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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL
VIVENDO NO ESPETÁCULO, APRENDENDO COM O ESPETÁCULO –
Cultura Rave e Produção de Jovens Contemporâneos
Canoas2010
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ESTUDOS CULTURAIS EM EDUCAÇÃO
SANDRO FACCIN BORTOLAZZO
VIVENDO NO ESPETÁCULO, APRENDENDO COM O ESPETÁCULO-
Cultura Rave e Produção de Jovens Contemporâneos
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Luterana do Brasil como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Marisa Cristina Vorraber Costa
Canoas
2010
A verdadeira viagem de descobrimento não consiste em procurar novas paisagens, e
sim em ter novos olhos. (Marcel Proust)
AGRADECIMENTOS
Considerando este trabalho de dissertação o resultado de uma longa
caminhada que iniciou antes mesmo do ingresso no curso de mestrado na
Universidade Luterana do Brasil, agradecer me parece ser uma tarefa um tanto
quanto árdua, e, muitas vezes, injusta.
Portanto, se deixei de agradecer a algumas pessoas que, de alguma
maneira, passaram pela minha vida e contribuíram de forma direta ou indireta na
construção deste trabalho, peço que se sintam inclusas nos meus agradecimentos.
Agradeço particularmente pela contribuição direta na construção da
pesquisa àqueles que me ajudaram indicando bibliografias, sites e materiais,
discutindo e me indagando sobre os assuntos que envolviam o trabalho:
O que seria de mim sem a fé que depositei em Deus? Por isso,
agradeço de forma simbólica, algo que só minhas orações foram capazes de
mover.
Meu obrigado à amiga Denalize Goulart Leite pelo apoio nos
momentos pré-seleção do mestrado. As leituras, a preparação do projeto, a
escrita do memorial e os resumos dos livros. Agradeço o carinho, a atenção e
a amizade.
Agradecimentos especiais à orientadora Marisa Vorraber Costa
pelas instigantes discussões e pelos sábios ensinamentos. Obrigado por ter
acreditado no meu trabalho. Acreditar que um assunto tão polêmico como a
cultura rave poderia ser pensado através das lentes pedagógicas.
Agradeço em especial a uma colega do mestrado que fez com
que eu não me sentisse um estranho no meio acadêmico. Carla Simone
Corrêa Marcon, muito obrigado pelo apoio, carinho e amizade durante esses
dois anos. Foram seminários, palestras, bancas de avaliação e
apresentações, todos sem a mesma importância se não fosse junto contigo.
Agradeço também a sua família por ter me recebido de forma tão calorosa e
gentil nos finais de semana quando estudávamos para finalizar os projetos.
Tenho certeza que uma grande amizade nasceu. Uma amizade que pretendo
cultivar por toda minha vida.
Obrigado à colega de mestrado Camile Moreira Alves por
acreditar no meu trabalho e ter me proporcionado uma experiência incrível de
iniciar minha carreira oficialmente como professor.
Aos meus pais, obrigado pelo carinho e pelo apoio em todos os
momentos. Sem vocês, grande parte do meu trabalho intelectual não seria
realizado com sucesso.
Diretamente na pesquisa, agradeço ao amigo e sujeito-rave,
Marcos Tomazetti, que me ajudou nas investigações, no desenho do universo
da cultura rave e foi meu companheiro nas idas às festas. Além de ser um
excelente profissional da área do design gráfico, com ele pude discutir
assuntos relevantes no meu trabalho. A maioria das artes gráficas do trabalho
contou com a sua colaboração. Obrigado também pela ajuda na elaboração e
edição do vídeo.
Em especial, cito aqui o nome de algumas pessoas que foram
igualmente importantes na construção do meu trabalho: obrigado à prima
Cristina Bortolazzo e aos irmãos Clécio e Denita Bortolazzo.
RESUMO
Inscrito em um referencial teórico inspirado nos Estudos Culturais, o presente trabalho busca investigar, entender e apontar as relações entre a cultura rave e a produção de certos tipos de sujeitos jovens que habitam o mundo de hoje. Entende-se por cultura rave o conjunto de manifestações associadas à música eletrônica, envolvendo componentes visuais e identitários, redes tecnológicas de comunicação, consumo de drogas, variados estilos de som, formação de tribos e itens de consumo.A pesquisa tem o objetivo de chamar a atenção para as inúmeras convocações da cultura rave e como elas estão implicadas na composição das identidades de determinados jovens contemporâneos. A análise pretende colocar em evidência características dessa parcela da juventude atrelada à cultura da mídia e do consumo. Utiliza-se como referencial teórico autoras e autores que problematizam questões referentes à condição pós-moderna, às neotribos contemporâneas e às pedagogias culturais. Dentre eles destaco Harvey, Debord, Lipovetsky, Baudrillard, Hall, Bauman, Maffesoli, Steinberg e Kincheloe. Os achados da pesquisa apontam para uma juventude que frequenta as festas rave e que vem sendo constituída na velocidade, no imediatismo, na efemeridade, no consumo e no espetáculo dos tempos pós-modernos. A relação entre os jovens-rave, a formação de tribos, a música eletrônica e as tecnologias digitais é central na formação de um ethos de pertencimento.
Palavras-chave: cultura rave, pós-modernidade, neotribalismo, sujeitos-rave, juventude.
ABSTRACT
Inscribed in a theory reference inspired on Cultural Studies, the present study aims to investigate, understand and point out the relations between rave culture and the production of certain kinds of individuals who inhabit world today. The research aims to draw the attention to the numerous convocations of rave culture and how they are implicated under the identities composition of certain contemporaneous young. As rave culture is understood by the set of manifestations associated with electronic music, involving identity and visual components, networks technologies of communication, drug use, varied styles of sound, formation of tribes and consumption items. The analysis places in evidence characteristics of this youthfulness linked to media and consumption culture. Referential theory was searched in authors that deal with issues regarding postmodern condition, contemporary neotribes and cultural pedagogies. Among them highlighted Harvey, Debord, Lipovetsky, Baudrillard, Hall, Bauman, Maffesoli, Steinberg and Kincheloe. The research results reveal a youthfulness that attend regularly rave parties and has been made in speed, immediatism, ephemerality, consumption and the spectacle of postmodern times. The relation between young-rave, the formation of tribes, electronic music and digital technologies is central to the formation of belonging ethos.
Keywords: rave culture, post modernity, neotribe, youth-rave, youthfulness.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – Rave Tropical Vibration ....................................................................... 19
FIGURA 2 – Vista externa do Creamfields Chile ..................................................... 25
FIGURA 3 – Vista do palco principal do Creamfields Portugal ............................... 25
FIGURA 4 – Vista frontal do palco principal do Creamfields Malta ......................... 26
FIGURA 5 – Jogo de luzes do Creamfields Polônia ................................................ 26
FIGURA 6 – Vista lateral do Creamfields Inglaterra ................................................ 27
FIGURA 7 – Vista do palco principal do Creamfields Argentina ............................. 27
FIGURA 8 – Rave Atmosphere ............................................................................... 64
FIGURA 9 – Jovens adeptos da moda Candy ........................................................ 72
FIGURA 10 – Candy raver em evento de música eletrônica (São Francisco/EUA) 73
FIGURA 11 – Comunidade RAVE ........................................................................... 89
FIGURA 12 – Comunidade P.L.U.R ........................................................................ 91
FIGURA 13 – Comunidade Psy RS ......................................................................... 94
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .............................................................................................. 11
CAPÍTULO IO ESPETÁCULO Á CÉU ABERTO – TRILHANDO CAMINHOS PARA A PESQUISA .......................................................................................................... 18
1.1 Um anfitrião chamado Estudos Culturais .................................................. 181.2 Diversão na rave: uma cena globalizada .................................................. 221.3 A juventude como foco de pesquisa ......................................................... 311.4 Pedagogias Culturais: as raves sob uma perspectiva educacional .......... 341.5 As neotribos e as comunidades guarda-roupas ........................................ 371.6 Um convite ao espetáculo ......................................................................... 431.7 Ravers: consumidores da era digital ......................................................... 47
CAPÍTULO IICULTURA RAVE: UM LUGAR NA PÓS-MODERNIDADE ............................... 54
2.1 O urbano e o eletrônico: o encontro da cultura eletrônica na terra da bossa nova .......................................................................................................... 57
2.2 A droga e a festa: o Ecstasy como válvula de escape .............................. 632.3 PLUR: reinventando Woodstock ............................................................... 672.4 Moda Rave: um encontro com o lúdico ..................................................... 702.5 Buscando um jovem no www – um passeio entre as redes sociais online 74
CAPÍTULO IIICONVOCANDO JOVENS PÓS-MODERNOS PARA A CULTURA RAVE ....... 80
3.1 Convocações e espetáculo: aprendendo com as festas rave ................... 823.2 Convocação virtual: aprendendo nas comunidades do Orkut .................. 873.3 Convocação musical: aprendendo com o som eletrônico ......................... 973.4 Cultura Rave: aprendendo a ser sujeito na pós-modernidade .................. 100
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 110
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................... 114
APRESENTAÇÃO
A sabedoria não se transmite, é preciso que nós a descubramos fazendo uma caminhada que ninguém pode fazer em nosso lugar e que ninguém nos pode evitar, porque a sabedoria é uma maneira de ver as coisas.
(PROUST, 1983, p.19)
Uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze,
treze, quatorze, quinze, dezesseis, dezessete, dezoito, dezenove e, até vinte horas
de festa. O fôlego requerido para a leitura da frase anterior já é suficiente para
sugerir uma reflexão sobre o volume de energia despendido por sujeitos (das mais
variadas idades e de distintos lugares do mundo) que, nos finais de semana, ao som
da música eletrônica, festejam o carpe-diem1 contemporâneo. Eis o ponto de partida
da minha pesquisa: as festas rave.
Gostaria de convocar o leitor para um momento de abstenção moral.
Refiro-me a uma tentativa de afastamento das afirmações circulantes que, de certa
forma, produzem alguns preceitos sobre tais festas — eventos realizados ao ar livre,
ao som da música eletrônica e com duração de muitas horas — e sobre os sujeitos
que as frequentam. Faço isso porque considero que um entendimento mais ou
menos compartilhado sobre as festas rave tem sido construído, em grande parte, a
partir dos meios de comunicação de massa. E, por este motivo, para a grande
maioria das pessoas que desconhecem o território cultural2 das raves, as leituras
1 Carpe Diem é uma frase em Latim de um poema de Horacio (poeta lírico e satírico romano, além de filósofo). Carpe Diem é popularmente traduzido para colha o dia ou aproveite o momento. É também utilizada como uma expressão para solicitar que se evite gastar o tempo com coisas inúteis ou como uma justificativa para o prazer imediato.2 Entendo território cultural como sendo um lugar, um conjunto de lugares ou mesmo um espaço (intelectual, material ou virtual) onde uma pessoa ou um grupo de indivíduos compartilha idéias, sentimentos, valores. Um território cultural também está associado a um ambiente (espacial ou virtual) onde os modos e as condutas de vida são expressos dentro de uma coletividade.
são feitas a partir do que se publica nos veículos de comunicação – sejam eles
virtuais, televisivos, impressos ou radiofônicos – que, em geral, veiculam notícias
com tom de reprovação.
Por outro lado, assumo ser complicado sugerir uma posição neutra, já que
estamos implicados naquilo que conhecemos e vivemos. No entanto, o que faço é
convidar aqueles que porventura tenham interesse a me acompanhar nesta
investigação sobre o instigante universo da cultura rave.
Considero este trabalho uma tentativa de tradução, embrionária ainda,
dos elementos inscritos em uma das culturas contemporâneas que mobilizam jovens
de vários países. Procurei me munir de ferramentas teóricas provenientes de outras
áreas do conhecimento além da educação, o que me foi favorecido pelo campo dos
Estudos Culturais. Acredito que este seja um trabalho que transita por dados
históricos, sociológicos, antropológicos, filosóficos, mas também pedagógicos e
culturais. Escrevi, apaguei, transcrevi e, muitas vezes, até me perdi. A rima, podem
acreditar, foi mera coincidência, pois estar perdido em muitos cruzamentos do
caminho foi a minha fórmula para desenhar o mapa da dissertação.
Diante de um cenário esboçado pelas rápidas transformações nas formas
de comunicação, pelo desenvolvimento das tecnologias digitais e pela disseminação
de conteúdos imagéticos e artísticos, o presente trabalho busca investigar, entender
e mostrar as relações entre a cultura rave e a produção de certos tipos de sujeitos
jovens que habitam o mundo de hoje.
A vida nas sociedades contemporâneas tem sido marcada por uma
estrutura social complexa, minuciosa em suas múltiplas dimensões. Os arranjos
sociais estão sendo compostos, ao mesmo tempo, do arcaico e do moderno, da
linearidade e do descompasso, da ordem e do caos, do público e do privado, do
coletivo e do pessoal. Elementos ambivalentes que estão presentes no cotidiano,
ora ocorrendo simultaneamente, ora se alternando.
Segundo Lyotard (1998), as transformações verificadas a partir do final do
século XIX no campo da ciência, das comunicações, da literatura e das artes,
modificaram de tal forma “o pensar social” que, hoje, podemos observar uma variada
gama de conceitos expressando tentativas de descrever os modos de vida na
contemporaneidade.
O cenário contemporâneo pode ser analisado através de múltiplos
enfoques. Múltiplos porque mudanças intensas e profundas nas estruturas
econômica, cultural e política permitem essas leituras. Em concordância com Harvey
(2000), percebo nossa sociedade imersa em uma condição que pode ser
considerada pós-moderna. Os indivíduos inscritos nela são constantemente
incitados por uma espetacularização da vida, em um mundo inundado por imagens,
símbolos, propagandas, eletrônicos, marcas, mercadorias, cores, sons, luzes, sinais
e representações (DEBORD, 1997).
O “consumir” serve como motor e indica uma vida organizada em torno do
consumismo, que não se refere à plena satisfação dos desejos, mas “à incitação do
desejo por outros desejos, sempre renovados — preferencialmente do tipo que não
se pode, em princípio, saciar" (BAUMAN, 2008, p.121). Produtos, artefatos e objetos
criados, moldados e disseminados nas cópias, nos simulacros (BAUDRILLARD,
1991).
Assim percebo a atual cartografia social, organizada na coexistência de
variados arranjos familiares, valores de vida distantes da esfera religiosa tradicional
e uma ordem econômica tomando as rédeas nas sociedades contemporâneas.
Dentro desse contexto, um certo raciocínio justifica o nascimento das neotribos
identificadas por Maffesoli (2006), onde indivíduos ostentam traços simbólicos em
favor de uma fidelidade momentânea.
Inicio a pesquisa contextualizando a origem das festas rave, procurando
mostrar como essa cultura alastrou-se com elos em diversas partes do mundo. Isto
quer dizer que as características da cultura rave apresentam muitas similaridades
em suas manifestações. Eventos rave que ocorrem no Brasil, na Inglaterra, nos
Estados Unidos, na Argentina, na Austrália, nos países africanos ou mesmo nas
nações asiáticas compartilham uma imensa gama de elementos comuns.
Parece que a configuração do que hoje se nomeia cultura rave só tem
sido possível porque temos vivenciado uma era plena da globalização, onde os
fenômenos culturais (de qualquer ordem) repercutem em diversos lugares do
planeta. Com Canclini (2006), afirmo que os processos globalizadores não se
encontram inscritos somente na esfera econômica, a globalização é também política,
tecnológica, musical e cultural.
A abertura da economia de cada país aos mercados globais e a processos de integração regional foi reduzindo o papel das culturas nacionais. A transacionalização das tecnologias e da comercialização de bens culturais diminuiu a importância dos referentes tradicionais de identidade. Nas redes globalizadas de produção e circulação simbólica se estabelecem as tendências e os estilos das artes, das
linhas editoriais, da publicidade e da moda. Grande parte do que se produz e se vê nos países periféricos é projetada e decidida nas galerias de arte e nas cadeias de televisão, nas editorias e nas agências de notícias dos Estados Unidos e da Europa. (idem, p.164-165)
Diante disto, a pesquisa me fez perceber a presença de uma parcela da
juventude que penso poder denominar de pós-moderna, marcada pelo
compartilhamento de uma cultura global onde as fronteiras geográficas se revelam
insignificantes ou mesmo inexistentes. Talvez uma das razões desse borramento
seja o fato de que a aceleração tecnológica e o surgimento das mídias digitais foram
capazes de promover uma aproximação entre os indivíduos mediante ferramentas
virtuais.
Ainda que não tenha me tornado um exímio amante da música eletrônica
e dos eventos rave (pelo menos até o momento), consegui me aproximar com
bastante facilidade deste universo, e percebi que tal manifestação, assim como
tantas outras, apresenta como central uma necessidade de identificação e
pertencimento.
A pesquisa que aqui apresento desenvolveu-se em torno de três eixos
centrais que conduziram a investigação. São eles:
Eixo 1 – Aproximação do universo rave a partir da literatura especializada
sobre o assunto.
Neste primeiro eixo, tomei contato com a literatura específica sobre a
cultura rave, especialmente focado em dois autores o inglês Simon Reynolds
(1998) e o canadense Jimi Fritz (1999). Além destes, busquei referenciais analíticos
de Nicholas Saunders (1997), hoje considerado o mais importante pesquisador
sobre o Ecstasy no mundo.
Com o intuito de montar um panorama do universo rave, também me
aproximei de autores amplamente utilizados por estudiosos que se dedicam ao
estudo da cultura rave. Entre eles estão o italiano Massimo Canevacci (2005) e o
professor da Open University (UK) Kenneth Thompson (2005).
Os jornalistas Zuenir Ventura (2006) e Tomás Chiaverini (2009), bem
como o sociólogo João Freire Filho (2008), a partir de uma abordagem mais local do
cenário das festas rave que ocorrem no Brasil, me ofereceram análises apuradas,
registrando a multiplicidade de nuances que o tema concentra, e também
descrevendo características e especificidades da cultura rave.
Eixo 2 – Investigação da constituição da cultura rave, descrevendo-a e
discutindo como pode ser compreendida como uma movimentação pós-moderna.
Neste segundo eixo da pesquisa, procurei matizar a cultura rave,
elencando o conjunto das manifestações que estão atreladas a ela. Para isso, utilizei
contribuições teóricas de Claudio Manuel Duarte de Souza (2001), André de Lemos
(2003), entre outros.
Para lançar mão de ferramentas teóricas que me ajudassem a olhar e
operar conceitualmente no cenário contemporâneo, me aproximo das análises
filosóficas e sociológicas de Zygmunt Bauman (2008, 2007, 2005, 2003, 2001,
1999), Jean Baudrillard (1991), Michel Maffesoli (2007, 2006, 2004, 2003, 1995),
Jean François Lyotard (1998) e Néstor Garcia Canclini (2006).
Eixo 3 – Identificação das convocações implicadas na formação dos
sujeitos- rave.
Neste movimento investigativo, procurei mostrar e identificar a
proveniência das convocações direcionadas aos jovens, que acabam por
transformá-los em aficionados da cultura rave. Segundo os autores referidos nos
eixos um e dois da pesquisa, inúmeras são as formas como a cultura pós-moderna
contemporânea tem constituído novas maneiras de ser sujeito na
contemporaneidade. Portanto, considerei importante também trabalhar conceitos
para entender como nos tornamos sujeitos. E para tanto, realizei recortes a partir da
leitura de textos de Nikolas Rose (2001), Stuart Hall (1997) e Marisa Vorraber Costa
(2008).
Neste terceiro eixo da pesquisa, fiz registros de como entendo a produção
de sujeitos jovens conectados à cultura rave. Organizei os dados do meu diário de
campo e alguns apontamentos relevantes a partir dos sites especializados em
música eletrônica, mas também através de outros espaços virtuais, como as redes
sociais online, especialmente através de algumas comunidades do Orkut.
Como forma de aproximação desse reduto, frequentei seis festas rave. Ao
longo dos capítulos da dissertação, detenho-me em pelo menos dois desses
eventos. A publicação de material fotográfico, bem como a edição de um vídeo estilo
documental (anexo à dissertação) foram outras formas complementares que adotei
para exposição dos meus dados de pesquisa.
O resultado dos movimentos realizados nos três eixos da investigação
são aqui organizados e apresentados em três capítulos, que compõem a
dissertação.
No primeiro capítulo, o espetáculo a céu aberto trilhando caminhos para
a pesquisa, estão reunidos títulos que se dedicam a sinalizar o campo de estudos no
qual esta investigação foi desenvolvida. Dentro deste capítulo apresento minha
trajetória de pesquisa, a configuração da cultura rave através de uma cena
globalizada, a questão da juventude como foco de pesquisa e as ferramentas que
considero centrais para a análise. Opero com os conceitos de neotribalismo, de
Maffesoli (2006); comunidades guarda-roupa e consumismo, de Bauman (2005,
2007); sociedade do espetáculo, de Debord (1997); e simulacro, de Baudrillard
(1991).
No segundo capítulo da minha pesquisa: cultura rave um lugar na pós-
modernidade mostro a constituição da cultura rave localizando o conjunto de
elementos que a formam. Entre eles estão a música eletrônica, a cibercultura, o
consumo de drogas, a moda e a filosofia rave. Os elementos descritos fazem parte
do que hoje se entende por cultura rave, tendo como referência central a música
eletrônica e as festas rave como reduto da conformação desses jovens
contemporâneos.
No terceiro capítulo da pesquisa, convocando jovens pós-modernos para
a cultura rave, apresento minhas análises, expondo e discutindo as relações que
encontro entre a formação de sujeitos-rave e a condição pós-moderna. A
multiplicidade de convocações implicadas na constituição de determinados tipos de
sujeitos atrelados à cultura rave é analisada na pesquisa a partir de três focos: as
comunidades do Orkut, a música eletrônica e as próprias festas rave. Logo após,
faço um apanhado da Cultura Rave, explicitando como a mesma forja identidades e
ensina jovens a se constituírem sujeitos pós-modernos.
Este estudo adota uma forma particular de aproximação para analisar a
cultura rave que, certamente, é uma das muitas possíveis. O tipo de abordagem
atende ao meu objetivo de mostrar a cultura rave como um lugar de constituição de
sujeitos. A pesquisa não pretende dar conta da complexidade do tema e oferece
apenas uma visão, entre muitas outras, apontando algumas formas de ver e pensar
sobre os sujeitos-rave urdidos nos tempos pós-modernos.
Está também presente, entre meus objetivos, sinalizar a festa rave como
uma manifestação carregada de marcas da cultura pós-moderna, e, assim, imersa
na cultura da mídia e do consumo. Por tudo isso, faço desta pesquisa, antes de
qualquer coisa, um convite: venha comigo!
CAPÍTULO I
O ESPETÁCULO Á CÉU ABERTO – TRILHANDO CAMINHOS PARA A
PESQUISA
A festa, portanto, certamente é a coisa mais bem compartilhada do mundo, e basta dizer que a essência da vida coletiva e da existência individual é lúdica.
(MAFFESOLI, 2004, p.89)
1.1 Um anfitrião chamado Estudos Culturais
Sábado, onze horas da noite. Ruas cheias, bares lotados, casas noturnas
com filas de espera e uma multidão à procura de divertimento. Numa primeira
tentativa de esboçar meu objeto de pesquisa, parto de Porto Alegre em direção ao
município de Viamão. A cidade, localizada na região metropolitana de Porto Alegre,
é conhecida por abrigar as festas rave mais movimentadas do Rio Grande do Sul.
Ao volante por cerca de trinta quilômetros, dirigindo por estradas desertas
e atravessando inúmeros sítios, chácaras e fazendas (propriedades típicas dessa
região), um canhão de luz iluminava o céu orientando a direção, e um brilho na
atmosfera aguçava a ansiedade de pesquisador.
Na companhia de dois amigos — um considerado da cena3 eletrônica e o
outro novato, como eu, chegamos ao local4. No portão de entrada da festa,
cambistas vendiam os últimos ingressos e um grupo de seguranças organizava o
tráfego dos automóveis. Duzentos metros em direção ao sítio, policiais armados
garantiam a revista completa5 e, para meu espanto, na entrada principal do evento, a
vistoria era reforçada.
Um local bonito, harmonioso, rodeado de bosques e repleto de animais.
Toda uma infra-estrutura composta de banheiros, camping, bares, estacionamentos,
seguranças e até mesmo uma ambulância móvel assinalavam que o ambiente era
“seguro” para o “festejar”. O grande chalé redondo de madeira com janelas de vidro
localizado na parte central do sítio, permitia aos que chegavam à festa, avistar, de
longe, a pista principal de dança. Cores fosforescentes, do laranja ao verde-limão, e
tecidos dos mesmos tons ornamentavam o ambiente e marcavam o espírito de
alegria e descontração da festa. O lugar em meio à natureza e a coloração utilizada
para a decoração do evento são elementos que fazem parte do contexto que
originou as festas rave.
3 A noção de cena, neste trabalho, se traduz a partir de um universo de modos de pensar, comportamentos e práticas associados à música eletrônica. A cena é um termo usado para classificar um conjunto de manifestações. Pode se referir à totalidade de um determinado movimento (a cena da música eletrônica), como especificar um estilo dentro dela (a cena techno, a cena trance, a cena house, etc.).4 Esta festa aconteceu no dia 25 de outubro de 2008. O nome da rave é Tropical Vibration. O local escolhido chama-se Sitio Trilha do Sol, localizado na Avenida Frederico Dihl, 3336 (Estrada do Cocão), município de Viamão - RS. Outras informações através do site http://www.an2web.com.br/tropicalvibration/. 5 No caso dessa festa, a revista completa foi uma vistoria onde os policiais examinaram carros, bolsos e objetos em geral com o intuito de evitar a entrada de materiais cortantes, armas, drogas ou bebidas.
Figura 1 - Rave Tropical Vibration 6.
A estas alturas, alguns estarão se perguntando o que a história de uma
festa de longa duração tem a ver com uma investigação em um curso de mestrado
em educação?
Haja vista que este estudo se esboça inspirado em uma aproximação
entre os Estudos Culturais e a educação, é oportuno observar como tais estudos
foram sendo desenvolvidos.
O campo dos Estudos Culturais institucionalizou-se na Universidade de
Birmingham, na Inglaterra, através do Centro de Estudos Culturais Contemporâneos
(do inglês Centre for Contemporary Cultural Studies, CCCS), ainda na década de 50.
Entre seus maiores expoentes estão os fundadores Raymond Williams, Richard
Hoggart, E.P.Thompson e Stuart Hall. Esses estudos surgem, sobretudo, diante da
alteração dos valores tradicionais da classe operária inglesa que se apresentava no
período pós-guerra.
Os Estudos Culturais procuram vislumbrar o campo da cultura não como
um espaço pronto, definido, com sistemas de idéias dominantes e inflexíveis, mas
fundamentalmente, como um espaço de lutas e desencaixes. Assim, os estudos
relativos às expressões culturais vão perdendo, aos poucos, a aura de um domínio
literário e erudito. E, de acordo com Giroux (1995), passam a abranger um campo
bem maior:
6 Fotografia de autoria do pesquisador.
Os Estudos Culturais estão comprometidos com o estudo da produção, da recepção e do uso situado de variados textos, e da forma como eles estruturam as relações sociais, os valores e as noções de comunidade, o futuro e as diversas definições do eu. Os textos, neste sentido, não se referem simplesmente à cultura da imprensa ou à tecnologia do livro, mas a todas aquelas formas auditivas, visuais e eletronicamente mediadas de conhecimento que tem provocado uma mudança radical na construção do conhecimento e nas formas pelas quais o conhecimento é produzido, recebido e consumido. Vale a pena observar que a juventude contemporânea não depende apenas da tecnologia e da cultura do livro para construir e afirmar suas identidades, em vez disso, eles/elas se enfrentam com a tarefa de encontrar seu caminho numa paisagem cultural descentrada, não mais presa nas amarras da tecnologia da imprensa, de estruturas narrativas fechadas ou na certeza de um futuro econômico seguro. As novas e emergentes tecnologias que constroem e posicionam os/as jovens representam terrenos interativos que atravessa a linguagem e a cultura, sem exigências narrativas, sem complexidade de caráter. (p. 98)
A apreciação da cultura popular, bem como a operacionalização de um
conceito de cultura mais expandido, passa a incluir os rituais da vida cotidiana como
episódios significativos. É dentro dessa ótica que os Estudos Culturais compõem um
espaço de contestação frente às noções hierárquicas que antagonizam alta cultura e
cultura de massa, cultura erudita e cultura popular.
Neste campo do conhecimento,
A cultura não pode mais ser concebida como acumulação de saberes ou processo estético, intelectual ou espiritual. A cultura precisa ser estudada e compreendida tendo-se em conta a enorme expansão de tudo que está associado a ela, e o papel constitutivo que assumiu em todos os aspectos da vida social. (COSTA, SILVEIRA, SOMMER, 2003, p. 38).
O campo dos Estudos Culturais é fecundo para meu propósito de
pesquisa porque, desde seu surgimento, esteve implicado com o estudo da cultura
popular e seus significados. Kenneth Thompson (2005), professor de ciências
sociais da Open University (UK), consegue descrever, de forma concisa, como um
campo de conhecimento teve origem e hoje se propaga como área científica de
estudo.
Primeiramente, o surgimento dos Estudos Culturais como uma atividade interdisciplinar mostrou-se relacionado com o crescimento do seu objeto de atenção – o boom no âmbito da cultura popular e seu significado na vida das sociedades ocidentais a partir dos anos
1960. Um segundo ponto que merece ser registrado é que as formas particulares adotadas pelos Estudos Culturais em diversas áreas do mundo também têm sido afetadas por preocupações e circunstâncias locais, sendo que diferentes ênfases são encontradas no Reino Unido, nos Estados Unidos e na América Latina (THOMPSON, 2005, p. 15).
A cultura popular começa a ser percebida como uma arena de
aprendizagem, sentido e investigação. O conteúdo da cultura popular, ou seja,
aquilo que é difundido, midiatizado, discutido, analisado e observado, em grande
parte, tem como porta-voz os aparatos industriais dos mass media. Hoje, o cinema,
a televisão, as rádios, os jornais, as revistas, a internet e outros meios de
comunicação ganham um papel de destaque na composição da cultura popular.
Os principais telejornais do mundo, os programas de televisão de grande
audiência, as fotografias publicadas nos jornais e nas revistas, os livros didáticos, as
grandes festividades internacionais, os websites, as peças de teatro, as arenas
culturais da música, dentre outros espetáculos contemporâneos, são artefatos
produtivos que representam, dão sentido e operam enquanto prática cultural.
Portanto, é através das lentes multifocais dos Estudos Culturais que o
objeto de estudo foi construído. Lanço mão da aproximação entre os Estudos
Culturais e o campo da educação, tendo como finalidade uma abordagem das
conexões entre a cultura rave e a produção de sujeitos jovens na
contemporaneidade
1.2 Diversão na rave: uma cena globalizada
Para aqueles que nunca estiveram numa rave e somente conhecem a partir do que lêem nos jornais locais, a imaginação pode correr solta com correntes mistérios sobre locais secretos na calada da noite. Mas a verdade é menos misteriosa do que as reportagens sensacionalistas e míopes de nossa obsessiva mídia. Então, abandone seus preconceitos na porta e deixe-se levar a um tour por uma típica rave [grifos do autor] (FRITZ, 1999, p. 23).7
7 Todas as notas em língua estrangeira foram traduzidas pelo autor no corpo do texto. No original: For those who have never been to a rave and only know what they have read in the local newspaper, the imagination can run wild with mysterious goings on in the dead of night in secret locations. But the truth is far less than mysterious then the sensational and myopic reporting of our disaster obsessed media. So leave your preconceptions at the door and let´s take a tour through a typical rave (FRITZ, 1999, p. 23).
Desde o final da década de 1980, tornou-se prática entre os jovens das
principais metrópoles européias festejarem e dançarem por mais de 10 horas
seguidas ao embalo da música eletrônica e sob o efeito de psicoativos8,
especialmente um denominado Ecstasy.
A palavra rave, entre outros significados, designa delírio, estado de
grande empolgação, fala irracional, entusiasmo ou avanço maior. Tal palavra
ganhou visibilidade através das festas realizadas em espaços abertos e fora do
perímetro urbano. Hoje, a rave é tida como um evento social, familiar à juventude
contemporânea.
A origem das festas rave gera muita controvérsia, incluindo, no mínimo,
três variantes. Uma versão explica que, no final dos anos 60, na ilha de Goa (Índia),
o movimento foi iniciado por hippies que escutavam na praia uma espécie de
embrião da música eletrônica misturada aos elementos musicais locais. As festas
realizadas em Goa tocavam uma mistura do rock psicodélico do início dos anos 70
com a música típica dos hippies. Como a região é famosa pelas praias paradisíacas
e pela busca espiritual, muitos jovens vindos da Europa passavam suas férias na
região litorânea da Índia.
Outra versão, talvez mais aceita e comentada, é de que as raves
passaram a existir a partir da segunda metade da década de 80, quando jovens se
reuniam para dançar por várias horas na região portuária de Londres, na Inglaterra.
De acordo com Fritz (1999):
A música tocada era o acid house e as festas eram conhecidas como acid house parties. Esses eventos passaram a serem realizados a céu aberto a partir do verão de 1987, marcando o nascimento do free party movement, uma progressão natural do free festival movement que era prevalente na Inglaterra do mesmo período [grifos meu] (p. 32).9
8 Drogas psicoativas são substâncias que alteram o funcionamento do sistema nervoso do usuário temporariamente. São exemplos de drogas psicotrópicas a maconha, a cocaína, o álcool, o LSD, etc.9 No original. The music being played was acid house and the parties were known as acid house parties. These events moved outside in the summer of 87, marking the birth of the free party movement, a natural progression from the free festival movement that was prevalent in England at the time. (FRITZ, 1999, p.32)
As festas eram consideradas ilegais e se propagavam através da boca-a-
boca e de flyers10 improvisados. No início dos anos 90, as raves foram
criminalizadas, uma vez que estavam intimamente ligadas ao consumo de drogas.
Este fato contribui para a difusão da idéia do evento rave como festa marginal.
Mais uma versão ainda surge para marcar o início das raves. Verão de
1987, Ibiza (Espanha). De acordo com Saunders (1997), entre o final de 1987 e o
começo de 1988, um estilo de celebração começou a se popularizar em Ibiza — o
ensolarado paraíso espanhol da elite londrina. Era uma música cheia de energia que
as pessoas gostavam de dançar noite adentro sob a influência de uma droga de
laboratório, o Ecstasy. O chamado “verão do amor” inaugurou um momento em que
se misturavam pistas de dança ao ar livre, Ecstasy e música eletrônica. Diante de
todos os estímulos congruentes, teria emergido o que se pode chamar de cultura
rave.
Porém, antes de discorrer sobre as definições de cultura rave —
trabalhadas com mais afinco no próximo capítulo do trabalho — uma pergunta cabe
ser feita: por que se vai a uma rave?
Partindo daqueles familiarizados, conhecedores da “filosofia” que envolve
a cultura da música eletrônica, uma resposta possível seria a atmosfera criada na
festa, passando por um sobrecarrego sensorial causado pelas batidas sonoras. O
compasso musical, a emoção e o transe que toma conta das pessoas que estão
imersas dentro do acontecimento também congregam momentos de prazer e
vibração. Momentos sentidos por cada um e, ao mesmo tempo, só possíveis na
presença do coletivo.
Portanto, é a partir de episódios simultâneos, ocorridos em diversas
partes do mundo, e com características semelhantes, que uma cultura foi sendo
inventada, esboçada. Não uma cultura local, mas uma cultura híbrida, digitalizada.
Em suma, uma cultura que se poderia denominar de globalizada.
Pelos aspectos que hoje caracterizam a cultura rave em qualquer
localidade, pode-se dizer que se constitui como um fenômeno pós-moderno,
transcultural e imune a fronteiras. Um evento que ocorre na região metropolitana de
Porto Alegre carrega os mesmos elementos (considerados os desenhos peculiares
10 O flyer é um termo atualmente usado no Brasil para designar pequenos folhetos publicitários que têm a função de anunciar e promover eventos, serviços ou instruções numa ampla gama de aplicações. Os flyers são impressos e visam atingir um público determinado. Disponível em: http://www.pragatecno.com.br. Acesso em: 20/02/09
ao Rio Grande do Sul) de uma festa rave que acontece em qualquer outra parte do
mundo.
Com o intuito de retratar a abrangência global dos eventos de música
eletrônica, apresento, a seguir, algumas fotografias. Entre os muitos festivais que
acontecem ao estilo rave, o Creamfields11 me parece ser um exemplo bem
emblemático já que o evento rodou o mundo, reunindo nomes consagrados do
cenário eletrônico. Além disso, é o primeiro grande evento de música eletrônica que
apresenta, em sua estrutura, shows e performances ao vivo.
Atualmente, o festival vem se espalhando, com eventos ocorrendo em
várias partes do mundo. Entre os países estão: Inglaterra, Espanha, Argentina,
Turquia, México, República Tcheca, Chile, Peru, Portugal e Brasil. Cada edição atrai
entre 15 a 50 mil pessoas. Um número recorde foi registrado em 2005 na cidade de
Buenos Aires (Argentina), quando 75 mil pessoas compareceram ao festival.
Figura 2 - Vista externa do Creamfields Chile12.
11 Informações referentes ao festival podem ser acessadas através de http://www.creamfields.com. As fotografias também foram retiradas do mesmo site. 12 O evento ocorreu na cidade de Santiago no dia 7 de Novembro de 2008.
Figura 3 - Vista do palco principal do Creamfields Portugal 13.
Figura 4 - Vista frontal do palco principal do Creamfields Malta14.
13 O evento ocorreu na cidade de Loulé no dia 22 de Agosto de 2009.14 Malta é um pequeno país Europeu e faz parte da União Europeia. O evento ocorreu no dia 28 de Junho de 2008.
Figura 5 - Jogo de luzes do Creamfields Polônia15.
Figura 6 - Vista lateral do Creamfields Inglaterra16.
15 O festival ocorreu na cidade de Wroclaw no dia 16 de Agosto de 2008.16 A festa aconteceu nos dias 29 e 30 de Agosto de 2008.
Figura 7 - Vista do palco principal do Creamfields Argentina17.
O que podemos enxergar através das fotografias é que as festas ocorrem,
quase sempre, em lugares á céu aberto. Alguns espaços ficam localizados próximos
a regiões urbanas, outros um pouco mais afastados. Dentro de um festival de
música eletrônica, tem-se uma infinidade de elementos que compõem o cenário.
Entre eles, estão a própria batida da música computadorizada, as luzes psicodélicas,
as variadas formas de dança, o consumo de drogas e bebidas e a celebração
coletiva. Atrações que envolvem shows de Djs, aparatos tecnológicos de última
geração e jogos de som e de luzes.Nesses festivais, em que não há apenas ravers,
estão presentes todos os elementos simbólicos da cultura rave.
As roupas coloridas seriam vistas pelos jovens como uma forma
descontraída e divertida de encarar a vida. Sua relação com ambientes abertos e
junto à natureza pode ser interpretada no sentido de mostrar uma relação dos seres
humanos como se fossem um só corpo. As cores vibrantes são compreendidas
como a capacidade que cada ser humano tem de emitir bons fluidos, ou seja, a
aptidão que cada pessoa possui para irradiar luz própria.
A conjugação entre música eletrônica, drogas, aparatos tecnológicos e
uma multidão participando de uma espécie de transe coletivo hedonista caracteriza
os eventos rave. A rave é uma festa realizada, usualmente, longe dos centros
urbanos, em sítios ou armazéns em desuso, abandonados. O evento tem longa
17 O evento ocorreu na cidade de Buenos Aires n dia 29 de Agosto de 2009.
duração, variando de doze horas até sete dias. Embora a maioria das raves
aconteça em zonas rurais, grande parcela de seus frequentadores são jovens
urbanos pertencentes à classe média e moradores das regiões metropolitanas.
Assim como os grandes acontecimentos esportivos (jogos olímpicos,
copas do mundo), hoje, empresas gastam vultosas somas de dinheiro no patrocínio
de eventos de música eletrônica. É comum companhias como Coca-Cola, Sony,
Nike e algumas marcas de cerveja fornecerem suporte para festas rave. No caso do
festival Creamfields realizado no Brasil, entre os patrocinadores estavam a Pepsi, a
Skol, a marca de bebida energética Burn e a rádio Jovem Pan.
Parto do pressuposto de que, para entender o fenômeno corrente das
raves e tentar posicioná-las como um evento contemporâneo, é preciso olhar um
pouco para o passado. Faço esse exercício com o intuito de esclarecer, aos que
enxergam de fora as festas rave, como as trajetórias apresentam certa circularidade.
Peço licença, também, para descrever brevemente alguns fatos que, na
minha compreensão, solaparam mudanças de paradigmas na sociedade. Com
auxílio nesta tarefa, tomo emprestado algumas posições de Fritz (1999), Reynolds
(1998) e Saunders (1997), autores que realizam um estudo minucioso sobre a
cultura rave.
Segundo entendimento mais ou menos compartilhado, a primeira grande
revolução cultural e social do século XX teve início logo depois da Primeira Guerra
Mundial. O fim da conformidade imposta por teologias e políticas disciplinares cedeu
lugar a um tempo de contestações sociais, demonstrando nítidas incongruências
entre o poder Estatal e a burguesia que ansiava em tomar as rédeas da sociedade.
Os anos 20 do século passado mostraram uma guerra imperialista
ocasionada pelo longo boom econômico e por um acúmulo na produção de bens
materiais. A prosperidade, o aumento do número de mulheres no mercado de
trabalho e outras mudanças apregoavam as modificações sociais da época. As
transformações culturais rompiam os contratos sociais tradicionais e, na contramão,
conservadores se debatiam para manter o controle. A sociedade que emergia
buscava diferentes formas de experimentação e celebração.
No tocante à música, explorações resultavam numa passagem do
formalismo para expressões de individualidade. Os cânones da música clássica,
dominantes por vários séculos, foram cedendo lugares a formas populares, como os
sons folclóricos, incluindo o próprio surgimento do jazz18.
O movimento Dada (Dadaísmo), iniciado na Alemanha e compartilhado
por um grupo de escritores e artistas plásticos, se espalhou facilmente pela América
durante os anos 20. O Dadaísmo demonstrou ser um movimento artístico e literário
que refletia a difusão niilista de protesto contra todos os aspectos da cultura
ocidental, caracterizado pela oposição a qualquer tipo de equilíbrio, pelo ceticismo
absoluto e pela improvisação. Entretanto, apesar da aparente falta de sentido, o
movimento protestava contra a loucura da guerra.
Essa agitação também se tornou inspiração para o movimento surrealista,
criado pelo poeta e crítico francês André Breton, o mesmo que publicou o manifesto
Surrealista em Paris no ano de 1924. O artista teve grande influência nas novas
formas de criatividade, declarando a superioridade do subconsciente e a importância
dos sonhos na arte. Como o Dadaísmo, o Surrealismo inspirou atividades de muitos
artistas, como Salvador Dali, René Magrite e Juan Miró, só para citar alguns.
A transformação na literatura, da mesma forma, marcou a diferença na
maneira como as pessoas pensavam sobre elas mesmas e sobre o mundo ao seu
redor. Franz Kafka, Jean Paul Sartre e outros expoentes da época marcaram
expressões da filosofia durante a primeira metade do século XX.
Já no pós Segunda Guerra Mundial, expõe-se um momento de fragilidade
social e de reconstrução, marcado pelo retorno dos valores familiares e de algumas
posições políticas. O panorama mundial apresentou-se bipartido, de um lado, as
ideologias comunistas e, do outro, o “American Way”. Este modo de vida propagava
e alimentava certo frenesi consumista que garantia comida no prato de cada um,
carros nas garagens e televisões em cada cômodo da casa. (FRITZ, 1999)
Com as inquietações sociais em voga, as liberdades pessoais pulsavam,
varrendo a América do Norte e a Europa. A própria guerra se transformou no
catalisador da mudança. As pessoas não queriam apenas liberdade para elas
mesmas, mas insistiam numa consciência coletiva que demandava igualdade de
direitos.
18 O jazz é uma manifestação artística-musical originária dos Estados Unidos da América. Tal manifestação teria surgido por volta do início do século XX na região estadunidense de Nova Orleans e em suas proximidades, tendo na cultura popular e na criatividade das comunidades negras que ali viviam um de seus espaços mais importantes. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Jazz. Acesso em: 12/02/09
O conflito no Vietnã, iniciado no ano de 1959, foi um marco na
consciência do mundo inteiro e alimentou um forte sentimento em favor da paz. A
guerra tornou-se cada vez mais fraca, dando asas a uma revolução marchada com
as pernas dos jovens que tomaram ruas e praças para fazer nascer o vibrante e
ativo movimento pela paz. Outros numerosos movimentos sociais migraram na
mesma direção.
De acordo com Fritz (1999), o movimento pela paz, pelos direitos civis de
igualdade racial, a revolução feminista e os direitos gays eram assuntos de pauta.
Um exército de jovens exigia seus direitos e liberdades. O choque de realidades que
a guerra provocou fez surgir uma movimentação de pensamentos que pregavam a
paz e o amor. Os hippies mostraram sua força em números promovendo festivais de
música ao ar livre e atraindo recordes de público, culminando com seu evento
máximo, o Woodstock19.
Os hippies se tornaram os porta-vozes de toda uma geração de
pensadores livres que abraçavam a filosofia da paz, do amor e da liberdade. Era o
antídoto para o conservadorismo dos anos 50 e para a guerra do Vietnã. Agregado
está o surgimento das tecnologias de comunicação que mudaram o cenário do pós-
guerra, fazendo-se perceber mudanças no âmbito intelectual, cultural, econômico,
filosófico e musical.
É difícil apontar indícios da trajetória de uma cultura que é
fundamentalmente amnésica e não verbal. Diferente do rock, a música rave não é
construída em torno de letras e sim propagada com a idéia de que não importa o
que aquela música significa, mas como ela opera.
Adentro o universo rave como um outsider20, procurando uma posição
dentro daquele espaço, primeiramente, como jovem. Acabo percebendo um rico
nicho a ser explorado, cheio de nuances e movimentações que me servem como um
desafio para conectar essa matriz da juventude ao campo da educação.
19 O Festival de Música e Artes de Woodstock foi o mais importante festival de música da sua época. Foi realizado em uma fazenda em Bethel, Nova Iorque, O festival exemplificou a era hippie e a contracultura do final dos anos 1960 e começo de 70. Trinta e dois dos mais conhecidos músicos da época apresentaram-se durante um chuvoso final de semana defronte a meio milhão de espectadores. Apesar de tentativas posteriores de emular o festival, o evento original provou ser único e lendário, reconhecido como um dos maiores momentos na história da música popular. 20 Adoto aqui os conceitos de outsiders e estabelecidos do autor alemão Norbert Elias (1994). Segundo o autor, outsiders são aqueles indivíduos “novos”, que ainda não estão integrados nos esquemas de relações já sedimentadas pelos participantes efetivos. A classificação em estabelecidos ou outsider não é necessariamente definitiva. Dependendo de seu grau de envolvimento com a cena, um participante pode passar de outsider para estabelecido.
Um ponto a ser destacado é que a cultura rave revela uma cultura
globalizada que vem sendo analisada e discutida em diversos campos do
conhecimento, podendo-se apontar algumas linhas de abordagens do tema nos
estudos de Religião, na Sociologia, nos Estudos Culturais, na Musicologia, na
Comunicação, além da produção de cunho jornalístico.
1.3 A juventude como foco de pesquisa
Meu interesse em investigar o universo das festas rave foi sendo
instigado a partir dos debates nos congressos de educação, das infinitas discussões
em sala de aula no curso de mestrado e no estudo de textos nos campos dos
Estudos Culturais, da Comunicação, da Educação e da Sociologia. Estudos que
abordavam outras configurações de sujeitos contemporâneos e diferentes olhares
para as pedagogias serviram como um desafio para pesquisar os sujeitos-rave.
Pesquisas relativas às mídias e às culturas juvenis também foram importantes para
meu intento de pesquisa.
Jornalista por formação, ingressei no curso de mestrado pensando em
articular motes midiáticos como o telejornalismo, as novelas, os jornais e as revistas
junto a questões educacionais. Temas que discutissem a formação de um professor
multimídia atrelado às novas tecnologias de comunicação e informação eram
assuntos que igualmente me interessavam. Por isso, diante da facilidade com que a
profissão de comunicador me permitiu lidar com os mais variados públicos, (para
quem eu já estava acostumado a escrever textos, contar histórias) minha integração
e inserção no campo da educação ocorreu de forma mais ou menos tranquila.
O terreno dos Estudos Culturais serve de solo fértil para produzir
conhecimento no meio de duas áreas que realmente me inspiram a educação e a
comunicação. A aproximação entre os dois campos tem sido apresentada como uma
linha de pesquisa abundante em seus processos de investigação, quando observada
a grande popularização das interfaces midiáticas.
É a telenovela das oito que permeia os assuntos do dia-a-dia, a nova
música da Madonna cantada pelos jovens e tocada incessantemente nas principais
rádios do mundo, os sites de relacionamentos que geram furor ou a onda de
tocadores de música digital. Na presença de uma infinidade de opções, é difícil
qualquer tipo de síntese quanto à relação entre os estudos que permeiam o campo
da Cultura, da Comunicação e da Educação. Basta compreendê-los como um
espaço para discussões, pesquisas e interação. De acordo com Costa, Silveira e
Sommer (2003):
Uma possibilidade é conceber os Estudos Culturais em Educação como um compartilhamento de entendimentos, de conceitos-chave e “formas de olhar” que eles trouxeram, principalmente, para a área das humanidades, da comunicação, da literatura. Entretanto, isso soa um tanto parcial e inexato, uma vez que não se trata apenas de “partilhar”, “apropriar-se” ou “utilizar”; as “lentes” dos EC parece que vêm possibilitando entender de forma diferente, mais ampla, mais complexa e plurifacetada a própria educação, os sujeitos que ela envolve, as fronteiras (p.54).
Os assuntos recorrentes a respeito das culturas contemporâneas, aliadas
às leituras de teor sociológico, fizeram com que eu me afastasse um pouco dos
meus primeiros interesses (embora ainda persistam em meu horizonte), e passasse
a dirigir meu olhar para um campo onde as pesquisas, a meu ver, ainda apresentam-
se incipientes, pouco visíveis — as culturas juvenis.
Nas últimas décadas, têm crescido o interesse de pesquisadores em
investigar essa faixa da população. A palavra juventude suscita uma variedade de
expressões que vão desde “rebeldias sem causa” a “futuro da nação”. Se outrora a
fase adulta era a mais cobiçada, hoje indubitavelmente, todos desejam ser jovens.
Eles são alvos de poderosos conglomerados mercantis que, gradativamente, aliam
suas marcas e ideologias a esse público. Por isso, hoje é possível observar uma
gama de produtos televisivos, virtuais e publicitários que têm como único e
específico objetivo atingir o público jovem.
Discorrer sobre culturas juvenis ou sobre a juventude (que pode ser
discutida na sua flexão em número juventudes) é um trabalho um tanto quanto
arriscado. A própria noção de juventude é contraditória, pois num contexto circulado
por culturas fragmentadas e comunicações midiáticas massivas de grande alcance e
poder, o conceito de jovem dilata-se, tornando avessa toda espécie de categoria que
pretenda fixar faixas etárias.
Buscando um entendimento sobre a juventude, compreendo que a
constituição de sujeitos está inscrita em um processo mais amplo, que não pode ser
reduzido a uma passagem. Esse conceito é amparado por diversos pesquisadores
brasileiros, sintetizado por Dayrell (2003):
Construir uma noção de juventude na perspectiva da diversidade implica, em primeiro lugar, considerá-la não mais presa a critérios rígidos, mas sim como parte de um processo de crescimento mais totalizante, que ganha contornos específicos no conjunto das experiências vivenciadas pelos indivíduos no seu contexto social. Significa não entender a juventude como uma etapa com um fim predeterminado, muito menos como um momento de preparação para a vida adulta (p. 42).
De acordo com Dayrell (2003), a juventude é parte de uma condição
social, mas também fruto de representação. É muito variada a maneira como cada
sociedade, como cada grupo social lida com os jovens. Por isso, não se pode
essencializar a juventude, já que ela é matizada com base nas etnias, nas classes
sociais onde os jovens estão inseridos, no gênero, na religião e também nos
espaços geográficos que habitam.
Dessa discussão, entendemos a juventude como parte de um processo mais amplo de constituição de sujeitos, mas que tem especificidades que marcam a vida de cada um. A juventude constitui um momento determinado, mas não se reduz a uma passagem; ela assume uma importância em si mesma. Todo esse processo é influenciado pelo meio social concreto no qual se desenvolve e pela qualidade das trocas que este proporciona (DAYRELL, 2003, p.42).
Portanto, para falar de juventude ou juventudes em pleno século XXI, e
tentar posicioná-las neste período, descrevo algumas características que, a meu ver,
são peculiares à geração jovem que adentra a primeira década deste milênio. Passo
a denominá-la, neste trabalho, de juventude pós-moderna, porque é em congruência
com autores que utilizam o termo pós-modernidade que venho operando. Quando
utilizo a expressão sujeitos-rave, passo a enxergá-los dentro desta mesma ótica.
Percebo uma juventude pós-moderna que tem na fruição e no gozo dois
de seus valores centrais. Jovens em busca de prazeres instantâneos, de curto-
prazo, imediatos e, por isso, uma juventude “agorista”. Jovens que trocam o futuro
pelo tempo presente.
Assim, a noção de juventude pós-moderna vai sendo construída levando
em conta questões mais experimentais do que propriamente conceituais, pois as
mesmas incitam um ethos de pertencimento efêmero no tempo, simbólico no espaço
e facilmente descartável.
O entendimento do que venha a ser jovem em nosso tempo é cada vez
mais elástico. De acordo com a Secretaria Nacional da Juventude, no Brasil,
aproximadamente, 34 milhões de pessoas estão na faixa etária que vai dos 15 aos
24 anos. Podendo alcançar os 40 milhões se aumentarmos ou diminuirmos as faixas
de idade.
O público jovem tem se consolidado como alvo de uma série de
estratégias que vão desde o marketing publicitário, os programas de televisão, as
indústrias de consumo, passando até pelas políticas públicas. Consequentemente,
crescem as demandas por estudos que privilegiem os aspectos das juventudes no
Brasil.
1.4 Pedagogias Culturais: as raves sob uma perspectiva educacional
Ao optar pelo campo dos Estudos Culturais, adoto como ferramenta
teórica o conceito de Pedagogia Cultural para pensar o movimento rave. Entendo
pedagogias culturais como aquelas que atravessam a vida dos indivíduos para além
das pedagogias escolares tradicionais ou das pedagogias religiosas e familiares.
De acordo com Giroux e MacLaren (1995):
Existe pedagogia em qualquer lugar em que o conhecimento é produzido, em qualquer lugar em que existe a possibilidade de traduzir a experiência e construir verdades, mesmo que essas verdades pareçam irremediavelmente redundantes, superficiais e próximas ao lugar comum (p 144).
A mídia, segundo Giroux e MacLaren (1995), é uma produtora de
imagens e artefatos que preenchem a vida das pessoas, sejam elas crianças, jovens
ou adultos. Desta forma, todas as modalidades de educação ampliam sua gama de
abrangência, ficando também a cargo de outras instâncias culturais, que não
somente a escola. As próprias teorias pós-modernas expõem as ferramentas
conceituais necessárias para pensar numa ampliação da definição da pedagogia.
Essas questões exercem papel importante na definição do significado e do propósito da escolarização, no que significa ensinar e na forma como os/as estudantes devem ser ensinados/as para viver em um mundo que será amplamente mais globalizado, high tech e racialmente diverso que em qualquer outra época da história. [grifos do autor] (GIROUX, MACLAREN, 1995, p. 88).
Steinberg e Kincheloe (2001) utilizam-se do termo Pedagogia Cultural
para designar um campo pedagógico onde o poder é organizado e difundido,
incluindo-se bibliotecas, TV, cinemas, jornais, revistas, brinquedos, propagandas,
videogames, livros, esportes, etc. Do mesmo modo, fora das instituições
educacionais, existe um aparato publicitário e mercantil que produz diversão e, do
ponto de vista pedagógico, captura nossa imaginação e constrói nossa consciência.
Para os intentos desta pesquisa, considero a publicidade, os shopping
centers, as casas noturnas, os ambientes virtuais, como espaços pedagógicos,
porque ali existem relações entre culturas e aprendizagens.
Para além das salas de aula, é possível encontrar um arsenal de reinos
mágicos, histórias animadas, dramaturgias envolventes e convergência de mídias
que servem de entretenimento e amortecem os desprazeres da vida diária.
Podemos considerar como instâncias educativas a mídia impressa, os programas de
televisão, os filmes, os desenhos animados, os espaços de entretenimento e lazer.
Educativos porque nos ensinam determinadas formas de ver o mundo, de pensar e
agir sobre as coisas ao nosso redor. Pedagógicos porque as produções culturais, ao
difundirem representações, elas mesmas vão construindo identidades,
internalizando valores e condutas.
O conceito de Pedagogia Cultural surge do encontro entre os Estudos
Culturais e a Educação. O ensinar e o aprender vão sendo vistos como praticados
nos mais diversos lugares, não estando somente a cargo das instituições educativas
tradicionais. É no entrecruzamento entre os artefatos culturais e a educação que as
Pedagogias Culturais começam a ser percebidas e consideradas como um reduto de
investigação (COSTA, 2000).
Nas palavras de Costa (2000):
Hoje, estou entendendo que programas de TV, catálogos de propaganda, revistas, literatura, jornal e cinema para citar apenas alguns exemplos dentre a parafernália de produtos culturais circulantes no nosso universo cotidiano são textos culturais que operam constitutivamente em relação aos objetos, sujeitos e
verdades de seu tempo (p.37).
À medida que as mídias foram incorporadas à vida das pessoas, o
potencial das pedagogias culturais foi ampliado. As mídias eletrônicas, notadamente
a de entretenimento, e também a virtual, ingressaram de tal forma no cotidiano que
passaram a pautar desde as conversas mais casuais até os assuntos da imprensa.
Quando Kellner (2001) discute a questão da cultura da mídia, ele afirma
que dos meios de entretenimento brotam pedagogias culturais que nem sempre são
perceptíveis, mas que “contribuem para nos ensinar como nos comportar e o que
pensar e sentir, em que acreditar, o que temer e desejar e o que não” (p.10).
Segundo ele:
O entretenimento oferecido por esses meios freqüentemente é agradabilíssimo e utiliza instrumentos visuais e auditivos, usando o espetáculo para seduzir o público e levá-lo a identificar-se com certas opiniões, atitudes, sentimentos e disposições (KELLNER, 2001, p.11).
As Pedagogias Culturais ampliam as noções de educação e pedagogia,
mostrando que, além do conhecimento formal (visto aqui os ensinamentos
aprendidos nas escolas, nas universidades, etc.), estamos cercados por objetos,
práticas, imagens e representações que também exercem uma função educativa. Os
artefatos culturais estão estruturados de tal forma que ensinam às pessoas uma
infinidade de práticas, comportamentos, e incitam sonhos e desejos, às vezes, de
forma irresistível e sedutora.
Na verdade, desde o início do meu projeto de pesquisa a questão
pedagógica sempre foi considerada a de maior preocupação e, ao mesmo tempo, o
maior desafio. Embora o universo das festas rave não se encontre implicado
usualmente dentro do espectro de atividades da educação, ao considerá-lo um
espaço cultural que atrai e movimenta uma grande parcela de jovens, pode-se
pensar em uma determinada pedagogia que aciona mecanismos que fascinam e
convocam os jovens a participar e a se comportar de determinadas formas.
O espetáculo contemporâneo tem invadido nossas vidas e aciona outras
formas de compreensão do mundo. Os modos como se celebram a vida vêm sendo
reinventados a todo o momento, seja pelas convocações ao consumo ou mesmo
pelo hedonismo. Minha interpretação do termo Pedagogia Cultural remete àquelas
pedagogias que abarcam a socialidade dos sujeitos, os ambientes e práticas onde
as afetividades e também as racionalidades estão presentes.
As aspirações, os deleites e a busca pelo bem-estar são elementos que
fazem parte da cena rave, montada e composta para forjar e comportar
determinados modos de ser. É dentro dessa ótica que se pode pensar em
estratégias pedagógicas peculiares. Podemos enxergar as festas como um espaço
pedagógico no sentido de que os sujeitos são forjados a partir de uma série de
convocações próprias da cultura rave: a música, as drogas, o imperativo do gozo, a
velocidade, os prazeres, o espetáculo, a tecnologia. A juventude rave, assim como
tantos outros grupos juvenis, expressa uma forma característica de habitar a
contemporaneidade e de ser jovem no século XXI.
Assim, para este estudo, lanço mão de análises de filósofos, sociólogos,
músicos, educadores e estudiosos da cultura contemporânea que procuram
interpretar os matizes da cultura rave e suas relações nos processos de produção de
sujeitos.
1.5 As neotribos e as comunidades guarda-roupas
A discussão do conceito de comunidade inspira-se nas análises de
Bauman (2005) e Maffesoli (2006). Esses autores, respectivamente, consideram que
a formação dos laços sociais está inscrita em uma ótica pós-modernista, que
Bauman vai chamar de comunidades guarda-roupa e Maffesoli de neotribos. Os dois
conceitos são centrais em minha problematização porque ambos consideram que os
arranjos dos grupos ocorrem de forma momentânea e passageira.
Michel Maffesoli é sociólogo e professor da Universidade René Descartes,
Paris V, Sorbonne. Hoje, o autor é considerado um pensador que se interessa pelas
formas de socialidade no contemporâneo temas sempre constantes em suas
obras.
Entre as inúmeras nomenclaturas (subculturas, formas de resistência,
culturas extremas, culturas alternativas) que se arriscam a descrever e nomear o
universo das manifestações juvenis contemporâneas, considero o conceito de
neotribalismo proposto pelo francês Michel Maffesoli (2006) o mais adequado para
minha pesquisa. O autor recorre ao termo tribalismo para identificar os inúmeros
grupamentos da sociedade e, quando se refere à constituição de grupos, procura
salientar a partilha de sentimentos e suas relações de afinidade como características
presentes no âmbito social.
Analisando a cultura rave como parte das manifestações culturais da
juventude, o conceito de neotribalismo serve para corroborar a presença do ethos de
pertencimento. O estar-junto, segundo o autor, constitui o verdadeiro cimento
societal.
É para dar conta desse conjunto complexo que proponho usar, como metáfora, os termos de “tribo” ou de “tribalismo”. Sem adorná-los, cada vez, de aspas, pretendo insistir no aspecto “coesivo” da partilha sentimental de valores, de lugares ou de ideais que estão, ao mesmo tempo, absolutamente circunscritos (localismo) e que são encontrados, sob diversas modulações, em numerosas experiências sociais [grifos do autor] (MAFFESOLI, 2006, p. 28).
A partir das análises de Maffesoli, passo a enxergar as agregações nas
festas rave como uma comunidade neotribal, já que aí se constrói uma lógica
identitária que se estrutura através do afeto e da comunhão. Quando são
apresentadas outras formas de convivência, não restritas à esfera familiar ou
religiosa, pode-se caracterizar essa formação ao estilo neotribal.
Na contramão do tribalismo clássico, o que autor chama de neotribalismo
tem na fluidez sua característica essencial, seja pelos agrupamentos espontâneos e
temporários ou mesmo por sua rápida dispersão. É assim que se pode “descrever o
espetáculo das ruas nas megalópoles modernas. O adepto do jogging, o punk, o
look retro, os ‘gente bem’, os animadores públicos, nos convidam a um incessante
travelling” [grifos do autor] (MAFFESOLI, 2006, p.107).
O termo neotribalismo permite trazer para o campo das ciências sociais
algumas análises da vida social, levando em conta parâmetros como emoção,
imaginário, ludicidade, sentimento, que interferem nas práticas cotidianas das
sociedades. A organização da vida, por sua vez, não se reduziria às relações de
ordem racional, mas incorporaria uma lógica afetiva e de contornos indefinidos.
Em outras palavras, a socialidade vai nascer do entrecruzamento das
múltiplas agregações, somente podendo ser compreendida quando da posse das
marcas que modulam o cenário contemporâneo. Entre elas estão a moda, o
espetáculo, a publicidade, as festas, os programas de televisão, os sites, etc. Eles
formam um conjunto significativo que carrega e dissemina valores da cultura pós-
moderna. Assim, a vivência no interior de associações tribais funcionaria como um
meio simbólico de expressão identitária e de pertencimento.
Na análise de Maffesoli (1995), o neotribalismo estaria presente como
uma espécie de compensação, uma réplica a estruturas sociais fragmentadas, a
uma sociedade competitiva e burocrática. Agora, uma relação táctil e guiada pela
fusão prevaleceria. Nesses encontros, as pessoas se cruzam umas com as outras,
elas se tocam, e é nestes instantes que propriamente se estabelecem as interações
nas neotribos.
Na reflexão de Maffesoli (2004), a humanidade estaria se confrontando
com novas formas de comunhão.
De fato, as diversas instituições sociais, havendo-se tornado cada vez mais abstratas e desencarnadas, já não parecem estar em contato com a exigência reafirmada da proximidade. Daí a emergência de um neotribalismo pós-moderno que se assenta na necessidade – sempre e mais uma vez – de solidariedade e proteção que caracteriza todos os grupos sociais. Nas selvas de pedra que são as megalópoles contemporâneas, a tribo desempenha o papel que lhe competia na selva stricto sensu [grifos do autor] (p.22).
As análises de Maffesoli (2006) vão ao encontro da abordagem de
Bauman (2005), quando discute o termo comunidade, ressaltando duas dimensões
centrais: uma unidade comunal e um caráter espetacular e breve das agregações
sociais contemporâneas. Ao mesmo tempo em que oferece “proteção”, a vida em
comunidade apresenta determinadas restrições à liberdade individual. O sentido de
comunidade discutido por Bauman decorre justamente desta busca por segurança e
proteção, ou seja, uma forma de estar no mundo unido e podendo contar com a
ajuda ou solidariedade dos outros.
Para o autor, a comunidade tem nos encontros seu ponto máximo, pois as
pessoas vão aos lugares para se encontrar com os outros que portam os mesmos
distintivos e símbolos que caracterizam estilos e gostos em comum. “São
comunidades com prazos fixos, das quais ‘debanda’ quando o grupo se dispersa,
embora sendo livre para sair antes disso, a qualquer momento em que o interesse
comece a diminuir” [grifos do autor] (BAUMAN, 2005, p. 143). O sociólogo ainda
discute o conceito de comunidade localizando sua atualidade na sociedade
contemporânea.
Ela se adapta bem à experiência do tempo pontilhista composto de instantes, de episódios com tempo fixo e novos começos; ela libera o presente que deve ser explorado, e explorado em sua plenitude, dos tormentos do passado e do futuro, que podem ter impedido a concentração e prejudicado a excitação da livre escolha (BAUMAN, 2005, p. 109).
Nas tribos contemporâneas, o ethos comunitário estaria ligado por um
emaranhado de expressões que remetem direto ao compartilhamento de emoções
coletivas. A aprovação no grupo é quase sempre imediata, fugaz, sem uma
necessidade de objetivos concretos para assegurar sua continuidade. Procura-se
viver com intensidade cada instante. São eventos pontuais, pontilhistas, mas com
uma função exclusiva de reafirmar um sentimento de pertencimento (MAFFESOLI,
2004).
Os festivais de música eletrônica, por exemplo, distanciam-se de uma
ordem racional para celebrar uma outra ordem implicada através da emoção, do
gozo, da festa, do consumo e do espetáculo. Seja nas raves ou nos clubs21, a
coletividade se faz presente porque ali se encontram informações que compõem
todo um cenário — o imaginário coletivo.
Embora exista uma narrativa sobre as festas rave posicionando-as como
lugar de negação da racionalidade e da produtividade fordista, um enorme aparato
estratégico, próprio da racionalidade instrumental ainda vigente na sociedade
contemporânea, está lá para garantir que as festas funcionem e se tornem
sancionáveis, como segurança, ambulância, etc.
Maffesoli (2006) é identificado como um pensador interessado no
cotidiano e nas múltiplas fisionomias do imaginário. Ele utiliza o termo tribalismo
para analisar o renascimento dos fenômenos sociais, criado pela saturação dos
valores individualistas da modernidade. “Tribos religiosas, sexuais, culturais,
esportivas, musicais: o número delas é infinito e sua estrutura é idêntica ajuda
mútua, compartilhamento dos sentimentos, ambiente afetuoso” (p. 24).
No universo dos jovens, a identidade geradora de aglutinados ao redor de
modismos, estilos, comunidades virtuais, celebridades, implica um ethos, ou seja,
um “eu” pertencente a um determinado grupo, mesmo que de forma passageira. Do 21 Bares noturnos urbanos onde toca música eletrônica. No Brasil, a expressão clubs não é utilizada, sendo mais comum uma menção a casas noturnas, bares ou danceterias.
ponto de vista identitário, o pertencimento torna-se o principal vetor de sociabilidade
no universo jovem.
De acordo com Bauman (2005):
Tornamo-nos conscientes de que o “pertencimento” e a “identidade” não têm a solidez de uma rocha, não são garantidos para toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis, e de que as decisões que o próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como age – e a determinação de se manter firme a tudo isso – são fatores cruciais tanto para o “pertencimento” quanto para a “identidade” [grifos do autor] (p. 17).
Os habitantes do líquido mundo moderno buscam construir e manter as
referências comunais das identidades em movimento — lutando para juntar-se aos
grupos igualmente móveis e velozes, e tentar manter-se vivos por um momento, mas
não por muito tempo (BAUMAN, 2005).
A construção de uma identidade é um processo contínuo, sem fim, um
projeto sempre incompleto. As comunidades presentes no mundo contemporâneo
são próprias para corpos flexíveis, mutáveis e adaptáveis. A comunidade ou as
comunidades, nessa fase líquida da modernidade, deve estar de acordo com essa
nova identidade. Segundo a argumentação de Bauman (2003):
A “comunidade”, cujos usos principais são confirmar, pelo poder do número, a propriedade de escolha e emprestar parte de sua gravidade a que confere “aprovação social”, deve possuir os mesmos traços. Ela deve ser tão fácil de decompor como foi fácil de construir.Deve ser e permanecer flexível, nunca ultrapassando o nível até nova ordem e enquanto for satisfatório [grifos do autor] (p.62).
Bauman (2005) garante que existe uma crescente demanda pelas
chamadas comunidades guarda-roupas. Elas existem apenas nas aparências e
penduram os problemas individuais como o fazem os frequentadores de teatros.
Essas comunidades duram o tempo exato do espetáculo, ou seja, quando a sessão
termina, apanham seus casacos e prontamente vão embora.
Os frequentadores de um espetáculo se vestem para a ocasião, obedecendo a um código distinto do que seguem diariamente o ato que simultaneamente separa a visita como uma “ocasião especial” e faz com que os frequentadores pareçam enquanto durar o evento, mais uniformes do que na vida for a do teatro. É a
apresentação noturna que leva todos ao lugar por diferentes que sejam seus interesses e passatempos durante o dia. Antes de entrar no auditório, deixam os sobretudos ou capas que vestiram nas ruas no cloakroom da casa de espetáculos. Durante a apresentação, todos os olhos estão no palco; e também a atenção de todos. Alegria e tristeza, risos e silêncios, ondas de aplauso, gritos de aprovação e exclamações de surpresa são sincronizados como se cuidadosamente planejados e dirigidos. Depois que as cortinas se fecham, porém, os espectadores recolhem seus pertences do cloakroom e, ao vestirem suas roupas de rua outra vez, retornam a seus papéis mundanos, originários e diferentes, dissolvendo-se poucos momentos depois na variada multidão que enche as ruas da cidade e da qual haviam emergido algumas horas antes. Cloakroom communities (comunidades cabide) precisam de um espetáculo que apele a interesses semelhantes em indivíduos diferentes e que os reúna durante certo tempo em que outros interesses que os separam em vez de uni-los são temporariamente postos de lado, deixados em fogo brando ou inteiramente silenciados [grifos do autor] (BAUMAN, 2001, p.228).
Segundo Bauman (2005), as comunidades guarda-roupas não exigem
permissões para entrar ou sair, e não possuem critérios rígidos para selecionar
quem pode ou não fazer parte da comunidade. A afiliação à determinada
comunidade é muito subjetiva, pois o que realmente conta é a experiência do
presente vivida na comunidade.
Numa existência de consumo vivida sob a tirania do momento e avaliada pelo tempo pontilhista, a facilidade de entrar e sair à vontade dá a experiência da comunidade fantasma, ad hoc, uma clara vantagem sobre a “coisa real”, desconfortavelmente sólida, restritiva e exigente [grifos do autor] (BAUMAN, 2005, p.143).
Lugares tradicionalmente investidos de sentimentos de pertença como a
família, a igreja e a vizinhança são colocados a prova e, conforme afirma Bauman
(2005) “no admirável mundo novo das oportunidades fugazes e das seguranças
frágeis, as identidades ao estilo antigo, rígidas e inegociáveis, simplesmente não
funcionam” (p.33).
Para este autor, sujeitos constituídos nos tempos pós-modernos são
“caçadores de emoções e colecionadores de experiências; sua relação com o
mundo é primordialmente estética: eles percebem o mundo como um alimento para
a sensibilidade, uma matriz de possíveis experiências (...) e o mapeiam de acordo
com elas” (BAUMAN, 2005, p. 202).
É esse movimento de identidades que percebo entre os frequentadores
das festas rave, já que, no momento em que a festa é finalizada, cada um retorna à
sua rotina. O conceito de comunidades guarda-roupas ou cabide de Bauman pode
ser pensado no mesmo sentido das neotribos propostas por Maffesoli.
1.6 Um convite ao espetáculo
Toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação (DEBORD, 1997, p. 13).
Guy Debord intelectual, cineasta e filósofo escreveu, aos 26 anos, A
Sociedade do Espetáculo (1967), obra na qual anunciava que no século XXI nosso
planeta estaria povoado por máquinas “inteligentes”. A Sociedade do Espetáculo
condensa, em poucas páginas, reflexões e aforismos sobre a sociedade
contemporânea. O autor reúne 221 teses relatando as mudanças sofridas pelos
sujeitos e pelas formas de vida a partir da emergência do espetáculo.
Foi Debord, na segunda metade do século XX, quem trouxe o conceito de
espetáculo para o campo das análises sociais e culturais. Hoje, é difícil aludir ao
conceito de espetáculo da forma como venho tratando nesta pesquisa, sem chamar
atenção para os estudos de Debord.
Este conceito tem sido utilizado amplamente para discorrer a respeito da
movimentação contemporânea, composta pela disseminação de imagens, pelas
distintas visibilidades e pelos aparatos midiáticos. Em sua tese de número 34,
Debord afirma que o espetáculo é o capital, em tal grau de acumulação, que se
torna imagem.
A Sociedade do Espetáculo descrita por Debord não deve ser percebida
somente como uma mera referência aos meios de comunicação de massa, pois os
conjuntos de manifestações fazem parte de uma totalidade mais espetacular. A
atualidade do conceito é incontestável, haja vista as vitrines midiáticas a que
constantemente estamos expostos (televisão, jornal, revistas, outdoors, internet,
etc), sem contar os inúmeros aparatos tecnológicos que estimulam o olhar, as
sensações, os sentidos e, também, as nossas percepções.
Outro aspecto a ser observado diante da Sociedade do Espetáculo é o
fato de Debord declarar que o espetáculo tem se apresentado como “constituidor da
própria sociedade, como instrumento de unificação” (DEBORD, 1997, p. 14). Ou
seja, a valorização das imagens e as relações de consumo encontram-se mediadas
pelos meios de comunicação de massa (mas não somente por eles), e produzem
por meio do cinema, da publicidade, dos noticiários, dos eventos esportivos, das
telenovelas, uma forma de experimentar que aciona outra noção de realidade.
Na sociedade do espetáculo, os indivíduos trabalham para serem
merecedores de férias (aqui entendidos como descanso, lazer), para obter o poder
de consumo. Segundo Debord (1997), nada escapa à lógica espetacular do
consumo, visto exatamente como um supermercado que orienta gostos, anuncia
estilos de vida, conduz prioridades e desejos. Mais do que isso, é um lugar onde se
compram valores, prazeres, rotinas, etc.
Vive-se numa sociedade saturada, carregada de imagens, cheia de cores
vibrantes e impregnada de sons e movimentos. Seguindo a linha de raciocínio de
Debord (1997), o espetáculo dita as normas de cidadania, organiza as relações
sociais, estabelece valores e formata as identificações.
Contudo, o espetáculo não se concentra somente no conjunto de
imagens, mas nas relações entre as pessoas, as mídias e as representações. Esse
conceito vai explicar uma grande diversidade de fenômenos que estão em evidência,
entre eles, a própria experiência da festa rave, os jogos olímpicos e as grandes
exposições de arte.
Na verdade, o espetáculo parece persistir 24 horas por dia. São as
revistas, os jornais, os programas televisivos, os sites da internet, o rádio. Os meios
se constituem como aliados capazes de transformar comportamentos, aparências e
criar modismos.
Diversas áreas do cotidiano foram completamente transformadas pelos
avanços da ciência e da tecnologia. Hoje, é difícil imaginar um mundo desprovido de
televisões, computadores ou redes de telefonia. Os avanços tecnológicos são
contínuos como uma via de mão única, não havendo qualquer possibilidade de
retrocesso.
A onda consumista desencadeada pelos Estados Unidos, resumida na
expressão “American way of life”, traz consigo os símbolos de uma cultura capitalista
que se caracteriza pela prosperidade econômica, pela estabilidade política e pela
promessa de uma vida sempre melhor a cada dia. Nesse sentido, a propagação de
imagens através da publicidade, de modo geral, apontou para a força de um sistema
organizado em torno do consumo, ou seja, um espetáculo midiático montado e
composto para fins de potencializar o consumo. Nosso tempo, sem dúvida, está
muito mais ligado à imagem do que à coisa em si, está mais apoiado à cópia do que
ao original, a uma representação da realidade.
As imagens que pululam na vida urbana contemporânea, e que têm
refletido diretamente na cultura rave, podem ser visualizadas na forma de pequenas
aglomerações, grupos identitários que se justapõem conceitualmente àquilo que
Maffesoli chama de neotribalismo. Este neotribalismo está estampado e prolifera no
cenário contemporâneo.
Outro autor, o sociólogo e filósofo francês Jean Baudrillard (1991),
desenvolveu uma série de estudos que vão desde os impactos dos meios de
comunicação nas sociedades contemporâneas até a construção de análises onde a
cultura de massa passa a produzir uma realidade virtual. O autor destaca que as
novas formas de tecnologia da informação são essenciais para marcar a passagem
de uma ordem social situada na produção para uma ordem centrada na reprodução,
onde simulações e modelos prontos acabam constituindo o mundo. Para Baudrillard,
a sociedade de consumo é uma alavanca para o mundo do signo — o simulacro.
Pronunciar o vocábulo simulacro22 é evocar o nome do francês Jean
Baudrillard. Em parte porque em sua obra está contida a afirmação de que “o que se
vive hoje é a simulação”. “Vive-se a era do virtual, nem verdadeiro nem falso, nem
bem nem mal, a de uma indistinção do real e do referencial, a de uma reconstrução
artificial do mundo onde todos conquistam a imunidade total” (BAUDRILLARD, 1995,
p.68).
Segundo ele, as grandes verdades não sustentam mais o mundo porque
se descobriu que as mesmas não merecem tanta confiança como em outras épocas
se acreditou. Hoje, escancaram-se as inúmeras faces da política, do sexo, das artes,
e as ideologias em geral vão sendo criadas em nome de um gozo de liberdade e de
bem-estar, seja ele individual ou coletivo. O simulacro é moldado através de um
conjunto de objetos-signos que carregam possibilidades de gozar a felicidade.
22 A noção de simulacro, defendida por Baudrillard, propõe que o “signo” (ou a imagem) absorve e reedifica o referente, tornando-se mais real que o próprio real: hiper-real.
Segundo Baudrillard (1995), a busca da felicidade está vinculada a uma certa lógica
do consumo, sendo um direito natural do homem, possível de ser alcançada através
da aquisição de bens.
A simulação para o autor não é a simples imitação do real, nem
dobragem, nem paródia, mas é a substituição do real pelos signos do real.
Baudrillard não faz nenhuma oposição entre simulação e realidade, já que não existe
uma crise do real sendo vivenciada. Para ele, a simulação é o próprio apogeu do
real.
Desta forma, o autor salienta que se vive ao abrigo dos signos e na
recusa do real. Ele ainda observa que a penetração da lógica de consumo amplia
gradativamente o distanciamento do real e a ilusão de felicidade que dele deriva.
Portanto, ao não satisfazer os desejos, o consumo do signo mais angustia do que
alivia as tensões. A angústia e a insatisfação acabam por constituir parte ideológica
da sociedade organizada em torno do consumo.
Em suas palavras,
O que distingue a sociedade de consumo não é a ausência deplorada de cerimônias (...). A comunhão cerimonial, no entanto, já não se dá através do pão e do vinho, que se tornariam a carne e o sangue, mas através dos mass media (...). O que é repartido deixa de ser a “cultura”: o corpo vivo, a presença atual do grupo (tudo o que fazia a função simbólica e metabólica da cerimônia e da festa); é um estranho corpo de signos e referências, de reminiscências (...) que define a menor panóplia comum de objetos a possuir pelo consumidor médio para aceder ao título de cidadão da sociedade de consumo [grifos do autor] (BAUDRILLARD, 1991, p. 108).
Visto sob as lentes culturalistas, a própria cultura cotidiana (da mídia, do
consumo, da publicidade, da internet) encontra-se dominada pelo hedonismo: bem-
estar individual, lazer, interesse pelo corpo, valores individualistas de sucesso
pessoal e profissional.
De qualquer modo, os autores que trabalham com a cultura rave
enfatizam o caráter de comunhão emocional e de um hedonismo presente na união.
A experiência da festa rave remete à idéia da experiência de si, no qual a música
desempenha um papel central. Então, é possível desencadear o seguinte
pensamento. Se para Debord o que se configura é o espetáculo, para Baudrillard, o
espetáculo é o simulacro.
1.7 Ravers: consumidores da era digital
Os usos e significados do espaço e do tempo acabaram se modificando
na transição do capitalismo fordista23 para o da acumulação flexível. Isto tudo devido
à rápida implantação de novas formas organizacionais e do desenvolvimento das
tecnologias digitais. O “mundo fordista” gerou um modelo de industrialização, de
acumulação e de regulação em que a engenharia social estava orientada pela
ordem e pelo impedimento da mobilidade. No “capitalismo pesado”, o capital, a
produção e os trabalhadores estão fixados, enraizados e estáveis dentro de uma
rotina sólida.
A sociedade do “capitalismo pesado” caracterizou-se pela organização e
por uma certa ordem, esta última traduzida por Bauman (2001) no sentido de
monotonia, repetição e regularidade. O mundo concebido a partir do “capitalismo
pesado” era um lugar controlado, com fronteiras limitadas, fixando os trabalhadores
e o próprio capital a um determinado espaço.
Hoje, os fluxos de capital e as pessoas viajam com leveza — apenas com
a bagagem de mão, que inclui pasta, telefone celular e um computador portátil. Isso
permite aos “passageiros” embarcar e partir de qualquer ponto, sem precisar
demorar-se em nenhum lugar além do tempo necessário. (Bauman, 2001). É o que
Bauman denomina de “mundo do capitalismo leve”, sempre associado a uma idéia
de liquidez, onde os sólidos, ou seja, os elementos de uma ordem organizada em
torno do “capitalismo pesado”, começam a se liquefazer na possibilidade de poder
acomodar pessoas, coisas e objetos aos mais diversos encaixes e desencaixes.
Com a aceleração generalizada dos processos inscritos na produção de
artefatos e de bens de consumo, acentua-se uma volatilidade nas técnicas
produtivas de trabalho. No “capitalismo leve”, o mundo se torna uma coleção infinita
de possibilidades.
O mundo cheio de possibilidades é como uma mesa de bufê com tantos pratos deliciosos que nem o mais dedicado comensal poderia esperar provar de todos. Os comensais são consumidores, e a mais
23 Fordismo é um sistema produtivo baseado numa linha de montagem, tendo como objetivo a produção industrial elevada. Esse conjunto de princípios foi criado pelo americano Henry Ford em 1909. Sua meta principal era buscar o aumento da produção no menor espaço de tempo, utilizando o trabalhador que reproduzia mecanicamente a mesma ação durante todo o dia.
custosa e irritante das tarefas que se pode pôr diante de um consumidor é a necessidade de estabelecer prioridades: a necessidade de dispensar algumas opções inexploradas e abandoná-las. A infelicidade dos consumidores deriva do excesso e não da falta de escolha [grifos do autor] (BAUMAN, 2001, p.75).
Você pode escolher o seu visual. “Escolher em si, optar por algum visual
não é a questão, uma vez que é isso que você deve fazer, só podendo desistir ou
evitar fazê-lo sob risco de exclusão” (BAUMAN, 2008, p. 110).
O trabalho, força outrora produtora da mais-valia, hoje já não carrega
consigo um valor primário, mas um meio para alcançar momentos de deleite e bem-
estar. A valorização do onírico, do lúdico, do afetivo e do “irracional” disputa lugar na
organização dos arranjos sociais, sendo competente na sua capacidade de driblar
adversidades, esquecer problemas, unir e construir.
As festas rave emitem sinais de fumaça ao fordismo, fazendo crer que as
grandes fábricas já não produzem aquilo de que se necessita. As fábricas estão
sendo queimadas, incineradas e transformadas pelos movimentos tecnológicos. O
espaço das antigas fábricas, hoje é utilizado para as festas rave, que celebram o seu
fim. Canevacci (2005) aponta para “a rave como multiplicidade de sujeitos que
dissolve o poder da velha fábrica taylorista e a transforma numa festa prolongada
nos ritmos acelerados da técnica” (p.155).
O que se tem chamado de cena eletrônica é uma construção simbólica
organizada para o consumo. Nela, operam mecanismos responsáveis pela
identificação e pelo pertencimento. Na cena rave circula uma enorme variedade de
artefatos confeccionados para os ravers, como CDs, roupas, livros, adereços,
brinquedos, que associados a sites, flyers, etc, constituem marcas de pertencimento.
Na sociedade de consumidores é necessário um público que se faça
presente para que esses “produtos” ou redes de serviços, sejam eles materiais,
imateriais ou virtuais, possam circular e serem consumidos. É como uma espécie de
ampla e complexa engrenagem onde vão atuar movimentos cadenciados e
sequenciais permitindo os efeitos das festas rave.
Recorrendo às análise de Bauman (2007) sobre o consumo, parto da
definição de consumismo para pensar o movimento das festas rave, já que o autor
considera o consumo como o organizador central da vida nas sociedades
contemporâneas.
Pode-se dizer que o “consumismo” é um tipo de arranjo social resultante da reciclagem de vontades, desejos e anseios humanos rotineiros, permanentes e, por assim dizer, “neutros quanto ao regime”, transformando-os na principal força propulsora e operativa da sociedade, uma força que coordena a reprodução sistêmica, a integração e a estratificação sociais, além da formação de indivíduos humanos, desempenhando ao mesmo tempo um papel importante nos processos de auto-identificação individual e de grupo, assim como na seleção e execução de políticas de vida individuais [grifos do autor] (BAUMAN, 2007, p.41).
Bauman (2008) avalia que existe uma interpelação para com seus
membros essencialmente pelo viés consumista. Uma sociedade que avalia seus
integrantes pelas capacidades e condutas com relação ao consumo. “Na sociedade
de consumidores, ninguém pode ser tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria, e
ninguém pode manter segura sua subjetividade sem reanimar, ressuscitar e
recarregar de maneira perpétua as capacidades esperadas e exigidas de uma
mercadoria vendável” (p. 20).
O consumo não se encontra circunscrito exclusivamente pelo desejo e
pela satisfação, mas envolvido em processos de identificação marcados por signos,
símbolos e filosofias. Portanto, é necessário prestar atenção no fato de que os
produtos não são apenas roupas, carros, eletrônicos, objetos em geral, mas também
estão incluídos o lazer e os espaços de entretenimento. Significados simbólicos que,
no curso do tempo, são fabricantes das próprias culturas.
Imersos nas cerimônias onde se dão a união de pessoas, criam-se jogos
de valores, pertencimentos e padrões de comportamento. As práticas de consumo,
de certa forma, são elementos presentes na configuração das sociedades
contemporâneas, forjando sujeitos, identidades, modos de ser e pertencer. Os
símbolos consumidos por esses sujeitos carregam marcas e dão sentido quando se
adquire.
O valor mais característico da sociedade de consumidores, na verdade seu valor supremo, em relação ao qual todos os outros são instados a justificar seu mérito, é uma vida feliz. A sociedade de consumidores talvez seja a única na histórica humana a prometer felicidade na vida terrena, aqui e agora e a cada “agora” sucessivo. Em suma, uma felicidade instantânea e perpétua [grifos do autor] (BAUMAN, 2007, p.60).
Em um mundo rodeado e instigado por desejos e prazeres, por um
determinado “encontro” com a felicidade, inúmeros significados são regulados.
Valores, condutas, gostos, atitudes, modos de comportamento e maneiras de se
vestir. Todos esses elementos atuam na formação de sujeitos dos nossos tempos.
A configuração de grupos jovens assume um caráter múltiplo quando
relacionada ao movimento de expansão do consumo. O desenvolvimento das
indústrias culturais e dos meios de informação e comunicação de massa, atrelados à
oferta de bens e atividades de lazer, descreve pontos essenciais na formação dos
(novos) sujeitos da cena pós-moderna.
A formação dos sujeitos jovens já não compete primordialmente às
esferas familiar, religiosa ou escolar. Outras instituições e espaços também estão
implicados nisso e, às vezes, de forma mais eficaz e constante. É o caso dos
espaços comerciais como shopping centers, os ambientes festivos (foco deste
trabalho), os programas de televisão, as páginas da internet, etc.
É por meio de uma série de convocações e mecanismos que tais
instituições vão moldando e, ao mesmo tempo, disseminando maneiras de ver o
mundo, formas de se ver, de enxergar o outro, e, portanto, modos de ser sujeito.
O mais significativo é que esta é a primeira geração que cresceu com a
tecnologia de computadores amplamente disponível. Essa geração nasceu no
mundo da tecnologia e possui uma enorme familiaridade com os inúmeros artefatos
que vão surgindo a cada dia. Os jovens de hoje não somente abraçam as
tecnologias, como as celebram, consomem e usam como instrumento o tempo todo.
Os sites, por exemplo, se espalham com uma velocidade incrível. E “com muita
rapidez deixaram de ser apenas uma opção entre muitas para se tornarem o
endereço default24 de um número crescente de jovens, homens e mulheres”
(BAUMAN, 2008, p. 8).
A internet é o meio de acesso à informação e propagação do universo da
música eletrônica. É o espaço onde os bens simbólicos da cultura rave estão em
circulação e onde podem ser consumidos. Dentro da web, pode-se baixar músicas e
sets25 inteiros de DJs, trocar arquivos digitais com outros usuários e conferir as
últimas informações e lançamentos. Seguindo na mesma linha de raciocínio, Fritz
(1999)26 comenta a proximidade entre ravers a as tecnologias:
24 Default do inglês significa padrão25 Set é o termo usado para se referir tanto ao conjunto de trechos musicais “mixados” pelo DJ para construção de seu texto musical, como ao conjunto de discos de vinil ou CDs usados pelo DJ em sua performance. 26 No original - Ravers are generally computer literate and many spend time surfing the net. If you do a search on the world rave you will find thousands of web sites and services that relate directly to rave
Ravers têm, geralmente, habilidades com computadores e gastam muito tempo surfando pela internet. Se você fizer uma pesquisa no mundo rave irá encontrar milhares de web sites e serviços relacionados diretamente à cultura rave. Além dos flyers e do boca-a-boca, a rede é um dos poucos lugares para encontrar informações a respeito de eventos que estão para acontecer. A rede é também um bom espaço para encontrar dance music eletrônica e obter informações a respeito de DJs e produtores [grifos meu] (p.195).
Uma das razões pelas quais as raves se espalham tão rapidamente é
porque as tecnologias correntes fornecem as ferramentas essenciais para comunicar
informações relativas às festas, às últimas novidades da música eletrônica a um
número maior de pessoas com mais facilidade do que em qualquer outra época na
história da humanidade.
Neste sentido, a rave é realmente um tipo de corrida de aquecimento ou fase de aclimatação para a realidade virtual; ela está adaptando o nosso sistema nervoso, acelerando o nosso aparato sensório e perceptivo, arregimentando-nos em direção a uma subjetividade pós-humana, que a tecnologia digital requer e engendra (REYNOLDS apud FREIRE FILHO, 2007, p. 49).
Com relação a este assunto, Marisa Costa e Jorge Ramos do Ó (2007),
em entrevista publicada pela revista Educação e Realidade, apresentam análises de
como enxergam a emergência e o papel das tecnologias na vida das crianças e
jovens contemporâneos.
Conforme Ramos do Ó (2007), é preciso se adaptar aos artefatos aliados
às tecnologias e fazer uso deles como recurso para transformar a nossa visão de
mundo.
Isso porque o mundo tornou-se muito mais extenso, mais complexo, sobretudo, através das novas tecnologias, não fazendo mais sentido, por exemplo, opor natureza e cultura. Para o que me interessa é óbvio que hoje as crianças e os jovens utilizam uma escrita que permanece fora da instituição escolar. De alguma maneira, acho que as novas tecnologias constituem a base de uma linguagem que os meninos e meninas desses novos tempos estão a construir. Parece que nunca as crianças e jovens de alguma geração haviam produzido uma forma de comunicação escrita como a que se plasma no MSN (Messenger) ou nos celulares, etc. (Idem, p. 112).
culture. Apart from flyers and word of mouth, the net is one of the few places to find information on upcoming events. The net is also a great place to find electronic dance music and get information about Djs and producers. (FRITZ,1999, p. 195)
De acordo com Costa (2007), os jovens têm experimentado de forma
intensa esse cotidiano inundado pelas tecnologias, que não se resume ao
computador em si, mas a um conjunto de materiais midiáticos, jogos eletrônicos,
outdoors, celulares, MP3s, entre outros, que formatam nossos modos de ver e
pensar sobre o mundo em que vivemos.
Isso que chamo de cultura da imagem faz parte do dia-a-dia e, como a educação escolarizada não dá conta disso, as crianças vão resolvendo por sua própria conta. Por exemplo, essa escrita reduzida que se usa em mensagens de internet, celular, etc. (qdo, vc, blz), e tantas outras escritas novas, icônicas – ;) :- :-o :P (h) :) que eles vão criando, são tentativas de movimentar-se em meio a um novo ambiente em que as tecnologias misturam-se com o humano, em novas ecologias. Quer dizer, crianças e jovens estão inventando novas linguagens nessa simbiose com as máquinas. Parece que a escola não considera, não consagra e não está interessada em trabalhar com isso, algo que, a meu ver, seria extremamente estimulante para as crianças (COSTA, 2007, p. 113).
Portanto, o ingresso das tecnologias digitais na vida dos jovens tem
produzido subjetividades e vem compondo outros jeitos de ser sujeito no mundo
contemporâneo. Neste sentido, o universo da cena eletrônica está intimamente
ligado ao desenvolvimento das ferramentas tecnológicas de comunicação. A cena
eletrônica é um dos produtos da cibercultura. Ambas (a cena eletrônica e a
cibercultura) imersas na sociedade contemporânea, reverberam uma estrutura
pautada pelo consumo. Um consumo digital, multiplicado nos acessos aos sites, na
busca de informações e no próprio consumo musical.
CAPÍTULO II
CULTURA RAVE: UM LUGAR NA PÓS-MODERNIDADE
Quanto mais importante – mais “central” – se torna a cultura, tanto mais significativas são as forças que a governam, moldam e regulam
(HALL, 1997, p. 35)
Neste capítulo me dedico a descrever o universo que compõe a cultura
rave. Para entender a noção de cultura rave, é importante mostrar de que forma
opero com o conceito de cultura, abordado a partir da perspectiva dos Estudos
Culturais.
Dentro do escopo desta pesquisa, inspirado particularmente em Stuart
Hall (1997), emprego o conceito de cultura entendendo-a como um conjunto de
manifestações produzido socialmente, imerso em regras, crenças, códigos,
ideologias e representado por algumas visões de mundo.
Na revolução cultural verificada nos meados do século XX, as expressões
culturais passaram a desempenhar um papel importante na vida em sociedade. A
cultura, de um modo geral, tem assumido um lugar de centralidade no que diz
respeito à organização das sociedades contemporâneas. É algo que nos diz de onde
viemos e para onde vamos, algo que fomenta o espírito e geralmente faz a vida
habitável.
Com Stuart Hall (1997) analiso o conceito de cultura.
Os seres humanos são seres interpretativos, instituidores de sentido. A ação social é significativa tanto para aqueles que a praticam quanto para os que a observam: não em si mesma, mas em razão dos muitos e variados sistemas de significado que os seres humanos utilizam para definir o que significam as coisas e para codificar, organizar e regular sua conduta uns em relação aos outros. Estes sistemas ou códigos de significado dão sentido às nossas ações. Eles nos permitem interpretar significativamente as ações alheias. Tomados em seu conjunto, eles constituem nossas “culturas”. Contribuem para assegurar que toda ação social é “cultural”, que todas as práticas sociais expressam ou comunicam um significado e, neste sentido, são práticas de significação [grifos do autor] (Idem, p. 16).
O campo dos Estudos Culturais amplia os significados da cultura. Hall
(1997), quando nos fala da “virada cultural”, afirma que as questões culturais
passam a ocupar uma posição central “ao lado dos processos econômicos, das
instituições sociais e da produção de bens, da riqueza e de serviços” (p.27). Assim,
tal abordagem passa a enxergar a cultura como constitutiva da vida social.
Em concordância com Hall, considero a cultura interpelativa, algo que
chama ao convívio e que passa a delinear um espaço de significação, de
compreensão e de explicação da sociedade em que vivemos.
Segundo Costa, Silveira e Sommer (2003), o conceito de cultura deixa de
ser, gradativamente, um domínio exclusivo da erudição, das tradições artísticas ou
mesmo literárias, e passa a abranger e contemplar os gostos das multidões. “Em
sua flexão plural – culturas – e adjetivado, o conceito incorpora novas e diferentes
possibilidades de sentido. É assim que podemos nos referir, por exemplo, à cultura
de massa, típico produto da indústria cultural ou da sociedade techno
contemporânea” (idem, p. 36). Os Estudos Culturais foram eficientes no sentido de
desconstruir ou mesmo reformular um conceito de cultura. Isso revela que diante da
produtividade do conceito de cultura, hoje tem sido melhor falar de culturas em vez
de falarmos em cultura.
Os Estudos Culturais, em sua ampla gama de abordagens, indicam uma
maneira de olhar para a cultura, ou melhor, inúmeras maneiras de ver culturas,
analisando-as como algo que atravessa distintos campos do conhecimento. Mas,
também, qualquer coisa que, ao mesmo tempo, orienta nossas práticas cotidianas.
Nos Estudos Culturais, a cultura é pensada sob uma perspectiva mais antropológica
do que crítica. E, partindo dessa compreensão, os sujeitos produzem e reproduzem
uma cultura (ou as culturas), atravessando um domínio para além do material. A
cultura passa também a ser estudada sob uma instância simbólica, no sentido de
construir significados.
Os sujeitos, ao forjarem sentidos sobre determinadas práticas, eles
mesmos constroem esta cultura, instituindo modos de viver, de ser, de experimentar,
de habitar, de compreender a si mesmo, aos outros e as coisas ao seu redor. Em
outras palavras, entendo a cultura como constituidora de sujeitos e produtora de
identidades.
Haja vista a pluralidade de artefatos que nos convocam cotidianamente,
os significados culturais podem ser tramados nos mais variados espaços. Seja pelos
aparatos midiáticos, pela escola, pela família, pela igreja, pelos amigos, pela
internet, mas igualmente através dos ambientes de entretenimento e lazer tais como
as festas, os espaços virtuais e os shopping centers, somos incitados a agir e
construir determinadas percepções de mundo.
A cultura impregna o cotidiano dos sujeitos e, em intensidades variadas,
nos interpela através de diversas narrativas, das inúmeras batidas e dos distintos
sons, da proliferação de imagens, dos apelos publicitários, entre outros. Ela tem se
tornado central na vida dos sujeitos porque determina, representa e significa formas
de ser e conviver em sociedade. A centralidade da cultura é indicada aqui, segundo
Hall (1997), através da maneira como a cultura penetra em cada recanto da vida
social contemporânea, propagando textos culturais dirigidos a uma infinidade
heterogênea de receptores.
As revoluções tecnológicas têm desenhado os cenários mundiais. Elas
influenciam nossos saberes, nossos modos de vida e o nosso próprio jeito de
atuarmos como indivíduos. A mídia, do mesmo modo, com seus aparatos
tecnológicos, pode ser considerada uma das grandes propulsoras da expansão
cultural, e os meios de comunicação, os principais canais de circulação de imagens
e informações. Assim, passam a constituir certos modos e poderes de regulação
sobre os sujeitos.
Em função da velocidade com que as informações circulam, em grande
parte, fruto dos processos de globalização e da sofisticação tecnológica, temos sido
tomados pelas mais diversas instâncias no sentido de produzir e reproduzir
discursos sobre o que vestir, o que comer, o que ler, ouvir ou assistir.
Logo, para que se possa pensar numa determinada produção da cultura
rave, uma série de discursos foram sendo construídos e tomam parte num complexo
que, em constante ação, convoca essa juventude a participar dessa cultura e
permanecer nela. Não se trata de uma simples festa que gera uma cultura com o
objetivo de convidar ao divertimento. A cultura rave é mais do que isso. É um
emaranhado de acontecimentos que convocam, capturam e direcionam desejos,
geram vibrações, congregam, estimulam experiências coletivas e a aproximação
entre os participantes, embora as aproximações não sejam duradouras, mas
episódios fugazes.
Autores que discutem o cenário rave, entre eles Saunders (1997),
Reynolds (1998) e Fritz (1999), partem do entendimento de que a cultura rave se
define por um conjunto de manifestações associadas à música eletrônica,
envolvendo componentes visuais e identitários, redes tecnológicas de comunicação,
consumo de drogas, variados estilos de som, formação de tribos e itens de
consumo. Assim, a intenção da pesquisa também foi a de explorar e mostrar de que
forma esta cultura engendra determinados tipos de sujeitos.
2.1 O urbano e o eletrônico: o encontro da cultura eletrônica com a terra da
bossa nova
Para desenvolver este estudo, recorri a uma apurada revisão bibliográfica
de obras que contavam e discutiam a trajetória da música eletrônica, seus processos
de produção, as tecnologias envolvidas e seu desenvolvimento ao longo dos anos.
Além disso, também foram constatados alguns métodos utilizados nos processos de
expansão e divulgação deste tipo de som, bem como sua entrada em território
brasileiro.
Como já mencionei, a difusão da cultura da música eletrônica,
acentuadamente em evidência na década de 90, está diretamente relacionada aos
avanços e transformações dos meios de comunicação de massa e ao
desenvolvimento das tecnologias digitais, sendo a internet sua maior vitrine.
No tocante ao campo da música eletrônica, minhas pesquisas estão
centradas em dois autores o inglês Simon Reynolds (1998) e o canadense Jimi
Fritz (1999). Reynolds é considerado um dos maiores nomes da critica inglesa
quando o assunto é gênero musical. Jimi Fritz é músico, produtor, diretor de cinema
e descreve aspectos essenciais para a compreensão do cenário das grandes
metrópoles no surgimento da cultura da música eletrônica e das festas rave.
A imagem do futuro vista nas capas das revistas, nos outdoors, nas
bancas de jornal, nos filmes, nos sites da internet, nas embalagens de produtos e
em anúncios publicitários, geralmente ilustra o perfeito enlace entre o
desenvolvimento tecnológico e seu impacto, sempre indicado como “benéfico”, na
vida dos seres humanos. A tecnologia tem se tornado uma parte anexa, ou melhor,
anexada do cotidiano. Filmes, músicas, jogos de videogame, ipods27, telas de
plasma, home teathers, homebank, celulares, palmtops e uma infinidade de artefatos
que atravessam nosso dia-a-dia envolvem intensa tecnologia de ponta, assinalando
a evolução tecnológica como um elemento inconteste para a melhoria de vida e
definição de seus contornos.
O som eletrônico nasce nos anos 50, na mesma corrente das tecnologias
digitais, sendo produzido primeiramente em laboratório junto à evolução da
microinformática. A música eletrônica está assentada e programada de acordo com
uma série de repetições e sequências. Embora pareça controverso discorrer sobre
sequência e repetição ao mesmo tempo, a estrutura desse tipo de som se arranja a
partir de camadas que ditam e ordenam elementos, mesclando timbres, batidas,
ritmos e melodia.
O aparecimento do moog (sintetizador portátil) e dos samplers (máquinas
que retiram amostras de sons para serem recolocadas e repetidas infinitamente)
abriram caminhos para novas formas de se produzir música através da manipulação
eletrônica (SOUZA, 2001). Outro equipamento que influenciou o desenvolvimento da
música eletrônica foi o prato de toca-discos, mais conhecido pelo seu nome em
inglês — turntable.
É preciso alertar, contudo, que esta pesquisa não pretende discutir ou
analisar os elementos técnicos que fizeram com que a música eletrônica se
expandisse. Meu propósito é meramente descritivo, cabendo pontuar o
aparelhamento que considero fundamental para um entendimento da composição da
música eletrônica.
27 Ipod é uma marca registrada da empresa Apple e refere-se a uma série de tocadores de áudio digitais projetados e vendidos por esta marca.
Quanto à forma de projeção da música eletrônica, Fritz (1999, p.55) 28
afirma que “não se trata somente de manipulação e transformação de sons já
existentes. É também uma criação completamente nova, sons originais jamais antes
vibrados no ouvido humano”.
Com a consolidação do estilo musical nas pistas de dança de todo o
mundo, surge o papel dos DJs29. Principal artista da cena musical eletrônica, o DJ
explora elementos como espacialidade, ambientação, atmosfera, movimento e
modulação.
A batida eletrônica também busca levar as pessoas a sensações que
“induzem” percepções próximas à batida do coração e ao pulsar dos músculos.
Canevacci (2005) consegue descrever, de forma breve, o que o som eletrônico pode
proporcionar:
A música que altera. A música de novos transes, não mais homologáveis de acordo com metodologias passadistas empoeiradas aos transes folclóricos e menos ainda aos transes étnicos. Os novos movimentos techno da música constroem um corpo que se altera e que é atravessado por sons, por batidas por minuto, por ruídos pós-industriais e orquestras pós-fordistas. A rave é a morte da polis. A rave ganha da metrópole. A rave faz pulsar os corpos metrópoles (p. 54).
Ainda segundo o autor, a música eletrônica é propriamente líquida,
“quando passa entre gêneros e autores, quando derrete as memórias fixas, para
fazer fluir novas sensações sonoras” (CANEVACCI, 2005, p.177).
A música eletrônica pode ser classificada de diversas maneiras e vários
autores, inclusive músicos têm feito isso (Souza, Fontanari, Fontes). Porém, para os
objetivos desta pesquisa, classifico-as em quatro grupos básicos: house30, techno31,
28 No original: Electronic music is not only about manipulation and transforming existing sounds. It is also about creating completely new and original sounds that have never before vibrated in a human ear. (FRITZ,1999, p.55)29 Disc Jockey é um artista-técnico que mistura músicas diferentes ou iguais para serem dançadas, usando suportes como vinil, cd ou arquivos digitais sonoros. 30 House – Estilo de música eletrônico que apareceu nos anos 80, em Chigado (EUA). Atualmente existem muitas sub-vertentes do house, tais como: Funky-House, Tech-House, Disco-House, Progressive-House, Electro-House, Acid House, Soulful House, Neo-Jazz-House entre outros. Sua velocidade varia de 110 a 133 bpm’s (batidas por minuto)31 Techno – Originado em Detroit (EUA), no início dos anos 80. Batida seca e repetitiva, sem vocais. Vai de 130 a 140 bpm’s.
trance32 e drumb and bass33. Há inúmeras ramificações dentro de cada estilo e estas
categorias não são, de forma alguma, absolutas. Cada estilo apresenta uma história,
um formato e seu respectivo desenvolvimento. Meu propósito não é analisar cada
uma das categorias e sim tratá-las como uma grande corrente, a eletrônica.
Como cada estilo apresenta uma história em particular, basta assinalar
também que cada festa rave é guiada por uma inspiração, organizada em torno e de
acordo com o estilo de som tocado no evento. É preciso destacar que essas
categorias não são estanques, ou seja, as barreiras entre os estilos musicais são
borradas, permitindo a mistura e até mesmo um certo ecletismo musical.Techno, por
exemplo, deriva da palavra technologic (do inglês, tecnológico). Isso significa que a
produção desse tipo de material acontece através das interfaces tecnológicas. A
tecnologia, vista por essa ótica, não pode mais ser percebida como algo que se põe
de cima para baixo, mas como algo latente e maleável, uma tecnologia que se
deseja e é desejosa.
A cultura da música eletrônica está inserida dentro do universo jovem e,
por isso, aglutina as mais diversas tribos, incluindo ravers, adeptos da cena fashion
(unindo moda e eletrônica), e aqueles da cena gay (marcada por passeatas e clubes
de música eletrônica), entre outros. Ou seja, o que se observa é uma expressão
ampla que envolve desde os idealismos de paz, amor, união e respeito (PLUR34) até
o envolvimento empresarial (SOUZA, 2001).
A localização das festas está intimamente associada ao tipo de som e à
batida eletrônica indicada pelo DJ do evento. Quando o house (derivado da palavra
em inglês Warehouse, que significa depósito) é tocado, por exemplo, geralmente as
festas são realizadas em galpões ou fábricas em desuso. Uma rave na praia pode
significar o escapismo, um armazém abandonado pode sugerir o declínio da
industrialização e do fordismo, e uma quadra de esportes pode ser a própria
inserção da diversão no circuito comercial.
32 Trance – Criado na Alemanha, já é uma derivação do techno. Texturas se sobrepõem às batidas. Som viajante. O hard trance acelera as batidas para até 150 bpm e o psy trance (em torno de 138/150 bpm’s) aumenta as camadas de texturas e efeitos sonoros e mistura com trechos de sons étnicos indianos. O trance usa a estrutura e bpm da house ou do techno. 33 Drum and Bass – originário dos guetos negros de Londres (1991/92) esse estilo, saído da cena Hip Hop, associa os baixos potentes com batidas sincopadas. Pode se associar a outras estéticas, como o Jazz, fazendo surgir o jazzy drum and bass, ou no caso brasileiro à MPB,com os DJs e produtores Marky, Xerxes e Patife. Seu ritmo apresenta 160 bpm’s. Disponíveis em: Pragatecno, http://www.pragatecno.com.br. Acesso em: 23 maio. 2008.34 PLUR do inglês peace, love, union and respect.
Segundo Canevacci (2005), quando as raves acontecem em locais
abandonados, expressam uma celebração eufórica da crise da civilização industrial
e o desvio dos escombros-de-cimento para cimento-em-revolta.
A profissionalização das festas despertou o interesse de grandes
empresas em associarem suas marcas ao público jovem. Com um início
relativamente tímido, as raves eram uma alternativa para poucos. Não se imaginava
esse tipo de evento como uma festa massificada. Passada pouco mais de uma
década no Brasil, as raves fazem frente a eventos mais tradicionais como as
micaretas35 de carnaval e as casas noturnas. Atualmente, as raves transformaram-se
de zonas proibidas a espaços programados para o prazer. A cada final de semana,
algo em torno de dois milhões de pessoas por todo mundo participam das festas
rave.
Nos últimos anos, a música eletrônica cresceu poderosamente. Eventos
de “música para dançar” tornaram-se uma parte integrante dos movimentos da
juventude, incorporando DJs, dançarinos e performances variadas36. A música que
não acaba e o alto nível de bpms (batidas por minutos) são significativos construtos
desse tipo de entretenimento.
O suporte de divulgação independente, exilado das mídias comerciais,
sempre esteve conectado à tecnologia. Produzida e gerada na microinformática e
em tecnologias dela decorrentes, a música eletrônica atrela característica de
autonomia e centralização do processo. Com um pequeno aparato tecnológico, o
produtor musical ou mesmo o DJ pode criar seu próprio som (techno, house, etc.)
sem compromissos contratuais e/ou comerciais. E a internet, por sua vez, é o
espaço mais utilizado para a promoção de eventos, reportagens e fóruns sobre o
tema.
De acordo com Fritz (1999), hoje se pode escutar um techno ou mesmo
um drum and bass nas trilhas sonoras de filmes e propagandas. Tanto que não é
preciso ouvidos apurados para observar as vinhetas dos principais telejornais e as
aberturas de alguns programas televisivos. Muitos deles, inscritos dentro de uma
ordem tecnológica, utilizam-se dessa ferramenta e desse estilo de som como forma
35 Micareta é um nome que se convencionou chamar, no Brasil, o "carnaval fora de época”. 36 A tese de Airton Tomazzoni dos Santos, intitulada Lições de dança no baile da pós-modernidade: corpos (des)governados na mídia, vai mostrar quanto a dança está sendo incorporada como uma pedagogia contemporânea direcionada a variados objetivos.(Doutorado em Educação) Universidade Federal do Rio Grande do Sul,2009.
de “capturar” e convocar o espectador.
Fritz (1999) assegura que a “eletrônica está mudando a forma como
classificamos uma música, borrando-se fronteiras entre gêneros, forçando–nos não
somente a ouvir mais atenciosamente, mas requerendo desenvolvimentos novos
nas habilidades de escuta” [tradução minha] (p. 75). 37
Nesta pesquisa, o termo música rave ou na sua forma inglesa rave music,
serve para designar qualquer música eletrônica tocada nas festas rave.
O agrupamento de uma série de sons, estruturas, poliritmos e gêneros
diferentes faz com que se crie um painel sonoro que tem um objetivo específico —
fazer ouvir quem escuta ou dança. A vibe38, ou seja, a atmosfera criada em torno das
vibrações, é a responsável pelo que é sentido por cada participante, possível
somente na presença do coletivo.
Uma cultura da música eletrônica, que opera como inspiração identitária,
só chegou ao Brasil no final da década de 80. Foi a partir dessa época que o país
começou a integrar-se de vez no cenário eletrônico mundial. Anos mais tarde,
apareciam as primeiras raves brasileiras. No início, somente na região de São Paulo
e, logo em seguida, espalhando-se por outras metrópoles brasileiras. Além disso, os
DJs brasileiros passaram a ganhar prestígio no cenário musical eletrônico
internacional.
Desde seu início, no final dos anos 80 quando as primeiras raves
enfrentavam perseguições da polícia, devido a sua associação ao consumo de
drogas o cenário musical eletrônico mudou muito. Dispersou-se por vários países,
acompanhou o surgimento de novos estilos, passou a fazer parte do circuito
mercantil (recebendo milhares de pessoas numa mesma festa e propagando uma
gama de produtos) e, por fim, tornou-se um conjunto de manifestações culturais.
Esta cultura da música eletrônica, onde se engendram produção, difusão e
animação de festas, passa também a ditar influências na moda e nos
comportamentos dos jovens contemporâneos.
37 No original: Electronica is changing the way we classify music, blurring the boundaries between genres, forcing us to not only listen more closely but requiring that we develop new listening skills (FRITZ, 1999, p.75).38 Do inglês vibe significa o estado emocional de uma pessoa ou a atmosfera de um ambiente.
2.2 A droga e a festa: o Ecstasy como válvula de escape
Sábado, 12 de setembro de 2009. Athmosphere39 é o nome de uma das
festas rave que frequentei. Localizada no Sitio Pousada da Figueira, na cidade de
Viamão, eu e um amigo resolvemos conhecer mais uma das badaladas festas de
música eletrônica do Rio Grande do Sul.
Depois de uma semana de muita chuva em todo o Estado, o final de
semana não foi diferente. O tempo chuvoso dava sinais de que festejar a céu aberto
não seria uma idéia tão atrativa assim. Porém, meu palpite estava completamente
errado. E não era isso o que pensavam os mais de 1000 jovens que foram ao evento
e que, de antemão, já haviam garantido o ingresso antecipado para a festa.
Após dirigir por mais ou menos 30 quilômetros até encontrar o local do
evento, uma fila gigantesca de automóveis em plena rodovia esperava para
estacionar. A esta altura, tinha plena certeza de que a festa iria lotar. O evento era
uma promoção da Rádio Atlântida de Porto Alegre e, para garantir a entrada, além
do valor do ingresso que custava cerca de R$ 30,00 reais, era preciso doar um quilo
de alimento não perecível. Aliás, em várias das raves de que participei, esse tipo de
coleta é bastante comum.
A chuva continuava, o meu carro atolava e, mesmo assim, a
movimentação não parava. Ao entrar no sítio, um grande lago dava as boas vindas,
seguido por uma estrada rodeada de flores e árvores. Logo a frente, já era possível
avistar a pista principal de dança. E, para proteger os frequentadores, um toldo foi
montado próximo ao palco do Dj. Mesmo assim, o que pude observar é que muitos
jovens preferiam permanecer ao relento, aproveitando a música bem próximos às
caixas de som.
O palco principal, como pode ser observado através da fotografia logo a
seguir, trazia na sua montagem e composição, uma mistura de cores fosforescentes
que variavam do verde-limão, do roxo, do laranja ao rosa, passando também pelo
azul e pelo amarelo. Uma decoração montada como se mostrasse tochas de fogo
nas cores já mencionadas.
A festa contava com a participação de um público consideravelmente
39 Informações adicionais através do site http://www.noize.com.br/2009/09/12/atmosphere-120909-sitio-pousada-da-figueira-viamao-rs/
grande, em vista das condições do tempo. Como no local, além de mim, havia outros
fotógrafos trabalhando para alguns sites de festas de música eletrônica, fui abordado
várias vezes para tirar foto de uma ou outra pessoa. No começo, fotografei algumas
pessoas e tentei explicar qual era o meu propósito dentro da festa. No final, eu já
estava dizendo. Sou pesquisador, não fotógrafo!
Figura 8 – Rave Atmosphere.
Entre alguns motivos, como o mau tempo e o cansaço físico, não
consegui permanecer na rave até o amanhecer e, às 4 horas da madrugada, já
estava me retirando do evento. Para minha surpresa, demorei cerca de 30 minutos
para sair com o carro porque muitos veículos ainda esperavam para entrar.
Dentro do escopo das análises, buscava também observar a presença
do consumo de drogas nos eventos rave. Nessa festa, não percebi qualquer
alteração na movimentação dos jovens que estavam na pista de dança. Porém,
quando avistava alguns poucos já afastados do palco principal e localizados em
cima de um pequeno morro, percebi nitidamente que, ali, eles não estavam somente
dançando, mas consumindo drogas.
Muito embora as drogas estejam presentes, e eu pude observar isso,
parece que as festas rave só começaram a ser associadas ao consumo de drogas
como o Ecstasy, o LSD, a cocaína, anfetaminas, entre outros psicoativos, porque no
início as festas eram chamadas de acid parties.
O acid era um estilo de música que despontava no final da década de 80.
Como estava intimamente ligado à idéia de psicodelia, fazia alusão ao consumo de
drogas. Este foi um elemento que serviu de inspiração para que os frequentadores
das festas combinassem música eletrônica e drogas. A junção poderia, de certa
forma, potencializar as sensações de curtição e deleite. Era um estilo de música que
emergia o chamado acid house fazendo alusão do acid para ácido, drogas, etc.
Nesta época, o termo “rave” ainda não existia.
Segundo Reynolds (1998), a palavra rave (que significa delirar, falar com
euforia) começa a despontar no cenário comercial no início dos anos 90, reforçando
uma relação da música eletrônica com o Ecstasy e práticas hedonistas. Trata-se de
uma criação da mídia inglesa da época para caracterizar uma grande festa onde se
reuniam milhares de pessoas.
O acid house40 só ganhou atenção no final dos anos 80, na Inglaterra. Na
verdade, esse movimento foi um dos geradores das festas rave, originalmente
denominadas acid parties e tiveram como pátria mítica a ilha de Ibiza na Espanha
(FRITZ, 1999). Segundo o mesmo autor, esse movimento foi essencialmente
marcado pelo consumo do Ecstasy, uma droga sintética a exemplo do LSD. A droga
possui o efeito de otimizar o clima de hedonismo nas festas. O Ecstasy,
primeiramente, foi desenvolvido em 1917, como medicamento.
A ação da droga ocorre sobre os neurotransmissores químicos do
cérebro, como a serotonina, a qual é responsável pela sensação de prazer. O
Ecstasy passou a receber o apelido de “droga do amor”. É uma droga com efeito de
potencialização e promove uma abertura empática em relação aos demais.
A própria música eletrônica discotecada nas raves, com uma textura
sinestésica e seus ritmos excitantes, aumenta o efeito da droga, facilitando a
libertação do corpo e um desprendimento da fala. Reynolds (1998) assim descreve
alguns dos efeitos do Ecstasy.
O efeito da droga é aumentar drasticamente a disponibilidade de dopamina e serotonina, neurotransmissores que conduzem impulsos eletroquímicos entre as células do cérebro. Excesso de dopamina estimula a atividade motora, aumenta o metabolismo e cria euforia. A serotonina é geralmente a reguladora do humor e do senso de bem-estar, mas em excesso, pode intensificar estímulos sensoriais e fazer
40 O Acid House é um estilo de música eletrônica derivado do house. Também se refere ao movimento surgido na Inglaterra no final dos anos 80 que passou a agregar um status cultural às manifestações centradas na e-music. Disponível em http://www.pragatecno.com.br. Acesso em: 22/02/09.
com que as percepções se tornem mais vívidas, algumas vezes, ao ponto de alucinação (p.83). 41
De acordo com Saunders (1997) apesar de o Ecstasy ter um efeito oposto
ao da ressaca, a maior repercussão da droga, dias depois, envolve fadiga,
depressão, irritabilidade e mudanças de humor entre alegria e desolação. A
dopamina, nesse sentido, é reposta mais rapidamente no organismo do que a
serotonina, que leva em torno de uma semana para os níveis voltarem ao normal.
Mesmo sem nenhuma atividade física, o Ecstasy aumenta a temperatura corporal e
pode causar desidratação.
A droga incita um fervor flutuante, um prazer individual, uma energia que
se mobiliza para lado nenhum e que, em poucas horas, se dissolve. A euforia
causada pela droga reage fortemente no corpo e tem como efeitos, sobretudo, a
fragilidade mental e a melancolia.
Os estimulantes são usados para prover energia e atrasar o sono,
funcionam como um intensificador e maximizador do tempo de lazer. O consumo de
drogas do tipo Ecstasy e LSD também remetem à figura da criança, já que atuam
como desinibidores. Essas drogas reforçam um desapego do plano material em
função de uma busca pelo prazer com o outro, uma busca de ligação, de
pertencimento (SAUNDERS, 1997).
O Ecstasy se diferencia das outras drogas recreativas, na medida de sua capacidade de melhorar a comunicação entre as pessoas. Foi isso que tornou a droga popular em eventos sociais, cruzando a barreira da psicoterapia formal e das experiências de introspecção pessoal. Pode ser que a popularidade da droga reflita alguns problemas da nossa sociedade: isolamento, medo da auto-revelação e da expressão do amor não-sexual. O uso hedonista trouxe-lhe má reputação, mas a utilização social do Ecstasy como uma droga dance tem tantos resultados positivos quanto negativos estes muito mais amplamente noticiados [grifos do autor] (Idem, p. 251).
Ainda segundo Saunders (1997), que contextualiza brevemente o
consumo de drogas, os hippies, por exemplo, eram consumidores de maconha,
droga que causava um efeito ao estilo calmante. Os punks, por sua vez, já eram
41 Do original: The drug´s effect is to dramatically increase the availability of dopamine and serotonin, neurotransmitters that conduct electrochemical impulses between brain cells. Excess dopamine stimulates locomotors activity, revs up the metabolism, and creates euphoria. Serotonin usually regulates mood and the sense of well being, but in excess it intensifies sensory stimuli and makes perceptions more vivid, sometimes to the point of hallucination. (REYNOLDS, 1998, p.83)
adeptos do álcool e de “drogas rápidas”, como a cocaína e os derivados da
anfetamina, responsáveis pela aceleração do metabolismo. O MDMA42 já está
totalmente ligado aos ravers, uma vez que proporciona energia, motivação e
entusiasmo.
Os estudos sobre o consumo de drogas entre os jovens (mas não só
entre eles) causam uma certa curiosidade entre os cientistas sociais. Para os
usuários, a urgência ou a necessidade do uso das drogas é simplesmente parte da
diversão. Saunders (1997) leva em conta que “a combinação da droga com música e
dança pode produzir um maravilhoso estado de transe, talvez semelhante aos que
são experimentados em rituais tribais e cerimônias religiosas” (p.50).
As drogas representam, sem dúvida, um dos pontos mais críticos e o de
maior entrave da cultura rave, e seu consumo é o aspecto mais comentado e o mais
visível pela publicação em notícias nos meios midiáticos. Portanto, é impossível
fazer generalizações sobre o uso do Ecstasy e sua relação com as raves. Alguns
artigos, assim como retratos dessa cultura realizados pelos meios de comunicação
de massa, sugerem que o tecido moral da sociedade esteja em risco. Os
frequentadores são descritos como se vivessem fora das fronteiras dos estados de
“normalidade”, “saúde” e “moralidade”.
Conforme a linha de pensamento de Saunders (1997), a grande questão
da cultura rave não pode ser reduzida simplesmente ao consumo de drogas, ou
melhor, a um tipo de droga específico, o Ecstasy. A rave é mais do que música
misturada às drogas. É um manancial de estilos de vidas e comportamentos
ritualizados que forjam certos tipos de sujeitos.
2.3 PLUR: reinventando Woodstock
Ao longo da década de 80 e 90, o fenômeno das festas rave se espalhou
rapidamente pelos países da Europa e, logo depois, por todo o mundo. No início da
década de 1990, as festas começaram a acontecer nos Estados Unidos, sendo
42 MDMA (metilenodioxidometanfetamina) é um composto derivado da anfetamina que possui uma molécula semelhante a um alucinógeno com efeitos moderados que variam entre a sensação de alucinação provocada pelo LSD (ácido lisérgico) e a de excitação criada pela cocaína. Disponível em: http://www.pragatecno.com.br. Acesso em: 20/02/09
produzidas, principalmente, na Costa Leste. E a base de uma filosofia da cultura
rave está atrelada aos eventos rave de mesma inspiração que vinham ocorrendo em
solo norte-americano no mesmo período.
Chiaverini (2009), assim conta o surgimento de uma filosofia conectada
às raves.
Numa dessas festas, que reuniu mais de cinco mil pessoas num galpão abandonado do Queen, um DJ chamado Frankie Bonés, inspirando-se no espírito das raves inglesas, resolveu parar a música por alguns instantes e fazer um discurso. Falou sobre paz, amor, união e respeito, valores que mais tarde seriam resumidos numa palavra formada por suas iniciais em inglês: PLUR (Peace, Love, Union, Respect). Até hoje, ravers de todo o planeta usam as quatro letras para resumir as bases de sua cultura [grifos meu] (p. 50).
Este conceito PLUR surgiu a partir desta festa histórica em Nova York,
onde dois grupos de gangs rivais estavam prontos para uma briga. Foi quando
Frankei Bonés baixou o volume do som e, ao microfone, proferiu uma mensagem
pedindo paz, amor, união e respeito. O discurso terminou com o som aumentado a
todo volume e um mar de ravers balançando suas mãos no ar. Frankie não sabia
que do seu discurso nascia uma importante parte da história das raves.
A doutrina PLUR foi abraçada pelos jovens adeptos da cultura rave e,
agora, forma a base de um movimento global. Dos congelantes fiordes da Finlândia
até as praias escaldantes do Brasil, paz, amor, união e respeito tornaram-se
elementos de uma potente e positiva “frase de efeito” para essa nova geração.
Simplificando:
Peace (paz) - a promoção da paz com as pessoas ao seu redor.
Love (amor) - estar em contato com o próximo.
Union (união) - a união para as causas universais de paz e amor.
Respect (respeito) - para compreender a diversidade de culturas,
gêneros, sexos, raças, etc.
Hoje, a sigla PLUR já se encontra disseminada, inclusive em marcas de
artigos esportivos e artefatos em geral. Conforme Fritz (1999):
A filosofia básica da cultura rave pode ser resumida no acrônimo PLUR, o qual regularmente aparece em flyers e ingressos em todo o mundo e recentemente têm aparecido no design em marcas de roupas esportivas líderes de mercado. Este simples mantra tem sido
amplamente aceito como o guia fundamental da cultura rave [grifo meu] (p.203). 43
Estudiosos como Saunders (1997), Reynolds (1998), Fritz (1999),
Chiaverini (2009), Freire Filho (2008) e Ventura (2006) descrevem que grande parte
do ravers (aqui entendidos como aqueles que freqüentam as festas rave) adotam
como filosofia de vida alguns hábitos saudáveis de alimentação. Muitos deles são
vegetarianos, esportistas, gostam de estar em contato com a natureza e são
adeptos da cultura de preservação do meio ambiente. Além desse grupo que
compõe parte dos frequentadores das raves, existem aqueles que não se encontram
envolvidos em nenhum dos aspectos relacionados à sigla PLUR. Chiaverini (2009)
assim os descreve:
Eles não são vegetarianos, não querem saber de religiões orientais e não pregam nada além do culto ao corpo. Usam cabelo raspado ou bem curto, calça jeans e desfilam sem camisa, exibindo músculos depilados, estufados de maltodextrina, sem um grama de gordura. As meninas usam bota plataforma, calças que embalam as curvas a vácuo e tops justos transbordando de silicone. Os homens e as mulheres desse segundo grupo são malvistos pelos ravers conceitos [grifos do autor] (p. 17).
Muitas pessoas acreditam que a sigla PLUR é uma filosofia que deriva da
época do Woodstock. Em parte, isso é procedente porque os hippies foram os
grandes propagadores do “paz e amor”. Apesar disso, essa filosofia não está restrita
aos hippies dos anos 60. Boa parte dos conceitos da cultura rave foi absorvida do
mundo oriental, mais precisamente da Índia, país onde fica localizado Goa, um dos
locais em que teriam surgido as festas rave.
Os jovens da década de 1960 e 1970 saíam às ruas em busca de
mudanças e faziam meditações coletivas para tentar interromper a guerra do Vietnã.
Em pouco tempo, o movimento que pregava a paz adquiriu grande força e espalhou-
se por diversos setores da sociedade. E, entre os ravers, não são poucos os que se
inspiram abertamente no movimento hippie.
Fazendo uma rápida comparação, Ventura (2006) afirma que, depois de
quase quadro décadas passadas do Woodstock, toda aquela efervescência contra
43 Do original: The basic philosophy of rave culture can be summed up in the acronym PLUR, which regularly appears on, rave flyers and tickets all over the world and has recently turned up on various clothing products from some of the leading sportswear designers. This simple mantra has been widely accepted as the guiding principals of rave culture (FRITZ, 1999, p. 203).
cultural parece ter surtido algum efeito na geração dos jovens de hoje. A história não
se repete, mas tenta. “Nas raves, não há sexo, drogas e rock and roll. Ou melhor,
não há tanto sexo, as drogas são sintéticas e mais abundantes, e o rock virou
trance, house e techno. Mas o espírito ainda é o mesmo, ainda que os tempos não”
[grifos do autor] (VENTURA, 2006, p. 80).
Desenhados a partir de sons, batidas e ritmos, a música eletrônica
movimenta corpos que dentro dos clubs, em ambientes ao ar livre ou em
construções civis abandonadas, trazem vida ao espaço, nem que seja por uma
noite.
Segundo Chiaverini (2009), as raves, nos últimos anos, têm perdido um
pouco do seu caráter original, construído em torno da paz, do amor, da união e do
respeito. Invadidas por jovens que vão à busca de novas drogas, hoje as festas
parecem estar contaminadas por preconceitos e brigas, distanciando-se de sua
inspiração inicial. Essa mudança serviu como estopim para ataques da mídia e de
autoridades.
Para aqueles que se dizem genuinamente ravers, PLUR é uma sigla, mas
que atende a uma espécie de filosofia de vida também. Nessa filosofia, seria preciso
saber cultivar a paz individual e coletiva, sentimentos de carinho e amor para com o
próximo, incitar a união entre todos e respeitar o meio ambiente, bem como aqueles
que estão ao seu redor, independentemente de credo, raça, religião ou opiniões.
É esse espírito que tem rondado algumas festas rave, onde
comportamentos comuns de simpatizantes da cultura eletrônica do Brasil, da
Inglaterra, dos Estados Unidos, da Índia ou da China são igualmente percebidos.
Torna-se importante assinalar que toda essa corrente só é possível graças à
cibercultura, que forma mosaicos, os quais, conectados uns aos outros, criam uma
tessitura global.
2.4 Moda Rave: um encontro com o lúdico
A moda, um conceito tão discutido e corriqueiro na atualidade, nem
sempre foi um assunto de pauta. Durante milênios, homens e mulheres primavam
pela manutenção das tradições, e as roupas reproduziam e mantinham as
aparências e valores da época.
De acordo com Lipovetsky (2006), a partir do final da Idade Media, já é
possível observar uma ordem da moda, com seus sistemas, algumas metamorfoses,
movimentos intensos de transformações e extravagâncias. É diante de um reino
permeado pela efemeridade e pela novidade que a moda se estabelece e cria
raízes.
[...] enquanto nas eras de costume reinam o prestígio da antiguidade e a imitação dos ancestrais, nas eras da moda dominam o culto das novidades, assim como a imitação dos modelos presentes e estrangeiros — prefere-se ter semelhança com os inovadores contemporâneos do que com os antepassados (LIPOVESTKY, 2006, p.33).
Diante da consagração do instantâneo, do efêmero, do descartável e do
obsoleto, a moda passou a fazer parte da vida dos indivíduos e também a ditar
algumas regras nas ordens de consumo, uma vez que “durante a mais longa parte
da história da humanidade, as sociedades funcionaram sem conhecer os
movimentados jogos das frivolidades” (LIPOVETSKY, 2006, p.27).
Hoje, a moda está calcada na depreciação do antigo, mas também na sua
revalorização, na constituição de significados, na interpelação por conta da
publicidade, na mobilização que adereços, objetos e roupas em geral suscitam na
vida de uma infinidade heterogênea de consumidores. A moda é considerada “[...]
uma prática dos prazeres, é prazer de agradar, de surpreender, de ofuscar. Prazer
ocasionado pelo estímulo da mudança, a metamorfose das formas, de si e dos
outros” (LIPOVETSKY, 2006, p.62).
A relação entre moda e música eletrônica tem influenciado algumas
tendências, formas de se vestir, de se comportar, de estar e habitar o mundo
contemporâneo. No início, havia uma vestimenta comum associada aos sujeitos-
rave, mas com o tempo, essa tendência de moda dissipou-se.
Fritz (1999) ressalta que a maneira streetwear e as formas andrógenas de
vestimenta permearam boa parte da cena rave no final dos anos 80 até a década de
90. Com a multiplicação dos eventos de música eletrônica, bem como sua
disseminação a uma imensa parcela heterogênea de jovens, as disposições se
alteraram.
O que observei durante as festas é que um estilo mais despojado e
esportivo tem invadido as raves. Geralmente, os jovens estão vestidos com
camisetas esportivas, tênis e calça jeans. Hoje, as roupas dependem mais do clima
e do lugar onde as festas acontecem. Entretanto, o mais distintivo e puro caráter da
rave fashion style é chamado de “candy” 44. A moda candy envolve adereços
coloridos que vão desde colares de néon, braceletes, pulseiras brilhantes, jóias, até
chapéus divertidos em cores fortes e berrantes. Todos estes adereços do tipo
“candy” hoje invadem outros nichos celebrativos e de mercado, enfeitando e
animando festas de casamento, aniversários, formaturas e bailes de carnaval.
Figura 9 - Jovens adeptos da Moda Candy45
44 Candy, do inglês, significa doce, bala, etc.45 Figura 9 - Foto disponível em http://www.flickr.com/photos/18623248@N00/2917214459
Figura 10 - Candy Raver em evento de música eletrônica (São Francisco-EUA)46
Talvez as duas fotografias anteriores (fig. 8 e 9) sejam bem emblemáticas
e até um pouco exageradas para o que pretendo mostrar. Mas é exatamente neste
excesso que um conjunto de artefatos da cultura rave pode ser observado. A
começar pelos cabelos pintados e pelos inúmeros colares que lembram doces e
peças de brinquedos do mundo infantil. Essas vestimentas retratam, de certa forma,
o espírito de alegria e descontração que ronda as festa rave.
Entre as minhas observações, o que pude notar é que os jovens que hoje
frequentam as festas rave (analisadas aqui a partir dos eventos de que participei)
usam adereços coloridos e marcantes, mas eles não estão assinalados de forma tão
alegórica como nos jovens expostos nas fotos. As vestimentas coloridas não estão
inscritas na roupas, mas no detalhe de uma tatuagem à mostra, na pulseira e colar
brilhantes ou mesmo em um tênis chamativo. O que pude apreender também é que
a decoração desses eventos é o ponto de destaque das festas. Os palcos são
montados com bastões fluorescentes, tecidos de cores cintilantes, aparelhagens
com tecnologia de ponta, shows pirotécnicos e de malabarismos.
Enfim, uma moda que surgiu na cultura rave encontra-se espalhada por
inúmeros espaços festivos e de celebração, apostando num conceito
contemporâneo de divertimento. Uma maneira atual que inclui decorações coloridas,
46 Foto disponível em http://www.flickr.com/photos/loupiote/2470068747
lugares inusitados e longa duração. Também é importante lembrar que alguns
adereços coloridos e vibrantes que fazem parte da indumentária apresentam
duração efêmera. Pulseiras cintilantes duram somente o momento da festa e, logo
depois, dissipam-se, perdem seu brilho e cor, restando um objeto despido dos
atributos que o fazia especial.
As roupas apresentam uma importante função. Vistas como um elemento
de comunhão, têm circulado como um símbolo de respeito, amizade e afeto.
Brinquedos do mundo infantil como pirulitos, lasers, ursos de pelúcia e outros
objetos celebram uma certa dimensão lúdica e ingênua do evento. Para alguns
ravers, esses brinquedos criam uma atmosfera inocente, já para outros, a
interpretação é a de que eles funcionem como uma válvula de escape para
amortecer a realidade do dia-a-dia.
2.5 Buscando um jovem no www – um passeio entre as redes sociais online
A rede mundial de computadores, internet, concebida enquanto um
espaço de dimensão global, arquitetada como um ambiente desprovido de
fronteiras, e por isso, habitável por qualquer um que tenha acesso à rede,
“territorializa” determinados tipos de comunidades. Para além das instituições que
formavam os pilares da modernidade como a família, a escola e a igreja, hoje, outras
instâncias e espaços culturais também se tornam centrais na produção de
subjetividades e identidades.
As tecnologias de comunicação e informação corroboram algumas
transformações nas formas de compor e recompor culturas, forjar identidades e
disseminar modos de ver e pensar. Dessa forma, as ferramentas virtuais de
comunicação ocupam lugar de destaque no arranjo social de indivíduos dentro do
cenário contemporâneo.
Uma sociedade em rede, segundo Castells (1999), é aquela que se forma
a partir de circuitos de informação oriundos do avanço das tecnologias com base na
microeletrônica o embrião da internet.
Neste sentido, o termo cibercultura passou a ser utilizado para designar
qualquer composição social moldada no ambiente virtual ou ciberespaço. Segundo
Lemos (2003), essas comunidades estão ampliando e popularizando a utilização da
internet e de outras ferramentas tecnológicas de comunicação.
Uma entre as muitas acepções da palavra cibercultura que ajudou a
popularizar o termo no Brasil foi indicada por Lemos, quando do lançamento da obra
de mesmo nome em 2002. O autor define a cibercultura como a forma social e
cultural emergente das relações entre a sociedade e as tecnologias. A cibercultura,
conforme Lemos (2003), pode ser entendida a partir dos vários desdobramentos no
âmbito histórico, social, econômico, cultural, ecológico e teria sua origem diante de
um cenário descrito como pós-moderno, derivado da falência das metanarrativas e
da criação de outras possibilidades de comunicação.
Dos flyers à web, a convocação dos jovens para o universo da música
eletrônica ocorre através dos componentes ligados ao desenvolvimento das
tecnologias digitais de comunicação e informação. Distante da sua esfera original,
onde as informações sobre os eventos rave se expandiam de forma clandestina e,
principalmente, no boca-a-boca, hoje a internet satisfaz essa demanda, formando
tribos, reunindo e divulgando uma infinidade de materiais relativos a este universo.
Para Lemos (2003), a cibercultura ocupa lugar especial no desenho da
cultura rave. A cultura da música eletrônica é a própria expressão da cibercultura
contemporânea por ser uma apropriação social das tecnologias digitais.
O cenário eletrônico musical tem se utilizado das mídias alternativas para
a divulgação dos eventos através de mensagens via celulares, sites de divulgação
de festas, chats, listas de discussão na web, comunidades virtuais e redes sociais.
As ferramentas comunicacionais legitimam uma aproximação entre a cultura
eletrônica e as novas tecnologias.
A cibercultura que se forma sob os nossos olhos, mostra para melhor ou para pior, como as novas tecnologias estão sendo, efetivamente, utilizadas como ferramentas de uma efervescência social (compartilhamento de emoções, de convivibialidade e de formação comunitária). A cibercultura é a socialidade como prática da cultura (LEMOS, 2003, p. 96).
A rápida velocidade e o poder com que a mídia dissemina informações
transformam a maneira como as pessoas vivenciam o tempo e o espaço. Inúmeros
fatos são noticiados todos os dias, das mais variadas formas (mídia impressa,
eletrônica, televisiva, digital) e pelos mais distintos canais de comunicação
(televisão, rádio, internet, etc.). Ao mesmo tempo em que se tem a impressão de
poder de escolha, podendo filtrar, entre as muitas informações, aquelas que
realmente interessam, também se mantém um sentimento de confusão, já que se
torna difícil operar com demasiada e excessiva oferta de informação.
A multiplicidade de acontecimentos que são veiculados 24 horas por dia,
de alguma maneira, serve para alertar que uma cultura apressada e veloz produz
outras formas de habitar o espaço e o tempo. Em qualquer site, é possível visualizar
imagens, escutar músicas, assistir vídeos e ler textos. São múltiplas e interativas as
formas de recepção e as convergências das mídias.
Du Gay (apud Hall, 1997) ajuda-nos a entender:
(...) a nova mídia eletrônica não apenas possibilita a expansão das relações sociais pelo tempo e espaço, como também aprofunda a interconexão global, anulando a distância entre as pessoas e os lugares, lançando-as em um contato intenso e imediato entre si, em um “presente” perpétuo, onde o que ocorre em um lugar pode estar ocorrendo em qualquer parte (...). Isto não significa que as pessoas não tenham mais uma vida local que não mais estejam situadas contextualmente no tempo e espaço. Significa apenas que a vida local é inerentemente deslocada que o local não tem mais uma identidade “objetiva” fora de sua relação com o global [grifos do autor] (p.18).
Com o reconhecimento desses espaços e da relevância que os mesmos
apresentam, compreende-se que um conjunto de redes eletrônicas virtuais, serviços
e produtos articulados ao ciberespaço como os sites pessoais ou institucionais, os
blogs47, as salas de bate papo e as redes sociais online48, compõem um dos
elementos que formam a cultura rave.
O universo empírico da minha pesquisa, relacionado às redes
tecnológicas de comunicação, surgiu a partir do site de relacionamento Orkut. Foi
neste espaço virtual que iniciei as aproximações e abordagens ao universo rave.
Fóruns, comunidades, convites para festas — tudo girava e passava pela rede
social, mas as informações não se encontram limitadas a este espaço.
47 Blog é uma página na web que serve como uma espécie de diário virtual, onde os blogueiros (como são chamadas as pessoas que tem blogs) divulgam inúmeras notícias, fatos cotidianos, acontecimentos importantes nas suas vidas. Porém, os blogs não estão restritos a isso. Existem blogs que abrangem os mais variados tópicos desde economia, política, cultura, educação, etc. E muitas vezes, meios de comunicação, por meio de seus funcionários tais como repórteres e colunistas, mantêm blogs atualizados com o intuito de formar novos leitores e divulgar seus trabalhos.48 Quando uma rede de computadores conecta pessoas, isso é uma rede social. Uma rede social é um conjunto de pessoas (ou organizações ou outras entidades sociais) conectadas por um conjunto de relações sociais, tais como de amizade, trabalho ou assuntos específicos.
A rede social Orkut, lançada em janeiro de 2004 pela empresa Google,
tem como meta ajudar os membros a cria novas amizades, reencontrar amigos e
oferecer oportunidades de fundar comunidades de interesse. A rede visa também
reunir pessoas por afinidades, que podem se agregar de acordo com determinados
temas tais como esporte, religião, tecnologia, televisão, rádio e até mesmo alguns
hábitos cotidianos.
Atualmente, é possível observar a expansão das redes sociais online e,
hoje, são tidas como instrumentos poderosos de comunicação e de grande
popularidade, especialmente entre o público jovem. Blogs, chats49, MSN
Messenger50, Orkut, MySpace51, Facebook52, Twitter53, LinkedIn54, entre outras redes
sociais, são praticamente ícones desta geração que adentra a primeira década do
século XXI.
No início, procurei me aproximar dos participantes dos eventos rave
enviando, trocando mensagens e solicitando informações sobre as festas. No
decorrer de dois meses, minha caixa de e-mails transbordava com convites,
inclusive com promoções de agências de turismo especializadas em levar e trazer
os ravers de festas que aconteciam longe dos centros urbanos, além de cruzeiros
em transatlânticos com proposta de festas rave.
Lemos (2003) alerta que, pela primeira vez na história, qualquer pessoa
(haja vista suas habilidades) pode receber e transmitir informações em tempo real,
sob diversos formatos e para qualquer lugar do planeta. A rede mundial de
computadores surge como elemento máximo da cibercultura e funda uma era de
conexão globalizada e instantânea. Em sua modulação móvel, a internet se encontra
cada vez mais deslocada de espaços fixos, lugares e territórios. É a revolução do
49 Chats são as chamadas salas de bate-papos dentro dos espaços virtuais.50 Programa de troca de mensagens instantâneas em que diferentes indivíduos podem conversar em tempo real. Icq, Skype, Google Talk, entre outros, são programas similares.51 Uma entre as diversas redes sociais, o MySpace tem uma peculiaridade de ser uma rede mais voltada para a disseminação de músicas e dos trabalhos de artistas. Página oficial disponível em: http://www.myspace.com. Acesso em: 7 out. 2009.52 Facebook é uma rede social on-line a exemplo do Orkut. Ela apresenta os mesmo elementos que compõe uma rede social. O Facebook atingiu a cifra de 40 milhões de integrantes no semestre de 2007. Página oficial disponível em: http://www.facebook.com. Acesso em: 9 out. 2009.53 O Twitter é uma rede social para microblogging que permite aos usuários enviarem e lerem atualizações pessoais de outros contatos (em textos de até 140 caracteres, conhecidos como "tweets"), através da própria Web, por SMS e por softwares específicos instalados em dispositivos portáteis como celulares. Disponível em : http://www.twitter.com .Acesso em: 9 out. 2009. 54 LinkedIn é uma rede de negócios fundada em Dezembro de 2002 e lançada em Maio de 2003. É principalmente utilizada por profissionais. Disponível em: http://www.linkedin.com. Acesso em: 10 out. 2009.
Wi-Fi55.
As comunidades no ciberespaço, geralmente, se formam de maneira
esporádica, casual, e se constituem à medida que os indivíduos navegam pela rede.
Os internautas (como são chamadas as pessoas que transitam pela internet)
encontram, por todo o planeta, pessoas com as quais compartilham os mesmos
gostos, interesses ou afinidades. Lemos (2003) comenta que a vida social na rede é
caracterizada pela fluidez e por uma constante mobilidade.
O ciberespaço é, ao mesmo tempo, lócus de territorializações (mapeamento, controle, máquinas de busca, agentes, vigilância), mas também de reterritorialização (blogs, chats, P2P, tecnologias móveis). Trata-se de afirmar a potência desterritorializante, mas também reterritorializante, das tecnologias da cibercultura (idem, p. 15-16).
Maffesoli (2006) interpreta que a internet serve como um centro para a
comunhão dos santos pós-modernos. É no ciberespaço que se incentivam a
propagação de idéias, valores, práticas e onde qualquer encontro aparentemente
ocasional ou casual tem como único status a valorização do estar-junto. Nas tribos
pós-modernas, um ethos de comunhão é formado por um conjunto de expressões
que nos remetem ao compartilhamento de emoções. A adesão à comunidade ou ao
grupo ocorre, quase sempre, de forma espontânea, fugaz e sem necessidade de um
objetivo ou fidelidade perpétua (MAFFESOLI, 2006).
Na mesma corrente, Canclini (2006) considera que as ferramentas
eletrônicas fizeram surgir outros profissionais que, ao longo do tempo, abarcaram
lugares de antigas profissões.
A inovação estética interessa cada vez menos nos museus, nas editoras e no cinema; ela foi deslocada para as tecnologias eletrônicas, para o entretenimento musical e para moda. Onde havia pintores ou músicos, há designers e discjokeys. A hibridação, de certo modo, tornou-se mais fácil e multiplicou-se quando não depende dos tempos longos, da paciência artesanal ou erudita e, sim, da habilidade para gerar hipertextos e rápidas edições audiovisuais ou eletrônicas. Conhecer as inovações de diferentes países e a possibilidade de misturá-las requeria, há dez anos, viagens frequentes, assinaturas de revistas estrangeiras e pagar avultadas contas telefônicas; agora se trata de renovar periodicamente o equipamento de computador e ter um bom servidor de internet (CANCLINI, 2006, p.35).
55 Internet sem fio
Com o desenvolvimento das tecnologias voltadas à confecção de material
sonoro, produzir música e publicá-la na internet tornou-se fácil e acessível. O avanço
desta interface tecnológica também ocasionou uma considerável redução nos custos
de produção. Os indivíduos inscritos dentro desse universo passaram a fabricar seu
próprio som por meio de computadores pessoais. O mercado de softwares para a
criação de músicas abriu caminho tanto para a profissionalização dos DJs quanto
para os que a enxergam como um passatempo.
No próximo capítulo da pesquisa, analiso algumas comunidades virtuais
relacionadas à cultura rave. A internet (ciberespaço) serve como um dos elementos
que compõe a cultura rave, seja nas convocações para os eventos de música
eletrônica, seja como um ambiente para promoção e divulgação de DJs, bem como
para a propagação de idéias relacionadas a este universo e suas diversas
manifestações. Assim, enxergo os espaços e as comunidades virtuais como lugares
que corroboram os processos de convocação destes jovens a participar das festas e
incluir-se na cultura rave.
CAPÍTULO III
CONVOCANDO JOVENS PÓS-MODERNOS PARA A CULTURA RAVE
Eles pulam, eles se abraçam, eles dançam, eles bebem e, muitos deles,
se drogam. O comportamento desse tipo de juventude que vai às festas rave não
pode ser restringido somente ao consumo de drogas, ao hedonismo e ao
divertimento. O conceito que envolve a cultura rave está atrelado a um determinado
estilo de vida que vai se compondo nas nuances de uma sociedade sempre em
movimento. Não há uma definição preestabelecida de comportamentos dentro das
raves, já que as festas são produzidas de acordo com algum tipo de inspiração e
conforme determinado tipo de música eletrônica.
Uma característica marcante nos eventos rave em que estive presente é a
ausência de qualquer forma de preconceito. Não existem rótulos para categorizar ou
marcar distinções de classes sociais, raciais ou mesmo sexuais. Percebo isso
porque os sujeitos-rave não vão às festas com o intuito de retirar-se para namorar,
beijar, ou melhor, esse não é seu objetivo principal. Os jovens têm na diversão seu
foco primordial. E é esse divertimento compartilhado que faz as festas rave
acontecerem.
Quando fui às festas, o que pude observar é que a celebração coletiva
com o outro, que pode até ser um desconhecido, é um retrato característico da
cultura rave. Outro aspecto bem intenso associado à cultura rave é a solidariedade
irrestrita entre seus frequentadores. Em uma das festas que frequentei, quando os
participantes passavam mal por causa do consumo exagerado de drogas ou
bebidas, eles eram atendidos e socorridos prontamente por outros jovens. Mas a
solidariedade não fica restrita a isso. A solidariedade também está para com os
novatos nesse universo. Muitas vezes, ao circular nas festas como observador, era
chamado a dançar com eles, a interagir, era convocado a participar. Não basta estar
no evento, é preciso vivê-lo em comunhão com os demais. A impressão que se tem
é que, mesmo indo sozinho à festa, você nunca se sentirá só. Sempre vai surgir
alguém para conversar, dançar, se divertir.
Se, nas práticas culturais coletivas da década de 80, já era possível
perceber um crescente estímulo ao aumento dos prazeres corporais, vejo que a rave
está levando isso ao extremo quando alcançamos o final da primeira década do
século XXI. Apesar de poder observar uma grande fragmentação nos formatos das
festas rave, o que une, na cultura rave, é a busca incansável e sempre constante do
limite do prazer.
O que tenho notado igualmente é que o consumo de expectativas é
intensamente maior e mais importante para esses jovens do que qualquer outro tipo
de consumo. Expectativas no sentido de esperar o que vai surgir, qual a próxima
música, qual a próxima batida. E não apenas de música, mas também de tendências
e estilos a serem celebrados. O comportamento do consumidor jovem rave pode ser
visto como um certo culto à aceleração, expresso numa excitante expectativa sobre
as consequências do encontro com as novas tecnologias.
Tudo indica que a fruição começa bem antes da festa. Esses jovens se
preocupam em “esquentar” antecipadamente o evento, postando mensagens em
comunidades virtuais, relatando sua ansiedade para o dia da festa e compondo o
próprio visual. Trata-se de uma certa pré-euforia ou um clima de entusiasmo
antecipado. Assim, pode-se dizer que o acontecimento das festas rave e a
disseminação da cultura desafiam qualquer declaração simplista de que a rave é
uma festa independente e que esgota em si mesma.
Meu objetivo, neste capítulo, é apontar para as principais formas como
essa cultura convoca uma parcela da juventude para fazer parte de acontecimentos
tão peculiares e fugazes como o que venho descrevendo neste estudo. Como
pesquisador, ao tentar me aproximar da cultura rave, fui alvo de suas interpelações
e de suas pedagogias, e pude experimentar um lugar de aprendiz. Foi quando
percebi que pedagogias precisam ser praticadas para que um sujeito se torne um
raver. No meu caso, para aprender com essa cultura foram necessários exercícios
constantes de concentração, porque são tantos os estímulos que povoam o
ciberespaço, as festas e os lugares onde essa cultura circula que, muitas vezes, o
trabalho do pesquisador se torna complicado. É possível olhar para inúmeros
lugares e cada um deles poderia ser objeto de análise.
3.1 Convocação e espetáculo: aprendendo com as festas rave
A amplitude do fenômeno das festas rave pode ser percebida a partir de
como se denominam os jovens-rave: uma tribo global. A noção de tribo global é vista
aqui por uma perspectiva de simultaneidade, espalhada na procura por lugares
longínquos distribuídos pelos cinco continentes do planeta, e ainda na maneira
encontrada de confraternizar dentro de um mesmo espaço.
Bauman (1999), na obra Globalização, reitera que uma parte dos
processos de globalização se dá através da progressiva segregação espacial.
As tendências neo-tribais e fundamentalistas, que refletem e reformulam experiência das pessoas na ponta receptora da globalização, são fruto tão legítimo da globalização quanto a “hibridização” amplamente aclamada da alta cultura alta cultura globalizada [grifos do autor] (BAUMAN, 1999, p. 9).
Na mesma linha de pensamento, Canclini (2006) afirma que a
globalização é um processo complexo e independente de qualquer raiz ideológica. O
fenômeno da globalização, segundo o autor, permite sua extensão ao campo da
cultura. Predomina hoje uma transacionalização de culturas impulsionada pelas
tecnologias de comunicação, o que faz existir uma justaposição de culturas.
Uma abordagem sobre os grupos juvenis urbanos imersos no cenário
contemporâneo, como os próprios ravers, exige uma análise que identifique a
complexidade dos discursos que envolvem o universo da cultura rave e as práticas
culturais de seus participantes.
Estudos sobre as culturas jovens, como a clubber56 e a raver, estão
frequentemente associadas ao uso de drogas, o que as torna foco de análise
complexa e delicada no campo da educação. As manifestações clubbers ou ravers,
segundo Thompson (2005), são distintas das suas antecessoras, como a cultura
punk e, de fato, necessitam de teorias diferentes para dar conta de suas
idiossincrasias.
56 Clubber é um termo em inglês atribuído a pessoas que frequentam danceterias (os clubs em inglês). Essa nomenclatura foi comum nos anos 90 e ajudou a elevar a cultura noturna pelas metrópoles. No Brasil, o termo clubber designa aqueles indivíduos que são frequentadores das casas noturnas e que em suas vestimentas utilizam-se de acessórios e adereços coloridos e vibrantes.
A experiência coletiva no modo de festejar dentro das festas rave
estabelece relações típicas de caráter neotribal. As afinidades ali estabelecidas não
se encontram baseadas em vínculos biológicos, institucionalizados, fixos ou mesmo
permanentes. A reunião tribal típica do século XXI vivenciada nos eventos rave se
dissolve ao término da festa, podendo ser reeditada num próximo acontecimento,
com os mesmos ou com outros participantes.
Consequentemente, é preciso atentar ao fato de que, mesmo sendo um
agrupamento tribal disperso e móvel, ele permanece vivo ainda por algum tempo. Os
jovens conectados à cultura rave, quando navegam pela internet através das
comunidades virtuais e pelos sites especializados em música eletrônica, estão, de
certa forma, dando continuidade à festividade e celebrando aspectos dessa cultura.
Seja para tecer comentários sobre a festa, seja para planejar o próximo evento ou
mesmo para baixar as fotografias e as músicas dos Djs, a reunião neotribal do tipo
rave ocorre num espaço delimitado e parece durar um tempo desejado, mas este
tempo é movediço porque, às vezes, sobrevive em outros ambientes.
O que tenho analisado é que esses festejos coletivos são episódios
transitórios, locais e efêmeros, realizados nos finais de semana e organizados para
que os indivíduos vivam aquele universo durante um período e numa esfera com sua
própria orientação. A festa rave ensina aos seus frequentadores que o prazer da
dança e da celebração hedonista não pode ser adiado. A festa rave ensina também
que o espetáculo da tecnologia está a nossa disposição para ser usado, vivido,
consumido, e logo depois, descartado, sem arrependimentos.
O deslocamento físico dos participantes, considerando-se a localização
variada das festas rave, efetiva uma fuga simbólica, mas também um subterfúgio
real do universo das grandes cidades e de suas veemências. O próprio evento tem
um lugar peculiar na vida social dos frequentadores, pois tenta distanciar-se da
lógica e das regras da vida cotidiana, dirigindo-a para um determinado lugar onde o
espetáculo e a “liberdade” podem ser vividos, aceitos e celebrados.
Outra maneira de enxergar a relação das festas rave com a vida
contemporânea pode ser expressa pela forma de festejar, que vai acompanhando os
movimentos cíclicos do dia. As festas perduram, pelo menos, até o primeiro nascer
do sol. É ao amanhecer que, geralmente, cria-se um período de euforia entre os
participantes, comemorando um enlace com a natureza no momento em que
aparecem os primeiros raios de sol.
O período da noite e da madrugada, por sua vez, é o escolhido para a
realização dos grandes espetáculos e atrações das raves: shows de raio laser,
efeitos fluorescentes, performances variadas, espetáculos de pirotecnia só para
citar algumas das atrações encarregadas de construir um cenário de ludicidade e
divertimento dentro dos eventos.
Para discorrer a respeito da tribo raver, vou ao encontro do pensamento
de Lemos (2006), que diz que não há um padrão para a formação das tribos, uma
vez que elas não precisam se originar em um local situado geograficamente, e nem
ser uma exclusividade da virtualização. As neotribos podem nascer no espaço
virtual, mas do mesmo modo, a partir de uma localização física um país, uma
cidade, um bairro, uma escola, um clube, etc. Essas tribos passam a coexistir e se
relacionar no ambiente virtual, porém as relações não se encontram restritas ao
ciberespaço, visto que também ocorrem interações fora dele. Todo espaço,
independentemente de sua natureza, seja físico ou simbólico, real ou virtual, pode
vir a se transformar em território cultural no momento em que é apropriado pelos
seus usuários.
Mais interessante do que aproximar ou diferenciar essa juventude, o que
se tem observado é que os jovens fazem das festas rave e dos lugares onde elas
acontecem, um ritual do século XXI. A propagação da idéia de que “o futuro é agora”
anuncia uma atitude hedonista que não posterga o prazer.
De acordo com Reynolds (1998):
A dance music há tempos tem sido a casa de duas versões radicais opostas sobre o que significa a rave. De um lado, o transcendentalismo, a nova psycodelia discursiva de planos maiores de consciência imersos na humanidade/terra/cosmos. No outro lado, o Ecstasy e a música rave inserem-se na emergente “cultura rápida” de chutes adolescentes e vibrações baratas; vídeo games, skate, snowboard, bunjee jump, e outros esportes radicais; filmes da blockbuster onde as narrativas são meras estruturas superficiais para a exibição de efeitos especiais espetaculares [grifos meu] (p. 10). 57
57 No original: Dance music has long been home to two radically opposed versions of what rave is “all about”. On one side, the transcendentalist, neopsychedelic discourse of higher planes of conscious merger with Humanity/Gaia/the Cosmos. On the other, Ecstasy and rave music slot into an emergent “rush culture” of teenage kicks and cheap thrills: video games; skateboarding, snowboarding, bungee jumping, and other “extreme sports”; blockbuster movies whose narratives are merely flimsy frameworks for the display of spectacular special effects (BERTMAN, 1998, p. 10).
Para mostrar a produção do jovem contemporâneo imerso na cultura
rave, trabalho na segunda linha de raciocínio proposta por Reynolds, onde a
movimentação das festas rave está em concordância com as características da
sociedade contemporânea: a velocidade, o imediatismo, o agorismo, entre tantas
outras. Stephen Bertman (apud Bauman 2007) cunhou o termo “cultura agorista” e
“cultura apressada” para demonstrar a forma como vivemos em nossa sociedade.
Revela também que a idéia de juventude está estreitamente ligada ao conceito de
velocidade.
O amor pela juventude, como o próprio poder do agora, está relacionado à idéia de velocidade. Como um tempo de vida com grande vigor, a juventude é o período de maior capacidade de movimento. Para simplificar, quando se é jovem, pode-se mover mais rápido do que quando se é velho e devagar. E mover-se é precisamente um valor da sociedade sincrônica (BERTMAN, 1998, p.50). 58
De acordo com Lemos (2003), as mídias digitais alteraram a percepção
do espaço e do tempo ao oferecer formatos particulares de emitir informações para
além de uma espacialidade. As transformações midiáticas vêm acompanhando a
humanidade desde sua forma mais primitiva, a escrita, e agem como instrumentos
de memória. Passou pelo telégrafo, acompanhou as evoluções no campo da
telefonia, no rádio, na televisão, até chegar à internet, que introduz uma cultura
marcada pelas tecnologias digitais: a cibercultura. Na cibercultura, pode-se estar
aqui e agir à distância (LEMOS, 2003).
O fato é que o mecanismo de comunicação digital permite a divulgação
de informações que podem ser de interesse geral, podendo atrair um grande número
de pessoas, como também permite a difusão de características bem específicas de
uma cultura, a exemplo da rave, de tal modo a despertar interesse de um grupo
determinado e bem específico.
Portanto, nas festas que celebram a cultura rave, os fluxos de linguagens
variados como a da música, a iluminação, a moda e as performances em geral, se
cruzam, vão tecendo afinidades eletivas, dão vida a espaços e configuram territórios
existenciais. Territórios não perenes, mas provisórios, compostos na linha de uma
58 No original: The love of youthfulness, like now´s own power, is related to the idea of speed. As the time of life with the greatest vigor, youth is the period most capable of motion. To put it simply, when we are young, we can “keep up” more readily then when we are old and slow. And “keeping up” is precisely a synchronous society values (BERTMAN, 1998, p.50).
cultura viajante, em movimento, e que a própria civilização legou à
contemporaneidade.
As festas rave, parte integrante de uma cultura maior, estão intimamente
relacionadas a uma organização dos grupos ou tribos, onde se acham impressas
marcas da cotidianidade desses sujeitos. As festas rave fazem parte da realidade
social e da vida desses jovens e, como tal, expressam ativamente suas vivências,
conflitos e tensões.
Quando se analisa o espaço da raves, considera-se que tal festividade
está menos sujeita a regras (embora elas estejam presentes) e, assim,
hierarquicamente menos estruturadas do que outras formas coletivas de
organização. É pelo estilo de música que gostam de ouvir, pela facilidade com que
lidam com as tecnologias ou mesmo pelo gozo intenso do presente, que a cultura
rave tem sido discutida como uma forma progressiva e pós-moderna de “afirmação
juvenil”.
No imaginário criado ao redor das culturas jovens, as festas rave
apresentam um caráter de liberdade. Podem ser diagnosticados nos acontecimentos
alguns traços que nos fazem refletir, como a fuga das grandes cidades para “outros
lugares”, para além das casas noturnas, para além do muros de concreto, para além
dos espaços da escola, do igreja, da empresa ou da própria casa.
O lugar da cultura rave, ao fazer uso das tecnologias digitais e de saberes
não institucionalizados, deslocou alguns territórios de conhecimento. E as festas,
bem como a própria cultura rave, foram se reinventado, cada qual com suas
ferramentas, suas sonoridades, suas multidões e tribos, suas estéticas, suas
imagens, seus espetáculos e, dentro de seus ambientes, têm produzido
determinados tipos de sujeitos.
As raves e os sujeitos-rave fluem pelos espaços urbanos, estão em
movimento e são impossíveis de serem fixados em um determinado lugar. As raves
existem como um lugar que permite ao indivíduo imaginar um espaço da diferença e
da semelhança, um espaço para experimentar o limite. De fato, nas festas rave, os
sujeitos testam os limites do festejar, os limites do corpo e dos delírios da alma.
Por algumas ou por muitas horas, é possível deixar de lado um mundo
cheio de contradições, competições, conflitos, confusões e adentrar uma esfera
onde qualquer um pode “festejar” o que de fascinante está manifestado nos tempos
pós-modernos: os movimentos, as tecnologias, as cores vibrantes, a interação.
Elementos que são as leis da ilha, da praia, do galpão ou da fábrica abandonada.
Para alguns, este é o único momento de comunhão. Para outros, pode significar
novas perspectivas de vida. E para muitos, é só um momento de diversão e de
experimentar novas drogas.
O que venho constatando nas festas é que a realização imediata, mas
também sua exaustão, cria e destrói interesses com a mesma velocidade que incita
prazeres cadenciados. Em uma era do consumo volátil, a transitoriedade dos gostos
afronta a durabilidade dos meios e a perenidade dos lugares.
Esses elementos são suficientes para localizar os sujeitos e o movimento
rave como uma celebração pós-moderna que cria, recicla, mixa, descarta e inventa
novas roupagens para coisas velhas.
As raves não representam a resposta para nenhuma crise social e nem
têm tal intenção. São compostas por sujeitos que criam outras formas tribais para
satisfazer necessidades humanas fundamentais e esquecem por algumas horas
uma sociedade cheia de problemas. Participar das festas rave pode ser um tipo de
demonstração afirmativa de valores e de práticas que mudam a maneira com que
uma vasta parcela da população jovem conduz suas vidas e, nesse sentido, pode
ser mais imperativa do que qualquer participação política na acepção tradicional.
3.2 Convocação Virtual: aprendendo nas comunidades do Orkut
Venho mostrando como uma parcela da juventude com características
peculiares e imersa dentro de uma condição entendida como pós-moderna pode ser
analisada olhando-se para alguns elementos que convocam esses jovens. Seja
através do som eletrônico, dos convites ao espetáculo, da celebração coletiva, do
consumo de drogas e dos intensos chamados virtuais, a juventude rave é incitada a
festejar uma fuga da vida cotidiana.
Entre as muitas redes sociais na internet, escolhi o Orkut como foco de
análise. Selecionei tal site de relacionamento por ser uma rede social de grande
alcance e muito acessada pelos brasileiros. Isso não significa que outros espaços
virtuais sejam ignorados. Essa foi uma escolha pessoal porque dentro deste site
consegui me familiarizar e me movimentar com facilidade, já que o Orkut faz parte
da minha vida há, pelo menos, quatro anos. Sou membro do Orkut desde 2004,
quando do lançamento. O Orkut possui uma estrutura, além das ferramentas
necessárias para sua navegação, onde diferentes espaços podem ser percorridos:
foto principal, perfil do usuário, álbum de fotografias, depoimentos, livros de recados,
rede de amigos e também as comunidades. As últimas, em grande parte,
responsáveis por determinadas construções identitárias dos usuários que, através
de uma série de discursos, acabam influenciando sujeitos para uma tomada de
posição diante de uma infinita variedade de temas.
As escolhas foram pessoais, assim como os filtros que utilizei para a
pesquisa dentro do Orkut. Procurei por comunidades virtuais através de palavras
que representassem algo do universo rave. Portanto, busquei comunidades que se
relacionassem com as seguintes palavras-chave: “rave”, “PLUR” e “rave Rio Grande
do Sul”.
Como minha intenção não é desbravar esse lugar do ciberespaço, mas
mostrá-lo em operação, selecionei três comunidades virtuais. A seleção se deu pela
maior quantidade de membros. Foi uma espécie de categoria que criei para apontar
como os elementos da cultura rave, as informações sobre os eventos e a interação
entre os participantes também ocorrem através das interfaces tecnológicas ─ que
apresentam um papel importante na produção dos sujeitos-rave.
Com a palavra “rave”, o site mostrou mais de 1000 comunidades com
referência ao termo. Algumas comunidades em língua portuguesa, mas muitas
também disponibilizadas em língua inglesa. A comunidade selecionada contava, no
momento em que acessei (setembro de 2009), com a participação de 77.525
membros. A cada dia, quando ingressava na comunidade à procura de outras
informações e atualizações sobre o cenário rave, o número de participantes
aumentava. Em outubro de 2009, a comunidade já contava com 78.273 integrantes.
A partir da análise da comunidade RAVE, é produtivo pensar o
ciberespaço como um lugar que informa e modifica as relações que os indivíduos
mantêm consigo mesmos e com os outros. Na descrição inicial da comunidade, já
está claro que se trata de um espaço virtual destinado exclusivamente para o mundo
da cultura e das festas rave. Confira a seguir a descrição:
Você gosta de festas rave?Está no lugar certo! Pois esta é a primeira comunidade no orkut totalmente dedicada às raves!
Rave é um tipo de festa que acontece em sítios (longe dos centros urbanos) ou galpões, com música eletrônica. É um evento de longa duração, normalmente acima de 12 horas, onde DJs e artistas plásticos, visuais e performáticos apresentam seus trabalhos, interagindo, dessa forma, com o público. Uma comunidade para compartilhar músicas, divulgar eventos e conversar com quem compartilha o gosto por este tipo de festa e seus estilos musicaisSOMOS CONTRA A APOLOGIA ÀS DROGAS
.ılı.lıllılı.ıllı.DESDE JANEIRO DE 2004 .ılı.lıllılı.ıllı
Figura 11 - Comunidade RAVE
Dentro da comunidade há uma narrativa do que é uma festa rave, e, na
sequência, uma explanação dos objetivos daquele espaço: compartilhar músicas,
divulgar eventos e comunicar informações sobre festas e estilos de som. Logo, na
descrição inicial da comunidade, já encontramos lições sobre como funciona aquele
ambiente virtual, a que tipo de sujeito ele atende e suas razões de existir.
Por se tratar de uma comunidade que iniciou junto ao surgimento do
Orkut, no dia 29 de Janeiro de 2004, esta foi uma das primeiras comunidades
criadas com exclusiva dedicação ao tema. Talvez isso mostre uma certa
credibilidade da comunidade, haja vista sua quantidade de membros.
Outra observação realizada através desta comunidade é que seus
integrantes participam ativamente dos fóruns, discutindo temas relativos ao consumo
de drogas, trocando idéias e informações. Na página de abertura da comunidade,
um lembrete deixa explícito sua total aversão ao consumo de drogas. No texto da
própria comunidade afirma-se: “Somos contra a apologia às drogas”.
De fato, isso revela aos seus membros que esse lugar do ciberespaço
torna-se sancionável à participação, ou seja, se está diante de um lugar
aparentemente lícito, de boa fé e preocupado exclusivamente com o entretenimento.
Na parte direita inferior da página está o que o site chama de
“comunidades relacionadas”. Na comunidade RAVE, todas as “comunidades
relacionadas” estão atreladas a elementos já mencionados que compõem a cultura
rave, como categorias da música eletrônica, DJs e comunidades específicas de
eventos rave. Já com relação aos “fóruns” apresentados na parte inferior da página,
os mesmos trazem informações sobre alguns sets de DJs e lugares específicos para
baixar músicas.
Foi também através da comunidade RAVE que encontrei pistas para
adentrar o universo das festas. Nos “fóruns”, por exemplo, a indicação de sites
especializados, bem como uma infinidade de sugestões de páginas para baixar
músicas, me faziam navegar com uma certa frequência. E, quando ingressava em
uma determinada página, já estava sendo sugerido visitar outros sites, ver outras
coisas interligadas ao universo rave. Quase como um índex para aprender sobre
aquela cultura.
Participar de uma comunidade com inspiração identitária na cultura rave,
de certa forma, inscreve seus membros num conjunto de mecanismos direcionado
ao consumo. Um espaço onde os adeptos devem consumir as músicas, inteirar-se
dos últimos acontecimentos e lançamentos, estar de acordo com determinados
modos de viver e se comportar. Essas estratégias convocam os jovens a integrar-se
neste universo, percorrer lugares (sites) em busca de elementos e conhecimentos
que possam transformá-los em membros daquela cultura. Assim, as relações
travadas no Orkut podem ser consideradas uma prática pedagógica de tipo
contemporâneo em seus modos de operar, porque está implicada na formação de
sujeitos.
Quando pesquisei no Orkut a sigla PLUR, o mesmo ocorreu. Foram
catalogadas mais de 1000 comunidades relacionadas ao acrônimo. Entre todas, a
escolha ocorreu da mesma forma. Elegi aquela que possuía o maior número de
membros. A comunidade P.L.U.R contava com 8.090 membros no momento da
pesquisa.
Figura 12 - Comunidade P.L.U.R
Um fato interessante é que, na descrição da comunidade P.L.U.R, já
ficam expostos todos os elementos da sigla, sendo comentado cada um deles de
forma breve e simples.
P(eace)A tranqüilidade interior que está dentro de cada um de nós, apesar de nem sempre sermos capazes de encontrá-la. Quando a possuímos, passamos calma e serenidade a tudo e todos que estão à nossa volta.
L(ove)O sentimento incondicional de afeto que sentimos por algo ou alguém. Pela lei universal da ação-reação todo amor que você der a alguém será devolvido a você de alguma forma. As duas primeiras letras do PLUR representam a base do ideal hippie de vida (Paz e Amor).U(nity)Apesar de todas as nossas diferenças, todos compartilhamos um conjunto comum de características: somos todos humanos, imperfeitos e dependemos uns dos outros para nossa sobrevivência.Com paz e amor a unidade permite a você se relacionar com outras pessoas APESAR de suas diferenças e, se enriquecer com esta troca de experiências.R(espect)Saber reconhecer e aceitar que somos diferentes, APESAR de nosso conjunto comum de características.
Da mesma forma, nas comunidades relacionadas, inúmeras estão em
concordância com elementos que compõem o universo da cultura rave, ou seja,
comunidades que fazem referência às raves, à Goa (Índia) e também aquelas que
apresentam enlace com alguns estilos de música eletrônica.
Nos fóruns, por sua vez, já é possível observar apelos ao consumo, com
a indicação de páginas para a venda de camisetas com a sigla estampada, além de
outros artigos. Eventos de música eletrônica também são constantemente indicados
no mesmo espaço.
As quatro palavras representadas pela sigla PLUR marcam o universo
rave como um fenômeno cultural, na medida em que propõem uma filosofia de vida
em relação a questões como o cuidado com a natureza, a paz e a união entre as
pessoas e o amor ao próximo. Não se trata de promover a sigla como uma forma de
revolução política no sentido usual, mas os próprios sujeitos-rave tendem a acreditar
que festas como essas, que atraem multidões por todo o planeta, incorporam uma
espécie de revolução emocional e espiritual.
O que entendo é que através dessa comunidade, mas também por meio
da comunidade mencionada anteriormente, é possível que um participante tenha
plena capacidade de aperfeiçoar-se cada vez mais como membro da cultura rave. Já
na página inicial da comunidade P.L.U.R, me estava sendo indicado visitar e
adentrar cinco outras comunidades relacionadas à sigla. Três delas direcionadas a
estilos de música eletrônica e as outras duas mais voltadas aos lugares onde
acontecem os eventos.
A meu ver, isso mostra que um sujeito, ingressando em tal comunidade,
pode munir-se de um arsenal de elementos para se tornar um jovem rave. É como
se fosse um tipo de curso que prepara para ser membro integrante da cultura rave,
pois através da comunidade virtual, ele pode se aprimorar nas práticas daquilo que
identifica aquela cultura.
Todo o aparelho informacional e prático-didático que a comunidade
disponibiliza serve para, de certa maneira, constituir e forjar sujeitos afinados com a
cultura rave, sujeitos conectados a uma certa filosofia de vida inspirada nos
significados da sigla PLUR. Seus aficionados podem estar se embrenhando em
determinadas práticas de si, que nada mais são do que percorrer aquele universo,
informar-se sobre as músicas, conhecer os DJs, trocar arquivos digitais sonoros com
outros membros e obter informações relativas aos eventos celebrativos.
Com relação à pesquisa pela expressão rave Rio Grande do Sul, tão logo
o mesmo ocorreu, mais de 1000 comunidades foram encontradas no Orkut. Entre
elas, procurei partir da mesma categoria. Escolhi aquela que possuía o maior
número de membros uma comunidade que tinha como nome Psy RS e possuía
15.728 membros. O Psy59 é um estilo de música eletrônica que tem sido bastante
comum nas festas rave que frequentei.
59 Psy é um estilo de música eletrônica que tem uma batida rápida, entre 135 e 165 batidas por minuto.
Figura 13 - Comunidade Psy RS
A comunidade Psy RS serve para reunir adeptos da cultura e das festas
rave que se encontram localizados no território do Rio Grande do Sul. Ou seja, é um
espaço que remete a uma noção mais local, onde os participantes podem interagir
com outros membros fisicamente mais próximos. É importante ressaltar que minha
aproximação ao universo rave local foi realizada especialmente a partir da
comunidade Psy RS. No Orkut, procurei adicionar como amigos aquelas pessoas
que serviam como moderadores (são considerados os “donos”) da comunidade,
sempre procurando investigar e obter informações sobre as festas rave que vinham
acontecendo no Estado. Os moderadores serviram como porta-vozes no meu
trabalho de campo, sempre me indicando o próximo evento ou anunciando as
novidades daquele universo no Rio Grande do Sul.
O mais emblemático da comunidade Psy RS é que a fotografia da página
de abertura mostra uma menina tomando chimarrão, ou seja, adiciona à inspiração
global, traços culturais do Rio Grande do Sul. Na descrição da comunidade, estavam
presentes os mesmos elementos da cultura rave encontrados nas outras
comunidades analisadas. A explicação dos significados da sigla PLUR e os objetivos
da comunidade anunciar festas, confraternizar, trocar informações e debater
assuntos de interesse do universo da cultura rave.
Por se tratar de uma comunidade mais especificamente voltada aos
jovens-rave do Rio Grande do Sul, ela serviu como referência principal para meu
acesso às festas. Na seção “fóruns”, desta página, encontrei informações sobre as
raves mais próximas da região metropolitana de Porto Alegre. Ali era apresentado
um calendário de festas que serviu como base para a organização do trabalho de
campo. Além disso, as festas que vinham ocorrendo no interior do Rio Grande do
Sul também eram postadas nos “fóruns” e, nesse sentido, o material se tornou
importante fonte de pesquisa e uma forma de aproximação deste reduto.
Assim é que vão surgindo outros desenhos de sociabilidade na
cibercultura contemporânea, que tem na aparência, na imagem, no sentimento e no
afeto, características que permitem a formação das tribos. A temática de destaque
na comunidade Psy RS fornece subsídios para investigar mecanismos de
territorialização e de uma certa identidade cultural rave ligada ao Rio Grande do Sul.
A formação de comunidades do tipo tribal, segundo a perspectiva
maffesoliana, proporciona aos participantes uma nova forma de identificação que
nasce espontaneamente e é estimulada por alguns mecanismos de atração ou de
repulsa. As agregações sociais no ciberespaço carregam consigo, de modo
intencional ou não, a marca cultural dos participantes, componentes de identificação
que ligam ou colam as pessoas a um determinado tema de mesmo interesse.
Igualmente, a existência desse tipo de comunidade tribal no site Orkut pode sugerir
uma tendência de fechamento de grupos em torno de temas bem específicos,
promovendo uma integração a partir de preferências.
Trata-se de mais uma possibilidade de construir laços sociais que vão
sendo consolidados no ambiente online. O papel das comunidades analisadas,
enquanto rede de suporte emocional e de divulgação de informações, é expressivo,
pois os participantes se apropriam desse espaço para comentar, pedir e trocar
idéias, bem como divulgar trabalhos. As mais distintas formas de apropriação de
uma rede social por grupos tribais colaboram para reforçar a noção de ciberespaço
como um locus de extrema complexidade e heterogeneidade, sendo considerado
também um dos elementos responsáveis por um ethos de pertencimento.
As agregações do tipo tribal, onde predominam sentimentos envoltos
numa afinidade subjetiva, delimitada por um território simbólico, é um aspecto
marcante do ciberespaço, e os integrantes sentem-se parte de um agrupamento ao
estilo comunitário (LEMOS, 2003), podendo criar um laço social contínuo.
Para Maffesoli (2006), no neotribalismo, buscam-se formas de
solidariedade que não estariam mais associadas a instituições habituais. O
tribalismo refere-se a um anseio por “estar-junto”, onde o que importa é o
compartilhamento de emoções em comum, compondo uma certa “cultura do
sentimento”, estabelecida a partir de relações tácteis, coletivas e que se preocupam
com um momento vivido no presente.
Um diferencial dos contatos sociais via ciberespaço estaria na
possibilidade de eleger traços próprios de identificação, pois os indivíduos podem
escolher os grupos de que pretendem fazer parte, assim como entrar e sair deles a
qualquer momento.
De acordo com Maffesoli (2006), as novas formas de agrupamentos
sociais e as manifestações emergentes do ciberespaço, a exemplo da efervescência
da internet, da disseminação das comunidades virtuais, da multiplicação das festas
rave, exprimem um encontro da tecnologia com a socialidade contemporânea.
O conceito de tribalismo contemporâneo ou neotribalismo pode ser
aplicável para descrever a relação entre as tecnologias e a sociedade, já que o
conceito vem pontuar campos da cultura onde os acontecimentos cotidianos, as
formas de agregação (festiva, religiosa, musical, midiática) incidem pelo seu caráter
de atração.
O que posso perceber é que as comunidades do Orkut atuam como
fatores de difração de um comunitarismo tribal contemporâneo. A socialidade marca
o tom dos agrupamentos urbanos, depositando ênfase nos instantes vividos no
presente, nas relações banais do cotidiano, nos momentos não institucionais ou
racionais. A socialidade para Maffesoli (2006) é um conjunto de práticas quotidianas
que escapam de um determinado controle social rígido, estabelecida mais numa
perspectiva hedonista, tribal e enraizadas no agora.
As relações que compõem essa socialidade instituem o substrato da vida
em sociedade. São momentos de engajamentos efêmeros, de submissão da razão
em favor da emoção tudo isso dando corpo a um agregado social. Na perspectiva
de Maffesoli (2006), é a socialidade que faz a sociedade. Ela é formada na
multiplicidade de experiências coletivas baseadas no cotidiano, não na
institucionalização ou racionalização da vida.
Os sites de relacionamentos unem as pessoas através de interesses
comuns, na exposição de fatos, nos comentários, independentemente de sua
natureza pessoal, ideológica, política ou profissional. O Orkut está em concordância
com uma das principais tendências de uso da Internet, que, segundo Lemos (2003),
viria a ser a busca efetiva de uma conexão social. Além disso, como explica
Maffesoli (1995), a sociedade vem sendo tomada por ondas de modismos, onde
quem adere a tal tendência, se sente incluso. Os integrantes do Orkut, por exemplo,
se sentem incluídos socialmente ao participarem daquelas comunidades que
satisfazem seus interesses.
3.3 Convocação Musical: aprendendo com o som eletrônico
Lyotard (1998), em sua obra A condição pós-moderna, caracteriza os
tempos pós-modernos pelo fim, ou melhor, pela incredulidade nas metanarrativas.
Os esquemas explicativos totalizantes parecem não dar mais conta de um mundo
transformado pelo novo capitalismo e pela ótica consumista.
A música eletrônica como um dos ícones centrais da cultura rave é
concebida pela montagem e (re) composição de amostras de outras músicas. De
certo modo, dissolve o esquema das narrativas, fugindo do padrão início-refrão-
meio-refrão-fim. O som eletrônico concentra-se em ciclos, e a estrutura repetitiva é
considerada um elemento da estética eletrônica.
Chiaverini (2009) expõe como o som eletrônico discotecado nas raves é
distinto de qualquer outra composição musical.
Praticamente não há melodias com letras, os compositores são quase todos desconhecidos e raramente há intervalo entre as faixas, criadas para fazer dançar ininterruptamente. Para muitos ravers, o
estado de consciência resultante desse mergulho no som está próximo àquele encontrado por certos povos que usam a dança e a música em rituais religiosos. A função dos ritmos eletrônicos, portanto, é diferente daquela de uma faixa de jazz ou de MPB (p. 103).
Segundo Chiaverini (2009), a música eletrônica tem que criar todo um
universo de sons que, somado às luzes, ao espetáculo, ao ambiente e, com alguma
frequência, acompanhado por determinada droga sintética, permita que aquele
grupo oscilante de seres humanos mergulhe num verdadeiro estado de transe
coletivo.
Divorciando sons dos seus contextos físicos e culturais, a rave music cria
uma realidade descentrada e caótica, que sugere diferentes formas de escuta. A
cena eletrônica pode ser vista como expressão de uma sociedade que imprime as
mesmas características. Ou seja, releva um caráter fragmentado, descontínuo e
cíclico.
Observando a música eletrônica enquanto construção, pode-se percebê-
la como reveladora de uma condição pós-moderna. Seu som repetitivo é produzido
por meios binários, ou seja, a partir da microinformática, logo, sua concepção se dá
com base no uso das tecnologias digitais. E estas mesmas tecnologias são sua
condição de possibilidade.
A música eletrônica está disseminada tanto em pontos metropolitanos
como em cidades do interior. Hoje, a localização física já não importa porque a
internet expandiu a música eletrônica por todo o globo. Sua estrutura, formada por
timbres sintetizados, é o resultado da conexão entre tecnologia de ponta,
experimentação e sensibilidade estética, que ganha expressões artísticas não como
manifestação local, mas global e não mais territorializada.
O que eu venho destacando é que a música eletrônica pertence a quem a
manipula e tem incontáveis donos. É uma música que serve como uma espécie de
banco de dados musical, totalmente disponível para ser utilizada e manipulada.
Tudo isso só é possível porque as ferramentas tecnológicas favoreceram a
proliferação desse tipo de cultura, com artistas ganhando espaço, sem grandes
conhecimentos teóricos, mas com talento.
Como tenho procurado demonstrar, através da apropriação das
tecnologias, a música eletrônica alterou radicalmente os acessos e as composições
musicais e tem desafiado noções existentes de estilos de sons. Na verdade, as
composições não pertencem mais a um determinado estilo de música, borrando
fronteiras e formando uma série de outros gêneros, cada vez mais híbridos.
A música eletrônica, por ser um estilo de som multiestratificado, é
composta por bricolagens de outras músicas, confeccionada de forma rápida e
imersa na estética da repetição. A música rave, como o culto da aceleração digital,
utiliza-se de componentes tecnológicos como um meio de produção e difusão.
Autores como Canevacci (2005) e Thompson (2005) consideram esses
indivíduos jovens que escutam música eletrônica e frequentam festas rave como a
própria manifestação da vida contemporânea, e têm nomeado esses jovens de
sujeitos-rave. Assim, inspiro-me nas palavras de Costa (2006) para afirmar que
“esses são sujeitos urdidos nas tramas da linguagem e da cultura, sujeitos pensados
para os tempos pós-modernos, tempos nem piores, nem melhores do que outros,
tempos apenas diferentes, outros tempos” (p. 14).
As características dessa juventude pós-moderna conectada à cultura rave
estão presentes nos momentos de lazer e divertimento. Sujeitos ansiosos, que
vivem intensamente o agora.
É exatamente por essas razões que a vida “agorista” tende a ser “apressada”. A oportunidade que cada ponto pode conter vai segui-lo até o túmulo; para aquela oportunidade única não haverá “segunda chance”. Cada ponto pode ter sido vivido como um começo total e verdadeiramente novo, mas se não houve um rápido e determinado estímulo à ação instantânea, a cortina pode ter caído logo após o começo do ato, com pouca coisa acontecendo [grifos do autor] (BAUMAN, 2007, p.50).
A cultura da música eletrônica é um exemplo significativo do sintético e de
um estilo de vida tecnológico. As colagens na estética rave — de som e de códigos
visuais — e os hibridismos de estilos musicais, ocorrendo em grande velocidade,
são expressões de recriação e de ressignificação dentro de uma estrutura em
rearranjo constante.
As festas que tocam música eletrônica encarregam-se de compor toda a
atmosfera de diversão junto à tecnologia. Timbres sintetizados ganham impulsos
através de luzes estroboscópicas. As festas configuram-se em um evento ao estilo
estético da pós-modernidade, convocando os sujeitos a permanecer nela.
Vários estudiosos das festas ao ar livre localizam nelas um espírito
carnavalesco ao transformar aquele lugar físico num momento de celebração,
intensa atividade social, mistura de prazeres musicais, táteis, sensuais, emocionais,
químicos e corporais.
A efemeridade, a instantaneidade e a velocidade da música abrem
caminho para descadenciar nossas vidas, mas cadenciar a festa. São estímulos
subsequentes. A cultura da música eletrônica parece absorver um público cada vez
maior. Uma juventude que se insere no compasso da música veloz, na euforia
coletiva, na correria e no stress contemporâneo, criando novas práticas culturais.
Assim, a música eletrônica em conjunção com a celebração rave ajuda a formar um
tipo de sujeito particular.
As tribos se reconhecem pelos ritmos e timbres. A música eletrônica,
percebida não apenas como um recurso técnico à disposição, mas igualmente como
linguagem, vem estabelecendo padrões de diferenciação nas percepções musicais.
Acertada por um certo poder da tecnologia, a experimentação na música eletrônica
era vista como objeto para gente “estranha. Hoje, apoiados por softwares cada vez
mais sofisticados e, ao mesmo tempo, simples de operar, qualquer pessoa pode se
tornar um artista e compositor da música eletrônica.
3.4 Cultura Rave: aprendendo a ser sujeito na pós-modernidade
Inspirado em Jameson (1996), parto do pressuposto de que se existe uma
cultura pós-moderna, uma economia pós-moderna, uma sociedade dita pós-
moderna, também devem existir sujeitos pós-modernos.
Portanto, foi olhando para um tipo de sujeito imerso e formatado na cena
contemporânea que me voltei para a cultura e para as festas rave e, logo, também
aos sujeitos que frequentam esses eventos.
A efemeridade, o espetáculo, a fragmentação, a percepção múltipla de
tempos e espaços, a dinamicidade, a flexibilidade, a ambivalência, os
reagrupamentos, o surgimento de novos grupos e o desaparecimento de tantos
outros são indícios de uma época de constante experimentação e liberdade sob as
mais variadas formas.
Com base em autores que discutem a formação de sujeitos na
contemporaneidade, percebo que os sujeitos-rave que circulam pelos espaços
urbanos, têm, na movimentação, no espetáculo e na tecnologia elementos
encaixados em seus modos de vida. São maneiras de habitar o contemporâneo e de
viver em uma sociedade veloz, fugaz, instantânea e volátil.
Discorrer sobre a pós-modernidade ou sobre os tempos pós-modernos
não é sugerir a mudança de uma época para outra, ou seja, a interrupção da
modernidade e a emergência de uma nova totalidade social com seus princípios
organizadores próprios e distintos. Harvey (2000) argumenta sobre a pós-
modernidade alertando:
Começo com o que me parece ser o fato mais espantoso sobre o pós-modernismo: sua total aceitação do efêmero, do fragmentário, do descontínuo e do caótico que formavam uma metade do conceito baudelairiano de modernidade. Mas o pós-modernismo responde a isso de uma maneira bem particular; ele não tenta transcendê-lo, opor-se a ele e sequer definir elementos “eternos e imutáveis” que poderiam estar contidos nele [grifos do autor] (p. 49).
A segunda metade do século XX assistiu à aceleração do
desenvolvimento das tecnologias de comunicação, à transformação nas formas das
artes e às mudanças de paradigmas na sociedade. Embora nem todos os teóricos
da contemporaneidade empreguem o conceito de pós-modernidade e pós-
modernismo, nesta pesquisa, ele é utilizado para referir-se à esfera cultural da
sociedade pós-industrial (HARVEY, 2000).
A desintegração dos movimentos culturais da década de 60 e o início de
uma nova era do capitalismo leve são indicativos do que podemos chamar de
sociedade pós-moderna. Jameson (1996) entende o pós-modernismo como a lógica
cultural do capitalismo tardio, que teria como elementos de diferenciação a grande
expansão das empresas multinacionais, uma globalização de mercados, o consumo,
a cultura de massa e uma intensa rede de fluxos de capital.
O que se pode aprender vivendo numa sociedade pós-moderna? De que
forma sujeitos e identidades são forjados diante de um determinado tipo de cultura
contemporânea como a rave?
O descentramento do sujeito, característica marcante na sociedade pós-
moderna, reflete uma menor densidade subjetiva e, por isso, as identidades tornam-
se menos duradouras do que em outros momentos da história. O que se pretende
com essa abordagem analítica é ressaltar que, outrora, o sujeito psicológico
clássico, revestido de uma sólida identidade, hoje parece tomado pela constante
necessidade de mudança.
Hall (2004), na obra Identidade Cultural na Pós-modernidade, faz uma
triagem mostrando três concepções de identidade. O sujeito do iluminismo,
centrado, unificado e dotado de razão, o sujeito sociológico e o sujeito pós-moderno.
Com relação à concepção sociológica,
a identidade é formada na interação entre o eu e a sociedade. O sujeito ainda tem um núcleo ou essência interior que é o “eu real”, mas este é formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais “exteriores” e as identidades que os mundos oferecem [grifos do autor] (HALL, 2004, p.11).
O autor trabalha com a idéia de que o sujeito pós-moderno, ao contrário
do sociológico, não apresenta uma identidade fixa, essencial ou permanente. Ele vai
assumindo identidades diferentes em distintos momentos.
Do mesmo modo, segundo Bauman (2005), quando a vida social é
cercada pelo mercado da globalização de imagens, estilos, modismos, pelos sonhos
e desejos materiais perpassados pelas ações midiáticas e por todos os sistemas
comunicacionais, as identidades tornam-se desligadas das tradições e dos lugares.
É exatamente assim que venho examinando a formação identitária dos
sujeitos-rave. Quando os jovens conectados à cultura rave absorvem uma série de
artefatos inscritos em roupas, imagens, comunidades virtuais, etc, eles estão
mostrando que pertencem àquela cultura. Também nos revelam que estão de
acordo com os códigos, tanto visuais como materiais, que compõe aquele universo.
Esses jovens têm revelado suas marcas de identificação por inúmeros espaços onde
esta cultura circula. É nas redes sociais online, nos festivais de música eletrônica,
nas lojas especializadas, nos shopping centers, dentre inúmeros outros lugares.
Uma das metáforas utilizadas por Bauman (2005) com relação à
construção das identidades está ligada à composição de um quebra-cabeça. Porém,
um quebra-cabeça incompleto, onde faltam peças e onde jamais saberemos
quantas. Neste processo de montagem, é necessário saber escolher as peças e
colocá-las no local adequado. O trabalho não é direcionado a um determinado fim tal
quais os quebra-cabeças comprados nas lojas, mas aos meios. Logo, montar um
quebra-cabeça identitário ligado aos sujeitos-rave só pode ser entendido nessa
direção ─ na composição de um indivíduo que monta a sua própria identidade, seja
no consumo musical, na vestimenta ou mesmo na adoração pelas tecnologias.
Os sujeitos-rave que habitam o cenário contemporâneo, isolados ou
ativamente conectados a uma tribo, insistem nos encontros, em modos de inventar,
reinventar e produzir subjetividades na medida em que, ao mesmo tempo, produzem
também efetivamente os espaços.
Os processos de subjetivação são métodos que fazem com que o sujeito
se torne aquilo que ele é. Refere-se às propriedades que caracterizam o ser humano
como sujeito. Na verdade, o termo subjetividade carrega conotações de
interioridade, de pessoalidade.
Segundo Rose (2001), a subjetividade é o nome dado a todo o movimento
de compor e recompor forças, relações e práticas na medida em que tenta
transformar (ou opera para isso) o ser humano em sujeito.
...os seres humanos são interpelados, representados e influenciados como se fossem eus de um tipo particular: imbuídos de uma subjetividade individualidade, motivados por ansiedades e aspirações a respeito de sua auto-realização, comprometidos a encontrar suas verdadeiras identidades e a maximizar a autêntica expressão dessas identidades em seus estilos de vida [grifos do autor] (ROSE, 2001, p.140).
A cultura rave e as festas como um espaço destinado à celebração e ao
divertimento hedonista, são consideradas componentes que permitem operar dentro
de uma ótica contemporânea eficaz em seus processos de subjetivação. Se existe
subjetividade no agrupamento tribal, isto conforma uma analogia de que as
aglomerações sociais possuem um forte componente emotivo. E com relação à tribo
rave, trata-se de um grupo que se (re) atualiza na formação de um ethos que se
espraia por um mundo, há muito tempo, globalizado.
Os processos de fabricação de subjetividades dizem respeito ao
simbólico, à emoção e à representação que o indivíduo faz da realidade ao seu
redor. Trata-se de uma relação do “eu” com o mundo e do “eu” com o “outro”.
(COSTA, 2006)
As sociedades e culturas em que vivemos são dirigidas por poderosas ordens discursivas que regem o que deve ser dito e o que deve ser calado e os próprios sujeitos não estão isentos desses
efeitos. A linguagem, as narrativas, os textos, os discursos não apenas descrevem ou falam sobre as coisas, ao fazer isso eles instituem as coisas, inventando sua identidade (p.32).
Há uma conformidade dentro dos ambientes festivos porque ali existem
distinções que permitem enxergar quem faz parte da comunidade e quem não faz.
Permite reconhecer a si e ao outro. Aliás, esse pertencimento só pode ser percebido
quando da posse de um conjunto de códigos que estão inscritos dentro daquele
universo.
A reunião tribal celebrada nas festas rave, de um prazer coletivo vivido
hedonisticamente, vai ao encontro do pensamento do sociólogo francês Michel
Maffesoli quando argumenta que os acontecimentos cotidianos estão sob os pilares
do empirismo, e por isso mesmo, tornam-se polissêmicos. “Não possui um sentido
determinado, mas sentidos que são postos à prova e vividos à medida que vão
surgindo” (MAFFESOLI, 2006, p. 14).
De acordo com Lipovestky (2006), o hedonismo pós-moderno em suas
múltiplas faces, descaracteriza uma moral heróica, e a mesma parece não ter mais
legitimidade. “Quer-se viver o presente, com a maior intensidade que se puder
alcançar, e não se guardar para um futuro de gratificações remotas e
compensadoras” (idem, p. 10).
Na mesma linha, o sociólogo e filósofo francês Jean Baudrillard (1991)
destaca que as novas formas de tecnologia da informação são essenciais para
marcar a passagem de uma ordem social situada na produção para uma ordem
centrada na reprodução, onde simulações e modelos prontos acabam constituindo o
mundo. Para Baudrillard, a sociedade de consumo é uma alavanca para o mundo do
signo — o simulacro.
De acordo com a estética da cultura rave, o que observo é que o
simulacro é moldado através de um conjunto de objetos-signos que carregam uma
possibilidade de gozar a felicidade. A dança, o consumo de bebidas e drogas, a
festa-espetáculo com seus shows de performances altamente tecnológicos e a
multiplicação de uma filosofia que busca paz, amor, união e respeito todos esses
elementos são congruentes para uma vida moldada no simulacro. Não se trata de
uma felicidade espontânea, mas incitada, provocada e instigada.
Maffesoli (2003), por sua vez, caracteriza a pós-modernidade como a
“sinergia do arcaísmo e do desenvolvimento tecnológico” (p.10). Para ele, esta é a
única definição que permite dar conta da pós-modernidade.
As agências informáticas, as redes sexuais, as diversas solidariedades, os encontros esportivos e musicais são todos indícios de um ethos em formação. É isto que delimita esse novo espírito do tempo que podemos chamar de socialidade [grifos do autor] (p 103).
Conforme a noção maffesoliana, a pós-modernidade vem se mostrando a
partir de um estilo estético, ou seja, um estilo em que os sujeitos se relacionam para
experimentar emoções e prazeres em comum. Uma forma estética que nos mostra
como se vive e como se experimentam sensações coletivas. Nada mais aceitável
quando analisamos os sujeitos-rave da cena contemporânea. Eles vão às festas
rave porque ali é possível degustar e sentir os prazeres da vida em comunidade, a
emoção de compartilhar sentimentos com o outro.
Entre os inúmeros espaços que congregam no cenário contemporâneo,
tais como os shows, os eventos esportivos, os lugares de entretenimento e lazer
(como os cinemas, os teatros, os parques de diversões, os museus), os tempos pós-
modernos aglutinam também por uma forma peculiar de religiosidade. Uma religião
não institucionalizada conceitualmente como se pode pensar num primeiro
momento, mas um religamento (re-religar) que ocorre por meio de imagens, rituais,
símbolos, artigos de consumo.
O desenvolvimento do espetáculo, o jogo de imagens, as explosões do
esporte e do turismo seriam, antes de tudo, a causa e o efeito dessas novas formas
do estar - junto. O espetáculo instaura-se em toda a parte, permeando grande
parcela dos aspectos da vida social. Um espetáculo rápido no tempo e com vínculos
efêmeros (MAFFESOLI, 2004).
A prevalência da festa, em suas diversas formas, as diferentes manifestações do “cuidado consigo mesmo” e os diversos cultos do corpo são, na verdade, independentemente do que possa parecer, modulações dessa “contemplação” dionisíaca”. Eles constituem, ao mesmo tempo, a música interior de determinado corpo social e o ritmo que o faz vibrar em uníssono. Nesse sentido, basta nos lembrarmos de alguns recentes agrupamentos de massa religiosas: as Jornadas Mundiais da Juventude; musical: a Techno Parade pelas ruas de Paris; esportivo: a efervescência da Copa do
Mundo , para avaliar o impacto da sintonia coletiva da “histeria” [grifos do autor] (Idem, p.86).
Os instantes vividos eternamente, para Maffesoli (2004), podem ser
pensados como um retorno das temáticas noturnas encontradas na multiplicação
dos clubs de música dance, na propagação das festas raves e de outras tantas
agremiações juvenis que não podem mais ser consideradas fenômenos sem
conseqüência.
Nada mais convidativo do que participar delas. As festas rave se
apresentam como lugares compartilhados da existência individual e coletiva onde o
lúdico está sempre sendo explorado. O excesso de informações dentro do universo
da cultura rave envia sinais claros de um caráter fragmentado, descontínuo e veloz,
produzindo a impressão de que o sujeito-rave está sempre em débito.
Bauman (2001) afirma que, quando as distâncias percorridas passam a
depender das tecnologias, os limites podem ser transgredidos. Essa sensação de
“perder o controle do presente” leva a uma pulverização da vontade política e a uma
descrença de que algo possa ser construído coletivamente.
Daí resultam os sentimentos neotribais e fundamentalistas que inevitavelmente acompanham a atual privatização da ambivalência. Sua postura é a promessa de por um fim à agonia da escolha individual ao abolir a própria escolha; de curar a dor da incerteza e da hesitação individuais terminando com a cacofonia de vozes que nos deixa inseguros da sabedoria de nossas decisões. (Idem, p.94)
Para o autor, as explosões de solidariedades e espíritos de grupamentos
acontecem de forma esporádica e com uma vida curta. Esse tempo é pontilhista,
considerado um tempo fragmentado, sempre vivido em infinitos instantes, porém
preso nas amarras da velocidade.
(...) a cidade é pontilhada por uma multiplicidade de pequenos “altares” que têm a mesma função: neles se elaboram os “mistérios da comunicação-comunhão”. Pode ser o pequeno restaurante da esquina, a tabacaria onde se aposta nos cavalos, a praça do bairro, os bancos do passeio público, as pracinhas ou espaços urbanos, a “lojinha árabe” mais próxima ou a rua comercial onde as pessoas encontram os vizinhos. Sem esquecer, é claro, esses lugares específicos que podem ser os salões de ginástica, onde se constrói o corpo comum, as salas dos plantões políticos, onde se elaboram o futuro coletivo da sociedade e as carreiras individuais, as sedes das associações sem fins lucrativos e todos os clubes de encontros
ideológicos, religiosos ou de amizade, onde vamos “trocar”, mais ou menos eufemisticamente, o outro com quem se constrói o mundo em que eu vivo. É em todos esses laboratórios que se elabora a misteriosa alquimia da socialidade [grifos do autor] (BAUMAN, 2007 p. 58).
A satisfação imediata nas festas rave imuniza qualquer projeto de sonho e
deixa impotente o paraíso futuro. É o aparecimento de uma espécie de Narciso60
amadurecido, responsável, organizado, eficiente e flexível.
Os objetos devem ser aproveitados de forma imediata e a satisfação se
torna instantânea e obsoleta ao mesmo tempo. “Num mundo em que o futuro é cheio
de perigos, qualquer chance não aproveitada aqui e agora é uma chance perdida;
não aproveitá-la é imperdoável e não tem justificativa”. (BAUMAN, 2007, p.198)
A cultura rave está inserida em um mundo multiplicado de incertezas, no
cotidiano fragmentado em instantes efêmeros e prontos a uma satisfação do “agora”.
Há um imperativo do gozo intenso e instantâneo, aproveitável durante o momento da
festa-espetáculo e só naquele momento. Jovens que podem, com rapidez, mover-
se, seduzidos pela propaganda, pelo desejo, moldado para viver sensações. “O
antigo lema carpe diem adquiriu um sentido totalmente diferente e leva uma nova
mensagem: colha seus créditos agora, pensar no amanhã é perda de tempo”
(BAUMAN, 2003, p.209).
O sujeito pós-moderno é um ser em constante mutação, mimético,
transformando-se segundo as situações e as relações com seus grupos,
comunidades ou tribos. Os valores têm mudado rapidamente e a condição pós-
moderna compõe um emaranhado de elementos que envolvem tecnologia,
tribalismo, hibridismo, estética, fragmentação, desconstrução, reconstrução, jogos
de linguagem, ambiguidades, entre outros. Diante disso, o sujeito contemporâneo
precisa estar superando-se cotidianamente.
O tribalismo contemporâneo de que nos fala Maffesoli (2006) é entendido
como uma característica cultural que reúne os indivíduos em torno de totens
contemporâneos como o futebol, a religião, as festas, só para citar alguns deles. A
subjetividade, as escolhas, os sentimentos e as angústias entram em cena para
disparar os movimentos pós-modernos de vibração em comum e sensação
compartilhada.
60 Na Mitologia Grega, Narciso era um herói famoso pela sua beleza e orgulho, que afogou-se no lago em que se mirava, apaixonado pela própria imagem.
Muitas adesões, agrupamentos, crenças, ideologias e movimentos
sociais, não podem mais ser explicados somente a partir da razão ou do seu
conteúdo. De acordo com Maffesoli (2004), esse sujeito moldado pelo imaginário
pós-moderno não necessita somente de informação, mas também, e primeiramente,
ele quer ver e ser visto, quer ouvir e falar, participar, contar a si e aos outros. Busca
existir diante do olhar do outro e das interações sociais.
Significativas mudanças e transformações nas formas de organização da
sociedade trouxeram à tona reflexões sobre a vida dos sujeitos que habitam a pós-
modernidade. Um novo mundo que se apresenta é percebido como “[...] contingente,
gratuito, disperso, instável, diverso e imprevisível”. (COSTA, 2005, p. 210).
Distinguido, segundo a autora:
[...] entre outras coisas, pelo mundo disperso e efêmero das novas tecnologias, pelo consumo de toda a sorte de produtos da indústria cultural (inclusive imagens, identidades e modos de ser), por variadas e difusas políticas de identidade, por conformações de curto prazo e grande flexibilidade no trabalho [...](COSTA, 2005, p.209).
Vivemos em um mundo de infinitas oportunidades, humanamente
impossíveis de serem escolhidas e experimentadas em sua plenitude. A vida
contemporânea, com seus modos de organização, nos inscreve em uma liberdade
ambígua de estar e de habitar o mundo de forma inacabada e incompleta.
É assim que observo a formação de um sujeito-rave. É um sujeito pós-
moderno. Um ser incompleto, feliz em alguns momentos, em débito, sempre em
construção, um indivíduo que sobrevive à deriva, enfrenta turbulências e navega nas
ondas da instabilidade e das incertezas, mas também navega nas ondas da internet
e possui determinado fascínio pela tecnologia. Mas este mesmo sujeito-rave pós-
moderno é aquele que vive com intensidade momentos de deleite e prazer.
Momentos em que comemorar a felicidade não pode ser adiado.
Para corroborar, Maffesoli (2004) nos diz o seguinte:
É este êxtase inquietante que vamos encontrar nos diferentes transes coletivos que não faltam em nossa época. Em particular, naturalmente, nos ajuntamentos musicais que envolvem o desvario. Há muito a dizer sobre esses fenômenos. Para começar, que são tudo, menos insignificantes. A tendência tampouco é efêmera, indicando um movimento de fundo. Cabe notar igualmente que a desconfiança que provocam é das mais instrutivas, bem
demonstrando, ao contrário, que não podem mais ser considerados irrelevantes ou marginais (p.157).
Então, as maneiras como certos grupos, a exemplo dos ravers,
produzem, estudam, habitam, convivem, se divertem e trabalham, são realizadas
conforme uma lógica social e cultural, o que lhes garante um ethos de
pertencimento, e, ao mesmo tempo, de distinção relativamente a outros grupos.
Estamos diante de uma juventude em constante transformação e
composta num emaranhado de signos. Assim parece ser também a juventude rave
pós-moderna. Sujeitos jovens que abraçam a cibercultura e a celebram num jogo de
simulação e espetáculo. A cibercultura se configura como a própria simulação do
espetáculo, é a manipulação do espetáculo no seu sentido digital, multimídia e
interativo. Percebo que a cultura rave está forjando identidades e constituindo
sujeitos atrelados à contemporaneidade. Sujeitos compostos nas redes tecnológicas,
envoltos e enleados nelas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nas sociedades contemporâneas, as constantes ressignificações do
espaço e do tempo entram em comunhão para promover uma aceleração da vida,
um atraso consentido e a imersão de um sujeito em débito. Um sujeito que busca a
felicidade, uma existência feliz e significativa a cada dia. Busca também modos de
expressar-se e narrar-se.
Qualquer que seja a origem semântica ou histórica do fenômeno rave,
sua formação e delineamento expandiram uma conotação cultural plural, envolvendo
formas eletrônicas musicais e movimentos neotribais de reunião de pessoas que
dançam a noite inteira.
Na vida diurna e noturna das grandes cidades, mas também de locais
distintos dos centros, o neotribalismo encontra sua atualização permanente e
constante. O que se pode observar, sem grandes surpresas, na vertente do
neotribalismo contemporâneo, e que se torna visível na cultura rave, é que a
afinidade do indivíduo com o grupo tende a ser uma relação de harmonia.
Um certo rompimento com o tédio do dia-a-dia e momentos de fruição
máxima podem fornecer ânimo para que esses jovens, na segunda-feira, voltem
comportadamente ao trabalho. Eles dançam, gritam, pulam, drogam-se, abraçam-se,
dançam mais um pouco e podem passar vários meses seguintes lembrando dos
bons momentos ou esperando a próxima celebração. (CHIAVERINI, 2009)
De fato, as festas apresentam uma importante função de reforçar a união
dos indivíduos em sociedade, o que só ocorre porque elas permitem um rompimento
com a rotina diária. O isolamento do local onde ocorrem essas festas e a própria
viagem a um território aparentemente desconhecido é como ir ao encontro de um
templo hedonista erguido a céu aberto.
Entendo que toda a estrutura que configura e faz acontecer as festas rave
e a disseminação dessa cultura resultam de um emaranhado de produtos culturais
que estão em circulação todo tempo. Seja nas convocações de liberdade e alegria
reveladas nos convites das festas, seja no chamado envolvente e delirante dos
meios virtuais, seja no apelo ao espetáculo que promete liberdade, prazer e paz,
seja pelos fecundos envolvimentos do conceito PLUR, isso faz parte das relações
entre sujeitos, lugares, objetos e verdades que vão sendo delineadas para o nosso
tempo, ou seja, verdades produzidas para os jovens contemporâneos.
Uma identidade raver foi sendo desenhada porque, dentro desta cultura,
um conjunto de discursos incluindo-se os eventos de música eletrônica, os sites
onde as informações sobre o universo rave circulam, as comunidades virtuais, etc
vêm produzindo sujeitos contemporâneos, imersos em uma ótica social vulnerável e
veloz. Um sujeito urdido para lidar habilmente com as tecnologias de ponta e para
fazer retumbar aos ouvidos a música que alia tecnologia e rapidez.
Não é possível apenas remeter essa juventude atrelada à cultura rave a
um determinado remake das concepções tradicionais referentes à família, à religião,
em suma, aos ideais mais clássicos. As festas rave constituem sua própria casa, um
lar que alia música eletrônica e espetáculo sensações compartilhadas na junção
da dança e das drogas com a música computadorizada.
Outra forma de conceber a cultura rave é através de uma sinalização
progressiva e pós-moderna de afirmação juvenil. O sujeito jovem da atualidade se
encontra imerso num processo de globalização onde as distâncias são diminuídas a
todo o momento. No universo das raves, podemos perceber isso de forma explícita.
Uma cultura é celebrada localmente, haja vista os lugares onde essas festas
ocorrem, mas decorre de uma inspiração global. Resguardados os desenhos
peculiares de cada lugar, uma festa rave em Porto Alegre, em São Paulo, em
Londres ou em Roma apresentam os mesmos componentes. Desta maneira, é
possível afirmar que a cultura rave caminha junto com uma determinada cultura
global.
Reynolds (1997) define a cultura rave como a mais exemplar experiência
pós-moderna, no sentido de que ali não existe um objetivo ou objeto, mas um culto à
aceleração, à criação de sensações, à celebração da celebração, ao seu excesso de
energia, à busca por estados alterados da mente. A cultura rave, arremata o autor,
nunca esteve relacionada com a mudança da realidade, mas exclusivamente com a
subtração dela.
A cultura rave pode ser vista como uma junção neotribal, implicada na
vivência coletiva de experiências. A partilha, repetida em cada festa, ritualiza-se no
reconhecimento e na reafirmação de determinados valores e práticas entre seus
participantes.
O estar-junto tribalizante momentâneo já não necessita percorrer um
grande objetivo para se justificar. Ele se basta por si só. Na afetividade, no sensível,
no vivido aqui e agora. Os jovens frequentadores das festas rave têm como objetivo
primário a celebração do presente, o festejar do momento. A exploração de todas as
formas de emoção e prazer, sem adiamento, sublima uma satisfação imediata que
substitui o lugar dos futuros sonhos. Portanto, comemoram esse tempo presente
pós-moderno e o valorizam.
Nas tribos contemporâneas, os indivíduos juntam-se como membros de
um grupo social específico para um propósito particular, como ouvir música.
Tornam-se parte de um grupo e seguem as suas regras para satisfazer uma
determinada necessidade de pertencimento. A identificação não precisa estar
necessariamente atrelada a uma localização física e espacial porque as tecnologias
digitais ofereceram-nos as ferramentas necessárias para criar laços sociais em
qualquer lugar do mundo. As comunidades virtuais no Orkut, por exemplo, se
organizam em torno de interesses em comum, independentes de fronteiras ou
demarcações raciais e territoriais. A cibercultura faz com que os sujeitos busquem
através das tecnologias uma nova forma de agregação social, seja ela efêmera,
espontânea, esporádica, eletrônica ou mesmo planetária.
O que me parece é que a geração que adentra a primeira década do
século XXI já se encontra habituada à estética multimídia, à realidade virtual e às
redes de tecnologia de informação guiadas telematicamente. Essa geração, que
inclui os sujeitos-rave, não é mais literária, individual e racional, mas opera de forma
simultânea, tribal e presenteísta como afirma Maffesoli. É, ao mesmo tempo, uma
geração "simulacro" dela mesma como reitera Baudrillard.
Essas foram algumas possíveis conexões entre a música eletrônica, as
festas (e a cultura) rave, novas tecnologias, formação de tribos urbanas, cibercultura
e a configuração de sujeitos na cena pós-moderna. Sem, de forma alguma,
pretender esgotar o assunto, parece viável mostrar a multiplicidade de caminhos que
o tema concentra. Seja no campo da antropologia onde o assunto reúne inúmeros
artigos, seja na área dos estudos da juventude ou dos Estudos Culturais, meu
propósito com esta pesquisa foi o de direcionar o olhar para as contingências que
forjam os sujeitos jovens que frequentam as festas rave e que, também, hoje
frequentam nossas escolas, universidades e outras instituições.
A cada dia, surgem sujeitos que se debruçam sobre as tecnologias,
criando e recriando ritmos dentro de uma estética eletrônica. A música pode ser
pensada como o som étnico do milênio. E a música das tribos é um som que mexe
com os sentidos, é a música dos movimentos pulsantes e intensos. Uma música que
está em plena concordância com o trânsito sonoro latente das grandes metrópoles.
Também está em conformidade com um mundo cercado pelas tecnologias digitais e
incitado pela celebração do espetáculo e do consumo.
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