Diversificação das economias rurais no Nordeste

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1 Ministério do Desenvolvimento Agrário Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural NEAD Projeto Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural Balanço da Ação Governamental no Brasil PCT IICA/NEAD Diversificação das economias rurais no Nordeste Ricardo Abramovay Departamento de Economia da FEA e Programa de Ciência Ambiental da USP [email protected] Relatório final São Paulo, Brasília, julho de 2002

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Relatório final para o Ministério do Desenvolvimento Agrário, Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural – NEAD, Projeto Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural, Balanço da Ação Governamental no Brasil PCT IICA/NEAD. São Paulo, Brasília, julho de 2002.

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Ministério do Desenvolvimento Agrário Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural �– NEAD

Projeto Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural Balanço da Ação Governamental no Brasil

PCT IICA/NEAD

Diversificação das economias rurais no Nordeste Ricardo Abramovay �– Departamento de Economia da FEA e Programa de

Ciência Ambiental da USP �– [email protected]

Relatório final

São Paulo, Brasília, julho de 2002

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Sumário

1. Apresentação: da negociação ao contrato

2. Caminhos da diversificação

2.1. O Oeste baiano: um sistema produtivo localizado

2.2. Baraúna: um enclave de modernização

2.3. A estrutura de senhorio das regiões canavieiras

3. Conclusões

Boxes

Box I �– A força das economias residenciais

Box II �– Arapiraca e Vale do Paraíba (AL): uma comparação

Tabelas

Tabela 1 - Diferentes resultados do crescimento agropecuário: uma comparação entre Barreiras e Baraúna

Tabela 2 - Área média de assentamentos e lotes em manchas de concentração de assentamentos �– estados selecionados

Tabela 3 - Contratos do PRONAF no Nordeste e no Brasil, por grupo, em 2000 e 2001.

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1. Apresentação: da negociação ao contrato Dois caminhos são propostos hoje à sociedade brasileira para a luta contra a pobreza, nas regiões rurais do Nordeste1. O primeiro consiste em expandir os setores produtivos capazes de rápida incorporação de mudanças técnicas. Agricultura irrigada, indústrias têxteis e de calçados e, em menor proporção, pólos de inovação (como o de Campina Grande, por exemplo) formam as bases de um crescimento capaz de aumentar a demanda por mão-de-obra e, por aí, o nível de salários e os padrões de vida das regiões onde se implantam. De certa forma, estas iniciativas econômicas sintetizam a visão que dominou quase exclusivamente a formulação explícita das estratégias de desenvolvimento das agências governamentais do Nordeste até muito recentemente: garantir infra-estruturas e recursos para empresários inovadores, eis uma rota aparentemente incontestável para o crescimento econômico e, conseqüentemente, para o próprio bem-estar social. Por esta concepção, existe um setor econômico tradicional e o processo de desenvolvimento consiste exatamente em sua substituição por um outro, de caráter moderno. Em que pese, entretanto, a importância das inovações técnicas em diferentes segmentos produtivos do Nordeste contemporâneo, seu raio de ação e seus efeitos sobre os ambientes sociais da região são, com muita freqüência, tímidos, localizados e, por vezes, destrutivos. Além disso, o grande trunfo da pujante expansão agrícola nos cerrados nordestinos é, até hoje, a terra barata, ou seja, a ignorância, por parte do sistema de preços, dos custos associados ao extermínio da biodiversidade, como bem mostra o capítulo sobre agricultura sustentável da Agenda 21 (2) brasileira. Daí resulta a contradição básica de um padrão de crescimento capaz de propiciar aumento de ocupação e renda, mas apoiado fundamentalmente �– não apenas, é claro - na discutível vantagem comparativa que representam terras e mão-de-obra sub-valorizadas.

O segundo caminho postula, por isso mesmo, que esta modernização será excessivamente lenta para promover crescimento de renda e ganho de iniciativa por parte dos indivíduos. Sua premissa básica pode ser assim formulada: é na mutação das próprias atividades tradicionais que se decide o destino do processo de desenvolvimento. Existem possibilidades de crescimento econômico, baseadas em mudanças técnicas ao alcance de famílias hoje vivendo em situação de muita pobreza, mas que podem aumentar, proporcionalmente, sua renda de forma significativa com base em investimentos relativamente modestos. O programa de construção de um milhão de cisternas (PATAC, 2001) exprime este caminho em que recursos públicos, voltados à satisfação de necessidades básicas, tornam-se fatores de geração de ocupação e renda e não apenas de sobrevivência. As melhorias técnicas voltadas, no semi-árido, à convivência com a seca �– como os sistemas que integram sisal e caprinocultura, sob orientação da Associação dos Pequenos Agricultores da Bahia (APAEB) - indicam também um caminho de crescimento econômico que associa combate à pobreza, aumento do produto e valorização dos recursos naturais (3). Aqui, as inovações sociais e organizacionais é que são as premissas para um

1 Agradeço as observações críticas de Cédina Araújo (extensionista de Barúna), Ghislaine Duque, professora da Universidade Federal da Paraíba (Campina Grande). Evidentemente, sou o único responsável pelas opiniões emitidas no trabalho e os erros nele existentes. 2 Bezerra e Veiga, 2000 3 O Centro de Pesquisa Agropecuária do Trópico Semi-Árido (CPATSA) da EMBRAPA desenvolve importantes trabalhos nesta direção.

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conjunto de mudanças técnicas e econômicas, capazes de alterar de maneira expressiva as condições de vida de milhões de pessoas (4).

Este segundo caminho supõe a continuidade das transferências de renda de que vive hoje parcela tão importante da população e dos municípios do Nordeste. Mas ele exige também modificação decisiva no formato institucional desta atribuição de fundos. O aproveitamento econômico dos recursos que o Governo Federal destina hoje às populações rurais vivendo em situação de pobreza no Nordeste está muito aquém de seu potencial. Fazer da transferência de renda a famílias e regiões pobres a base da formulação de projetos capazes de ampliar sua iniciativa e suas capacidades, eis o sentido estratégico geral deste segundo caminho de luta contra a pobreza.

O desenvolvimento rural brasileiro será necessariamente composto por estes dois caminhos de crescimento: não se trata de desprezar a importância econômica nem mesmo os efeitos sociais positivos que acompanham muitas vezes - mas não sempre, como será visto neste trabalho - a expansão agropecuária. Mas não se pode opor o dinamismo do crescimento agropecuário a uma suposta letargia inerente ao próprio conceito de transferência de renda, como o faz Gustavo Maia Gomes (2001), em seu tão importante livro recente. Os aportes de dinheiro público para os pobres, no Nordeste, dão origem ao que ele chama de �“economia sem produção�”, que é uma �“economia derivada�”. Não há como esperar, em sua opinião, que o comércio apoiado nesta transferência de renda tenha alcance significativo para o processo de desenvolvimento: �“afinal, até hoje, ninguém conseguiu demonstrar que barracas de feiras livres, bancas de jogo de bicho, padarias e farmácias podem vir a ser atividades líderes em um processo de desenvolvimento�” (Gomes, 2001:266).

A idéia central deste trabalho é que a chamada �“economia sem produção�” não é a conseqüência inevitável das transferências de renda, mas o resultado de um ambiente institucional que não favorece a formulação de projetos de desenvolvimento. Modernização acelerada, com altos custos sociais e ambientais ou políticas de transferência de renda de caráter puramente compensatório, esta polaridade não esgota as alternativas que tem pela frente a formulação de uma estratégia de desenvolvimento para as áreas rurais. O desenvolvimento rural brasileiro não pode ser concebido apenas como o efeito secundário do crescimento de algumas poucas áreas e setores especialmente dinâmicos, tanto mais que os custos sociais e ambientais deste crescimento nem sempre são computados no balanço de seus sucessos. As economias rurais possuem trunfos e potencialidades cuja revelação tem sido inibida até aqui por uma estrutura de incentivos que não estimula a formulação de projetos inovadores, que valorizem o conhecimento e a articulação entre os atores locais, como base principal para a geração de renda e afirmação da personalidade dos territórios. A dissociação entre trabalho e conhecimento �– traço constitutivo da formação brasileira �– faz com que os projetos que conseguem reunir coesão territorial (como o que será examinado logo abaixo, no Oeste da Bahia) não integrem como protagonistas ativos a grande maioria da população local, que lhes serve como mão-de-obra barata. E ali onde não existe o destaque de um setor empresarial dinâmico é ainda mais difícil a elaboração de projetos que 4 A idéia de que inovações sociais podem ser a base de um processo massivo �– ainda que não espetacular �– de mudanças técnicas encontra-se em inúmeros trabalhos de Ignacy Sachs, é um dos eixos de sua produção intelectual e está na raiz do próprio termo ecodesenvolvimento. Ver, por exemplo Baczko et al. (1977) e Sachs 2000.

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tenham ambição maior que a tão importante (mas insuficiente) missão de controlar a boa aplicação dos recursos públicos.

As recentes políticas públicas de desenvolvimento do Brasil rural são marcadas por uma ambigüidade básica cuja superação é certamente seu mais importante desafio: por um lado, elas se apóiam numa rica rede de conselhos gestores e organizações públicas que fazem da negociação permanente sua marca distintiva. Por outro lado, entretanto, estas negociações não propiciaram capacidades de formulação de projetos pelos quais os beneficiários possam ter um horizonte em que se vão tornando menos dependentes dos recursos que recebem, em virtude do reforço mesmo de suas iniciativas econômicas. O clientelismo, tão característico das políticas de frentes de trabalho e de construção de açudes em terras privadas, foi fortemente atenuado por novas formas de controle social. Estas, porém, não se converteram ainda em instrumentos de contratualização e de planejamento. Generalizou-se a negociação entre atores locais para decidir como aplicar fundos vindos do Governo, nos últimos anos. O desafio agora está em dar um passo além, em direção à formulação de contratos voltados não apenas a evitar desvios e corrupção, mas que exprimam a articulação dos três atores básicos das sociedades locais �– os representantes eleitos, o setor associativo e o setor privado �– em torno de um projeto voltado à valorização do território como instrumento de sua afirmação econômica e social.

O balanço das políticas públicas de desenvolvimento rural destaca a conquista representada pela profusão de conselhos gestores, pelo aumento impressionante da capacidade de negociação dos atores locais, pela importância da agricultura familiar e da reforma agrária na agenda nacional, mas, ao mesmo tempo, os limites de um quadro de negociações em que é pálida a presença da noção de contrato e tímida a formulação de objetivos em torno dos quais os atores sociais assumem responsabilidades e riscos. Em cada uma das políticas a serem aqui analisadas, a prática da negociação enfrenta os limites da ausência de contratos e o conseqüente imediatismo na própria alocação dos recursos atribuídos às diferentes linhas de ação do Governo. O potencial transformador dos �“programas multissetoriais�” �– uma das mais importantes mudanças organizacionais promovidas pelo atual Governo - foi assim comprometido pela ausência de compromissos contratuais em torno de objetivos estratégicos inovadores envolvendo os atores, as organizações, os representantes locais e as diversas instâncias da administração federal. A idéia de programa multissetorial ficou confinada ao Governo e não envolveu os mais importantes protagonistas das políticas: com isso, a própria base de pressão para que mudasse de fato a atuação segmentada da administração federal foi seriamente enfraquecida.

O território é a instância com vocação para ultrapassar o caráter fragmentado dos programas setoriais. Mas ele não é, nem de longe, uma realidade natural, dada de antemão e sim o resultado particular da capacidade de articulação de atores locais em torno de um projeto. Quanto mais precária for esta articulação, maior é a tendência à parcelização das políticas e sua obediência a uma lógica de repasse de recursos, a uma sistemática de �“pedidos de balcão�”, de �“lista de necessidades�” e não de projetos articulados em torno de objetivos contratuais. Por mais que o desenvolvimento rural suponha transferência de recursos, ele não pode consistir simplesmente na tentativa de compensar carências localizadas por meio da chegada de dinheiro federal. Não se trata de desmantelar a rede de proteção que hoje permite a sobrevivência de milhões de famílias, muito próximas à

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pobreza absoluta. O importante é combinar esta proteção com o estímulo à articulação entre os atores locais no sentido da criação de iniciativas econômicas capazes de associar a luta contra a pobreza à geração de ocupação e renda e à preservação e valorização da biodiversidade. Se é verdade que as políticas federais recebem crescente e salutar controle local, não é menos certo que as parcerias entre os setores público, privado e associativo em torno de um conjunto pactuado de objetivos comuns são muito raras no meio rural brasileiro, especialmente no Nordeste.

O maior desafio hoje não está tanto em ampliar os recursos destinados às áreas mais pobres do País, mas em redefinir o seu formato institucional e o sistema de incitações em que se apóia sua atribuição. Os conselhos gestores, que tão profundamente alteram a vida dos municípios brasileiros, não possuem responsabilidades executivas e não refletem as necessidades de governança próprias à formulação de pactos locais de desenvolvimento. Se a idéia de �“governo�” envolve uma forma de regulação pública baseada no princípio da autoridade, governança sugere formas organizativas apoiadas necessariamente em parcerias localizadas. Exatamente para que esta parceria fuja ao paroquialismo da vida local, que o papel do planejamento estratégico torna-se decisivo. Um dos mais importantes produtos deste planejamento é exatamente o aprendizado local de gestão dos recursos disponíveis.

Um dos maiores desafios à real interiorização do processo de desenvolvimento e ao aproveitamento dos recursos e potenciais localizados nas áreas não densamente povoadas do País é a criação de agências capazes de formular e executar contratos que reflitam a coesão dos atores locais �– a começar pelas empresas �– e sua capacidade em pactuar contratos com diferentes instâncias governamentais. Não se trata apenas de estimular a �“participação�”, de maneira genérica, por meio de reuniões em que se decide se recursos do Governo servirão para abrir um poço ou reparar uma estrada. Muito mais que isso, o desafio maior está em formular estratégias e projetos que descubram as vocações de uma determinada região e que ampliem, em função disso, o âmbito de atuação de suas empresas, sobretudo �– mas não só �– as de natureza familiar.

As transferências de renda às famílias, aos empreendimentos econômicos e aos municípios mais pobres decorrem da solidariedade inerente ao próprio conceito de federação. Não é só no Brasil que os lugares mais ricos destinam parte de sua renda às regiões mais pobres sob as mais diferentes formas. E longe da paralisia embutida na idéia de �“economia sem produção�”, transferências públicas de renda podem ser um elemento decisivo na ocupação dos indivíduos �– ainda que em setores distantes da ponta do desenvolvimento tecnológico (ver Box I).

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Box I A força da �“economia residencial�”

Nos países desenvolvidos, muitas economias regionais conseguem parte significativa de sua renda por meio de mecanismos não ligados diretamente a atividades produtivas. Na França, por exemplo, somente nas regiões da Île-de-France (onde se encontra Paris) e na Alsácia os salários pagos pelo setor privado são mais importantes que o pagamento feito pelo Estado às famílias (prestações sociais, aposentadorias, etc.), como mostra o trabalho recente de Davezies (2001:180). Em todas as outras regiões a presença das rendas públicas é absolutamente decisiva. Estas rendas públicas contribuíram para reduzir de maneira muito significativa as grandes disparidades regionais. Mais que isso, seu efeito multiplicador é surpreendentemente alto. A região metropolitana de Paris conhece o paradoxo de um excelente desempenho na criação de valor agregado e, ao mesmo tempo, baixos índices de crescimento do emprego pelo setor privado, comparados com os do interior do país. Os salários crescem, mas o próprio avanço da produtividade expulsa do mercado de trabalho a mão-de-obra menos qualificada. Assim, os salários ficam mais altos e o desemprego maior. Davezies estuda a variação do emprego do setor privado na França entre 1990 e 1996 a partir de duas categorias, que evocam as noções de bens tradables e não-tradables comuns aos economistas. As atividades básicas produzem bens e serviços vendidos fora de seus territórios, como os automóveis ou os produtos de informática. As atividades domésticas são as que produzem bens e serviços vendidos localmente (farmácia, padaria, serviços de reparação e reformas, restaurantes, etc.). Normalmente, o setor �“doméstico�” depende fundamentalmente da demanda local e é bem menos exposto à concorrência nacional e internacional que o setor �“básico�”. Davezies constata que o setor �“básico�” (onde se concentra o essencial do dinamismo econômico) teve uma redução de 5,2% em seu nível de emprego entre 1990 e 1996 (passa de 6,2 a 5,9 milhões de trabalhadores); no mesmo período, o setor �“doméstico�” vê sua ocupação ampliar-se em nada menos que 10,2% (de 6,1 a 6,8 milhões de pessoas). As transferências públicas de renda desempenharam aí um papel absolutamente crucial, pois estimularam o crescimento do setor �“doméstico�”, muito mais criador de empregos que o setor �“básico�”. As rendas que uma economia local recebe fora do âmbito imediato de seus processos produtivos (sob a forma de transferências públicas, mas também pelo incremento das residências secundárias, do turismo ou de outras modalidades de prestação de serviços) podem irrigar uma dinâmica talvez não espetacular sob o ângulo macroeconômico, mas suficiente para ampliar a ocupação. Inversamente, há regiões em que a magnitude do PIB encontra-se em franco contraste com condições sociais precárias, como é o caso de Chiapas, que ostenta um dos mais importantes PIB per capita do México, mas cujo valor agregado remunera agentes econômicos que não habitam na região. As grandes planícies cerealíferas francesas conhecem um fenômeno muito semelhante: 85% dos assalariados que trabalham na �“Plaine de France�” e que têm salários elevados, habitam fora da região. Davezies (2001:188) conclui seu importante estudo �– elaborado no âmbito de uma encomenda do Conselho de Análise Econômica do Primeiro Ministro da França, sobre a Organização do Território �– observando que a �“economia local é tanto ou mais uma economia residencial que uma economia produtiva. 10 a 15% da vida humana são consagrados à produção, o resto ao estudo, ao lazer, ao consumo, às atividades improdutivas, mas gerados de trocas mercantis. O mesmo ocorre com os territórios�”.

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Os dados da pesquisa de Galindo e Irmão (2000:180) mostram a melhoria na qualidade da habitação, do saneamento e o aumento nos bens de consumo �– e, portanto, a ampliação da demanda por mão-de-obra voltada ao oferecimento destes bens �– nas regiões brasileiras beneficiadas fortemente pela presença da aposentadoria rural. Mais importante: as aposentadorias associam-se a redução nítida da emigração em regiões conhecidas por seu forte êxodo rural. Os efeitos espontâneos destes processos de renda podem ser significativamente ampliados se o recebimento dos recursos estiver associado a um ambiente que valorize o conhecimento, as iniciativas e os potenciais das regiões.

Embora a noção de território envolva necessariamente formas não mercantis de coordenação entre atores locais, seus resultados não são necessariamente virtuosos: a capacidade de uma certa articulação em promover dinâmicas de desenvolvimento depende, evidentemente, de sua composição social. Numa sociedade tão fortemente marcada pela desigualdade e pela tradição arraigada de utilização extensiva do solo �– com a conseqüente apropriação privada da renda decorrente de sua valorização �– é freqüente que as mais significativas articulações territoriais estejam voltadas a formas produtivas incapazes de valorizar o trabalho e fundamentadas na destruição sistemática dos recursos naturais. Os efeitos multiplicadores do dinamismo agropecuário dos cerrados brasileiros, seu poder inegável em criar novas cidades, novos empregos e novas atividades não escamoteiam esta sua dupla e preocupante característica: sua base é a compra de terras a baixo custo e a utilização de mão-de-obra especialmente barata.

Os �“contratos territoriais de desenvolvimento�” �– propostos na primeira versão do Plano Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável �– terão formato e composição variável, por refletirem não só uma intenção e um conjunto de estímulos do Governo Federal, mas, antes de tudo, uma certa configuração de forças locais. Exatamente pelo fato de as instituições serem realidades sociais nem sempre formalizadas é que se pode dizer que cada território já possui hoje uma certa articulação de atores, uma organização dos poderes e dos lugares sociais de cada um. A política nacional de desenvolvimento rural propõe a transição para um conjunto de objetivos que nem sempre são aqueles em torno dos quais se articulam as forças dominantes de cada território. Mais que isso, ela sugere a incorporação de atores cuja expressão política é freqüentemente muito reduzida. É por isso, que a avaliação das políticas públicas não poderia apoiar-se simplesmente no estudo do que faz o Governo, mas leva em conta também realidades sociais variadas em diferentes territórios.

Este trabalho apóia-se em quatro relatórios de pesquisa, elaborados a pedido do NEAD/MDA, sobre dinâmicas locais de desenvolvimento. Barreiras, Santa Maria da Vitória e Bom Jesus da Lapa são as regiões analisadas no primeiro destes relatórios, sob responsabilidade de Amílcar Baiardi, da UFBA. Abraham Sicsù, da Fundação Joaquim Nabuco e da UFPE e Sônia Maria Gomes de Matos Medeiros, da Fundação de Desenvolvimento Municipal (FIDEM), de Pernambuco, encarregaram-se de estudar dois municípios da Zona da Mata Sul de Pernambuco, Ribeirão e Palmares. No Rio Grande do Norte, foram estudados um município pertencente ao conhecido pólo Açu-Mossoró (Baraúna) e um pequeno município próximo a Natal (Serrinha) por Aldenor Gomes da Silva, da UFRN. Cícero Péricles de Carvalho, da Universidade Federal de Alagoas relata processos de desenvolvimento rural na região fumageira de Arapiraca, em Alagoas, comparando-a com as áreas de concentração da cultura de cana-de-açúcar.

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É claro que estas situações específicas não poderiam bastar para um balanço das políticas de desenvolvimento rural. Da mesma forma, nem é preciso ressaltar que elas não possuem qualquer ambição de representatividade. Os estudos pretendem oferecer aspectos das dinâmicas locais de desenvolvimento, seu alcance, sua difusão e alguns de seus principais limites. Não estão informados por uma abordagem teórica comum, nem, muito menos, por técnicas estatísticas que lhes permitissem uma comparação quantitativa. Todos se inserem, porém, numa preocupação mais geral com o que a literatura econômica recente vem chamando de �“desenvolvimento local�” (Pecqueur, 2000; Ciciotti e Spaziante, 2000; Guigou e Parthenay, 2001) e insistem não só nos recursos materiais objetivos de cada região, mas, sobretudo, nas dinâmicas dos atores sociais, em suas relações não necessariamente mercantis e no papel desempenhado pelo setor associativo. Os territórios descritos nestes estudos são concebidos como �“entidades sócio-econômicas construídas�” (Pecqueur, 2000: 15) e refletem assim a própria história, os conflitos e as forças dos grupos sociais presentes em cada caso. Por mais específicas que sejam estas situações localizadas, elas formam uma espécie de antídoto contra as generalizações apressadas e abusivas que poderiam decorrer de análises puramente quantitativas em que a trajetória das organizações locais e os pontos de vista dos atores fossem afastados.

Este relatório não retoma, evidentemente, a descrição de cada um dos casos analisados, mas pretende deles extrair lições para a compreensão da diversidade dos processos de desenvolvimento rural do Brasil contemporâneo, seus trunfos, seus obstáculos e seus mais importantes desafios. Uma das câmaras técnicas de que se compõe o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável é exatamente a de diversificação das economias rurais: os casos estudados no âmbito deste trabalho permitem mostrar que não existe um caminho único para a diversificação e que os fatores que podem reforça-la são os mais diversos, nem todos, aliás, ao alcance das políticas públicas.

Exatamente para valorizar a contribuição resultante do trabalho de campo e, ao mesmo tempo, oferecer uma síntese capaz de atender ao objetivo do próprio balanço (emitir um juízo sobre as políticas de desenvolvimento rural apontando para o sentido geral do que deve ser a sua transformação daqui para diante), este relatório procura expor os traços gerais das situações estudadas e insiste na comparação entre elas e no que, cada uma, contribui para enriquecer a reflexão sobre a diversificação das economias e das sociedades rurais. Esta parte pretende oferecer alguns dos fundamentos para o item três, de natureza mais normativa e prepositiva. Ela apóia-se quase que exclusivamente na situação dos municípios visitados, mas traz, evidentemente, elementos que vão além deles e, em grande parte, além do próprio Nordeste e que são retomados na conclusão do texto. É importante salientar que a análise das regiões visitadas na parte dois não tem a ambição de resumir todos os elementos contidos nos relatórios, mas acentua os diferentes caminhos da diversificação e os principais bloqueios que a inibem. Qual a natureza das redes sociais que caracterizam o meio rural brasileiro? É claro que não existe resposta única a esta questão. A história, as comunidades locais, as diferenças sociais, as instituições intermediárias são os pontos analíticos fundamentais para a análise da dimensão territorial do desenvolvimento.

A parte dois, logo abaixo divide-se em três itens, cada um correspondente a uma das regiões estudadas na pesquisa.

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2. Caminhos da diversificação

2.1. O Oeste baiano: um sistema produtivo localizado O maior interesse do caso de Barreiras para a discussão sobre desenvolvimento rural é que obriga a colocar ao menos um grão de sal na oposição frontal entre a monotonia esperada da especialização agropecuária (5) e as virtudes da diversificação produtiva. Em Barreiras, a soja, em regime próximo à monocultura, formou a base histórica daquele que é talvez o mais importante e significativo processo de diversificação econômica no Nordeste brasileiro. A concentração inicial na soja deu lugar hoje a outras atividades. Em 2002 devem ser colhidas 85 mil toneladas de algodão em pluma, 25% a mais que no ano passado. A região caminha para ocupar o lugar que hoje pertence aos Estados de Mato Grosso e Goiás, no abastecimento das indústrias têxteis do Ceará, de Pernambuco e do Norte de Minas. A cafeicultura é totalmente irrigada e amplia-se também de maneira nítida, bem como a fruticultura. Em 1991, o valor da produção agrícola na microrregião de Barreiras ocupava a vigésima sexta posição nacional em termos do valor da produção agrícola, segundo os dados do IBGE, passando a ocupar a nona posição, em 1997, e a oitava, em 1998. A microrregião de Barreiras é uma das dez principais produtoras agropecuárias do País (IPEA/SUDENE, 2001). É o mais importante pólo de desenvolvimento regional implantado pelo Banco do Nordeste. E o ambiente geral nestes municípios em rápida expansão é de aumento incessante de novas atividades e não só na agricultura.

Mas antes de expor as informações sobre a diversificação econômica do Oeste baiano, é importante ter em mente que a região é especialmente procurada em virtude de seus recursos hídricos, do clima e dos baixos preços das terras, comparados com os do Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Trata-se, portanto, de um padrão de crescimento econômico em que o que oferecem o solo e o sub-solo (a água) desempenha um papel absolutamente crucial e onde a exploração de bens primários está na base da formação da própria riqueza. Aí se encontra �– juntamente com a baixa remuneração da mão-de-obra - o principal limite desta situação especialmente virtuosa, sob o ângulo da relação entre agricultura e diversificação produtiva.

O que os empresários buscam hoje, ao avançar sobre as áreas não ocupadas de cerrado, é antes de tudo a apropriação da renda que virá fatalmente da valorização de suas terras. Existe uma verdadeira febre de compra de terras em todas estas regiões. Fazendeiros goianos, mato-grossenses, paulistas e sulistas são hoje os principais pretendentes às novas instalações. Não conseguem comprar terras pelos mesmos preços em seus Estados: mesmo que as fazendas aí estejam ocupadas com pecuária de pouco rendimento, os preços são bem mais altos que os das novas fronteiras. Embora a EMBRAPA já disponha de tecnologias aptas a patrocinar a rotação que permitiria eliminar as pastagens pouco produtivas e

5 Sobre esta monotonia, ver Jacobs, 2000. Para um comentário a respeito da relação entre monotonia produtiva e diversificação com base no trabalho de Jacobs, ver Abramovay, 2001. E sobretudo, ver, além dos textos de Veiga (2002), o Plano para o Desenvolvimento Sustentável do Brasil Rural, especialmente no item a respeito da diversificação das economias rurais: �“Nas áreas mais favoráveis às grandes plantações especializadas quase não existe a mobilidade e a articulação social que engendram a criação das redes de pequenas e médias empresas�” (CNDRS, 2002:68).

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incentivar o plantio de grãos em áreas já ocupadas (Abramovay, 1999), a preferência vai em direção às terras baratas do cerrado de Tocantins, do Nordeste e da Amazônia. É evidente que uma estrutura tributária que penalizasse, de fato, a baixa produtividade das pastagens no Centro-Oeste poderia provocar a redução dos preços da terra e, portanto, reduzir o ritmo das novas ocupações nos cerrados (6). Na verdade, os fazendeiros do Centro-Oeste �– que se oporiam, certamente, a tal tipo de tributação �– formam parte significativa do contingente de empresários que se dirigem às novas fronteiras agrícolas nordestinas. Os baixos preços dos cerrados nordestinos são a mais clara expressão do contraste entre os custos privados e os custos sociais de sua ocupação. Expandir a produção agrícola com base na rotação entre lavoura e pecuária em terras já ocupadas exigiria mecanismos que inibissem a expectativa de valorização fundiária associada à destruição da biodiversidade dos cerrados e, ao mesmo tempo, que patrocinassem a redução nos preços das terras cujos rendimentos atuais estão hoje aquém de seu potencial.

A ocupação das fronteiras agrícolas brasileiras hoje não responde a qualquer preocupação relativa à preservação da biodiversidade e à valorização da atividade das populações capazes de beneficiar-se de sua exploração econômica. Mecanismos tributários voltados a reforçar a produção ali onde já existe ocupação e a garantir os ecossistemas ainda preservados, deveriam fazer parte de uma política de desenvolvimento das regiões rurais.

Não são apenas brasileiros os compradores de terras no Oeste da Bahia. A venda de um hectare de terra própria para plantio na principal região produtora dos EUA permite a compra de 40 hectares de terra bruta na região de Barreiras. Fazendeiros do Estado de Iowa formaram um fundo de investimentos voltados ao Brasil e existe um site na Internet especialmente dedicado a aquisições fundiárias no País. Trinta norte-americanos estão instalados no Oeste baiano com projetos agropecuário, segundo reportagem de Márcia de Chiara (2002).

Mas apesar do interesse evidente na valorização fundiária como forma de obtenção de riqueza, o processo de diversificação econômica tem força impressionante. As agroindústrias voltadas à avicultura e suinocultura também escolheram o Oeste baiano como um de seus locais privilegiados de investimentos. Emancipada de Barreiras no ano de 2000, Luís Eduardo Magalhães conhece um crescimento demográfico espetacular: o que era o distrito de Mimoso, onde havia, dez anos atrás, uma bomba de gasolina, chegou em 2001 a 21 mil habitantes e abriga hoje nada menos de 35 mil pessoas. Luís Eduardo Magalhães possui seis agências bancárias e um curso de agronegócios oferecido pela Universidade Federal da Bahia. O crescimento é ainda mais espetacular que o de Barreiras, onde a população ampliou-se de 42 mil a 93 mil habitantes entre 1980 e 1991 e volta a aumentar nada menos que 45% durante a última década, chegando a 132 mil habitantes em 2000.

Longe de conduzir à monotonia social característica das regiões de especialização em grãos do Oeste norte-americano, a expansão da soja �– e das culturas que a seguiram �– deu lugar a 6 A modernização cadastral baseada em informações geo-referenciadas pode fazer com que o sistema tributário tenha incidência sobre o uso potencial das terras, conforme sugere o 1o. PNDRS. Acoplar esta orientação fiscal com um trabalho de assistência técnica pode ser um caminho interessante para evitar a continuidade da abertura de novas áreas de fronteira agrícola.

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um tecido econômico cada vez mais complexo e diversificado. Régis Bonelli (2001:38) mostra que o crescimento de 1% do produto agropecuário conduz a uma expansão de 1,07% da renda não agropecuária em um conjunto de municípios selecionados pela pujança de seu crescimento agropecuário. Ele não apresenta este cálculo especificamente para Barreiras, mas é óbvio que a produção de soja (e posteriormente de algodão, café e diversos grãos) trouxe um conjunto variado e muito dinâmico de outras atividades. O Oeste baiano é hoje a área de maior produção agrícola do Nordeste, superando até a fruticultura dos perímetros irrigados do Vale do São Francisco. Em Luís Eduardo Magalhães encontra-se a maior revenda da América Latina de máquinas agrícolas da marca John Deere. Só em 2002 foram vendidas 120 plantadeiras, 120 tratores, 60 colheitadeiras de grãos e oito de algodão (Chiara, 2002).

É claro que para este crescimento contribuíram políticas estatais de implantação de infra-estruturas viárias, de irrigação, eletrificação e de pesquisa, um conjunto de bens públicos indispensáveis ao processo de modernização. As políticas do Estado favoreceram �– e continuam favorecendo, já que a construção dos terminais intermodais ligando ferrovias e hidrovias para a exportação de produtos primários são um convite à expansão de novas áreas �– um padrão de crescimento agropecuário totalmente avesso à valorização sustentável da biodiversidade. Mas é importante não esquecer dois fatores cruciais para que estas políticas resultassem no impressionante dinamismo que marca o Oeste baiano. Por um lado, a ética do trabalho que veio com os primeiros migrantes gaúchos para a região. Por outro, além disso, a forte organização dos produtores.

Antes que a EMBRAPA descobrisse o potencial produtivo da soja nestas regiões, o cerrado era apenas área de pastagem de baixíssimo rendimento, ocupada por populações tradicionais, em alguns meses do ano. As populações tradicionais desta área cultivavam os fundos de vale e complementavam a alimentação animal com as terras de cerrado, durante um período de quatro a seis meses do ano (Moraes, 2000). Como em tantos outros processos modernizantes (e como já ocorrera no Sul do País com os caboclos) os migrantes de origem européia respondem pela mudança nos padrões produtivos e, por aí, pela drástica transformação na própria paisagem social: as populações tradicionais que viviam da criação extensiva de gado e da agricultura de roçado �– muitas das quais portadoras de conhecimentos preciosos sobre a flora regional (Pires e Santos, 2000) �– são inteiramente eliminadas como protagonistas do crescimento agropecuário. Embora públicos, os bens e serviços propícios à modernização da agropecuária - e resultantes das políticas estatais - são apropriados, evidentemente, por atores sociais preparados a fazer deles um uso produtivo.

Mas dizer que a especialização produtiva numa cultura de exportação (a soja) explica o sucesso econômico dos municípios mais prósperos do Oeste baiano é contar apenas parte da história. É verdade que os territórios com parcelas significativas de cerrados foram os mais atraentes exatamente em virtude de seu potencial em grãos. Mas o dinamismo econômico da região nasce de uma associação virtuosa entre fatores variados que se reforçaram. O primeiro deles é que a fronteira agrícola do Oeste baiano tem por protagonistas centrais agricultores familiares vindos, a partir do final dos anos 1970, do Sul do País. O tipo de colonização que caracterizou o Alto Uruguai (RS), o Oeste de Santa Catarina, o Oeste e o Sudoeste do Paraná é o contrário do padrão historicamente dominante no Brasil, baseado na grande propriedade e no uso de mão-de-obra escrava ou

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pessimamente remunerada. Nas colônias do Sul, gestão e trabalho andaram sempre juntos e não é por acaso que nestes locais os indicadores de desenvolvimento são, de longe, melhores que no restante do País. A venda de 20 ou 30 hectares no Sul do País permitia adquirir extensões muitas vezes superiores a 800 hectares ao final dos anos 1970, no Oeste baiano. E era com a família que os agricultores transformavam a paisagem local e instalavam empreendimentos econômicos dinâmicos. Esta unidade entre inovação técnica e trabalho direto, familiar, é o fundamento de um novo ambiente institucional que se irradia por um conjunto variado de organizações.

Não há dúvida que estes agricultores beneficiaram-se dos baixos preços das terras e dos investimentos públicos que iriam permitir sua exploração e sua valorização. Mas, em Barreiras, o início desta ocupação não se baseou em incentivos fiscais a grandes grupos econômicos. Num município próximo, Santa Maria da Vitória, em que o poder público atraiu grandes grupos econômicos, com base fundamentalmente em vantagens fiscais, o malogro foi patente. Amílcar Baiardi (2002) descreve esta prática tão comum no Nordeste de se �“conceder incentivos fiscais a supostos empresários inovadores que na realidade eram aventureiros arredios ao risco, mas afeitos a práticas clientelistas. Tanto a SUDENE como o Banco do Nordeste são responsáveis pelas experiências mal sucedidas de implantação de projetos megalômanos com vários pivôs centrais e que não sobreviveram à progressiva retirada de incentivos descabidos. O caso emblemático de empresas que para o município se deslocaram para se beneficiar dos incentivos fiscais sem uma avaliação criteriosa da viabilidade técnica e econômica foi o da empresa de tecelagem Artex. A mesma implantou um mega projeto de produção de algodão que não sobreviveu à retirada dos incentivos�”.

O móvel destes empreendimentos residia fundamentalmente na captura de dinheiro público barato. Eles se apoiavam na implantação de estabelecimentos onde a gestão e o trabalho estavam inteiramente separados. O risco era ínfimo e as relações sociais criadas no local reproduziam o ambiente tradicional de dominação já existente. O resultado histórico deste tipo de iniciativa econômica é quase sempre uma sociedade local deprimida, onde os jovens não querem permanecer. Os próprios agentes públicos (governamentais ou não) responsáveis, em tese, pela animação do processo de desenvolvimento, restringem seu horizonte a projetos tímidos e transpiram, em seus depoimentos, a descrença com relação às chances de mudanças significativas e socialmente benéficas. São situações em que a junção e a coordenação dos atores econômicos em torno de um projeto torna-se quimera e onde a melhor estratégia de sobrevivência consiste em ir embora ou em manter o precário equilíbrio existente. O impacto destas práticas se exprime num tecido social quase anômico cujos atores dificilmente conseguem iniciativas conjuntas: a criação, por exemplo, de uma faculdade em Santa Maria da Vitória fracassou pela falta de capacidade de articulação com municípios vizinhos. As associações existentes são descritas como pouco representativas. Os técnicos da extensão entrevistados pela pesquisa relatam igualmente o fracasso da Agenda 21 local.

Em Barreiras não: a ocupação com base na agricultura familiar propiciou um ambiente social de valorização do trabalho que explica em grande parte seu contraste com áreas dotadas de condições semelhantes e cuja ocupação histórica deu-se com base na tentativa de apropriação de rendas públicas, por meio de favores fiscais.

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O que chama a atenção, no caso do Oeste baiano, e especialmente de Barreiras, é a rápida multiplicação de atividades. Estudo recente do IPEA e da SUDENE (2001) selecionou um conjunto de áreas do Nordeste chamadas de �“novos sertões�”: são microrregiões que se destacaram pelo crescimento, durante os anos 1990, dos depósitos bancários à vista, da produção agropecuária e dos rendimentos do trabalho assalariado registrado em carteira (excluídos daí os empregos públicos). Destas regiões dinâmicas, Barreiras é a única em que o trabalho assalariado formal, com carteira assinada, adquire uma proporção realmente significativa, tendo passado, de 6,7 mil empregos em 1995 a quase nove mil em 1998. Neste total, a agricultura tem importância bem menor que a do comércio e dos serviços, o que é um forte indicador da capacidade de diversificação das ocupações econômicas trazidas por esta expansão produtiva. E na agricultura, havia, em 1998, quase 2.000 empregos formais, índice que poucos municípios brasileiros poderiam exibir. Barreiras situava-se em 1998 entre os 13,6% de municípios brasileiros cuja arrecadação previdenciária superava os pagamentos. Na Bahia eram apenas 20 municípios nesta condição (França, 2000:213, tabela II).

O crescimento agroindustrial impulsiona a formação de pequenas e médias empresas. As 584 companhias registradas em Luís Eduardo Magalhães em outubro de 2001, passaram em junho a 750 (Chiara, 2002). Destas, 42% funcionam há menos de um ano e meio. Levantamento feito pela Secretaria do Planejamento da Bahia mostra que Barreiras ocupa o 6º lugar na quantidade de empresas por habitante no Estado.

Os agricultores familiares só puderam iniciar a ocupação dos cerrados pelo apoio recebido tanto da pesquisa pública (a EMBRAPA e a Empresa de Pesquisa Agropecuária da Bahia, EPABA) como de financiamentos bancários que, no início, faziam-se por iniciativa de um gerente do Banco do Brasil, que lhes emprestava à revelia da própria orientação de seus chefes, avessos ao risco da inovação. É claro que hoje, existem na região empresas com formas sociais muito variadas (atraídas por este ambiente dinâmico, mas também �– convém não esquecer, pelos baixos preços das terras) e não apenas unidades familiares de produção. A produção diversificou-se e a prosperidade não está mais apenas na soja, nem na agricultura. Mas a coesão social deste grupo de origem explica um traço excepcional do Oeste baiano: a organização associativa dos produtores, que resultou até numa agência não governamental de pesquisa agropecuária. Seguindo o exemplo do Mato Grosso, os fazendeiros do Oeste baiano - reunidos na Associação dos Agricultores e irrigantes do Oeste da Bahia, AIBA �– conseguiram que o Governo do Estado renunciasse a 50% do ICMS e, em contrapartida, comprometeram-se a dedicar 10% deste montante à pesquisa.

O entusiasmo que esta expansão desperta não pode escamotear três problemas difíceis. O primeiro refere-se ao uso dos recursos naturais e, antes de tudo, à água, já que existem 600 pivôs centrais que respondem por 60 mil hectares de terras irrigadas. A instalação hoje de pivôs centrais submete-se, ao que tudo indica, a um sério controle que passa pela Secretaria Estadual de Recursos Hídricos, pelo IBAMA e por organizações locais. Mais importante, entretanto, são as iniciativas tomadas no âmbito do Farol do Desenvolvimento do Banco do Nordeste do Brasil. Trata-se de um fórum que procura reunir os atores locais para formular um projeto de desenvolvimento. A concepção do Farol do Desenvolvimento faz dele um dos poucos exemplos hoje no Brasil em que os atores locais organizam sua ação econômica sob influência da formulação de um projeto estratégico integrado organicamente a um

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agente financiador. É claro que o sucesso e a própria composição social do Farol vai variar imensamente segundo os municípios em que atua. Em Barreiras, os próprios produtores percebem a ameaça que a expansão das áreas irrigadas representa à sustentabilidade da agricultura e elaboram duas iniciativas importantes. Em primeiro lugar, a formação de corredores destinados à preservação da biodiversidade dos cerrados e, antes de tudo, à retenção da água que escorre das áreas com lavouras para sorvedouros que permitirão reabastecer o lençol freático. Além disso, estuda-se a formação de um parque nacional voltado à exploração do potencial turístico da região. O enfrentamento destes problemas ambientais não resolve, porém, a questão - que não está ao alcance dos atores sociais do Oeste baiano, bem entendido - do sentido e dos custos da ocupação de novas áreas de cerrado no Nordeste.

O segundo problema enfrentado por este padrão de crescimento econômico encontra-se em seus efeitos sobre o mercado de trabalho. Ao lado dos nove mil empregos formais e de uma agricultura familiar muito próspera, existe um amplo conjunto de trabalhadores vivendo na informalidade, empregados apenas parte do ano e, em geral, com salários muito baixos. A pobreza e a violência na periferia das pequenas e médias cidades se traduz no apelido (Iraque) do bairro periférico de Luís Eduardo Magalhães: 90% de seus habitantes vêm do município de Irecê, no semi-árido da Bahia. É claro que a população atraída para viver nestas periferias e trabalhar, por dia, no algodão, no café e, em menor escala nos grãos, encontra aí condições melhores das que existiam em seus locais de origem. Mas o que mostra a experiência do Oeste baiano é que a prosperidade econômica num entorno miserável, mesmo que inicialmente apoiada no trabalho familiar, acaba reproduzindo uma estrutura social polarizada e excludente. Não se pode dizer que a agricultura irrigada do Oeste baiano é uma ilha de prosperidade num mar de miséria. Mas ela ainda não provou sua capacidade em promover formas de vida social que façam da grande maioria dos habitantes, mais do que mão-de-obra barata, os protagonistas do processo de desenvolvimento. Os 45 mil hectares que vão conquistando um lugar de destaque na oferta nacional de algodão são explorados por apenas 90 produtores. Não existem informações consolidadas sobre as condições de vida dos milhares de assalariados das atividades agroindustriais ligadas a estas culturas. Mas a própria intensidade do fluxo migratório �– bem como os depoimentos locais �– sugerem imensa distância social entre os protagonistas centrais da expansão econômica e a mão-de-obra barata por ela atraída. É chocante o contraste entre o dinamismo econômico (que, evidentemente, atrai mão-de-obra) e o ambiente de depreciação generalizada do trabalho. Em Bom Jesus da Lapa, diversos entrevistados relataram a desconfiança aberta entre empregadores e empregados que se traduz em grande quantidade de questões trabalhistas: em muitos municípios, os empresários preferem apelar a trabalhadores vindos de outros lugares, a correr o risco de um processo judicial. É impressionante a recorrência deste tipo de relato, no trabalho de campo. Longe de exprimir boa organização e capacidade reivindicativa dos trabalhadores, estes conflitos são dificuldades abertas para a elaboração de contratos locais em que as forças empresariais mais dinâmicas possam orientar sua ação econômica para a luta contra a pobreza. A evolução do emprego formal nos municípios dinâmicos da microrregião de Barreiras, no período 1995-1998, foi de 37%. Já o rendimento médio do emprego formal teve uma queda, no mesmo período, de 2% (SUDENE/IPEA, 2001, vol. III, p. 40).

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Daí decorre o terceiro problema central do dinamismo do Oeste baiano �– e, possivelmente, de outras áreas de expansão da fronteira agrícola no cerrado: existem organizações locais importantes, bem coordenadas entre si (e com os poderes públicos), portadoras de um projeto estratégico para o território, mas compostas socialmente apenas pelos beneficiários mais imediatos deste crescimento econômico. De todos os municípios visitados pela pesquisa, Barreiras foi o único em que o Farol do Desenvolvimento do BNB parecia representar, de fato, forças locais significativas. Mas sua composição social é muito restrita. Embora o pólo compreenda, em suas �“parcerias permanentes�”, �“associações de pequenos produtores rurais�”, uma Associação dos Caprinovinocultores e �“Igrejas�”, suas ações estão concentradas em projetos ligados à modernização agroindustrial da região. As exceções são o Crediamigo, o PRONAF e algumas ações voltadas para a melhoria da saúde da população. Nos municípios pertencentes ao �“pólo de desenvolvimento integrado�” �– articulação de atores animada pelo BNB �– o PRONAF tem alguma expressão em Correntina (446 contratos, em 2001, num universo de quase 3.000 agricultores familiares) e Santa Maria da Vitória (499 contratos, em 2001, num universo de 2.745 agricultores familiares). Nos outros municípios deste pólo, a presença do PRONAF é bem mais tímida. E o próprio perfil das ações do pólo e sua caracterização no documento do BNB indicam que ele está voltado fundamentalmente para o crescimento da agroindústria sem que se vejam ações capazes de reduzir as desigualdades por meio de iniciativas econômicas das populações mais pobres.

A experiência do Oeste baiano é importante para a formulação de uma política de desenvolvimento rural, pois reúne as dimensões mais promissoras do caminho que consiste em fazer do crescimento especializado a base da afirmação de um certo território. Trata-se de um �“sistema produtivo localizado�”, de uma rede de empresas que consegue agregar valor aos produtos, estimular inovações organizacionais e técnicas e articular um conjunto de atores privados, associativos e governamentais em torno de um projeto de ocupação da região. Neste sentido, é um caso emblemático e até exemplar.

Baseado, porém, na exploração de recursos naturais baratos (ou seja, em um conjunto de externalidades que faz com que os preços pagos pelos agentes privados sejam inferiores aos custos sociais de utilização dos bens) e mão-de-obra sub-valorizada, trata-se de um sistema que oferece, basicamente, produtos indiferenciados, commodities, o que por si só é um importante limite ao próprio processo de agregação de valor que o caracteriza. O principal desafio do Oeste baiano está na passagem das vantagens competitivas socialmente e ambientalmente precárias para aquelas fundamentadas na informação, na organização, na gestão e na coordenação dos atores. As condições para esta passagem são especialmente propícias, em virtude da presença de um vasto conjunto de atores capazes de prestar assessoria nesta direção, como o Banco do Nordeste, a Universidade e a própria extensão rural. Ao mesmo tempo, a disponibilidade abundante de mão-de-obra e a possibilidade de expansão das fazendas em direção a novas áreas de cerrado induzem à continuidade das atuais formas de exploração do solo e do sub-solo.

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Estes limites pautam o que poderá ser o objetivo de um pacto territorial de desenvolvimento numa região como o Oeste baiano: ampliar o conteúdo de conhecimento envolvido na agregação de valor hoje já existente, por meio de produtos que representem, cada vez mais capacidades regionais específicas e não só produtos genéricos. O adensamento urbano destas regiões pode ser uma oportunidade para que agricultores passem a se beneficiar deste processo de crescimento, pela oferta de produtos de qualidade. Para isso, é preciso que a extensão rural consagre parte importante de seus esforços para aqueles agricultores cujas condições objetivas não permitem a entrada nos mercados de commodities.

O crescimento econômico tende a atrair mão-de-obra de baixa qualificação e, portanto, a comprometer a coesão necessária a um pacto territorial de desenvolvimento. É um estímulo objetivo a que a região se afirme em virtude não de sua capacidade organizativa, mas dos fatores que formam uma competitividade perversa. Um pacto territorial de desenvolvimento tem a função básica de ampliar a base social do processo de crescimento econômico, voltando-se, especificamente, para o aumento dos conhecimentos, do nível educacional e dos recursos que permitirão ampliar a iniciativa dos que estão à margem da prosperidade que caracteriza esta região. Este horizonte estratégico �– que compreende todas as áreas de expansão dos cerrados, certamente a mais atraente fronteira do crescimento agropecuário brasileiro �– é que permitirá a formulação de um plano em que o uso sustentável dos recursos naturais, sacrificado, em grande parte, pela expansão atual, venha a ser a base fundamental do processo de desenvolvimento.

Neste sentido, por mais que o Farol do Desenvolvimento articule, no Oeste baiano um conjunto variado de atores públicos e privados, a ótica de seu trabalho é fundamentalmente setorial e não territorial. O Farol acaba se beneficiando de uma dinâmica social com a qual ele contribui muito mais na qualidade de financiador do que de agência de desenvolvimento.

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2.2. Baraúna: um enclave de modernização A modernização da agricultura do Nordeste é puxada por quatro fatores decisivos: os baixos preços das terras, a mão-de-obra barata, a oferta centralizada de recursos hídricos em regiões específicas e a presença de um conjunto de bens e serviços públicos (obras de irrigação e eletrificação, sobretudo) que, juntamente com freqüentes vantagens fiscais, atraem novos investidores (7). O processo de modernização repousa assim tanto sobre mudanças técnicas na organização produtiva e na iniciativa de empresários inovadores, como na farta disponibilidade de recursos naturais, bens públicos e trabalho sub-remunerado. A exploração destes fatores só se tornará propícia ao desenvolvimento rural quando eles se associarem a vantagens ligadas ao conhecimento, à gestão, à organização e a um conjunto de fatores imateriais �“que não se desenvolvem por oposição ao setor primário ou secundário, mas que desempenham um papel cada vez mais estratégico no desempenho destes dois setores, sobretudo por sua combinação�” (Guigou e Parthenay, 2001:19).

É claro que as culturas irrigadas exigem novos conhecimentos e padrões inéditos de organização e gestão produtivas. Mas até aqui �– com exceção talvez de algumas áreas mais antigas de culturas irrigadas �– o mundo do trabalho ficou quase inteiramente alheio a estas inovações. Existem casos exemplares de ascensão social no universo das culturas irrigadas, normalmente entre imigrantes (Cavalcanti, 1999:133). Na área de fruticultura do Vale do São Francisco, há também inovações organizacionais que levam, como bem mostra Salete Cavalcanti (1999:149), à formação profissional dos trabalhadores por parte dos próprios patrões. Mas o fato de os empresários colocarem o baixo custo da mão-de-obra e da terra como as grandes vantagens do Vale do São Francisco (e, segundo Salete Cavalcanti, eles mesmos fazem a comparação com a Califórnia), é um forte indicativo da verdadeira natureza deste processo de modernização. A situação é a mesma em quase toda a área do que o convênio IPEA/SUDENE chama de �“Novos Sertões�” e que envolve áreas dinâmicas recentes no semi-árido e nos cerrados: em todas as regiões onde existe aumento do emprego formal os rendimentos do trabalho têm crescimento nulo ou irrisório.

As condições especiais, que permitiram ao Oeste baiano contrabalançar esta natureza, em grande parte, predatória da exploração agropecuária especializada por um processo vigoroso de diversificação, nem de longe podem ser reproduzidas pela simples réplica das inovações técnicas trazidas com a irrigação. Um processo de inovação inscreve-se, sempre, numa lógica econômica e supõe, portanto, o estudo de seus fundamentos competitivos. Mas ele não pode ser compreendido sem a análise sociológica dos protagonistas que o levam adiante (Alter e Poix, 2002:7). A inovação é sempre um processo coletivo que repousa sobre diversas formas de mobilização dos atores. Mas sua repercussão sobre o organismo social pode ser muito variada. Neste sentido, é interessante uma comparação entre aspectos básicos da situação econômica e social de Barreiras e de Baraúna.

7 O avanço da indústria têxtil e de calçados no Nordeste também é puxado muito mais por vantagens fiscais e mão-de-obra barata do que por um ambiente de valorização do conhecimento e de troca de experiências entre empresas: �“Essas indústrias que têm no acabamento seu gargalo de produção �– principalmente a costura e a montagem de calçados �– requerem uma mão-de-obra pouco qualificada ou mesmo escolarizada�” (Lima, 2001:409).

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A comparação é um recurso heurístico, nas ciências sociais para destacar especificidades. Ela se apóia numa descrição estilizada de certas situações. É arbitrária pela escolha dos casos e forçosamente parcial pela seleção dos aspectos a serem comparados. O interesse aqui não é emitir um julgamento sobre cada um destes casos �– embora a comparação conduza até a um possível exagero na maneira de caracteriza-los. Os casos são tomados aqui para mostrar que o mesmo ponto de partida (modernização com base em culturas irrigadas, aproveitando recursos naturais abundantes, vantagens fiscais, terra e mão-de-obra baratas) pode produzir efeitos muito diferentes no processo de desenvolvimento. Ao que tudo indica, é na maneira como se organizam os atores sociais que se encontram os fatores explicativos mais convincentes das diferenças entre as duas situações.

Baraúna (19 mil habitantes em 2000) é quase sete vezes menor que Barreiras. A única avenida que cruza a sede municipal é uma continuação da rodovia que vem de Mossoró (RN) com destino a Russas/Jaguaruana no Ceará. O aspecto não permite em nada suspeitar que, apenas dois quilômetros da estrada, se encontram unidades produtivas responsáveis pela maior parte da exportação brasileira de melão. Um único restaurante e alguns pequenos estabelecimentos comerciais fazem duvidar que o município pertence a um dos pólos mais dinâmicos da agricultura nacional. O crescimento demográfico foi notável, durante os anos 1990, maior que os dos municípios vizinhos. A intensa atividade de construção de residências muito precárias não deixa de ser uma expressão de dinamismo. Entre 1990 e 1996 o PIB municipal aumentou 43% bem mais que a média do Estado e também do que outros 112 municípios dos 150 do Rio Grande do Norte. Mas o aspecto geral desta pequena aglomeração contrasta de maneira chocante com a riqueza que sua agricultura produz.

A comparação com Barreiras talvez auxilie a entender o abismo que pode haver entre crescimento econômico especializado e processo local de desenvolvimento.

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TABELA I

DIFERENTES RESULTADOS DO CRESCIMENTO AGROPECUÁRIO: UMA COMPARAÇÃO ENTRE BARREIRAS E BARAÚNA

BARREIRAS (BA) BARAÚNA (RN)

Atores iniciais do processo de modernização

Agricultores familiares Firmas exportadoras

Residência dos empresários No município Fora do município

Relação com os recursos naturais

Início de preocupação e de políticas

Tema ausente: agricultura �“de mineração�”

Agricultura Diversificada Especializada

Laços intersetoriais Ricos e crescentes Monótonos

Inovação e conhecimento Locais: pesquisa e formação universitárias

Ausentes

Circulação da riqueza Em grande parte, dentro do município

Fora do município

Assistência e extensão Integradas ao crescimento agropecuário

À margem do crescimento agropecuário

Organizações locais Dinâmicas (embora socialmente restritas)

Muito precárias

Projeto regional Variedade de atores locais (cluster)

Inexistente

Relação entre poder municipal e empresários

Forte integração Desarticulação e relação �“utilitária�”

Fonte: Trabalho de campo.

Por mais que os agricultores familiares que se dirigiram ao Oeste baiano estivessem em busca de recursos naturais baratos seu móvel era a instalação permanente neste novo espaço e não sua exploração temporária. Migravam com a família e tendiam a atrair também antigos amigos e vizinhos.

Em Baraúna, a cultura do melão chega por meio de grandes empresas, cujos proprietários não têm suas vidas sociais ligadas ao município. Mesmo os empresários menores que vêm

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cultivar o melão em Baraúna, residem, em sua grande maioria, em Mossoró. As vantagens fiscais que - além do baixo preço da terra - os atraíram a Baraúna, não tiveram qualquer contrapartida que os comprometessem, de alguma forma, com o desenvolvimento local. Um técnico da prefeitura chega a dizer: �“aqui, a produção irrigada, é como se fosse fora do município�”. Um outro técnico ouvido durante o trabalho de campo afirma: �“os empresários da irrigação só enxergam o poder local para exigir infraestrutura de estradas, elétrica, telefônica, etc. Não estão dispostos a investir em prol do município e sim dos seus negócios privados. Eles passarão com a produção irrigada deixando apenas os problemas�”.

Enquanto em Barreiras existe um início de preocupação organizada com a preservação dos recursos naturais (8), esta relação de estranhamento entre o empresariado de Baraúna e o próprio local onde tem seus negócios, acabou conduzindo a práticas predatórias que se traduzem, algumas vezes, até no puro e simples abandono das unidades produtivas, desgastadas com a super exploração do solo. Aqui a estratégia parece ser menos a da valorização da terra e capitalização futura de sua renda, que a de sua exploração e exaustão imediatas.

Estes fatores contribuem a explicar os diferentes resultados da especialização inicial: enquanto Barreiras se diversificava à medida que se enriquecia o tecido social e econômico da agricultura, Baraúna conservou-se quase exclusivamente ligada ao melão. Embora a soja seja considerada uma cultura �“de exportação�”, Barreiras está mostrando capacidade cada vez maior de processamento local do produto, tanto pela instalação de indústrias esmagadoras como pela importância crescente da agroindústria. A maior parte da soja exportada pelo Oeste baiano é processada na região. Neste sentido, talvez se possa falar de um cluster, exatamente pela integração crescente entre segmentos agrícolas, comerciais, agroindustriais e pelo aporte também da pesquisa e da formação de quadros ligados a este processo. Esta integração empresarial, apoiada por uma forte estrutura bancária e de animação do processo de desenvolvimento (por meio do Farol do Desenvolvimento do BNB) acaba transmitindo-se ao próprio escritório local da extensão, totalmente articulado com esta dinâmica. Ainda que o empresário inovador tenha vindo de fora da região, a inovação assume caráter efetivamente coletivo e se difunde por um conjunto variado de organizações locais. Daí a importância �– mesmo que seja uma prática limitada e circunscrita setorialmente �– de os produtores trocarem uma parte da isenção do ICMS por investimentos em pesquisa. Da mesma forma a presença local de um MBA em agronegócios, ou a existência de setenta pessoas na fila para ingressar na escola de inglês (De Chiara, 2002) em Luís Eduardo Magalhães (que tinha, há pouco mais de um ano, quase a mesma população atual de Barreiras) é um forte indício de que o ambiente de inovação ganhou um impulso local decisivo.

Já em Baraúna, os efeitos multiplicadores da cultura do melão parecem irrisórios e se reduzem a umas poucas e pequenas packing-house. O próprio estudo feito por um técnico ligado à AS-PTA sobre melão orgânico (cuja aceitação no mercado internacional, poderia ser muito promissora) era visto com profunda desconfiança pelos empresários locais. Quanto à extensão em Baraúna, ela não parecia ter qualquer vínculo orgânico com estes

8 O Farol do Desenvolvimento está pleiteando a organização de um Parque Nacional no Oeste baiano e existe uma clara orientação para o uso de plantio direto e técnicas agronômicas de conservação do solo.

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segmentos mais prósperos da produção de melão. Os insumos e equipamentos necessários à produção de melão não são adquiridos no local, mas fornecidos por grandes empresas comerciais sediadas em centros urbanos maiores da região do entorno do Pólo fruticultor, como Recife, Fortaleza e Natal.

Assim, enquanto os resultados da expansão agropecuária acabam reforçando os processos locais de crescimento em Barreiras, em Baraúna, a riqueza escapa do município, tanto mais que ele atraiu as empresas com base em incentivos fiscais. Para usar os termos de Davezies, este é um caso típico em que a economia �“básica�”, voltada para o mercado internacional, encontra-se totalmente desarticulado da economia �“doméstica�”. Um técnico entrevistado por Aldenor Gomes da Silva (2002) sintetiza a situação: �“lá em Baraúna não se produz nada; lá não tem uma empresa, não tem uma fábrica. Ao meu ver o recurso gerado em Baraúna não circula no Município. As sedes das empresas são, todas, fora de Baraúna é em Mossoró, Natal, Recife. Então tudo termina sem passar por lá. Você não vê investimento nenhum lá�”.

Esta desintegração entre a riqueza do município e a precariedade de suas condições sociais é agravada pelas relações trabalhistas na cultura do melão. As 35 empresas produtoras de melão, no Rio Grande do Norte, representadas pela Federação da Agricultura do Estado, assinaram um acordo coletivo com a Federação dos trabalhadores garantindo um piso salarial e 39 cláusulas que definem as condições de trabalho. Ao que tudo indica é bastante satisfatório, conforme relata Aldenor Gomes da Silva (2002), o cumprimento deste contrato. O problema é que parte muito importante da mão-de-obra do melão é temporária, o que pouco contribui para o fortalecimento do tecido social do município. Além disso, é bem sintomático o fato de as empresas assumirem um compromisso com um organismo estadual, mas terem laços tão tênues com os processos de desenvolvimento local.

Uma das expressões mais claras da distância entre os portadores das inovações e a sociedade local é a indiferença das empresas compradoras de melão com relação ao potencial dos assentamentos dotados de irrigação. Com efeito, no final dos anos 1980, pesquisadores da Escola Superior de Agronomia de Mossoró (ESAM) descobriram técnicas que permitiram a produção de melão em lotes familiares e estas técnicas foram intensamente difundidas pelos serviços locais de extensão. A partir de então, como mostram os trabalhos de Aldenor Gomes da Silva, algumas empresas especializaram-se em comprar o produto de unidades familiares de produção, agindo como firmas �“integradoras�”, estabelecendo contratos com os agricultores familiares. Porém a assistência técnica prestada por estas empresas sempre foi precária e as relações contratuais com os produtores instáveis. Daí o impressionante paradoxo: a existência de empresas fortemente integradas a mercados internacionais e que compram o melão de agricultores familiares não impede elevada ociosidade no aproveitamento das terras para a produção de melão no interior de assentamentos dotados de estruturas de irrigação (9). E as empresas não só renunciam a qualquer responsabilidade na assistência técnica aos assentados, como pagam preços que contribuem para tornar a produção inviável (Oliveira, 2002:4). 9 Segundo informações colhidas durante a pesquisa de campo, existem 10 assentamentos em Baraúna, dos quais 6 com irrigação, beneficiando diretamente 250 famílias. O potencial produtivo dado pela qualidade da terra e pela disponibilidade de água permitiria produzir quase 500 mil caixas de melão por ano. A produção atual destes assentados não chega a 180 mil caixas.

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Existem organizações voltadas ao desenvolvimento local. O município foi beneficiário dos recursos do PRONAF infra-estrutura e serviços e possui também um fundo de aval. Teve igualmente assistência do Projeto Lumiar, de cuja interrupção os atores locais se ressentem até hoje. Mais que isso: nos últimos três anos, organizações não-governamentais, movimentos sociais e o INCRA estimularam a contratação de assessoria técnica que conseguiu colocar o melão dos assentados em mercados internacionais muito competitivos e a preços maiores que os das empresas, como bem mostram o relatório de Aldenor Gomes da Silva e o trabalho de César José de Oliveira (2002). O que chama a atenção, entretanto, é que este processo organizativo não conta com o apoio nem do poder local nem muito menos das grandes empresas especializadas na venda do melão. Não existe qualquer coordenação voluntária entre os atores locais visando o processo de desenvolvimento: as condições objetivas para elevar a renda com base na produção dos assentados (terra, água, conhecimentos e mão-de-obra) chocam-se contra obstáculos que só poderiam ser removidos pela criação de um ambiente voltado, de fato, à valorização das iniciativas econômicas dos assentados.

O primeiro �– e talvez mais importante �– obstáculo envolve um problema que não se limita, nem de longe, ao município de Baraúna e que aparece de forma enfática na pesquisa dirigida por José de Souza Martins sobre os assentamentos: segundo um técnico de ONG ouvido em Baraúna, �“os assentamentos eram como que um corpo estranho ao Município. E para a prefeitura essa política do INCRA estava estimulando trazer gente de fora, o que iria aumentar a população, as demandas por saúde, educação, remédio�”. O resultado é a inexistência de investimentos municipais em bens públicos nos assentamentos (estradas, balança, por exemplo) e, sobretudo, a imensa dificuldade de obtenção de financiamentos bancários: a existência de um fundo de aval não permitiu ir além de 31 contratos em 2000 e 255 contratos em 2001 (dos quais 253 nos assentamentos, o que significa que a agricultura familiar irrigada fora dos assentamentos não é contemplada pelo crédito do PRONAF). A estrutura local de animação do processo de desenvolvimento �– composta por técnicos da Prefeitura e da extensão �– mostra profundo desapontamento com o BNB, que incentiva reuniões e cursos, mas não financia as idéias e iniciativas que daí emergem. A própria credibilidade destes animadores fica assim colocada em cheque.

As organizações locais, tão dinâmicas �– embora socialmente restritas - no caso de Barreiras, refletem, em Baraúna, a falta de coordenação entre os diferentes atores. É um local que teria condições muito favoráveis a sua afirmação territorial, mas que não possui formas de articulação entre os protagonistas do crescimento econômico, capazes de resultar na afirmação de uma personalidade regional. O acesso aos financiamentos bancários estatais é totalmente desvinculado de qualquer relação entre as empresas e o poder municipal.

A análise desenvolvida aqui peca pelo seu caráter estritamente municipal: é possível que haja no pólo Açu/Mossoró localidades com dinamismo, organização dos atores e capacidade de diversificação tão notáveis como em Barreiras. Mas a simples existência, no

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interior do pólo, de um município cuja modernização assume características de enclave desperta suspeita de que a irradiação do dinamismo, associado a mudanças tecnológicas de largo alcance, não seja automática, mas dependa da maneira como se organizam as forças locais. As vantagens fiscais oferecidas às empresas que se instalaram em Baraúna não se associam a contrapartidas ligadas ao desenvolvimento do próprio município. Longe de liderar um plano estratégico voltado à valorização dos recursos locais, as empresas restringem ao máximo suas relações com o próprio município. Elas são suficientemente fortes para não dependerem dos poderes locais e para receberem financiamentos de suas atividades sem passar pelo reforço do tecido social do lugar em que operam. Com isso, o crescimento econômico não se articula com conquistas sociais capazes de fortalecer o território.

Na verdade, tudo indica que quanto mais a instalação das empresas é movida pelo potencial em mão-de-obra barata, por vantagens fiscais e recursos naturais abundantes, mais difícil é a formulação de pactos regionais de desenvolvimento. As firmas que compram o melão não são levadas ao estabelecimento de relações estáveis que permitam a melhoria do nível técnico, organizacional e de renda dos agricultores familiares de quem compram os produtos. É como se não houvesse a relação permanente entre os formadores sociais de um mesmo território e sim um vínculo eventual entre compradores e vendedores anônimos e indiferentes uns aos outros. Não se trata, evidentemente, de impor restrições que reduzam os ganhos das empresas, mas, ao contrário, de fazer com que a melhoria do nível técnico, organizacional e educacional dos produtores contribua para ampliar os ganhos das empresas e estabilizar as relações com a população da qual ela depende. Os acordos trabalhistas estaduais são um avanço neste sentido, mas eles não conduzem a compromissos localizados entre as empresas e os demais protagonistas do processo de desenvolvimento.

A busca de modalidades próprias de comercialização por parte de ONG�’s ligadas aos assentamentos traz uma ambigüidade básica. Por um lado, exprime real capacidade de organização �– embora, ao que tudo indica, de forma frágil, em função da precariedade da cobertura dos custos das operações comerciais. Por outro lado, entretanto, os assentados não fazem parte dos mercados abertos pelas estruturas empresariais dominantes, o que limita objetivamente suas possibilidades de obtenção de renda.

Os pactos territoriais de desenvolvimento não podem envolver apenas bens fornecidos pelo Estado ou pelas forças eleitas locais: eles envolvem o conjunto dos bens públicos de uma determinada região. Os mercados abertos por uma determinada empresa são o resultado de seu trabalho gerencial e a base legítima de seus ganhos. Mas eles são igualmente o meio pelo qual se afirma a obtenção de renda por parte de uma região, sobretudo quando se trata de unidades integradoras, como no caso da suinocultura, avicultura e, de certa forma, do melão em Baraúna. As ações destas empresas envolvem de maneira crucial o destino das famílias de que compram os produtos. É fundamental, portanto, que a concessão de incentivos fiscais e outras vantagens pelas quais se instalam num determinado território, esteja vinculada a práticas comerciais que valorizem o trabalho dos que aí vivem.

Os custos de transação para integrar os interesses comerciais das empresas num processo de valorização dos territórios podem ser altíssimos e inibir o próprio investimento produtivo, o que seria contrário aos objetivos maiores do desenvolvimento rural, bem entendido.

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Exatamente por isso, é fundamental que o desenvolvimento das áreas rurais no Brasil ganhe uma estrutura profissional de agências dotadas das competências pelas quais a valorização dos territórios passe a ser não um obstáculo, mas uma vantagem para a instalação de empresas. Até aqui os conselhos de desenvolvimento rural têm servido a receber reivindicações quanto a necessidades básicas da população e a fiscalizar a aplicação dos recursos recebidos. O desafio agora está em integrar o recebimento destes fundos públicos a um plano de ação que envolva não apenas os beneficiários diretos do apoio estatal, mas aqueles de cuja ação depende o destino do território, isto é, as empresas, seja qual for o seu tamanho.

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2.3. A estrutura de senhorio das regiões canavieiras Barreiras e Baraúna exprimem dois processos de especialização produtiva sobre a base de intensa mudança técnica, profunda alteração na paisagem social, um empresariado vindo de fora da região e forte atração de mão-de-obra temporária. Os traços comuns a ambas as situações �– terra e mão-de-obra baratas, farta disponibilidade de água e vantagens fiscais �– não podem ofuscar a diferença essencial: a formação histórica de Barreiras sobre a base de unidades familiares de produção, a rápida criação, por parte dos que aí chegavam, de raízes permanentes, fez da região, mais que um espaço produtivo, um lugar de vida para um vasto conjunto de atores econômicos. Com isso, as próprias instituições públicas reforçaram sinergias que estimularam o uso local �– mesmo que destinado à exportação �– das riquezas criadas e, portanto, um processo intenso de diversificação produtiva. A capacidade local de agregação de valor às matérias-primas vai-se tornando assim nova fonte de crescimento. Baraúna, ao contrário, é um espaço de produção e não de vida: o resultado é o contraste impressionante entre seu dinamismo produtivo e a monotonia econômica de um município centrado quase exclusivamente no melão. O próprio crescimento econômico fica assim inibido pelos limites à diversificação.

Na Zona da Mata de Pernambuco - e este é um traço do conjunto das regiões canavieiras do Nordeste, como bem mostra o trabalho de Cícero Péricles de Carvalho (2001) com relação ao Vale do Paraíba, em Alagoas - a secular especialização produtiva apóia-se numa estrutura social de senhorio: o engenho e a usina de açúcar não são apenas unidades produtivas, mas verdadeiras instituições, que moldam o conjunto da vida social em torno de uma organização política de natureza oligárquica. Há um grupo limitado de famílias que se volta, antes de tudo, à obtenção de recursos públicos e que organiza sua dominação local em virtude do controle que exerce não só sobre a terra, mas também sobre o próprio funcionamento da máquina estatal. Nestas circunstâncias, tende a ser muito baixo o poder multiplicador da atividade produtiva (10). A riqueza acaba �“vazando�” para outras regiões (Sicsù e Medeiros, 2002:55 e 113) e os indicadores sociais conservam-se em nível muito baixo. As compras de que dependem os engenhos e as usinas são feitas em Recife e seu efeito multiplicador local é precário: �“aqui só fica o salário�”, resume um técnico da Prefeitura de Ribeirão, lembrando que o ganho de um cortador de cana é de R$ 40,00 semanais. O problema não está no produto (cana-de-açúcar) ou nas técnicas usadas (que, em outros Estados, como Alagoas, se transformaram de maneira nítida) e sim na estrutura social a que sua exploração deu lugar. Mesmo quando impulsionadas por uma conjuntura especialmente favorável, como a expansão do PROÁLCOOL nos anos 1970, as regiões de especialização na cana-de-açúcar são lentas na adoção de mudanças técnicas e a produção acaba crescendo muito mais pelo aumento da área do que da produtividade, como bem mostra Tânia Bacelar Araújo (2000:176-177).

10 A �“aliança entre o empresariado local e o Estado acabou emperrando as mudanças, em nível inovativo e tecnológico como também as mudanças administrativas e gerenciais necessárias ao setor [da cana-de-açúcar]...�” (Sicsù e Medeiros, 2002:29 e 30). Na região canavieira do Vale do Paraíba, em Alagoas, �“a diversificação das atividades rurais é mínima. O binômio cana/pecuária continua com sua presença absoluta. A importação de alimentos é generalizada e as feiras semanais �– um termômetro da produção local �– têm reduzido tamanho físico e �– mais grave �– abastecem a população local com a produção vinda da CEASA que, por sua vez, comercializa, em quase sua totalidade, produtos de outros Estados...�” (Carvalho, 2001:62).

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Atingidas pela desregulamentação do setor, a partir do final dos anos 1980 e pelo término do PROÁLCOOL, as usinas da Zona da Mata de Pernambuco cessam suas atividades numa proporção que abala o conjunto da economia regional: declínio populacional, queda no produto, inchaço das pequenas cidades e crescimento, em suas periferias, de problemas típicos de regiões metropolitanas (violência, habitação precária, desemprego, falta de saneamento), estes são alguns dos principais resultados de uma crise que não se traduziu nem em reestruturação produtiva, nem muito menos no oferecimento de qualquer horizonte de inserção social aos antigos assalariados do setor.

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Box II Arapiraca e Vale do Paraíba (AL): uma comparação

O atraso técnico das usinas da Zona da Mata de Pernambuco nem de longe explica a precariedade da situação social de sua população. Tanto é assim que mesmo numa região cujas condições topográficas permitiram a introdução de técnicas nitidamente mais produtivas, os indicadores sociais e econômicos são igualmente sofríveis. É o que mostram diversos trabalhos de Cícero Péricles de Carvalho (2000, 2001 e 2002). Ele fez uma comparação entre a área canavieira do Vale do Paraíba - próxima a Maceió e bem dotada de recursos hídricos, de chuva e inteiramente dominada pela cana-de-açúcar - com a região de Arapiraca, no semi-árido, que se caracteriza por estrutura fundiária descentralizada e a associação entre um produto de alto valor agregado, intensivo em trabalho (o fumo) com uma rica policultura. Em 1970, seis dos nove municípios da região canavieira do Vale do Paraíba superavam metade do IDH do Brasil. Em 1991 apenas três municípios da região canavieira superam a metade do IDH do Brasil. Arapiraca que ostentava índices semelhantes aos do Vale do Paraíba em 1970, chega a 1991 com o correspondente a dois terços do IDH brasileiro, o que nenhum município da região canavieira de Alagoas conseguiu. O crescimento populacional da região fumicultora é o segundo maior do Estado de Alagoas, nos anos 1990. Uma cultura comercial rentável sobre a base de pequenas propriedades produziu um ambiente altamente propício a atividades empresariais de pequeno porte. Numa reunião da qual participaram o gerente do BNB, técnicos da extensão, dirigentes de associações locais, quase todas as trinta pessoas presentes, em novembro de 2001, eram descendentes de produtores de fumo. �“O fumo ensinou todo mundo aqui a negociar�”. Este ambiente empreendedor se manifesta no alto nível de estabelecimentos comerciais em Arapiraca e na força do mercado local da segunda-feira, evento comparável às grandes feiras nordestinas, como a de Caruaru. Com seus 180 mil habitantes, o município de Arapiraca tem 2.674 empresas, segundo o cadastro geral de empresas do IBGE (1999). A região tem alta utilização do PRONAF crédito. O Vale do Paraíba, possui apenas 846 empresas, para um total de 166 mil habitantes e quase não uso o PRONAF crédito. As duas regiões passaram por crises derivadas do declínio de seus produtos principais. Em Arapiraca, porém, a redução na importância do fumo deu lugar ao aumento de atividades empresariais agrícolas e não agrícolas por parte dos filhos dos agricultores. Já no Vale do Paraíba, a cana foi em grande parte substituída por pastagens, cujos efeitos multiplicadores locais são sabidamente irrisórios.

Desde o final dos anos 1960 �– quando se extinguem as formas tradicionais de imobilização da mão-de-obra e se rompem os vínculos de clientela que ligavam os trabalhadores às usinas (11) �– a �“ponta-de-rua�” se expande de maneira contínua. Lygia Sigaud (1994:28 e 29) estuda o processo pelo qual a coesão social das usinas se rompe com a pressão sobre os trabalhadores, que são obrigados a deixar os engenhos, mas também com o fortalecimento de uma organização sindical que conseguia levar à Justiça do Trabalho senhores de engenho cujo poder era, até então, quase absoluto. O que diferencia o fim da �“morada�” da Zona da Mata da eliminação do colonato no Sudeste é que, neste último caso, as mudanças

11 Processos analisados por um dos mais importantes programas de pesquisa das ciências sociais brasileiras, o do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Para uma síntese, ver Garcia Jr., org. (1994).

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sociais nas relações de trabalho são correlativas a profundas transformações técnicas na organização das fazendas e, muitas vezes, até à substituição de culturas (café, por exemplo, por grãos, cana-de-açúcar ou pastagens). Na Zona da Mata, a expulsão dos trabalhadores ocorreu num ambiente em que a paisagem da agricultura se mantém basicamente a mesma e onde a cana-de-açúcar continuava representando o essencial da demanda de trabalho. O fim da �“morada�”, portanto, contribuiu para aumentar a população vivendo em condições precárias nas periferias das pequenas vilas e cidades da região. Mas o trabalho assalariado na cana-de-açúcar representou (até o final dos anos 1980) a fonte mais importante de ocupação da população ativa.

O fechamento de muitas usinas, a partir do início dos anos 1990, traz à tona a conseqüência mais dramática da monotonia social que acompanha a especialização produtiva baseada na estagnação tecnológica, na depreciação do trabalho, e na permanente obtenção de favores fiscais - conseguidos sempre em nome do papel social das usinas na manutenção do emprego. O trabalho na cana é, ao mesmo tempo, especializado e de qualificação precária. Como bem mostram Sicsù e Medeiros (2002), os pequenos municípios existem em função das usinas, cujo fechamento recente não abre o caminho para outras formas de utilização produtiva do trabalho. Nos municípios onde existem cidades-pólo (com 50 ou 60 mil habitantes) a diversificação é precária e nem de longe capaz de absorver o trabalho �“sobrante�” das plantações de cana-de-açúcar (12. O declínio da cana-de-açúcar não dá lugar ao surgimento de atividades inovadoras, capazes de absorver a energia produtiva dispensada pelo fechamento das usinas (Sicsù, 2000:365).

Claro que numa região próxima a Recife e ocupando a faixa litorânea do Estado, os potenciais de geração de renda, em tese, são inúmeros. Alguns engenhos converteram-se em estâncias turísticas. Da mesma forma, atividades ligadas à pecuária leiteira ou à produção de flores ganham destaque. O relatório de Abraham Sicsù e Sônia Medeiros (2002) mostra inegável potencial de diversificação (13). O Programa de Desenvolvimento Sustentável da Mata Pernambucana, elaborado pela Secretaria de Planejamento do Estado, formulou, em 1995, um conjunto de alternativas para o uso do solo que poderiam conduzir à modificação da paisagem agropecuária regional (Sicsù e Medeiros, 2002:52/53).

Mas o contraste entre um ambiente externo propício �– proximidade da região metropolitana, área litorânea, proximidade de organizações de ensino e pesquisa �– e a timidez dos processos reais de diversificação é o que mais chama a atenção na Zona da Mata (ver Box II). Se em Baraúna, existe inovação técnica e fragilidade das organizações locais, na Zona da Mata de Pernambuco o panorama é exatamente inverso: a mobilização social é aí intensa, mas o ambiente econômico quase deprimido.

Existe um travamento institucional de cuja remoção depende qualquer projeto de desenvolvimento para a região. Que a diversificação produtiva seja o caminho e que o potencial desta diversificação possa ser exposto de maneira tópica �– como o faz Sicsù (2000:371), em trabalho realizado para o SEBRAE �– disso não há dúvida. O problema é 12 �“Em 1995/96, 86,45% da área cultiva na Zona da Mata era utilizada pelo plantio de cana, sendo que na Mata Sul a cana ocupava 92,07% do total da área agricultável�” (Magalhães, 2001:10). 13 Não por acaso, as mesmas atividades são citadas como potenciais alternativas no trabalho de Cícero Carvalho (2001), na região canavieira de Alagoas.

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que o declínio das usinas manteve intactas as estruturas de dominação que vinculam milhares de trabalhadores à produção de cana-de-açúcar que é, até hoje, fonte de renda decisiva para a maior parte dos que vivem nas áreas agrícolas e mesmo para muitos dos que migraram em direção às periferias das sedes dos municípios. É possível apontar os rumos que poderia tomar a economia regional para emancipar-se da tão forte dependência da cana-de-açúcar. O que parece bem menos evidente é a reunião das condições sociais, das articulações organizacionais que permitiriam imprimir vigor a um processo de transição para uma economia mais diversificada. O problema mais importante é que, apesar de seu declínio econômico, a cana-de-açúcar continua dominando a paisagem regional e em condições que tendem a preservar as piores características sociais a ela associadas.

As usinas e os engenhos encontram-se sob dois fogos cuja ação simultânea acaba por bloquear o processo de diversificação: por um lado, possuem imensas dívidas trabalhistas. Quando seus negócios quebram, não podem pagar os trabalhadores. Não são poucos os casos em que os proprietários estimularam as ocupações de suas terras para que, com o pagamento das benfeitorias derivadas da indenização, pudessem partir para outros negócios (14). Credores destes acertos de contas �– que dificilmente terão lugar �– os trabalhadores, que estavam nos engenhos, ali permanecem, como forma de pressão para que sejam pagos e os não residentes chegam a ocupar terras de engenho, com o consentimento mais ou menos explícito dos proprietários. Ao mesmo tempo, estes proprietários estão seriamente endividados junto ao Banco do Brasil (e em menor proporção, junto ao Banco do Nordeste): não podem, portanto, vender suas terras para saldar os compromissos trabalhistas. Mesmo a desapropriação fica bloqueada, muitas vezes, pela existência destes débitos bancários. O resultado é que �“as terras da Mata Meridional de Pernambuco acham-se hipotecadas por dívidas financeiras e créditos trabalhistas, mas continuam sob o controle dos usineiros. A execução judicial dessas hipotecas é difícil e sempre adiada por conta dos créditos trabalhistas e dos impactos sociais decorrentes. E mesmo quando a terra é leiloada, o agricultor permanece em sua parcela trabalhando para os engenhos e vendendo cana para as usinas�” (Sicsù e Medeiros, 2002: 17). Além das dívidas trabalhistas e bancárias, os usineiros e proprietários de engenhos devem à previdência social. Ao mesmo tempo, possuem créditos junto ao Governo Federal, derivados de equalização não paga. Em suma, é um ambiente que mina os laços básicos de confiança entre os potenciais protagonistas de um processo de desenvolvimento e acaba por manter a cana-de-açúcar, em condições de baixíssima inovação técnica e sobre a base das estruturas tradicionais de funcionamento dos mercados.

A conseqüência é que os trabalhadores com acesso à terra continuam vinculados à cana-de-açúcar, que se torna assim, mesmo aos olhos das elites econômicas e políticas locais, um mal necessário: �“ruim com a cana, pior sem ela�”, frase que ganhou concordância de todos, numa conversa dos pesquisadores com empresários e representantes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, na prefeitura de Ribeirão. A cana-de-açúcar não tem sustentabilidade econômica, na maior parte dos casos, mas é uma �“necessidade social�” para a �“manutenção

14 O proprietário do Engenho Amaragi, em Rio Formoso, conta para os pesquisadores do Museu Nacional do Rio de Janeiro e da École Normale Supérieure, de Paris (L�’Estoile e Pinheiro, 2001:97) que foi com seu acordo que o sindicato solicitou a desapropriação de suas terras. Era a condição para que ele recebesse o suficiente para saldar as dívidas trabalhistas e obter o capital necessário para um investimento em turismo.

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do emprego�”. Portanto, apesar da consciência generalizada de seu atraso econômico e técnico, a região ainda vive sob a profunda dependência da cultura de cana-de-açúcar.

O responsável pela monotonia social da região, na opinião de um proprietário entrevistado durante o trabalho de campo, é o usineiro: �“a cana atrapalha muito a diversificação econômica. Os usineiros não têm interesse na diversificação. Eles conseguem tudo do Governo Federal, o fornecedor nada. Antes do Collor o Instituto do Açúcar e do Álcool disciplinava a relação entre usineiro e fornecedor. Agora não há órgão definindo os direitos dos industriais e dos fornecedores�”. Um ex-presidente da EMATER presente a esta mesma reunião prossegue: �“quando fui presidente da EMATER, tentei trazer empresas como Firestone, Good Year: não quiseram vir, em virtude dos problemas sociais. Não são loucos de investir onde há tantos problemas sociais�”. A conclusão dos empresários que participavam desta conversa é que a cana terá que desaparecer, mas não de maneira brusca.

Mas mesmo nos casos de reconversão das atividades econômicas, as hierarquias sociais dominantes tendem a permanecer: o estudo de L�’Estoile e Pinheiro (2001) mostra que os projetos turísticos não têm qualquer significação para a grande maioria dos agricultores e muito menos para os assentados. E quando os trabalhadores recebem terras, em processos de desapropriação, sua inserção no mercado passa exatamente pelo senhor de engenho. Sem acesso aos bancos, os assentados financiam suas atividades junto aos proprietários dos engenhos, num esquema muito próximo ao da venda na palha: recebem insumos e mudas contra a obrigação de vender o produto ao próprio fornecedor. É claro que não se trata de uma simples modalidade de mercado de crédito não bancário, como o que existe na compra de tratores ou de fertilizantes por parte de fazendeiros: trata-se sim da reprodução das formas tradicionais de dominação social, já que a inserção do agricultor no mercado passa exatamente pela figura da qual ele era dependente antes de tornar-se assentado. O trecho seguinte da entrevista feita por L�’Estoile e Pinheiro (2001:99) com o proprietário de um engenho desapropriado é muito revelador:

�“Eu tenho uma idéia. Vou tentar coloca-la em prática aqui no engenho Maragogi. Não sei se vou conseguir. Cada trabalhador vai receber 10 hectares. Eu vou receber uma indenização do governo. Minha idéia é, então, chamar os trabalhadores, fazer uma reunião. Montar um engenho pequeno, mas moderno, com um motor elétrico, etc. Para fabricar açúcar mascavo, como era há muitos anos. Agora o trabalhador não vai mais ser empregado. Ele vai ser o proprietário da sua terra. Eu vou financiar para ele o fertilizante, o dinheiro para plantar a cana, etc. E ele vai me vender sua cana e eu vou transformar aqui na propriedade, fazer, junto com eles, uma espécie de cooperativa. E tentar exportar este açúcar mascavo�”.

O declínio da cana-de-açúcar, portanto, nem de longe eliminou as formas de dominação que caracterizaram historicamente as relações entre trabalhadores e engenhos. Em princípio, poderiam existir novas atividades mais promissoras: porém os custos de transação de sua busca seriam proibitivos, sobretudo para os trabalhadores rurais assentados em condições tais que seus próprios direitos de propriedade ainda estão mal definidos. A conversão de um proprietário de engenho, entrevistado durante o trabalho de campo, em produtor de flores contou com um conjunto de informações (do SEBRAE, por exemplo) e o

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acesso a financiamentos dos quais a grande maioria dos agricultores familiares não passa nem perto.

Processos de diversificação consistem, antes de tudo, na formação de novas estruturas sociais, de novas formas de controle e sanção das condutas econômicas dos indivíduos e não apenas na aparição e aproveitamento de oportunidades. O vínculo a novos mercados tem um custo tanto mais alto, quanto maior for o trabalho voltado à obtenção de informações, de criação de confiança e de estabilização dos contratos de compra e venda. Por piores que sejam os preços recebidos pela venda de cana-de-açúcar, eles tendem a ser compensados pelos baixos custos que a inserção no mercado traz tanto para o agricultor como para o proprietário do engenho que lhe compra a produção. Mas estes baixos custos traduzem justamente o horizonte tão restrito, particularizado, de dependência pessoal em que o produto do trabalho do agricultor é reconhecido socialmente.

O problema aqui não é de �“informação imperfeita�”: ao contrário, os laços sociais são de interconhecimento. Os trabalhadores sabem que os fornecedores estão endividados e limitados nas possibilidades de reconversão produtiva; os fornecedores sabem que os trabalhadores não têm outras alternativas senão a de submeter-se às condições em que lhes compram insumos e lhes vendem produtos. O problema é que os laços de interconhecimento se fazem em situação de dependência hierarquizada. O acesso do trabalhador à terra, não abre caminho para o acesso a outros ativos que poderiam melhorar a geração de riqueza. Ele é obrigado a voltar-se exatamente àquele de cujo domínio o acesso à terra pretendia emancipa-lo.

O caso da Zona da Mata é importante exatamente por mostrar que processos de diversificação produtiva são bem sucedidos quando ampliam as possibilidades de inserção dos atores econômicos em novos mercados. Quanto mais precárias forem as condições sociais destes atores mais os mercados tendem funcionar de maneira �“imperfeita�”, isto é, sobre a base de vínculos pessoais de dominação que restringem objetivamente as possibilidades de escolha e de diversificação produtiva.

É neste sentido que, ao estudarem os Impactos dos Assentamentos de Reforma Agrária, Palmeira et. al. (2001:5) afirmam, com relação à Zona da Mata: �“A expropriação dos trabalhadores não resultou na sua desvinculação da atividade canavieira. Passando a residir nas periferias urbanas ou nos novos habitats rurais concentrados (agrovilas e vilarejos), essa população continuou encontrando na lavoura canavieira a sua principal, para não dizer única, fonte de ocupação�”.

A conseqüência é que a cana continua figurando como produto fundamental na formação do Valor Bruto da Produção nos assentamentos da Zona da Mata, conforme relataram os diretores do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Ribeirão: �“a área da gente hoje é cana. Voltou o mesmo dono e compra a nossa cana. Você chega na usina hoje faz um empréstimo, adubo, etc. Uma parte desse dinheiro vai usar para comprar alimento�”.

Os trabalhadores contam que foram liberados recursos para os assentamentos: mas tudo se perdeu com a seca. Com isso, os trabalhadores estão completamente endividados junto ao BNB. É importante salientar a ausência de qualquer trabalho de assistência técnica no

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acompanhamento do uso dos recursos recebidos. Um dirigente sindical de Ribeirão sintetiza: �“a gente, de assalariado, passa a ser dono de si. Aí faltou assistência técnica. Muitos venderam o lote. É feito menino novo, sem acompanhamento não dá�”.

O trabalho de Palmeira et. al.(2002) mostra que os assentamentos da Zona da Mata apresentam a segunda menor renda agropecuária, de todos os estudados durante a pesquisa sobre os impactos locais da reforma agrária e a segunda maior participação de rendas de fora dos assentamentos no sustento das famílias. Formados com base nas disputas decorrentes do declínio da cana-de-açúcar, os assentamentos da Zona da Mata apresentam a menor área média de todos os estudados por Palmeira et. al. (2001), conforme mostra a tabela II. O problema não é a escassez de área, por si só e sim a dependência em que seu titular se encontra com relação ao engenho: o lote não é uma plataforma a partir da qual a família se lança em atividades diversificadas, tendo garantidas sua sobrevivência e sua moradia. Ele é, ao contrário, a base de perpetuação das relações tradicionais de que o assentamento procurava justamente emancipar o agricultor. Contrariamente ao que ocorre em regiões com tradição de especialização associada à policultura (como em Arapiraca, por exemplo) aqui a unidade familiar não abre o caminho para formas de inserção mercantil mais ricas e diversificadas.

TABELA II ÁREA MÉDIA DE ASSENTAMENTOS E LOTES EM MANCHAS DE

CONCENTRAÇÃO DE ASSENTAMENTOS �– ESTADOS SELECIONADOS

MANCHAS ÁREA MÉDIA

ASSENTAMENTOS (HA)

ÁREA MÉDIA LOTES (HA)

Sul da Bahia 922,82 17,6Sertão do Ceará 11.040,17 36,8Entorno do Distrito Federal 8.200,22 47,7Sudeste do Pará 24.082,93 72,6Oeste de Santa Catarina 1.436,46 15,1Zona Canavieira do Nordeste 1.195,54 7,8Total 5.828,64 35,5

Fonte: Listagem �–do Incra, 1999

Cícero Péricles de Carvalho (2001:86) encontrou quadro muito semelhante nos assentamentos realizados em terras abandonadas pelas antigas usinas Brasileiras e Ouricuri, no município de Atalaia, na região canavieira de Alagoas. Da mesma forma que em Baraúna, �“os assentamentos existentes no Vale do Paraíba, igual que os demais assentamentos rurais no Estado de Alagoas, entraram nos espaços municipais quase como uma intervenção, um corpo estranho ao poder local�”. No caso de Alagoas, a situação é ainda pior que em Baraúna, já que nem mesmo o apoio de organizações que permitiram uma precária integração dos lotes irrigados a mercados internacionais ocorreu: no Vale do Paraíba, �“os assentamentos ficaram fora das políticas municipais e estaduais, ressentindo-se da falta de apoio à assistência técnica e da falta de infra-estrutura de armazenamento e beneficiamento da produção...�”.

É claro que este ambiente não favorece a formação de laços de confiança entre os atores sociais propícios à formulação de contratos de desenvolvimento. Existe, em Palmares (PE),

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uma Articulação Municipal de Entidades que agrega sessenta organizações populares, sindicais e religiosas. A Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional (FASE), o Sindicato de Trabalhadores Rurais, o Centro das Mulheres, a Ação Social da Paróquia dos Palmares intervêm em políticas públicas e contam com o apoio da Universidade Federal de Pernambuco e de ONG�’s estrangeiras, como a OXFAM e a GTZ. Embora esta articulação se proponha, explicitamente, a favorecer o empreendedorismo local, não conta com o apoio do BNB. Da mesma forma que em Baraúna, as iniciativas econômicas tomadas sob a animação de ONG�’s não se associam aos poderes municipais e dificilmente geram dinâmicas que possam ultrapassar seus beneficiários imediatos.

Mesmo os bancos públicos tendem a vincular-se apenas aos projetos já conhecidos e cujos mercados representam um horizonte seguro de geração de renda �– ainda que muito modesto. É assim que um empresário entrevistado pela pesquisa não conseguiu financiamento em quatro projetos na área de grãos: mas nunca teve qualquer problema para obter recursos voltados ao plantio da cana-de-açúcar. Com mais forte razão, a presença do PRONAF é quase irrisória nos municípios da Zona da Mata: no ano de 2000, Palmares recebeu um contrato e Ribeirão 146, nenhum dos quais nos grupos A ou B. A partir de então e até maio de 2002, o PRONAF crédito está completamente ausente da vida dos dois municípios.

O fechamento de usinas de cana-de-açúcar em áreas litorâneas do Nordeste, a partir do início dos anos 1990, abriu esperança de novas formas de ocupação do espaço que interrompessem a monotonia secular destas regiões. Afinal, é uma área em que os assalariados agrícolas acumularam uma experiência de luta reivindicativa que se traduziu em um vasto conjunto de acordos coletivos e numa prática corriqueira de negociação. Nada indica, entretanto, que esta imensa energia tenha servido para uma reflexão coletiva sobre os destinos da região neste processo de declínio de sua atividade dominante. As zonas canavieiras do Nordeste brasileiro continuam integrando, de maneira dramaticamente orgânica, especialização e monotonia social. Com isso a decadência do setor produtivo principal conduz ao pior tipo de retrocesso econômico: aquele em que os poderes até então dominantes �– embora enfraquecidos �– mantêm-se como os articuladores das atividades regionais. Só que estes poderes não têm a vocação inovadora do empresariado ligado às culturas irrigadas �– por mais restritas que sejam as conseqüências sociais desta inovação. Ainda que existam horizontes de investimentos fora da cultura da cana-de-açúcar, são ainda as atividades mais tradicionais que polarizam a vida econômica e social da região. Os atores sociais estão presos uns aos outros por laços que minam a confiança recíproca e impedem a constituição de qualquer projeto para o futuro. As instituições públicas �– do Banco do Nordeste à extensão rural, passando pelas prefeituras e pelos representantes eleitos locais - ficam inteiramente contaminadas por este ambiente que desestimula projetos ambiciosos e restringe o horizonte dos atores à defesa de seus interesses mais imediatos.

Cícero Péricles de Carvalho (2001) mostra que a proposta do BNB para o Vale do Paraíba padece de um problema central: são projetos localizados, setoriais, que não se apóiam numa

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articulação dos próprios atores locais em torno de uma estratégia formulada conjuntamente. É claro que a formulação desta estratégia não pode vir de um órgão estatal �– ainda que tenha poder de financiamento, como o BNB. E uma vez que o ambiente das regiões canavieiras encontra-se tão fortemente prejudicado pelo peso das estruturas tradicionais e pelo endividamento generalizado que imobiliza os atores, a formulação de projetos inovadores torna-se muito mais difícil. A tendência é que o pleito dos atores locais vá no sentido da resolução de problemas imediatos, a começar pelo do endividamento.

Mas é importante assinalar que a própria renegociação das dívidas torna-se um assunto totalmente distante do desenvolvimento local e que envolve o banco estatal, os agricultores, os Ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário e as representações parlamentares nacionais: mas não há qualquer compromisso que vincule o sucesso da renegociação das dívidas com projetos locais de desenvolvimento, embora os recursos tomados fossem subsidiados e oferecidos por um banco estatal. O resultado é que, a cada ano, a renegociação das dívidas é feita sob o domínio de representações nacionais e perde qualquer relação com as dinâmicas locais. Nesta situação, fica ainda mais difícil formular um plano de desenvolvimento capaz de oferecer uma alternativa ao mote sempre repetido de que, �“ruim com a cana, pior sem ela�”.

O papel central de uma agência de desenvolvimento em regiões estagnadas por formas arcaicas de especialização �– mesmo quando este arcaísmo envolve alguma mudança técnica significativa, como em Alagoas �– consiste exatamente em submeter a solução dos problemas derivados da decadência da cultura dominante à montagem de um projeto alternativo com o qual os beneficiários das renegociações se comprometam.

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3. Conclusões O principal desafio estratégico a ser enfrentado pelo desenvolvimento das áreas rurais do Brasil é a formulação de projetos, pelos quais os territórios possam estabelecer contratos, cuja execução dará lugar à afirmação de sua identidade social, econômica e cultural. Isso supõe uma nova arquitetura nas relações entre o poder executivo federal e as organizações que com ele se relacionam. O País construiu uma vasta e capilarizada rede de controle social sobre repasses de recursos públicos, que se materializa nas dezenas de milhares de conselhos gestores, traço decisivo da democratização dos últimos anos. Excelentes instrumentos de fiscalização, os conselhos estão longe de se constituírem em ferramentas de planejamento, de formulação de contratos e de compromissos entre diferentes instâncias públicas.

Que se trate do FAT, do FUNDEF ou do PRONAF infra-estrutura, o repasse do dinheiro federal para outras esferas administrativas é muito melhor controlado que dez anos atrás, tanto em virtude de novos instrumentos informáticos, como, sobretudo da difusão das organizações locais que vigiam seu uso. Na maior parte dos casos, entretanto, a atribuição destes recursos obedece a critérios e responde a um formato que não estimulam a contratualização do processo de desenvolvimento. No caso do FAT, por exemplo, é possível saber hoje de maneira muito precisa e on-line, como é usado cada centavo que recebem as organizações responsáveis pela formação dos trabalhadores. Já a avaliação do resultado dos processos de formação é bem mais precária e não há qualquer mecanismo que faça da formação o componente de um processo maior, pactuado em torno de objetivos estratégicos claros, entre diferentes atores locais e o poder público. Não se trata apenas de insistir sobre a importância da avaliação dos impactos das políticas. O desafio fundamental, a partir de agora, é fazer com que as transferências de recursos públicos sejam uma das formas de promover a articulação dos protagonistas do desenvolvimento em torno de projetos capazes de revelar não só as carências, mas, sobretudo as vocações dos territórios e os caminhos pelos quais pretendem realiza-las.

A mais importante missão atual das políticas de desenvolvimento das áreas rurais no Brasil é criar um conjunto de mecanismos de incentivo para que os territórios se tornem atores na formulação e execução de projetos. Os conselhos de desenvolvimento rural, tal como existem hoje representam, certamente, a principal inovação institucional da vida pública das regiões interioranas do Brasil. Eles exprimem a grande conquista dos anos recentes, que foi a contestação prática do ceticismo que associava as áreas rurais automaticamente ao atraso, ao desalento e as enxergava apenas como refúgio para os que não haviam conseguido tomar o rumo das metrópoles. Os conselhos refletem, porém, de maneira unilateral as ambições e os potenciais do desenvolvimento localizado. São bem mais representativos do que o conhecimento convencional sobre a vida do Brasil rural deixaria supor, conforme mostram os estudos até aqui realizados sobre o tema (IBASE, 2001; Favaretto e Demarco, 2002, Abramovay, 2001a). Sua composição, entretanto, tende a fazer deles instrumentos de reivindicação e não de planejamento. Eles são o meio pelo qual a

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sociedade local formula suas necessidades e não a instância que organiza a coesão dos diferentes interesses regionais em torno de um projeto comum.

Um dos mais importantes pontos de estrangulamento da ação dos conselhos de desenvolvimento rural �– claramente expresso nos casos aqui analisados �– é a completa ausência dos empresários e seus representantes em sua composição. Isso faz com que os conselhos �– e, por aí, de certa forma, toda a política de desenvolvimento rural - adquiram um formato social e não econômico, como se estivessem voltados a compensar as carências que o processo de crescimento vai deixando pelo caminho. A natureza estritamente municipal �– e não territorial �– dos conselhos reforça esta característica que distancia as ações governamentais destes protagonistas tão decisivos no processo de desenvolvimento que são as empresas. Extrapolar o âmbito municipal a que têm se confinado até aqui as políticas de desenvolvimento das áreas rurais no Brasil não tem por objetivo acrescentar novas instâncias de gestão ao organograma da administração pública: um território é formado basicamente pelo projeto de seus atores, por suas missões, pelas tarefas de impulsão, coordenação, animação que mobilizam as competências necessárias à formulação e à execução de seus objetivos estratégicos.

As situações analisadas neste trabalho mostram preocupante dicotomia: em Barreiras, existe algum nível de articulação entre empresas e organizações estatais, mas com um projeto de ocupação do espaço que encara a valorização do trabalho como uma espécie de conseqüência automática do crescimento econômico e que ainda não é capaz de fazer do conhecimento, do saber dos homens, da valorização da biodiversidade e das singularidades regionais o trunfo de sua expansão. Ainda assim, é impossível não reconhecer que esta articulação dá lugar a um empreendedorismo que fortalece o tecido econômico regional. Em Baraúna, ao contrário, as organizações sociais não contam com a participação das empresas ligadas ao comércio internacional, que estabelecem com o território uma relação de exploração, em certa medida predatória, sob o ângulo social e ambiental. E nas regiões canavieiras salvar os empregos é o pretexto para a manutenção de formas arcaicas de dominação social que impedem olhar de maneira estratégica para o futuro.

Esta dissociação entre políticas de desenvolvimento rural e o universo das empresas favorece uma orientação de natureza �“social�”, compensatória e, no limite, clientelista, à ação do poder público. Uma das mais importantes conquistas do PRONAF foi a segmentação de seu público, permitindo que os recursos chegassem �– ainda que em escala muito menor que a desejada - a agricultores visados pela política pública. Mas não existe qualquer mecanismo de planejamento que ligue a chegada destes recursos à organização de mercados capazes de imprimir dinamismo às atividades dos agricultores beneficiados. Não se trata simplesmente de colocar o poder público a construir centrais de abastecimento e de compras. Muito mais que isso, trata-se de saber de que maneira as atividades empresariais de uma determinada região poderão repercutir-se na valorização do que fazem seus habitantes, na demanda por trabalho, produtos e habilidades.

É neste contexto �– de forma integrada às atividades empresariais de uma certa região �– que se pode, de fato, criar as capacidades voltadas a estimular as iniciativas dos indivíduos e das famílias. Hoje, ao mesmo tempo em que se concedem incentivos à instalação de empresas baseadas no uso de recursos naturais e trabalho baratos, destinam-se fundos

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subsidiados para estimular iniciativas econômicas de famílias, de maneira totalmente desintegrada das estratégias das empresas que atuam num certo território. O poder federal não pode, por meio da concessão de recursos subsidiados, estimular diretamente o empreendedorismo. Ele pode sim, condicionar a atribuição de recursos à elaboração de projetos localizados em que o estímulo às atividades empreendedoras, sobretudo dos mais jovens, seja um elemento central. Os anos recentes contribuíram para atenuar o déficit organizativo da sociedade brasileira. Fizeram-no, entretanto, promovendo uma perigosa separação entre economia e sociedade, entre o universo das empresas e o do preenchimento das necessidades sociais. Tudo se passa como se as políticas de desenvolvimento fossem o domínio privilegiado dos representantes eleitos, do mundo associativo, dos sindicatos e movimentos sociais, mas não o das empresas.

A mais completa expressão da fissura entre economia e sociedade que hoje marca as políticas de desenvolvimento do Brasil rural está na atuação dos bancos estatais. É bem verdade que o PRONAF atinge hoje mais de 900 mil contratos (incluindo aí o financiamento aos assentados) e que a participação do Nordeste neste total cresceu de maneira significativa, chegando hoje a quase um quarto das operações. Ao mesmo tempo, é generalizada a insatisfação com a atuação dos bancos estatais, que restringem o acesso aos créditos e não permitem que os recursos disponíveis, em princípio, para o financiamento aos agricultores familiares cheguem a seu destino, apesar dos subsídios governamentais e das folgadas taxas administrativas que obtêm por operar com um público supostamente de alto risco (15). Em Barreiras, o Banco do Nordeste atua de maneira integrada ao processo de desenvolvimento local, por meio do Farol do Desenvolvimento. Ao que tudo indica, é a vitalidade da região que imprime dinamismo à atuação do Farol. Nos outros municípios visitados pela pesquisa �– e este é um traço recorrente �– a atuação do Banco do Nordeste não difere muito do que seria a de um banco privado, em que pese a existência de agentes de crédito em muitos municípios: seleciona os clientes em função de critérios objetivos referentes a sua renda, sua expectativa de pagamento e não em virtude de um projeto de desenvolvimento com o qual o banco estivesse de fato comprometido.

A estrutura operacional do BNB é, de fato, mais capilarizada do que a de qualquer outra organização bancária, o que representa inegável avanço. Mas isso não é suficiente nem para ampliar o acesso a serviços financeiros para as populações mais pobres das áreas rurais, nem tampouco para fazer do banco um instrumento da parceria entre as forças econômicas e associativas de que depende o futuro de cada região. Não foi por acaso então que o IBASE (2001) constatou a quase completa ausência dos representantes dos bancos nos conselhos municipais de desenvolvimento rural do PRONAF, em sua avaliação levada adiante em quatro Estados brasileiros. É o reflexo de uma dupla deficiência: os conselhos não discutem o planejamento estratégico das operações de financiamento que uma região vai receber para alcançar certas metas pactuadas conjuntamente; e os bancos não estão envolvidos com este processo de desenvolvimento atuando a conta gotas e financiando, de maneira convencional, operações que não ponham suas carteiras em risco.

A tentativa de superar esta distância por meio da criação de linhas de financiamento cobertas pelo Tesouro Nacional só aumenta o fosso entre protagonistas potenciais do

15 Para maior detalhe ver Abramovay, 2000 e 2002 e Bittencourt e Abramovay (2001).

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processo de desenvolvimento e os serviços bancários e reforça o caráter verticalizado que, apesar da ampla participação local, tem marcado as políticas de transferências de recursos para as áreas rurais. Para os agricultores do PRONAF A e B o crédito não representa, nem de longe, um primeiro passo para ampliar suas operações com os bancos. O fato de os créditos serem garantidos e concedidos com base na designação dos conselhos de desenvolvimento desestimula uma relação comercial estável entre o agricultor e o banco. Que estes agricultores necessitem de crédito e que a disponibilidade de liquidez amplie as possibilidades de investimento �– ou seja, que os pobres querem e podem poupar, contrariamente a uma crença tão arraigada entre economistas �– é o que a literatura sobre o tema vem mostrando de maneira cada vez mais nítida. Exatamente por isso, fazer passar o crédito por uma agência estatal cujo caráter bancário é apenas uma restrição �– e não uma oportunidade �– para o beneficiário do recurso, limita seu efeito multiplicador sobre a economia local (16). O agente financeiro torna-se um simples repassador de dinheiro e não o elo de um conjunto de operações econômicas que poderia fortalecer o tecido local pela abertura de novas possibilidades de geração de renda: mais uma expressão da precariedade das mediações locais na relação entre o poder federal e o público visado por suas políticas.

As primeiras informações sobre o reembolso do PRONAF B apontam para baixíssima inadimplência, o que é uma conquista muito significativa, em virtude exatamente da falta de tradição bancária dos beneficiários. O maior ganho da pontualidade no pagamento deveria ser o reforço da confiança �– a redução na assimetria de informação �– entre segmentos sociais tão distantes quanto os gerentes dos bancos e os beneficiários do PRONAF B. O caráter bancário das operações, porém, simplesmente esteriliza este ganho potencial, uma vez que o horizonte de uma relação estável entre o agricultor e o banco é muito remoto. É um patrimônio social que poderia servir a reforçar o tecido econômico local e que simplesmente se perde pela ausência de organizações capazes de exprimir relações sociais permanentes e onde os atores se conheceriam em função dos vínculos duráveis decorrentes de suas práticas reais e da confiança recíproca que daí poderia emergir.

Não há dúvida que a pressão social foi extremamente importante para que o PRONAF ampliasse, de fato, as bases sociais da política creditícia do Governo. Sem um conjunto de iniciativas localizadas que envolvem fundos de aval, mas também algum tipo de proximidade entre movimentos sociais e gerentes de banco, a quantidade de contratos não teria alcançado os números de hoje �– importantes, mas ainda insuficientes, diante da própria demanda. Esta pressão social permitiu que os recursos, inicialmente concentrados entre os mais prósperos dos agricultores familiares, chegassem mais perto da base da pirâmide social. Mas a atribuição de créditos não faz parte de um conjunto de iniciativas voltadas à valorização da iniciativa local a partir de um projeto partilhado entre diferentes atores. Mais que isso: os fundos de aval que, em tese, exprimem uma certa unidade social

16 Esta é a questão de fundo envolvida na excelente proposta do PNDRS de retirar os financiamentos de parte do público do PRONAF do Manual de Crédito Rural e mudar inteiramente o método de atribuição destes recursos: em vez de fornecer crédito por meio de organizações bancárias (às quais não têm acesso e que cobram caro para repassar o dinheiro a populações de baixa renda) parte do público do PRONAF devolveria os recursos a agências locais, cujos vínculos de proximidade com a população rural permitiriam que atuassem de maneira organicamente integrada na satisfação de necessidades várias de serviços financeiros, a começar pela poupança.

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em torno da confiança na capacidade de pagamentos das populações desprovidas de garantias patrimoniais não são aproveitados para iniciativas capazes, de fato, de valorizar a iniciativa dos mais pobres, mas exclusivamente para garantir os bancos (17

A separação entre a necessidade social de recursos e sua utilização econômica produtiva fica bem clara no peso dos financiamentos �“A�” e �“B�” na região Nordeste, como se vê na tabela III.

TABELA III CONTRATOS DO PRONAF NO NORDESTE E

NO BRASIL POR GRUPO, EM 2000 E 2001 GRUPO CONTRATOS 2000 CONTRATOS 2001 NE BR NE BR A 51.508 96.167 9.903 37.740 A/C 1.578* 1.596 4.893 4.915 B 47.255 48.164 95.774 106.716 C 93.275 394.379 86.167 369.556 D 47.086 346.727 22.175 280.246 Exigib/ 412 82.694 0** 110.629 Total 241.114 969.727 218.912 909.802 B+A/Tot 40,1% 14,1% 48,3% 15,9% * Dos quais 1.277 em Sergipe ** Em 2001 não houve operações com exigibilidade bancária no Nordeste FONTE: Tabela montada com base em informações de: BACEN (somente exigibilidade bancária), BANCOOB, BANSICREDI, BASA, BB, BN E BNDES http://www.pronaf.gov.br/saf/default.htm - 7/07/02

Enquanto no Brasil como um todo (incluindo, portanto o Nordeste) os financiamentos garantidos pelo Tesouro passaram de 14,1% a 15,9% das operações com agricultores familiares, no Nordeste eles foram de 40,1% a 48,3% do total entre 2000 e 2001. A tão forte presença do grupo B (quase 44% dos contratos) no Nordeste reflete, em parte, a atuação dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável que contribuíram para escolher o público beneficiário. Mas não se pode esquecer que são recursos vindos diretamente do Orçamento Geral da União, sobre os quais não pesa qualquer risco bancário. Já os recursos do grupo A originam-se do fundo constitucional (FNE) de cuja rentabilidade dependem, em boa proporção, os lucros do próprio BNB, o que o torna mais seletivo em sua concessão aos assentados, mesmo inexistindo risco bancário propriamente dito.

Mas a dificuldade em emprestar para o grupo A do PRONAF, como se vê pelos dados do ano 2001 da tabela III (18) exprime a precariedade da inserção dos assentados na vida social

17 Para um aprofundamento sobre fundos de aval, ver a coletânea organizada por Programa Regional FIDA-MERCOSUR et al., 2002. 18 Segundo informação da Secretaria de Agricultura Familiar do MDA, o BNB aplicou menos de 10% dos recursos disponíveis no FNE para os assentamentos, em 2001.

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dos lugares onde se instalam (19). As organizações representativas dos que aspiram o acesso à terra exercem sua pressão sobre o Governo Federal; este responde procurando assentar os agricultores e aliviar a pressão tópica, localizada a que foi submetido. A negociação local não envolve o fato elementar de que será instalado naquele território um conjunto de famílias que vai mudar sua configuração social e espacial: ela refere-se basicamente ao proprietário (e sua indenização), aos representantes dos trabalhadores e ao órgão federal responsável pelos serviços de infra-estrutura de que depende a própria viabilidade dos assentamentos.

Não são poucas as ocasiões em que os assentamentos deram lugar a um verdadeiro renascimento das economias locais pelo aumento na circulação local de riqueza e pelo dinamismo que a satisfação das necessidades básicas dos assentados trouxe para o município. Mas exatamente por não existir concertação territorial em torno de objetivos estratégicos, o assentamento, com muita freqüência torna-se um corpo estranho e suspeito e não uma oportunidade de enriquecimento da vida social do lugar em que se encontra. Uma das expressões mais claras da precariedade da inserção local dos assentados é sua tênue participação nas comissões municipais de desenvolvimento rural sustentável (IBASE, 2001). Aqui também a política federal é pressionada para adquirir um formato verticalizado que dispensa a contribuição das mediações locais. Uma vez que as carências são enormes, o resultado é um conjunto de demandas que o Governo Federal nunca consegue atender de maneira satisfatória. A sinalização institucional vai no sentido de vincular o assentado a um poder, por definição, incapaz de satisfazer suas reivindicações. O resultado é um formato de relação em que o assentado é credor de uma dívida social a ser paga pelo Governo, o que desestimula a formulação de contratos envolvendo compromissos e responsabilidades locais. A reforma agrária deixa assim de ser um meio de fortalecer o tecido social e econômico do meio rural pela instalação de novos agricultores e se transforma na arena de um conflito permanente entre assentados e governo federal em que as sociedades locais ficam, freqüentemente, como expectadoras. Sem dúvida, existem negociações, compromissos e acordos: mas não se formulam contratos envolvendo uma diversidade de atores com resultados a ser alcançados pela instalação dos assentamentos numa certa região. O crédito aos assentados, por exemplo, é um direito e não o resultado da formulação de um projeto que inclua a expectativa realista de seu pagamento. A atribuição incondicional do crédito e o trânsito dos recursos por organizações que não cumprem qualquer função bancária �– já que recebem cobertura total do Tesouro �– contribui para enfraquecer a inserção dos assentados na teia de relações da sociedade local e enfraquece, por aí, a qualidade de seus projetos.

O papel da extensão pode ser decisivo na formulação de uma estratégia de desenvolvimento rural que tenha nos contratos territoriais o seu mecanismo básico de articulação. Mas é necessário, aí também, alterar radicalmente o sistema de incentivos em que hoje se insere o trabalho extensionista. O ponto de partida é o reconhecimento de que a extensão rural está entre os sistemas públicos de maior capilaridade, no interior do País. Seu papel na construção das bases organizacionais do que hoje é a política nacional de desenvolvimento rural foi absolutamente decisivo. O PRONAF abriu a oportunidade para que a extensão brasileira reencontrasse sua missão pública, diante do quadro de desalento que resultou da

19 Constatação recorrente no trabalho dos pesquisadores coordenados por José de Souza Martins.

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extinção da EMBRATER e do enfraquecimento de suas organizações estaduais. Estas conquistas, entretanto, não podem escamotear dois desafios dos quais depende a contribuição da extensão rural ao desenvolvimento das regiões rurais do Brasil.

O primeiro deles é de natureza organizacional. Não existem hoje mecanismos que estimulem a qualidade dos projetos elaborados pelos extensionistas nem tampouco seu controle social pelo público a que se destina seu trabalho. É verdade que os técnicos encontram-se muitas vezes a serviços das prefeituras e, portanto, mais próximos ao público visado por suas atividades. Mas não há qualquer tipo de compromisso com o resultado do que fazem, o que decorre exatamente da precariedade dos vínculos locais que os ligam ao público a que se destina seu trabalho. São feitos cursos, repassadas informações, sem um contrato de objetivos em torno de cuja realização os profissionais possam ser avaliados. Não se trata de estipular de forma autoritária e burocrática metas de quantidades de agricultores atendidos: trata-se sim de fazer do público beneficiário do serviço extensionista o protagonista da elaboração de um contrato com os extensionistas, cuja qualidade poderia, inclusive, ser avaliada por uma organização independente. Em Baraúna, os assentados queixam-se amargamente da extinção do Lumiar que tinha este formato e que permitiu vincula-los a diversas organizações não governamentais. O que faltou certamente ao Lumiar foi exatamente a instância de avaliação formada por consultores independentes e capazes de julgar a qualidade do que está sendo proposto e avaliar posteriormente sua realização. Este formato organizacional é independente do fato de a extensão ser pública ou privada, gratuita ou paga pelos agricultores. O fundamental, em todos os casos, é o comprometimento recíproco em torno dos resultados a serem atingidos com base num certo projeto. O pressuposto, neste caso, não está simplesmente na chegada de recursos públicos, mas, antes de tudo, na inserção dos assentamentos em dinâmicas locais e portanto, em sua contribuição para o reforço do tecido econômico das regiões.

O segundo desafio da extensão rural brasileira é despojar-se de seu caráter estritamente agrícola. Tão importante quanto auxiliar tecnicamente os agricultores é colocar a inteligência dos extensionistas a serviço da interiorização dos processos de desenvolvimento. O escritório da extensão rural deve desempenhar então um papel decisivo na formulação e na execução dos contratos territoriais de desenvolvimento: sua vocação é ir além do terreno estrito da agropecuária e integrar-se como parte das agências de desenvolvimento que terão a missão de levar adiante os compromissos pactuados nos contratos territoriais de desenvolvimento.

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