Dissert_Eduardo Pessoa de Queiroz (1)

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1 UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA A FORMAÇÃO HISTÓRICA DA REGIÃO DO DISTRITO FEDERAL E ENTORNO: DOS MUNICÍPIOS-GÊNESE À PRESENTE CONFIGURAÇÃO TERRITORIAL EDUARDO PESSOA DE QUEIROZ Orientadora: Marília Steinberger DISSERTAÇÃO DE MESTRADO BRASÍLIA junho de 2007

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    UNIVERSIDADE DE BRASLIA INSTITUTO DE CINCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA

    A FORMAO HISTRICA DA REGIO DO DISTRITO FEDERAL E ENTORNO: DOS MUNICPIOS-GNESE PRESENTE CONFIGURAO TERRITORIAL

    EDUARDO PESSOA DE QUEIROZ

    Orientadora: Marlia Steinberger

    DISSERTAO DE MESTRADO

    BRASLIA junho de 2007

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    UNIVERSIDADE DE BRASLIA

    INSTITUTO DE CINCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA

    A FORMAO HISTRICA DA REGIO DO DISTRITO FEDERAL E ENTORNO: DOS MUNICPIOS-GNESE PRESENTE CONFIGURAO TERRITORIAL

    EDUARDO PESSOA DE QUEIROZ

    Dissertao de Mestrado submetida ao Departamento de Geografia da Universidade de Braslia, como parte dos requisitos para obteno do Grau de Mestre em Geografia, rea de concentrao Gesto Ambiental e Territorial.

    Aprovado por: ________________________________________________________ Professora Dra. Marlia Steinberger, Professora do Departamento de Geografia da Universidade de Braslia (Orientadora) ________________________________________________________ Professor Dr. Neio Lcio de Oliveira Campos, Professor do Departamento de Geografia da Universidade de Braslia (Examinador Interno) ________________________________________________________ Professor Dr. Benny Schasberg - Ministrio das Cidades (Examinador Externo)

    Braslia, 29 de junho de 2007

  • 3

    FICHA CATALOGRFICA

    910 Q3

    Queiroz, Eduardo Pessoa de. A formao histrica da regio do Distrito Federal e entorno : dos municpios-gnese presente configurao territorial / Eduardo Pessoa de Queiroz. -- Braslia : Instituto de Cincias Humanas: Departamento de Geografia: UnB, 2007. 135 p. : il. color. ; 21 x 29 cm. Dissertao de mestrado do autor (mestrado Universidade de Braslia).

    1.Geografia. 2.Formao histrica. 3.Regio do Distrito Federal e Entorno. 4. Configurao territorial. I. Ttulo. II. Ttulo: dos municpios-gnese presente configurao territorial.

    CDD 910 CDU 91

  • 4

    AGRADECIMENTOS E DEDICATRIAS

    Em primeiro lugar, agradeo a Deus pela fora, pela luz, pacincia, perseverana e f

    que ele tem me concedido em todas as etapas da vida, seja no Mestrado, seja no servio

    ou em casa.

    Aos meus pais, Antonio Pessoa de Queiroz e Almira Antonia Isidoro de Queiroz, que,

    mesmo no tendo a dimenso da contribuio que eles deram para a concluso dessa

    pesquisa, foram decisivos para tal, sendo ambos prestativos, encorajadores, duros (nas

    horas certas), amveis (nos momentos difceis de dvida e sofrimento) e companheiros

    em todos os momentos. Essa dissertao dedicada a vocs e nossa famlia. uma

    conquista nossa.

    Aos meus avs, todos falecidos, porm vivos na memria de toda a famlia.

    Agradeo professora Marlia Steinberger que durante os ltimos quatro anos tem me

    ensinado muito mais do que geografia, economia e geopoltica. Essa dissertao uma

    prova disso. Pacincia com as minhas limitaes talvez tenha sido sua grande virtude

    nesse trabalho, alm da disposio em compartilhar o conhecimento que se revela na

    discusso a seguir. Muito Obrigado!

    Aos grandes mestres que tive durante a graduao e o mestrado na Universidade de

    Braslia. Em especial, agradeo pelos valores e discusses acrescidos minha formao

    acadmica e profissional ao professor Neio Campos, professora Claudia Andreoli, ao

    professor Rafael Sanzio, professora Lcia Cony, professor Jos Novais, professor

    Antonio Carpintero e outros.

    Aos amigos! Os de hoje, os de ontem e os de sempre! Aos amigos da ANTAQ, da

    graduao, do mestrado, simplesmente da UnB, amigos dos colgios onde trabalhei, ex-

    alunos, entre outros. Agradecimentos especiais para o Andr, Everton, Idalcio,

    Anderson, Waldeque, Lelton, Sheila, Werner, Victor, Maringela, Raquel, Batata

    (vulgamente conhecida como Flvia), a galera do Triplo 20, Sabrina, Alexandre Tofeti,

    entre outros. Todos foram importantes em algum momento da minha vida. Esses bons

  • 5

    amigos sempre contriburam com fora, com conselhos, com palavras de incentivo e

    com o precioso tempo deles.

    Um agradecimento muito especial ao Bob Sheldom (vulgo Werner) pelos excelentes

    mapas que ajudam a explicar parte desse trabalho.

    Sociedade brasileira que, diretamente, contribuiu para a minha insero na

    universidade. O melhor do Brasil o brasileiro - Lus Cmara Cascudo

    Elaine Mesquita Lucas por tudo que ela fez para que esse trabalho ficasse pronto.

    Obrigado pela pacincia, carinho, amor, dedicao incondicional e conselhos. Esse

    trabalho dedicado a voc. Eu te amo.

  • 6

    RESUMO

    Braslia foi construda em um verdadeiro vazio. Essa afirmativa tpica de quem

    desconhece a histria da regio do Planalto Central, onde a Capital da Repblica foi

    construda em meados do sculo XX. Baixos ndices demogrficos no significam,

    necessariamente, um vazio demogrfico ou histrico. A reconstituio da histria dessa

    regio, em tempos que antecederam a implantao de Braslia, atesta isso. Realizar uma

    anlise a partir dessa reconstituio um dos objetivos desta pesquisa, que buscou

    relacionar o passado anterior construo Nova Capital e atual configurao territorial

    da regio do Distrito Federal e Entorno - RIDE. Acreditamos que conhecer os vrios

    momentos do processo de ocupao regional fundamental para entender que o

    surgimento de Braslia apenas uma etapa do processo ocorrido no Planalto Central,

    iniciado com a prtica da minerao do ouro no sculo XVIII. Esse foi o perodo de

    surgimento das localidades de Meia Ponte, Santa Luzia e o Arraial de Couros. Essas

    localidades foram os ncleos primitivos dos municpios de Pirenpolis, Luzinia e

    Formosa, respectivamente, e deram origem a outros municpios do estado de Gois, dos

    quais, alguns, compem a atual RIDE. Essas trs localidades passaram por todas as

    etapas de ocupao do territrio regional e tiveram grande importncia na formao da

    regio.

  • 7

    ABSTRACT

    Brasilia was constructed in a true emptiness. This affirmation is typical of who is

    unaware of the history of the region of Central Plateaus, where the Capital of the

    Republic was constructed in middle of century XX. Low demographic indices do not

    mean, necessarily, a demographic or historical emptiness. The reconstitution of the

    history of this region, in times that had preceded the implantation of Brasilia, surely

    show this. To carry through an analysis from this reconstitution is one of the objectives

    of this research, that it searched to relate the previous past to the Capital New

    construction and the current territorial configuration of the region of the District Federal

    and Entorno - RIDE. We believe that to know better the moments of the process of

    regional occupation it is basic to understand that the sprouting of Brasilia is only one

    stage of the process occurred in Central Plateaus, initiated with the practical one of the

    gold mining in century XVIII. This was the period of sprouting of the localities of Meia

    Ponte, Saint Luzia and the Arraial de Couros. These places had been the primitive

    nuclei of the cities of Pirenpolis, Luzinia and Formosa, respectively, and had brought

    to spring to other cities of the state of Gois, in which, some, they compose the current

    one RIDE. These three places had passed for all the stages of occupation of the regional

    territory and had great importance in the formation of the region.

  • 8

    SUMRIO

    INTRODUO

    13

    1 - REFERENCIAL TERICO E CONCEITUAL 23

    1.1 - O espao social e total os sistemas de objetos e aes 23

    1.2 - O territrio usado e a diviso territorial do trabalho 30

    1.3 - A Regio e suas funes

    39

    2 - A FORMAO E A OCUPAO DA REGIO DO PLANALTO CENTRAL 45

    2.1 - Contexto histrico 45

    2.2 - A minerao e a formao do Planalto Central 51

    2.3 - A constituio dos municpios-gnese da regio do Distrito Federal e Entorno

    55

    3 - A DISSOLUO DA REGIO MINERADORA, A AGROPECURIA DE

    SUBSISTNCIA E A INSERO NA ECONOMIA NACIONAL: 1800 - 1950

    64

    3.1 - A estagnao econmica em Gois (1800 1900) 64

    3.2 - O panorama em Pirenpolis, Luzinia e Formosa no sculo XIX 72

    3.3 - O incio da insero de Gois e suas regies na economia nacional: 1900 1950

    77

    4 - O SURGIMENTO DE BRASLIA: UM NOVO ELEMENTO NO PLANALTO

    CENTRAL

    81

    4.1 - Precedentes histricos da construo da nova capital 81

    4.2 - A Misso Cruls: um estudo de viabilidade para a Nova Capital 84

    4.3 - Meio sculo de especulaes e... Alguns estudos 87

    4.4 - A Comisso de Localizao da Nova Capital e o relatrio Belcher 89

    4.5 - Braslia e seus impactos

    92

  • 9

    5 - A PRESENTE CONFIGURAO TERRITORIAL 95

    5.1 - O contexto do surgimento da RIDE 95

    5.2 - A reocupao intensiva da regio que abrigou a nova Capital do pas 101

    5.3 - O atual uso econmico empregado no territrio da regio 108

    5.4 - Uma regio pautada nos diferentes usos territoriais

    118

    6 - CONSIDERAES FINAIS

    122

    7 - REFERENCIAL BIBLIOGRFICO

    128

    ANEXOS 132

  • 10

    SUMRIO DE ILUSTRAES

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1. Localizao territorial do Planalto Central 22

    Figura 2. A rota da primeira expedio procura de Sabarabu, o lago dourado 52

    Figura 3. Capitania de Goyaz em 1750 58

    Figura 4. Entrada da cidade de Formosa em 1892 83

    Figura 5. A Comisso Cruls atravessando o rio Paranaba em 1892 85

    Figura 6. A Comisso Cruls em Pirenpolis 86

    Figura 7. Cidade de Luzinia em 1892 87

    Figura 8. Sobreposio do Retngulo Belcher, do Quadriltero Cruls e dos municpios

    pertencentes antiga regio Geoeconmica de Braslia

    92

    LISTA DE MAPAS

    Mapa 1. Municpios pertencentes Regio Integrada de Desenvolvimento do Distrito

    Federal e Entorno

    20

    Mapa 2. Localizao da RIDE no Planalto Central 21

    Mapa 3. Capitania de Goyaz em 1809 Diviso em Julgados 70

    Mapa 4. Sobreposio da RIDE na Capitania de Gois 71

    Mapa 5. Desdobramento do municpio-gnese - Pirenpolis 98

    Mapa 6. Desdobramento do municpio-gnese - Luzinia 99

    Mapa 7. Desdobramento do municpio-gnese Formosa

    100

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1. Produes dos julgados do Norte da capitania de Gois 1804 68

    Tabela 2. Produes dos julgados do Sul da capitania de Gois 1804 69

    Tabela 3. Evoluo da Populao Total RIDE (1950 2006) 102

  • 11

    Tabela 4. Taxa de Crescimento Populacional RIDE (1950 - 2006) (%) 103

    Tabela 5. Populao Urbana X Populao Rural RIDE (2000) 107

    Tabela 6. Produto Interno Bruto Municipal (2004) RIDE (%) 109

    Tabela 7. rea Plantada: Lavoura Temporria (Hectare) RIDE (1995- 2004) e a

    distncia entre os municpios

    112

    Tabela 8. rea Plantada: Lavoura Permanente (Hectare) RIDE (1995 2004) 113

    Tabela 9. Rebanho Efetivo (Nmero de Cabeas) RIDE (1995 - 2004) 114

    Tabela 10. Maquinrio Agropecurio Municpios da RIDE (1996) 115

    Tabela 11. Produo e Variao de Lavoura Temporria RIDE (1995 2004) 133

  • 12

    De tudo, ficaram trs coisas: A certeza de que estamos sempre comeando...

    A certeza de que precisamos continuar... A certeza de que seremos interrompidos antes de terminar...

    Portanto devemos:

    Fazer da interrupo um caminho novo... Da queda um passo de dana...

    Do medo, uma escada... Do sonho, uma ponte...

    Da procura, um encontro...

    A CERTEZA - FERNANDO PESSOA

  • 13

    INTRODUO

    Todos os anos, nos preparativos para o aniversrio da cidade de Braslia,

    dezenas de reportagens so feitas sobre a histria da Capital Federal. Os meios de

    comunicao mostram imagens antigas, vdeos da construo, documentrios sobre a

    poca e relatos dos pioneiros sobre a construo e desenvolvimento da cidade.

    Geralmente, essas reportagens expem o que era o canteiro de obras instalado no

    cerrado goiano, o contingente de pessoas que chegava aos locais das obras e como essas

    pessoas iam se instalando na cidade dos operrios, a atual cidade de Ncleo

    Bandeirante.

    Braslia foi inaugurada em 21 de abril de 1960. O seu realizador foi o ento

    Presidente da Repblica Juscelino Kubitschek de Oliveira. Porm, no se pode afirmar

    que essa concretizao seja fruto de uma idia originalmente advinda dos polticos e

    idealizadores de meados do sculo XX. A construo da Capital, por exemplo, foi uma

    continuao da poltica que tinha comeado no governo de Getlio Vargas, denominada

    de Marcha para o Oeste, que teve como principal caracterstica a expanso da

    fronteira agrcola. Braslia consolidou essa poltica, tornando-se smbolo da expanso de

    uma fronteira mais ampla: a econmica.

    aproximadamente meio sculo de histria da Nova Capital e muitas

    transformaes so verificadas no que tange economia, ao meio social, poltica, ao

    meio ambiente e cultura na regio onde Braslia foi implantada. Nesse perodo, a

    cidade cresceu consideravelmente em relao ao quantitativo populacional e ocupao

    do solo para fins urbanos. Entrementes, houve mudanas nos usos do territrio da

    regio, que inicialmente era utilizado para atividades rurais.

    O processo de urbanizao no Distrito Federal DF ocorreu de forma acelerada

    nas quatro dcadas de existncia e, na atualidade, difcil relacionar o termo Braslia

    somente ao seu ncleo central, o Plano Piloto, visto que o crescimento urbano dentro do

    DF fez com que outros ncleos surgissem. O que se constata que os limites fsicos

    entre as cidades, nas ltimas dcadas, vm desaparecendo, o que mostra como a Capital

    e suas localidades cresceram e formaram um grande conjunto urbano bastante

    segmentado em termos de desigualdades socioespaciais, uma de suas caractersticas

  • 14

    mais visveis. Crescimento urbano e desigualdades que no ficaram restritos s

    localidades do Distrito Federal.

    Esse processo de urbanizao ultrapassou os limites do Distrito Federal e chegou

    aos municpios vizinhos, principalmente ao estado de Gois. Alguns fatores explicam,

    por exemplo, essa expanso urbana para as localidades externas ao quadriltero do DF,

    como: os altos preos dos imveis no Distrito Federal, o controle rgido sobre o

    crescimento do Plano Piloto e a oferta de lotes baratos nos municpios dos arredores do

    Distrito Federal. Parte dos migrantes que chegavam s localidades de Braslia foram

    forosamente direcionados para essas localidades alm do quadriltero que abriga a

    Capital.

    Esses fatores contriburam para que se formasse uma nova regio nas

    adjacncias de Braslia, que para esta pesquisa, ser considerada como regio do

    Distrito Federal e Entorno, representada pelos municpios pertencentes Regio

    Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno RIDE. Essa regio foi

    ignorada durante muito tempo pelos administradores do DF e tambm pelos gestores do

    estado de Gois e Minas Gerais. Assim, Braslia e o seu Entorno apresentam, na

    atualidade, uma configurao territorial que pode parecer contraditria em aspectos

    sociais, espaciais e econmicos, pois a Capital do pas foi implantada nesse territrio,

    porm bastante coerente com o processo de urbanizao presenciado no Brasil ao

    longo dos sculos.

    O tempo de existncia de Braslia na regio aproximadamente cinco vezes

    menor do que o perodo de ocupao do Planalto Central, onde a cidade foi implantada.

    Entretanto, quando so feitas referncias histria de Braslia, pouco mencionado

    sobre a histria da regio que antecede a construo da cidade. Muitos argumentam que

    o Planalto Central era um verdadeiro vazio, ou seja, uma terra com poucas, ou sem

    pessoas e, conseqentemente, com poucas ou sem atividades econmicas e histria.

    Considerando-se os usos feitos do territrio, as funes assimiladas pelas suas

    localidades em cada ciclo econmico, e as transformaes sociais de cada perodo,

    podemos afirmar que o Planalto Central possui mais de 250 anos de histria. Alguns

    municpios dessa regio, fundados em razo da economia aurfera e atividades de

  • 15

    suporte minerao, fazem parte, na atualidade, da RIDE, como o caso de

    Pirenpolis, Luzinia e Formosa, que historicamente so os municpios-gnese dessa

    nova regio, surgida nas adjacncias de Braslia. A histria dessas localidades e do

    prprio Planalto Central pode ser dividida, em razo dos usos do territrio, em trs

    grandes perodos, representada por ciclos: o primeiro est relacionado ocupao inicial

    efetivada com a minerao, desde as expedies do incio do sculo XVIII at a

    decadncia do ciclo no final do mesmo sculo. O segundo perodo foi o da agropecuria

    de subsistncia desde o incio do sculo XIX at meados do posterior. O terceiro

    perodo, que comea no sculo XX, est relacionado ao surgimento de Braslia no

    Planalto Central.

    Braslia surge como uma etapa dentro desse processo histrico de ocupao e

    uso do territrio do Planalto Central. Entretanto, os meios de comunicao, os aparelhos

    do Estado, como as escolas pblicas e alguns pesquisadores tentam transmitir que a

    histria de ocupao de toda a regio comea com o surgimento de Braslia. provvel

    que isso ocorra pelo desconhecimento do passado de ocupao e uso do territrio dessa

    regio ou por acharem que essa histria pouco importante para as pessoas que nessa

    regio residem. Assim, esses verdadeiros formadores de opinio no consideram que a

    histria do Planalto Central tenha alguma influncia na formao social, espacial e

    econmica da regio na atualidade. Essa no , contudo, a nossa opinio.

    A partir dessas lacunas sobre a histria da regio onde foi implantada a Capital

    do pas, surgiu a questo que norteou toda essa pesquisa: at que ponto o processo

    histrico de formao do Planalto Central ajuda a explicar a atual configurao

    territorial da regio do Distrito Federal e Entorno?

    O Planalto Central coincide com o que os gelogos denominam de Faixa

    Braslia. Quanto sua dimenso uma enorme rea que ultrapassa os limites dos

    atuais territrios dos estados de Gois, Minas Gerais, Bahia, Tocantins e o Distrito

    Federal, como mostra a figura 1. Em toda sua extenso territorial possui rochas de

    diferentes composies, que apresentou e, ainda apresenta, grande potencial de

    minerao, principalmente para a extrao do ouro. Essa qualidade do Planalto Central

    diferenciou essa regio dos territrios adjacentes durante o sculo XVIII, possibilitando

    que ela surgisse como uma regio de minerao, ou seja, com uma funo especfica. O

  • 16

    Planalto Central recebeu essa denominao em razo de naturalistas e pesquisadores

    diferenciarem, no sculo XIX, essa parcela territorial do restante do planalto brasileiro.

    Assim, a regio geomorfolgica passou a ter carter eminentemente geogrfico a partir

    do uso estabelecido em seu territrio.

    Cronologicamente, e a partir dos usos no territrio em Gois no sculo XIX, h

    uma rediviso intra-regional nessa Capitania. Com o fim do ciclo do ouro deixou de

    existir a distino entre regies de minerao e outras regies. A base econmica passou

    a ser agropecuria e a antiga Capitania de Gois foi dividida em comarcas do Sul e do

    Norte, que se tornaram regies diferentes, fato que somente mudaria com a insero de

    Gois na economia nacional em meados do sculo XX.

    Com o surgimento de Goinia e Braslia, consolidou-se a expanso da fronteira

    econmica para o Brasil central, provocando um rearranjo regional em Gois, o que

    proporcionou o surgimento de novas regies, a transformao de algumas e a

    reunificao de outras. Assim, surge a regio do Distrito Federal e Entorno.

    Utilizaremos os municpios integrantes da RIDE para delimitar essa regio, como se

    percebe no mapa 1, na pgina 20. Toda a RIDE est localizada no territrio do Planalto

    Central, como mostra o mapa 2, na pgina 21.

    Nesse estudo, limitar-nos-emos a enfatizar os municpios da RIDE que so

    membros da unidade federativa de Gois. Isso por considerar que a influncia histrica

    na regio por municpios mineiros se deve, princiapalmente, ao municpio de Paracatu,

    porm, esse no pertence a RIDE. Um outro motivo para isso, e o mais importante,

    que os municpios de Gois estiveram sob uma mesma gide poltico-administrativa

    desde 1748, quando a Capitania de So Paulo se desmembrou e surgiu a Capitania de

    Goyaz.

    O estudo que nos propomos a realizar , portanto, a prpria geografia histrica

    da regio do Planalto Central, do Distrito Federal e do seu entorno. No so numerosos

    os trabalhos que tentam realizar esse elo entre o passado e o presente. Paulo Bertran foi

    um dos poucos que se interessou por esse tema. A escolha desse assunto parte do

    interesse particular em conhecer a origem dos usos desse territrio e contribuir para o

    alargamento das fontes de pesquisas geogrficas sobre a histria da regio. Alm da

  • 17

    importncia acadmica desse tema, relevante que a sociedade brasiliense e a

    populao dos municpios do Entorno, possam contar com informaes e conhecimento

    a respeito da histria da regio e localidades onde vivem. Esse tema tambm possui uma

    grande significncia para a compreenso do que representa o territrio do Entorno do

    Distrito Federal historicamente.

    Nesse contexto, essa pesquisa possui o objetivo geral de reconstituir as razes

    histricas da atual configurao territorial do Distrito Federal e Entorno a partir da

    insero dos seus municpios-gnese nos ciclos econmicos implantados na regio do

    Planalto Central. A partir do objetivo geral, os seguintes objetivos especficos so

    delineados:

    Desmistificar a alegao de que Braslia surgiu em um verdadeiro vazio, ou seja,

    em uma regio sem histria.

    Analisar a relao entre o aumento populacional decorrente do assentamento da

    Capital e a rediviso municipal no Entorno do Distrito Federal.

    Analisar os atuais usos empregados ao territrio da RIDE, correlacionando-os

    com a formao histrica e a sua presente configurao territorial.

    Contribuir para a discusso da validade da RIDE, como regio, por meio da

    incluso do fator formao histrica como critrio de julgamento para a

    composio da regio.

    Tendo em vista os objetivos colocados e a questo a que tentaremos responder

    no final da pesquisa, acreditamos na hiptese de que o processo histrico de formao

    do Planalto Central fundamental para compreender a atual configurao territorial do

    Distrito Federal e do Entorno.

    Para atingir os objetivos foram utilizados, basicamente, dois mtodos: a anlise

    bibliogrfica e a anlise estatstica. A anlise bibliogrfica subsidiou a elaborao de

    toda dissertao. Obras e textos especficos sobre o Planalto Central, a histria de

    Gois, Braslia e a sua insero na regio foram imprescindveis para a concretizao

    desse trabalho. Soma-se a isso a anlise de obras tericas responsveis pela

  • 18

    instrumentalizao conceitual que, por sua vez, subsidiaram a compreenso e o exame

    dos aspectos empricos em questo.

    A anlise estatstica foi pautada na apreciao de informaes e dados

    estatsticos. Em uma primeira etapa, essas informaes foram importantes elementos

    para a compreenso da correlao entre o aumento do nmero de municpios e o

    aumento populacional na regio. Dados estatsticos, quase sempre provenientes de

    pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica IBGE, tambm foram

    imprescindveis para a anlise do atual uso do territrio na RIDE, o que facilitou a

    compreenso desses usos e a relao entre o setor produtivo dos municpios integrantes

    da regio e a economia do Distrito Federal.

    A presente dissertao est estruturada em cinco captulos formando o corpo da

    pesquisa, alm de um captulo dedicado s consideraes finais. O primeiro deles o

    referencial terico e conceitual. Os principais conceitos discutidos na pesquisa so o de

    espao social, territrio e regio. Em cada uma dessas discusses, so apresentadas

    posies tericas de grandes mestres orientadas para a compreenso dos aspectos

    empricos em anlise. Esses conceitos se desdobram em outros, que tambm so

    importantes para a pesquisa, como o caso das definies de diviso territorial do

    trabalho e configuraes territoriais.

    O segundo captulo dedicado anlise e descrio do processo de formao e

    ocupao da regio do Planalto Central, que se inicia com a expanso martima

    realizada pelos pases ibricos e vai at a decadncia do ciclo da minerao. Enfocamos

    a geografia histrica dos municpios-gnese do Distrito Federal e Entorno no perodo da

    minerao, datado entre 1725 a 1800.

    O terceiro captulo trata da dissoluo da regio mineradora, do surgimento da

    alternativa econmica com a agropecuria de subsistncia e a insero de Gois na

    economia nacional. Essa parte representa o perodo que se inicia em 1800 e termina em

    1950, sendo dividido em duas partes: a estagnao econmica em Gois (1800 at

    1900), quando analisaremos o panorama nos municpios-gnese nesse perodo e o incio

    da insero de Gois e suas regies na economia nacional (1900 at 1950).

  • 19

    O surgimento de Braslia discutido no quarto captulo. Os precedentes

    histricos, as discusses sobre a mudana da Capital para o interior, as razes da

    mudana, os estudos de viabilidade e a importncia da implantao de Braslia para

    Gois e sub-regies so assuntos pertinentes a essa parte do trabalho.

    O captulo seguinte trata da atual configurao territorial do Distrito Federal e

    Entorno. Aborda-se o contexto de surgimento da RIDE, como uma regio politicamente

    deliberada, o processo de reocupao da regio e o atual uso econmico empregado no

    seu territrio.

    Como se faz notar, no podemos restringir este estudo apenas a uma nica

    regio, visto que h uma sobreposio espacial de trs regies, que existiram em

    diferentes perodos histricos no territrio da atual regio do Distrito Federal e Entorno

    em anlise, a saber: Planalto Central, norte e sul de Gois. Entretanto, o Planalto

    Central, regio me da RIDE e a prpria sero mais mencionadas e discutidas ao

    longo do trabalho. Nesta pesquisa, as regies sero tratadas como resultado do processo

    de diviso territorial do trabalho, cujo conceito discutido no captulo primeiro.

  • 20

  • 21

  • 22

    ..Figura 1: Localizao territorial do Planalto Central.

  • 23

    1 - REFERENCIAL TERICO E CONCEITUAL

    1.1 - O espao social e total os sistemas de objetos e aes

    A constituio de localidades e regies segue lgicas que no podem ser

    explicadas apenas por fatores inerentes elas. A construo do espao como um todo,

    ocorre de forma diferenciada em relao ao seu contedo. Isso porque as aes, os

    objetos e a prpria configurao das localidades ocorrem pela combinao de fatores

    endgenos e exgenos, que se transformam a cada perodo da histria, razo pela qual

    essa construo deve ser observada em sua totalidade e deve ser revista constantemente.

    Assim, um estudo que demanda a compreenso da situao atual da regio do Distrito

    Federal e Entorno somente possvel com o entendimento do processo que a formou.

    Eis porque no prudente pens-la como parte isolada, surgida do nada e formada

    somente por fatores internos. O processo de transformao de um territrio possui

    facetas que lhe so internas e outras que so desdobramentos de acontecimentos

    externos. Diante da complexidade desse quadro, faz se necessrio discutir brevemente

    os conceitos de espao, territrio, diviso territorial do trabalho, configurao territorial

    e regio para que tenhamos subsdios tericos para uma anlise dos aspectos empricos

    que permeiam esta pesquisa.

    Antes de passarmos definio do conceito de espao propriamente dita,

    tornam-se necessrios rpidos comentrios sobre o seu desenvolvimento como categoria

    de anlise na Geografia. O conceito de espao possui inmeras formas de construo e

    entendimentos, trabalhados historicamente de maneiras diferenciadas entre os ramos do

    conhecimento. Inclusive a Geografia, cincia que na atualidade utiliza o espao como

    objeto de estudo, demorou vrios decnios durante o sculo XX para chegar a um

    entendimento, mesmo que ele no seja universal, sobre sua definio.

    A Geografia e as outras cincias sociais relegaram o espao como objeto de

    estudo no final do sculo XIX e incio do XX. At a segunda metade do sculo passado,

    foram poucas as contribuies de gegrafos para uma melhor compreenso desse

    conceito. Mudanas nesse quadro comearam a ocorrer, sobretudo nas quatro ltimas

    dcadas do sculo XX, com as contribuies tericas principalmente de filsofos,

    socilogos e gegrafos, como o caso de Henri Lefebvre, Manuel Castells, David

  • 24

    Harvey, Edward Soja e Milton Santos. Discusses sobre o espao e sua representao

    material contriburam significativamente para os avanos acerca da sua concepo como

    objeto de estudo e sua importncia para as cincias sociais. Assim, o espao entrava,

    definitivamente, como objeto de anlise na teoria social crtica1 e passava a ser alvo de

    estudo de vrios ramos do conhecimento, mas principalmente da Geografia.

    Na cincia geogrfica, a acepo de espao construda principalmente pelas

    contribuies dos autores citados no pargrafo anterior, no se alastraram pela

    Geografia de forma homognea. Isso ocorreu porque o entendimento na Geografia sobre

    o espao como objeto de anlise, de acordo com Moraes2 e Corra3, foi variado ao

    longo do tempo e seguia as lgicas prprias de cada corrente geogrfica de pensamento.

    No nos interessa, neste trabalho, refazer o caminho trilhado por esses gegrafos.

    preciso deixar claro, no entanto, que o olhar sobre a construo do espao que nos

    interessa de cunho dialtico que, na Geografia brasileira, teve Milton Santos como

    maior expositor, doravante nossa principal referncia. Utilizaremos, tambm, o

    materialismo histrico como mtodo de construo do raciocnio para compreenso da

    realidade estudada.

    Crticas ao modo empirista de compreenso da realidade motivaram a

    reformulao do conceito e este passou a ser situado como categoria de anlise a partir

    de discusses que incluam o materialismo histrico4 e a dialtica no conceito de

    espao. No Brasil, as contribuies discusso do conceito e, portanto, prpria

    Geografia surgiram, principalmente, pela atuao de Milton Santos. Ele enfatizou a

    necessidade de uma cincia geogrfica nova, com objeto de anlise prprio e definido.

    A respeito, ele afirmou (2002a, p.141) que (...) Em realidade, para ter sucesso , antes

    de tudo, preciso partir do prprio objeto de nossa disciplina, o espao, tal como ele se

    apresenta, como um produto histrico, e no das disciplinas julgadas capazes de

    apresentar elementos para sua adequada interpretao. Entretanto, no era

    1 Conforme afirma Soja (1993). 2 Geografia: pequena histria crtica, por Antnio Carlos Robert Moraes. 3 Espao, um conceito-chave da geografia, p.15-47 in Geografia: Conceitos e temas por Roberto Lobato Corra. 4 Segundo Rohmann (2000, p.265) no materialismo histrico, tambm conhecido como materialismo dialtico, a conscincia humana conseqncia das condies materiais e que a histria progride segundo as leis da dialtica. Esse autor afirma que O materialismo dialtico uma inverso de sua ancestral, a teoria HEGELIANA do IDEALISMO dialtico. Tanto Marx quanto Hegel acreditavam que a histria avana dialeticamente, isto , por meio de conflitos na ordem predominante, que so resolvidos por intermdio de suas snteses e se transformam em uma nova ordem que, com o tempo, gera seus prprios conflitos internos e inevitvel resoluo, e assim por diante.

  • 25

    simplesmente o espao que interessava como categoria de anlise, ou seja, no era a

    natureza primeira, intocada ou virgem. Mas que tipo de espao interessa aos estudos de

    geografia?

    O espao que interessa para Geografia a natureza artificializada, ou seja,

    transformada pela sociedade para satisfazer as suas prprias necessidades. Esse o

    espao social ou geogrfico, sobre o qual Milton Santos (2002a, p. 150) dizia ser (...) a

    natureza modificada pelo homem atravs do seu trabalho. A concepo de uma natureza

    natural, onde o homem no existisse ou no fora o seu centro, cede lugar idia de uma

    construo permanente da natureza artificial ou social, sinnimo de espao humano.

    Tendo em vista a definio de Santos, e em uma primeira anlise, possvel conceber a

    regio do Planalto Central como parte desse processo de transformao que ocorre h

    mais de dois sculos. Com a chegada dos desbravadores de sertes e a efetiva ocupao

    dessas terras, essa parcela do espao comeou a se tornar mais artificial, pois foi se

    modificando para atender s necessidades que a prpria sociedade daquele perodo

    criava.

    O espao social, porm, no pode ser concebido como um mero resultado das

    aes da sociedade, pois no apenas um palco para as aes das pessoas. a partir do

    vis dialtico, que o considera produto e ao mesmo tempo produtor da realidade social,

    que o espao deve ser concebido, ou seja, o espao deve ser visto como resultado das

    aes da sociedade e, ao mesmo tempo, uma instncia social que produz a sociedade.

    Essa forma de entender o espao ajudou a tir-lo do senso comum. O economista Alain

    Lipietz (1988, p.15), para explicar as relaes entre capital e espao, analisou a

    importncia de uma conceituao precisa e a necessidade de superao da noo de

    espao, ou seja, superar o conhecimento incipiente e aprofund-lo como conhecimento

    cientfico. Dessa maneira, o autor afirmava que A noo de espao uma espcie de

    ferro-velho informe, de onde se vai tirar expresses que servem para dar uma

    aparncia rigorosa ao discurso sobre os outros aspectos do real.

    O espao geogrfico ou social aquele organizado pelo homem e que, nos

    dizeres de Corra (2001, p.28), (...) desempenha um papel na sociedade,

    condicionando-a, compartilhando do complexo processo de existncia e reproduo

    social. Santos (2002b, p.62) por sua vez, analisava-o como sistemas de objetos e de

  • 26

    aes e o observava como uma parte da estrutura social, subordinada e subordinante a

    outras instncias sociais, como discutiremos adiante.

    A estrutura espacial formada pelos seus elementos, objetos (naturais e

    artificiais) e pelas aes que ns realizamos. Soja (1993, p. 99) corrobora a posio de

    Santos ao afirmar que:

    A estrutura do espao organizado no uma estrutura separada, com suas leis autnomas de construo e transformao, nem tampouco simplesmente uma expresso da estrutura de classes que emerge das relaes sociais (...) de produo. Ela representa, ao contrrio, um componente dialeticamente definido das relaes de produo gerais, relaes estas que so simultaneamente sociais e espaciais.

    O espao social, produto e produtor da realidade social pode ser compreendido

    como uma instncia social, como j afirmava Santos em 1978. Logicamente,

    importante frisar que o espao est submetido s leis da totalidade, mas dotado de

    certa autonomia, como afirmava o autor (2002a, p.181). Para compreend-lo como

    objeto de estudo da Geografia, necessrio consider-lo uma camada da totalidade

    social e no um mero reflexo dos seus desdobramentos. A respeito do entendimento de

    totalidade, Santos (2002b, p.115) afirmou que (...) todas as coisas presentes no

    Universo formam uma unidade. Cada coisa nada mais que parte da unidade, do todo,

    mas a totalidade no uma simples soma das partes. As partes que formam a totalidade

    no bastam para explic-la. Essa unidade, comentada pelo autor, realiza movimentos

    constantes e interminveis que proporcionam transformaes nas suas partes. O autor

    (2005, p.45) acrescenta que A cada momento a totalidade existe como uma realidade

    concreta e est ao mesmo tempo em processo de transformao. A evoluo jamais

    termina. O fato acabado pura iluso. A partir dessas idias, entendemos a totalidade

    como um universo complexo que contm tudo, uma fora geral-momentnea, que se

    desfaz constantemente e por isso tambm fugaz. Esse movimento eterno e

    contraditrio, sendo modificado invariavelmente. Assim, devemos compreender, por

    exemplo, a regio do Planalto Central como uma parte ou frao da totalidade.

    Dessa maneira, entende-se que, quando ocorrem mudanas no todo social,

    acontecem transformaes nas suas partes, o que inclui as vrias escalas de organizao

    da sociedade. A regio do Planalto Central no foi excluda de tal processo, pois sofreu

  • 27

    historicamente as transformaes advindas dos movimentos da totalidade, ou seja, de

    escalas maiores que interferem em todo o mundo, no se excluindo as transformaes

    endgenas a cada regio. A formao de uma regio depende das aes, em um

    momento externas (Universais), e a sua combinao com a construo do espao por

    meio de aes internas s regies ou localidades (Particulares). A respeito desse

    assunto, Santos (2002b, p.124) afirmava que A totalidade como latncia dada pelas

    suas possibilidades reais mas histrica e geograficamente irrealizadas. Disponveis at

    ento, elas se tornam realizadas (historicizadas, geografizadas) atravs da ao. a ao

    que une o Universal e o Particular.

    O espao, ento, deve ser concebido tambm como uma instncia social,

    pertencente e respeitadora das leis da totalidade. Assim, o espao social total. Santos

    (1988, p.64) a respeito afirma que:

    O espao, como realidade, uno e total. por isso que a sociedade como um todo atribui, a cada um de seus movimentos, um valor diferente a cada frao do territrio, seja qual for a escala da observao, e que cada ponto de espao solidrio dos demais, em todos os momentos. A isso se chama a totalidade do espao.

    Porm, para uma melhor compreenso do todo, ou seja, da realidade,

    necessrio compreend-la e estud-la de forma fragmentada. O autor (1988, p.5) afirma

    que consider-lo assim uma regra de mtodo cuja prtica exige que se encontre,

    paralelamente, atravs da anlise, a possibilidade de dividi-lo em partes. Dessa

    maneira, o estudo de fraes do todo em escalas tornou-se importante para o

    entendimento do prprio todo. Escalas como a nacional, a regional ou a local

    demonstram peculiaridades prprias das partes, mas que no so desvinculadas da

    totalidade. As aes e os objetos constituintes de cada escala do espao ajudam a

    compreend-lo de uma forma total. Porm, cada escala absorve, de forma distinta, os

    movimentos da totalidade e o seu contedo. Santos (2002a, p.257) afirma que:

    Uma coisa, porm, certa. Como em cada sistema h uma combinao de variveis em escalas diferentes, mas tambm de idades diferentes, cada sistema transmite elementos cuja datao diferente. O prprio subespao receptor seletivo: nem todas as variveis modernas so acolhidas e as variveis acolhidas no pertencem todas mesma gerao.

  • 28

    Ser possvel conceber o espao social apenas fazendo aluso sociedade e

    natureza? Se o concebermos de forma especfica a resposta no. Logicamente, h a

    necessidade de incluir aspectos que permeiam essa relao. A sociedade, ao agir e se

    fixar em uma terra, cria um conjunto de aparatos visando a atender as suas prprias

    necessidades. Destarte, a sociedade, ao longo da histria, implantou e transformou

    objetos (naturais e artificiais) por meio de suas aes. Santos (2002b, p.63), a respeito

    do espao geogrfico e das aes e objetos, afirmou que O espao formado por um

    conjunto indissocivel, solidrio e tambm contraditrio, de sistemas de objetos e

    sistemas de aes, no considerados isoladamente, mas como o quadro nico no qual a

    histria se d. Assim, o espao geogrfico formado por sistemas de objetos e

    sistemas de aes, que se renovam constantemente, obtendo valor e funo

    diferenciados em cada perodo de tempo, ou seja, a cada movimento da totalidade. A

    regio que estudamos nessa pesquisa resultado de um processo, em que objetos foram

    constantemente inseridos por pessoas que possuam interesses em usar esse territrio. A

    partir desse entendimento possvel comear a refletir se essa regio era ou no um

    completo vazio antes da implantao de Braslia.

    A forma como cada objeto implantado no espao reflete a maneira como o

    sistema de aes estabelecido. Interna e externamente a uma regio, o sistema de

    aes coordena e acaba sendo ordenada pelos objetos materializados no espao, dando

    vida ao espao social. A disposio geogrfica dos objetos e a realizao das aes no

    ocorrem aleatoriamente. O resultado um conjunto de formas com contedo, ou seja,

    com significado, que se alteram com o passar do tempo. Existem lgicas espaciais,

    econmicas, sociais, entre outras, para a criao das formas-contedo e do prprio

    sistema de objetos e aes. Na regio do Planalto Central, os principais sistemas de

    aes implantados nessas terras correspondem aos ciclos econmicos que comearam

    com a minerao. Posteriormente, a pecuria extensiva e a agricultura de subsistncia

    foram as aes que coordenaram a criao de objetos no espao. A construo desses

    sistemas de objetos visava viabilizar todo o processo de produo e pode ser descrito,

    por exemplo, como um conjunto de obras de engenharias materializadas no espao

    social. A construo de outros sistemas se intensificou, na regio, a partir da construo

    de Braslia e, conseqentemente, houve uma modificao, enquanto forma e contedo

    dos sistemas consolidados anteriormente.

  • 29

    Os objetos acrescidos ao espao, que mudam as funes e os valores das partes e

    do todo segundo as necessidades das diferentes sociedades, demonstram as relaes

    entre espao e tempo. Contudo, mudanas na conjuntura econmica, social, cultural e

    espacial, representada principalmente pela insero de novas tcnicas, modificam a

    funo original de uma localidade ou de uma regio e tambm a sua configurao. A

    esse respeito, Santos (2002b, p.158) afirma que A cada momento muda o valor5 da

    totalidade (quantidade, qualidade, funcionalidade) isto , mudam os processos que

    asseguram a incidncia do acontecer, e muda a funo das coisas, isto , seu valor

    especfico. dessa maneira que compreendemos as transformaes ocorridas na regio

    do Planalto Central que, ao longo de sua histria, sustentou diferentes funes, como a

    mineradora e a agropecuria. Hoje, algumas localidades do Planalto Central tentam

    redefinir suas funes entre aspectos tradicionais e modernos. O uso do espao, de seus

    recursos e objetos realizado com maior ou menor intensidade em momentos distintos

    da histria, de acordo com as prprias palavras de Santos (2002b, p.165) A cada

    momento histrico, tais recursos so distribudos de diferentes maneiras e localmente

    combinados, o que acarreta uma diferenciao no interior do espao total e confere a

    cada regio ou lugar sua especificidade e definio particular.

    Algumas localidades do Planalto Central j possuam grande importncia

    econmica para a regio e para o Brasil durante o perodo colonial, visto que algumas

    das minas de ouro mais produtivas no sculo XVIII estavam em terras goianas. Porm,

    o ciclo do ouro foi efmero e outras potencialidades tiveram que ser desenvolvidas, sem

    surtir o mesmo efeito ou magnitude de outrora. A observao desses fatores nos

    mostram que precisar o momento histrico de incio e trmino de cada ciclo se faz

    necessrio para compreender a dinmica territorial de cada etapa e a insero de

    sistemas de objetos e aes prprios de cada poca.

    O processo de periodizao da construo do espao facilita a compreenso dos

    processos no tempo e ajuda na contextualizao dos acontecimentos. Os eventos que

    ocorrem a cada instante so diferenciados de outros eventos pela prpria conjuntura

    social, econmica e espacial. A periodizao evita tambm entendimentos anacrnicos

    sobre uma realidade em seu perodo de vigncia, pois os arranjos da sociedade variam

    5 Grifo do prprio autor.

  • 30

    segundo as transformaes que ela realiza em seu meio. A respeito da necessidade de

    periodizao para compreenso da constituio espacial, Santos e Silveira (2003, p.20)

    afirmaram que:

    (...) uma periodizao necessria, pois os usos so diferentes nos diversos momentos histricos. Cada periodizao se caracteriza por extenses diversas de formas de uso, marcadas por manifestaes particulares interligadas que evoluem juntas e obedecem a princpios gerais, como a histria particular e a histria global, o comportamento do Estado e da nao (ou naes) e, certamente, as feies regionais.

    O processo de transformao do espao, ao longo do tempo, o verdadeiro

    testemunho da histria de uma localidade e de uma regio. Esse processo no singular,

    ou seja, no engloba somente a economia, mas tambm os aspectos sociais, culturais e

    ambientais. As transformaes do espao geogrfico e o tempo histrico so

    complementares, indissociveis e ao mesmo tempo so contraditrios. So perceptveis

    atravs de vises diferentes, mas so siameses da mesma totalidade. Neste trabalho, a

    histria da regio do Distrito Federal e Entorno dividida em trs momentos

    diferenciados pelas funes atribudas ao territrio ao longo de trs sculos, desde o

    surgimento do Planalto Central, regio me da RIDE.

    1.2 - O territrio usado e a diviso territorial do trabalho

    Entender o territrio como um produto construdo historicamente elemento

    primordial para compreend-lo como categoria de anlise. Santos e Silveira (p.20) o

    definem assim: O territrio, visto como unidade e diversidade, uma questo central

    da histria humana e de cada pas e constitui o pano de fundo do estudo das suas

    diversas etapas e do momento atual. Neste trabalho, para compreender as

    transformaes ocorridas na regio estudada, analisaremos o seu processo de

    constituio atravs da histria, ou seja, analisaremos os resultados dos vrios usos

    atribudos regio do Planalto Central que culminaram na atual configurao da RIDE.

    Paratanto, h necessidade de se realizar algumas discusses acerca do territrio como

    conceito e como esse ser compreendido nesta pesquisa.

    Etimologicamente, o termo territorium possui razes latinas e desde os seus

    primeiros usos era relacionado ao aspecto de localizao. Os vrios ramos do

  • 31

    conhecimento utilizaram e utilizam o conceito de territrio a partir de suas prprias

    leituras. Segundo Penha (2005, p.8-9), o Direito, que influenciou as primeiras

    definies na Geografia, j utilizava, h trs sculos, esse termo relacionando-o posse

    da terra e jurisdio sobre ela. Por outro lado, nas cincias naturais, o conceito era

    concebido como rea de disseminao de flora e fauna.

    A herana, deixada pelos entendimentos jurdicos de posse e propriedade,

    subsidiaram a compreenso do territrio para os gegrafos do final do sculo XIX. Na

    Geografia, esse conceito ganhou notoriedade com os estudos de Ratzel sobre geografia

    e poltica, mas essa no foi sua nica fonte, posto que os ensinamentos das cincias

    naturais tambm foram importantes para um entendimento geogrfico do territrio para

    esse autor. Em seu conceito, ele conseguiu relacionar o termo posse e ao princpio da

    disseminao de um povo, ou seja, o espao vital de uma sociedade6. O autor entendia o

    territrio como (...) uma determinada poro da superfcie terrestre apropriada por um

    grupo humano. No final do sculo XIX, a noo era associada aos limites dos Estados

    nacionais e domin-lo era necessrio para a expanso do prprio Estado e do povo.

    Dessa maneira, para Ratzel, o territrio nacional alemo do final do sculo XIX no era

    suficiente para o seu povo e havia a necessidade, para os alemes, de um espao

    maior, com mais recursos naturais. A influncia dessa compreenso foi notvel entre

    os estadistas da Alemanha e depois ganhou destaque em outros pases. A Geografia e o

    territrio ganhavam, definitivamente, um carter poltico.

    Na atualidade, a forma mais comum de utilizao do termo territrio tambm

    orientada pelo vis poltico, principalmente relacionado ao termo poder, e por isso, na

    compreenso de alguns tericos, o territrio est atrelado ao termo Estado, ou

    delimitao espacial-poltica deste. A respeito dessa maneira de compreend-lo, Santos

    e Silveira (2003, p.19) afirmam que Num sentido mais restrito, o territrio um nome

    poltico para o espao de um pas. Em outras palavras, a existncia de um pas supe um

    territrio.

    Dentre os tericos que discutiram o assunto no ltimo sculo, destaca-se Claude

    Raffestin, para quem havia distines claras entre espao e territrio (1993, p.143):

    6 Apud Penha, p.12

  • 32

    essencial compreender bem que o espao anterior ao territrio. O territrio se forma a partir do espao, o resultado de uma ao conduzida por um ator sintagmtico (ator que realiza um programa) em qualquer nvel. Ao se apropriar de um espao, concreta ou abstratamente (por exemplo, pela representao), o ator territorializa o espao.

    A partir desse entendimento, o territrio apropriado base fsica em que agentes

    ou atores atuam segundo determinadas lgicas, ou seja, o territrio a delimitao de

    uma rea de atuao. Na viso de Raffestin, o elemento essencial na sua constituio e

    entendimento a relao de poder (p.143-144) O territrio, (...), um espao onde se

    projetou um trabalho, seja energia e informao, e que, por conseqncia, revela

    relaes marcadas pelo poder. Assim, para esse autor, as relaes de poder so o que

    diferencia espao e territrio, contudo, essa viso o denota como palco ou base para

    agentes e atores no suficiente para entend-lo como um todo. O territrio possui uma

    base, porm no a base ou a delimitao abstrata que deve ser alvo de estudos

    cientficos. Ele deve ser compreendido alm dessa delimitao.

    Na abordagem de Marcelo Lopes de Souza (2001, p.111), o territrio no seria

    apenas um palco para as relaes de poder, embora a sua conceituao seja parecida

    com a de Raffestin: Todo espao definido e delimitado por e a partir de relaes de

    poder um territrio. Porm, Souza no relaciona esse conceito apenas aos Estados

    Nacionais, e de forma mais ampla, o autor defende que as reas delimitadas por outros

    atores e agentes dentro do Estado tambm formam territrios, mesmo que de forma

    abstrata. O que se percebe na viso dos dois ltimos autores que o territrio possui um

    carter extremamente poltico. A partir dessa compreenso, surgiu, na dcada de 1990,

    um questionamento realizado por alguns gegrafos: o territrio, conceituado

    eminentemente como base das atuaes da sociedade, uma categoria de anlise das

    cincias sociais e, em particular, da Geografia? Para Milton Santos no.

    O territrio usado e no o territrio em si o objeto de anlise para as cincias

    sociais, de acordo com Santos. O autor e Silveira (2003, p.247) afirmam que:

    A partir desse ponto de vista, quando quisermos definir qualquer pedao do territrio, deveremos levar em conta a interdependncia e a inseparabilidade

  • 33

    entre a materialidade, que inclui a natureza, e o seu uso, que inclui a ao

    humana, isto o trabalho e a poltica7.

    Para Santos, o territrio uma forma; o territrio usado, por sua vez, so

    sistemas de objetos e aes, ou seja, sinnimo de espao social. Assim, quando se

    mostra a construo de uma localidade ou regio, desde quando esses eram partes do

    espao natural, analisa-se o uso e a construo do territrio pelos objetos e aes

    inseridos no espao pelos homens, como o caso da RIDE. A regio tem uma

    delimitao territorial, ou seja, uma base ou delimitao analisada nesta pesquisa, mas o

    que interessa o uso que lhe foi dado ao longo dos sculos pelos vrios agentes e atores

    formadores de um sistema complexo de relaes sociais.

    A definio de territrio utilizada por Milton Santos muito prxima do seu

    conceito de espao geogrfico, podendo ser considerados sinnimos pelo autor e

    Silveira. Alm disso, ao caracterizarem o territrio a partir do uso, os autores (p.21)

    afirmam que:

    O uso do territrio pode ser definido pela implantao de infra-estruturas, para as quais estamos igualmente utilizando a denominao sistemas de engenharia, mas tambm pelo dinamismo da economia e da sociedade. So os movimentos da populao, a distribuio da agricultura, da indstria e dos servios, o arcabouo normativo, includas a legislao civil, fiscal e financeira, que, juntamente com o alcance e a extenso da cidadania, configuram as funes do novo espao geogrfico.

    Desta maneira, para Santos, o territrio no deveria ser concebido apenas como

    espao apropriado pelas relaes de poder, isso o tornaria palco para as aes de atores

    dominadores do espao. O territrio usado engloba as relaes de poder, mas inclui

    outros aspectos, dentre os quais, a ao humana de uma forma mais ampla e a prpria

    dependncia entre ele e as pessoas. As aes so os prprios atos de construo do

    territrio. Contudo, os objetos e as aes dependem da esfera poltico-administrativa e

    tambm da econmica, cultural e outras. Os limites de ao e uso em cada esfera

    territorial, mesmo que no sejam coincidentes, so interdependentes. A soma de

    territrios e as suas inter-relaes formam o todo, ou seja, o espao total.

    7 Grifos nossos.

  • 34

    Os objetos e as aes, que fazem do territrio um verdadeiro conjunto de

    arranjos espaciais construdos ao longo do tempo, formam o que Santos e Silveira

    (p.248) denominavam de configuraes territoriais, ou seja, o conjunto dos sistemas

    naturais, herdados por uma determinada sociedade e dos sistemas de engenharia, isto ,

    objetos tcnicos e culturais historicamente estabelecidos. Sob um olhar mais

    abrangente, o fator que realmente impulsiona as configuraes territoriais so os modos

    de produo estabelecidos em locais e tempos diferentes, materializados pelas aes e

    os objetos que permeiam o uso do territrio e praticadas pela sociedade como um todo.

    A configurao territorial um momento efmero da totalidade, ou de uma parte dela.

    Nos dizeres de Santos (2002b, p.62) (...) a configurao territorial dada pelas obras

    dos homens (...) que cada vez mais o resultado de uma produo histrica e tende a

    uma negao da natureza natural, substituindo-a por uma natureza inteiramente

    humanizada.

    Nossa proposta de estudo abarca o processo de formao da regio do Distrito

    Federal e Entorno, ou seja, uma regio que j possuiu vrias configuraes territoriais e

    cada uma delas representava a sociedade de seu tempo. Esse processo retrata a forma de

    organizao da sociedade em diferentes momentos e deve ser visto como a organizao

    de atividades sobre o territrio. Assim, acreditamos que na atualidade, a RIDE possui

    uma configurao territorial resultante do seu processo histrico de formao.

    A organizao do territrio, que ocorre por vrios processos, no se configura de

    forma homognea no espao. So vrios os processos que implicam na construo e no

    uso do territrio, dentre os quais, um dos mais importantes a diviso do trabalho, aqui

    analisada sob o vis geogrfico. A diviso territorial do trabalho indica como uma

    sociedade se organiza territorialmente, portanto, essa organizao, que social,

    materializa-se no espao geogrfico.

    importante salientar que sob o vis espacial que compreendemos o processo

    da diviso do trabalho. A respeito, Smith (19, p.152) afirma que:

    A diviso do trabalho na sociedade a base histrica da diferenciao espacial de nveis e condies de desenvolvimento. A diviso espacial ou territorial do trabalho no um processo separado, mas est implcito no conceito de diviso do trabalho.

  • 35

    A diviso do trabalho a repartio social do trabalho em funes. Essas

    tambm so elementos de diferenciao de localidades e regies, que so historicamente

    assimiladas por cada escala de organizao da sociedade. As funes se refletem

    tambm nos contextos social, econmico e espacial, como reflexo disso, cada territrio

    usado possui uma funo especfica na sociedade, principalmente no mbito produtivo.

    As funes exercidas por cada parte do todo so um dos fatores responsveis pela

    organizao endgena da prpria sociedade e uma forma de particularizao, dentro da

    totalidade. A respeito, Santos (2005,p.68) afirmava que:

    Quando a sociedade redistribui suas funes, ela altera, paralelamente, o contedo de todos os lugares. So as funes, que pertencem sociedade como um todo e mediante as quais se exercitam os processos sociais, que asseguram a relao entre todos os lugares e a totalidade social.

    Assim, espacialmente, tambm ocorre a diviso de funes entre as localidades,

    as regies e entre os Estados Nacionais.

    As funes exercidas por cada parte do espao social geram especializaes que

    distinguem uma parte da outra. Esse um dos princpios da lei do desenvolvimento

    desigual, que comentaremos adiante. A cada perodo histrico, muda-se o modo de

    produo, as tcnicas relacionadas a esse modo e a prpria organizao da sociedade,

    transformam-se tambm as funes, o que permite um novo arranjo espacial, seja nos

    objetos, seja nas aes. Logicamente, resqucios de antigas funes continuam

    existentes em outros perodos, pois h sempre uma sobreposio de divises do

    trabalho.

    As mudanas que ocorrem a cada perodo no modificam somente fatores

    relacionados socioeconomia das localidades ou regies. Muda-se tambm a

    configurao do territrio, a hierarquia entre os locais e as funes que cada parte

    executa. A diviso territorial do trabalho um dos fatores primordiais para essas

    transformaes. Santos (2005, p.59) a respeito afirma que:

    A cada nova diviso do trabalho ou a cada um novo momento decisivo seu, a sociedade conhece um movimento importante, assinalado pela apario de um novo elenco de funes e, paralelamente, pela alterao qualitativa e quantitativa das antigas funes.

  • 36

    O movimento que provoca mudanas nas funes exercidas pelas localidades e

    regies transforma tambm a organizao do espao social. A assimilao dessas novas

    funes no significa uma ruptura total com as formas construdas pelas divises do

    trabalho anteriores. As formas continuam, porm, o contedo social delas se transforma.

    Novas formas tambm surgem, mas o tempo e as novas maneiras de organizao do

    espao transformaro o uso dessas formas. Santos (2005, p.60) dizia que:

    A cada movimento social, possibilitado pelo processo da diviso do trabalho, uma nova geografia se estabelece, seja pela criao de novas formas para atender a novas funes, seja pela alterao funcional das formas j existentes. Da a estreita relao entre diviso social do trabalho, responsvel pelos movimentos da sociedade, e a sua repartio espacial.

    Essa lgica de diviso em funes no ocorre apenas nas escalas local e

    regional. Muito pelo contrrio, os efeitos globais das transformaes advindas da

    diviso global do trabalho comeam a ser presenciados depois das grandes navegaes,

    ainda na idade moderna. Os Estados Nacionais tornaram-se, com o passar dos sculos,

    entidades interdependentes, pois as aes entre os pases comearam a determinar as

    vrias funes internas a eles, principalmente com a intensificao da globalizao. A

    esse processo deu-se o nome de diviso internacional do trabalho. Historicamente, os

    pases assimilaram funes que os diferenciaram uns dos outros. Essas funes foram

    desdobradas dentro do territrio usado pelos Estados.

    As regies e as localidades de um pas se adaptam diviso do trabalho, pois so

    orientadas internamente para isso. Entretanto, elas tambm sofrem conseqncias de

    fatores externos. assim que as diferentes parcelas de um territrio se adaptam ao

    mercado econmico mundializado. Um exemplo disso foi o processo de industrializao

    que ocorreu em alguns pases europeus nos sculos XVIII e XIX que se tornaram

    desenvolvidos posteriormente, com o auxlio, nesse processo, da diviso de funes que

    tais Estados assimilaram, ou seja, a sua posio na diviso internacional do trabalho. Ao

    contrrio, os pases que na poca eram dependentes, ou os recm-emancipados, no

    conseguiram se desvincular das caractersticas coloniais que possuam, ou seja, a de

    serem meros fornecedores de recursos naturais. Por outro lado, as naes que se

    industrializaram agregavam valor aos produtos naturais provindos de suas colnias, que

    eram verdadeiros anexos do territrio das metrpoles europias e tinham como funo

  • 37

    elementar atender s necessidades econmicas da metrpole. Desta maneira ocorreu

    com Portugal e sua colnia na Amrica, o Brasil. O litoral e o interior da colnia eram

    regies distintas no que toca explorao do territrio pelos lusitanos. Ciclos

    econmicos diferentes foram implantados nessas regies, devido s condies

    endgenas de cada uma e s exigncias do mercado global que se formava.

    Os ciclos econmicos adotados no Brasil colnia representaram os meandros da

    explorao metropolitana no territrio. A extrao de madeira, o cultivo da cana-de-

    acar e a minerao do ouro foram as formas encontradas por Portugal para explorar o

    territrio colonial brasileiro. Esses ciclos criaram uma diviso interna do trabalho,

    tornando determinadas partes do territrio especializadas em uma funo, o que

    proporcionou um desenvolvimento desigual das regies. O maior exemplo foi o pas ter

    sido explorado primeiramente na faixa litornea, sendo usado para o plantio da cana-de-

    acar. Na atualidade, como resultado dessas aes de ocupao territorial do passado, a

    disposio territorial da populao, do modo de produo, do capital ainda possuem

    certa concentrao na faixa litornea do pas, na qual h uma maior fluidez de

    informaes, produtos, capitais e pessoas. Entretanto, no sculo XX houve uma

    diminuio dessa diferena entre interior e litoral. Porm, no mesmo pas, ainda se vive,

    simultaneamente, tempos distintos.

    A explorao plena do Planalto Central resultado de um processo que tem

    incio no comeo do sculo XVIII, como veremos adiante. A diviso internacional do

    trabalho refletiu na diviso interna de funes e as cicatrizes de todo processo no espao

    geogrfico ainda so visveis no perodo atual, representadas principalmente pela

    desigualdade entre as regies do pas. A conjuntura econmica internacional, no

    passado e na atualidade, um combustvel para a configurao interna de um territrio

    nacional, em outros termos, a diviso internacional do trabalho o processo que tem

    como resultado uma diviso territorial (nacional) do trabalho (Santos, 2002b), isto ,

    uma diviso interna de funes. A respeito, o autor (2005, p.61) afirmou que:

    A diviso internacional do trabalho apenas nos d a maneira de ser do modo de produo dominante, apontando as formas geogrficas portadoras de uma inovao e, por isso mesmo, carregadas de uma intencionalidade nova. atravs da incidncia num pas da diviso internacional do trabalho e da

  • 38

    conseqente diviso interna do trabalho que as especificidades comeam a repontar.

    O desenvolvimento econmico e social de uma parte do pas recebe influncias

    das aes advindas de fatores externos, porm os fatores internos para tal

    desenvolvimento, ainda dependem, principalmente, da atuao dos Estados Nacionais.

    O arranjo espacial de uma regio ou localidade pode ser explicado pela prioridade dada

    quela parcela do territrio pelo Estado. Essa prioridade est relacionada s funes

    atribudas as parte, aos objetos inseridos, intensidade de investimentos, entre outros

    fatores que tornam um local elemento nico. Dessa maneira ocorreu com o norte e o sul

    de Gois nos sculos XIX e XX, visto que os investimentos econmicos e a infra-

    estrutura implantada ocorreram de forma desigual nessas regies.

    A diviso territorial do trabalho pode ser entendida como um processo

    delimitador de funes no espao social, e ainda como responsvel pela organizao e

    desenvolvimento das parcelas do espao total. Desta forma, algumas regies so

    favorecidas, outras so ofuscadas dentro de um sistema hierrquico de investimento

    territorial. Certas parcelas do territrio podem possuir a funo de fundo territorial, ou

    seja, uma poupana, para o futuro, como afirma Moraes (2002).

    No se pode falar em uso do territrio desvinculando-o das aes de gesto e

    poder, por exemplo, um espao que possui elementos naturais somente apresenta essas

    caractersticas devido atuao dos agentes pblicos e particulares detentores do poder

    no territrio. Um espao no utilizado, geralmente, um fundo territorial, ou seja, uma

    rea que poder ser utilizada em um momento posterior. Parte da regio Centro-Oeste e

    Norte poderia ser caracterizada, dessa maneira, at o processo de Marcha para o Oeste

    em meados do sculo XX, que promoveu transformaes intensas nas regies,

    principalmente no Centro-Oeste com a insero de novas cidades, como Goinia e

    Braslia e a conseqente integrao com o restante do pas e a expanso da fronteira

    agrcola para essa macro-regio.

    Caracteriza-se, assim, o uso do territrio pelas aes do Estado. Logicamente,

    empresas e empresrios transnacionais e nacionais, que possuem grande magnitude

    econmica, interferem na ocupao espacial pela capacidade de criar afluxos de

  • 39

    investimentos e, conseqentemente, de pessoas. Contudo, essa ao somente

    desencadeada com o consentimento de atores e agentes pblicos que representam o

    Estado, que ainda o principal agente de transformao espacial, e mesmo que, na

    atualidade, os motivos de uso do territrio no sejam os mesmos de outrora. A respeito,

    Santos (2002b, p.135) afirma que:

    (...) as diversas escalas do poder pblico tambm concorrem por uma organizao do territrio adaptada s prerrogativas de cada qual. As modalidades de exerccio da poltica do poder pblico e da poltica das empresas tm fundamento na diviso territorial do trabalho e buscam modific-la sua imagem.

    Na diviso territorial do trabalho, em que funes so atribudas s sociedades e

    materializadas no uso do territrio, ocorre a especificao das regies e localidades. As

    peculiaridades dos municpios e da regio como um todo so transformadas

    constantemente a partir da adaptao de inovaes tcnicas de um perodo, o que

    proporciona rupturas com o sistema anterior. Esses fatores exigem novos sistemas de

    objetos e de aes como forma de adequao ao novo. Braslia, como cidade, um dos

    maiores objetos tcnicos inseridos no Planalto Central e co-responsvel pela atual

    configurao do territrio regional.

    importante mencionar que a diviso territorial do trabalho no se traduz

    apenas em funes nas parcelas do territrio, mas tambm responsvel por organiz-

    lo, por essa razo a diviso do trabalho e as funes exercidas por cada elemento do

    espao social so importantes entendimentos tericos para a compreenso emprica da

    regio.

    1.3 - A Regio e suas funes

    De acordo com as palavras de Gomes (2001), a respeito do conceito de regio,

    importante ressaltar a existncia de uma noo no senso comum, geralmente atrelada ao

    entendimento de localizao e de extenso. Essa compreenso parte das diferenas

    existentes entre reas. No muito diferente ocorreu nos estudos geogrficos. A regio,

    para a Geografia, foi muito mais do que um mero conceito, chegou a ser o prprio

    objeto de estudo dessa cincia. Ao longo do tempo, em relao regio, mudou-se o

  • 40

    mtodo e o enfoque de anlise, porm, a caracterstica de ser um conceito relacionado

    diferenciao de reas no se perdeu por completo ao longo dos anos.

    Na Geografia, a regio foi trabalhada sob vrios ngulos e mtodos: desde a

    regio natural, enfatizada pelos gegrafos deterministas; a geogrfica dos possibilistas;

    as classes de rea da nova geografia; at o olhar crtico dos gegrafos do final do sculo

    passado. O conceito de regio chegou a ser conhecido como verdadeiro objeto de estudo

    da cincia geogrfica pelos possibilistas e, em outros momentos, tornou-se um mero

    conjunto de dados estatsticos para a geografia quantitativa, que preocupou-se com as

    especificidades matemticas de um conjunto de localidades. Depois, a regio passou a

    ser estudada sob o vis dialtico, com o fortalecimento dos argumentos crticos na

    geografia marxista, entre outras vertentes de estudo8.

    Para os adeptos da Geografia crtica, a regio um produto social totalmente

    relacionada com as leis que regem a sociedade. Assim, os gegrafos crticos explicam a

    regio orientados pelas concepes tericas de cunho marxistas, como o modo de

    produo capitalista e, em conseqncia, pela lei do desenvolvimento desigual e

    combinado, desenvolvida por Trotsky. Novack (1988, p.9) a respeito dessa lei, afirma

    que:

    A lei do desenvolvimento desigual e combinado uma lei cientfica da mais ampla aplicao no processo histrico. Tem um carter dual ou, melhor dizendo, uma fuso de suas duas leis intimamente relacionadas. O seu primeiro aspecto se refere s distintas propores no crescimento da vida social. O segundo, correlao concreta destes fatores desigualmente desenvolvidos no processo histrico.

    Parte-se, portanto, da compreenso de constructos como, desenvolvimento

    desigual e combinado, diviso territorial do trabalho e desenvolvimento dos meios

    tcnicos para se entender a regio, conforme afirma Corra (1987, p.44). Soma-se a

    isso a prpria ao do Estado no seu territrio. Contudo, importante salientar que

    outras formas de compreender o conceito de regio foram importantes para as

    respectivas escolas de pensamento da Geografia. No nos cabe, aqui, reforar as crticas

    8 As concepes de regio, como afirma Corra (1996, p.187), foram concebidas de trs maneiras diferentes aps 1970. Uma delas era vista como resultado dos processos capitalistas de produo. A segunda possui como foco a questo da identidade e do espao vivido e a terceira entendida a partir de aspectos polticos.

  • 41

    a cada escola de pensamento e o seu entendimento sobre regio. Todas elas tiveram o

    seu valor em cada perodo. Discutiremos, brevemente, esse conceito a partir dos

    ensinamentos obtidos com a geografia crtica do final do sculo XX.

    Segundo Corra (1987, p.42), o processo de regionalizao a prpria

    concretizao da lei do desenvolvimento desigual e combinado no espao geogrfico.

    Para esse autor, haveria dois aspectos que relacionam a lei e o conceito de regio. O

    primeiro pertinente ao vnculo entre a histria dos homens e a diferenciao de reas,

    ou seja, determinadas localidades, historicamente, se desenvolvem diferentemente de

    outros lugares, seja pela diviso social do trabalho, pelas tcnicas empregadas ou pela

    ao de grupos internos regio. A respeito Corra (1987, p.43) afirma que:

    As desigualdades que aparecem caracterizam-se pela combinao de aspectos distintos dos diversos momentos da histria do homem. Isto resulta no aparecimento de grupos tambm distintos ocupando especficas parcelas da superfcie da Terra, e a imprimindo suas prprias marcas, a paisagem, que nada mais que uma expresso de seus modos de vida.

    O segundo aspecto est relacionado aos elementos sociais de produo inerentes

    ao processo de regionalizao. Corra (p.44), a respeito, afirma que no modo de

    produo capitalista que o processo de regionalizao se acentua, marcado pela

    simultaneidade dos processos de diferenciao e integrao, verificada dentro da

    progressiva mundializao da economia a partir do sculo XV. Contudo, a lei do

    desenvolvimento desigual no explica isoladamente o processo de regionalizao. De

    acordo com Corra, outros aspectos, combinados lei, devem ser considerados, como a

    ao do Estado e a articulao dos meios de comunicao. Alguns autores destacam

    especificamente a diviso territorial do trabalho como o principal aspecto para a

    compreenso do processo de regionalizao, como o caso de Gomes (2001, p.65), que

    afirma (...) a diferenciao do espao se deve, antes de mais nada, diviso territorial

    do trabalho e ao processo de acumulao capitalista que produz e distingue

    espacialmente possuidores e despossudos. Portanto, as funes assimiladas pelas

    parcelas do territrio, a partir da diviso do trabalho, tendem a proporcionar o

    desenvolvimento desigual, que a base da diferenciao das partes no espao total.

    Quando h uma diferenciao de funes, ocorre uma assimilao diferenciada destas, o

  • 42

    que resulta tambm em tcnicas diferenciadas, conhecimentos e formas de aes

    prprias e partes diferenciadas, ou seja, regies. Novack (1988, p.9) afirma que:

    Os aspectos fundamentais da lei (do desenvolvimento desigual e combinado) podem ser brevemente exemplificados da seguinte maneira: O fator mais importante do progresso humano o domnio do homem sobre as foras de produo. Todo avano histrico se produz por um crescimento mais rpido ou mais lento das foras produtivas neste ou naquele segmento da sociedade, devido s diferenas nas condies naturais e nas conexes histricas.

    Assim, a regio tornou-se a sntese da dialtica entre uma parte da sociedade e a

    forma como ela se organiza espacialmente. A regio um resultado das leis que regem

    o meio econmico, social, cultural de um espao geogrfico, em um determinado

    perodo da histria, e no um territrio acabado. Muito pelo contrrio, a sua

    construo permanente, est em constante transformao, pois as sociedades esto em

    permanente mutao. Essas transformaes so resultados do prprio movimento da

    totalidade. Santos (2005, p.158) disse que Muda o mundo e, ao mesmo tempo, mudam

    os lugares. Para esse autor9 (...) as regies so subdivises do espao: do espao total,

    do espao nacional e mesmo do espao local; so espaos de convenincia, lugares

    funcionais do todo, um produto social. Santos (2005, p.43) ainda afirmou que A

    regio no tem existncia autnoma, ela no mais que uma abstrao se tomada

    separadamente do espao nacional considerada como um todo. A regio torna-se um

    fragmento do todo, mas completamente interdependente da totalidade, o que Corra

    (1996) chama de fragmentao articulada.

    A regio, antigamente, era caracterizada pela homogeneidade interna de seu

    territrio, em relao a reas do exterior. Contrariando essa noo, Santos (1997, p.46)

    afirma em relao regio que Esta no garante a homogeneidade, mas, ao contrrio,

    instiga diferenas, refora-as e at mesmo depende delas. A importncia dos estudos

    regionais ultrapassa a delimitao homogeneizada do espao social e deve-se incluir

    outros aspectos de grande relevncia, como a forma de organizao da sociedade e

    como ela se insere no modo de produo. Assim, Santos (1997, p.47) afirma que (...) o

    estudo regional assume papel importante nos dias atuais, com a finalidade de

    compreender as diferentes maneiras de um mesmo modo de produo se reproduzir em

    9 Apud Balbim (1996, p.165).

  • 43

    distintas regies do Globo, dadas suas especificidades. Da a importncia de se

    compreender a RIDE desde a gnese de suas localidades, pois, a partir dessa anlise,

    tornam-se mais claras as transformaes ocorridas na prpria regio e nos seus

    arredores. Em relao as essas transformaes regionais, o agente mais atuante o

    Estado.

    A observao da atuao do Estado sobre a regio levou Corra (1987, p.47) a

    afirmar que O conceito de regio tem sido largamente empregado para fins de ao e

    controle, isso porque os Estados Nacionais procuravam, ao diferenciar reas, realizar

    as prticas de domnio de forma diferenciada no territrio nacional. As regies,

    concebidas dessa maneira, adquirem um carter poltico-administrativo, como reas de

    ao com determinados fins. Para Gomes (2001, p.72), uma regionalizao h sempre

    uma proposio poltica, vista sob um ngulo territorial. Ainda para esse autor (p.73):

    (...) se a regio um conceito que funda uma reflexo poltica de base territorial, se ela coloca em jogo comunidades de interesse identificadas a uma certa rea e, finalmente, se ela sempre uma discusso entre os limites da autonomia face a um poder central, parece que estes elementos devem fazer parte desta nova definio em lugar de assumirmos de imediato uma solidariedade total com o senso comum que, neste caso da regio, pode obscurecer um dado essencial: o fundamento poltico, de controle e gesto do territrio.

    O territrio da atual regio do Distrito Federal e Entorno comportou outras

    divises territoriais do trabalho no passado, exercendo funes deliberadas pelos

    agentes do Estado. Assim, este agiu de forma direta na sua formao, comeando pelo

    perodo da minerao, com a criao de localidades e caminhos que cruzavam o

    territrio, principalmente para organizar a arrecadao de impostos. No sculo passado,

    edificou-se a Capital do pas na regio, modificando a histria das localidades antes

    existentes. Iniciava-se mais uma transformao da regio, que agrega localidades

    existentes h pelo menos 200 anos antes da construo de Braslia. Portanto, podemos

    afirmar que o Entorno do DF um dos fragmentos da regio do Planalto Central, cuja

    ocupao comea com a minerao e posteriormente com os usos diferenciados nas

    regies sul e norte de Gois.

  • 44

    Em sntese, a regio deve ser entendida nesta pesquisa (...) como um resultado

    da lei do desenvolvimento desigual e combinado, caracterizada pela insero na Diviso

    nacional e internacional do trabalho e pela associao de relaes de produo distintas

    como afirma Corra (1987, p.45). O processo de produo, assimilao e implantao

    de tcnicas tambm diferenciado no espao social como um todo e neste trabalho

    sero representadas pelos ciclos econmicos. A regio uma parte do espao total e por

    isso possui um territrio usado, com funes especificas. Entretanto, regio e territrio

    usado no so sinnimos. A regio uma pequena parcela do espao social e nos

    dizeres de Santos, uma subdiviso. O territrio usado, como j afirmamos, o prprio

    espao social.

    As funes, assimiladas com a diviso internacional e nacional do trabalho so

    transformadas ao longo do tempo e isso muda o contedo da regio. Santos (1985, p.67)

    afirma que:

    A cada momento histrico, pois o que se convencionou a chamar de regio, isto , um subespao do espao nacional total, aparece como o melhor lugar para a realizao de certo nmero de atividades. Tais fatores locacionais, repetimos, so apenas parcialmente regionais ou locais.

    Nos dizeres de Corra (1996, p.191), o Brasil e sua poro central, (...)

    apresenta-se como um rico laboratrio para o estudo da criao, do desfazer e do refazer

    regies. Ser que essa lgica, do surgir, do desfazer e refazer se aplica ao Planalto

    Central? Tentaremos responder essa questo a partir da anlise histrica da formao e

    ocupao da regio.

  • 45

    2 - A FORMAO E A OCUPAO DA REGIO DO PLANALTO CENTRAL

    2.1 - Contexto histrico

    Antes de explanar sobre a formao e a ocupao da regio do Planalto Central,

    necessrio compreend-la a partir do contexto histrico em que se verifica a sua

    gnese. O incio da histria dessa regio no tem comeo apenas com o surgimento dos

    arraiais e das vilas coloniais. Esse deve englobar vrios outros aspectos relacionados

    prpria histria do Brasil e ocupao portuguesa no territrio brasileiro. Portanto, para

    entender o processo de formao da regio do Planalto Central necessrio

    compreender a histria de ocupao das terras brasileiras desde a expanso territorial

    europia, que ocorreu ainda no sculo XV10. Um dos pioneiros nesse processo foi o

    Estado portugus. Os usos dados s terras encontradas o fator primordial para o

    entendimento da ocupao do Planalto Central. Logo, no se pode desvincular o

    surgimento dessa regio da prpria histria de ocupao portuguesa no Brasil.

    A ocupao de terras brasileiras no se deu pelo acaso. O Estado de Portugal,

    como outros no continente europeu, buscava, no final da idade mdia, novas rotas

    comerciais. Porm, Portugal possua peculiaridades que facilitavam a sua busca por

    novos mercados, como o desenvolvimento de tcnicas de navegao, a posio

    geogrfica e, de acordo com Boris Fausto (2006, p.9), (...) Portugal se afirmava no

    conjunto da Europa como pas autnomo, com tendncia a voltar-se para fora. 11 Esses

    fatores, favorveis a Portugal, foram imprescindveis para que a Coroa descobrisse ilhas

    no Atlntico e territrios no litoral da frica Ocidental e comeasse a explor-los, seja

    pelo plantio de gneros agrcolas importantes no comrcio europeu, ou por meio da

    captura e comrcio de escravos, ou ainda pela procura por metais preciosos. Todas essas

    experincias foram verdadeiros ensaios para a ocupao do territrio brasileiro,

    10 Segundo Furtado (1998, p.5-6) a expanso territorial europia foi uma conseqncia da prpria expanso interna do comrcio. O autor afirma que O comrcio interno europeu, em intenso crescimento a partir do sculo XI, havia alcanado um elevado grau de desenvolvimento no sculo XV, quando as invases turcas comearam a criar dificuldades crescentes s linhas orientais de abastecimento de produtos de alta qualidade, inclusive manufaturas. Segundo o autor, a expanso tambm foi uma forma de contornar os obstculos otomanos no comrcio com o Oriente. 11 Cabe salientar a heterogeneidade social, poltica e econmica em cada Estado Nacional europeu, ou pr-Estados Nacionais, fatores que influenciaram, por exemplo, nas aes expansionistas de Portugal e Espanha, que j possuam Estados praticamente consolidados naquele perodo. A respeito, Moraes (2000, p.55) afirma que Portanto, para captar as motivaes e estmulos da expanso h que se compreender a diviso intra-europia do trabalho, e por meio dela a estruturao das sociedades e dos Estados em suas lutas (internas e externas) pela condio de centro do novo sistema mundial em formao.

  • 46

    achado em 150012 e posteriormente colonizado por Portugal. A respeito da formao

    de um territrio e da conquista de uma parcela do espao por uma sociedade, Moraes

    (2000, p.50) diz que:

    A formao de um territrio tem sempre em sua gnese um processo de expanso de uma sociedade. A formao territorial pode mesmo ser definida como o movimento de um grupo social que se expande no espao e, nesse ato, passa a controlar pores do planeta que so integradas ao seu territrio.

    O processo, bem definido pelo autor, a prpria expanso de um modo de vida,

    geralmente estranho aos que so encontrados nas terras ocupadas. H uma insero de

    costumes, de um modo de produo e, conseqentemente, de relaes sociais de

    trabalho por um Estado em um territrio que se torna seu anexo. Essa foi a relao entre

    Portugal e o seu achado territorial, o Brasil.

    A ocupao das terras brasileiras no se deu imediatamente aps a descoberta

    pelos portugueses. O primeiro uso do territrio baseou-se na extrao do pau-brasil,

    tendo no indgena a sua mo-de-obra, que foi empregada, durante o sculo XVI, de

    forma compulsria. O sistema de feitorias foi adotado no Brasil, continuando a poltica

    que a Coroa Portuguesa aplicou costa africana, segundo Fausto (2006). Neste

    continente, a relao portuguesa de explorao se dava, essencialmente, na faixa

    litornea. Algo similar era aplicado no Brasil, como afirma Moraes (2000, p.308). A

    ocupao portuguesa e o uso do territrio brasileiro se deram de forma incipiente,

    motivada talvez pelo desconhecimento das terras, ou pela no descoberta imediata de

    metais preciosos em quantidades satisfatrias para explorao. O autor (p.290) lista bem

    os motivos do aparente desinteresse portugus sobre as terras brasileiras:

    Na verdade, este novo territrio no oferecia atrativos imediatos visveis para o conquistador lusitano. No havia os estoques metlicos entesourados, como na Amrica hispnica, que estimulassem uma rpida ocupao. Tambm no havia os lucrativos produtos e a animada rede de comrcio encontrados no ndico. As populaes com que se defrontaram os portugueses independente da polmica acerca de sua densidade eram demasiado rudes em face mesmo dos reinos africanos com quem eles entabulavam relaes. A vida material existente era pobre, todo atrativo das novas terras repousando na exuberante natureza e na desconhecida hinterlndia.

    12 No entraremos aqui na discusso a respeito do descobrimento ou achamento das terras que viriam a ser o Brasil por Portugal ou por qualquer outro pas.

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    A ocupao somente passa a ser efetiva com a ameaa de outras naes

    europias no participantes do tratado de Tordesilhas, principalmente a Frana. Era

    comum, no incio do sculo XVI, a prtica de pirataria nas proximidades do litoral

    brasileiro por embarcaes francesas. s vezes, essa prtica era financiada pelo prprio

    Estado francs, o que transformava os piratas em corsrios. A partir das ameaas

    estrangeiras, o Estado portugus decide ocupar o territrio a que tinha direito13. A

    respeito, Fausto (p.18) afirma que consideraes polticas levaram a Coroa Portuguesa

    convico de que era necessrio colonizar a nova terra. Uma das medidas adotadas

    foi a criao de capitanias, ou seja, o Estado atribua particulares a posse de extensos

    pedaos de terra. Essa era uma forma de ocupar o territrio, o que diminua as chances

    de sua apropriao por naes invasoras e criava, paralelamente, aparelhos de

    administrao, entidades jurdicas e sociais no territrio. Assim, estava iniciando o

    processo de colonizao do Brasil.

    A forma de uso do territrio brasileiro que gerou l