/1998

Pedreiro , natural do Pará, nascido em

08/03/1949, morador do bairro de Babi em Belford

Roxo

22. PEREIRA, José da Silva. Entrevista concedida em

03/06/1994

Servente de pedreiro, natural de Pernambuco,

nascido em 06/04/1960, morador do bairro de Lote

XV em Belford Roxo

23. PEREIRA, Kléber Gervásio. Entrevista concedida em

11/06/1998

Motorista, natural do Ceará, nascido em

05/03/1955, morador do bairro de Xangrilá em

Belford Roxo

24. PESSANHA, Capitiliano Ferreira. Entrevista concedida

em 07/07/1998

Motorista, natural do Piauí, nascido em

08/04/1967, morador do bairro Xavante em Belford

Roxo

25. PIRES, Marcelino de Freitas. Entrevista concedida em

12/04/1997.

Vendedor ambulante, natural de Minas Gerais,

nascido em 19/11/1949, morador do bairro de

Andrade de Araújo em Belford Roxo

26. QUEIROZ, Fabiano da Silva. Entrevista concedida em 29/10/98. Comerciário, natural de Belford Roxo, nascido

em 20/12/1983, morador do bairro Barro Vermelho

em Belford Roxo

27. QUEIROZ, Jorge. Entrevista concedida em 29/10/95. Eletricista, natural de Belford Roxo, nascido em

25/12/1964, morador do bairro da Prata em Belford

Roxo

28. RIBEIRO, Fátima Silva. Entrevista concedida em Empregada doméstica, natural do município do

134

Page 135: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

10/03/1998 Rio de Janeiro, nascida em 30/06/1951, moradora do

bairro Belmonte em Queimados

29. SANTOS, Clenio de Lima. Entrevista concedida em

01/11/1995

Aposentado do setor químico, natural de

Pernambuco, nascido em 02/04/1945, morador do

Morro da Cocada em Belford Roxo

30. SANTOS, Jorge Costa. Entrevista concedida em

10/05/1998

Fiscal de Ônibus, natural do município do Rio

de Janeiro, nascido em 30/06/1951, morador do bairro

da Prata em Belford Roxo

31. SILVA, Marcos Vinícius da. Entrevista concedida em

02/09/1998

Vendedor ambulante, natural do município do

Rio de Janeiro, nascido em 30/10/1968, morador do

bairro Bom Pastor em Belford Roxo

32. SILVA, Odmar da. Entrevista concedida em 28/11/95. Funcionário público, natural do município do

Rio de Janeiro, nascido em 30/06/1951, morador do

bairro da Prata em Belford Roxo

33. SILVA, Raul Leonardo. Entrevista concedida em

29/03/99.

Porteiro, natural de Ceará, nascido em

30/06/1949, morador do morro da Galinha em Belford

Roxo

34. SOUZA, José Francisco de Souza. Entrevista concedida

em 17/09/1998

Auxiliar de serviços gerais, natural de Nova

Iguaçu, nascido em 01/01/1971, morador do bairro

Farrula em Belford Roxo

35. T.M. Entrevista concedida em 12/09/1995 Dados não disponíveis

3 - Periódicos

PERIÓDICO INTERVALO

S TEMPORAIS

ASSUNTOS EXPLORADOS

1. Jornal de Hoje (a)1970-

1980 /(b) 1988-

1995

(a) o processo de ocupação da região, (b) a trajetória

pública de Joca e as sucessivas divisões municipais

2. Jornal do Brasil 1988-1999 A trajetória pública de Joca e as sucessivas divisões

135

Page 136: DISSERTAÇÃO LINDERVAL

municipais

3. Jornal Hora H 1993-1995 A trajetória pública de Joca e as sucessivas divisões

municipais

4. Jornal O Correio de

Maxambomba

(a)1950-

1980 /(b) 1988-

1995

(a) o processo de ocupação da região, (b) a trajetória

pública de Joca e as sucessivas divisões municipais

5. O Correio da Lavoura (a)1950-

1980 /(b) 1988-

1995

(a) o processo de ocupação da região, (b) a trajetória

pública de Joca e as sucessivas divisões municipais

6. O Dia 1988-1999 A trajetória pública de Joca e as sucessivas divisões

municipais

7. O Globo 1988-1999 A trajetória pública de Joca e as sucessivas divisões

municipais

8. Revista Ilustrada 1988-1995 A trajetória pública de Joca e as sucessivas divisões

municipais

9. ZM notícias. 1993-1995 A trajetória pública de Joca e as sucessivas divisões

municipais

4 - Internet

(http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm) - Site "CIDADES" do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

136