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UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO – UNICID AS INTERAÇÕES SOCIAIS ENTRE PROFESSOR E ALUNO COM DEFICIÊNCIA NAS PRIMEIRAS SÉRIES DO ENSINO FUNDAMENTAL, SOB A ÓTICA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCLUSÃO. NILMA CÉLIA MAMEDE DE FREITAS São Paulo 2012

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UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO – UNICID

AS INTERAÇÕES SOCIAIS ENTRE PROFESSOR E ALUNO COM DEFICIÊNCIA NAS PRIMEIRAS SÉRIES DO ENSINO FUNDAMENTAL, SOB

A ÓTICA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCLUSÃO.

NILMA CÉLIA MAMEDE DE FREITAS

São Paulo 2012

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UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO – UNICID

AS INTERAÇÕES SOCIAIS ENTRE PROFESSOR E ALUNO COM DEFICIÊNCIA NAS PRIMEIRAS SÉRIES DO ENSINO FUNDAMENTAL, SOB

A ÓTICA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCLUSÃO.

NILMA CÉLIA MAMEDE DE FREITAS

Dissertação apresentada como exigência parcial para a obtenção do título de

Mestre em Educação, no Programa de Mestrado em Educação na Universidade de São Paulo – Unicid, sob orientação da

Profa. Dra. Edileine Vieira Machado.

São Paulo 2012

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RESUMO

O objetivo deste trabalho foi estudar as interações sociais entre professor e aluno com deficiência nas primeiras séries do Ensino Fundamental, sob a ótica das Políticas Públicas de Inclusão. Esta pesquisa pode servir como parâmetro para a formulação de futuras Políticas Públicas inovadoras de inclusão escolar. A questão da pesquisa buscou responder como se estabelecem as interações sociais entre professor e aluno com deficiência nas classes comuns nas séries iniciais do Ensino Fundamental das escolas públicas de Manaus. O objeto de pesquisa é a relação estabelecida entre o professor da classe comum e os alunos com deficiência no processo de inclusão escolar nas classes comuns. A metodologia é qualitativa, de base fenomenológica. Teve como procedimentos, pesquisa documental, aplicação de questionário a professores e registros de observações. Referencial teórico: LAUAND (2010); LÓPEZ QUINTÁS (1999; 2009); MACHADO (2009; 2010); SILVA(1996; 2009); WALD (2010) entre outros. O professor deve, em sua prática, ter em mente a noção do que significa o processo de inclusão escolar de aluno com deficiência, pela singularidade desse indivíduo e de seus familiares, considerando que, por trás dessa pessoa, existem expectativas, anseios, sonhos e esperanças. Esse professor não deve encarar tais expectativas como algo prescritivo ao seu fazer, mas como algo essencial na ação docente de atenção às necessidades das pessoas com deficiência incluídas em classes comuns. Palavras-chave: Políticas públicas de educação; Inclusão escolar; Interações professor-

aluno.

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ABSTRACT

The objective of this work was devoted to the study of social interactions between teacher and student with disabilities in the early grades of elementary school, from the perspective of Public Policy of Inclusion. This research can lead and serve as a parameter for formulation of future innovative Public Policy School Inclusion. The research sought to answer the question how to establish the social interactions between teacher and student with disabilities in regular classes in the early grades of elementary education in public schools of Manaus. And the object of research is the relationship established between teachers and regular classroom students with disabilities in school inclusion in regular classes. The methodology: qualitative, phenomenological. The procedure consisted of desk research, as well as a questionnaire with teachers and records observations. Theoretical Framework: LAUAND (2010); LÓPEZ QUINTÁS (1999; 2009); MACHADO (2009; 2010); SILVA(1996; 2009); WALD (2010) among others. Teacher should be in your practice, keep in mind the notion of what it means the process of school inclusion of students with disabilities, by the uniqueness of these individuals and their families, considering that behind this person there are expectations, desires, hopes and dreams. This teacher should not face such expectations as being prescriptive in its making, but as something essential in the teaching activities of attention to the needs of people with disabilities included in regular classes.

Keywords: Public Policy Education; School Inclusion; Interactions Teacher and Student.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11

1. CAPÍTULO I – BASES TEÓRICAS 25

1.1 Políticas públicas de inclusão das pessoas com deficiência 26

1.2 Aspectos da formação do professor e o processo de inclusão escolar 41

1.3 Docência, diversidade e práticas pedagógicas inclusivas 45

1.4 A dimensão afetiva: quando professor e aluno entram em relação 50

1.5 A interação social entre o professor e o aluno com deficiência 53

1.6 A sala de aula como contexto das interações humanas 60

1.7 Identidade, diferenças e inclusão escolar

63

2. CAPÍTULO II – TRAÇOS DE UM CAMINHO

69

3. CAPÍTULO III – A PESQUISA

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4. CONCLUSÃO

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5. REFERERÊNCIAS

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6. ANEXO 103

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Documentos internacionais – Legislação brasileira 38

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CAPÍTULO I – BASES TEÓRICAS

O contexto educativo singular da realidade amazônica foi levado em

consideração, com suas problemáticas educacionais próprias e o grande contingente de

pessoas com deficiência, é preocupante não somente o acesso dessas pessoas à escola,

mas, sobretudo, o processo de inclusão delas, no que se refere aos fatores que contribuem

para a educação na perspectiva da interação estabelecida pelo professor como educador,

ser humano e agente do fazer pedagógico na relação com seus alunos.

Nessa direção, pretende-se saber como esse ser de relações, que é o professor,

estabelece a interação necessária com o aluno com deficiência, os vínculos, as

motivações e os saberes que são as características e as condições singulares para que cada

aluno tenha condições de se desenvolver, independentemente de quaisquer deficiências

que possam apresentar.

Convém deixar claro que esta investigação está baseada nas contribuições teóricas

de Vygotsky (2004). Fazemos adesão neste estudo à concepção sociointeracionista de

Vygotsky, pois ela explicita como ocorrem os processos interativos em contextos

educativos.

Espera-se que esta pesquisa possa trazer respostas que satisfaçam não só as

inquietudes pessoais da pesquisadora, mas que também apresentem pressupostos para

reflexão a partir de vários olhares de estudiosos, dos quais nos apropriamos na busca por

melhor compreensão do tema em questão.

Diante dessas reflexões preliminares, há um entendimento sobre a urgente e

necessária investigação sobre a existência das diferenças a partir das relações

estabelecidas nos espaços educativos inclusivos, por desvelar a realidade concreta dessas

interações humanas construídas no interior das escolas.

Por isso, nos tópicos especiais que se seguem, buscou-se aprofundamentos

teóricos, sem intenção de esgotar aspectos trazidos neste estudo. É importante destacar os

conceitos que organizam as categorias tratadas aqui no que se refere às políticas públicas

de educação inclusiva, à formação de professores como profissão de interações humanas,

à dimensão afetiva, às diferenças e identidades, à sala de aula como núcleo central e ao

contexto de interações com o outro no processo de inclusão escolar.

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1.1. Políticas públicas de inclusão das pessoas com deficiência

Considera-se a década de 1990 como marco histórico das formulações de políticas

públicas que garantiram conquistas significativas no campo dos direitos das pessoas com

deficiência. Foi nesse ano que aconteceu a Conferência Mundial sobre Educação para

Todos, realizada pela ONU em Jomtien, na Tailândia, oportunidade em que foi aprovada

a Declaração Mundial sobre Educação Para Todos e elaborado o Plano de Ação para

Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem, que conclamou a universalização

do acesso à educação. Para registro histórico, é importante fixar na íntegra o documento

que materializa a Declaração Mundial sobre Educação para Todos:

Plano de ação para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem Aprovada pela Conferência Mundial sobre Educação para Todos satisfação das necessidades básicas de aprendizagem Jomtien, Tailândia 5 a 9 de março de 1990 Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem.

Educação para todos: Objetivos

ARTIGO 1 – Satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem. Cada pessoa – criança, jovem ou adulto – deve estar em condições de aproveitar as oportunidades educativas voltadas para satisfazer suas necessidades básicas de aprendizagem. Essas necessidades compreendem tanto os instrumentos essenciais para a aprendizagem (como a leitura e a escrita, a expressão oral, o cálculo, a solução de problemas), quanto os conteúdos básicos da aprendizagem (como conhecimentos, habilidades, valores e atitudes), necessários para que os seres humanos possam sobreviver, desenvolver plenamente suas potencialidades, viver e trabalhar com dignidade, participar plenamente do desenvolvimento, melhorar a qualidade de vida, tomar decisões fundamentadas e continuar aprendendo. A amplitude das necessidades básicas de aprendizagem e a maneira de satisfazê-las variam segundo cada país e cada cultura e, inevitavelmente, mudam com o decorrer do tempo.

A satisfação dessas necessidades confere aos membros de uma sociedade a possibilidade e, ao mesmo tempo, a responsabilidade de respeitar e desenvolver sua herança cultural, linguística e espiritual, de promover a educação de outros, de defender a causa da justiça social, de proteger o meio ambiente e de ser tolerante com os sistemas sociais, políticos e religiosos que difiram dos seus, assegurando respeito aos valores humanistas e aos direitos humanos comumente aceitos, bem

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como de trabalhar pela paz e pela solidariedade internacionais em um mundo interdependente.

Outro objetivo, não menos fundamental, do desenvolvimento da educação é o enriquecimento dos valores culturais e morais comuns. É nesses valores que os indivíduos e a sociedade encontram sua identidade e sua dignidade.

A educação básica é mais do que uma finalidade em si mesma. Ela é a base para a aprendizagem e o desenvolvimento humano permanentes, sobre a qual os países podem construir, sistematicamente, níveis e tipos mais adiantados de educação e capacitação.

A educação inclusiva teve como marco, portanto, a década de 1990, que

representa o ponto de partida rumo às conquistas das pessoas com deficiência, que,

posteriormente, ganhariam mais visibilidade e avanços mais fecundos no campo dos

direitos das pessoas com deficiência.

A realização dos grandes fóruns de discussão sobre o direito das pessoas com

deficiência foi motivada, fundamentalmente, pela demanda de uma coletividade, pelos

inúmeros e incansáveis movimentos sociais organizados representados pelas pessoas com

deficiência e por outros cidadãos que se aliaram às suas causas. Essas mobilizações

culminaram na realização de importantes encontros internacionais, cujos resultados

tiveram como consequência a aprovação de tratados históricos e a elaboração de leis

fundamentais, que trouxeram garantias dos direitos subjetivos das pessoas com

deficiência, direitos esses imprescindíveis à dignidade humana.

As garantias dos direitos alcançados converteram-se em políticas públicas

existentes de acordo com as problemáticas das pessoas com deficiências e que, ao longo

do tempo, tomaram as devidas proporções e relevância em termos de conquistas dessas

pessoas. A esse respeito, Azanha afirma:

Pode-se dizer que um “problema nacional”, como problema governamental, só existe a partir de uma percepção coletiva. Nesses termos, não seria suficiente para afirmar a existência de um problema nacional apenas a consciência crítica de alguns homens em face de uma realidade. É claro que essa observação não deve ser compreendida no sentido ingênuo de que a consciência cria a realidade social, mas apenas significando que, sem as pressões sociais que decorrem de uma percepção coletiva, a simples existência de determinados fatos pode não ser uma questão de governo, isto é, um problema nacional.

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Somente quando essa consciência se generaliza e se difunde amplamente na sociedade é que se pode falar de um problema em termos nacionais e de governo (AZANHA, 2004, p. 68).

Assim, a necessidade dessas pessoas torna-se problema de governo na magnitude e

proporção que tem, na medida em que conseguem fazer-se reconhecer pela pressão

exercida na sociedade, pois “as políticas públicas são respostas que os governos dão,

através de seus dirigentes, aos problemas que ganham caráter de demanda coletiva. Desse

modo, muitas políticas públicas são formuladas a partir da maior ou menor capacidade de

pressão dos grupos existentes na sociedade (SILVA, 1998, p. 195).

Com essa afirmação, fica patente a grande importância que historicamente toda

movimentação em favor da inclusão escolar sempre esteve ligada pelos conjuntos de

esforços que mobilizaram pessoas de uma parcela específica da sociedade, da demanda

de uma coletividade específica, que a partir das pressões necessárias foram reconhecidos.

Enquanto problema particular de uma minoria passaram a ter representatividade

nacional e de governo assumidas, no nível de política pública pelo poder público. Por

isso, essas demandas passaram a ter o peso fundamental no processo de discussões, nos

estudos e nas condutas das políticas públicas.

No rol desses esforços, houve a presença marcante e imprescindível das

organizações não governamentais, das pessoas com deficiência, de educadores e

familiares, mobilizados tanto local quanto mundialmente. Essas movimentações da

sociedade e as discussões e debates em âmbito internacional contribuíram para que o

Brasil criasse mecanismos, especialmente no período compreendido entre 1983 e 1992,

com a Década das Nações Unidas para as Pessoas com Deficiência, capazes de garantir

direitos civis e humanos.

Em um cenário mais amplo e para melhor compreensão dessas mudanças para a

garantia dos direitos das pessoas com deficiência, foram elaborados documentos, em

âmbito internacional, na busca da humanização do homem para o convívio social, os

quais reafirmaram o que estabelece a Declaração Universal dos Direitos Humanos

(1948): “[...] que os direitos humanos sejam os direitos fundamentais de todos os

indivíduos, pois todas as pessoas devem ter respeitados os seus direitos humanos: direito

à vida, à integridade física, à liberdade, à igualdade, à dignidade e à educação” (Rede

Saci – Solidariedade, Apoio, Comunicação e Informação, São Paulo, 2005).

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Seguindo as diretrizes mundiais sobre os direitos das pessoas com deficiência, o

Brasil começou a criar dispositivos legais como garantia desses direitos. Como resultado,

obteve-se a formulação de toda uma base legal e, portanto, de uma legislação nacional

concreta, que passou a impactar e a provocar mudanças no modo relacional, na maneira

de lidar, no cumprimento do direito da pessoa com deficiência e, em última análise, no

olhar sobre as pessoas com deficiência na sociedade, inclusive na escola, no modo de

educação dessas pessoas e, inevitável, em sua inclusão em escolas de ensino regular.

Na esteira dessa abordagem, compreende-se que a formulação de políticas

públicas existe justamente para dar respostas concretas à sociedade, a qual anseia por

justiça social, com qualidade de vida, acesso a todos os bens culturais e materiais que o

homem é capaz de produzir e, claro, com possibilidade de satisfazer, em última instância,

as necessidades mais prementes e básicas do ser humano. Sendo assim, as políticas

públicas têm o compromisso de garantir que as escolas tornem-se inclusivas para todas as

pessoas, independentemente do tipo da deficiência.

Em termos de políticas públicas de inclusão, o importante é saber que a

caminhada ainda continuará sendo árdua e longa. Muitos avanços já foram alcançados,

mas os desafios só estão começando. Hoje, percebe-se também que a possibilidade da

inclusão está em um continuum articulado entre nós e os outros, entre todos da escola e

entre o poder público. É nesse entrecruzamento que a Declaração de Salamanca (2005)

reafirma os princípios políticos para que os estados assegurem que a educação de pessoas

com deficiência faça parte do sistema educacional e, assim, se desenvolva a escola

inclusiva.

O desenvolvimento de escolas inclusivas que ofereçam serviços a uma grande variedade de alunos em ambas as áreas rurais e urbanas requer a articulação de uma política clara e forte de inclusão junto com provisão financeira adequada – um esforço eficaz de informação pública para combater o preconceito e criar atitudes informadas e positivas – um programa extensivo de orientação e treinamento profissional – e a provisão de serviços de apoio necessários. Mudanças em todos os seguintes aspectos da escolarização, assim como em muitos outros, são necessárias para a contribuição de escolas inclusivas bem sucedidas: currículo, prédios, organização escolar, pedagogia, avaliação, pessoal, filosofia da escola e atividades extracurriculares.

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Depois de todo o tempo passado, ainda é preciso que sejam reconhecidas e

lembradas as conquistas trazidas pelo que está contido no documento de apresentação

geral, resultante da Conferência Mundial de Salamanca (Espanha), realizada de 7 a 10 de

junho de 1994 (UNESCO e Ministério da Educação e Ciência, 1995). Para informação e

para fique marcado, esse documento apresentará integralmente o conjunto dos termos em

destaque:

A Declaração de Salamanca Reconvocando as várias declarações das Nações Unidas que culminaram no documento das Nações Unidas “Regras Padrões sobre Equalização de Oportunidades para Pessoas com Deficiências”, o qual demanda que os estados assegurem que a educação de pessoas com deficiências seja parte integrante do sistema educacional. Notando com satisfação um incremento no envolvimento de governos, grupos de advocacia, comunidades e pais, e em particular de organizações de pessoas com deficiências, na busca pela melhoria do acesso à educação para a maioria daqueles cujas necessidades especiais ainda se encontram desprovidas; e reconhecendo como evidência para tal envolvimento a participação ativa do alto nível de representantes e de vários governos, agências especializadas, e organizações intergovernamentais naquela Conferência Mundial.

1. Nós, os delegados da Conferência Mundial de Educação Especial, representando 88 governos e 25 organizações internacionais relacionadas à educação em assembleia aqui em Salamanca, Espanha, entre 7 e 10 de junho de 1994, reafirmamos o nosso compromisso para com a Educação para Todos, reconhecendo a necessidade e urgência do providenciamento de educação para as crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais dentro do sistema regular de ensino e re-endossamos a Estrutura de Ação em Educação Especial, em que, pelo espírito de cujas provisões e recomendações governo e organizações sejam guiados.

2. Acreditamos e proclamamos que: Todas as crianças de ambos os sexos têm um direito fundamental à educação e deve-se dar a elas a oportunidade de alcançar e manter um nível aceitável, adequado de conhecimentos; Toda criança possui características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem que lhe são próprios; Sistemas educacionais deveriam ser designados e programas educacionais deveriam ser implementados no sentido de se levar em conta a vasta diversidade de tais características e necessidades;

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Aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola regular, que deveria acomodá-los dentro de uma Pedagogia centrada na criança, capaz de satisfazer a tais necessidades; Escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias criando-se comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para todos; além disso, tais escolas proveem uma educação efetiva à maioria das crianças e aprimoram a eficiência e, em última instância, o custo da eficácia de todo o sistema educacional.

3. Nós congregamos todos os governos e demandamos que eles: Atribuam a mais alta prioridade política e financeira ao aprimoramento de seus sistemas educacionais no sentido de se tornarem aptos a incluírem todas as crianças, independentemente de suas diferenças ou dificuldades individuais; Adotem o princípio de educação inclusiva em forma de lei ou de política, matriculando todas as crianças em escolas regulares, a menos que existam fortes razões para agir de outra forma; Desenvolvam projetos de demonstração e encorajem intercâmbios em países que possuam experiências de escolarização inclusiva; Estabeleçam mecanismos participatórios e descentralizados para planejamento, revisão e avaliação de provisão educacional para crianças e adultos com necessidades educacionais especiais; Encorajem e facilitem a participação de pais, comunidades e organizações de pessoas portadoras de deficiências nos processos de planejamento e tomada de decisão concernentes à provisão de serviços para necessidades educacionais especiais; Invistam maiores esforços em estratégias de identificação e intervenção precoces, bem como nos aspectos vocacionais da educação inclusiva; Garantam que, no contexto de uma mudança sistêmica, programas de treinamento de professores, tanto em serviço como durante a formação, incluam a provisão de educação especial dentro das escolas inclusivas.

Fatores relativos à escola: 24. O desenvolvimento de escolas inclusivas que ofereçam serviços a uma grande variedade de alunos em ambas as áreas rurais e urbanas requer a articulação de uma política clara e forte de inclusão junto com provisão financeira adequada – um esforço eficaz de informação pública para combater o preconceito e criar atitudes informadas e positivas – um programa extensivo de orientação e treinamento

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profissional – e a provisão de serviços de apoio necessários. Mudanças em todos os seguintes aspectos da escolarização, assim como em muitos outros, são necessárias para a contribuição de escolas inclusivas bem sucedidas: currículo, prédios, organização escolar, pedagogia, avaliação, pessoal, filosofia da escola e atividades extracurriculares.

31. Tecnologia apropriada e viável deveria ser usada quando necessário para aprimorar a taxa de sucesso no currículo da escola e para ajudar na comunicação, mobilidade e aprendizagem. Auxílios técnicos podem ser oferecidos de modo mais econômico e efetivo se eles forem providos a partir de uma associação central em cada localidade, onde haja know-how que possibilite a conjugação de necessidades individuais e assegure a manutenção.

32. Capacitação deveria ser originada e pesquisa deveria ser levada a cabo em níveis nacional e regional no sentido de desenvolver sistemas tecnológicos de apoio apropriados à educação especial. Estados que tenham ratificado o Acordo de Florença deveriam ser encorajados a usar tal instrumento no sentido de facilitar a livre circulação de materiais e equipamentos às necessidades das pessoas com deficiências. Da mesma forma, estados que ainda não tenham aderido ao Acordo ficam convidados a assim fazê-lo para que se facilite a livre circulação de serviços e bens de natureza educacional e cultural.

O reconhecido Marco de Ação frutificou em plano elaborado nessa importante

Conferência, que atribuiu ações de governos para que os sistemas públicos de educação e

a sociedade civil organizada estabeleçam políticas que assegurem concretamente o

cumprimento das conquistas demandadas pelas pessoas com deficiência, pelo que foi

preconizado nesse imprescindível documento.

O princípio que rege este Marco de Ação é que as escolas devem acolher todas as crianças, independente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas e outras. Devem acolher crianças com deficiências e crianças bem-dotadas, crianças que vivem na rua e que trabalham, crianças de populações remotas ou nômades, crianças de minorias linguísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos ou zonas desfavorecidas ou marginalizadas. Todas essas condições colocam uma série de desafios para os sistemas escolares. No contexto deste Marco de Ação, o termo “necessidades educativas especiais” refere-se a todas as crianças e a todos os jovens cujas necessidades decorrem de sua condição de deficiência ou de suas dificuldades de aprendizagem. Muitas crianças experimentam dificuldades de aprendizagem e, portanto, têm necessidades educativas especiais em algum momento de sua escolarização. As escolas têm de encontrar a maneira de educar com êxito todas as crianças, inclusive aquelas com deficiências graves. Há

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um consenso cada vez maior de que as crianças e os jovens com necessidades educativas especiais sejam incluídos nos planos educativos elaborados para a maioria dos meninos e das meninas. Essa ideia levou ao conceito de escola inclusiva (COLL, 2004, pp. 26-27).

Esse documento reafirma e confere as diretrizes importantes para o cumprimento

dos direitos das pessoas com deficiência, os quais já constavam da Constituição da Repú-

blica Federativa do Brasil, de 1988, Capítulo III – da Educação, da Cultura e do

Desporto, em seu Art. 208. III, quando afirma que o atendimento educacional

especializado às pessoas com deficiência deve ser oferecido preferencialmente na rede

regular de ensino. Segue essa direção a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

9.394, de 20 de dezembro de 1996, sobre as formas de atendimento educacional às

pessoas com deficiência, conforme estabelece:

O Presidente da República Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Capítulo V – Da Educação Especial Art. 58. Entende-se por educação especial, para efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidade especiais; §1º. Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na es-cola regular, para atender às peculiaridades da clientela da educação especial; §2ª. O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou servi-ços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns do ensino regular; §3ª. A oferta de educação especial, dever constitucional do Estado, tem início na faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil; Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessi-dades especiais: I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades; II – terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o ní-vel exigido para conclusão do Ensino Fundamental, em virtude de suas

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deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa es-colar para os superdotados; III – professores com especialização adequada em nível médio ou supe-rior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes co-muns; IV – educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante ar-ticulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apre-sentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psico-motora; V – acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suple-mentares disponíveis para o respectivo nível do ensino regular. Art. 60 – Os órgãos normativos dos sistemas de ensino estabelecerão critérios de caracterização das instituições privadas sem fins lucrativos, especializados e com atuação exclusiva em educação especial para fins de apoio técnico e financeiro pelo Poder Público; Parágrafo único. O Poder Público adotará, como alternativa prefe-rencial, a ampliação de atendimento dos educandos com necessidades especiais na própria rede pública regular de ensino, independentemente de apoio das instituições previstas neste artigo.

A Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discrimi-

nação contra a Pessoa Portadora de Deficiência (1999) representa importante documento,

sendo o Brasil, desde o ano de 2001, signatário sem restrição das disposições.

Declaração da Guatemala Convenção Interamericana para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas com deficiência – 1999 OS ESTADOS PARTES NESTA CONVENÇÃO, REAFIRMANDO que as pessoas portadoras de deficiência têm os mesmos direitos huma-nos e liberdades fundamentais que outras pessoas e que estes direitos, inclusive o direito de não serem submetidas à discriminação com base na deficiência, emanam da dignidade e da igualdade que são inerentes a todo ser humano;

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CONSIDERANDO que a Carta da Organização dos Estados America-nos, em seu artigo 3, j, estabelece como princípio que “a justiça e a segurança sociais são bases de uma paz duradoura”; PREOCUPADOS com a discriminação de que são objeto as pessoas em razão de suas deficiências; TENDO PRESENTE o Convênio sobre a Readaptação Profissional e o Emprego de Pessoas Inválidas da Organização Internacional do Trabalho (Convênio 159); A Declaração dos Direitos do Retardado Mental (AG. 26/2856, de 20 de dezembro de 1971); A Declaração das Nações Unidas dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência (Resolução N° 3447, de 9 de dezembro de 1975); O Programa de Ação Mundial para as Pessoas Portadoras de Deficiên-cia, aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas (Resolução 37/52, de 3 de dezembro de 1982); O Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, “Protocolo de San Salvador” (1988); Os Princípios para a Proteção dos Doentes Mentais e para a Melhoria do Atendimento de Saúde Mental (AG. 46/119, de 17 de dezembro de 1991); A Declaração de Caracas da Organização Pan-Americana da Saúde; a resolução sobre a situação das pessoas portadoras de deficiência no Continente Americano [AG/RÉS. 1249 (XXIII-0/93)]; As Normas Uniformes sobre Igualdade de Oportunidades para as Pessoas Portadoras de Deficiência (AG. 48/96, de 20 de dezembro de 1993); A Declaração de Manágua, de 20 de dezembro de 1993; A Declaração de Viena e Programa de Ação aprovados pela Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, das Nações Unidas (157/93); A resolução sobre a situação das pessoas portadoras de deficiência no Hemisfério Americano [AG/RÉS. 1356 (XXV-0/95)] e o Compromisso do Panamá com as Pessoas Portadoras de Deficiência no Continente Americano [AG/RÉS. 1369 (XXVI-0/96)]; E COMPROMETIDOS a eliminar a discriminação, em todas suas formas e manifestações, contra as pessoas portadoras de deficiência, CONVIERAM no seguinte:

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ARTIGO I Para os efeitos desta Convenção, entende-se por: 1. Deficiência O termo “deficiência” significa uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social. 2. Discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência a) O termo “discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência” significa toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, antecedente de deficiência, consequência de deficiência anterior ou percepção de deficiência presente ou passada, que tenha o efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício por parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais. b) Não constitui discriminação a diferenciação ou preferência adotada pelo Estado Parte para promover a integração social ou o desenvolvimento pessoal dos portadores de deficiência, desde que a diferenciação ou preferência não limite em si mesma o direito à igualdade dessas pessoas e que elas não sejam obrigadas a aceitar tal diferenciação ou preferência. Nos casos em que a legislação interna preveja a declaração de interdição, quando for necessária e apropriada para o seu bem-estar, esta não constituirá discriminação.

ARTIGO II Esta Convenção tem por objetivo prevenir e eliminar todas as formas de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência e propiciar a sua plena integração à sociedade.

ARTIGO III Para alcançar os objetivos desta Convenção, os Estados Partes comprometem-se a: l. Tomar as medidas de caráter legislativo, social, educacional, trabalhista, ou de qualquer outra natureza, que sejam necessárias para eliminar a discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência e proporcionar a sua plena integração à sociedade, entre as quais as medidas abaixo enumeradas, que não devem ser consideradas exclusivas: Medidas das autoridades governamentais e/ou entidades privadas para eliminar progressivamente a discriminação e promover a integração na

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prestação ou no fornecimento de bens, serviços, instalações, programas e atividades, tais como o emprego, o transporte, as comunicações, a habitação, o lazer, a educação, o esporte, o acesso à justiça e aos serviços policiais e as atividades políticas e de administração; Medidas para que os edifícios, os veículos e as instalações que venham a ser construídos ou fabricados em seus respectivos territórios facilitem o transporte, a comunicação e o acesso das pessoas portadoras de deficiência; Medidas para eliminar, na medida do possível, os obstáculos arquitetônicos, de transporte e comunicações que existam, com a finalidade de facilitar o acesso e uso por parte das pessoas portadoras de deficiência; Medidas para assegurar que as pessoas encarregadas de aplicar esta Convenção e a legislação interna sobre esta matéria estejam capacitadas a fazê-lo.

2. Trabalhar prioritariamente nas seguintes áreas: Prevenção de todas as formas de deficiência preveníveis; Detecção e intervenção precoce, tratamento, reabilitação, educação, formação ocupacional e prestação de serviços completos para garantir o melhor nível de independência e qualidade de vida para as pessoas portadoras de deficiência; E sensibilização da população, por meio de campanhas de educação, destinadas a eliminar preconceitos, estereótipos e outras atitudes que atentam contra o direito das pessoas a serem iguais, permitindo desta forma o respeito e a convivência com as pessoas portadoras de deficiência.

É conveniente destacar, para melhor compreensão das políticas públicas, a

disposição comparativa das principais produções dos documentos internacionais e da

legislação brasileira, pois isso permite observar a série histórica sobre os importantes

avanços em direção às garantias dos direitos das pessoas com deficiência, como

observado no quadro 01:

Quadro 01 – Documentos internacionais – Legislação brasileira

DOCUMENTOS INTERNACIONAIS DOCUMENTOS NACIONAIS 1. 1948 – Declaração Universal de Direitos Humanos (ONU). Estabelece que os direitos humanos sejam os direitos fundamentais de todos os indivíduos. Todas as pessoas devem ter respeitados os seus direitos humanos: direito à vida, à integridade física, à liberdade, à igualdade, à dignidade e à educação.

1. 1989 – Lei Nº 7.853. Cria a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE), dispõe sobre o apoio às pessoas com deficiência, sua integração social, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos das pessoas com deficiência, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências.

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2. 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei n.º 8.069). Nº Art. 53. Assegura a todos o direito à igualdade de condições para acesso e permanência na escola e atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino. 3. 1991 – Lei Federal Nº 8.160/91. Dispõe sobre a caracterização do símbolo que permite a identificação de pessoas portadoras de deficiência auditiva.

2. 1971 – Declaração dos Direitos das Pessoas Mentalmente Retardadas (ONU). Proclama os direitos das pessoas com deficiência intelectual.

4. 1994 – Lei Federal Nº 8.899/94. Concede passe livre às pessoas portadoras de deficiência no sistema de transporte coletivo interestadual.

3. 1975 – Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes (ONU) estabelece os direitos de todas as pessoas com deficiência, sem qualquer discriminação.

5. 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Nº 9.394/96). Assegura aos alunos com necessidades especiais currículos, métodos, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades específicas.

4. 1980 – Carta para a Década de 80 (ONU). Estabelece metas dos países-membros para garantir igualdade de direitos e oportunidades para as pessoas com deficiência.

6. 1998 – Parâmetros Curriculares Nacionais (Adaptações Curriculares), do MEC. Fornecem as estratégias para a educação de alunos com necessidades educacionais especiais.

5. 1983-1992 – Década das Nações Unidas para as Pessoas com Deficiência para que os países-membros adotassem medidas concretas para garantir direitos civis e humanos.

7. 1999 – Decreto Nº 3.298. Regulamenta a Lei nº 7.853/89, que trata da Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência e estabelece a matrícula compulsória, em cursos regulares de escolas públicas e particulares, de pessoas com deficiência.

6. 1990 – Conferência Mundial sobre Educação para Todos (ONU). Aprova a Declaração Mundial sobre Educação Para Todos (Conferência de Jomtien, Tailândia) e o Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem; promove a universalização do acesso à educação.

8. 2000 – Lei Nº 10.098. Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida mediante a eliminação de barreiras e de obstáculos nas vias e nos espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte e de comunicação.

7. 1993 – Normas sobre Equiparação de Oportunidades para Pessoas com Deficiência (ONU). Estabelece padrões mínimos para promover igualdade de direitos (direito à educação em todos os níveis para crianças, jovens e adultos com deficiência, em ambientes inclusivos).

9. 2001 – Plano Nacional de Educação. Explicita a responsabilidade da União, dos Estados e do Distrito Federal e Municípios na implementação de sistemas educacionais que assegurem o acesso e a aprendizagem significativa a todos os alunos.

8. 1994 – Declaração de Salamanca – Princípios, Política e Prática em Educação Especial, proclamada na Conferência Mundial de Educação Especial sobre Necessidades Educacionais Especiais. Reafirma o compromisso para com a Educação para Todos e reconhece a necessidade de providenciar educação para pessoas com necessidades educacionais especiais dentro do sistema regular de ensino.

10. 2001 – Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Endossa a necessidade de que todos os alunos possam aprender juntos em uma escola de qualidade.

9. 1993 – Declaração de Manágua. Delegados de 39 países das Américas exigem inclusão curricular da deficiência em todos os níveis da educação, formação dos profissionais e medidas que assegurem acesso a serviços públicos e privados, incluindo saúde, educação formal em todos os níveis e trabalho significativo para os jovens.

11. 2001 – Decreto nº 3.956, da Presidência da República do Brasil. Reconhece o texto da Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Pessoa Portadora de Deficiência (Convenção da Guatemala), reafirmando o direito de todas as pessoas com deficiência à educação inclusiva.

10. 1999 – Convenção de Guatemala. Convenção Interamericana para a Eliminação de

12. 2001 – Parecer CNE (Conselho Nacional de Educação)/CEB (Câmara de Educação Básica) nº 17.

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Aponta os caminhos da mudança para os sistemas de ensino nas creches e nas escolas de educação infantil, fundamental, médio e profissional.

Todas as Formas de Discriminação contra a Pessoa Portadora de Deficiência – Guatemala. Condena qualquer discriminação, exclusão ou restrição por causa da deficiência que impeça o exercício dos direitos das pessoas com deficiência, inclusive à educação.

13. 2002 – Lei Federal Nº 10.436/02. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras, e dá outras providências.

11. 1999 – Declaração de Washington. Representantes dos 50 países participantes do encontro “Perspectivas Globais em Vida Independente para o Próximo Milênio”, Washington DC, Estados Unidos, reconhecem a responsabilidade da comunidade no fomento à educação inclusiva e igualitária.

14. 2004 – Decreto nº 5296 de 2 de dezembro. Regulamenta as Leis nº 10.048, de 8 de novembro de 2000, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelecem normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade em vários âmbitos.

12. 2002 – Declaração de Caracas constitui a Rede Iberoamericana de Organizações Não Governamentais de Pessoas com Deficiência e suas Famílias como instância para promoção, organização e coordenação de ações para defesa dos direitos humanos e liberdades fundamentais das pessoas com deficiência e suas famílias.

15. 2000 – Lei Nº 10.048. Estabelece a prioridade de atendimento às pessoas com deficiência e determina que os veículos de transporte coletivo a serem produzidos deverão ser planejados de forma a facilitar o acesso a seu interior das pessoas com deficiência.

13. 2002 – Declaração de Sapporo, Japão. Representando 109 países, 3 mil pessoas, em sua maioria com deficiência, na 6ª Assembleia Mundial da Disabled Peoples’ International – DPI, insta os governos em todo o mundo a erradicar a educação segregada e estabelecer política de educação inclusiva. 14. 2002 – Congresso Europeu de Pessoas com Deficiência. Proclama 2003 o Ano Europeu das Pessoas com Deficiência para conscientizar sobre os direitos de mais de 50 milhões de europeus com deficiência. 15. 2003 – Ano Europeu das Pessoas com Deficiência. Oportunidades iguais e acesso aos recursos da sociedade (educação inclusiva, novas tecnologias, serviços sociais e de saúde, atividades esportivas e de lazer, bens e serviços ao consumidor). 16. 2004 – Ano Iberoamericano da pessoa com Deficiência. Proclamado na última reunião da Cúpula dos Chefes de todos os Países iberoamericanos, realizada na Bolívia e da qual o Brasil é membro, define a questão da deficiência como prioridade, fortalecendo as instituições e as políticas públicas direcionadas à inclusão das pessoas com deficiência.

Fonte: Rede Saci – Solidariedade, Apoio, Comunicação e Informação, São Paulo, 2005. Adaptado pela pesquisadora Nilma Célia Mamede de Freitas.

Como pôde ser visto, é bastante vasta a legislação brasileira sobre as garantias dos

direitos da pessoa com deficiência, mesmo em comparação com os avanços e o volume

das produções das legislações em âmbito internacional.

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Provavelmente, no Brasil, o que falta é maior conhecimento e reconhecimento dos

dispositivos legais do direito da pessoa com deficiência, para que assim sejam cumpridas

e efetivadas na sociedade para o bem das pessoas a quem se destinam tais leis.

Um exemplo aparentemente simples são escolas comuns que ainda insistem em não

aceitar matricular uma pessoa devido à sua deficiência. Como consequência, muitos casos

são resolvidos na instância jurídica do Ministério Público, mas são muito claras as

prerrogativas legais que permitem o direito de acesso e permanência da pessoa com

deficiência na escola de ensino regular.

É válido lembrar mais uma vez que, segundo o Ministério Público, nenhuma escola pública ou particular pode recusar a matrícula de crianças com deficiência. Segundo o artigo oitavo da Lei Federal 7.853/89, é crime punível com reclusão de um a quatro anos e multa recusar, suspender, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa, a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, porque é portador de deficiência.

O Ministério Público informa que se considera “justa causa” quando a escola: não tem mais vagas para nenhum aluno, com deficiência ou não; quando a escola já tem mais de 14,5% dos alunos com deficiência, porque, caso receba uma quantidade de alunos com deficiência maior do que as proporções indicadas no Censo (14, 5%), a escola corre o risco de se especializar e tornar-se uma escola especial, comprometendo os princípios da educação inclusiva (Rede Saci, 2005. p. 95) [grifos do autor].

Esse direito, assim como outros tantos, provavelmente vão materializar-se na

prática quando as pessoas tiverem internalizado que modelo de inclusão pode ser algo

positivo e melhor para todos que convivem em sociedade.

1.2 Aspectos da formação do professor e o processo de inclusão escolar

A pesquisa não poderia deixar de levantar necessárias discussões sobre a

formação docente no urgente processo de inclusão escolar. Neste estudo, é importante

falar da docência, de ser professor em tempos de inclusão, tendo como cenário principal o

contexto educativo contemporâneo. Foram levantadas algumas questões dos encontros e

desencontros conceituais sobre o que vem a ser formar e forma-se professor, das místicas

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e verdades dessa formação, do pensar e agir por si à ação governada pelo habitus.

Apresento uma abordagem sobre a docência como profissão de interações humanas com

o outro, com destaque às concepções que estão em evidência sobre a formação de

professores frente à realidade e os desafios da educação inclusiva.

Durante a revisão da literatura, procurou-se conhecer as abordagens atuais mais

relevantes sobre a formação de professores para melhor compreensão da questão e os

entrecruzamentos com os novos contextos educativos inclusivos que se configuram

atualmente.

Quando penso sobre educação inclusiva na contemporaneidade, logo vêm à mente

as condições de objetividade e subjetividade para o desenvolvimento do trabalho docente

e o cenário que a cerca, pois não seria possível uma reflexão sobre as práticas

pedagógicas do professor e a interação que estabelece com seus alunos sem fazer uma

referência às teorias indispensáveis que embasam os processos de formação e o

consequente desempenho docente, nas condições que lhe são postas, pensando também,

em grande parte, no que acontece no núcleo central e particular que é a sala de aula,

espaço onde tudo começa e desdobra-se concretamente, com ênfase no momento

educativo que interessa neste estudo.

Hoje, ser professor configura-se grande desafio para quem pretende ingressar

nessa profissão, que ocorre em contextos coletivos adversos, por reunir vários sujeitos

com suas histórias e singularidades. O ser professor, sua existência diante desses novos

cenários, em que acontece o enfrentamento do saber docente para o ensinar e o querer

saber do aluno.

Concordamos que a escola contemporânea exige do professor um trabalho

diferenciado diante das diversidades de situações, em muitos casos, em seu agir solitário

pelo fato, muitas vezes, de ele se sentir sozinho para enfrentar e achar saídas na resolução

das problemáticas educacionais manifestas pelas demandas do cotidiano escolar,

principalmente quando se trata do processo de inclusão escolar, situação que se apresenta

muito mais desafiante atualmente.

Diante desse dilema, a indagação que se faz no momento é no sentido de

sabermos como o professor irá se preparar a partir de uma formação adequada para

desenvolver seu trabalho nesse novo contexto escolar que se revela com impacto

avassalador quando, em muitos casos, tem que assumir uma sala de aula inclusiva.

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[Não se sabe ao certo se os professores estão preparados para atender e enfrentar

satisfatoriamente as novas demandas educacionais. Hoje, há mais dúvidas do que certezas

sobre a performance da escola que se diz inclusiva, mas a única certeza que temos é a de

que são outros tempos, pois muitas coisas mudaram, certamente pelo deslocamento da

função social da escola, a qual continua ancorada em uma função determinada pela força

econômica e por demandas sociais instantâneas. Nesse sentido, se a escola mudou, a

prática docente tende a mudar.

Nessa nova ordem, continua uma persistência em educar, porque se acredita muito

na possibilidade de reação frente a todos os desafios que se apresentam no cotidiano

escolar. Nesse enfrentamento, a escola continua a contar com o trabalho realizado pelo

professor, que precisa formar-se capaz de interferir no cotidiano escolar inclusivo, tal

como se apresenta, com seus desafios improváveis. E agora, nesses novos tempos, é

necessário pensar sobre os rumos da formação e da prática docente.

[Sobre as místicas e verdades na formação de professor, Gilles Ferry lembra que há

fantasias a respeito, e estas se situam entre dois extremos: a fantasia de Pigmalión – o

escultor que cria o outro à sua imagem, o modela e lhe dá forma, dá forma a uma matéria

e, como Deus, cria um ser à sua imagem e semelhança. Noutro extremo, os indivíduos se

formam por seus próprios meios, através de seus próprios recursos; assim, os tratamos

como outro personagem mítico, a outra fantasia, Fênix, a ave que se consome e renasce

das cinzas.

Então, somos levados a concordar com esse autor na compreensão dessas

fantasias, pois muitos enganos continuam sendo cometidos na formação de professores. É

um tema de imprescindível importância, mas controverso; muito se fala e pouco se sabe

sobre como esse processo acontece. Enganos ocorrem quando as ações de formação

colocam, muitas vezes, o professor na situação de mero coadjuvante. Em um

entrelaçamento de ações recorrentes, sempre na posição ativa de formador e na posição

passiva de quem se forma, como em uma dança em que um conduz, enquanto o outro é

conduzido. Na verdade, é o professor quem determina o passo, o bailado, o ritmo, e ele só

entra na dança por iniciativa própria, quando decide realmente formar-se por uma

dinâmica interna, pessoal. Talvez, possivelmente em sua prática, também decida, ele

mesmo, ser professor na perspectiva inclusiva.

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A metáfora da dança é necessária para expressar que ninguém é formado por

outro, mas na possibilidade de nos formarmos quando decidimos o que queremos, quando

estivermos abertos e conscientes das mudanças que realmente são necessárias sobre o

pensar e o fazer docente e a consequente prática em determinada realidade escolar.

Para Ferry (2004), no processo de formação de professores, há três condições para

realizar o trabalho sobre si mesmo: condições de lugar, de tempo e de relação com a

realidade. Trabalhar sobre si só pode ser feito em lugares previstos para tal propósito.

Pensar, ter uma reflexão sobre o que é feito, buscar outras maneiras para fazer – isso quer

dizer o trabalho sobre si mesmo. Porém, não se faz as coisas ao mesmo tempo. Dessa

forma, é uma política paliativa para se resolver um problema de uma dada realidade, em

um certo momento.

Ferry afirma que o processo de formação constitui-se como fenômeno individual e

ocorre internamente, de maneira única, quando se atinge o nível da representação, por

meio de imagens e símbolos. Representar quer dizer trabalhar com uma realidade mental

e isso requer um sair de cena, em um olhar exterior sobre a realidade em um rompimento

além da prévia codificação, do prescrito e estabelecido (FERRY, 2004).

Apesar de todo o deslocamento do trabalho docente, o professor ainda detém a

hegemonia sobre seu pensar e, consequentemente, sobre seu agir. Ele goza do status

hegemônico no espaço da sala, no núcleo central e particular onde acontece a docência.

No entanto, muito se questiona e muitas são as concepções sobre suas ações, seus

habitus. Sobre a coerência dos sistemas de habitus, em uma abordagem sociológica,

Lahire ( 2002) considera que:

[...] a produção homogênea do habitus em todas as esferas da vida é um sonho. Em outras palavras, a coerência dos esquemas de ação, os habitus que os atores podem interiorizar, depende da coerência dos princípios de socialização a que estão submetidos.

Em síntese, todo indivíduo exposto a uma pluralidade de mundos sociais se submete aos princípios de socialização heterogêneos e, às vezes, contraditórios e, em assim sendo, não responderia ou agiria segundo um sistema único de disposições de habitus.

Então, com tudo o que foi dito até aqui, passamos a interpretar e compreender

como age o professor nos novos contextos educativos heterogêneos, sob a força do

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habitus, o qual se configura em mais um determinante da prática docente, o que

naturalmente nos leva a questionar o pensar e o agir por si desse sujeito da docência na

sala de aula, na desafiante tarefa de ser professor em contextos inclusivos.

No processo de inclusão escolar, é provável que o professor não aja; na verdade,

ele reage diante das mais inusitadas situações que lhe são postas cotidianamente. Seja

pelo habitus ou não, o professor está impotente, sem saber como agir, ou melhor, reagir

diante da realidade manifesta pela escola, que se revela, cada vez mais,

extraordinariamente heterogênea, pelas diversidades expostas explicitamente pelas

diferenças no cotidiano escolar.

Durante a arquitetura da formação docente, acontece continuamente o fenômeno

de apropriação de discursos e formas de pensar, como em uma espécie de avalanche

teórica que domina o inconsciente coletivo dos professores e agentes formadores.

Repetidas vezes as pessoas são pegas reproduzindo falas, discursos e práticas sem se dar

conta das consequências para os novos contextos educativos. Esses fenômenos acontecem

e são revelados pelos discursos correntes, na articulação da fala, no modo de escrever,

pois normalmente incorporamos discursos que estão em evidência.

A realidade revela que, na maioria das vezes, o professor até se apropria de

discursos, mas normalmente perde a capacidade de contato com sua própria prática, sem

refletir sobre seus próprios discursos, os quais parecem descolados da realidade, e sobre

as necessidades dos novos contextos educativos inclusivos.

Finalmente, não pretendemos encerrar e esgotar essa questão, muito pelo

contrário, tudo o que foi dito até agora são apenas considerações preliminares sobre uma

temática visivelmente problemática: a formação de professores, principalmente quando

se sabe que os professores provavelmente, em suas trajetórias, podem assumir salas de

aula inclusivas. Mas temos, sim, a certeza sobre a razão do trabalho docente, que,

essencialmente, constitui-se como trabalho de interações humanas para com os humanos.

Nessa direção, Tardif refere-se à questão como [...] estudo da docência, esta

compreendida como uma forma particular de trabalho sobre o humano, ou seja, uma

atividade em que o trabalhador se dedica ao seu “objeto” de trabalho, que é justamente

um outro ser humano, no modo fundamental da interação humana (TARDIF, 2005, p. 8).

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Os aspectos que envolvem a formação de professor são ainda bastante controversos e nossa intenção foi destacar algumas questões fundamentais sobre a formação docente e pensar sobre a condição do professor que se forma, e que inevitavelmente, irá ter em sua classe alunos com deficiência. Essa provável situação vai exigir que o professor tenha formação capaz de lhe dar o alcance exato de sua prática, principalmente em se tratando de ensinar pessoas com deficiências, conforme suas singularidades. Essa situação configura-se hoje não como algo que ocupa lugar diferente da situação comum, mas, sobretudo, como realidade a ser vivida no cotidiano escolar, onde o professor é o agente de interação nos processos escolares de ensinar e aprender.

1.3 Docência, diversidade e práticas pedagógicas inclusivas

A diversidade é fato nas realidades das regiões brasileiras que por si nos remete

ao lugar do que não é comum, mas do diverso. Nas escolas públicas, na maioria das

vezes, a diversidade passa por restrições e ainda não ocupa lugar de naturalidade, pois

“tal diversidade é vista como um problema que complica os processos de ensino e

aprendizagem e não como uma característica própria das e integrada nas experiências

cotidianas das pessoas. Cabe lembrar que tal entendimento representa, tipicamente, uma

educação homogeneizadora e centrada na criação de um aluno em condição de

deficiência” (DENARI, p. 32, 2008) [grifos da autora].

Então, por que levar adiante a inclusão escolar? Contrariando os argumentos supramencionados, pressupõe-se que a inclusão de alunos com necessidades especiais e/ou deficiência na escola comum, é, antes, uma demanda social relacionada aos direitos primeiros de educação, cujo fundamento ético independe de outros fatores considerados na conveniência de sua implementação. Ainda, independentemente da obrigação ético-educativa e dos necessários incentivos estruturais, essa política não constitui um problema meramente organizacional que demanda gestão de qualidade: ao contrário, a implementação do processo de inclusão pode se transformar numa experiência catalisadora de melhoria e efetividade para toda a instituição escolar.

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Acertadamente, essa mesma autora diz que “a educação na e para a diversidade implica, antes, uma mudança epistemológica, na qual a visão tradicional do conhecimento, da relação entre sujeito-objeto e a aprendizagem seja (re) considerada, (re) significada. A esse respeito, Maturana (1997, p. 4, apud DENARI, 2008) nos diz que cada ser humano constrói o conhecimento em interação e de onde os agentes externos só podem provocar mudanças internas em cada organismo determinados por sua própria estrutura. Desse modo, existem realidades diferentes em domínios distintos, múltiplas realidades e, assim, as relações humanas ocorrem na aceitação mútua, reconhecendo a legitimidade do outro” (DENARI, p. 32, 2008) [grifos da autora].

Por essa razão, este estudo coloca a ação docente ocupando lugar preponderante

no processo de inclusão escolar. Acreditamos estar nas mãos dos professores a

possibilidade de poder exercer positivamente os determinantes na interação docente

mantidas com os alunos com deficiência na classe comum, justamente pelo poder que os

professores detêm, mesmo diante da diversidade que se espelha no cotidiano escolar.

Nessa mesma direção, concordamos com o que diz:

No momento em que a escola se impõe como um instrumento privilegiado de estratificação social, os professores também passam a ser investidos de ilimitado poder: podem promover a ascensão (integração/inserção/inclusão) do aluno diferente ou a sua estagnação (exclusão). Nesse caso, a diferença não é vista como sinônimo de diversidade: a diferença tem o peso do entendimento negativo, em que ao aluno são atribuídas características que o transformam em deficiente. Dadas as peculiaridades, cada aluno deveria receber atendimento diferenciado, sem que isso se constituísse demérito e desencadeasse um processo de marginalização. Ao contrário, tais entendimentos justificar-se-iam na medida em que se reconhecesse que todas as pessoas diferenciam-se umas das outras, e que podem conviver harmonicamente a partir dessa diferenciação. Essa convivência não deveria ser interpretada como uma concessão de um determinado grupo a outro, mas, sim, como um direito que a sociedade reconhece a todos, sem discriminação.

Além disso, os professores necessitam de apoio também das instâncias extraescolares, por exemplo, comunidades e governo, cuja cooperação é condição essencial para a efetiva inclusão. Os governos, por meio de legislação e de políticas de ações, deveriam manifestar-se claramente sobre a inclusão e oferecer condições mais adequadas e racionais, que permitam o uso mais flexível dos recursos previstos para a educação (DENARI, pp. 36-37, 2008).

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As condições intersubjetivas dos professores, bem como as diversidades presentes

na realidade do cotidiano das escolas e das prementes mudanças que devem acontecer,

principalmente as situadas no campo das práticas pedagógicas inclusivas, entendidas na

ação do professor durante o processo de inclusão escolar, que, por sua vez, pensamos

constituir-se em questão fundamental nesse processo.

Sabe-se, também, das várias mudanças e transformações que são necessárias em

direção à educação inclusiva, com destaque para a dimensão localizada no limiar das

práticas docentes de acordo com as indicações de Denari (p. 128, 2010), quando se refere

à inclusão e às consequentes práticas pedagógicas inclusivas presentes nesse processo,

prioritariamente as que devem ser assumidas pelo professor:

A efetividade do processo de inclusão está na dependência da atitude dos professores, de sua capacidade de ampliar as relações sociais a partir das diferenças nas salas de aula e de sua predisposição para atendê-las com eficácia. Para tanto, professores e demais membros da equipe escolar (coordenadores, diretores, supervisores) necessitam contar com um repertório de destrezas, conhecimentos, enfoques pedagógicos, métodos, materiais didáticos adequados e tempo suficiente para dispensar atenção a todos os alunos, e àqueles com necessidades especiais.

Certamente que grande parte dos professores faz seu trabalho com a melhor

qualidade possível e humanamente aceitável, mas, provavelmente, em muitos casos, não

o fazem porque se deparam com certas situações que se apresentam desafiadoras, ou

talvez pela própria impotência que os impede de exercer práticas pedagógicas inclusivas

de sucesso. Essa realidade é ratificada por estudos anteriores, que apontam para a

precariedade do processo educacional inclusivo, quando considerados os aspectos que

envolvem a interação entre o professor e o seu aluno.

[...] ainda que as estatísticas revelem a entrada crescente dos alunos com necessidades educacionais especiais na rede de ensino comum, o processo educacional fica a desejar no que se refere à garantia da

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permanência e ao sucesso do processo de inclusão escolar. Em grande parte, a lacuna que se nota parece estar em consonância com as declarações dos professores de ensino comum sobre inclusão e que, via de regra, primam pelo desconforto, pelo medo e pelo despreparo para atuar com esse tipo de ensino (DENARI, p. 125, 2010).

Da mesma forma, a escola não deve mais ser o lugar onde acontecem

experiências docentes que alijam os que são diferentes de nós, mas, sobretudo, além de

retóricas e ideias, um espaço inclusivo.

No plano das ideias, a escola é: o lugar não só de acolhimento das diferenças humanas e sociais encarnadas na diversidade de sua clientela, mas fundamentalmente o lugar a partir do qual se engendram novas diferenças, se instauram novas demandas, se criam novas apreensões sobre o mundo já conhecido. Em outras palavras, escola é, por excelência, a instituição da alteridade, do estranhamento e da mestiçagem – marcas indeléveis da medida de transformalidade da condição humana (AQUINO, 1998, p.54 apud DENARI, p. 17).

Abordar essa temática representou uma incursão extremamente desafiante, difícil,

pela complexidade que envolve os vários aspectos da formação de professores, tendo

como cenário principal os novos contextos educativos inclusivos e, talvez, por não se ter

alcançado a compreensão exata dos conceitos aqui tratados. O que asseguramos é que

sempre fizemos essas leituras com o sentimento de estar faltando algo, como teorias que

ainda não estão completas e que mais adiante descobrimos a ausência e a importância de

se levar em conta a intersubjetividade.

A intersubjetividade encontramos nos estudos de autores humanistas: LÓPEZ

QUINTÁS (1999), WALD (2010), BUBER (2001), LAUAND (2010), SILVA (1996),

que levam em conta a antropologia e a filosofia e têm a visão de homem como ser de

relações. Para esses autores humanistas, as pessoas envolvidas no processo educativo são

sujeitos e são levadas em conta como parceiras de tal processo.

É importante dizer, sobretudo, o quanto foram válidos os estudos realizados a

respeito das concepções, dos conceitos e das práticas no que se refere à formação de

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professores, o quanto ficou mais claro conhecer com mais proximidade esses aspectos,

imbricados por outros tantos. E falar da docência, como profissão de interações humanas,

frente aos desafios nos novos contextos educativos inclusivos, se faz premente e

imprescindível à formação voltada para os processos de inclusão de alunos com

deficiência nas escolas comuns.

Sobre os aspectos formativos dos professores e a escola contemporânea, Dubet

(p. 52, 2009) esclarece que “[...] para compreender aquilo que “fabrica” a escola, não é

mais possível se limitar aos estudos dos programas, das qualificações e dos métodos de

trabalho. Falta também perceber a maneira pela qual os estudantes elaboram suas

estratégias, relações e significações” [grifos nosso], fruto das desigualdades escolares,

diversidades de situações e das diferenças individuais presentes no cotidiano escolar.

Esse mesmo autor também contribui com a necessária análise do papel da escola e dos

mecanismos excludentes.

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1.4. A dimensão afetiva: quando professor e aluno entram em relação

Construir um espaço inclusivo de excelência, necessariamente, precisa considerar o amor. Amor, no sentido de se colocar no lugar do outro, desejar o bem do outro e tratá-lo com equidade e, portanto, com dignidade, para depois ir em busca de técnicas que também são importantes, mas sozinhas não garantem e nem permitem a constituição do espaço inclusivo (Machado, s.d.).

A essa ideia, soma-se a de Berthold Wald1 (2010, p.18), quando ele acrescenta que

“as emoções – principalmente o amor – ligam o homem à realidade das coisas. Quem

quer agir bem e de modo justo deve manter um ‘equilíbrio cognitivo’, em que o sensível e

o intelectual, o desejo sensível e a vontade racional não se prejudicam e se enfraquecem,

mas se apóiam e se fortalecem mutuamente.” É assim o relacionar-se em contextos

educativos inclusivos. O entrar em relação com o outro, quando se trata, principalmente,

da pessoa com deficiência, assim pode ocorrer a inclusão dessas pessoas pela premissa do

amor nos termos mencionados na epígrafe acima e no que diz Berthold Wald.

Constitui-se importante, neste estudo, destacar que somente os aspectos técnicos

não serão suficientes; acreditamos que a primeira condição seja a qualidade da interação

entre professor e aluno, na medida em que os aspectos afetivos se configuram

imprescindíveis na relação estabelecida no processo inclusivo na escola comum.

É preciso que fique clara a não pretensão no aprofundamento conceitual sobre a

categoria relação, a qual carrega em si variantes em torno desse conceito, o que não

impede de assumir e apresentar um breve conceito adotado como pressuposto que embasa

a investigação sobre a interação do professor e o aluno com deficiência na classe comum.

As considerações sobre o conceito de relação coadunam-se com a de Guareschi,

quando ele esclarece que “[...] a partir da reflexão filosófica, costuma-se conceituar

1Filósofo alemão, Reitor da Theologische Fakultät de Paderborn, na Alemanha, durante o 10° Seminário

Internacional de Filosofia e Educação. Jornal da USP, p. 12, de 22 a 28 de março de 2010 (Berthold Wald, 2010, p. 18).

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“relação” como ordo ad aliquid, isto é, ‘relação’ seria o ordenamento (intrínseco) de uma

coisa em direção a outra. ‘Intrínseco’, isto é, aqui, entende-se o ordenamento do próprio

ser, de algo essencial a esse ser. Em outras palavras, relação é uma realidade que, para

poder ser, necessita de outra, senão não é” (GUARESCHI, pp. 150-151, 1998) [grifos do

autor]. Por isso, esse mesmo autor reforça a ideia de que relação pressupõe a necessária

existência do outro, dizendo que:

[...] Nesse sentido, sempre que falo de relação, estou falando de um ser que, como tal, necessita de outro, isto é, que é aberto, incompleto, por se fazer. Falar de “relações” é falar de incompletudes, e pensar em algo aberto, em algo que pode ser ampliado ou transformado. Nesse sentido, uma análise dos grupos, ou da sociedade, a partir do conceito de “relação”, é sempre uma análise aberta, uma análise que deixa espaço para mudanças, uma análise que implica relatividade, que apenas feita, já pode estar se transformando. As relações são como as ondas do mar, em contínuo movimento, em contínua mutação (GUARESCHI, p. 151, 1998) [grifos do autor].

A essa abordagem conceitual pode alinhar-se a realidade vivida pelos professores

no processo de inclusão escolar na perspectiva das relações que são estabelecidas para

com o outro, os alunos com deficiência. Os professores, mais do que todos os membros

da escola, precisam reconhecer o fato de as pessoas com deficiência existirem no mundo

desde sempre e que essa existência irá persistir entre nós inevitavelmente, que o

imprevisível na escola, digo, dos alunos com deficiência, fazendo parte do cotidiano

escolar, é um fato real, que não permite negação. E, diante dessa fatalidade, não há mais

volta; o que pode ocorrer por parte dos professores é a busca da relação com o outro tal

como se apresenta.

Guareschi diz que “não basta, portanto, admitir a realidade do outro. É necessário

reconhecê-la como a realidade de um sujeito legítimo, que não apenas me constitui

enquanto eu, mas que se apresenta como portador dum projeto que lhe é próprio e merece

ser reconhecido” (GUARESCHI, p. 74). Nesse entendimento, a relação com o outro é da

mesma forma inevitável, o que exigirá abertura, mudanças, em contínuo movimento,

assim:

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Não podemos negar que o “outro” existe, que ele é real, que ele também é um ser humano-relação. Mas o que é central discutir, e o que realmente vai importar, o que vai trazer diferenças, é que estamos aqui falando de “relações”, e com isso ao falar de um, estamos falando necessariamente de outro. E mais: ao falar de relações, estamos falando de condutas, de comportamentos que derivam e que se coadunam com tais concepções de ser humano (GUARESCHI, p. 155).

A respeito das reflexões feitas até aqui, é importante o que esse mesmo autor fala

do ser humano na relação com o outro, pois “[...] pensar o ser humano a partir das

relações, uma nova dimensão surge na minha prática: a dimensão da alteridade. Damo-

nos conta de que o outro é alguém essencial em nossa existência, no nosso próprio agir.

Ele se torna alguém necessário, alguém imprescindível para a própria compreensão de

mim mesmo” (GUARESCHI, p. 161). Na relação professor-aluno, isso tem validade

essencial no processo inclusivo.

Outra compreensão na relação com o outro ser é o irrefutável fato de a inclusão

escolar pressupor a existência da pessoa com deficiência entre nós, fazendo parte de

nossa convivência.

Ao refletir sobre isso, pode-se reportar aos contextos educativos inclusivos, em

que se encontram os alunos com deficiência que precisam de acolhimento, atenção e

cuidados, para que se processe a inclusão escolar, no que se refere ao limiar do afeto por

parte do professor da classe comum.

Na relação entre professor-aluno, considera-se a premissa de Buber (2001, p. 17)

sobre os sentimentos, no caso, o amor. Esse autor afirma que “os sentimentos, nós os

possuímos, o amor acontece. Os sentimentos residem no homem, mas o homem habita

em seu amor. Isto não é simples metáfora, mas a realidade. O amor não está ligado ao EU

de tal modo que o TU fosse considerado um conteúdo, um objeto: ele se realiza, entre o

EU e o TU”.

Então, essa relação pressupõe também que “o homem é antropologicamente

existente, não no seu isolamento, mas na integridade da relação entre homem e homem: é

somente a reciprocidade da ação que possibilita a compreensão adequada da natureza

humana”. (BUBER, 1982, p.152). O homem só pode ser compreendido em suas relações,

pelo reconhecimento do outro em sua alteridade, na conversão ao outro.

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1.5. A interação social entre o professor e o aluno com deficiência

Reafirma-se a necessária reflexão sobre a dinâmica do processo de inclusão

escolar de alunos com deficiência no que se refere aos mecanismos intervenientes para o

consequente desenvolvimento do aluno, considerando como fator preponderante o tipo de

interação favorável que o professor da classe comum estabelece.

Os fatores relevantes podem ser os atributos afetivos presentes na relação

professor-aluno, relativos aos aspectos pertinentes ao amor, às emoções, aos afetos. Esses

atributos são tratados aqui como categorias imprescindíveis, constitutivas do processo de

inclusão escolar de alunos com deficiência, tendo a pessoa do professor um papel

fundamental nesse processo.

Na ponderação sobre os mecanismos que influenciam as relações interpessoais, o

estudo centra-se na situação de como isso acontece, quando se trata do aluno com uma

determinada deficiência, que necessita e tem direito de aprender, como qualquer outro

aluno; então, por essa análise, é válido conhecer os mecanismos que envolvem os

processos escolares: o professor, o aluno e os conhecimentos válidos a serem aprendidos,

pois “sabemos que para aprender é necessário um ensinante e um aprendente2, que

entrem em relação” (FERNÁNDEZ, 1991, p. 32).

Sem tal relação estabelecida, é improvável que haja a possibilidade de ocorrer a

aprendizagem esperada pelo aluno e seu desenvolvimento enquanto ser que possui

potenciais para isso, pois “para aprender, necessitam-se dois personagens (ensinante e

aprendente) e um vínculo que se estabelece entre ambos. [...] Não aprendemos de

qualquer um, aprendemos daquele a quem outorgamos confiança e direito de ensinar”

(FERNÁNDEZ, 1991, pp. 47 e 52). Aprendemos o que tem significado na nossa

realidade.

Não é intenção colocar o professor no lugar de único mentor responsável pelo

desenvolvimento do aluno, mas este estudo dedica-se a olhar para a prática pedagógica

do professor, que, muitas vezes, assume todo o ônus da inclusão escolar de alunos com

2 Ensinante e aprendente : termos mantidos do original em espanhol e que significam, respectivamente, “quem ensina” e “quem aprende”.

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deficiência. Em se tratando de processos escolares, como “ensinantes entende-se tanto o

docente ou a instituição educativa, como o pai, a mãe, o amigo ou quem seja investido

pelo aprendente e/ou pela cultura, para ensinar” (FERNÁNDEZ, 1991, p. 32). Mas,

nesta investigação, o destaque necessário que fazemos liga-se à análise de como se

processa a situação educativa em sala de aula na interação social que o professor

consegue estabelecer para a aprendizagem de seus alunos indistintamente.

Sobre os processos escolares de ensino e aprendizagem, muitos são os enfoques

que tentam explicar a dinâmica desses processos por marcadas vezes, por versões

bastante diversificadas. Assim, serão evidenciados apenas os enfoques que destacam a

interação do professor, como pressuposto fundamental para que o aluno produza seu

desenvolvimento em relação educativa em sala de aula.

Admite-se, então, que é a partir de uma interação que se estabelece nesse núcleo

central, a sala de aula, que serve de palco principal, onde ocorre o processo de ensinar e

aprender efetivamente, entendido tal processo como construtor do ato de conhecer, pela

relação que se estabelece sobre o que se ensina e é aprendido pelos alunos. Sobre esse

entendimento, Coll (p. 105, 2005) afirma que “a construção do conhecimento na sala de

aula é um processo social e compartilhado. A interação se dá em um contexto

socialmente pautado, no qual o sujeito participa de práticas culturalmente organizadas,

com ferramentas e conteúdos culturais”.

É preciso ter um olhar mais interessado no que acontece no processo de inclusão

escolar nesse núcleo central, em que o professor se relaciona com seu aluno. Sobre o que

move essa pessoa que detém a hegemonia na sala de aula, o professor, com o domínio

sobre o que ocorre com seus alunos e como, com o poder de enfatizar isso ou aquilo com

eles, que dependem da ação desse professor diante de suas necessidades e singularidades.

Essa é uma realidade irrefutável. Continuando nessa reflexão, toma-se por base a

concepção construtivista do ensino e da aprendizagem escolares, pois tal teoria pressupõe

a integração de um conjunto hierárquico de princípios, os quais representam, por assim

dizer, a “coluna vertebral” dessa concepção, que pode ser assumida pelo professor em

sala de aula, apresentada, a seguir, no esquema básico sugerido por Coll (p. 119, 2005)

[grifos nossos]:

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A educação escolar – a natureza da função socializadora; construção da identidade pessoal; atividade construtiva, socialização e individualização. A construção do conhecimento na escola: o triângulo interativo – o papel mediador da atividade mental construtiva do aluno; os conteúdos escolares (saberes preexistentes socialmente construídos e culturalmente organizados); o papel do professor (guiar e orientar a atividade mental construtiva dos alunos para a assimilação significativa dos conteúdos escolares). Os processos de construção de conhecimento e os mecanismos de influência educacional – construção de significados e de atribuição de sentidos às experiências e aos conteúdos escolares; revisão, modificação e construção de esquemas de conhecimentos; a influência educativa do professor e o ajuste da ajuda pedagógica; a influência educativa dos colegas; a influência educativa da instituição escolar.

Do conjunto hierárquico desses princípios, é interessante destacar o importante

triângulo interativo, entendido como função do professor no contexto escolar, em suas

salas de aula, de ter a possibilidade para com seus alunos, tenham eles deficiência ou não,

de trabalhar para uma aprendizagem significativa, pelos traços distintivos que a escola

tem, por ser um espaço pensado e planejado para acolher a educação escolar, pelas

relações que os professores estabelecem no cenário educativo.

O surgimento da figura do professor como agente educacional especializado – isto é, como “mestre” na educação e no ensino – talvez seja o traço distintivo por excelência da educação escolar quando se compara com outros tipos de práticas educacionais. Assim como a mãe, o pai, o monitor de um centro recreativo ou desportivo, o responsável por um programa de televisão ou de rádio, o mestre artesão ou qualquer outra pessoa que exerça uma influência educacional, o professor é um agente mediador entre os destinatários de sua ação educacional – os alunos – e os conhecimentos que pretende que aprendam (COLL, p. 121, 2004).

Desse traço que distingue o imprescindível papel do professor na instituição

escolar, enfatiza-se entre as principais características da aprendizagem escolar, da

docência, ter que necessariamente atentar e observar a realização de suas atividades na

escola com seus alunos, indistintamente, no que diz respeito à aprendizagem

significativa, que ocorre em contextos escolares de ensino comum. Assim, talvez possa-

se afirmar, na relação estabelecida pela docência, que:

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[...] o papel proeminente do professor no processo de construção de significados e de atribuição de sentido que os alunos realizam. De fato, além de favorecer em seus alunos o aparecimento e o desdobramento de uma atividade mental construtiva, o professor tem a missão e a responsabilidade de orientá-la e de guiá-la na direção marcada pelos saberes e pelas formas culturais incluídas no currículo como conteúdos de aprendizagem. Em outras palavras, a função do professor consiste em assegurar um engate adequado entre a atividade mental construtiva dos alunos e os significados sociais e culturais que refletem os conteúdos escolares. [...] a aprendizagem escolar com o resultado de um complexo processo de relações que se estabelecem entre três elementos: os alunos que aprendem, os conteúdos que são objeto de ensino e de aprendizagem e o professor, que ajuda os alunos a construírem significados e a atribuir sentido ao que fazem e aprendem. O que os alunos trazem ao ato de aprender – sua atividade mental construtiva – é um elemento mediador entre o ensino do professor e a aprendizagem que realizam. Reciprocamente, a influência educacional que o professor exerce por meio do ensino é um elemento mediador entre a atividade mental construtiva dos alunos e os significados que os conteúdos escolares veiculam. Finalmente, natureza e as características destes últimos, por sua vez, medeiam totalmente a atividade que o professor e o aluno desenvolvem sobre eles. O triângulo interativo, cujos vértices são ocupados respectivamente por alunos, conteúdos e professor, aparece, assim, como o núcleo dos processos de ensino e aprendizagem que ocorrem na escola (COLL, p. 122, 2005).

Reconhece-se, então, que a relação professor-aluno se dá por meio de um

triângulo interativo em que ocorre a aprendizagem. Provavelmente, quanto ao aluno com

deficiência, o professor procede exercendo os mecanismos de influência educacional,

também com seu aluno que está incluído em sua sala de aula segundo sua singularidade,

o que não poderia ser diferente. Esses princípios explicativos encontrados na concepção

construtivista postulam que:

Levar em conta o estado inicial do aluno no planejamento e no desenvolvimento das atividades escolares de ensino e aprendizagem exige dar a mesma atenção aos dois aspectos mencionados. O que o aluno é capaz de fazer e de aprender em um determinado momento depende tanto de seu nível de desenvolvimento cognitivo como do conjunto de conhecimentos, interesses, motivações, atitudes e expectativas que construiu no transcurso de suas experiências prévias de aprendizagem, tanto escolares quanto não escolares.

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O fator-chave na aprendizagem escolar não reside na quantidade de conteúdos aprendidos, mas no grau de significatividade com que os alunos os aprendem e no sentido que lhes atribuem (COLL, p. 123, 2005).

Em que pese a inclusão de alunos com deficiência, o processo de construção de

significados e de atribuição de sentido pode ser fruto das relações que se estabelecem

entre o que os alunos trazem, o que o professor traz e as características do conteúdo. A

chave para compreender o processo deve estar na construção do conhecimento na sala de

aula, ou seja, reside nas trocas que se produzem entre professor e alunos em torno dos

conteúdos de aprendizagem (COLL, p. 125, 2005).

A esse respeito, Coll (p. 126, 2005) diz que o triângulo interativo representa o

núcleo dos processos educacionais escolares e que o professor é uma das principais fontes

de influência educacional, pela relação de interação que este mantém com seus alunos. A

complexidade intrínseca dos fenômenos e dos processos educacionais e com a

multiciplidade de dimensões presentes neles, [...] a concepção construtivista já é um

instrumento suficientemente potente para guiar a análise, a reflexão e a ação, e para dotar

esta última da coerência necessária que toda atuação educacional requer.

A atividade acadêmica não se realiza de forma impessoal, mas em um contexto social em que as relações entre professores e alunos podem afetar o grau de aceitação pessoal e afeto que estes experimentam por parte daqueles. Todo aluno procura sentir-se aceito como é pelos outros [...]. [...] se um aluno, pela razão que for, sente a rejeição por parte do professor ou, simplesmente, sente que este prefere e trata de favorecer mais os outros, ou sente rejeição do grupo, procurará evitar a situação se puder, senão sentirá que está na escola por obrigação, tanto mais quanto maior seja sua necessidade de aceitação. [...] é preciso que os professores revisem em que medida são adequadas as suas linhas de atuação em aula com relação à necessidade do aluno de sentir-se aceito, em particular que comunicam a ela se é ou não, e aquelas que contribuem para que os alunos aceitem uns aos outros (COLL, pp. 181-182, 2005).

Considera-se, com poucas exceções, que os professores tendem a cair no que se

chama de versão domesticada do construtivismo, ou seja, utilizam novos significados

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para atingir velhos fins ou, como diz o autor, com certa ironia, “saca-se um reluzente

mascote teórico para alardear, mas assegurando que não constitui um desafio real à ideia

da educação com que nos sentimos mais à vontade” (COLL, pp. 202, 2005) [grifos do

autor].

Por isso, somos levados a acreditar no que se refere aos fatores do triângulo

interativo relacionados com os enfoques de aprendizagem, pois grande parte dos

professores, em suas atividades educacionais, em suas práticas, reveste-se de uma teoria,

mesmo que não entenda bem seus princípios. O que vale é dizer, com consciência

tranquila, que são professores construtivistas e que seus alunos supostamente estão

aprendendo, mas, sobre essa questão, Coll (p. 203, 2004) [grifos do autor] e seus

colaboradores esclarecem que:

[...] no processo de ensino e aprendizagem, podem produzir-se “fricções” construtivas, quando os alunos podem construir o conhecimento com a orientação dos professores, ou destrutivas, quando os estudantes não podem assumir as responsabilidades que lhes propõem ou não lhes é oferecida a ajuda necessária para fazê-lo. Examinar as complexas “fricções” entre as atividades de aprendizagem dos estudantes e as atividades de ensino dos professores em uma situação de sala de aula pode ser um bom caminho para otimizar o processo e favorecer uma aprendizagem significativa, funcional e de qualidade.

A relação que se estabelece entre a dimensão afetiva e os aspectos emocionais,

somada às características dos alunos, aponta para a grande importância desses elementos

no desenvolvimento dos processos escolares de ensino e aprendizagem dos alunos, bem

como do contexto onde se dá o ensino. “E, nesse contexto, destacam-se, sem dúvida

nenhuma, como elementos fundamentais as pessoas com quem o aluno interage em

particular o professor e os outros alunos” (COLL, p. 213, 2005) [grifos nossos].

Realçados os aportes de ordem afetiva e emocional como condição para a

aprendizagem concorda-se que a capacidade sensível do professor de estabelecer a

interação adequada entre seus alunos deve ser um condicionante de sua ação em sala de

aula, sem perder de vista que cada aluno demanda por uma forma específica e singular de

interagir e aprender; cada aluno tem sua singularidade, seu ritmo, seus interesses

próprios, seus limites para proceder à aprendizagem, principalmente em se tratando da

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aprendizagem de alunos com deficiência, no processo de inclusão de escolar, em

particular no contexto da sala de aula comum.

Não seria uma discussão aceitável se não admitisse todas as matizes que evolvem

o processo de ensino e aprendizagem por parte dessa parcela de alunos que chegam às

escolas com os mesmos anseios que os alunos sem nenhum tipo de comprometimento

mais acentuado. Por essa razão, [...] “seria claramente parcial ou distorcida, se não se

considerassem a natureza e as características concretas dos contextos educacionais e os

processos de ensino e aprendizagem em que estão imersos professores e alunos” (COLL,

p. 217, 2005).

No entanto, é conhecida a grande escassez de conhecimentos relativos à dimensão

emocional e afetiva do ensino, bem como do caráter bidirecional da relação entre

resultados da aprendizagem e as características do aluno, tanto para ele quanto para o

professor, pois [...] a dinâmica que acaba se produzindo na interação entre o professor e o

aluno pode influir e alterar, em maior ou menor medida, as características de suas

representações, suas atribuições, suas expectativas e seus interesses iniciais, modificando,

desse modo, o sentido, a motivação e o enfoque de aprendizagem do aluno (COLL, p.

219, 2005).

Entrar em relação com os alunos presume interagir, estabelecer contato, olhar o

outro em circunstância educativa, principalmente quando se pretende, além da

socialização, o alcance da aprendizagem. O processo de ensinar e aprender não pode ser

baseado em uma relação desinteressada de afeto, emoção, ou seja, sem que a emoção não

esteja presente nessa troca bidirecional do professor com seus alunos. A ausência de

emoção não pode se tornar o lugar-comum nos contextos escolares. Na comunicação a

seguir é fundamental o tipo de relação que o professor estabelece com seus alunos. Coll

(p. 219, 2005) assinala que:

[...] estudos recentes destacam algumas das dimensões que os alunos consideram para caracterizar o professor como possível fonte de ajuda. A percepção por parte do aluno de um estilo de interação democrático (estilo comunicativo, respeito, tratamento justo), expectativas baseadas nas características individuais do aluno como pessoa e como aprendiz, um interesse e uma preocupação com o ensino e o fato de proporcionar feedbacks construtivos parecem ser importantes.

Tudo isso nos lembra que a interação educacional não é emocionalmente neutra, ainda que a maioria dos trabalhos que analisam

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tais processos continuem ignorando a questão, provavelmente na suposição infundada de que o tônus emocional dos participantes nos processos de ensino e aprendizagem é de caráter positivo ou, pelo menos, neutro. É evidente, porém, que professores e alunos experimentam emoções tanto positivas como negativas, ainda que os alunos, em uma nova demonstração do caráter simétrico da relação, tenham de aprender a esconder suas emoções negativas para sobreviver no contexto escolar.

[...] A interação entre professores e alunos requer uma mutualidade e uma coordenação tanto de caráter cognitivo como afetivo e, nesse sentido, do mesmo modo que as emoções que experimentamos cumprem um importante função autorreguladora, as emoções que percebemos nos outros nos proporcionam uma informação de vital importância para interpretar e regular nossas relações. Assim, por exemplo, as reações emocionais do professor em face do êxito ou do fracasso do aluno são uma fonte de informação sobre seus padrões atributivos e, à medida que o aluno as percebe, afetam suas próprias atribuições e suas expectativas de êxito.

1.6. A sala de aula como contexto das interações humanas

A sala de aula é o núcleo central onde ocorre e se manifestam as interações. Por

isso, é importante assinalar que “a sala de aula é definida, assim como uma comunidade

de alunos, em que o professor ou a professora orquestra as atividades, o professor é a

pessoa que age e proporciona a interação educativa”. Portanto, este estudo está baseado

nessa perspectiva teórica, em que Vygotsky (apud COLL, p. 105, 2005) sustenta também

a afetividade que se manifesta na relação professor-aluno, constituindo-se em elemento

inseparável do processo de construção do conhecimento, na medida em que essa relação

confere também sentido afetivo para o objeto de conhecimento, a partir das experiências

vividas no contexto escolar, na interação social que se constrói na sala de aula.

Outra contribuição importante com a qual nos identificamos é trazida por Charlot

(p. 21, 2009), quando fala do caráter não individualista do ser humano, pois reforça a

ideia de que [...] “a humanidade não é uma essência individual, é o conjunto do que foi

criado pela espécie humana no decorrer da sua história”. Por isso, acreditamos na

possibilidade de interação estabelecida pelos professores no processo de inclusão escolar

com seus alunos, considerando, para tanto, essa prerrogativa como pressuposto de

sustentação para a relação com o outro, principalmente quando esse outro é o aluno com

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deficiência, o que exigirá muito mais desprendimento do professor na interação com

esses alunos.

Nessas inter-relações, está a possibilidade de compreender o que, como e em que

condições os alunos aprendem quando seus professores lhes ensinam, a [...] sala de aula

em uma dupla vertente, como um dos níveis de configuração e análise das práticas

educacionais escolares e como contexto de ensino e aprendizagem (Coll, p. 221, 2005)

É inegável a complexidade da sala de aula, não só pelo contexto físico, entendido pelos

aspectos materiais disponíveis, mas pelo contexto mental, que envolve o conjunto de

expectativas, afetos, emoções, motivações, interesses, representações. A esse exemplo,

Coll (p. 221, 2005) destaca:

[...] que as atividades realizadas por professores e alunos nas salas de

aula caracterizam-se, entre outros traços, pela multidimensionalidade –

ocorrem muitas coisas –, pela simultaneidade – ocorrem muitas coisas

ao mesmo tempo –, pelo imediatismo – a rapidez com que ocorrem –,

pela imprevisibilidade – sempre ocorrem coisas inesperadas e não

planejadas previamente –, pela publicidade – tudo o que professor e

alunos fazem em público para os demais participantes – e pela história

– o que ocorre é tributário em boa medida do que ocorreu nas aulas

anteriores. Essas características do contexto da sala de aula envolvem e

impregnam as atuações de professores e alunos e influem de forma

decisiva sobre o conteúdo de aprendizagem e sua apresentação, sobre as

expectativas, os interesses e as motivações dos participantes, sobre o

que e como os alunos aprendem e sobre o que e como os professores

ensinam (COLL, p. 244, 2005) [grifos do autor].

Concordamos que, para a análise da prática docente, existem vários níveis

interferentes que acabam influenciando direta ou indiretamente na forma como se dão as

interações que ocorrem na escola e na sala de aula, influenciando, assim, seu

funcionamento, as repercussões que nela ocorrem, pois anteriormente a isso, existem

elementos que implicam diretamente nesse processo escolar em particular, por essa razão.

Coll (2005) “postula que se deve considerar pelo menos quatro níveis envolvidos na

configuração da prática educacional: a organização social, política, econômica e cultural,

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a escola e a sala de aula”. Assim, compreendemos que não devem ser ignorados outros

fatores que acabam interferindo na prática concreta de sala de aula, onde o professor

estabelece suas relações com seus alunos, pois:

A prática educacional acaba tomando a forma da atuação do professor da sala de aula, em um processo dinâmico no qual intervêm também as características dos alunos e do conteúdo de aprendizagem. Mas a forma final da atuação do professor vai-se configurando em níveis anteriores. Não é possível entender as razões do comportamento do professor, ou do pensamento que o orienta, sem analisar outros fatores e decisões que se situam em contextos mais amplos, entre os quais se encontra a escola (COLL, p. 392, 2005).

O que queremos dizer, mesmo entendendo que esses outros fatores anteriores têm

sua relevância, é que a influência educacional será tratada neste estudo com o propósito

de reconhecer a ajuda que o professor realiza na sala de aula com seus alunos, a qual

“deve ser entendida como a ajuda prestada à atividade construtiva do aluno e a influência

educacional eficaz, como um ajuste constante e sustentado de ajuda às vicissitudes do

processo de construção que o aluno realiza” (COLL, p. 392, 2005). E assim afirma:

O ajuste da ajuda do docente às características peculiares do aluno em seu processo de aprendizagem de um conteúdo específico é, em última análise, a chave da qualidade do ensino. Este triângulo interativo – professor, aluno, conteúdo de aprendizagem – é postulado na concepção construtivista como a unidade básica de análise do processo de ensino e aprendizagem na sala de aula.

Nesse sentido, o grau de interação no ensino é necessário, mesmo reconhecendo a

complexidade intrínseca do fenômeno estudado sobre processos escolares inclusivos.

Reafirmamos, assim, a ideia inicial, que é o tipo de interação estabelecida pelo professor

com seus alunos, que pode ocorrer positivamente a inclusão, também de alunos com

deficiência nas classes comuns, mesmo em situações educativas bastante heterogêneas,

que necessariamente vão requerer a ajuda educacional na ação docente:

[...] os professores que fazem parte da equipe docente podem ter diferentes idades, sexo, procedência, formação, experiência docente e concepções educacionais. Por sua vez, os alunos que chegam à escola podem ter procedência social e cultural diversa e diferentes nível de conhecimentos, estilos e ritmos de aprendizagem, experiência escolar e expectativas de educação. Nessas condições, é a interação de ambos,

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professores e alunos, em torno da elaboração do projeto da escola, o que permite ir ajustando a ajuda educacional (COLL, p. 395, 2004).

1.7. Identidade, diferenças e inclusão escolar

Uma visão favorável à inclusão será aquela em que se veja o educando com deficiência e/ou altas habilidades/superdotação como essencialmente igual embora funcionalmente diferente. A diferença não é avaliada segundo um critério de classificação hierárquica em melhores e piores, mas, sim, como componente complementar de uma realidade humana que pode acolher a todos e ganha com o acolhimento de todos. Tal como uma orquestra que só se constitui como tal se houver diversidade de instrumentos ou um coral, que ganha em beleza quando as vozes são diferentes, uma comunidade escolar que acolhe a todos será propícia a este acolhimento quando a diferença não for vista como ameaça ou inferioridade, mas, sim como complementaridade.

Jair Militão da Silva

Não podemos deixar de considerar nesta investigação algumas definições sobre os

aspectos pertinentes à ideia de identidade, principalmente nas abordagens que conduzem

à compreensão da identidade, como esclarece Silva:

O poder atua sobre as pessoas criando identidades. Identidade é a forma pela qual a pessoa se concebe e, em decorrência, concebe o mundo em que está. A identidade revela-se na resposta à pergunta quem sou eu? E orienta os julgamentos que faço da realidade em meu relacionamento com esta. Essa identidade é constituída e mantida na relação da pessoa com um grupo específico de referência. Neste grupo, a pessoa adquire a linguagem verbal e não verbal, os hábitos que lhe garantirão relacionar-se com o ambiente de forma a manter a vida, as crenças, as formas de ver a vida, enfim, adquire as condições necessárias para que exerça sua possibilidade de ser pessoa, com uma identidade. Todavia, esse ser humano é alguém dotado de individualidade e com desejo de realização nos mais diversos campos. Se o grupo o ajuda a que isso venha a acontecer é, simultaneamente, o grupo quem lhe coloca limites, na medida em que os outros seres humanos tenham objetivos concorrentes ou contrários. Por isso, a pessoa, para existir como tal, vive uma constante tensão entre ela e o grupo. Esquemas que submetem o grupo a uma pessoa ou, ao contrário, situações em que a pessoa submete-se ao coletivo, são produtores de situações sempre desumanas e não contribuem para que o homem mantenha-se pessoa (2008, p. 51).

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Nesse sentido, é importante observar o que diz esse mesmo autor: “ser educador

que busca incluir a todos é ser portador de uma mensagem de esperança de que o ser

humano pode modificar-se para melhor e que todos têm igual dignidade, embora sejam

diferentes em capacidades e possibilidades” (SILVA, p. 52, 2008).

A existência daquilo que diferencia o outro e das condições singulares das pessoas

com deficiência no contexto escolar será o ponto central deste capítulo, pela delicada

posição ocupada por esses sujeitos no cenário educacional, bem como da pertinência dos

aspectos de identidade e das diferenças na dinâmica do processo de inclusão escolar. Nas

palavras de Machado, reconhecemos como o educador pode estabelecer suas ações nas

relações com seus alunos, principalmente quando se trata das diferenças presentes no

cotidiano escolar, pois:

Todo ser humano tem uma estrutura geral, universal, o que diferencia é que não necessariamente ele use todas as estruturas de uma vez e da mesma forma. No caso da inclusão, isto é muito importante, pois considerar que todos têm a mesma estrutura, e que geralmente só vemos as diferenças, considerar que um educando com deficiência tem uma vida psíquica e espiritual, pode mudar completamente o modo de o educador enxergar e se relacionar com a pessoa com deficiência, pois permite a nós passarmos do “eu”, o “outro” para “nós” (MACHADO, p. 64, 2010) [grifos do autor].

Ao abordar oportunamente as condições identitárias e as diferenças no processo

de inclusão escolar, tomamos por base as contribuições importantes de Coll (p. 235,

2005), quando afirma que, em termos construtivistas de atenção à diversidade, fica

entendido que a aprendizagem como processo de construção de significados e de

atribuição de sentido não se dá de maneira solitária, muito pelo contrário, a ajuda do

professor se faz imprescindível no processo em que o aluno aprende. No que se refere aos

aportes construtivistas da aprendizagem, o autor reafirma essa questão dizendo:

Nessa perspectiva teórica, ensinar é, sobretudo, ajudar os alunos nesse processo de construção de significados e de atribuição de sentido; e ensinar eficazmente é ser capaz de proporcionar aos alunos, a cada momento do processo de construção, a ajuda de que necessitam para continuar progredindo em sua aprendizagem. Os conceitos de ajuste da ajuda pedagógica e de mecanismos de influência educacional –

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definidos como os procedimentos mediante os quais se consegue ajustar a ajuda pedagógica às vicissitudes do processo de construção do conhecimento dos alunos – são, portanto, o equivalente, em termos construtivistas, do conceito de ensino adaptativo.

É preciso investigar como as diferenças incidem sobre o processo de ensino e

aprendizagem, como se dá esse processo quando se trata da pessoa com deficiência no

contexto educativo. Ao longo dos tempos, na história da humanidade, sempre se buscou

entender as semelhanças e as diferenças da espécie humana, e essa é uma questão que

ainda persiste, pois “a busca e a explicação do que em comum todos os membros da

espécie humana – a semelhança – e a identificação e a compreensão do que os diferencia

– a diversidade – foram desde sempre dois eixos fundamentais da reflexão filosófica dos

seres humanos sobre sua própria natureza” (COLL, p. 223, 2005).

O professor, fatalmente, em sua trajetória, irá se deparar com os desafios da

inclusão e, por oportuno, terá que reagir diante da nova realidade, a de estabelecer

interação adequada com alunos que porventura apresentem necessidades educacionais

diferenciadas e requeiram atenção específica.

O trabalho da docência no processo de inclusão educacional exige outra questão

importante, que é a ética que determina os processos de construção das relações entre

sujeitos sociais, pois a dimensão ética influencia diretamente o trabalho da docência com

grupos de alunos, pois o papel do professor, nesse caso, seria rever suas formas de

relação com os alunos, principalmente quando estes são alunos com deficiência no

processo de inclusão escolar nas classes comuns.

Por isso, podemos refletir sobre esse processo, situando a ação do professor

enquanto sujeito de relações, de acordo com a noção filosófica e antropológica do agir

humano, como profere Quintás:

Este é o caminho. Em filosofia, em antropologia, se está agora – e já há muitos anos – ressaltando muito a seguinte ideia: os homens – vocês e eu – não são como uma circunferência, com o centro no "eu", do qual equidistam todos os pontos, tudo servindo ao eu... Essa é uma ideia egoísta do ser humano. Hoje, tende-se a pensar que o ser humano deve ser representado como uma elipse, possuidora de dois centros: o eu e o tu, que apresentam um dinamismo reversível nos dois sentidos: eu preciso de você e você precisa de mim. Essa ideia – e o pensamento biológico a tem ressaltado muito – é importantíssima: Ebner, Buber,

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Guardini, Levinas, Nedoncelle e muitos outros autores a tem enfatizado muito3 [grifos nossos].

Para que ocorra a relação com o outro – no caso, a relação do professor com o

aluno na situação educativa –, é preciso que se tenha uma compreensão do homem, como

um ser de encontro (QUINTÁS, 2009, p. 47). “[...] Há como que um consenso em todo o

mundo para se dizer o seguinte: o ser humano – vocês e eu – é um ser de encontro. Vive

como pessoa, desenvolve-se, aperfeiçoa-se, criando encontros”. Assim, esse mesmo autor

afirma:

Qual é o primeiro encontro do bebê, quando nasce, com o meio? É o encontro com a mãe. Imediatamente com o pai, com os irmãos, se tiver. Encontro com o lar. Hoje os biólogos dizem às mães: se for possível, as mães devem amamentar seus bebês, pois amamentar uma criança, dar-lhe de mamar, não é somente dar-lhe alimento, é muito mais: é acolhê-lo. O que uma criança mais necessita quando nasce é sentir-se acolhida, perceber-se querida. E estar em um ambiente no qual haja amor. Não basta que o pai ame a criança e a mãe a ame, e eles, entre os dois, estejam se matando... Eles têm de amar-se e os irmãos também... Criar um espaço de amor. E é nesse espaço de amor onde cresce de verdade a criança, pois há encontro.

O mesmo podemos dizer de uma escola, uma escola primária, uma escola secundária, incluindo a universidade. Se há um âmbito de encontro, é um âmbito de formação; se não o há, pode ser um âmbito de informação, mas não de formação. Se os professores estão um contra o outro e todos contra a direção, se os funcionários estão um contra o outro... isto é um campo de luta, não é um campo formativo. Deve ser um campo de encontro (QUINTÁS, p. 47, 2009).

É preciso que se tenha uma noção mais aproximada sobre como as formas de

relação se estabelecem, como professores e alunos interagem. Há urgência em saber o

que acontece nos espaços dedicados às ações educativas inclusivas, a respeito mesmo da

falta de amor, do que vem ocorrendo na prática educativa de fato, desvelado pelo tipo de

atendimento, cuidado e atenção dispensado às pessoas com deficiências nas escolas, pois

alertamos:

3 Conferência, em duas partes, para a disciplina Filosofía da Educação II da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, em 26-11-2009, aos alunos do segundo ano de Pedagogia e a numerosos professores e doutorandos da FEUSP e de outras universidades de São Paulo. O Dr. López Quintás é catedrático de Filosofía da Universidad Complutense de Madrid. (Tradução de Ana Lúcia Carvalho Fujikura e edição de L. Jean Lauand.)

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[...] Hoje os biólogos (os biólogos! Não somente os pedagogos, os pediatras...!) dizem: se a pessoa que cuida da criança o faz sem amor, essa criança corre o grande perigo de desenvolver-se anormalmente. E muitas raízes de violência que acabam com a juventude, que são a desgraça da vida dos jovens e das famílias, procedem da falta de carinho dos primeiros anos (QUINTÁS, p. 47, 2009).

Quintás realça ainda, em sua fala, o importante modo como o professor, em sua

prática educativa, pode tratar seu aluno; indica ainda a oportuna visão que tem deles e

como se relaciona. Concordamos com seus exemplos quando ele confessa o que sente e

pensa quando está com seus alunos na sala de aula:

Eu, quando inicio um curso e vejo os alunos diante de mim, penso: este jovem que vejo aí ou esta jovem é muito mais do que estou vendo... Eu, nele, vejo: seus pais, que estão desejando que estude, sua namorada, os irmãos... Vejo seus projetos para o futuro, vejo suas recordações do passado – que cada um tem, pois possui uma história –, vejo tantas e tantas realidades, o talento que tem, o afeto... Cada pessoa é um nó [...]. Vocês são como um campo de realidade, poderíamos dizer, um âmbito de realidade ou, simplesmente, um âmbito (QUINTÁS, p. 47, 2009).

Há outro fato interessante trazido por esse autor, quando destaca os tipos de

experiência que um professor pode estabelecer em sua prática educativa; ele assim

define:

Uma experiência linear é a que vai do sujeito ao objeto – eu dou um impulso na caneta e a caneta sofre esse impulso e aí permanece. O esquema que estrutura esta ação/paixão: eu atuo – ele padece. Na experiência reversível, não é assim; eu atuo sobre você, você atua sobre mim, são duas atuações livres que complementam a nós dois. Isto enriquece-nos muitíssimo. Vejam, quanto mais maduros estivermos na vida, menos experiências lineares realizamos e mais experiências reversíveis. Por exemplo, um professor que se considere o “tal”, que fale e pontifique... e os alunos não tenham mais que simplesmente padecer o que ele diz, somente recebendo, mas sem iniciativa, seria um professor que vive de experiências lineares. Mas se o professor fala, atua sobre os alunos, mas eles também reagem, por exemplo, fazendo

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trabalhos, propondo perguntas... é uma experiência reversível [...] (QUINTÁS, p. 47, 2009).

Espera-se que seja nessa perspectiva de reversibilidade que ocorra a experiência

docente na relação que estabelece com o aluno com deficiência, mas, para isso, é preciso

saber o real esforço a ser empreendido pelo professor. É no encontro entre ambos – o

professor e o aluno – que, por definição, acontece:

[...] um enriquecimento mútuo: você é um âmbito de vida, repleto de possibilidades, projetos etc. Você os oferece a mim e eu os ofereço a você; você tem vontade de compreender-me e eu tenho vontade de compreender você; eu tenho vontade de ir com você, você, comigo; e criamos um campo de jogo comum, criamos um campo de liberdade comum... e isso é o encontro, numa relação reversível com o outro (QUINTÁS, p. 47, 2009).

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CAPÍTULO II - TRAÇOS DE UM CAMINHO

Esta investigação expressa um momento singular importante na vida da

pesquisadora, representou a possibilidade de conhecer e compreender, com mais

profundidade, os desafios de ser professor no processo de inclusão escolar, no que se

refere, especificamente, a como se produzem os processos escolares de ensino e

aprendizagem a partir da interação que o professor da classe comum estabelece com seus

alunos. Acredita-se que, justamente por esse processo ainda não ser bem entendido por

grande parte dos professores, a inclusão escolar provavelmente não tenha atingido um

estágio de maturidade na prática de sala de aula.

Por definição, a metodologia é uma elaboração estruturada dos procedimentos que

conduzirão à análise das práticas dos professores no processo de inclusão escolar. Daí a

necessidade de definir o método como caminho a ser percorrido, demarcado em todas as

fases. Nesta pesquisa, optou-se por uma abordagem qualitativa, de natureza

fenomenológica, por possibilitar maior compreensão da realidade estudada.

A pesquisa qualitativa, inicialmente usada em Antropologia e Sociologia, a partir

dos anos 60, incorporou-se a outras áreas. Nos últimos 30 anos, vem ganhando espaço no

âmbito da Psicologia, da Educação e da Administração (MINAYO, 2001). Em educação,

essa nova abordagem insere-se no contexto da discussão em que a pesquisa quantitativa

não era suficiente para analisar um processo tão complexo quanto o educativo, era

preciso um novo olhar.

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Desde então, o debate entre defensores das abordagens quantitativa ou qualitativa

começou a diminuir, registrando-se uma valorização da pesquisa em ciências sociais.

Como a pesquisa proposta busca respostas particulares, destacamos a posição de

Minayo (2001), que, ao discutir a pesquisa qualitativa, enfatiza: “[...] trabalha com o

universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que

corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos

[...]”.

De um modo geral, pesquisas de cunho qualitativo exigem a realização de

entrevistas, quase sempre longas e semiestruturadas. Nesses casos, a definição de

critérios segundo os quais foram selecionados os sujeitos que vão compor o universo de

investigação como algo primordial, pois interfere diretamente na qualidade das

informações a partir das quais será possível construir categorias de análise e se chegar à

compreensão mais ampla da problemática estudada.

Os aspectos metodológicos adotados na pesquisa e a definição do caminho a

percorrer serão descritos, bem como o caráter da investigação, os procedimentos e os

instrumentos adotados para a coleta de dados, o elenco das fontes, os sujeitos

participantes, a metodologia e a organização para a realização da pesquisa.

A coleta de dados foi realizada na cidade de Manaus, com participação de sujeitos

de ambos os sexos. Esta pesquisa foi realizada com professores de escolas públicas de

Ensino Fundamental nas séries iniciais da classe comum, especificamente, nas classes em

que tenha incluído pelo menos um aluno com deficiência. Definiu-se universo com

confiabilidade e população possível de ser pesquisada.

Neste estudo, foram adotados como procedimentos pesquisa documental,

aplicação de questionários a professores e registros de observações das situações

educativas em classes inclusivas. Tais procedimentos foram assim escolhidos pela

possibilidade de respostas à questão investigada e por permitir o surgimento de outras

inquietações na busca de conhecimento e desencadeamento de novas pesquisas.

A utilização de diferentes fontes de dados representa maiores possibilidades de

obtenção de informações. Esses dados serão articulados à pesquisa documental como

forma de agregar elementos para melhor compreensão do problema estudado.

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O questionário foi formulado com questões semiestruturadas referentes ao campo

de experiência do professor, aos significados, sentidos e saberes práticos dos professores

de alunos com deficiência, incluídos em classes comuns. Tal instrumento de pesquisa

possibilitará levantar elementos que contribuirão para a compreensão dos fenômenos

estudados.

Nessa perspectiva, adotaram-se ainda observações das situações educativas em

classes inclusivas e os recursos pedagógicos existentes, para maior credibilidade e

confiabilidade da pesquisa e consequente contribuição para o avanço dos estudos sobre a

realidade da inclusão escolar na região estudada.

É importante ressaltar que, para maior proximidade com a realidade do fenômeno

estudado, foram utilizados também dados disponibilizados pelos órgãos oficiais

responsáveis pelos dados estatísticos, como forma de reunir maior variedade de fontes na

obtenção dos resultados desta pesquisa.

Para resguardar os sujeitos desta pesquisa, os procedimentos para a obtenção dos

dados seguirão os princípios determinantes que constam no Artigo 31 da Convenção

sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Estatísticas e coleta de dados 1. Os Estados Partes coletarão dados apropriados, inclusive estatísticos e de pesquisas, para que possam formular e implementar políticas destinadas a por em prática a presente Convenção. O processo de coleta e manutenção de tais dados deverá: a) Observar as salvaguardas estabelecidas por lei, inclusive pelas leis relativas à proteção de dados, a fim de assegurar a confidencialidade e o respeito pela privacidade das pessoas com deficiência; b) Observar as normas internacionalmente aceitas para proteger os direitos humanos, as liberdades fundamentais e os princípios éticos na coleta de dados e utilização de estatísticas. 2. As informações coletadas de acordo com o disposto neste Artigo serão desagregadas, de maneira apropriada, e utilizadas para avaliar o cumprimento, por parte dos Estados Partes, de suas obrigações na presente Convenção e para identificar e enfrentar as barreiras com as quais as pessoas com deficiência se deparam no exercício de seus direitos. 3. Os Estados Partes assumirão responsabilidade pela disseminação das referidas estatísticas e assegurarão que elas sejam acessíveis às pessoas com deficiência e a outros.

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Assim serão preservados os nomes de alunos, professores e escolas participantes

desta pesquisa, apenas características de gênero serão descritas, no momento da

apresentação dos dados quando forem transcritos sobre cada escola, e o caso de alunos

com deficiência na experiência de inclusão. As escolas receberão a classificação por

grafema (em letra versal), e as respostas dos professores serão apresentadas de forma

escrita sintética. Ao mesmo tempo, a discussão se fará de acordo com a apresentação dos

resultados coletados.

Detalhamento e caracterização da pesquisa

Definição dos participantes da pesquisa: serão 4 (quatro) os critérios para a escolha

dos professores:

1 - Ser professor(a) de escola de ensino regular da rede estadual na cidade de Manaus.

2 - O professor(a) deve ter em sua sala de aula comum pelo menos 1 (um) aluno com

deficiência regularmente matriculado.

3 - A escolha do professor da classe comum será independente do tipo de deficiência do

aluno.

4 - E, como critério último, será a livre aceitação dos professores a participar da pesquisa.

Procedimentos:

Os professores responderão, individualmente, um questionário com três perguntas

básicas sobre a temática em estudo, aplicado pela pesquisadora, bem como a realização

das observações e os registros de campo.

Em campo, a pesquisadora será observadora participante, cuja técnica se aplica à

sala de aula para colher os dados, sem maiores contatos com os sujeitos da pesquisa

(professor) na interação com os alunos com deficiência.

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Análise dos dados composta de três níveis:

1) Tratamento e organização dos dados.

2) Levantamento de significados – aquilo que o professor mostrou sobre seus

sentimentos, suas percepções, seus pensamentos, suas habilidades e seus interesses em

diferentes situações durante o atendimento educacional do aluno com deficiência no

processo de inclusão escolar.

3) Apresentação e discussão das observações relativas às atitudes dos professores que

facilitaram a inclusão do aluno com deficiência no processo de inclusão escolar.

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CONCLUSÃO

A pesquisa teve como objetivo investigar as interações entre professor e aluno com

deficiência na classe comum. Inicialmente, a pesquisadora dedicou-se ao estudo da

educação inclusiva em suas principais vertentes e correntes de interpretação para poder

compreender e explicitar aspectos ainda obscuros e pouco esclarecidos em torno dessa

temática.

Ainda é preocupante a questão da inclusão educacional, que traz no seu processo de

construção inquietudes quanto ao planejamento e processamento das políticas públicas de

inclusão escolar como subsídio às práticas pedagógicas dos professores nas escolas de

ensino regular.

Neste estudo, foram consideradas as mudanças na sociedade e seus efeitos, que

geram um aumento considerável de desigualdades e individualismos, contexto em que

surgem e se instalam as questões de diferença evidenciadas nas relações entre os sujeitos.

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Essas são questões que devem ser analisadas sob o ponto de vista crítico, para saber

como a inclusão de alunos com deficiências está se processando nas escolas de ensino

regular, qual a realidade concreta sobre como e em que condições acontecem as práticas

pedagógicas no interior das escolas, mais precisamente sobre o contexto mental da sala

de aula, cujo enfoque é a interação entre professor e aluno com deficiência e os fatores

intervenientes no processo de inclusão escolar.

Procuraram-se pressupostos teóricos, por meio de consultas à literatura existente,

para questionar como a educação inclusiva está sendo tratada e entendida no meio

acadêmico e científico. Nessa revisão, ficou patente a existência de uma vasta produção

de obras que apresentavam o assunto com muita clareza do ponto de vista conceitual, mas

foi possível perceber, quanto ao sentido prático da inclusão, que ainda está longe de ser

uma realidade nos cenários educativos.

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As ideias, os conceitos e as classificações vigentes sobre inclusão são muito

variados e antagônicos em alguns casos, por isso optou-se por trazer para este estudo os

pressupostos que se alinhavam ao estudo das interações entre o aluno com deficiência e o

professor na circunstância da sala de aula, onde ocorre o triângulo interativo: o professor,

o aluno na ação construtiva do conhecimento no processo de inclusão escolar.

A inclusão escolar é um verdadeiro mosaico, que acaba deixando os professores das

classes comuns quase sempre confusos, receosos e inseguros para desenvolver um bom

trabalho. Além disso, a prática concreta da inclusão escolar ainda se apresenta como um

desafio para os professores nos diferentes níveis de ensino, pois o esforço de incluir

pessoas com deficiência nas classes comuns envolve interação adequada, superação de

barreiras invisíveis inerentes a cada pessoa e barreiras arquitetônicas, organizacionais e

pedagógicas difíceis de serem superadas e profundamente arraigadas nos processos

escolares, prevalecendo o receio de mudanças.

Embora muitas vezes, nos discursos do professor, apareça a palavra inclusão e até

exista o reconhecimento das possibilidades e da necessidade dessa abordagem, na prática

cotidiana parecem incorporar a educação inclusiva apenas em seu vocabulário, sem que

se busque efetivamente seu exercício de forma mais concreta.

Todavia, não se trata de uma ação isolada para a inclusão, é preciso buscar a

participação das pessoas; enfim, buscar o trabalho coletivo na construção do processo em

articulação com as políticas públicas de inclusão, pois o poder público não pode se eximir

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de suas responsabilidades, e a escola e os profissionais não podem sozinhas dar respostas

satisfatórias. Por outro lado, a escola também não pode se esconder, usando essa

prerrogativa para não realizar seu trabalho na medida de suas possibilidades e de seu

bom-senso quando aceita incluir um aluno com deficiência.

Nesse sentido, não é possível compreender o processo de inclusão escolar

desvinculadamente, sem levar em conta os elementos que o definem como um

componente do processo social historicamente construído, ou ainda, por um sistema de

significações, composto, por um lado, de relações entre pessoas que vivem em situações e

realidades próprias, condição impostas pelos contextos sociais e econômicos diversos, e,

por outro, da dependência mesma das relações interpessoais que se estabelecem no

contexto escolar. Condições tais, que determinam o campo em que se processa a inclusão

escolar, que pode ou não ser dotada de sentido pelas pessoas com deficiências e os outros

que dela são partícipes.

Os estudos apontaram significativamente para os aspectos que determinam, em

muitos casos, que os professores podem contribuir tanto para o sucesso como para o

fracasso da experiência da inclusão de pessoas com deficiência em classe comum.

Os resultados ratificam as hipóteses iniciais, pelas evidências apontadas na

pesquisa, na medida em que o professor é quem está no centro da ação interativa no

processo inclusão escolar. Ele é quem recebe o impacto maior de lidar com a situação

mais aproximada no contexto da sala de aula, no contexto em que é vivido o processo

inclusivo. Esse contexto refere-se não apenas ao contexto físico, mas ao contexto mental,

na interação estabelecida pelo professor, como ele lida com cada situação em vários

momentos, como age com os demais alunos, como vive cada dificuldade e/ou sucesso

com o aluno com deficiência; esse foi o foco, o olhar de interesse deste estudo.

A interação entre professor e aluno com deficiência no contexto da sala de aula

comum supõe mudanças no seu modo de ser e de agir com seus alunos com deficiência e

também no modo como os organismos técnicos apóiam ou, muitas vezes, se eximem de

suas responsabilidades, ou mesmo parecem ausentes nas comunidades para as quais se

destinam a inclusão escolar.

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Nota: Aula bilíngue para surdos – Português escrito.

Constatam-se nos mais diversos estudos, realizados no Brasil e no mundo (Rede

Saci, p. 18-19, 2005), que o sucesso da educação inclusiva traz benefícios para todos os

estudantes com e sem deficiência, pois “reduz a taxa de desistência e repetência escolar;

aumenta a autoestima dos alunos; impede o desperdício de recursos; ajuda a construir

uma sociedade que respeita as diferenças”. Por isso, pode ser uma experiência positiva.

O objetivo da Educação Inclusiva é garantir que todos os alunos com ou sem deficiência participem ativamente de todas as atividades na escola e na comunidade;

Cada aluno é diferente no que se refere ao estilo e ao ritmo da aprendizagem.

E essa diferença é respeitada numa classe inclusiva;

Os alunos com deficiência não são problemas. A Escola Inclusiva entende esses alunos como pessoas que apresentam desafios à capacidade dos professores e das escolas para oferecer uma educação para todos, respeitando a necessidade de cada um;

O fracasso escolar é um fracasso da escola, da comunidade e da família que não conseguem atender as necessidades dos alunos;

Todos os alunos se beneficiam de um ensino de qualidade e a Escola Inclusiva apresenta respostas adequadas às necessidades dos alunos que apresentam desafios específicos;

Os professores não precisam de receitas prontas. A Escola Inclusiva ajuda o professor a desenvolver habilidades e estratégias educativas adequadas às necessidades de cada aluno;

A Escola Inclusiva e os bons professores respeitam a potencialidade e dão respostas adequadas aos desafios apresentados pelos alunos;

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É o aluno que produz o resultado educacional, ou seja, a aprendizagem. Os professores atuam como facilitadores da aprendizagem dos alunos, com a ajuda de outros profissionais, tais como professores especializados em alunos com deficiência, pedagogos, psicólogos e intérpretes da língua de sinais (Rede Saci, p. 24, 2005).

Nessa direção, concordamos que, em situações favoráveis e com a ajuda de

políticas públicas efetivas quanto ao fato da inclusão nas classes comuns, os professores

possam sim desenvolver um trabalho dedicado e significativo, que beneficie a inclusão

dos alunos com deficiência. Essa ação é dependente da articulação da própria escola e de

sua gestão.

Não há dúvida de que a educação inclusiva é benéfica e favorece fortemente a

interação e o consequente desenvolvimento dos alunos com deficiência, sobretudo no que

se refere aos aspectos:

Os alunos com deficiência aprendem melhor e mais rapidamente, pois encontram modelos positivos nos colegas; que podem contar com a ajuda e também podem ajudar os colegas; a lidar com suas dificuldades e a conviver com as demais crianças.

Os alunos sem deficiência aprendem a lidar com as diferenças individuais; a respeitar os limites do outro; a partilhar processos de aprendizagem.

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Todos os alunos, independentemente da presença ou não de deficiência, aprendem a compreender e aceitar os outros; a reconhecer as necessidades e competências dos colegas; a respeitar todas as pessoas; a construir uma sociedade mais solidária; a desenvolver atitudes de apoio mútuo; a criar e desenvolver laços de amizade; a preparar uma comunidade que apoia todos os seus membros; a diminuir a ansiedade diante das dificuldades (Rede Saci, p. 26, 2005) [grifos meus].

Portanto, reconhece-se que as escolas públicas, os professores e a comunidade

escolar precisam acolher pessoas com deficiência; a inclusão é um movimento que

impulsiona a aceitação às diferenças. A sociedade precisa tornar-se mais consciente da

possibilidade da existência das pessoas com deficiência e de que elas participem em todos

os âmbitos sociais e não mais estejam às margens da invisibilidade.

Você deve ter ouvido muita gente falar que a Educação Inclusiva é uma ilusão

e que ela nunca vai funcionar. Você deve ter ouvido muitos professores

dizendo que uma boa classe especial ou Escola Especial é melhor para as

pessoas com deficiência do que uma Escola Inclusiva ruim. O que você pode

dizer a essas pessoas é que esse é um falso dilema. As pessoas com deficiência

têm direito a uma educação de qualidade e inclusiva. As duas coisas não são e

não podem ser consideradas excludentes. Esse é um direito intransferível de

todas as crianças e ninguém pode negar isso a elas (Rede Saci, p. 26, 2005).

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São as pessoas com deficiência que devem fazer a escolha do modelo de educação,

ou mesmo as famílias, que têm o direito de poder fazer a escolha mais acertada, quando

se trata de uma criança com deficiência, e avaliar que essa escolha será para o bem dela.

Desse modo, a pesquisa buscou desvelar as práticas pedagógicas, as quais estão

relacionadas aos construtos das interações sociais, por isso interações humanas, no

contexto educativo e, sobretudo, por trazer contribuições seguras, que irão situar a

realidade da inclusão de alunos com deficiência em escolas públicas de ensino regular e,

com isso, gerar como resultados novas políticas públicas.

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O processo de inclusão escolar na perspectiva das interações que se estabelecem

entre professores e alunos com deficiência não constitui-se em exercício reflexivo fácil,

justamente pela complexidade que esse processo impõe.

Apesar da diversidade e da problemática encontradas nas experiências de inclusão

no decorrer desta pesquisa, isso não deve, de forma alguma, ser motivo de desânimo,

pois, em uma época como a que se vive, marcada pela ausência do poder público,

multiplicidade e complexidade das dificuldades enfrentadas pela escola, a inclusão não

deve ser vista como algo negativo ou impossível de realizar.

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Dessa forma, afirma-se que a inclusão no contexto escolar passa necessariamente

pela mobilização e organização interna dos elementos envolvidos na comunidade escolar

e, fundamentalmente, pelos professores, que são os responsáveis pelo tipo de abordagem

na interação que estabelece com os alunos com deficiência.

Os resultados desta pesquisa nos fazem acreditar que a escola pode ser lugar onde

não apenas se ensina um currículo preestabelecido, mas um lugar de possibilidades, de

inclusão que se espera, independentemente das adversidades encontradas, pois essa é a

condição revelada pelos contextos escolares tão desafiadores, principalmente para o

professor, que é a pessoa que enfrenta de forma mais próxima os grandes desafios da

inclusão escolar na sala de aula.

É preciso, porém, antes de encerrar, que seja esclarecido que a intenção durante

todo o trabalho não foi esgotar essa questão, mas ressignificar as discussões em torno da

diversidade, heterogeneidade e imprevisibilidade que envolve a dinâmica do processo de

inclusão escolar em seu caráter intersubjetivo no triângulo interativo: na interação dos

professores e dos alunos e o conhecimento. E, sobretudo, investigar, para conhecer e

esclarecer, as possíveis polêmicas em torno do tema.

Neste trabalho, o propósito não foi dirimir os impasses da educação inclusiva como

ainda são reveladores atualmente. O propósito foi o de não só evidenciar pontos que

parecem secundários, sem importância, mas indicar alguns pontos, os quais são chaves

neste estudo sobre o tema da inclusão.

Na medida em que trouxe à discussão questões mais próximas da sala de aula, do

que acontece de fato com os alunos com deficiência, sobre as relações que o professor

estabelece com seus alunos, a intenção foi falar de como esse professor lida com as

questões da diversidade em sala de aula, como o ser humano professor vive essas

realidades, como são trazidos e resolvidos os aspectos mais latentes nesse processo de

interação, as questões desafiadoras que lhes são postas no cotidiano escolar.

Por isso, o professor deve, em sua prática, ter em mente a noção delicada que é o

processo de inclusão escolar do aluno com deficiência, pelas demandas da singularidade

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desse sujeito e de seus familiares, levando em conta que, por trás dessa pessoa, existem

expectativas, anseios, sonhos e esperanças dos pais, de toda a família, ou seja, uma mãe,

um pai, a família deposita na pessoa do professor toda a sua esperança para com a criança

com deficiência. Muitas vezes os pais depositam toda a confiança e se sentem seguros

quando percebem que o professor não desiste do seu filho, que está sendo cuidado no que

é mais elementar na relação de professor e aluno, o passo inicial para um conjunto de

aspectos que configuram a realidade da inclusão escolar [grifos nossos].

É a vida dessa pessoa que está em jogo, por isso esse professor não deve encarar

tais expectativas como algo negativo, impossível ao seu fazer, mas como algo essencial

na ação docente de atenção às necessidades das pessoas com deficiência incluídas em

classes comuns. Nesse caso, o aluno com deficiência não pode tornar-se um estorvo em

suas classes.

Este estudo revelou que, em muitos casos, os professores parecem indiferentes e

não vêm mostrando serem capazes de proporcionar, na interação que estabelecem com os

alunos, formas mais adequadas, que atendam às necessidades afetivas e emocionais e as

características singulares de cada sujeito, como potenciais para que cada aluno possa

desenvolver-se nos processos escolares de ensino e aprendizagem. O desenvolvimento

adequado desses alunos dependerá muito do papel que o professor exerce e da relação

que estabelece com seus alunos no processo de inclusão escolar. Claro que o esforço do

professor não poder se dar sem a ajuda e o apoio necessários.

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Buscou-se assegurar uma investigação sobre a situação da inclusão escolar, tal

como se processa nas escolas, e, pela necessidade premente de fazer um estudo das

condições reais da inclusão escolar, no que se refere à situação singular da região, com

suas problemáticas próprias, reveladas pela situação ainda bastante agravante da inclusão

de alunos com deficiência nas escolas públicas onde a pesquisa se realizou.

A incursão nessa pesquisa permitiu concluir que a ação construtiva de interação

entre professor e aluno é fundamental e decisiva para o sucesso da inclusão escolar. A

relação que o professor estabelece se dá em um importante triângulo interativo, que

envolve: professor, aluno e conhecimento. Portanto, o professor não pode ficar somente à

espera de políticas públicas para que a inclusão ocorra; ele pode ser o elo fundamental

para o sucesso da inclusão do aluno com deficiência na classe comum.

Foi possível perceber também que a possibilidade da inclusão escolar está em um

conjunto articulado entre nós e os outros e entre todos da escola, mas,

fundamentalmente, na ação do professor que está aberto para a inclusão do aluno com

deficiência [grifos nossos].

É importante falar dos caminhos trilhados, dos vários sentimentos que

impulsionaram a pesquisa, inclusive a forte motivação pessoal, as atitudes tomadas, bem

como do amadurecimento sobre a realidade do contexto educativo, entre professores,

alunos e demais sujeitos envolvidos no processo escolar inclusivo.

Pode-se dizer também que existir e reconhecer o outro é uma dimensão humana e

apenas o homem pode compreender a existência do outro ser, suas necessidades e

potencialidades. A interação pode ser o encontro entre duas existências, por essa razão,

tão fundamental o agir ligado à dimensão da pessoa humana do professor quando interage

com o aluno com deficiência na possibilidade da educação inclusiva.

Um educador que busca incluir a todos no trabalho escolar deve, necessariamente, ter incluído, previamente, a todos em seu coração, pois a contribuição que pode dar ao educando vai além de informações quando oferece sua própria pessoa no encontro entre ambos. Para que isso possa

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ocorrer é fundamental a busca intencional e contínua de um crescimento em humanidade.

Jair Militão da Silva

Por fim, nada é mais importante e significativo do que uma ideia cujo tempo já

chegou. A inclusão corresponde a essa ideia no contexto da sala de aula comum, que

carrega a emergência de humanização nas formas de interação, daí a sua importância.

Reconhece-se o desafio dos professores e demais envolvidos para a inclusão

possível das pessoas com deficiência. Assim diz Morin (s.d.), apenas “indicar a

necessidade não chega: é preciso que seja possível responder a seu apelo... Mas é preciso

distinguir a verdadeira e a falsa impossibilidade. A verdadeira decorre dos nossos limites.

A falsa decorre do tabu e da resignação”.

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