DISSERTAÇÃO MESTRADO - Regulação de Conflitos Socioambientais no Projeto de MDL da Plantar SA -...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA DE ADMINISTRAO NCLEO DE PS-GRADUAO EM ADMINISTRAO

ANDRA CARDOSO VENTURA

MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO (MDL):UMA ANLISE DA REGULAO DE CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS DO PROJETO PLANTAR

SALVADOR 2008

Escola de Administrao - UFBA

V468

Ventura, Andra Cardoso

Mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL) : uma anlise da regulao de conflitos socioambientais do Projeto Plantar / Andra Cardoso Ventura. 2008. 227 f.

Orientador: Prof. Dr. Jos Clio Silveira Andrade Dissertao (mestrado) Universidade Federal da Bahia. Escola de Administrao, 2008.

1. Gesto ambiental Aspectos polticos. 2. Gesto ambiental Aspectos sociais. 3. Poltica ambiental - Brasil. 4. Gove rnana. I. Universidade Federal da Bahia. Escola de

Administrao. II. Andrade, Jos Clio Silveira. III. Ttulo.

363.70097

ANDRA CARDOSO VENTURA

MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO (MDL):UMA ANLISE DA REGULAO DE CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS DO PROJETO PLANTAR

Dissertao apresentada ao curso de Mestrado Acadmico em Administrao da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial obteno do grau de Mestre em Administrao. Orientador: Prof. Dr. Jos Clio Silveira Andrade

SALVADOR 2008

TERMO DE APROVAO

ANDRA CARDOSO VENTURA

MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO (MDL):UMA ANLISE DA REGULAO DE CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS DO PROJETO PLANTAR

Dissertao para obteno do grau de Mestre em Administrao.

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Jos Clio Silveira Andrade Orientador Universidade Federal da Bahia

Prof. Dr. Luis Felipe Machado Nascimento Universidade Federal do Rio Grande do Sul Prof. Dr. Jos Antnio Puppim de Oliveira Fundao Getlio Vargas do Rio de Janeiro

Salvador, 12 de maio 2008.

Dedico esta dissertao de mestrado a todos aqueles que lutam pela preservao do meio ambiente. Somente com a efetiva mobilizao de todos os setores sociais, juntamente com o esforo de cada indivduo, m udando, inclusive, seu padro de consumo, ser possvel garantir a qualidade de vida no Planeta Terra.

Agradeo ao CNPq pelo apoio para a realizao da pesquisa, atravs de concesso de bolsa de pesquisa e, posteriormente, no mbito do projeto A utilizao dos projetos de mecanismos de desenvolvimento limpo pelas empresas brasileiras, aprovado no edital MCT/CNPq 15/2007.

RESUMO A obteno de consensos mnimos, em mbito mundial, para a reduo de gases do efeito estufa e, consequentemente, do aquecimento global, envolveu anos de negociaes entre atores estatais e no estatais, chegando-se formulao do Protocolo de Kyoto, em vigncia desde 2005. No entanto, isso no foi capaz de mitigar os conflitos sociais e ambientais no momento de sua aplicao. Nesta dissertao, procura-se apresentar os conflitos, interesses e lgicas de ao envolvidos durante as etapas de elaborao, validao e aprovao de um projeto de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), um dos instrumentos de flexibilizao trazidos pelo Protocolo. A anlise do Projeto Plantar, um dos primeiros projetos de MDL brasileiros a negociar crditos no Mercado de Carbono, ilustrou vrios nveis de governana ambiental: local, regional, nacional e internacional. Por meio de ampla pesquisa bibliogrfica, anlise documental, entrevistas semi-estruturadas e estruturadas, e observao no participante, buscou-se, ento, verificar as estratgias de relacionamento polticoinstitucional utilizadas pela empresa proponente, a Plantar S.A., para regular os conflitos socioambientais existentes e, assim, legitimar-se perante seus stakeholders visando aprovao de seu projeto de MDL. Constatou-se que, efetivamente, a empresa precisou adotar diversos mecanismos, como melhorias substanciais em seus relaciona mentos polticoinstitucionais, a adoo de estratgias de relaes pblicas, o incremento de sua gesto socioambiental e a ampliao de sua participao poltica junto a outras empresas do setor e ao governo brasileiro, visando a influenciar a construo das polticas pblicas ligadas ao MDL. Definitivamente, o Projeto Plantar representa um rico caso de anlise sobre a amplitude de interesses envolvidos na governana ambiental, que engloba aspectos econmicos, culturais e ideolgicos.

Palavras-chave: Governana Ambiental; Conflitos socioambientais; Relacionamento polticoinstitucional; Mecanismo de Desenvolvimento Limpo - Projeto Plantar

ABSTRACT The obtainment of minimum consensus, on the world level, for the greenhouse gases reduction and, therefore, for the global warming, involved years of negotiations between state and non-state actors, arriving to the formulation of the Kyoto Protocol, in force since 2005. However, it wasnt able to mitigate the social and environmental conflicts at the time of its application. In this dissertation seeks to present the conflicts, interests and logical actions involved in the stages of preparation, validation and approval of a Clean Development Mechanism (CDM) project, one of the flexibility instruments brought by the Protocol. The Plantar Project analysis, the first CDM project in Brazil to negotiate credits in the carbon market, illustrated various levels of environmental governance: local, regional, national and international. Through extensive literature search, document analysis, semi- structured and structured interviews, and no participant observation, it was tried to verify the strategies for political- institutional relations firm used by the proposer, the Plantar SA, to regulate the social conflict existing and thereby legitimize itself in front of their stakeholders, seeking its CDM project approval. Effectively, the company needed to adopt different mechanisms, as substantial improvements in its politic- institutional relationships, the adoption of public relations strategies, the increase of its social and environment management and the expansion of its political participation with other companies in the industry and the Brazilian government, seeking to influence the construction of public policies related t the CDM. o Definitely, the Plantar Project represents a rich analysis case on the extent of interests involved in environmental governance, which covers economic, cultural and ideological aspects.

Keywords: Environmental Governance; Social and environme ntal conflicts; Political and institutional relationship; Clean Development Mechanism - Plantar Project.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1. O que fazer com os resduos............................................................................pg. 62

LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Dados de concentrao de GEE relativos atividade humana..........................pg. 50 Tabela 2. Agentes envolvidos e motivao para participao no MDL........................... pg. 66 Tabela 3. Estrutura bsica da teoria de Relaes Pblicas............................................... pg. 85 Tabela 4. Modelo de Anlise Utilizado ............................................................................pg. 89 Tabela 5. Relao de entrevistados ..................................................................................pg. 92 Tabela 6. Projeto Plantar em nmeros ...........................................................................pg. 102 Tabela 7. rea total reflorestada no Brasil......................................................................pg. 117 Tabela 8. Estratgias de relacionamento poltico- institucionais adotadas pela Plantar..pg. 193

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABAF ABEPED ABRAF AMDA AMS AND BERD BM&F BNDES BRACELPA BSCD CCX CDM CDP CEBDS CER CILMA CIMGC CMMAD CNI CNUMA CO2 CODEMA COP CQNUMC CSN DCP DNV EIA/RIMA EOD FAO FASE FIEMG FIESP FISET FMI FSC GEE GEF

Associao Baiana de Produtores Florestais Associao Brasileira dos Produtores de Eucalipto para Uso Domstico Associao Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas Associao Mineira de Defesa do Ambiente Associao Mineira de Silvicultura Autoridade Nacional Designada Banco Europeu para a Reconstruo e o Desenvolvimento Bolsa de Mercadorias & Futuros Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social Associao Brasileira de Produtores de Celulose e Papel Business Council for Sustainable Development Chicago Climate Exchange Clean Development Mechanism Projeto de Revelao de Carbono Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentvel Certificado de Emisso Reduzida Centro Internacional de Ligao para o Meio Ambiente Comisso Interministerial de Mudana Global do Clima Comisso Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento Confederao Nacional das Indstrias Conferncia das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente Humano Gs Carbnico Conselho Municipal de Defesa e Conservao do Meio Ambiente Conferncia das Partes Conveno-Quadro das Naes Unidas sobre Mudana do Clima Companhia Siderrgica Nacional Documento de Concepo do Projeto Det Norke Veritas Estudo de Impactos Ambientais e Relatrio de Impacto Ambiental Entidade Operacional Designada Organizao das Naes Unidas para a Agricultura e Alimentao Federao de rgos para Assis tncia Social e Educacional Federao das Indstrias de Minas Gerais Federao das Indstrias de So Paulo Fundo de Investimentos Setoriais-Reflorestamento Fundo Monetrio Internacional Forest Steward Council Gases do Efeito Estufa Global Environment Facility

GEMI IBAMA IBDF IEF IPCC ISO LULUCF MBRE MCT MDL NOVIB OIG ONG ONU P+L PCF PCMSO PIFFR PL PNUMA RCE RED SCLC SEEN SGA UMF UNFCCC WBCSD WRM

Global Environmental Management Iniciative Instituto Brasileiro de Meio Ambiente Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal Instituto Estadual de Florestas Painel Intergovernamental sobre Mudana do Clima International Organization for Standardization Land Use, Land-Use Change and Forestry Mercado Brasileiro de Reduo de Emisses Ministrio da Cincia e Tecnologia Mecanismo de Desenvolvimento Limpo Agncia Holandesa para a Cooperao Internacional de Desenvolvimento Organizao Internacional Governamental Organizao No Governamental Organizao das Naes Unidas Produo mais Limpa Protocol Carbon Fund Programa para Controle de Sade Ocupacional Programa de Incentivos Fiscais ao Florestamento e Reflorestamento Produo Limpa Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente Reduo Certificada de Emisses Reduo de Emisso de Desmatamento Supplie Chaim Lidershipment Colaboration Sustainable Energy and Economy Network Sistema de Gesto Ambiental Unidade de Manejo Florestal Union Nation Framework on Convention Climate Change World Business Council for Sustainable Development World Rainforest Movement

SUMRIO

1

INTRODUO ..........................................................................................................................................................13

2 GOVERNANA AMBIENTAL GLOBAL (GAG), MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO (MDL), REGULAO DE CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS: CONCEITOS IMPORTANTES PARA A ANLISE DO PROJETO PLANTAR........................................................................25 2.1 2.2 EVOLUO DA GOVERNA NA AMBIENTAL GLOBAL...........................................................................25 A PARTICIPAO DOS ATORES SOCIAIS NA GOVERNANA AMBIENTAL..............................................30 2.2.1 2.2.2 2.2.3 2.2.4 2.2.5 2.2.6 2.2.7 As Organizaes Internacionais Governamentais (OIG)......................................................................31 Os Estados.....................................................................................................................................................33 A Comunidade Cientfica............................................................................................................................35 As Empresas ..................................................................................................................................................37 Os Indivduos.................................................................................................................................................39 As Organizaes No-Governamentais (ONGs) ....................................................................................40 O Movimento Social Ambientalista...........................................................................................................43O movimento ambientalista brasileiro ...................................................................................................47

2.2.7.1

2.3

M ECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO (MDL): INSTRUMENTO DE FLEXIBILIZAO E GOVERNANA AMBIENTAL................................................................................................................................................................................49 2.3.1 2.3.2 O Surgimento do Protocolo de Kyoto e a Criao de Um Novo Mercado Mundial ........................49 Os Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL) ..............................................................................57As atividades ligadas a florestamento e reflorestamento.......................................................................61 A Utilizao de Tecnologias mais Eficientes e a Caracterizao de Desenvolvimento Sustentvel no 64

2.3.2.1 2.3.2.2 MDL

2.3.3 2.3.4 2.3.5

Os Projetos de MDL Brasileiros................................................................................................................68 Os Impactos do MDL no Relacionamento da Empresa Proponente com Seus Pblicos.................69 As discusses sobre o Ps-Kyoto...............................................................................................................72

2.4

REGULAO DE CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS ............................................................................................75 2.4.1 Estratgias de Relacionamento Poltico-Institucional...........................................................................79O papel das relaes pblicas na regulao dos conflitos socioambientais ...........................................83

2.4.1.1

3

PROCEDIMENTOS METODOLGICOS .......................................................................................................92

4 UMA ANLISE DA REGULAO DE CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS LIGADOS AO PROJETO PLANTAR ........................................................................................................................................................98 4.1 O PROJETO PLANTAR ............................................................................................................................................ 100

4.2 CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS DIANTE DO PROJETO PLANTAR: INTERESSES E LGICAS DE AO ENVOLVIDAS................................................................................................................................................. 109 4.2.1 4.2.2 Origem e formao do Movimento..........................................................................................................111 As lgicas de ao da Plantar e do Movimento contrrio a seu Projeto.........................................117Incompatibilidade entre monocultura de eucalipto e desenvolvimento sustentvel............................119 A certificao FSC e sua aplicabilidade plantaes florestais de eucalipto......................................133 Dvidas em relao efetividade de uma plantao florestal enquanto sumidouro de carbono .....145

4.2.2.1 4.2.2.2 4.2.2.3

4.2.2.4 Relao entre a empresa e suas partes interessadas tanto no momento de obter a certificao FSC quanto para legitimar seu projeto de MDL...............................................................................................................147 4.2.2.5 4.2.2.6 4.2.2.7 Crticas gesto socioambiental da Plantar.........................................................................................150 Outras questes afetas aos conflitos socioambientais relativos ao Projeto Plantar .............................155 O conflito em resumo...........................................................................................................................164

4.2.3

ESTRATGIAS POLTICO-INSTITUCIONAIS DE RELACIONAMENTO ADOTADAS.............167Estratgias utilizadas a nvel local .......................................................................................................173 Estratgias adotadas a nvel regional ...................................................................................................184 Estratgias em nvel nacional...............................................................................................................188 Estratgias a nvel internacional ou global ..........................................................................................190

4.2.3.1 4.2.3.2 4.2.3.3 4.2.3.4

4.2.4 5

Um Balano entre Conflito-Cooperao................................................................................................194

CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................................................197

6

REFERNCIAS .......................................................................................................................................................210

13

1 INTRODUO

Aquecimento global. Esse o tema do momento quando se pensa em questes ambientais. Discusses sobre o assunto so encontradas nos mais diversos veculos de comunicao, desde os mais tradicionais chamada mdia alternativa. Governantes de todo o mundo renem-se, com uma freqncia cada vez maior, em busca de consensos mnimos sobre o que fazer para solucionar o que hoje considerado um dos mais graves problemas j enfrentados pela humanidade. Empresas dos mais variados portes e segmentos tomam iniciativas para a reduo da emisso de gases, visando, entre outros objetivos, a demonstrar sua contribuio para a minimizao da problemtica. Protestos ambientalistas eclodem pelos quatro cantos do planeta. A possibilidade de catastrficas mudanas climticas j tratada, inclusive, em rodas de amigos. A realidade que, h dcadas, ambientalistas em todo o mundo vm alertando a sociedade sobre os problemas causados pela m utilizao dos recursos naturais disponveis. Entretanto, somente a partir dos anos de 1990, essa realidade parece estar mobilizando a opinio pblica a ponto de a sociedade exigir novos encaminhamentos ao modelo de desenvolvimento praticado no mundo, de forma a garantir no apenas a preservao dos recursos naturais, como tambm a qualidade de vida para os que hoje habitam o Planeta Terra e aos que ainda esto por vir. Na opinio de Viola (2005), as questes ambientais globais somente adquiriram densidade com a descoberta do buraco n camada de oznio sobre a Antrtida. Entre os principais a problemas ligados atmosfera terrestre encontram-se o aumento da concentrao de Gases do Efeito Estufa (GEE) e a conseqente mudana climtica, representada por grandes aumentos na temperatura terrestre. Esse aquecimento vem provocando diversos efeitos ambientais, tais como o derretimento das calotas polares, e o conseqente aumento do nvel dos oceanos, alteraes na salinidade do mar, mudanas na dinmica dos ventos e chuvas, intensificao de ciclones tropicais, exacerbao de secas e enchentes, reduo da biodiversidade terrestre, aumento da desertificao. Alm disto, h grande preocupao com os efeitos sociais causados pelo impacto na agricultura, decorrente das perdas de produo de alimentos

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resultantes dessas alteraes. Entre estas implicaes encontram-se maior risco de fome, inanio, doenas, insegurana alimentar. H de se considerar, ainda, a possibilidade de deslocamento de populaes residentes em reas baixas e costeiras, temendo a inundao de seus territrios (ANDRADE, 2006). Considera-se que a mudana climtica poder ser, para a cooperao internacional e para a governana ambiental global, o maior e mais complexo problema relacionado ao meio ambiente a ser enfrentado deste sculo em diante (MULLER apud ANDRADE, 2006). Sendo a atmosfera um bem pblico global comum, que abrange todo o planeta, ela vem sendo amplamente explorada e sub-regulamentada. H mais de trinta anos as naes vm buscando, via diplomacia internacional, formas coletivas de amenizar os impactos da ao do homem sobre o clima. A incluso das questes ambientais nas arenas de debate governamentais teve influncia direta dos movimentos sociais ambientalistas, exercendo presso para que tanto as naes, quanto as empresas, tornem essa busca realmente efetiva. Alm das presses sofridas, tanto por parte da comunidade cientfica, que demonstrou a gravidade da situao em que se encontra o planeta, quanto dos formadores de opinio pblica, em especial a mdia e a sociedade civil organizada, os Estados esto sendo confrontados por um outro fator de impulso para suas aes. Em outubro de 2006, foi publicado pelo governo ingls o chamado Relatrio Stern, considerado o mais completo estudo sobre os impactos econmicos do aquecimento global. Elaborado por uma equipe chefiada por Nicholas Stern, ex-economista-chefe do Banco Mundial, o relatrio conclui que, em caso de no atuao imediata para a conteno das alteraes climticas, seu custo total ser de aproximadamente 5% do PIB global por ano, todos os anos, podendo chegar, no pior cenrio, a uma reduo do consumo global de at 20% deste PIB. Em contrapartida, os gastos para estabilizar a emisso de gases seriam de 1% do PIB mundial, at 2050. At pouco tempo, considerava-se que os gastos com aes de preveno ou de remediao das conseqncias das mudanas do clima seriam praticamente os mesmos, o que teria levado inrcia dos governantes (AQUECIMENTO, 2006; GOLDEMBERG, 2007). Um dos principais mecanismos globais elaborados na tentativa de reduzir a emisso de Gases do Efeito Estufa (GEE) da atmosfera e, dessa forma, minimizar as alteraes no clima, em especial o aquecimento global, foi o Protocolo de Kyoto. Entre as estratgias nele estabelecidas, uma desperta especial interesse para o Brasil, tendo em vista ser a nica que

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permite a participao de pases em desenvolvimento. Trata-se do chamado Mecanismos de Desenvolvimento Limpo, mais conhecido por sua sigla: MDL. Atravs dele permitida a reduo de GEE em pases em desenvolvimento, que em princpio no possuem metas assumidas frente ao acordo, atravs de projetos financiados por pases desenvo lvidos. Obviamente, um projeto dessa natureza - executado em um pas, mas financiado por outro, envolvendo relaes entre pases desenvolvidos e em desenvolvimento, que permite a negociao das redues certificadas de emisso, que possibilita a interao entre instituies e atores sociais dos trs setores produtivos, e que permite a reduo nas emisses de gases responsveis por um dos principais problemas ambientais j enfrentados pela humanidade, o aquecimento global -, vem atraindo a ateno de pesquisadores de diferentes campos. Diversos estudos vm sendo desenvolvidos buscando melhor compreender o funcionamento do MDL, sua aplicabilidade e viabilidade, os reais resultados ambientais obtidos, a efetividade de sua contribuio para o desenvolvimento sustentvel, as negociaes financeiras nele envo lvidas, entre outros (VENTURA; ANDRADE, 2006). No entanto, uma outra caracterstica de sua estrutura despertou o interesse da presente pesquisa: as relaes entre empresas e seus pblicos de interesse, durante as etapas de elaborao, validao e aprovao, envolvidas no ciclo do projeto de MDL. Essa curiosidade originou-se especialmente por conta de um dos requisitos bsicos da aprovao desses projetos: a obrigatoriedade de a empresa proponente comprovar que ouviu a opinio dos atores sociais impactados pelo projeto, e ainda garantir que essa opinio foi levada em considerao no momento da formulao do mesmo. Verifica-se, assim, que a formulao conceitual dos projetos de MDL incorpora a atual noo de governana ambiental corporativa: a gesto das questes ambientais de uma organizao deve ser ancorada no interesse dos acionistas e demais partes interessadas. Para Cunha e Junqueira (2005), a idia de governana ambiental construda a partir das discusses sobre governana corporativa, governana democrtica, relaes de conflito amb iental e abordagens sobre ganhos mtuos para a construo de consensos e cooperao. Utilizando-se das idias de Almeida (2002), esses autores afirmam que o que se verifica a

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ampliao do conceito de governana corporativa, numa perspectiva que vai alm de assegurar aos scios equidade, transparncia, prestao de contas (accountability) e responsabilidade pelos resultados. (...) Estes atributos devem ser estendidos s relaes da empresa com a sociedade e com o meio ambiente, abrangendo todos os stakeholders (CUNHA; JUNQUEIRA, 2005, pg. 2).

De acordo com Gobbi e Brito (2005), a inter-relao entre as organizaes e a natureza vem se transformando em um novo campo de estudos, apresentando trabalhos de diversas abordagens terico- metodolgicas. A emergncia desse novo campo de estudos estaria ligada percepo que as organizaes passaram a ter de seus impactos nos ecossistemas, especialmente aps o advento das grandes transformaes sociais, econmicas, polticas e culturais que marcaram a chamada Terceira Revoluo Industrial, entre os anos 1970 e o final do sculo XX. Entre elas, verifica-se a consolidao dos processos de globalizao em suas distintas dimenses (econmica, tecnolgica, poltica, cultural, social). Nessa nova realidade, em que os interesses transnacionais adquirem grande influncia, as organizaes passam a atender novas demandas dos mercados internacionais, entre elas o respeito e a ateno ao meio ambiente (LERMA; BAQUERO, 2007). Acompanhando a evoluo desse processo de globalizao, verifica-se, desde a dcada de 1970, um grande aumento na intensidade das presses exercidas por atores socioambientais. Passa-se a verificar a organizao dos indivduos em torno da defesa de interesses que ultrapassam as questes relativas classe social. Debates sobre gnero, etnias, meio ambiente e outros campos so includos nas lutas dos chamados novos movimentos sociais (THOMAS, 2006), que tm um papel fundamental na conformao da agenda das naes e das empresas em todo o mundo. A nova realidade exige alteraes, inclusive, na conceituao de movimentos sociais, que passam a ser vistos comoaes sciopolticas construdas por atores sociais coletivos pertencentes a diferentes classes e camadas sociais , articuladas em certos cenrios da conjuntura socioeconmica e poltica de um pas , criando um campo poltico de fora social na sociedade civil. (GOHN, 2004: 251, apud THOMAS, 2006).

Paulatinamente, as organizaes privadas vm ampliando o seu foco para alm de atender somente aos interesses dos acionistas e, abrangendo a necessidade de aes de responsabilidade socioambiental, ou seja, atividades voltadas a atender s expectativas da sociedade em termos de respeito lei, aos valores ticos, s pessoas, comunidade e ao meio ambiente. Durante os anos de 1980, difundiu-se velozmente, em muitos pases, a necessidade

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de preservao socioambiental, de prticas empresariais mais sustentveis, de um maior alinhamento entre desenvolvimento econmico e meio ambiente, e da incluso das preocupaes socioambientais nas estratgias organizacionais. Foi justamente no final dessa dcada que se desenvolveu o conceito de desenvolvimento sustentvel, que viria a ser uma possvel referncia para a gesto da questo socioambiental (NASCIMENTO; LEMOS; MELLO, 2008). Nesse momento histrico, verifica-se que as empresas j se encontravam sob a vigilncia de diferentes atores sociais, tanto advindos do espao tcnico-econmico (agentes econmicos, legisladores, acionistas, fiscais amb ientais ...), quanto do poltico- institucional (consumidores, fornecedores, comunidade, ONGs...). Gradativamente, em especial nos pases desenvo lvidos, as responsabilidades ambientais passam a ser vistas como mais um fator de competitividade. medida que avanavam as descobertas sobre os impactos da atividade humana e da industrializao sobre o meio ambiente, e sobre a finitude dos recursos naturais, ocorre o aumento das presses sobre as empresas, que passaram a perceber possibilidades de ganhos. A internalizao da dimenso scio-ambiental, por parte dessas empresas, era percebida como uma oportunidade de buscar novos produtos e mercados (ANDRADE; DIAS, 2003). J na dcada de 1990, verifica-se a ampliao dos debates em torno de questes socioambientais. Organizaes no-governamentais, comunidades locais, associaes de classe, agncias governamentais e os prprios agentes econmicos passam a buscar solues para a gesto da relao desenvolvimento econmico e meio ambie nte (NASCIMENTO; LEMOS; MELLO, 2008). Nesse momento, um novo debate se apresenta no mundo da administrao: a idia de que a gove rnana corporativa a gesto em busca do alinhamento de interesses - no deve pautar suas atividades exclusivamente pelos interesses dos acionistas (shareholders), mas tambm pelo interesse de outros gr upos (os chamados stakeholders) que sofrem o impacto das decises tomadas pela empresa, como: empregados, fornecedores, clientes e a comunidade em geral. Diversos acontecimentos ocorridos naquele perodo teriam marcado a consolidao de princpios ambientais basilares, atuando na regulao da questo socioambiental e no desenvolvimento de polticas e estratgicas socioambientais corporativas. Como exemplos podem-se citar a realizao da Primeira Conferncia do GEMI (Global Environmental Management Iniciative), tendo como tema o gerenciamento da qualidade e das relaes da

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empresa com o meio ambiente; a Segunda Conferncia Internacional da Indstria sobre Controle do Meio Ambiente, onde foi estabelecida uma carta de 16 Princpios Empresariais para o Desenvolvimento Sustentvel; a instituio no Reino Unido, da BS-7750, uma especificao para o gerenciamento de sistemas ambientais; a edio de uma cartilha do GEMI resumindo uma proposta de parmetros da Qualidade Gesto Ambiental. Cumpre salientar que a instituio da BS-7750, acima citada, ocorrida em 1992, props um Sistema de Gesto Ambiental (SGA) apoiado nos conceitos de gesto da qualidade definidos pela norma BS 5750 que, por sua vez, deu origem srie internacional de normas ISO (International Organization for Standardization) 9000. J em julho de 1993 foi implantado, em Genebra, Sua, o comit tcnico da ISO (TC-207), tendo como objetivo a elaborao da srie de normas ISO 14000, referente a ferramentas de gesto ambiental. Como pode ser observado, durante as ltimas dcadas cons tata-se uma tendncia ampliao do enfoque da gesto socioambiental nas organizaes, sendo essa orientada pela busca da manuteno e/ou ampliao de vantagem competitiva. Obviamente, no obstante seu carter voluntrio, tendo em vista a no obrigatoriedade frente aos rgos pblicos de regulao ambiental, a certificao das empresas por normas que atestem a efetividade de sua gesto ambiental tornou-se, durante a dcada de 1990, praticamente compulsria para o com rcio internacional (ANDRADE; DIAS, 2003). De acordo com os autores, alm de as empresas passarem a adequar-se legislao ambiental vigente, elas passam a adotar outros instrumentos e regras de proteo ambiental, de acordo com as exigncias de atores sociais estratgicos pertencentes tanto ao espao tcnicocomercial quanto ao poltico- institucional. Tendo em vista a incorporao da questo ambiental como um fator de competitividade, deixando de verificar apenas a coero exercida pelos custos advindos da explorao do meio ambiente e passando a enxergar fatores de obteno de vantagens. Com isso, passaram a enxergar o espectro de atores scio-ambientais do espao poltico-institucional para alm das agncias governamentais de controle ambiental (ANDRADE; DIAS, 2003, pg. 37). medida que cresciam as presses sociais por uma atuao ambientalmente responsvel, crescia tambm a cobrana do mercado mundial para que as empresas se adequassem s novas regras vigentes. A demonstrao de preocupao com o meio ambiente passou a ser um

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fator de sobrevivncia competitiva no mercado, em qualquer lugar do mundo. Com isso, muitas empresas passaram a adotar uma gesto ambiental adequada e a se pronunciar em relao adoo de uma postura social e ambientalmente correta. Essas presses para a absoro de um processo de gesto ambientalmente correto vm de todos os lados: das regulaes governamentais, dos acionistas, investidores e bancos, atores do espao tcnico-econmico, exigindo a reduo dos riscos ambientais; e dos consumidores, entidades da sociedade civil, comunidades locais etc., representantes do espao polticoinstitucional, cobrando produtos que causem menores impactos ao ambiente. Segundo nos relembram Gobbi e Brito (2005), h diversos estudos procurando integrar a questo ambie ntal competitividade econmica. Estes afirmam que a proteo ao ambiente natural no representa uma ameaa s empresas, mas sim uma oportunidade de gerao de vantagem competitiva, no apenas pela ecoeficincia, traduzida pela economia de insumos ou ganhos de produtividade. Muitos autores, a exemplo de Rocha et al (2005), afirmam que um dos principais objetivos de uma produo limpa a satisfao das necessidades da sociedade, ansiosa por produtos ambientalmente corretos. Conforme destacam Silva et al (apud ROCHA et al, 2005), a conscientizao social vem exercendo grande influncia sobre as decises da gesto das empresas. Estas, alm de lucrarem com os benefcios trazidos pela reduo dos custos, pela prpria preservao ambiental, e pela diminuio de infraes a leis cada vez mais rgidas, tambm saem ganhando com a boa imagem agregada sua marca. Segundo Scotto & Limoncic (1997, apud ANDRADE et al, 2005), medida que, paulatinamente, os trabalhos sobre o meio ambiente foram aproximando-se das cincias socia is, surgiram algumas linhas de pensamento ecolgico social que buscam defender a gesto das relaes sociais como um dos fatores determinantes para a escolha do modo de uso e apropriao dos recursos naturais. justamente nessa linha de pensamento que se encontra essa dissertao de mestrado. Para sua elaborao, a gesto ambiental entendida como uma forma de mediao de conflitos socioambientais, por meio de processos de negociao, dando nfase ao papel das diversas partes impactadas pelos empreendimentos (HEMMATI, 2002, apud GOBBI; BRITO, 2005). Conforme nos ensina Andrade (2000), as questes ambientais envolvem, por si s,

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sentimentos distintos, olhares diferenciados sobre um mesmo objeto. Por esse motivo, em uma relao que envolva temas ligados ao meio ambiente, certamente haver conflitos de interesse. Ainda de acordo com o autor, necessria, ento, a realizao de uma aproximao entre as diferentes lgicas de ao desses atores, para a obteno de um mnimo de cooperao. Essa tarefa realizada atravs de estratgias de relacionamento polticoinstitucionais. Importante assinalar que, em questes envolvendo a atmosfera terrestre, haver a exigncia de cooperao e, consequentemente, do estabelecimento dessas estratgias em diversos nveis e envolvendo os mais diversos atores sociais. Tratando-se de projetos de MDL, intrinsecamente ligados ao meio ambiente e sua preservao, e diretamente relacionados com a temtica das mudanas climticas, isto no seria diferente. J em sua formulao, houve a necessidade de rdua negociao envolvendo governos, organizaes internacionais, integrantes da sociedade civil organizada e representantes do mercado. Nos projetos de MDL verificam-se formas divergentes de anlise das propostas apresentadas, exigindo uma aproximao entre a empresa proponente e as partes interessadas no projeto, visando ao estabelecimento de consensos mnimos. Tomando por base essa constatao, poder-se-ia indagar: Como se d o processo de aproximao das diferentes lgicas de ao dos atores em uma negociao para formulao de um projeto de MDL? Quais so os principais conflitos de interesses existentes em um caso desse tipo? Como se realiza a regulao desses conflitos? Qual o papel de cada ator estratgico nesse processo? Qual a importncia da comunicao organizacional e das estratgias de relacionamento poltico- institucional para a minimizao desses conflitos? Como se v, muitas so as indagaes possveis. Diante da realidade exposta, concluiu-se pela necessidade de realizar uma investigao sobre as formas de regulao de conflitos socioambientais relacionados aos projetos de MDL. objeto relevante no apenas para o desenvolvimento dos estudos em Cincias Sociais, no que se refere s questes ligadas ao meio ambiente e seus impactos sociais, mas tambm para auxiliar na formulao de polticas pblicas relativas governana ambiental, bem como para a tomada de decises no que diz respeito s estratgias poltico- institucionais a serem adotadas por empresas na gesto de seus conflitos socioambientais. Esse interesse pela interao dos atores no sistema- mundo contemporneo, diante de questes

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ligadas governana ambiental em mbito mundial, faz com que o presente estudo integre o Laboratrio de Anlise Poltica Mundial (LABMUNDO), novo grupo de pesquisa ligada ao Ncleo de Ps-Graduao em Administrao da UFBA. Nesse contexto, a anlise de uma especificidade ocorrida dentro do Protocolo de Kyoto, considerado um dos mais audaciosos instrumentos da governana ambiental internacional, extremamente rica. Some-se a isso o fato de o mercado de crditos de carbono, originado pelo Protocolo, ainda se encontrar em fase embrionria de desenvolvimento. Naes de todo o mundo, e suas respectivas empresas, esto iniciando a adoo de estratgias que auxiliem no controle das mudanas climticas globais. Especialmente no mbito dos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo, h grande interesse brasileiro para que esse mercado realmente se concretize. O pas considerado um dos mais fortes negociadores potenciais mundiais de Crditos de Carbono. Para obter a aprovao desses projetos, e a conseqente obteno dos crditos, necessariamente as empresas tero que legitimar a si mesmas e a seus projetos de MDL perante seus pblicos. Por esse motivo, a questo do relacionamento entre organizao e stakeholders torna-se fundamental, sendo seu estudo no apenas oportuno, mas necessrio. Sendo esta pesquisadora graduada em Comunicao Social, na rea de Relaes Pblicas, tendo exercido por alguns anos a funo de intermediadora entre empresas e seus pblicos de interesse, inevitavelmente traz-se um novo olhar para a questo. V-se a necessidade de analisar os relacionamentos entre a empresa proponente do projeto de MDL, bem como os conflitos socioambientais ligados a ele, sob a tica da comunicao organizacional, entendida como uma das funes estratgicas da organizao no relacionamento com seus pblicos estratgicos, tendo como nfase sua imagem e identidade corporativa (KUNSCH, 2007).Cada vez est mais ntido como os processos comunicacionais contribuem para desenvolver formas de inter-relao mais participativas (...) e a facilitar sua interao social de maneira responsvel para conjugar seus interesses com as condies culturais, econmicas e polticas em que se inserem e se desenvolvem, para configurar com maior sentido nossa sociedade. Trabalhar esses aspectos se faz indispensvel como parte das tarefas de qualquer organizao (RESTREPO, 1996, pg. 92).

Considerando a atual conjuntura da gesto socioambiental no Brasil e no mundo, o novo papel dos atores sociais na governana ambiental, e a necessidade de estabelecimento de dilogo entre as partes envolvidas em um projeto de MDL, ou seja, a empresa e seus stakeholders, visando minimizao dos conflitos socioambientais, chega-se s premissas bsicas que

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nortearam essa investigao: O estabelecimento de estratgias de relacionamento poltico- institucionais so fundamentais para a minimizao de conflitos socioambientais entre empresas e seus stakeholders. Empresas proponentes de projetos de MDL necessitam adotar estratgias polticoinstitucionais visando a se legitimar frente aos indivduos e organizaes ligados, direta ou indiretamente, atividade de projeto a ser desenvolvida. Considerando-se a necessidade de uma anlise emprica da realidade existente, optou-se pela realizao de um estudo de caso, metodologia que possibilita um olhar aprofundado sobre o objeto em questo. Decidiu-se, ento, pela anlise Projeto Plantar1 . A escolha desse projeto, dentre os mais de duas centenas j aprovados pelo Brasil no mbito do Mercado de Carbono, deu-se por trs motivos fundamentais: 1) O Projeto Plantar inaugurou o mercado de crditos de carbono no Brasil. 2) A metodologia de sumidouro de carbono via plantao de florestas de eucalipto, utilizada pelo Projeto, ainda bastante controversa. 3) O Projeto recebeu inmeras crticas por parte de um nmero significativo de atores sociais ligados sociedade civil organizada, contrrios sua aprovao. Feita essa escolha, definiu- se o foco do estudo por meio da seguinte pergunta de partida : Quais as estratgias de relacionamento poltico-institucionais utilizadas para a regulao de conflitos socioambientais ocorridos durante o processo de elaborao, validao e aprovao do Projeto de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) da empresa Plantar? Dessa forma, esta dissertao de mestrado tem como objetivo geral a anlise das estratgias de relacionamento poltico- institucional adotadas para a regulao dos conflitos

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O objeto de estudo dessa dissertao de mestrado o projeto de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (M DL) desenvolvido pela empresa Plantar S.A. Por razes de simplificao e objetividade, nessa pesquisa ele denominado somente como Projeto Plantar.

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socioambientais ocorridos durante o processo de avaliao, aprovao e implantao do Projeto Plantar. Entre os objetivos especficos perseguidos esto: Identificar os principais conflitos socioambientais ocorridos; Mapear os principais atores estratgicos envolvidos nesses conflitos, apresentando-se suas lgicas de ao; Analisar as estratgias de relacionamento poltico-institucional utilizadas pela Plantar para a regulao dos conflitos, dando especial nfase comunicao organizacional; Realizar um balano sobre o conflito-cooperao ocorrido nesse processo.

Para a realizao da anlise pretendida, esta pesquisadora assumiu para si dois pressupostos orientadores. Primeiramente, acreditava-se que, durante o processo de elaborao, validao e aprovao de seu projeto de MDL, a Plantar teria buscado apenas o fortalecimento das estratgias poltico- institucionais j praticadas pela empresa em sua gesto socioambie ntal e em sua relao com algumas de suas partes interessadas (funcionrios, vizinhos, ONGs ambientalistas locais, clientes, institutos de pesquisa, mdia e governos locais), adotando poucas medidas especficas para o fortalecimento de sua legitimidade em relao ao projeto de MDL. Um segundo pressuposto adotado era de que a comunicao organizacional, uma estratgia fundamental de estreitamento das relaes poltico- institucionais de uma organizao, teria sido utilizada pela Plantar de forma reativa, impossibilitando o alinhamento prvio de interesses entre a empresa e os atores sociais contrrios ao projeto de MDL. Na busca de resultados consistentes anlise pretendida, adotou-se como estratgia metodolgica o estudo de caso e utilizaram-se os seguintes procedimentos metodolgicos, que sero posteriormente detalhadas: pesquisa bibliogrfica aprofundada sobre os principais temas envolvidos, englobando documentos cientficos, artigos publicados pela mdia virtual e impressa, e documentos institucionais; pesquisa de campo atravs da realizao de entrevistas semi-estruturas com os principais atores envolvidos; anlise de documentos; e a realizao de observao no participante. Alm deste captulo introdutrio, onde o tema do estudo foi contextualizado, apresentando-se

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o problema de pesquisa, sua relevncia para o campo das Cincias Sociais e para a gesto empresarial, bem como seus objetivos e pressupostos, a presente dissertao de mestrado composta por mais quatro captulos. O primeiro deles, Captulo 2, apresenta inicialmente um resumo da evoluo ocorrida na Governana Ambiental Global, at o momento da assinatura do Protocolo de Kyoto, descrevendo as especificidades da participao brasileira no Mercado de Carbono, atravs de projetos ligados ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). O captulo tem seguimento com uma descrio sobre o crescimento da participao de atores sociais noestatais no que concerne temtica ambiental, enfocando a participao do mercado, em especial as empresas, e da sociedade civil organizada, tendo os movimentos sociais ambientalistas como sua maior expresso. Finaliza-se essa parte do estudo com a conceituao de conflitos socioambientais e suas formas de regulao. No Captulo 3, apresenta-se o modelo de anlise utilizado como guia para o desenvolvimento deste estudo de caso, juntamente com a pormenorizao dos procedimentos metodolgicos adotados. A descrio do estudo de caso escolhido, o Projeto Plantar, realizada no Captulo 4. Nele, ser apresentado o detalhamento do projeto em anlise, os principais conflitos socioambientais relacionados com sua elaborao, validao e aprovao, bem como os atores sociais envolvidos e suas respectivas lgicas de ao. Nesse mesmo captulo so trazidas as principais estratgias poltico- institucionais utilizadas pela empresa para a regulao dos conflitos havidos, com uma ateno especial para a comunicao organizacional, realizandose uma anlise sobre o papel por elas exercido na minimizao desses conflitos. Ao final, no Captulo 5, so tecidas as consideraes finais sobre o estudo realizado.

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2 GOVERNANA AMBIENTAL GLOBAL (GAG), MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO (MDL), REGULAO DE CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS: CONCEITOS IMPORTANTES PARA A ANLISE DO PROJETO PLANTAR

2.1

EVOLUO DA GOVERNANA AMBIENTAL GLOBAL

A governana ambiental est relacionada participao de todos, e de cada um, nas decises que envolvem o meio ambiente. Governos, empresas, integrantes da sociedade civil devem trabalhar juntos a fim de obter ampla e irrestrita adeso a um projeto maior: a manuteno da integridade do Planeta Terra (ESTY; IVANOVA, 2005). Justamente por envolver atores sociais to distintos, a governana ambiental considerada o maior desafio da comunidade internacional. Importante reforar o entendimento de que a governana global no inclui apenas as aes de governos. Para Camargo (2005), possvel, at mesmo, haver governana sem governo e governo sem governana. A autora afirma que o termo governo sugere a existncia de uma autoridade formal, responsvel pela i plementao de polticas institudas. J governana m refere-se quelas atividades apoiadas em objetivos comuns, compartilhados por diferentes esferas, desde instituies governamentais at mecanismos informais de cunho nogovernamental, mas que s funcionam quando aceitas pela maioria ou, mais especificamente, pelos principais atores de determinado processo. Dessa forma, entende-se que governana um fenmeno de dimenses mais amplas do que governo. Ela pode ser entendida como o conjunto de instrumentos que fortalecem a capacidade de governar e de expandir os instrumentos de gesto, ampliando a eficcia dos resultados e a mobilizao dos atores mais estratgicos (CAMARGO, 2005, p. 315). Gonalves (2005) afirma que o termo governana tem origem na expresso governance,

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surgida das reflexes conduzidas, especialmente, pelo Banco Mundial, ao procurar aprofundar o debate sobre garantias de um Estado eficiente. Citando Diniz (1995), o autor afirma que, as discusses deslocaram o foco de ateno das implicaes puramente econmicas da ao estatal, passando a envolver as dimenses sociais e polticas da gesto pblica.

O termo governana vem sendo aplicado em campos variados, com sentidos diferentes (GONALVES, 2005). Neste trabalho, busca-se a sua compreenso enquanto problema das relaes internacionais, englobando sua dimenso poltica. Utiliza-se o conceito referindo-se aos padres de articulao e cooperao entre atores sociais e polticos, bem como aos arranjos institucionais de agregao e articulao de interesses (SANTOS, 1997, apud, GONALVES, 2005).

Gonalves (2005) afirma, baseado em Pierik (2003), que a ampliao da governana para os espaos globais vem se avolumando como conseqncia da globalizao. Dia nte da queda de soberania dos Estados, outros atores sociais, a exemplo das organizaes supra nacionais, das ONGs de atuao internacional e das empresas multinacionais, passam a preencher um espao de poder, verificando-se, assim, a emergncia da governana global. Poder-se-ia afirmar, ento, que no nvel global d iplomacia, negociao, construo de mecanismos de confiana mtua, resoluo pacfica de conflitos e soluo de controvrsias so os meios disponveis para chegarmos casa comum da Governana Global (BRIGAGO; RODRIGUES, 1998, p. 116, apud GONALVES, 2005).Pensando-se precisamente nas questes relativas ao meio ambiente em nvel global, define-se que, nesse estudo, a governana ambiental global entendida como um conjunto coerente de organizaes, instrumentos de poltica internacional tratados, instituies, agncias -, mecanismos de financiamento, regras, procedimentos e normas que regulam o processo de proteo mundial do meio ambiente (NAJAM et al, 2006, apud ANDRADE, 2007).

A populao mundial demorou algumas dcadas para perceber a necessidade da unio de esforos para o bem de todos os habitantes do planeta. Speth (2000) considera que o incio das preocupaes ambientalistas ocorreu nos Estados Unidos, nos anos 1960. poca, elas restringiam-se a pautas locais, a exemplo da poluio da gua e do ar, da poluio sonora, e da exposio a substncias txicas. No entanto, a crescente demanda por qualidade ambiental aps a 2 Guerra, a flagrante poluio e deteriorao do meio, a ascenso dos movimentos pelos direitos civis e contra a guerra, a generalizao da opinio pblica contra os crimes

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praticados pelas grandes corporaes e a ocorrncia de grandes desastres ambientais, fizeram com que, rapidamente, o tema tomasse propores at ento inimaginveis. Foi necessrio mais de uma dcada de inquietaes circunscritas a nveis basicamente locais, para que a agenda global fosse sendo constituda. Somente com a tomada de conscincia sobre a finitude dos recursos naturais, ocorrida no incio dos anos 1970, inicia-se a constatao da necessidade de construo de uma nova governana ambiental global, um novo modelo de gerenciamento para as questes ligadas ao meio ambiente. Nesse perodo, apenas o crescimento populacional do planeta e a proteo da camada de oznio eram considerados desafios em escala global (SPETH, 2000). O ano de 1972 considerado o ano-chave para a mudana de pensamento em relao ao meio ambiente. Nesse ano lanado o livro The Limits to Growth, de Dennis Meadows, que ir pautar todas as discusses ambientais na dcada de 70. Nesse livro, Meadows delineia diversos fatores que impactam negativamente o meio ambiente, a exemplo da crescente industrializao, da m- nutrio em expanso, dos recursos no-renovveis em extino, alm do rpido crescimento populacional. Pela primeira vez uma obra introduziu na discusso econmica a noo de finitude dos recursos naturais (Nobre, 2002). Nessa mesma dcada, surge um fluxo constante de publicaes chamando a ateno para as preocupaes de escala global (SPETH, 2000). justamente no ano de 1972 que ocorre a primeira Conferncia das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (CNUMA), em Estocolmo, considerada a precursora do debate moderno e das negociaes sobre governana ambiental global. Durante sua realizao se evidencia m, pela primeira vez, as conseqncias decorrentes do padro de crescimento at ento adotado. Carwell (1996, apud Speth, 2000) v a CNUMA como fundamental para a legitimao da biosfera como um objeto de poltica nacional e internacional, de gerenciamento coletivo. Foi a partir de sua realizao que se intensificaram as pesquisas sobre o impacto ambiental das aes humanas, bem como se iniciaram as primeiras articulaes em nome de um ativismo ecolgico (MEIRA; ROCHA, 2003, apud, THOMAS, 2006). Outra conseqncia importante da Conferncia de Estocolmo foi a criao do Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), organismo que viria a ter papel de destaque na formulao da agenda global dos anos 1970 (SPETH, 2000). Ainda na mesma dcada, o mundo presencia a crise energtica, em especial por conta do choque do petrleo, o que

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chama a ateno para o carter limitado dos recursos naturais. mesma poca, verifica-se a crescente poluio atmosfrica nos pases do norte e a fundao do Greenpeace, organizao internacional que ajudou na popularizao das questes ambientais (THOMAS, 2006). Speth (2000) destaca que, a partir dos anos 1980, desenvolvem-se uma srie de trabalhos tericos buscando reunir as questes ambientais em uma agenda coerente, tendo em vista aes de amplitude internacional. Nesse momento, destaca o autor, j era impossvel ignorar a presso advinda especialmente das lideranas polticas e intelectuais da comunidade cientfica e das ONGs, atores que tinham pleno acesso mdia, mantendo as questes ambientais vista do grande pblico. Como grande destaque desse perodo, tem-se a publicao, em 1987, do documento Nosso Futuro Comum (Our Common Future), elaborado pela Comisso Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), instituda pela ONU em 1983. Mais conhecido como Relatrio da Comisso Brundtlandt, este relatrio coloca o desenvolvimento como capaz de satisfazer s necessidades atuais sem sacrificar a habilidade do futuro de satisfazer as suas prprias necessidades (NETO, 2004). Na opinio de Neto (2004), do Relatrio da Comisso Brundtlandt destacam-se duas questes importantes ao debate ambiental da poca: (1) a relao da degradao ambiental com as questes relativas desigualdade social e, (2) a co-responsabilidade dos diferentes setores da sociedade sobre a situao. Um dos pontos de destaque do Relatrio afirma que:Afinal, o Desenvolvimento Sustentvel no um estado permanente de harmonia, mas um processo de mudana no qual a explorao de recursos, a orientao dos investimentos, os rumos do desenvolvimento tecnolgico e a mudana institucional esto de acordo com as necessidades atuais e futuras. Sabemos que esse no um processo fcil, sem tropeos. Escolhas difceis tero que ser feitas. Assim, em ltima anlise, o Desenvolvimento Sustentvel depende do processo poltico. (ONU, 1987, apud NETO, 2004, p. 38)

Consagrado posteriormente durante a Conferncia das Naes Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), conhecida como Eco-92 ou Rio-92, o conceito de desenvolvimento sustentvel possibilitou, pela primeira vez, imaginar a articulao efetiva das dimenses econmica, social e ambiental (CAMARGO, 2005). Cabe aqui destacar que a Eco-92 considerada outro evento de grande importncia mundial para a governana ambiental global. Entre os resultados mais significativos trazidos pelo evento encontram-se o estabelecimento das Convenes da Biodiversidade, Mudanas Climticas e Desertificao,

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alm da criao da Comisso de Desenvolvimento Sustentvel (THOMAS, 2006). De acordo com Van Bellen (2002, apud Philippi e Erdmann, 2007), o surgimento do conceito de desenvolvimento sustentvel tem sua mais longnqua origem no debate internacional sobre o prprio conceito de desenvolvimento. Ele estaria ancorado nas crticas s concepes restritivas de desenvolvimento, que dariam excessiva nfase ao crescimento econmico, levando a desastres ambientais significativos e ao aumento das desigualdades sociais. Essa crise paradigmtica levou ao surgimento de novas concepes do desenvolvimento, buscando a sustentabilidade do crescimento, que passa a incluir outras dimenses como a social, a ecolgica, a espacial e a cultural, sem excluir a dimenso econmica (PHILIPPI; ERDMANN, 2007). No obstante o novo paradigma trazer consigo todas essas dimenses, e de ser utilizado com diversos sentidos pelos mais distintos atores sociais, importante ressaltar, conforme relembram Milani e Keraguel (2007), haver certo consenso de que o conceito de desenvolvimento sustentvel ancora-se no balano existente entre as esferas ambiental, social e econmica, resguardando-se, ainda, a relao entre as presentes e futuras geraes. Para os autores, a evoluo do conceito de desenvolvimento sustentvel, desde sua concepo na dcada de 1970, e em particular em sua implementao em nvel global, a partir da Rio-92, demonstram muitas contradies entre as a es polticas locais e internacionais. Citando Lipietz (1993), os autores afirmam que a aplicao do termo em mbito planetrio exige atores tanto pensando globalmente e agindo localmente, como agindo localmente e pensando globalmente, e que ainda sustentem simetricamente as trs dimenses ambiental, social e econmica (MILANI; KERAGUEL, 2007). Conforme se apresentar posteriormente, a aplicabilidade do conceito de desenvolvimento sustentvel no projeto de MDL da Plantar foi uma das principais crticas havidas no conflito socioambiental ora em estudo.

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2.2

A

PARTICIPAO

DOS

ATORES

SOCIAIS

NA

GOVERNANA

AMBIENTAL

Como verificado na evoluo histrica da governana ambiental global, os Estado no so os nicos atores importantes quando se trata da gesto das questes ambientais. As organizaes internacionais governamentais, as empresas transnacionais, os indivduos, as ONGs, os cientistas, desempenham um papel importante no gerenc iamento das questes ambientais. Isso ocorre porque a profuso de atividades que impactam o meio ambiente global muito grande. Cada um desses novos atores sociais dotado de recursos diferentes e persegue valores e aspiraes divergentes, devendo estar envolvido no processo. Preocupaes com eqidade e justia, entretanto, so fundamentais para que haja respostas eficientes degradao ambiental. Incorporar as diferentes percepes dos mltiplos atores quanto ao que justo e eqitativo um enorme desafio do sistema de governa na ambiental global (OLSON, 1999, apud, ANDRADE, 2007). Ainda de acordo com o autor, a lgica dos bens pblicos, como o caso do meio ambiente, sugere que a ao coletiva deve ser organizada nas escalas do problema a ser enfrentado, tornando inadequadas respostas somente em um nico nvel. Dessa forma, necessrio haver esforos para sua minimizao do nvel global ao individual, passando pelo nacional e pelo local. No entanto, na opinio de Le Prestre (2000), os Estados so e continuaro sendo os atores dominantes da ecopoltica internacional (pg. 97). Para o autor, apesar dessa constatao, no se pode limitar a dinmica da ecopoltica internacional ao estudo das interaes entre os Estados, tendo em vista que esses esto submetidos a novas coaes, perderam algumas atribuies de sua autoridade, especialmente aps o final da Guerra Fria, devendo, ento, levar em considerao o comportamento dos demais atores estratgicos.Seria errneo reduzir a ecopoltica mundial s interaes entre os Estados. A multiplicidade dos atores participantes e os papis importantes que eles desempenham em quase todas as fases das polticas pblicas tornam seu estudo indispensvel em toda anlise da dinmica da ecopoltica. Sem dvida, os Estados continuam sendo os atores mais importantes e, como foi visto, enquadram amplamente as aes dos outros atores. No entanto, a emergncia de atores no estatais significativa, no somente porque eles afetam a dinmica poltica ambiental e os progressos neste campo fora de qualquer ao estatal. Esses atores formam as coalizes das OIGs e das ONGs. (LE PRESTRE, 2000, p. 156)

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J Viola (2005) ressalta que, nestas ltimas dcadas, houve mudanas significativas em relao ao papel exercido por cada um dos diferentes atores sociais na governana ambiental. Nos anos 1970, teria havido um papel destacado para os estados, sendo que, nos anos 1980, esse destaque ter-se- ia deslocado para a sociedade civil. J nos anos 1990, o eixo da governabilidade ter-se- ia modificado gradualmente para o campo do mercado e seus atores. Para o autor, a governabilidade global baseada em um sistema de atores misto, que funciona com um grau significativo de incluso e competio. A responsabilidade de cada ator diferencia-se, de acordo com cada momento histrico. Em sua opinio, nenhum desses atores estratgicos corporaes econmicas, estados ou organizaes no- governamentais pode ser excludo do funcionamento dos regimes ambientais. Na opinio de Viola (2005), o que realmente interessa nesses regimes no saber qual a alternativa mais justa, e sim a mais vivel, a que melhor contribua para uma participao positiva dos diversos atores envolvidos. Dessa forma, o que realmente interessa num regime ambiental o estabelecimento de regras de ao realistas que permitam uma negociao progressiva entre os diversos atores na procura do objetivo comum (VIOLA, 2005, p. 187). Essa idia compartilhada por Le Prestre (2000), quando ressalta que as buscas por equacionamentos s questes ambientais no podem ter a iluso de obter como resultado uma soluo absoluta e definitiva, diante da diversidade de interesses em jogo em cada momento histrico, em cada localid ade. Tendo em vista os diversos interesses em jogo, cada ator social possui um papel diferenciado nas negociaes ambientais. Apresentam-se alguns dos principais atores sociais envolvidos na temtica:

2.2.1

As Organizaes Internacionais Governamentais (OIG)

As organizaes internacionais governamentais, a exemplo do Banco Mundial, do Banco Europeu para a Reconstruo e o Desenvolvimento (BERD), da prpria Organizao das Naes Unidas (ONU), e do Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), possuem utilidades diferentes para cada Estado, a depender do poderio de cada um desses. Elas podem ter um papel de multiplicao da capacidade diplomtica, de facilitao na

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construo das coalizes, de espao para exposio de pontos de vista, de acesso imparcial e eqitativo aos conhecimentos cientficos (LE PRESTRE, 2000). As OIGs tambm possuem atribuies no agendamento, de acordo com o mesmo autor, atribuies importantes no agendamento das questes ambientais, sendo utilizadas, inclusive, pelos prprios Estados para tentar influenciar a agenda internacional e legitimar sua definio do problema ambiental; na formulao de polticas, tendo importante funo de mediao entre os diferentes Estados; um papel importante na implementao dos acordos multilaterais, como o Protocolo de Kyoto, objeto desse estudo. Le Prestre (2000) destaca o papel da avaliao das polticas geridas pelas OIGs, visto terem a misso de avaliar o respeito s disposies internacionais pelos governos. O problema seria, na opinio do autor, o acesso limitado das OIGs s sociedades que buscam influenciar. Dessa forma, essa tarefa normalmente se resume a simples solicitao de informaes ou na anlise de relatrios. A dificuldade de acesso direto s sociedades nacionais teria conduzido ao desenvolvimento de laos estreitos entre OIGs e ONGs (LE PRESTRE, 2000). Ainda de acordo com o autor, h opinies distintas acerca do efetivo papel das OIGs, apresentando-se duas correntes majoritrias: 1) Os partidrios das OIGs acreditam serem elas embries de futuras instituies universais. Para justificar seu entendimento, utilizam o exemplo da Unio Europia, cujas leis e decises so aplicveis diretamente pelos trib unais nacionais, substituindo, ento, as leis nacionais existentes. Haveria, tambm, organizaes como o Fundo Monetrio Internacional e o Banco Mundial, que influenciam na poltica interna de um pas, impondo, inclusive as condies financeiras e polticas para a obteno de emprstimos. Haveria aquelas, a exemplo do Pnuma e da Unesco, que influiriam na agendar internacional etc. 2) Os cticos acerca da autonomia das OIGs argumentam sobre elas no serem, em sua maioria, financeiramente independentes; sobre seus secretariados serem fracos diante de certos estados, tendo como excees o Banco Mundial e o FMI; de no haver independncia real dos funcionrios das OIGs em relao aos Estados; e sobre as decises serem tomadas, de modo geral, por coalizes de governos, no havendo imposio de deciso, por parte das OIGs (LE PRESTRE, 2000). Interessante notar que o Banco Mundial citado, por diversas vezes, como uma OIG diferenciada. Suas peculiaridades tm um significado especial junto ao objeto deste estudo, j que o Projeto Plantar foi desenvolvido por meio de uma parceria entre a empresa Plantar S.A.

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e o prprio Banco Mundial. As especificidades dessa relao sero abordadas no Captulo 3.

2.2.2

Os Estados

Segundo o enfoque tradicional das relaes internacionais, mais conhecido por enfoque realista, os Estados possuem importncia primordial nas relaes tocantes ao meio ambiente. Por Estado, entende-se, geralmente, um conceito jurdico que descreve uma populao ocupante de um territrio definido e est organizada em torno de instituies polticas comuns (LE PRESTRE, 2000, pg. 124). Para o autor, a soberania, que pressupe ser o Estado detentor de autoridade exclusiva e suprema na tomada de decises e na aplicao destas em seu territrio, o atributo principal dos Estados. O princpio da soberania constitui, para Le Prestre (2000), a base sobre a qual os Estados fundam suas relaes. O respeito soberania e independncias dos outros Estados uma regra necessria de direito internacional. Ele tambm pressupe que os Estados so juridicamente iguais, independent emente de seu tamanho, populao e outras caractersticas. Obviamente, as dimenses polticas, territoriais, geogrficas, sociais e econmicas so extremamente distintas entre cada Estado. No plano diplomtico, as desigualdades econmicas so traduzidas atravs da existncia de dois blocos principais: o eixo Norte-Sul. Recorda-se que o eixo Leste-Oeste desapareceu com o fim da Guerra Fria (LE PRESTRE, 2000; KARLSSON, 2005) A bipolaridade entre Norte e o Sul permite enxergar a existncia de dois grandes grupos: os pases industrializados desenvolvidos, e os pases em desenvolvimento. Em realidade, como ressalta Karlsson (2005), essa diviso Norte-Sul inclui no apenas questes econmicas, mas tambm categorias fsicas e climticas. Os pases em desenvolvimento, localizados no Sul, esto basicamente localizados em ecossistemas subtropicais ou tropicais. J os pases desenvolvidos, o Norte, esto sobretudo em reas de clima e de ecossistema temperado e rtico. Essa diferenciao traz grandes conseqncias para as discusses na rea ambiental, j que os problemas existentes em cada uma dessas reas so extremamente distintos. Considerando-se que a comunidade cientfica internacional

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imensamente dominada pelos pases desenvolvidos, a temtica das pesquisas, a quantidade de dados disponveis sobre os pases e suas problemticas ambientais, entre outros aspectos, tambm so dominados pela viso dos pases do Norte. Dessa forma, como destaca Karlsson (2005), tambm no campo das mudanas ocorridas no meio ambiente global, como o caso das mudanas climticas, no obstante serem os pases do Sul os que provavelmente estaro mais afetados pelos impactos negativos do aquecimento global, as pesquisas e anlises acerca do tema so realizadas, em sua maioria, pelo Norte.Entretanto, quando a cincia, tanto natural quanto social, entra no processo poltico como a base para a governana ambiental, nos nveis global, regional e nacional, o divisor do conhecimento torna-se muito mais do que uma questo puramente cientfica. Ele pode ter conseqncias polticas. (KARLSSON, 2005, pg. 68)

Com isso, de acordo com a autora, muitas das questes tratadas pela governana ambiental global tendem a ser as constantes na agenda de prioridades dos pases do Norte, incluindo, com freqncia, a mudana climtica, a reduo da camada de oznio e a biodiversidade. Karlsson (2005) tambm afirma que outra conseqncia importante do divisor Norte-Sul estaria relacionado participao inaquedada de pases em desenvolvimento no acesso ao conhecimento para fins de poltica e de ao globais. A ausncia de conhecimento cientfico enfraqueceria a posio dos pases em desenvolvimento nas negociaes multilaterais e na participao das convenes. No que diz respeito mudana climtica, Viola (2005) destaca que h diversos grupos de interesses interagindo na busca de solues. Tem-se, por exemplo, os pases continentais com alta intensidade de carbono por habitante (EUA, Canad e Austrlia); pases desenvolvidos com intensidade mediana de carbono por habitante, como o Japo, a Nova Zelndia e a Noruega; os pases ex-comunistas industrializados que sofreram drstica reduo em suas emisses decorrente de colapsos econmicos (Rssia, Ucrnia, Bielo-Rssia, Bulgria, Romnia), e que, por este motivo, tm crditos nos compromissos assumidos. A este trabalho, interessam especialmente os trs subgrupos descritos a seguir, que, na opinio do autor, destacam-se nas negociaes relacionadas ao MDL. Nesses subgrupos, em primeiro lugar encontram-se os pases grandes com propores significativas de emisses globais (Brasil, China, ndia, Indonsia, frica do Sul). Ressalta-se que os pases desenvolvidos demandam destes compromissos de reduo da taxa de

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crescimento de futuras emisses, no entanto, de acordo com Viola (2005) apenas o Brasil mostra-se disposto a tratar a questo. Em segundo lugar esto os integrantes da Organizao de Pases Exportadores de Petrleo (Arbia Saudita, Kuwait, Iraque, Ir, Emirados rabes Unidos, Lbia, Arglia, Nigria, Venezuela, Equador e Indonsia). De acordo com o autor, a maioria desses pases contrria ao regime de mudana climtica, mesmo que esboando sua opinio indiretamente. Em terceiro, os pases fortemente receptivos ao estabelecimento de acordos de reduo das taxas de crescimento futuro de emisses (Coria do Sul, Singapura, Argentina, Uruguai, Chile e Costa Rica). Verifica-se que, no obstante ser um dos pases em desenvolvimento do eixo Sul, o Brasil vem desempenhando um importante papel nas negociaes internacionais referentes a questes ambientais. De acordo com Viola (2005), todo processo de construo de um regime ambiental internacional, um tipo de governana ambiental global, exige a presena de pelo menos um ator que impulsione esse processo e que seja capaz de liderar e sustentar o regime. Em primeira instncia, apenas os Estados Unidos, a Unio Europia e o Japo apresentam esse potencial, por sua importncia tanto na economia como no ambiente. A Unio Europia adquiriu grande capacidade de atuao a partir de meados dos anos 1990, por agir como um bloco. No entanto, v-se que pases como a China, ndia, Rssia, Canad, Indonsia e Brasil tm se revelado muito importantes no processo decisrio, apesar de no constiturem um potencial de liderana. A participao desses pases, juntamente com o bloco europeu, representa, na opinio desse autor, condio bsica para o funcionamento do regime de controle das emisses. Vale citar, ainda, que o Brasil teve um papel importante na I Conferncia das Partes da Conveno de Mudana do Clima, realizada em Berlim, em 1995. Sua argumentao de que, em uma primeira fase, no seria apropriado o estabelecimento de compromissos por parte dos pases em desenvolvimento foi de fundamental importncia para o delineamento do que se tornou o Protocolo de Kyoto (VENTURA; ANDRADE, 2006).

2.2.3

A Comunidade Cientfica

No tocante ao meio ambiente, a comunidade cientfica possui um papel relevante. O

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conhecimento cientfico acumulado pelos cientistas necessrio, por exemplo, em organismos internacionais como o Painel Intergovernamental sobre Mudanas Climticas (IPCC), em grupos de especialistas de vrias convenes, em entidades que elaboram padres tcnicos e avaliaes globais etc. (KARLSSON, 2005). Essa assessoria cientfica contribui, de acordo com Karlsson (2005) para as deliberaes intergovername ntais das seguintes maneiras: 1) incentivando aes, atravs do fornecimento dos termos do debate; 2) garantindo um componente significativo para as negociaes; e 3) estabelecendo altos padres cientficos para as deliberaes, decises e implementaes de polticas. Barros (2007) tambm coloca em destaque o papel da comunidade cientfica na construo de regimes internacionais, especialmente no que se refere aos assuntos relativos atmosfera. A autora afirma haver duas razes para essa importncia. A primeira, porque se trata de um tema altamente tcnico. Como conseqncia, verifica-se a segunda razo: s eles tm capacidade de mobilizar atores polticos a partir de suas concluses cientficas. No obstante a relevncia de sua participao, deve-se destacar que h crticas quanto existncia real de um consenso cientfico. Especificamente no tocante mudana climtica e elaborao do Protocolo de Kyoto, Viola (2005) afirma queA comunidade cientfica tem um papel-chave em relao a essas questes, pois quando a grande maioria de cientistas concorda no diagnstico de um problema, e eficiente em comunic-lo ao pblico em geral e aos decisores, cria-se aquilo que denominamos comunidade epistmica", adquirindo, ento, peso internacional. (VIOLA, 2005, pg. 189).

A constituio, por parte das Naes Unidas, do IPCC, teve um carter fundamental. De acordo com o autor, durante toda a dcada de 1990 o IPCC forneceu subsdios para as negociaes no mbito da Conveno sobre Mudana do Clima, tendo assumido papel de referncia na formao da opinio pblica internacional sobre a questo da mudana climtica. Corroborando a informao de Karlsson (2005) de que a comunidade cientfica formada, em sua maioria, por integrantes do Norte, Viola (2005) traz a informao de que a comunidade

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dos climatlogos, que durante a dcada de 1980 formulou a teoria do aquecimento global, constituda, em aproximadamente dois teros, por cientistas que trabalham em instituies norte-americanas.

2.2.4

As Empresas

Na opinio de Le Prestre (2000), o setor privado, desde muito tempo, contribui para a ecopoltica internacional, atravs de suas representaes junto a governos e organizaes internacionais. No entanto, para ele, apenas recentemente que lentamente se verifica a organizao das empresas a fim de promover seus interesses e contribuir para a busca de solues durveis, nas conferncias globais. Tradicionalmente, o que se verificava era a ao das empresas por intermdio dos Estados. No entanto, v-se a tendncia ampliao da ao poltica das empresas, defendendo diretamente seus interesses no plano internacional. Outra constatao verificada a progressiva conscientizao da necessidade de levar em conta os problemas ambientais, visto serem eles suscetveis de afetar as operaes das empresas. De acordo com Le Prestre (2000), o comprometimento do mundo industrial com as questes ambientais mudou a partir dos anos 1990, por conta de: emergncia da indstria ambientalista, que v na adoo de regulamentaes internacionais uma oportunidade de crescimento; apoio de certas empresas e governos ao de determinada ONGs ambientalistas; incentivos, por parte de governos e OIGs, para que o setor privado desempenhasse um papel mais ativo e institucionalizado nas questes ambie ntais. Cabe registrar, aqui, o papel de duas instituies empresariais para a preparao da Rio-92: o Business Council for Sustainable Development (BSCD) e a Cmara de Comrcio Internacional, que, pouco depois, criou o Conselho Mundial da Indstria para o Meio Ambiente. Essas duas instituies elaboraram os princpios que formariam um cdigo de conduta das empresas. Posteriormente, elas se fundiram para formar o Conselho Mundial das Empresas para um Desenvolvimento Sustentvel (World Business Council for Sustainable Development) (LE PRESTRE, 2000). No Brasil foi fundado, em 1997, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentvel (CEBDS), representante nacional

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daquela entidade. Trata-se de um rgo com participao significativa na governana ambiental local e em suas repercusses a nvel internacional, mantendo estreita relao com o governo federal. O CEBDS integra, entre outros importantes grupos de discusso nacional, a Comisso de Poltica de Desenvolvimento Sustentvel, o Grupo Institucional de Produo Mais Limpa e o Frum Brasileiro de Mudana Climtica (CEBDS, 2007). Para se ter uma idia sobre a importncia da participao das empresas brasileiras no processo de desenvolvimento de polticas pblicas no contexto do aquecimento global e das mudanas climticas, ressalte-se que, desde a quarta Conferncia das Partes (COP 4), realizada em Buenos Aires em 1998, o CEBDS integra a delegao brasileira que discute, a nvel mundial, as decises a serem tomadas para a minimizao do problema (CEBDS, 2004). De acordo com o Conselho,O CEBDS acredita que o Protocolo de Quioto, mais do que qualquer outro acordo de cooperao internacional at hoje conhecido, uma oportunidade nica e imperdvel de, preservando-se a integridade dos interesses nacionais, alinhar o processo de desenvolvimento com os princpios da sustentabilidade. (CEBDS, 2004, pg. 1)

A manuteno de uma matriz energtica pouco intensiva em carbono tida pelo grupo de empresas como uma das principais contribuies do Brasil para a problemtica, associada a medidas efetivas de reduo das taxas de desmatamento e queimadas, e de estmulo ao reflorestamento. O MDL referido como uma possibilidade concreta de redirecionar, em bases mais austeras, o modelo de desenvolvimento atual ut ilizando instrumentos de mercado (CEBDS, 2004, pg. 1). Quando se refere promoo de desenvolvimento sustentvel ligada aos projetos de MDL, o CEBDS (2004) afirma que alm dos benefcios macroeconmicos obtidos atravs da atrao de investimento externo, esses projetos promovem benefcios locais, proporcionados pela gerao de emprego e renda e administrao eficaz dos recursos naturais (CEBDS, 2004, pg. 1) O crescimento do interesse e participao das empresas nas discusses globais sobre as questes ambientais pode ser observado no fato de que, na Rio-92, apenas um lder empresarial falou em nome do setor. J na Rio+10, conferncia realizada em Joannesburgo, em 2002, havia cerca de 1000 dirigentes de grandes empresas participando do Business Day

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(ALMEIDA, 2005). Posteriormente, ao tratar sobre o Mercado de Carbono (item 2.3.1), ser possvel verificar o relevante papel desempenhado pelas empresas no que tange aos mecanismos de regulao da problemtica do meio ambiente global.

2.2.5

Os Indivduos

Na viso de Le Prestre (2000), no se pode esquecer o papel de algumas pessoas-chave que, historicamente, vm exercendo um papel fundamental no desenvolvimento de uma conscincia ambientalista internacional. Essas pessoas atuam diretamente junto aos responsveis pelas decises, devido ao seu acesso privilegiado s autoridades pblicas, influenciam opinies, em virtude do prestgio de que gozam na sociedade e em certas comunidades cientficas, graas sua habilidade diplomtica, ou ainda atravs da utilizao de recursos de sua organizao. Para exemplificar sua opinio, o autor cita o cientista Jacques Cousteau, cuja influncia junto ao governo francs contribuiu significativamente para concentrar as atenes na dimenso internacional das aes da Frana no que tange ao meio ambiente. Outro indivduo importante trazido pelo autor Maurice Strong. Tendo em vista sua habilidade diplomtica e organizacional, Maurice teve e continua tendo papel de destaque junto ONU. Alm de ter exercido a funo de secretrio- geral das Conferncias de Estocolmo e da Rio-92, foi o primeiro diretor-executivo do PNUMA (Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente) e fundador do Conselho da Terra. Maurice desenvolve, ainda, a importante atividade de sensibilizao das empresas privadas aos problemas ambientais, buscando a aproximao das preocupaes entre o mundo empresarial e o governamental, tendo como objetivo a conciliao entre proteo ao meio ambie nte e promoo de desenvolvimento. Outra autora a enaltecer a crescente participao dos indivduos na construo dos mecanismos de governana amb iental global Barros (2007). Ela destaca a contribuio de indivduos que no fazem parte, necessariamente, nem da comunidade cientfica e nem de uma organizao da sociedade civil. Denominados de negociadores ad hoc, esses

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indivduos desempenharam importante funo poltica ou comercial, possuindo significativos recursos de poder. Entre os exemplos trazidos pela autora, no mbito das negociaes sobre o clima, encontram-se Bill Clinton, Bill Gates, Al Gore, Tony Blair, Kofi Annan. J no escopo regional, Barros (2007) destaca Fernando Henrique Cardoso e Fbio Feldman.

2.2.6

As Organizaes No-Governamentais (ONGs)

Para Gemmill e Bamidele-Izu (2005), a globalizao teve um papel relevante no enfraquecimento dos mecanismos tradicionais de governana, j que a crescente integrao econmica reduziu o poder dos governos nacionais, possibilitando, ao mesmo tempo, o acesso de outros atores econmicos e polticos ao cenrio global. Especialmente a partir da dcada de 1970, verifica-se a emergncia cena internaciona l de todos os campos de domnio, de organizaes no governamentais. Como resultado de seu desenvolvimento e

profissionalizao, ocorridos no decorrer da dcada de 1980, verifica-se, j no incio dos anos 1990, um expressivo crescimento da participao dessas organizaes na governana global. Elas se tornaram, agora, atores importantes nas relaes internacionais, em especial na ecopoltica (LE PRESTRE, 2000, pg. 135). Em realidade, as ONGs e outros grupos da sociedade civil no so apenas atores na governana, mas tambm a fora propulsora que impulsiona uma maior cooperao internacional por meio da mobilizao ativa de apoio pblico a acordos internacionais. (GEMMILL; BAMIDELE-IZU, 2005, pg. 90). No que tange s mudanas climticas, esse papel facilmente verificado. Mobilizaes em todo o mundo eclodem, pressionando governos e empresas a adotarem uma postura rpida e eficaz para minimizar o aquecimento global e suas conseqncias. Importante destacar o conceito de sociedade civil. Para Michael Bratton (1994, apud Gemmill e Bamidele-Izu, 2005, pg. 91), ela representa a interao social caracterizada pela cooperao entre os membros da comunidade, pelas estruturas da associao voluntria e pelas redes de comunicao pblica. De acordo com as autoras, outras definies a tratam como a esfera pblica da vida social, excluindo-se as atividades governamentais, sendo que, geralmente, o termo sociedade civil utilizado para classificar pessoas, instituies e

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organizaes que tm como meta fomentar ou expressar um objetivo comum, mediante idias, aes e exigncias aos governos (GEMMILL; BAMIDELE-IZU, 2005, pg. 91). Dessa forma, no apenas as ONGs fazem parte da sociedade civil. Ela possui uma composio bastante diversificada, incluindo desde pessoas fsicas at instituies religiosas, acadmicas ou grupos de interesse especfico. Vale citar que a Comisso sobre Desenvolvimento Sustentvel, definida na Eco-92 como a responsvel pela implementao da Agenda 21, identifica os seguintes componentes principais da sociedade civil: mulheres, crianas e jovens, populaes e comunidades indgenas, ONGs, trabalhadores e sindicatos, a comunidade cientfica e tecnolgica, comrcio e indstria, e agricultores. No entanto, no mbito da governana ambiental, as ONGs so os atores de maior destaque (GEMMILL; BAMIDELE-IZU, 2005). Citando Charnovitz, as autoras caracterizam as ONGs comogrupos de pessoas organizadas pelas inumerveis razes da imaginao e da aspirao humanas. Tais grupos podem ser constitudos com a finalidade de defender uma causa especfica, como os direitos humanos, ou de levar a cabo programas de ajuda humanitria, como por ocasio de desastres. Seus integrantes podem agir em nvel local, regional ou global (GEMMILL; BAMIDELE-IZU, 2005, pg. 92).

Para Le Prestre (2000), cinco fatores principais explicariam o crescimento geral das ONGs e sua mobilizao internacional: 1) o desenvolvimento dos meios de comunicao, dando- lhes acesso informao e possibilidade de uma rpida formao de coalizes; 2) a verificao, por parte das ONGs nacionais, de que elas possuem preocupaes comuns; 3) o desenvolvimento de cidados dedicados ao local; 4) o desejo de certos governos em desenvolver bases locais para suas aes, ou ainda o desejo de organismos de ajuda internacional e de ONGs do Norte em constituir grupos que lhes permitam apreender melhor a realidade de pases em desenvolvimento, podendo, ainda, controlar melhor a implementao dos projetos que financiam; e 5) a necessidade de as ONGs constiturem, nos pases onde a manifestao poltica limitada, vias de mobilizao poltica suplementar. O autor afirma que, no plano ambientalista, o crescimento das ONGs de atuao nacional e internacional foi espetacular. Para se ter uma idia, em 2000, o Centro Internacional de Ligao para o Meio Amb iente (CILMA), que consiste numa rede de 850 ONGs originrias de 107 pases com a misso de promover a troca de informao sobre questes ambientais e desenvolvimento com o PNUMA e seus membros, possua um cadastro de mais de oito mil ONGs com as quais se comunica. Para ele, as ONGs ambientalistas so tradicionalmente

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ativas na gerao de reivindicaes e no agendamento delas. Mas, participam cada vez mais nas deliberaes e nas implementaes das decises, seja diretamente como executoras, seja como controladoras (LE PRESTRE, 2000, pg. 140). Outro ponto importante das ONGs no tocante a este trabalho a sua significativa contribuio para a disseminao da informao, durante as reunies intergovernamentais sobre a camada de oznio ou sobre as mudanas climticas. As ONGs tiveram, tambm, um papel decisivo nos conflitos socioambientais relativos ao Projeto Plantar, podendo ser consideradas entre os principais responsveis pela articulao do movimento social contrrio ao Projeto. Gemmill e Bamidele-Izu (2005) consideram que a atuao das ONGs, e da sociedade civil em geral, deve ter um papel importante em cinco reas-chave: coleta e difuso de informaes; consulta para o desenvolvimento de polticas pblicas; implementao de polticas; avaliao e monitoramento destas; e advocacia em prol da justia ambiental. No entanto, para Le Prestre (2000),O papel desempenhado pelas ONGs no se limita sua contribuio em certas fases da poltica pblica. Elas podem agir como correias de transmisso entre as OIGs e os governos, como mediadoras entre Estados e como consultoras junto destes mesmos atores (as ONGs cientficas so estreitamente associadas aos processos de negociao) ou como grupos de presso a favor de novos domnios de ao e novas polticas (...) (LE PRESTRE, 2000, pg. 143)

Le Prestre (2000) ainda ressalta que algumas ONGs so extremamente poderosas, possuindo recursos, oramento anual e percia cientfica superiores de muitos pases. No campo ambiental, algumas ONGs, a exemplo da WWF e do Greenpeace, possuem milhes de membros. O autor destaca trs tipos de ONGs encontradas nas democracias industriais: 1) organizaes compostas de grande nmero de indivduos, representando grande diversidade de interesses em matria ambiental, especialmente a nvel nacional; 2) ONGs internacionais propriamente ditas, mas que podem exercer atividade nacional; e 3) organizaes orientadas para a pesquisa e consultoria poltica, ou ainda ao prtica local. Desde o incio de 1989 assiste-se, de acordo com Le Prestre (2000), construo de duas tendncias ligadas a organizaes da sociedade civil: a formao de coalizes nacionais e internacionais, reunindo um grande nmero de organizaes mobilizadas para determinado fim, e a mobilizao de populaes locais, em particular as populaes nativas, tambm chamadas de autctones. J Gemmill e Bamidele-Izu (2005) destacam que, antes dos anos 1990, vrios movimentos sociais eventualmente utilizavam a ONU como um frum global,

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tendo como objetivo chamar a ateno para determinadas questes. poca, seu principal propsito no era influenciar as deliberaes oficiais. No entanto, durante o processo de elaborao da Eco-92, estas organizaes passaram por esforos de capacitao, culminando com a abrangncia de sua atuao. As autoras enfatizam ser a ONU a organizao intergovernamental que mais abertamente reconheceu e apoiou a necessidade de colaborao com o setor no-governamental (GEMMILL; BAMIDELE-IZU, 2005, pg. 94). Entre as inovaes havidas no relacionamento entre ONGs e ONU, durante a preparao da Eco-92 e aps ela, esto a realizao de fruns paralelos de ONGs, promovidos simultaneamente com as conferncias oficiais da ONU, o credenciamento de ONGs para participao de conferncias internacionais, com a finalidade de fazer lobby junto s delegaes nacionais, a realizao de manifestaes em sesses plen rias, e a consultas a essas organizaes, que tm um importante papel em fornecer informao atualizada aos governos sobre questes crticas (GEMMILL; BAMIDELE-IZU, 2005).

2.2.7

O Movimento Social Ambientalista

O termo movimento social foi adotado por volta de 1840, visando a designar o crescente movimento operrio europeu articulado em partidos polticos e sindicatos. poca, as mobilizaes giravam em torno de dois eixos centrais: a constatao da existncia de uma opresso contra a qual era preciso lutar, e a idia de construo de uma nova sociedade enquanto projeto poltico (THOMAS, 2006). Ao incio da dcada de 1980, e comum o ra entendimento de movimento social como uma ao grupal para transformao voltada para a realizao dos mesmos objetivos, sob a orientao mais ou menos consciente de princpios valorativos comuns e sob uma organizao diretiva mais ou menos definida (SCHERERWARREN, 1987, pg. 20, apud THOMAS, 2006). Com isso, os indivduos identificariam aqueles que compartilham os mesmos interesses de classes que os seus. Esse conceito de movimento social, no entanto, considerado como superado, j que o foco nas classes sociais e a determinao do homem de acordo com o lugar que ocupa na esfera produtiva so condies consideradas insuficientes para explicar as crescentes mobilizaes

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que surgem na dcada de 1970 (GOHN, 2003; GOHN, 2004). Aos poucos, v-se o acirramento de tenses em torno de debates sobre gnero, etnias, meio ambiente e de outros campos. Tambm os objetivos dos movimentos sofreram alteraes. Enquanto nas reivindicaes pr-dcada de 70 lutava-se pela transformao da sociedade e pela fundao de uma nova ordem social, que eram as bases dos projetos dos partidos polticos e sindicatos, os novos conflitos sociais no buscam a tomada de poder, mas sim a garantia de certas condies de sociabilidade. Para Doimo (1995, apud THOMAS, 2006), o surgimento de novas formas de articulao dos indivduos no interior da sociedade civil fez com que