dissertacaoTurma2006-JaimeDelgado

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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS NEM TERNO NEM GRAVATA: As mudanças na identidade pentecostal assembleiana. JAIME SILVA DELGADO Belém/Pará 2 0 0 8

Transcript of dissertacaoTurma2006-JaimeDelgado

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR INSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS SOCIAIS MESTRADO EM CINCIAS SOCIAIS

    NEM TERNO NEM GRAVATA: As mudanas na identidade pentecostal assembleiana.

    JAIME SILVA DELGADO

    Belm/Par 2 0 0 8

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    NEM TERNO NEM GRAVATA: As mudanas na identidade pentecostal assembleiana.

    JAIME SILVA DELGADO

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps Graduao em Cincias Sociais da Universidade Federal do Par (UFPA) como parte dos requisitos para obteno do ttulo de Mestre em Cincias Sociais. Orientadora: Dr. Ktia Marly leite Mendona. Co-orientador: Dr. Raymundo Heraldo Maus.

    Belm/ Par 2 0 0 8

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    JAIME SILVA DELGADO

    NEM TERNO NEM GRAVATA: As mudanas na identidade pentecostal assembleiana.

    Avaliado por: __________________________________

    Dr. Katia Marly Leite Mendona Orientadora

    __________________________________

    Dr. Raymundo Heraldo Maus Co-Orientador

    __________________________________

    Dr. Marilu Mrcia Campelo Examinadora

    __________________________________

    Dr. Aldrin Moura de Figueiredo Examinador

    __________________________________

    Dr. Daniel Chaves Brito Examinador suplente

    Belm/ Par 2 0 0 8

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    DEDICATRIA

    Dedico este trabalho a todos os leigos da Assemblia de Deus, que tm suas prprias formas de aproximao e apropriao do sagrado.

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    AGRADECIMENTOS

    Primeiramente quero agradecer a DEUS.

    Agradeo a meus orientadores Ktia Mendona e Raymundo Heraldo Maus, que apostaram na possibilidade de realizao deste trabalho.

    Agradeo a Saulo Baptista por ter me apresentado as contradies de minha prpria denominao, e a professora e Dr Maril Campelo por ter me apresentado o tema do sincretismo.

    Agradeo aos professores: Dr. Daniel Brito, Dr. Wilson Barp e Dr Ftima Carneiro, que me incentivaram na explorao deste tema.

    Agradecimentos ao meu amigo Jnior Rocha, que em sua mocidade me fez rir em momentos muito difceis da minha vida. Agradeo a Glucia Baia, Mrcio Cristiano e Adilson Viana amigos incentivadores desta empreitada.

    Agradeo a minha esposa, filho e sobrinha, que me agentaram em minhas manias e stress.

    Agradeo a minha chefa, Luzia Moraes, a meus amigos: Jos de Arimatia, Consuelo e Suely Ramos, e a meus colegas de trabalho que me cobriram em minhas faltas.

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    RESUMO Esta dissertao tem como objetivo fazer um estudo das contradies de uma

    identidade pentecostal em processo, buscando na sua origem uma identidade

    que lhe era prpria, atravs de uma anlise interpretativa de sua literatura, e de

    uma nova linguagem, que mudou nos ltimos vinte anos. Durante oito dcadas

    a Assemblia de Deus vinha mantendo firme sua identidade, que fez parte do

    cotidiano das pessoas, e de uma cultura religiosa brasileira que se acostumou a

    v-las como fora do mundo, separadas. A chegada das igrejas neopentecostais

    provocou mudanas no ethos assembleiano. Atualmente possvel perceber

    uma mistura de prticas e crenas, que aqui perceberemos atravs das

    categorias, identidade e sincretismo. cada vez mais presente uma linguagem

    triunfalista ligada a Confisso Positiva.

    Palavras chaves: identidade sincretismo, pentecostalismo.

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    ABSTRACT This dissertation has as a purpose to do a study of the contradictions of a

    pentecostal identity in progress, searching on its origin an identity that was

    own its on, through an interpretative analyse of its literature and a new

    language which has changed in the last twenty years. During eight decades the

    Assembley of God had been holding out tight its identity, that took part of the

    peoples daily and of a brazilian religious culture that got used to see them as

    outsiders, separated. The incoming of the Neopentecostal churches brought

    about changes on the assembleyans ethos. Currently, it is possible to realize a

    mixture of practices and beliefs that here we will notice through the

    cathegories, identity and and syncretism. It is even more and more present a

    triumphalist language linked a Positive Confession.

    Key words: identity, syncretism, pentecost.

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    LISTA DE SIGLAS

    AD Assemblia de Deus

    CC Congregao Crist no Brasil

    CEB Confederao Evanglica Brasileira.

    CGADB Conveno Geral das Assemblias de Deus no Brasil.

    CPAD Casa Publicadora das Assemblias de Deus.

    EBD Escola Bblica Dominical.

    G12 Grupo dos Doze. (Igreja em Clula).

    IBMA- Igreja Batista Missionria da Amaznia.

    IEQ Igreja do Evangelho Quadrangular.

    IPDA Igreja Pentecostal Deus Amor.

    IURD Igreja Universal do Reino de Deus.

    SETAD Seminrio Teolgico da Assemblia de Deus.

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    SUMRIO

    Introduo.........................................................................10

    1 Parte Azusa Belm.

    1.1 - Azusa Street..............................................................................................16 . 1.2 - Gunnar e Berg, os primeiros anos.............................................................21 1.3 - Pentecostalismo mdia............................................................................27

    1.4 - A relao com a poltica............................................................................33

    2 Parte Nem terno nem Gravata.

    2.1 Identidade.................................................................................................46 2.2 - Determinantes da identidade pentecostal..................................................54 2.3 - Este eu sagrado..........................................................................................65 2.4 - Converso e a nova identidade..................................................................75

    2.5 - Usos e costumes de identidade. ................................................................88

    3 Parte - Retendo o que bom?

    3.1 - As outras igrejas........................................................................................100 3.2 - Copiando o que dos outros.....................................................................115 3.3 - A Teologia da Prosperidade......................................................................126

    3.4 - A procura da pureza doutrinria................................................................136

    Concluso....................................................................................................151

    Bibliografia................................................................................................156

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    Introduo

    Vivemos em um perodo onde h uma espcie de radicalizao ou exacerbao

    de processos sociais. As estruturas sociais em seus vrios aspectos mostram-se em

    efervescncia constante. So rpidas mudanas, por vezes no possveis de serem

    acompanhadas por socilogos e antroplogos, que apontam para uma reformulao de

    paradigmas de anlise para compreenso ou aproximao do real.

    So velhas categorias pertinentes em uma sociedade que aparenta no mais ser a

    mesma. Neste nterim, temos as categorias identidade e sincretismo, duas categorias de

    anlise difceis de serem operacionalizadas, talvez pelo fato de serem to presentes e

    inseparveis de nossas vidas, porm que no so, como se pode pensar, obvias de mais,

    para no figurarem em preocupaes, ou gerarem inquietaes para quem deseja

    compreender mudanas em pequenos grupos locais ou at mesmo de naes.

    A identidade um processo que se d nas interaes sociais, construda em

    sociedade por meio do processo de socializao (Berger, 1995). A identidade relacional

    d-se no encontro com o diferente, depende de algo fora dela para ser percebida. Kathryn

    Woodward (2000) afirma ser a identidade e a diferena, componentes de um mesmo

    processo, so edificados atravs das representaes coletivas.

    As representaes produzem significados que do sentido a nossa existncia. As

    representaes incluem prticas com significaes que portam sistemas simblicos, a

    identidade uma representao social. Roberto Cardoso de Oliveira (1997) soube bem

    expressar a identidade, seu conceito de identidade contrastiva atual, pois descreve um

    processo dialtico entre o singular e o diferente. A identidade percebida no encontro com

    o outro, serve para classificar atravs de processos lingsticos, quem somos ns em relao

    aos outros. A identidade sendo um processo social pode ser mudada, remodelada pelas

    relaes sociais.

    Alm de ser uma linguagem que materializa um cdigo de categorias destinado

    a orientar o desenvolvimento das relaes entre as pessoas - isto se pensarmos dentro de

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    uma compreenso das representaes coletivas - a identidade como afirma Berger (1996)

    um produto da prpria dialtica entre indivduos e sociedade, portanto objeto da sociologia.

    O processo de socializao produz uma identidade que contm a objetividade da

    realidade da sociedade e do mundo, como afirmou Habermas: os homens formam sua

    identidade na medida em que aprendem a dominar a natureza exterior custa da natureza

    interior (HABERMAS, 1998, p. 112). Habermas afirmou isto baseado na idia de G.H.

    Mead, que denominou a identidade social de Mim, da qual o Eu se torna consciente no

    curso do desenvolvimento psicolgico da criana. O Eu como se fosse um desejo ativo

    primitivo do individuo (GIDDENS, 2002, p.54). Anthony Giddens desenvolveu o conceito

    de auto- identidade, que o Eu compreendido reflexivamente, pode-se dizer que este autor

    est mais para as idias de Goffman, que descreve a capacidade dos indivduos escaparem

    as foras de coero social, agindo como se fossem atores em uma representao. O sujeito

    assim reescreve sua prpria biografia de acordo com os processos societais.

    Do resultado do encontro entre identidades h uma troca de elementos que

    podem ser emprstimos, imitaes, hibridaes, conscientes ou latentes. O encontro

    proporciona processos inevitveis, diacrnicos de incio, mas sincrnicos em seu processo,

    assim se a religio um reflexo da sociedade maior envolvente, ou seja, reflexo das

    estruturas sociais com sua dinmica de dominao e resistncia, na religio ser possvel

    perceber os resultados dos encontros entre as culturas diferentes. O mundo globalizado e

    sua fora ideolgica, a chamada ps-modernidade, somente deslocou as contradies

    presentes no tempo e espao para a esfera global, o que proporcionou hibridizaes, ou o

    sincretismo moderno, agora num nvel global.

    A globalizao, forma moderna de dominao capitalista forou a padronizao

    de modelos econmicos, de estilos de vida, de culturas, etc. fato este que repercutiu nas

    dinmicas da vida religiosa. Isto foi percebido por autores como: Weber, Bourdieu, Berger.

    As denominaes padronizam suas prticas e suas crenas para uma melhor competio no

    mercado de bens de salvao. As muitas ofertas de bens simblicos, fizeram com que

    surgissem no somente uma luta acirrada entre variadas formas de teraputica, que do

    sentido a existncia, mas, tambm de um sentimento de segurana em um mundo de riscos.

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    No campo das religies os bens simblicos so mais bem descritos pelo

    conceito de bens de salvao, uma vez que bens simblicos denotam outras formas de

    produo cultural. Tanto bens simblicos quanto os bens de salvao esto sendo cada vez

    mais padronizados para atender ao mercado global. Da mesma forma as denominaes do

    cristianismo no Brasil, e no mundo, estruturam suas ofertas de salvao dentro desta lgica

    de mercado.

    Privilegiamos nesta pesquisa aquilo que consideramos ser um produto desta

    padronizao, qual seja, o sincretismo, idia mais presente nas representaes ideolgicas

    da experincia coletiva. Neste trabalho focamos a igreja Assemblia de Deus onde

    possvel perceber um sincretismo religioso e cultural, o primeiro chamado de heresia, pelos

    intelectuais da AD, e o segundo de modismos. As heresias e modismos so combatidos

    pelos autores, intelectuais proletaroide, da revista da Escola Dominical, que fazem parte do

    Corpo Doutrinrio da Conveno Geral das Assemblias de Deus no Brasil, rgo que

    representa a ortodoxia, ou a oficialidade do pentecostalismo assembleiano.

    Foram observadas prticas sincrticas na Assemblia de Deus, que por sua vez

    foram copiadas das outras igrejas do pentecostalismo. A AD copiou do pentecostalismo da

    segunda onda, principalmente da Igreja Quadrangular, prticas rituais, em maior proporo,

    e em menor proporo crenas e linguagens ligadas a Confisso Positiva e da Teologia da

    Prosperidade, da Igreja Universal do Reino de Deus.

    Prticas como as campanhas, que so as novenas da Quadrangular, que no fundo

    uma cpia das novenas da Igreja Catlica, assim como prticas rituais mgicas, como o

    ato de ungir documentos e objetos, linguagens mgicas como amarrar o diabo, e

    supersties diversas da religiosidade brasileira. Alguns destes produtos culturais esto

    bastantes presentes, e muitos so refutados pelos intelectuais da AD. Descreveremos

    tambm, as transformaes no modo de ser do assembleiano, que em processo de mudana,

    aponta para uma cultura gospel, novo modelo moderno de ser crente, que denotam

    mudanas na identidade pentecostal assembleiana.

    Destarte este trabalho se prope a responder as seguintes perguntas: como se

    estrutura, atualmente, a identidade pentecostal assembleiana? Outra pergunta, que est

    relacionada a essa : se o sincretismo no subverte de alguma forma a identidade do

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    assembleiano? Estas perguntas esto no bojo de anlises, ora em moda nas Cincias Sociais

    ora fora de moda ou a margem, como o da identidade, e seus desdobramentos como: a crise

    de identidades, problemticas discutidas por Stuart Hall (2003), Kathryn Woodward

    (2000), Tomas Tadeu da silva (2000) entre outros. E a problemtica do sincretismo, vez por

    outra presente nas anlises socioantropolgicas.

    Entre o modelo de representao do pentecostal assembleiano de tempos atrs e

    o novo, esto de um lado os apologtas de um ethos pentecostal engendrado pelo

    metodismo e pelas tradies batistas, defendidos pelos intelectuais da CGADB e outros

    pastores, enquanto de outro lado um pblico jovem que anseia por serem aceitos no

    mundo, pela busca de uma sociabilidade fora dos muros de sua igreja.

    Utilizamos o mtodo da analise interpretativa da literatura pentecostal

    assembleiana, principalmente a que julgamos ser de maior acesso a um bom nmero de

    assembleianos, as revistas da Escola Dominical, tambm da literatura acadmica sobre o

    pentecostalismo, alm das entrevistas realizadas com pastores com formao teolgica, e

    dos membros leigos de faixas etrias e graus de instruo diferentes. Participamos de

    jantares, festas, congressos de mocidade, reunio de grupos de jovens e adolescentes.

    Foram feitas visitas a casas de irmos, assistimos a programas de Tv e rdio, visitamos

    igrejas de bairros perifricos, assim como de bairros centro, como o Templo Central e da

    AD em forma de tenda de alvenaria, o Vale da Beno.

    Na primeira parte deste trabalho, que trs por titulo Asuza street aluso ao

    movimento que foi a mola propulsora do pentecostalismo, coordenado por Seymour,

    explanamos os primrdios do movimento pentecostal at a chegada em Belm do Par dos

    missionrios Gunnar Vingren e Daniel Berg. Discorreremos tambm sobre os dois fatores

    que mais tem atrado a ateno de pesquisadores para o fenmeno pentecostal: a mdia e a

    poltica. a primeira inerente ao pentecostalismo e o segundo tido durante um bom tempo

    como coisa mundana e perversa, mas que atualmente tornou-se projeto poltico da AD.

    Na segunda parte esto os aportes tericos conceituais da problemtica da

    identidade, bem como dos condicionantes desta identidade. Analisaremos o ser pentecostal

    buscando compreender a forma como foi construda a noo do Eu nos idos primevos da

    historia com Marcel Mauss (2003), at a noo de auto-identidade e a reflexividade do Eu

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    em Giddens (2002). trabalharemos tambm a questo da converso como nova identidade,

    e dos chamados usos e costumes de santidade, que os pastores da CGADB querem manter

    como sinais de identidade.

    Na terceira parte descreveremos a forma como os intelectuais da AD expem as

    outras igrejas e movimentos religiosos, ora colocando-os como ameaa, ora prevenindo os

    membros e pastores da AD daqueles erros e equvocos. Mostraremos as contradies

    entre a apologia doutrina pentecostal assembleiana, e as formas de vivencia da f leiga,

    em que est o sincretismo. Esse, cada vez mais presente na AD, o que pudemos observar

    atravs das prticas, crenas, doutrinas e linguagens. E finalmente a forma como os

    ortodoxos da AD tentam eliminar as chamadas heresias e modismos vindos do

    neopentecostalismo.

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    1 PARTE

    AZUSA BELM

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    1.1 Azusa Street

    Para melhor compreender a construo da identidade pentecostal assembleiana,

    faz-se necessrio explanao de um pequeno relato da histria do pentecostalismo nos

    Estados Unidos e no Par. O pentecostalismo fruto do movimento Holiness inspirado na

    teologia de John Wesley. Esta doutrina ficou conhecida como Movimento de Renovao

    ou santidade, em que Wesley pregava a busca de uma santificao. Esse era proco

    anglicano, foi influenciado pela Introduo carta aos Romanos de Martinho Lutero.

    Nessa Lutero esclarece sobre a doutrina da Justificao pela F, base primordial do

    protestantismo. Para Wesley no basta a certeza da salvao mediante a f, o que exige uma

    espera asctica em Deus. A santificao vem como uma certificao da salvao no aqui e

    agora (PASSOS, 2005, p. 48).

    O Movimento de Renovao j anunciava a presena do Esprito Santo e sua

    ao no indivduo. A reforma proposta por ele, no foi aceita pelo clero anglicano, e apesar

    dele no ter a inteno de romper com sua religio, acabou fundando o Metodismo. Esta

    nova denominao deu nfase ao sentimento, e a uma experincia de maior aproximao

    com Deus atravs da santificao, como atesta Weber na tica Protestante e o Esprito do

    Capitalismo:

    A nfase no sentimento, despertada em John Wesley pelas influencias luteranas e moravianas, levou o metodismo, que desde o incio viu sua misso entre as massas, assumir um carter fortemente emocional, especialmente na Amrica. A obteno do arrependimento, em certas circunstancias, envolvia uma luta emocional de tal intensidade que levava aos mais profundos xtases, que, na Amrica, ocorriam com freqncia em reunies pblicas. Isso formou as bases de uma crena na imerecida posse da graa divina, ao mesmo tempo, de uma imediata conscincia de justificao e perdo (WEBER, 2002, p, 103).

    O Metodismo se desenvolveu melhor na Amrica do norte, onde j havia um

    sentimento avivalista, e o metodismo tomou a frente destes movimentos. O avivamento

    servia para aquisio de novos adeptos, diz-se que a nfase dava-se na necessidade das

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    pessoas terem uma experincia com Deus. O segundo grande avivamento ocorreu no perodo

    de 1870 a 1900, este mais importante para entendermos a gnese do pentecostalismo.

    Surgiram vrias denominaes metodsticas, algumas delas j utilizavam em seus nomes o

    termo pentecostal (SNYDER, ap., NETO, 1994, p. 50).

    O pentecostalismo surge assim no seio do metodismo, pode-se considerar que ele

    seja uma radicalizao do protestantismo, uma vez que o sinal evidente da santificao pela

    f o fenmeno glossollico. Os Holiness falavam de um outro batismo, alm do batismo de

    Joo, nas guas. Este era o Batismo com o Esprito Santo. Havia dvidas quanto a essa

    doutrina, perguntavam-se em que momento o fiel poderia perceb-lo em sua vida, foi o que

    ocorreu na virada do sculo XX. O inicio deu-se em uma Escola Bblica, chamada Escola

    Bblica Betel, organizada por Charles Fox Parham. Esse viaja, mas antes disso solicitou

    aos seus alunos que pesquisassem no novo testamento a evidncia do Batismo com o

    Esprito Santo, quando chegou, viu que seus alunos haviam descoberto, que a evidncia do

    batismo era o falar em lnguas estranhas.

    Mas no foi com Parham que o pentecostalismo deslanchou. Mas com um de

    seus alunos W.J Seymour,1 negro, nascido como escravo e garom, aprendeu sobre a

    Doutrina do Batismo com o Esprito Santo ouvindo as aulas de Charles Parham, do lado de

    fora da sala. Seymour aplicou seu conhecimento, sobre o batismo, quando convidado por

    uma pastora, para pregar em uma Igreja Holiness. A pregao do Pastor batista agradou a

    membrasia, mas no pastora, que o expulsou de sua Igreja.

    Antes de chegar a Los Angeles, Seymour foi evangelista no Mississipi e pastor de

    uma Igreja de Santidade na cidade de Houston, Texas. Foi quando estava no Mississipi que

    conheceu vrias pessoas que tiveram contato e foram influenciadas pelas idias de Charles

    Parham. Segundo o Pastor e telogo2 Antonio Gilberto, Seymour, ao ser expulso, se

    hospedou na casa da famlia Asbery. Nesta casa comeou a fazer oraes de dias seguidos e,

    no dia 09 de abril de 1906, orou pela cura de Edward Lee, que alm de receber a cura, foi

    batizado com o Esprito Santo. No mesmo dia foram sete os batizados, e no meio desses a

    Sra Jennie Moore, futura esposa de Seymour. Ao ser batizada, a Sra Moore cantou em outras

    1 Foto nos anexos. 2 Intelectual proletaroide da Assemblia de Deus, escritor e comentarista da revista da Escola Dominical. 3 trimestre de 2006. Foto nos anexos.

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    lnguas3 e comeou a tocar piano, sem nunca ter tido aula de msica (GILBERTO, 2006, p.

    35).

    Seymour fazia uma distino entre a pessoa santificada, ou seja, entre os simples

    Holiness e as pessoas que recebiam o Batismo com o Esprito Santo:

    H uma grande diferena entre a pessoa santificada e a que batizada com o Esprito Santo e com fogo. O santificado limpo de seus pecados e cheio do amor divino, mas o batizado no Esprito Santo tem poder de Deus em sua alma, poder com Deus e com os homens e poder sobre todos os demnios de satans e todos os seus emissrios (SEYMOUR, 2007, p.20).

    Foi da casa dos Asbery, localizada na Rua Bonnie Brae, 214, que saram as doze

    pessoas que fundaram a Misso de F Apostlica, das quais sete eram mulheres.4 Seymour

    alugou um galpo, que j havia servido Igreja Metodista, e com os doze fundou a Misso

    de F Apostlica. A nova denominao se localizava na rua Azusa Street, na cidade de Los

    Angeles, cidade que mais se desenvolvia nos Estados Unidos. (FRESTON, 1994, p. 74).

    Seymour no era um pregador eloqente, mas sabia de cor, como a maioria dos

    pentecostais, os versculos e captulos bblicos que sustentam a Doutrina do Batismo com o

    Esprito Santo e sua evidncia fsica inicial de falar em outras lnguas. Depois de pregar,

    assentava-se no plpito, botava a mo no rosto e no parava de interceder pela operao de

    Deus, enquanto ele orava os crentes falavam em lnguas estranhas (GILBERTO, 2006, p.

    26).

    O incio do pentecostalismo foi ecumnico, no sentido social, pois havia negros e

    brancos, pobres e ricos, homens e mulheres, pessoas cultas e um simples garom. Essa

    aparente democracia racial unida sobre uma mesma doutrina e uma mesma lngua

    (glossolalia) no durou muito. Segundo Campos (1997, p. 252) a primeira ciso deu- se com

    uma querela entre Seymour e Durham, por causa da idia de que havia estgios da vida

    crist. Seymour era adepto da idia de que primeiro o cristo se converte, depois de Batizado

    com Esprito torna-se santificado. J C.H. Durham afirmava haver apenas dois estgios:

    converso-Santificao e Batismo com o Esprito. O conflito levou Seymour a excluir 3 Fenmeno difcil de ser percebido na AD. Observamos esse fenmeno somente uma vez numa congregao da Igreja Batista Missionria da Amaznia, no bairro do Tapan. 4 Fotos nos anexos.

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    Durham. Outra perda foi da Senhora Florence Crawford, que ajudava Seymour no Jornal

    Apostolic Faith, que ao sair da misso em 1908, levou tambm os assinantes do jornal.

    Nascido do protestantismo, o pentecostalismo herdou a caracterstica da ciso. As

    divises sejam por querelas doutrinrias, sejam pela questo da observncia dos chamados

    usos e costumes, o que Weber chamou de sinais externos de santidade, ora causam a

    fundao de uma nova denominao, ora dividem os pentecostais em novos ministrios, ou

    ainda, no caso em questo, dividem os crentes em grupos, onde temos os conservadores que

    querem manter uma tradio assembleiana, o que Mariano chamou de contra cultura, e um

    grupo que quer se libertar dos usos e costumes, que so os adeptos e proclamadores de uma

    maior liberdade e proximidade com a cultura envolvente, principalmente as mulheres, que

    sempre foram as mais cobradas nas observncias dos usos e costumes. No incio, nos EUA

    as mulheres tiveram posio de destaque, entre outras coisas, escreviam para o Jornal

    Apostolic Faith. Elas fundarem igrejas pentecostais sendo pastoras.5

    O metodismo foi uma ciso da Igreja Estatal Anglicana, deste nasceu o

    movimento holiness, que por sua vez deu origem ao pentecostalismo. A marca do

    pentecostalismo a chamada Lngua Estranha. No incio acreditavam que as lnguas

    estranhas, falada no momento do batismo, era uma lngua que existia, assim supe-se que o

    crente possua o dom da Xenolalia, lngua estrangeira concedida pelo Esprito Santo para

    facilitar na pregao em outros pases (BAPTISTA, 2002, p. 23). No demorou muito para

    se pensar que a lngua falada pelos pentecostais era a o fenmeno da Glossolalia,6 lngua

    desconhecida. A lngua estranha7 causou a ciso na Igreja Batista. Podemos ento afirmar

    5No Brasil, as mulheres ficaram distantes de uma atividade de maior relevncia at 1930. Nesse ano os suecos sentiram a necessidade de engaj-las em atividades secundarias, como em lideranas dos departamentos. H missionrias, mas ainda hoje no possvel a ordenao de pastoras na AD, salvo em congregaes independentes. 6 Vale aqui uma observao do professor Heraldo Maus: Glossolalia em termos tcnicos a emisso de sons ritmados, mas sem sentido aparente. E pode ser interpretada culturalmente tanto como um fenmeno religioso, mstico, como no religioso (por exemplo, cantores de jazz, quando improvisam, fazem uma espcie de glossolalia ver sobre o assunto em Ioan Lewis, xtase Religioso). Xenolalia falar numa lngua estrangeira. O episdio narrado em Atos 2, xenolalia. O que ocorre mais comumente, inclusive nas igrejas pentecostais a glossolalia (mas no s, e no s no cristianismo) e sobre glossolalia ver sobre o assunto uma autora francesa, Angelina Polack. (sic). 7 Segundo Aurlio Buarque, dicionrio da lngua portuguesa glossolalia : Fenmeno, que pode ocorrer em situao de exaltao religiosa, caracterizado pelo comportamento de certos indivduos que comeam,

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    que a Doutrina Pentecostal saiu do metodismo, porm, a sua prtica causou primeiramente

    ciso na Igreja Batista, ou seja, a Assemblia de Deus, enquanto Igreja que pratica o dom

    glossollico, surgiu de uma ciso na Igreja Batista. Primeiro na igreja onde Seymour

    pregava, depois na igreja onde Gunnar Vingren foi pastor. O mesmo fenmeno ocorreu na

    Sucia, onde Pethrus, tambm batista, organizou a Igreja Filadlfia.

    A histria das Assemblias de Deus no Par se confunde com a histria dos

    pioneiros, Assim at hoje, nas edies publicadas pela CPAD (Casa Publicadora das

    Assemblias de Deus) sobre o surgimento da Igreja, h ainda, o costume de se contar a

    histria pelos grandes feitos de seus pastores, que assim, pretendem ganhar notoriedade. Na

    ltima verso de 2005, metade do livro dedicado a contar os grandes feitos do atual pastor

    presidente da AD em Belm Ministrio Misso, Pr. Samuel Cmara, desde a 5 edio o seu

    discurso de posse editado na ntegra, ocupando onze pginas do livro.

    Para tentar reconstituir a histria das Assemblias de Deus, acentuando os pontos

    doutrinais e culturais, que firmaram sua identidade, utilizaremos alm da literatura do

    pentecostalismo, os dirios dos pioneiros. A histria do pentecostalismo nos parece um

    quebra-cabea gigantesco e com peas bastante coloridas.

    Partiremos do pressuposto de que no havia no incio, ou no possvel falar de

    uma identidade assembleiana, e sim de uma Identidade Batista-Protestante. Visto que

    Gunnar Vingren, Daniel Berg, Samuel Nistron, Nels Nelson, e Lewi Pethrus, eram todos

    batistas. As bases fundamentais da AD se encontram no Puritanismo, no Pietismo, no

    Avivalismo, e no fundamentalismo, todos movimentos nascidos dentro do protestantismo

    mais conservador. Estas questes sero discutidas no segundo captulo.

    espontaneamente, a falar lnguas desconhecidas, tidas como frutos de dom divino, mas que, geralmente so lnguas inexistentes. Xenolalia ou xenoglossia : A fala espontnea em lngua(s) que no fora (m) previamente aprendida (s).

  • 21

    1.2 Gunnar e Berg, os primeiros anos.

    Um nome bastante conhecido na literatura pentecostal, Gunnar Vingren, era

    sueco, nasceu em Ostra Husby, em 1879, regio agrcola do sudeste da Sucia (FRESTON,

    1994, p. 80), filho de um jardineiro batista, aos onze anos, quando concluiu o primrio, foi

    ajudar o pai na jardinagem. Esse ltimo fato refora a tese de que o pentecostalismo nasce

    quase sempre de lderes pertencentes s camadas pobres da populao. Em seu dirio,

    Gunnar confessa que apesar de aos nove anos, juntava seus coleguinhas para orar; desviou-

    se8 aos 12, somente voltando igreja aos 17anos. Depois de ser batizado, aos 18, se tornou

    lder da Escola Dominical substituindo o pai (VINGREN, 2000, p. 19).

    Em 1903, Gunnar migra para os EUA em busca de trabalho, assim como muitos

    suecos, fugindo da recesso econmica de seu pas. Segundo Freston (1994, p. 76) a Sucia

    era estagnada e com pouca diferenciao social. No campo da religio, a igreja estatal

    luterana era elitista, reprimiam e marginalizavam as dissidncias batistas. Freston afirma que

    no havia catolicismo, mas no dirio de Daniel Berg h o relato de um fato curioso, o padre

    da pequena cidade de Vargn, que segundo Berg, era o homem mais importante da cidade,

    queria convencer a famlia Berg a batizar seus filhos, dizendo que se as crianas no se

    batizassem jamais sairiam de Vargn (BERG, 2000, p. 13).

    Nos Estados Unidos, Gunnar trabalhou de foguista, porteiro e finalmente na

    profisso que aprendeu com o pai, jardineiro. Em Chicago, terminou seus estudos cursando o

    Seminrio Teolgico Sueco Batista, de 1904 a 1909. Foi pastor da Igreja Batista em

    Menomine, Michingam, de junho de 1909 a fevereiro de 1910. Em uma conveno batista,

    em Chicago, aprendeu sobre a Doutrina do Batismo com o Esprito Santo, na qual depois de

    cinco dias foi batizado. Foi expulso ao levar a novidade Igreja que pastoreava, mais logo

    8 Desviar, para os batistas assim como para os assembleianos e sair dos caminhos do Senhor ir para o mundo e deixar de praticar a crena. muito comum, no pentecostalismo, as pessoas afirmarem dizendo, que j foram crentes, quando desviadas. Diferentes dos protestantes histricos, que apesar de no estarem praticando, se dizem evanglicos (esta ltima informao nos foi dada pelo Socilogo Saulo Baptista). Os lderes atuais jamais procuram deixar registradas suas fraquezas, diferente dos pioneiros que relatavam seu lado humano, em seus dirios, a exemplo do terceiro pastor Nels Nelson, que declarou passar por momentos de dvida e de irritao.

  • 22

    foi contratado por outra Igreja Batista, em South Bend, indiana, onde a pentecostalizou

    ficando nesta at outubro de 1910.

    Ainda neste ano, na casa de Olaf Uldin, Gunnar teve uma revelao atravs de

    profecia. A profecia dizia que Gunnar e Berg deveriam ir ao Par, e evangelizar um povo

    simples, que comiam uma comida muito simples. Em Xenolalia os suecos escutaram um

    hino cantado em portugus por Uldin.9

    Os pioneiros tinham cerca de noventa dlares para viajar, mas Gunnar os doou

    para uma revista evanglica organizada por Durhan, branco que foi excludo da Misso

    Azusa. Conseguindo o dinheiro de volta, por doao de um amigo negociante ingls,

    juntamente com Daniel Berg saram no dia 05 de novembro, chagando ao Par dia 19 de

    novembro de 1910. Diferente do que dizem alguns, eles no foram direto para a Igreja

    Batista, antes se hospedaram em um hotel e l viram num jornal, um nome conhecido, era o

    nome de Justos Nelson, pastor metodista conhecido de Vingren. Aquele levou ambos ao

    Pastor Eric Nilson,10 tambm de origem sueca, que fundou a Igreja Batista em Belm

    (BERG, 2000, p. 46, 77).

    Ao chegarem foram bem recebidos no incio (BERG, 2000), mas com a pregao

    da doutrina pentecostal foram expulsos junto com 19 pessoas. Tambm foram expulsos do

    poro da Igreja, onde residiam de forma precria. Para Antonio Almeida, historiador da

    Igreja Batista, Vingren mentiu quando se apresentou como pastor batista, segundo o prprio

    Antonio Almeida e Francisco Rolin (1985) os dois haviam se desligado da igreja batista e se

    filiado a Assemblia de Deus, nos EUA. Neto (1994) em sua dissertao de mestrado

    contesta essa idia, afirmando que vingren no quis enganar o pastor Batista. Berg no seu

    dirio afirma que ao serem expulsos, Vingren ficou muito preocupado no pela expulso,

    pois j havia sido expulso antes por causa da nova doutrina, mas por no terem dinheiro para 9 Por ocasio do jubileu de ouro da AD, o pastor Gideo Uldim, filho de Olaf Uldin, confirma a histria dos Pioneiros. Em South Bend, indiana, no ano de 1910, Uldim profetiza (revela) que Vingren e Berg deveriam ir ao Par. Gideo Uldim afirma que seu pai no conhecia o idioma portugus, pois era sueco. Ao chegar ao Par, os missionrios escutaram o hino que Uldim cantou pelo fenmeno xenollico (Histria da Igreja Me das Assemblia de Deus no Brasil, 2005; BERG, 2000, p. 67). 10 Segundo Vingren, Eric Nilson ao chegar ao Par, buscou o batismo com o Esprito Santo, e aps 14 dias orando comeou a sentir algo estranho, ficou com medo e assustou a esposa, que o proibiu de continuar, desde ento Eric Nilson passou a negar a Doutrina do Batismo com o Esprito Santo. No dirio de Berg h o relato de que Nilson passou por dificuldades financeiras a ponto de receber ajuda dos novos convertidos da Misso de F Apostlica. Segundo Berg a igreja de Nilson esvaziou comprometendo o seu sustento (BERG, 2000, p.63).

  • 23

    alugar um quarto ou casa. No dirio de Berg, onde o pastor trava um dilogo com Gunnar,

    este afirmou que no tinha a inteno de se separar da Igreja (BERG, 2000, p.54 a 57).

    Ao serem expulsos no dia 13 de junho de 1911, formaram um grupo ao estilo

    holiness, era o incio da Assemblia de Deus, fundada dia 18 de junho do mesmo ano, com o

    nome de Misso de F Apostlica, mais uma prova de que ambos no haviam se filiado

    Assemblia de Deus norte americana, que no existia com esse nome. O nome Assemblia

    de Deus passou a ser usado a partir de 1917. Sobre isso h uma referncia no dirio de

    Gunnar, um relato de sua Esposa Frida Vingren, que ao chegar ao Par, em 1917, se

    emocionou quando viu o letreiro em cima da porta da Igreja, que dizia ASSEMBLIA DE

    DEUS. A Igreja somente foi registrada no dia 11 de janeiro de 1918, com o nome

    Sociedade Assemblia de Deus. No livro que conta histria da AD, um dos 19, que saram

    da Igreja Batista para fundar a Misso de F apostlica, afirma que foi uma deciso tomada

    democraticamente com os membros.

    Para Paul Freston, o nome Assemblia de Deus surgiu da dissidncia entre

    brancos e negros. Aparentemente no incio, brancos e negros conviveram harmoniosamente

    na Misso de F Apostlica da Azusa Street. Os brancos iriam aprender com negros, mas

    com a diviso racial nos EUA a convivncia no foi duradoura. Seria arriscado afirmar que

    Vingren intentou identificar a Assemblia de Deus, em Belm, como igreja de brancos, ou

    seja, se desvinculando do nome da igreja pentecostal negra dos EUA, que, segundo Rubem

    Alves, estava engajada em Lutas polticas. No incio do pentecostalismo em Belm, havia

    poucos brancos. Frida Vingren relata que ao chegar em 1917, ao se aproximar do porto, viu

    um homem alto e branco que se destacava entre os outros, era Samuel Nistron, em meio

    populao de estatura mediana e de cor parda ou negra.

    As verses das Histrias da Assemblia de Deus, que so reeditadas a cada dois

    anos, no trazem uma pista sobre o motivo da troca de nome. O nome importante para se

    efetivar a posio de uma identidade. Muitas igrejas de outras denominaes foram visitadas

    por Vingren, que segundo ele se pentecostalizaram, principalmente Igrejas Batistas, que ao

    que parece no trocaram de nome, continuando a se denominarem batistas.

    Os missionrios suecos encontraram quatro igrejas estabelecidas. As primeiras

    incurses na Amaznia deram-se a princpio com missionrios agentes de Sociedades

  • 24

    Bblicas. As primeiras Igrejas foram a Metodista em 1883, e a Presbiteriana em 1894. O

    primeiro Missionrio a chegar foi Daniel Parish Kidder, metodista episcopal, que chegou a

    Belm em 1839. Entre outras funes era representante da Sociedade Bblica dos Estados

    Unidos. Esse distribua folhetos e bblias e pregava em casas de pessoas amigas e em navios

    que atracavam no porto de Belm. Outros cultos, alm da missa catlica, eram proibidos, e

    no havia templos protestantes. Na obra Histria da Igreja no Brasil, Tomo II/2, publicado

    pela Comisso de Histria da Igreja na Amrica Latina, na pgina 241, o autor afirma que

    houve certa tolerncia em relao propagao do evangelho protestante (FRAGOSO,

    1992). Mas segundo Martin Dreher (DREHER, 1992) havia muita resistncia11 por parte dos

    sacerdotes catlicos e da populao em relao aos protestantes, contudo, o apoio aos

    primeiros protestantes veio de membros da Maonaria, principal opositora do catolicismo.

    Outro missionrio que por aqui passou, foi Robert Nesbit, em 1857, tambm

    distribuiu Bblias e folhetos. O bispo da poca proibia os catlicos de comprarem ou

    receberem as Bblias dos missionrios protestantes. O Bispo Jos Afonso Torres escreveu

    uma carta pastoral orientando os fiis sobre os livros vendidos por Nesbit. Em Belm, dos

    fins de 1860, outro missionrio enviado pelo Conselho de Misses da Igreja Episcopal dos

    Estados Unidos, se estabeleceu na cidade de Belm. Trata-se do reverendo Richard Holden,

    que adquiriu no centro da cidade um ponto comercial para venda de seus livros. O principal

    adversrio de Holden, e dos protestantes em geral, foi o recm chegado Bispo Dom Antnio

    de Macedo Costa, que alertou sobre a ligao dos protestantes com o projeto norte

    americano de tomada do Amazonas.

    Em 19 de julho de 1880, chega a Belm do Par, o missionrio metodista Justus

    Nelson, professor de lnguas e mdico, esse criou um curso de enfermagem, fundou um

    trabalho regular e publicava o jornal, O Apologista Cristo,12 Nelson foi preso por quatro

    meses, por entrar em choque com a hierarquia catlica local. O jornal criticava os erros e

    supersties da Igreja Catlica, o lema do Jornal era Saibamos a Verdade Custe o que

    11 No foi somente no incio que houve resistncia aos pentecostais, o que se pode observar nos dirios de Gunnar e de Berg, em que relatam muitos conflitos com os catlicos, principalmente nos interiores. Na pesquisa de Heraldo Maus, em Itapu na dcada de 70, este observou que havia resistncia aos pentecostais por parte dos catlicos (MAUES, 2001). 12 Talvez tenha sido este o jornal que Gunnar Vingren tenha visto no quarto de hotel onde passou um dia, sem saber ler em portugus reconheceu o nome de Justus Nelson, que conheceu nos Estados Unidos e com quem teve aulas de portugus. Justus Nelson era mdico e professor de Lnguas.

  • 25

    Custar. Nelson sofreu apedrejamentos at por crianas, por ordem do padre local, chegou a

    ser agredido em plena via pblica, por no levantar o chapu ao passar em frente a uma

    igreja catlica (NETO, 1994, pp. 172, 173).

    A primeira Igreja Batista foi fundada em 1897, pelo pastor Erik Nilsson, que em

    1910, contava com 170 membros. O pastor era conhecido como Eurico Nelson. Este pastor

    ainda Bastante lembrado pelos Batistas. Diferentemente dos assembleianos, que quase no

    conhecem a histria de seus fundadores. Conhecem os nomes, que so repetidos nos plpitos

    quando do aniversrio da Igreja. Um fato que guardam em sua memria, e com orgulho, a

    origem humilde dos trabalhos iniciais, o fato de que os missionrios, sem dinheiro, se

    alimentavam de mangas. A verdade que este fato se deu, em Bragana, com Daniel Berg,

    ele se alimentou de manga durante dois dias, porque seu dinheiro havia acabado.

    A propagao do pentecostalismo, segundo Freston (1994, p. 82) foi lenta

    durante os primeiros 15 anos. O mtodo era o da pregao de porta em porta, chamado de

    evangelismo pessoal. Berg evangelizava pelos interiores utilizando o mesmo mtodo dos

    primeiros protestantes no Par, distribuindo folhetos e Bblias. Com uma diferena, as

    Bblias eram vendidas para sustentar a misso de Berg. Este missionrio relata, em seu

    dirio, que somente 20% da populao sabia ler.13 Ao evangelizar de porta em porta, lia a

    bblia para pessoas simples e humildes do interior. Segundo ele, elas se maravilhavam em

    saber que havia Bblias em portugus, pois o contato que tinham com elas era em latim e

    havia pouqussimas, Berg relata que os caboclos lamentavam o fato de os padres proibirem a

    leitura da Bblia.

    Em Belm, Gunnar pastoreava a Igreja, pregava de porta em porta, e tambm em

    Igrejas que o convidavam. Ao passar por essas, sua pregao sempre era relacionada ao

    Batismo com o Esprito Santo. Pentecostalizou algumas igrejas independentes no interior do

    estado, entre elas igrejas batistas, fez vrias viagens pelos interiores, seja evangelizando,

    seja para batizar14 os recm convertidos, e algumas vezes para intervir quando das

    13 O mesmo fato foi observado por Lewi Petrhus, em 1930. 14 Somente os pastores podem batizar nas guas, Berg no era pastor, mas missionrio, tornou-se pastor depois.

  • 26

    perseguies sofridas pelos dirigentes.15Dificilmente os missionrios conseguiam

    ultrapassar a incgnita desse jogo entre curiosidade e averso, hospitalidade e hostilidade,

    docilidade e perseguio que regia as relaes dos missionrios evanglicos com os nativos

    catlicos (MAFRA, 2001, p. 16).

    Os missionrios eram sustentados pelas misses suecas da Amrica do norte, e

    pela Igreja Filadlfia, do pastor Lewi Petrhus. Gunnar Vingren recebia uma parte do sustento

    da igreja Filadlfia, mas era insuficiente, a outra parte vinha de um amigo da Misso

    Americana. Em 1932, quando Vingren j estava no Rio de Janeiro, deixou de receber a ajuda

    do amigo americano por trs meses. Na poca ocorreu um boato de que ele estava

    enriquecendo em detrimento dos irmos, que eram muito pobres. Assim no incio do

    pentecostalismo j havia denncias de enriquecimento de pastores. Atualmente o exemplo de

    Edir Macedo sempre citado. No caso de Gunnar, parecia ser um boato, em uma carta ele

    relata as dificuldades financeiras que passou, o que se pode deduzir segundo suas palavras:

    Eu sei que ficaste triste comigo, pois pensavas que eu vivia em abundncia, enquanto os

    outros estavam padecendo necessidades, e por esta razo paraste de enviar a oferta mensal

    que costumavas mandar (VINGREN, 2000, p. 221).

    Daniel Berg era sustentado pela Igreja Filadlfia, de seu amigo de infncia, Lewi

    Petrhus, sua renda era complementada pela venda de Bblias. Ele era forte e robusto, tinha

    dois metros e dez de altura, e tambm passou grandes dificuldades nos interiores. Pelos

    dirios dos pioneiros possvel observar a situao social do pas e do Estado do Par,

    relatos de altssimas taxas de analfabetismo, casas de terra batida (barro ou adobe) e cobertas

    com palhas ou telhas de barro, forro era um luxo. H relatos de epidemias de malria, febre

    amarela, hansenase dentre outras. Os missionrios sempre relatavam a comida simples dos

    paraenses: feijo, arroz, farinha e carne seca, cozidos com gua e sal. Nos interiores era pior,

    chegaram a comer manga ou somente banana com farinha. Devido a esta alimentao

    deficitria, Vingren que j era magro,16 acabou adquirindo uma doena de estmago, que o

    levou morte em 1933.

    15 Dirigentes so leigos, que ascendem a este cargo passando por outros menores. No inicio dos trabalhos na AD, foram diretamente colocados neste cargo pelos missionrios, alguns vieram do catolicismo devoto, outros de igrejas batistas, ou seja, j possuam alguma experincia em liderana leiga e com a cultura Crist. 16 Fotos nos anexos.

  • 27

    1.3 Pentecostalismo Mdia.

    Leonildo Campos (1997) lembra aos crticos do neopentecostalismo que a

    propaganda nasceu exatamente no campo religioso. Desde o incio o pentecostalismo tem

    usado jornais, revistas e transmisses de rdio, para divulgar sua mensagem de salvao.

    Segundo este autor a deciso do pentecostalismo de produzir seu prprio jornal, foi devido

    forma preconceituosa de como os jornais seculares apresentavam o movimento pentecostal.

    Na Revista Graa, publicada pela Graa Show da F,17 h uma matria sobre

    Centenrio Pentecostal, essa traz a maneira como foi noticiado o movimento da Asuza

    Street: Uma seita religiosa bizarra, na qual os seguidores fazem estranhos sussurros e

    recitam um credo que, aparentemente, nenhum mortal em s conscincia seria capaz de

    entender, afirmando ter recebido o dom de Lnguas (MIRANDA, ano 6-n 81, p. 24-25).

    Os jornais evanglicos j eram bastante comum nas nascentes comunidades Holiness dos

    EUA. Um exemplo disso foi o jornal Apostolic Faith, que a misso Asuza publicou.

    Em Belm do Par, o primeiro jornal da AD foi o jornal Voz da Verdade, com

    apenas duas edies, depois surgiu o jornal Boa Semente. Esse era produzido nos pores

    do primeiro templo que se localizava a rua 9 de Janeiro, n 75. Os historiadores da AD se

    orgulham de ter produzido o primeiro jornal pentecostal de Belm. O jornal Boa Semente

    circulou at os anos 30.18

    Por ocasio do que foi chamado de 1 conveno das ADs no Brasil, em 1930, o

    jornal Boa Semente e o jornal Som Alegre foram fundidos para surgir o jornal

    Mensageiro da Paz, at hoje em circulao. O jornal Boa Semente em Belm e o Som

    Alegre no Rio de Janeiro foi uma iniciativa de Gunnar Vingren. O pastor Alcebades

    Vasconcelos criou um jornal de circulao mais restrita a Belm, foi o jornal Estandarte

    Evanglico, que servia para divulgar as atividades dos jovens da Igreja, e logo depois,

    tambm, para outras atividades das igrejas locais.

    17 Produo da Igreja Internacional da Graa, de RR. Soares, com tiragem de 150.000 exemplares. 18 Conferir: Histria da Igreja Me das Assemblias de Deus no Brasil, 2005, p.168.

  • 28

    Atualmente tem chamado ateno, a presena da mensagem evanglica nos

    meios de comunicao. As igrejas pentecostais e sua mensagem de plpito se adequaram s

    ondas de rdio e Tv, ultrapassando as paredes sem imagens dos templos, se fazendo ouvir a

    centenas de pessoas ao mesmo tempo. A pregao pentecostal no est mais restrita a

    algumas dezenas de pessoas em cada uma de suas pequenas Igrejas.19

    Mas nem sempre foi assim. O rdio nem tanto, mas, a televiso foi durante muito

    tempo considerada um veculo de satans, para fazer desviar o crente. Hoje mudou, apesar

    de algumas ressalvas. O discurso parece ser ainda coerente, qual seja, assim como os ritmos

    musicais a Tv foi mais um dos objetos satnicos tomados das mos do diabo. A televiso

    agora o aparelho que leva as bnos aos lares cristos e no cristos.

    O aparelho de rdio foi inventado em 1901, pelo Nobel da Paz Guilherme

    Marconi, porm demorou 20 anos para o surgimento da primeira estao de rdio. Um fato

    marcante na histria do rdio foi presena do sentimento religioso, pois o contedo de sua

    primeira transmisso em 1909, foi leitura de uma passagem bblica por Reginald

    Ferzenden, pelo fato podemos perceber uma sociedade americana com valores religiosos

    bastantes arraigados. A primeira estao comercial de rdio foi ao ar, no dia 02 de novembro

    de 1920, com a estao KDKA na cidade de Pittsburgh.

    Nos Estados Unidos no demorou dois meses para que uma igreja protestante

    tivesse no rdio a possibilidade de cumprir o mandamento de pregar o evangelho a todo o

    mundo. Em janeiro de 1921, foi ao ar o primeiro programa religioso de rdio, trata-se do

    programa da Calvary Episcopal Church. No ano seguinte, entrou em operao a primeira

    emissora ligada a uma igreja, a National Presbyterian Church de Washington (CAMPOS,

    1997, p. 266).

    A primeira igreja pentecostal a levar sua mensagem via ondas de rdio, foi a

    International Church of The Four-Square Gospel, no Brasil conhecida como Igreja do

    Evangelho Quadrangular. A controvertida e lendria Missionria Aimee McPherson, lder da

    Igreja, tinha um programa em 1922, dois anos depois, a International Church of The Four-

    Square Gospel possua sua prpria emissora, a KFSG.

    19 O termo pequenas igrejas se refere ao tamanho pequeno dos templos do incio do pentecostalismo, em relao as grandes catedrais dos neopentecostais, principalmente as da IURD.

  • 29

    Como podemos ver, desde o incio o pentecostalismo se apropriou dos meios de

    comunicao. Dos primeiros jornais pentecostais com Parhan e Seymour, at a utilizao das

    ondas hertzianas, os pentecostais levam suas mensagens proselitistas.20 Todas as igrejas e

    seitas tm a pretenso de ser a legtima e verdadeira religio, e nenhuma delas admite

    fazer proselitismo. A pregao do evangelho pronunciada como mensagem de salvao, de

    felicidade, ou conforto, sempre o cumprimento de um mandamento, uma obrigao do

    crente.21

    A transmisso da mensagem de salvao deve ser levada a todos os cantos, e h

    um leque de opes para os desejosos desse tipo de servio, ou bem simblico. As pessoas

    convertidas atravs das mensagens radiofnicas, trazem sempre em seus testemunhos uma

    experincia de passagem por uma crise, que pode estar ligada a vrios fatores, seja de ordem

    econmica at a uma desiluso amorosa, que pelo exagero das paixes humanas podem levar

    ao suicdio.

    No incio seu uso, no ganhou a simpatia de todos os pentecostais, eles o

    consideravam um meio imprprio para evangelizao, pois encaravam o ar como morada de

    demnios (CAMPOS, 1997, p. 267). Na Igreja Assemblia de Deus, na pessoa do pioneiro

    Gunnar Vingren, este j expressava o desejo de levar o evangelho pelas ondas de rdio, este

    desejo deixou escrito, em seu dirio, em sua viagem de navio a Sucia. 22

    Nos Estados Unidos o primeiro programa de rdio das Assemblias de Deus foi

    ao ar em 1925 com o pastor e radioevangelista Robert Graig (CAMPOS, 1997, p. 266). No

    Brasil, a primeira transmisso foi no dia 07 de setembro de 1922, por ocasio do centenrio

    da Proclamao da Independncia apenas 800 aparelhos. A primeira transmisso

    evanglica da AD ocorreu dia 15 de novembro de 1955, com o nome de Som do

    Evangelho, pela Rdio Marajoara (Histria da Igreja Me das Assemblias de Deus no

    20 As igrejas se acusam mutuamente de prticas proselitistas. Este termo muito utilizado para desacreditar, uma vez que, como outros termos, adquiriu pela banalizao de seu uso, um sentido pejorativo. 21 At mesmo a Igreja Catlica, da ocasio da visita do Papa Bento XVI, transmitia pelas vozes dos jovens, a necessidade de evangelizao, como se o Brasil fosse ainda um campo missionrio, e no um pas j constitudo de um leque de opes de Igrejas crists e de religies medinicas. 22 Esta foi a ultima viagem de vingren. Os suecos voltavam Sucia para morrer.

  • 30

    Brasil, 2005, p. 169).23 O desejo de Vingren, de levar o evangelho via rdio, foi projetado

    por Nels Nelson e concretizado pelo pastor Francisco Pereira do Nascimento.24 O primeiro

    programa de rdio da AD era sustentado pela doao de alguns colaboradores, ia ao ar as

    06h e 15min, com msicas, que eram gravadas diretamente dos plpitos pois havia escassez

    de discos.

    Alcebades Vasconcelos deu maior incentivo ao uso do rdio. Com a vinda de

    Walter Derick Mendes Ribeiro, novos programas foram criados, que passaram a ser

    transmitidos pela Rdio Clube, com o nome de Voz da Assemblia de Deus.25 que ia ao ar,

    s 19 horas, do dia 17 de junho de 1967, aos sbados. No observamos relatos da durao

    dos primeiros programas. Com a criao da Secretaria de Divulgao e Cultura, pelo Pr

    Firmino, a AD passou a ter seis programas em trs emissoras, quais sejam na Marajoara, na

    Rdio Clube do Par e na Rdio Guajar, alm de um programa na TV Guajar. Na televiso

    o pastor Firmino tinha a maior parte nas programaes, aparecia do peito para cima, parecia

    estar em p atrs de um plpito, e s vezes sentado a uma mesa.

    A rdio Trans-paz AM foi adquirida em 1988, ainda no AR, e a TV Boas

    Novas, antes TV Guajar, foi adquirida em 14 de maro de 1995. A televiso foi um dia

    para os assembleianos considerado um veculo de satans, tanto que em 1961, por ocasio

    da XIX Conveno das Assemblias de Deus, os pastores foram proibidos de possuir

    televiso em casa, e foi solicitado que os membros se desfizessem do aparelho (CAMPOS,

    1997, p. 271). Ainda no incio da dcada de 80, o pastor Firmino por determinao da

    Conveno, proibiu mais uma vez o uso da televiso pelos crentes. A desconfiana para com

    a Tv perdurou at 1995, como se pode observar do discurso do pastor Firmino Golveia,

    quando da compra da TV Guajar:

    Este momento acredito, um dos mais significativos da histria da nossa Igreja aqui em Belm. Isso porque est nos empurrando para um campo de atividades at ento por ns desconhecidos, campo que tem sido explorado negativamente, pois nele se explora um meio de comunicao chamado mdia eletrnica, para a

    23 Nesse mesmo ano Manoel de Melo tambm estreou no rdio, primeiramente pela rdio Amrica, posteriormente pela Tupi, rdios que retardaram o processo de falncia devido s programaes evanglicas (CAMPOS, 1997, p. 271). 24 Primeiro pastor brasileiro na direo da AD, em Belm. 25 Atualmente h um programa de televiso na RBN, com esse nome, esse dirigido pelo pastor Samuel Cmara e pelo Pr Jairinho, cantor de forr evanglico.

  • 31

    perverso do homem. Estamos nos predispondo a adquiri-lo para o uso do evangelho (HISTRIA DA ASSEMBLIA DE DEUS EM BELM DO PAR, 2003, p. 114).

    De aparelho do diabo a instrumento nas mos de Deus, assim que os

    assembleianos se referem ao uso da televiso. Tudo indica que a compra da rdio Guajar

    tenha feito parte de um projeto maior, uma vez que, logo ela se uniu a uma emissora de

    Manaus, fundada pelo atual pastor Samuel Cmara. Com a juno a Tv evanglica paraense

    com o nome de Tv Boas Novas passou a fazer parte da Rede Boas Novas, com transmisso

    pelo Jesus Sat.

    O estilo de pregao, tanto no rdio, quanto nos primeiros programas de

    televiso, era do Tipo Cultura da Oralidade,26 uma herana tipicamente protestante

    (CAMPOS, 1997), onde a palavra oral predominou durante muito tempo, e ao que tudo

    indica ainda perdura nos meios protestantes, e de sua expresso popularizada, os

    pentecostais. Segundo Campos (1997) a mensagem evanglica no perdeu o sentido da

    oralidade em sua forma escrita, esta a perpetuou. A palavra de Deus dada pela escritura

    Solla Scriptura, um fator de forte aproximao entre pentecostais e protestantes.

    Atualmente na Rede Boas Novas (RBN) alguns programas veiculados, so de

    utilidade pblica, ainda que voltados moralidade crist. H um jornal ao meio dia,

    programas sobre culinria, debates, programas musicais etc. Alguns desses so do tipo Talk

    Show, ou estilo Hebe Camargo, no qual h um entrevistador e os convidados esto

    acomodados em sofs. Esses ltimos com contedos diversos, como: direito do consumidor,

    violncia, direitos trabalhistas, receitas de como melhor educar os filhos, etc. sem prejuzo

    de programas do tipo evangelstico.

    O estilo igreja, onde o pastor falava de um plpito, ou atrs de uma mesa, aos

    poucos so substitudos, imitando estilos de programas seculares, como exemplo, temos os

    programas realizados pelos filhos de Samuel Cmara, onde um faz um programa do tipo

    Serginho Grosman, em que o entrevistador em roda com seus entrevistados, est ladeado

    por uma pequena platia, sentados em uma espcie de anfiteatro, trata-se do programa

    26 Sobre isso conferir Campos (1997, p. 246).

  • 32

    Antenados de Phillipe Joo Cmara. Outro filho, Andr Cmara, comanda um programa

    do tipo MTV, em que h entrevistas, curiosidades, esportes radicais, agendas culturais etc.

    No poucos so ainda os cultos transmitidos, como os do Templo Central e os do

    Vale da Beno, alm do de outras Igrejas, em que ainda predomina o estilo igreja. Nesses

    os pastores no ficam inibidos ao berrar, utilizando a tpica estratgia de entonao da voz

    para provocar a emoo da platia, no se inibem, tambm, ao falar em lnguas, e a orar da

    forma mais pietista possvel.

    A RBN vende espaos a outras igrejas como a do Evangelho Quadrangular, onde

    se observa uma pregao voltada venda dos produtos pentecostais do tipo bnos e

    prosperidade, ou seja, uma mensagem do tipo promessa de vitrias, tpicos de um

    triunfalismo neopentecostal ps-moderno, fazendo propaganda de uma teraputica para

    problemas diversos. H espaos para igrejas dissidentes da AD, como para a Igreja

    Assemblia de Deus: misso apostlica de f.

  • 33

    1.4 A relao com a poltica

    Outra caracterstica marcante tem chamado ateno de pesquisadores, uma

    maior presena dos pentecostais na poltica, com isso afirma-se que os pentecostais aos

    poucos esto deixando sua forte caracterstica sectria. A atuao no governo chamou mais

    ateno devido falta de tica, com relao a questes mais profundas da sociedade

    brasileira, como o forte clientelismo e fisiologismo, alm de escndalos envolvendo propinas

    e enriquecimento ilcito, por parte de pastores em cargos de deputados e senadores.

    Os pentecostais na poltica tornou-se um tema atual entre os pesquisadores. So

    monografias, dissertaes e teses de doutorado. Na atuao nas Cmaras legislativas, ou no

    Congresso Nacional, os projetos dos pentecostais geralmente so de ordem moral, as vezes

    ultrapassada, ou de assuntos relacionados mais a uma religiosidade judaica crist.

    Tem-se afirmado que os pentecostais so alienados, que no esto engajados nas

    lutas sociais. Os missionrios batistas que fundaram a Assemblia de Deus tiveram

    experincias negativas em seu pas de origem. Primeiramente com relao Igreja Luterana,

    que tinha os batistas como uma seita, esses eram poucos e se ressentiam de uma Igreja

    Estatal liderada por uma elite intelectualizada. Havia pouca diferenciao religiosa, e a

    dissidncia batista era em nmero reduzida e marginalizada, tanto, a ponto de emigrarem,

    tambm, por motivos religiosos (FRESTON, 1994, p. 77). No mbito da poltica partidria,

    os batistas desconfiavam da Social Democracia, e no religioso de um clero elitista e

    opressor, e pouco aberto ao misticismo. Assim os batistas reagiam com uma religio

    contracultural. Freston (1994, p. 77) citando a tese Martin,27 afirma que em culturas

    luteranas a dissidncia demora a chegar, e quando chega tem forte tendncia ao

    pentecostalismo.

    A Igreja Luterana estava intimamente ligada ao estado monrquico sueco e havia

    pouca liberdade para outras expresses religiosas. A adeso Igreja Luterana era de 95%,

    27 MARTIN, Bernice. Simbolic knowledg and forces at the forntiers of post-modernism: Qualitative market Researcheers. In Heuberger, F & Keller, H. (org) Hidden Technocrats: the New Class and the New Captalists, Nova Yorque, Transaction Press, 1991.

  • 34

    mas somente 5% eram os que poderamos chamar de luteranos praticantes. Com maioria de

    luteranos a Sucia se assemelhava ao Brasil, no que tange a uma hegemonia religiosa. O

    Brasil, a poca dos missionrios, era um pas de predominncia massiva de catlicos.

    A Sucia era um pas que iniciara sua revoluo industrial28 de forma muito

    incipiente e acompanhada de uma forte recesso, sentida principalmente por jovens suecos,

    que em busca de oportunidades de emprego migravam. Assim mais de um milho de suecos

    emigraram para os Estados Unidos (FRESTON, 1994, p. 76). Os luteranos inicialmente se

    associaram ao marxismo, e posteriormente predominou uma tendncia a social democracia,

    que Freston chamou de Carter Protestante, ou seja, subordinada ao estado, e malevel a

    mudanas que pudessem ocorrer neste (ibid., p. 77). Este autor talvez estivesse se referindo a

    uma forma de ideologia poltica baseada em uma social democracia, mas que no

    intensionava revolucionar as bases produtivas, aos moldes da revoluo de 1917.

    Nos Estados Unidos, os missionrios presenciaram uma sociedade com

    fortssimo aparthaide social e racial, a exemplo do que se pode depreender da histria da

    Azusa Street, onde Seymour, que era negro, assistia s aulas de Parhan, do lado de fora da

    sala de aula, este ltimo era branco e membro da Ku Klus Klan. Quanto ao aparthaide

    social, fica claro no relato dos pioneiros, quando da viagem ao Brasil, o navio em que

    viajavam era um antigo navio negreiro, e a bordo receberam um tratamento semelhante o

    dos escravos. A comida, uma sopa rala, era pssima e tinham que lavar suas louas, tanto

    para pegar a comida, quanto para lavar a loua, foram organizados em filas, o que causava

    muitos constrangimentos. No navio havia muitos migrantes de cor, os missionrios relatam

    que eram os nicos brancos do navio.

    Daniel Berg29 era declaradamente contra qualquer forma de manifestao

    poltica. Conviveu em sua cidade com um padre autoritrio, ele era o diretor da escola, e

    muito respeitado por todos, esse ultimo queria forar Berg a ser batizado quando criana.

    Ainda nos Estados Unidos Berg deixou um dos empregos, porque queriam que ele se filiasse

    ao sindicato. Em sua viagem ao Brasil no puderam levar todas as suas malas, por causa de

    28 No dirio de Berg ele descreve a neve que, ao se misturar com a fuligem que saia das chamins das fbricas se tornava marrom e no branca como de natureza, demorando mais a se dissolver no cho, deixando a cidade com um aspecto pouco apresentvel. 29 Foto nos anexos.

  • 35

    uma greve nos portos do Estados Unidos. Os outros missionrios que escreviam sobre ele

    ressaltaram o fato dele no se envolver com a poltica, at mesmo em contendas internas

    com a liderana da Igreja, procurava escapar, conforme o relato em sua autobiografia,

    quando sentia que poderia entrar em atrito com Gunnar Vingren, logo, em uma atitude que

    demonstra forte atitude pietista, ambos se ajoelhavam oravam e cantavam, e a paz reinava.

    A experincia na Sucia, de um monoplio da Igreja Luterana, tanto do

    conhecimento, erudio, quanto na poltica, alm de outras experincias, talvez expliquem o

    apoliticismo dos pioneiros, e tambm explique a falta de interesse em fundar um seminrio

    teolgico, talvez pelo medo de que novos conhecimentos causassem uma mudana em

    relao mstica pentecostal, o que os crentes chamam de esfriamento. No somente isso,

    mas no Brasil perceberam um pas socialmente dominado pela religio catlica. Para alguns

    autores, os missionrios temiam que ao se envolverem na poltica no Brasil, pudessem ser

    expulsos, e isto prejudicar a obra missionria. Para outros, principalmente protestantes

    histricos, h uma cobrana pelo fato dos assembleianos no estarem engajados em lutas

    sociais e por assim dizer em poltica, tendo-os por alienados.

    Os protestantes da segunda metade do sculo XIX, tiveram o apoio dos liberais,

    maons e republicanos. Estes atores sociais tinham um inimigo comum o clero

    ultramontano. O Brasil vivia uma Monarquia fortemente influenciada pela Igreja Catlica,

    por conta disso os protestantes no podiam se candidatar a cargos eletivos, o que s mudou

    com a lei Saraiva de 1881. O primeiro protestante em cargo eletivo foi o reverendo Karl Von

    Koseritz, eleito para a Assemblia Provincial do Rio Grande do Sul, em 1881. Das primeiras

    reivindicaes dos protestantes havia nfase de uma poltica de imigrao mais acentuada,

    baseada na oferta de pequenas propriedades rurais.

    Em janeiro de 1890, o Regime Republicano separa o Estado da Igreja, e em 1891,

    a Constituio Republicana atende a reivindicaes anticlericais, partilhadas por

    protestantes, como o casamento civil, cemitrios seculares, e liberados para o enterro de

    protestantes, alm de ensino pblico e laico. Por parte dos liberais havia uma inteno de

    diminuir ou eliminar a influncia do catolicismo no Estado, e da dos protestantes uma maior

    liberdade de atuao na vida civil e poltica. Um fato interessante observado por Freston

    (1994), na poca a maioria dos protestantes eram de luteranos, esses eram monarquistas, que

  • 36

    se mantiveram isolados na repblica. No incio as primeiras demandas estavam relacionadas

    ao direito da prpria participao dos evanglicos em espaos pblicos, e maior liberdade e

    participao econmica. Nos dias atuais contraditoriamente, o argumento da AD, para

    participao na poltica, e de que o pentecostal tem que participar, para garantir a liberdade

    de culto, como se a participao de evanglicos fosse uma coisa muito recente, e ainda, o

    pensamento de que devem manter a liberdade de culto, que j foi garantida na constituio

    de 1988. O discurso pentecostal parece inocente, mas em ultima analise proposital, pois

    serve para ganhar as massas, funcionando para uma populao com baixa escolaridade e

    pouca participao em mbitos polticos.

    A fora do clero catlico se fez ver ainda no perodo Vargas. Segundo Paul

    Freston (1994) houve, em 1925, tentativas de se estabelecer uma religio do Estado. Das

    reivindicaes dos evanglicos desse perodo, o que marcou, no mbito secular, foi o direito

    ao divrcio, um tabu para catlicos e pentecostais assembleianos. Dentro da lgica

    protestante havia reivindicaes para que as eleies no ocorressem aos domingos, dia

    escolhido pelos cristos, principalmente presbiterianos,30 para ser guardado e consagrado.

    No perodo Vargas um metodista ficou registrado como o mais importante

    poltico protestante, e nico a fazer parte da constituinte em 1933, 1934 e 1946, trata-se de

    Guaracy, pastor metodista que ganhou notoriedade nos meios evanglicos, pela divulgao e

    criao da Unio de Escolas Dominicais. Guaracy Silveira se elegeu sem homologao de

    qualquer igreja, pelo Partido Socialista Brasileiro. Ele prprio se considerava um socialista,

    mas tinha averso ao comunismo, entre suas propostas estavam o divrcio, a livre

    sindicalizao e nacionalizao das jazidas minerais. Na constituio de 1933-34, duas de

    suas propostas foram realizadas: a autonomia sindical e a nacionalizao das guas e

    riquezas minerais.

    Na constituio de 1946, Guaracy conseguiu incluir na constituio o direito de

    no matar em guerra. Este fato demonstra uma preocupao com a f protestante e crist. A

    atuao de Guaracy despertou o interesse de outros protestantes para a poltica, tanto que

    em 1947 e em 1950, vrios deles se elegeram deputados estaduais, e para as cmaras

    legislativas nos municpios (FRESTON, 1994, p. 24).

    30 Sobre isso conferir Alves (2005)

  • 37

    No perodo militar, houve uma certa relao entre os evanglicos e a ditadura. A

    Igreja Presbiteriana do Brasil foi a mais comprometida com o regime, vrios lderes leigos

    tinham posies de importncia, e trs protestante foram nomeados para governarem

    Estados. O primeiro foi o presbiteriano Geremias Fontes em 1966, no Rio de Janeiro, ele era

    advogado, foi tambm deputado federal pelo PTB. O segundo foi outro Presbiteriano, Eraldo

    Gueiros Leite em Pernambuco, seu governo foi de 1971 a 1975. O terceiro governador

    interventor cooptado pelo regime foi Enoc Reis, no estado do amazonas de 1975 a 1979

    (FRESTON, 1994, p. 36). Neemias foi redator do AI-2. A Presbiteriana Independente (IPI)

    tambm teve sua represso interna e forneceu quadros importantes para o regime. A

    Conveno Batista deu total apoio ao regime militar (ibid., p. 26).

    Segundo Baptista (2002) os assembleianos ficaram muito contentes com a nova

    ordem. A conquista do poder pelos militares foi tida como providncia divina, para conter o

    comunismo. Havia boas relaes entre a AD e o Regime, tanto que houve subveno do

    governo para os empreendimentos da AD, que recebia doaes para suas obras, como

    exemplo o Seminrio Teolgico, o abrigo feminino Etelvina Bloise, e o Colgio Samuel

    Nystron.31

    Para os militares era interessante uma religio que ensinasse a submisso s

    autoridades. Isto legitimado pela seguinte passagem bblica: Todos se submetam s

    autoridades constitudas. Pois no h autoridade que no venha de Deus, e as existentes

    foram institudas por Deus. De sorte que quem resistir autoridade resiste ordem de Deus

    (Rm 13,1-2).32 O pastor Firmino Golveia fez um curso de quatro meses na Escola Superior

    de Guerra, fato este contado com entusiasmo pelos historiadores da denominao. A abertura

    democrtica, a queda do regime, e a volta das eleies diretas marcam a entrada de um

    evanglico eleito pelo voto direto, este era Iris Rezende.

    A entrada dos pentecostais na poltica se fez mais notria na constituinte de 1986.

    Essa entrada marca um perodo tenebroso para os sinais de converso de protestantes e

    pentecostais, que pecaram justamente naquilo que mais serviu de ideologia para legitimar

    31 O colgio Samuel Nistron durou pouco tempo, pois deixou de receber a ajuda do governo, e o abrigo Etelvina Bloise foi desativado. 32 Carta de Paulo aos Romanos. Bblia Sagrada. Editora Santurio & Editora Vozes. 1992. 40 edio. Esta passagem bblica j foi muito usada para legitimar a autoridade do pastor.

  • 38

    sua participao na poltica, qual seja, o discurso moralizador e tico. A entrada de

    evanglicos na poltica mostrou aos incautos,33 que os evanglicos no so nem anjos nem

    santos. A atuao dos evanglicos na poltica fez com que Caio Fbio, presidente da

    Associao Evanglica Brasileira aparecesse na mdia para pedir desculpas em nome dos

    evanglicos que ainda eram srios. Baptista (2002) afirmou que os pentecostais assumiram

    a mesma cultura poltica corrupta da grande maioria dos polticos brasileiros, o que ele

    chama de cultura poltica parece mais um vcio que em nada condiz com a identidade do

    pentecostal, cristalizada no imaginrio popular.

    Os argumentos para a insero na poltica, tanto nos plpitos, quanto nos veculos

    de comunicao da AD, e outras igrejas, perduram at hoje. Ainda muito presente o

    discurso reducionista baseado sempre em versculos isolados, e fora de seus contextos, ou

    baseado em personalidades da Bblia, qual seja, o discurso ideolgico de que um pentecostal

    no poder v mudar o pas. A presena de assembleianos na poltica j foi um tabu, hoje,

    justificam a necessidade de presena de servos de Deus em todos os setores da sociedade.

    Entre a ideologia para justificar a mudana de pensamento, ainda h a velha questo, que

    vem desde os protestantes, de moralizar o Pas e at mesmo de servir como missionrio

    entre os polticos. Alm do combate ao comunismo,34 ao homossexualismo,35 liberao do

    aborto, liberao da maconha,36 ao ecumenismo, ao secularismo etc.

    Todos os cidados esto diretamente envolvidos com a poltica, quer queiram quer no. Haver sempre algum governando, sugerindo os destinos das pessoas, e estas, mesmo que no tenham se envolvido diretamente no processo poltico, nem por isso estar alheias ou neutras [...] Outro erro mais grave ainda achar que a Igreja deva ficar fora do processo poltico. Por que a Igreja deveria se alienar desse processo, quando est em jogo o poder que vai governar seu destino?[...] Se a Igreja pode e deve influenciar na vida das pessoas, quanto a questes to profundas como a salvao, ensinando-as a terem uma conduta crist e viverem com dignidade a sua f, por que no pode faz-lo com questes menores, ainda que importantes, como a poltica. (CABRAL, 1996, n 119, 02 jun./1996).

    33 No sentido de crdulo ingnuo 34 Pode parecer destoante falar em comunismo depois da queda do muro, mas como exemplo nas eleies de 2000 para prefeito de Belm, o candidato Ramiro Bentes, em um debate, insistiu com Edmilson Rodrigues para que esse se declarasse comunista, era uma manobra para que esse no tivesse votos de evanglicos. 35 Falar em casamento de homem com homem para um pentecostal afrontar a sua Bblia. 36 Em uma entrevista, um pentecostal, se disse a favor da liberao da Maconha.

  • 39

    Na citao acima podemos perceber outra idia muito comum na ideologia

    pentecostal, trata-se da Teologia do Domnio. Outra forma de legitimar o argumento da

    necessidade de pentecostais na poltica, est na Teologia do Domnio (ROMEIRO, 1999, pp.

    168, 169). A Teologia do Domnio uma criao americana, que prega que o crente deve

    dominar o mundo, tirando-o das mos de satans, essa teoria pode ser entendida no bojo

    da chamada guerra espiritual. Nos EUA, um de seus idealizadores foi o televangelista Pat

    Robertson, que a utilizou para tentar chegar ao mais alto posto daquele pas, que como

    costumam dizer os analistas polticos, de o homem mais importante do mundo, presidente

    dos Estados Unidos.

    Em um artigo do Mensageiro da Paz de 1998,37 o autor citando o deputado Peniel

    Pacheco, esse afirma que os missionrios no se metiam em poltica por causa da presso da

    Igreja Catlica sobre o Estado, de que se falassem em poltica seriam expulsos do pas. Em

    relao ao medo da perseguio catlica atravs dos organismos estatais importante o

    seguinte relato de Gunnar Vingren em seu dirio: O senhor nos guardou durante a

    revoluo, e podemos continuar a trabalhar com a mesma liberdade de sempre

    (VINGREN, 2000, p. 173).

    O missionrio se referia revoluo de 1930, que levou Getlio Vargas ao Poder.

    Nessa poca Gunnar estava comandando o trabalho no Rio de Janeiro. Ivar Vingren, que

    compilou os dirios do pai, descreveu a revoluo como dias de muita tenso com o

    exercito se defrontando em So Paulo com compatriotas, muitos morreram, e foi o gacho

    Getlio Vargas que se rebelou contra o governo. No se poderia esperar que Ivar Vingren,

    filho mais velho de Gunnar, e tambm missionrio, fizesse uma anlise poltica do fato,

    assim descreve a revoluo de trinta, de forma bem inocente, o que importante destacar,

    era o medo de mudanas no regime poltico do Brasil, outro exemplo foi quando em

    novembro de 1917, houve o que Gunnar descreve como revoluo,38 ele voltava da Sucia, e

    no seu dirio afirma que esta revoluo no impediu os trabalhos.

    Ainda no artigo do Mensageiro da Paz, de 1998, o autor afirma que os

    assembleianos resolveram participar da poltica porque souberam das intenes de

    37 O peso do voto. Jornal Mensageiro da Paz, Rio de Janeiro, N 1318, p. 5, setembro/1998. 38 No sabemos dizer se Gunnar se referia greve geral de 1917 no Brasil ou da revoluo na Rssia. Ou se ouve outro levante a nvel local.

  • 40

    Tancredo Neves de fazer do Brasil um pas catlico (Jornal Mensageiro da Paz, Rio de

    Janeiro, N 1318, p. 5, setembro/ 1998).

    A conveno geral de 1985, em Anpolis, Gois, preparou o terreno para

    incurso dos assembleianos na poltica. Foram convidados polticos de outras denominaes

    para que no uso da palavra incentivassem os pastores para o ingresso na poltica, foram eles

    ris Rezende e Daso Coimbra (FRESTON, 1994, p. 42).

    Outra figura chave foi Jose Fernandes, o primeiro membro da AD a chegar no Congresso. Fernandes de famlia pioneira da AD no Amazonas, e filho de pastor. Foi incentivado nas aspiraes polticas pelo pastor presidente local Alcebades Vasconcelos, defensor da projeo social da igreja [...] De 1979 a 1982 foi prefeito nomeado em Manaus. Diz no ser o tpico poltico da AD, mas mesmo assim defendendo a vida e a liberdade religiosa. Frase reveladora das expectativas mnimas da igreja com relao aos seus deputados (defender a vida significa opor-se ao aborto) (FRESTON, 1994, p.42).

    As Convenes Estaduais da AD escolheram os candidatos oficiais da igreja,

    para concorrerem como deputado federal e, s vezes como senador e deputado estadual.

    Houve at quem escrevesse um livro, cujo ttulo popularizou o jargo crente vota em

    crente, irmo vota em irmo.39 O livro de Josu Sylvestre argumenta que se os

    evanglicos devem fazer sempre o bem, deveriam votar em candidatos da igreja (FRESTON,

    1994, p. 43), com isso estariam fazendo o bem para a igreja e para a nao.

    A poltica facilita o acesso mdia, e esta ltima se configura em uma das formas

    de se estabelecer lideranas, que ficam conhecidas e posteriormente lanadas como

    candidatos. H, assim, uma relao ntima entre mdia e poltica. Alm do discurso tico e

    moralizador, as concesses de rdio e TV, ou aquisies dos mesmos, foram mais um dos

    motivos que levaram os pentecostais a se inserir na poltica. Na prtica os pentecostais foram

    alm, pois negociavam toda sorte de benefcios que uma igreja ou associao evanglica

    39 Quando Duciomar Costa, atual prefeito, concorreu com Edmilson Rodrigues em 2000, foi apoiado pelos caciques da AD. Na poca foi confeccionada uma ventarola - leque de papel, daqueles que distribudo no Crio de Nazar em Belm - com os seguintes dizeres Sou Evanglico, Sou da Paz. Quanto a dizer ser da paz, Duciomar em campanha vinculava a imagem de Edmilson e do PT a baderneiros e bagunceiros. Quanto ao fato de ser evanglico, Duciomar, segundo relatos de informantes, esprita Kardecista. Sua ex-esposa Maria Costa evanglica da Quadrangular.

  • 41

    poderia obter do Estado. O clientelismo e o fisiologismo se tornaram caractersticos de

    polticos evanglicos.

    Na Constituinte as concesses de rdio viraram moedas de troca. Alguns

    constituintes adquiriram concesses para si mesmo. Para conquista dos meios de

    comunicao os pentecostais venderam seus votos em um pensamento deturpado de meios e

    fins. O comportamento dos evanglicos foi muito criticado, principalmente na atuao da

    Confederao Evanglica do Brasil que recebia dinheiro do governo, e doaes de polticos.

    Alm de verbas a fundo perdido da LBA, e da Secreta especial de Ao Comunitria

    (SEAC), dinheiro este que tinha destino incerto (FRESTON, 1994, p. 72). Desgastada pela

    crtica do Jornal do Brasil, a CEB foi defendida pela Assemblia de Deus, e at mesmo Jos

    Welington presidente da CGADB40 entrou para diretoria com o propsito de salvar a

    confederao. A partir de 1989, as regionais da CEB fecharam e em 1990, a sede em Braslia

    foi encerrada.

    Os evanglicos tinham averso esquerda.41 Discordavam de propostas como

    legalizao do aborto, e liberdade de escolha sexual, segundo os pentecostais, essas

    reivindicaes feriam os princpios Bblicos. Tambm no se alinhavam direita, e no

    foram fiis ao que se chamou de centro. Destarte se organizavam em blocos para votar em

    assuntos, que segundo eles feriam a moral e a tica do pas, e de suas crenas religiosas. J

    em assuntos como reforma agrria cada um votava por si, mas acabou que a maioria votou

    contra, e para isso receberam contribuies da UDR. Pode-se dizer que, o que ficou

    conhecido como bancada evanglica, foi mais um balco de negcios.

    O discurso moralizador e triunfalista dos evanglicos ficaram somente em suas

    frases de efeito. Quanto ameaa liberdade religiosa, no houve nenhuma proposta que

    pudesse prejudic-los. Houve muito boato, e ao que parece, prtica comum na Assemblia

    40 Conveno Geral das Assemblias de Deus. 41 Em entrevistas a maioria dos pentecostais afirmou que votariam em candidatos da esquerda, porm quando perguntados sobre a escolha de um candidato de esquerda com excelentes propostas, para beneficiar toda a populao, e outro evanglico, de direita, com propostas meramente corporativas, a resposta foi que o voto seria no evanglico, por causa dos projetos da igreja, ou ainda por obedincia aos pastores. Poucos jovens, nesta pergunta, disseram que continuaria com o candidato de esquerda. A meno aos projetos da igreja envolve prticas clientelistas, vista como coisa natural.

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    de Deus, crena de que um dia o pentecostalismo possa vir a ser perseguido,42 ou que haja

    proibies na realizao de seus trabalhos, este um dos motivos de serem antiecumnicos,

    pois acreditam que quem lidera o movimento ecumnico a Igreja Catlica, e que esta se

    conseguir seu intuito, obrigar a todos a se submeterem autoridade do Papa.

    Deus j me disse que um evanglico vai ser presidente, esta foi frase de

    Manoel Ferreira, lder da Assemblia de Deus Madureira.43 Modernamente quase tudo pode

    ser argumentado atravs de revelaes.44 A relao entre revelao a f, est no

    pressuposto de que ela verdadeira, a lgica evanglica diz que crente no mente, porque

    tem que ser santificado, e se for pastor, que o caso, mais ainda, pastor o homem ungido

    de Deus. Manoel Ferreira45 afirmou que Deus teria lhe dito que ris Rezende seria o

    presidente da repblica nas eleies de 1989.

    ris Rezende era ministro da agricultura e era evanglico. Perdeu na conveno

    do PMDB. A maioria dos evanglicos que o apoiaram, no apoiou outro candidato no

    primeiro turno, mas no segundo apoiaram Fernando Collor de Mello. Mais uma vez no

    faltou revelaes; de que Collor era o escolhido de Deus para governar este pas. O medo

    do comunismo, e de tudo o que isso representava, ainda persiste no imaginrio, no somente

    dos evanglicos, mas em boa parte da populao alienada, o que favoreceu a Collor.

    Collor soube aproveitar o interesse dos evanglicos por sua candidatura. Fez

    aliana com a IURD, visitou templos e se dizia temente a Deus, numa aluso clara idia de

    atesmo atribudo ao candidato Lula. Collor prometeu combater a corrupo, o que agradou

    aos evanglicos. Diz-se que houve boa participao dos votos evanglicos na vitria de

    42 No livro de Mateus, capitulo 24, novo testamento, h uma previso de perseguio igreja, prenunciando a volta de Cristo. 43 A Assemblia de Deus Madureira uma dissidncia da Assemblia de Deus Misso. O fundador Paulo Leivas Macalo era um pregador agressivo e mais apegado a doutrinas do que os prprios pioneiros. Era um lder carismtico. O trabalho no bairro de Madureira em So Paulo cresceu muito, e ameaou a liderana sueca. Macalo continuou vinculado a CGADB, mas seus sucessores esperaram sua morte para se desvincularem de vez, formando uma conveno prpria. 44 Recentemente descobrimos que uma mulher fundou uma Assemblia de Deus renovada, onde o que impera so as revelaes. Ela era quadrangular, e a nfase na revelao pertence a Deus amor. 45 Alguns pastores para legitimar suas idias, por mais estapafrdia que seja, afirmam que conversam diretamente com Deus. Um exemplo o de Kenneth Hagim, que afirma que foi o prprio Jesus quem lhe revelou, que deveria se valer do poder de suas palavras em vez de confiar somente na providncia divina.

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    Collor. Nas eleies de 1989, o pastor Firmino Golveia deu amplo apoio e incentivou a

    pastores e crentes a votarem nesse candidato.46

    Nos Mandatos em que os pentecostais assembleianos fizeram parte, nos anos

    seguintes, continuou sendo marcado por escndalos e corrupo, envolvendo propinas, falta

    de tica, falta de decoro parlamentar e muitas trocas de partido. Os evanglicos no so

    comprometidos com qualquer ideologia de qualquer partido, a sua viso clientelista foi o que

    falou, e ainda fala, mais alto.

    Baptista (2002) em sua dissertao de mestrado, em Belm, discorreu sobre