Divisão Social do Trabalho, Legislação Trabalhista e Inspeção do Trabalho - Nildo Viana

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    GUANICUNS: Rev. Faculdade de Educao e Cincias Humanas de AnicunsFECHA/FEA - Gois, xx, xx-xx, 2005

    NILDO VIANA*

    GUANICUNS: Rev. Faculdade de Educao e Cincias Humanas de AnicunsFECHA/FEA - Gois, xx, xx-xx, 2005

    GUANICUNS: Rev. Faculdade de Educao e Cincias Humanas de AnicunsFECHA/FEA - Gois. N 03/04, 63-85, Nov. 2005 / Jun. 2006.

    DIREITO DO TRABALHO, LEGISLAO TRABALHISTAE INSPEO DO TRABALHO

    Resumo:

    As relaes entre direito do trabalho, legislaotrabalhista e inspeo do trabalho socomplexas e somente sua anlise pode explicara constituio e a razo de ser da inspeo dotrabalho. O direito do trabalho surge com aampliao da diviso social do trabalho ecriao das relaes de trabalho da sociedadecapitalista, proporcionando no somente ummaterial especfico para atuao do direito,como envolvendo este nesse processo deexpanso da especializao na sociedademoderna. A legislao trabalhista o conjuntode leis que buscam regularizar as relaes detrabalho e tem sua origem na luta operriapela diminuio do processo de explorao. Ainspeo do trabalho tem como pr-condioa existncia da legislao trabalhista e do direitodo trabalho. A instituio da inspeo dotrabalho produto da luta de classes, bem comoos elementos que so sua pr-condio, o direitodo trabalho e a legislao trabalhista.

    Palavras-chave:

    Direito do trabalho; Legislao trabalhista;Inspeo do trabalho; Estado; Luta de classes.

    Abstract:

    The relationships among right of the work,labor legislation and inspection of the workare complex and only your analysis can explainthe constitution and the reason of being of theinspection of the work. The right of the workappears with the amplification of the socialdivision of the work and creation of therelationships of work of the capitalist society,providing not only a specific material forperformance of the right, as involving this inthis process of expansion of the specializationin the modern society. The labor legislation isthe group of laws that your look for toregularize the work relationships and was yourorigin in the labor fight for the decrease of theexploration process. The inspection of thework has as pr-condition the existence of thelabor legislation and of the right of the work.The institution of the inspection of the workis product of the fight of classes, as well as theelements that are your pre-condition, the rightof the work and the labor legislation.

    Word-keys:

    Right of the work; Labor legislation; Inspectionof the work; Stat; Fight of classes.

    * Professor da UEG Universidade Estadual de Gois e Doutor em Sociologia/UnB.

    Nosso objetivo no presente artigo discutir as relaes entre direito dotrabalho, legislao trabalhista e inspeo do trabalho. As relaes entre essastrs esferas so extremamente complexas e a sua compreenso envolve umagama de questes que nos fazem abordar vrios outros aspectos relacionadosnuma totalidade ampla de fenmenos, o que significa que iremos trabalhar esta

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    temtica a partir do ponto de vista da totalidade. Assim, iremos analisar odireito do trabalho, a legislao trabalhista e a inspeo de trabalho no comofenmenos isolados, mas como relaes sociais inseridas no conjunto dasrelaes sociais que a sociedade moderna visando explicar o papel da inspeodo trabalho na sociedade moderna.

    Antes de tratarmos do direito do trabalho e da legislao trabalhista necessrio tratar, de forma rpida e resumida, do direito em geral. O que odireito? Como ele constitudo? Esta discusso preliminar um ponto de

    partida para a discusso mais aprofundada que iremos realizar sobre nossatemtica. O direito definido por inmeras formas. Estas formas so diferentese, s vezes, antagnicas. Deixemos de lado as definies fornecidas pelosespecialistas em direito e tomemos como ponto de partida algumas das principaisdefinies sociolgicas e marxistas do direito.

    Para o socilogo Henri Lvy-Bruhl, discpulo de Durkheim, O direito acima de tudo um fenmeno social. A definio sociolgica do direito poderiaser a seguinte: o direito o conjunto das normas obrigatrias que determinamas relaes sociais impostas a todo momento pelo grupo a que pertencemos (Lvy-Bruhl, 1964: 23).

    Daqui podemos extrair uma definio de direito que enfatiza o seu carternormativo e nisto ela coincide com a definio de diversas escolas jurdicas.Entretanto, tal concepo refutada por outras concepes que enfatizam ocarter ideolgico, social, classista ou qualquer outro aspecto do direito emdetrimento da normatividade.

    Para Petr I. Stucka, o direito um sistema (ou ordenamento) de relaessociais correspondente aos interesses da classe dominante e tutelado pela foraorganizada desta classe (Stucka, 1988: 16). Aqui temos uma concepoclassista do direito, que enfatiza o carter de classe do direito, pois ele umsistema de relaes sociais que corresponde aos interesses da classe dominantee que tutelado pelo Estado, a fora organizada desta classe.

    Uma posio prxima a de Stucka representada por outro pretensomarxista russo chamado Evgeny B. Pachukanis. Mas, apesar da proximidade,este apresenta diversas crticas a Stucka. Pachukanis compreende o direitocomo sendo expresso das relaes de produo capitalistas e assim se podeconsiderar a forma jurdica como equivalente da forma mercadoria (Pachukanis,1988). Ambos, entretanto, consideram que o direito est relacionado com aslutas de classes, que seriam seu elemento determinante1.

    Michel Miaille, por sua vez, afirma que o termo direito possui um duplosignificado: Ele significa simultaneamente o conjunto de regras (ditas jurdicas)que regem o comportamento dos homens em sociedade e o conhecimento que

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    se pode ter dessas regras. Esta dualidade apresentada habitualmente nosmanuais e cadeiras sob a distino elegante dos vocbulos: direito-arte, direito-cincia (Miaille, 1989: 25).

    Uma posio semelhante de Stucka e Pachukanis apresentada porRoberto Aguiar:

    O direito um termmetro das relaes sociais em dada sociedade pois,se de um lado ele um dever-ser, um conjunto normativo ideolgico, deoutro ele um fenmeno observvel que surge dos conflitos sociais eserve para controlar esses mesmos conflitos. Assim, o direito ideolgico, interessado, parcial e uma ordem emanada do poder para controlaros destinatrios segundo os interesses e a ideologia dos grupos quelegislam. (Aguiar, 1987: 15).

    Todas estas definies apresentam, a nosso ver, elementos constituintesdo direito. Ele normativo (Lvy-Bruhl, Aguiar, Miaille), ideolgico (Aguiar,Pachukanis), expresso das relaes sociais (Stucka, Pachukanis, Aguiar).Entretanto, do nosso ponto de vista, nenhuma destas concepes conseguemabarcar atotalidadedo fenmeno do direito.

    O que o direito? Tal como Marx colocou (e muitos reconheceram,embora no tenham retirado todas as conseqncias desta constatao, talcomo o caso de Stucka e Pachukanis) o direito uma forma de regularizaodas relaes sociais, ou seja, um elemento da superestrutura. Portanto ele , aomesmo tempo,expressodas relaes de produo e uma das formas existentesde regularizaodestas relaes e no s destas como tambm de todas asrelaes sociais que lhe so derivadas2.

    Isto quer dizer, entre outras coisas, que o direito ao mesmo tempoderivado e determinado pelo modo de produo e um elemento que atua einterfere neste mesmo modo de produo, o que significa dizer que o direitono , como algumas abordagens pretensamente marxistas afirmam, apenasum epifenmeno e sim uma relao social atuante e influente no desenvolvimentohistrico da sociedade. O carter ativo da superestrutura (ou das formas deregularizao, sendo que a idia de regularizao j pressupe o seu carterativo) foi ressaltado vrias vezes por Marx e Engels. Engels deixa isto claro emuma carta endereada Joseph Bloch, onde coloca em evidncia o carterativo das constituies estabelecidas, das formas jurdicas e das ideologias jurdicas:

    Segundo a concepo materialista da histria, o elemento determinanteda histria , em ltima instncia, a produo e a reproduo da vida real.

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    Nem Marx, nem eu dissemos outra coisa a no ser isto. Portanto, sealgum distorce esta afirmao para dizer que o elemento econmico onico determinante, transforma-a numa frase sem sentido, abstrata eabsurda. A situao econmica a base, mas os diversos elementos dasuperestrutura as formas polticas da luta de classes e seus resultados,a saber, as constituies estabelecidas uma vez ganha a batalha pelaclasse vitoriosa; as formas jurdicas e mesmo os reflexos de todas essaslutas reais no crebro dos participantes, as teorias polticas, jurdicas,filosficas, as concepes religiosas e seu desenvolvimento ulterior em

    sistemas dogmticos exercem igualmente sua ao sobre o curso daslutas histricas e, em muitos casos, determinam de maneira preponderantesua forma. H ao e reao de todos estes fatores, no seio dos quais omovimento econmico acaba por se impor como uma necessidadeatravs da infinita multido de acidentes (ou seja, de coisas eacontecimentos cujo vnculo interno to tnue ou to difcil dedemonstrar que podemos consider-lo como inexistente e negligenci-lo). Se assim no fosse, a aplicao da teoria a qualquer perodo histricodeterminado seria, creio, mais fcil do que a resoluo de uma simplesequao de primeiro grau. (Engels apud Marx & Engels, 1987: 29).

    Tal definio, entretanto, insuficiente, pois existem vrias outras formasde regularizao das relaes sociais, tais como a cultura, a sociabilidade, aeducao, o Estado, etc. Por isso necessrio esclarecer a especificidade queassume o direito em relao com as outras formas de regularizao.

    O direito, como toda forma de regularizao das relaes sociais, , elemesmo, uma relao social. Uma relao social s pode existir atravs deindivduos e grupos que se relacionam. Por conseguinte, para o direito existir necessrio que existam indivduos que lhe dem vida e movimento. O direitosurge com a expanso da diviso social do trabalho e, conseqentemente, aformao de especialistas que formam um grupo social que fornece materialidadea este fenmeno social. Estes especialistas so os juristas, advogados,promotores, professores da rea de direito, etc.

    O socilogo Pierre Bourdieu, em sua Sociologia do Campo Jurdico,conseguiu entrever este carter do direito. Isto se deve sua concepo decampo jurdico. Segundo ele:

    Para romper com a ideologia da independncia do direito e do corpo judicial, sem se cair na viso oposta, preciso levar em linha de contaaquilo que as duas vises antagonistas, internalista e externalista,ignoram uma e outra, quer dizer, a existncia de um universo socialrelativamente independente em relao s presses externas, no interior

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    do qual se produz e se exerce a autoridade jurdica, forma por excelnciada violncia simblica legtima cujo monoplio pertence ao Estado e quese pode combinar com o exerccio da fora fsica. As prticas e discursos jurdicos so, com efeito, produto do funcionamento de um campo cujalgica especfica est duplamente determinada: por um lado, pelas relaesde fora especficas que lhe conferem sua estrutura e que orientam aslutas de concorrncia ou, mais precisamente, os conflitos de competnciaque nele tm lugar e, por outro lado, pela lgica interna das obras jurdicasque delimitam em cada momento o espao dos possveis e, deste modo,

    o universos das solues propriamente jurdicas. (Bourdieu, 1989: 211)3

    .Karl Kautski e Friedrich Engels tambm j haviam notado o surgimento

    de uma profisso especfica de cientistas do direito, juristas do direito privado,etc., que, inclusive, permite o surgimento da ideologia jurdica que toma odireito como esfera autnoma e auto-suficiente que possui um desenvolvimentohistrico independente (Kautski & Engels: 1995). Isto tambm foi observadopor Max Weber que considera que o direito racional (moderno) se formoupor diversos motivos, entre os quais os interesses capitalistas, abrindo caminho predominncia do direito e administrao de uma classe de juristasespecialmente treinados na legislao racional (Weber, 1987: 10).

    A partir desta concepo se concebe o direito como expresso e

    regularizao das relaes sociais que tem como materialidade os agentesconcretos e os meios materiais para agir sobre a sociedade. Ele faz isto nosentido de reproduzir as relaes de produo (capitalistas, no caso do direitomoderno) e o conjunto das relaes sociais derivadas delas atravs de normasobrigatrias e da sentena, no caso da transgresso da norma. Nesta definioencontramos reunidos todos os componentes do direito que foram erigidoscomo o direito. Esta uma viso da totalidade do direito e no uma visoparcial deste fenmeno, com todas as suas limitaes.

    Desta forma podemos observar que o direito se caracteriza por ser umaforma de regularizao das relaes sociais atravs de normas e sentenas eque por isso possui um carter normativo que se fundamenta num cdigoescrito4. Ele existe graas aos agentes e meios (tribunal, por exemplo) que lhefornecem sua materialidade e criam as ideologias jurdicas, que so aautoconscincia (falsa, neste caso) de sua existncia. Mas o direito , tambme principalmente, expresso das relaes de produo, ou seja, das lutas declasses. A regularizao que ele busca efetivar atravs das normas e sentenas restringida e limitada pelo modo de produo dominante e por isso se podedizer que o direito possui uma autonomia relativa e no uma autonomia absoluta.Mas o que interessa ressaltar aqui que as caractersticas do direito (o carter

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    normativo, ideolgico, relativamente autnomo e determinado pelas relaesde produo) so consideradas aspectos componentes desta forma especficade relao social. O direito s existe atravs do Estado e por isso que, talcomo este, ele defende geralmente sua autonomia e neutralidade em relaoaos conflitos de classe, buscando, assim, garantir sua legitimidade.

    A realidade viva do direito marcada pelo desenvolvimento histrico dasociedade que o engendra e o determina e por um conjunto de relaes sociaisque so externas (a ao recproca entre o direito, isto , os seus agentes, e a

    sociedade) e internas (a constituio dos agentes do direito, suas formas deprocedimento e conflitos internos, a diviso social do trabalho no seu prpriointerior). A partir desta definio do direito podemos prosseguir nosso estudo efocalizar o direito do trabalho de forma especfica.

    O direito do trabalho um produto da dupla expanso da diviso social dotrabalho: a que ocorre na sociedade como um todo e a que ocorre no interiordo prprio direito. Sem dvida, a expanso da diviso social do trabalho nasociedade que gera a expanso da diviso social do trabalho no direito.

    Segundo Carlos Simes:

    O direito do trabalho, como criao imanente do regime de produo sobas leis do capital, inicia ento (...) seu curso na direo da negociao das

    condies de trabalho, sob a teoria do contrato geral das obrigaes. Coma generalizao da relao de emprego emerge um padro normativo entreas partes, de incio baseado nos costumes. As normas gerais no emergemmecanicamente da estrutura capitalista; ao contrrio, constituem-sehistoricamente, de acordo com a formao social a considerar,especialmente a natureza dos processos de trabalho e o nvel de organizaodos trabalhadores. Inicia-se com regularizao do trabalho de mulheres emenores, o funcionamento dos sindicatos (...) a legislao de acidentesdo trabalho e higiene, legislao do trabalho de mineiros, ferrovirios eestivadores. Neste sentido a regulamentao do trabalho generaliza-se,inclusive internacionalmente, a partir do Tratado de Versalhes e aorganizao interna do trabalho, por abstrao das particularidadesoriginais e apreenso dos princpios gerais adequados s diversas

    formaes sociais. (Simes, 1979: 169).O que observamos a partir desta citao que a legislao trabalhista vai se

    formando e desenvolvendo a partir da consolidao e expanso das relaes deproduo capitalistas e das lutas de classes e isto fornece o material social que irser trabalhado pelo direito do trabalho. Isto quer dizer, entre outras coisas, que,do nosso ponto de vista, direito do trabalho e legislao trabalhistano so a

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    mesma coisa. O direito do trabalho, como o direito em geral, possui um carternormativo (expresso na legislao trabalhista) mas tambm uma ideologia epossui agentes especializados que lhe d vida, entre outros aspectos. Em outraspalavras, a legislao trabalhista faz parte do direito do trabalho mas este maisamplo do que aquela, pois possui diversos aspectos no includos nela.

    A expanso e generalizao das relaes de produo capitalistas e aascenso do movimento operrio produzem a legislao trabalhista, ou seja, omaterial para a existncia do direito do trabalho. Mas s surge uma forma

    especializada do direito, o direito do trabalho, devido expanso da divisocapitalista do trabalho e dos conflitos sociais, que produzem uma ampla divisointerna no prprio direito (o direito criminal, o direito tributrio, o direitocomercial, etc.). O processo de diviso social do trabalho na sociedade capitalista to amplo que produz divises internas no prprio direito do trabalho, que sev dividido em diversos campos de jurisdio especficos5.

    O direito do trabalho passa a ser o espao reservado para aqueles que irose especializar (pois com a crescente complexificao e abrangncia do direitose torna difcil para um indivduo dominar todas as divises do direito, comsua legislao especfica, sua relaes sociais abrangidas, suas ideologias, etc.)na interpretao, julgamento e organizao (inclusive institucional) do direitodo trabalho. Desta forma surge uma esfera especializada na rea do direito, odireito do trabalho, que surge graas ao conflito capital-trabalho e das leisderivadas de tal conflito.

    A legislao trabalhista o conjunto de leis produzidas para regularizar asrelaes de trabalho existentes na sociedade capitalista. Ela nasce com aemergncia do trabalhador juridicamente livre, isto , com a instituio docontrato livre de trabalho6 e com seu desenvolvimento vai se tornando cadavez mais abrangente. Portanto, a legislao trabalhista tem sua origem nasrelaes de trabalho capitalistas. Ela a expresso jurdica destas relaes e, aomesmo tempo, uma tentativa de sua regularizao.

    A partir disto temos que considerar algumas caractersticas da legislaoem geral, a saber: a legislao produto de um determinado contexto da luta declasses (correlao de foras); as leis devem ser adequadas s relaes sociaisreais, sob pena de se tornarem leis mortas; no s a existncia mas suaaplicao resultado de um determinado contexto da luta de classes; a legislaopossui um carter inercial e por isso sua alterao mais lenta do que astransformaes sociais.

    A necessidade de se buscar realizar uma regularizao das relaes detrabalho surge dos conflitos oriundos da. Marx analisa o processo de luta declasses que gera a legislao trabalhista, tal como se v na seguinte afirmao:

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    O estabelecimento de uma jornada normal de trabalho o resultado deuma luta multissecular entre capitalista e trabalhador. Entretanto, ahistria dessa luta mostra duas tendncias opostas. Compare-se, porexemplo, a legislao fabril inglesa de nosso tempo com os estatutosingleses do trabalho do sculo XIV at bem na metade do sculo XVIII.Enquanto a moderna lei fabril reduz compulsoriamente a jornada detrabalho, aqueles estatutos procuravam compulsoriamente prolong-la.Sem dvida, as pretenses do capital, em seu estado embrionrio, quandoele ainda vir a ser, portanto, em que ainda no assegura mediante a

    simples fora das condies econmicas, mas tambm mediantes a ajudado poder do Estado, seu direito de absorver umquantumsuficiente demais-trabalho parecem at modestas, se as comparam com as concessesque ele tem de fazer rosnando e resistindo, em sua idade adulta. Custousculos para que o trabalhador livre, como resultado do modo deproduo capitalista desenvolvido, consentisse voluntariamente, isto, socialmente coagido, em vender todo o seu tempo ativo de sua vida,at sua prpria capacidade de trabalho, pelo preo de seus meios desubsistncia habituais, e seu direito primogenitura por um prato delentilhas. natural, portanto, que a prolongao da jornada de trabalho,que o capital procura impor aos trabalhadores adultos por meio da forado Estado, da metade do sculo XIV ao fim do sculo XVIII, coincidaaproximadamente com a limitao do tempo de trabalho que, na segunda

    metade do sculo XIX, imposta pelo Estado, aqui e acol, transformao de sangue infantil em capital. (Marx, 1988a: 206-207).

    Esta luta multissecular entre capitalistas e trabalhadores possui duastendncias: por um lado, o capital busca aumentar a extrao de mais-trabalhoe por isso lana mo de diversos meios (incluindo a interveno estatal em seufavor) e, por outro, a classe operria resiste e busca impor limites exploraocapitalista. Esta luta invade o espao legal, atingindo a regularizao das relaesde trabalho atravs da legislao.

    A classe operria ao resistir e combater o capital conquista concessesatravs da legislao trabalhista. Porm, este apenas um primeiro momentoda luta. preciso, aps a criao das leis, efetivar uma luta intensa para conseguir

    sua aplicao. Historicamente, tal como Marx colocou, as primeiras conquistasda classe operria no plano legal no foram concretizadas na prtica:

    Logo que a classe trabalhadora, atordoada pelo barulho da produo,recobrou de algum modo os seus sentidos, comeou sua resistncia,primeira na terra natal da grande indstria, na Inglaterra. Contudo, du-rante trs decnios, as concesses conquistadas por ela permanecerampuramente nominais. O parlamento promulgou, de 1802 at 1833, 5 leis

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    sobre o trabalho, mas foi to astuto que no voltou um tosto sequerpara sua aplicao compulsria, para os funcionrios necessrios etc.Essas leis permaneceram letra morta. (Marx, 1988: 211).

    Por conseguinte, podemos dizer que a aplicao efetiva das leis tambmderiva da correlao de foras entre as classes sociais. Entretanto, cumprelembrar que as leis no podem ser totalmente dissonante com as relaes sociaisreais e com a correlao de foras num dado momento. Segundo Stucka:

    Suponhamos que um monarca absoluto promulgue uma lei ordenandoque seja detido o curso de um rio ou o nascimento de um herdeiro, etc.Semelhantes leis entram em vigor? obvio que no. Elas nada ordenam.Por mais absoluto que seja o monarca, a sua vontade est limitada: leisdesse tipo no so promulgadas, mas s lhe so atribudas peloshumoristas. Ele prprio sabe que somente leis humanas que no seoponham s leis da natureza ou do movimento (do desenvolvimento)das relaes sociais podem influir efetivamente nos sistemas das relaessociais. Naturalmente, existem, por toda parte, exemplos de leis que jnasceram mortas, e, primeira vista, pode parecer estranho que sejam topoucas mesmo naqueles tempos em que ningum imaginava ou conheciaa existncia dessas leis do desenvolvimento. (Stucka, 1988: 73).

    Dessa forma, podemos dizer que a legislao , tal como o direito emgeral, expresso e regularizao das relaes sociais. Como expresso ela deveestar adequada s relaes sociais, que impem limites e obstculos a qualquerpretenso pouco realista7. Ao mesmo tempo, elaatua sobre estas relaessociais, buscando regulariz-las, o que significa dizer que ela tambm noultrapassa e no pode ultrapassar estas relaes (ela pode provocar alteraes formaismas no pode realizar transformaesradicais, tal como, por exemplo,substituir as relaes de trabalho capitalistas por relaes de trabalho de cartersocialista). Mas no interior destas relaes possvel que a legislao possaatuar sobre diversos aspectos e assim favorecer, dentro dos seus limites, ocapital ou o trabalho, o que, em ltima instncia, sempre beneficia o primeiro.

    Outra caracterstica da legislao o seu carter inercial. A legislaonunca consegue acompanhar o desenvolvimento das mudanas sociais, estandosempre em atraso em relao a elas8. Isto se deve ao fato de que a legislaodeve ser elaborada para regularizar relaes sociais j existentes e ela no podeprever as mudanas que ocorrero em tais relaes e o processo de elaboraode leis (com certas excees, tais como os decretos e atos institucionaispromulgados pelo poder executivo, principalmente durante os regimes ditatoriais)

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    lento e deve passar por diversas instncias e isto s ocorre dependendo dacorrelao de foras entre as classes sociais. Cabe lembrar aqui a posio de E.Erlich, segundo a qual, a mudana social no gera automtica e imediatamentea mudana jurdica.

    Portanto, a legislao expresso e regularizao das relaes sociais edevido a estes aspectos ela fundamentalmenteconservadora, pois expressaas relaes sociais existentes e quando atua sobre elas (demonstrando o seucarter ativo) para regulariz-las, ou seja, torn-las regular, manter sua

    permanncia e regularidade. claro que, dependendo do contexto da luta declasses, ela pode beneficiar a classe operria, porm dentro dos limites domodo de produo capitalista. O seu carter conservador se expressa na suaimpossibilidade de ultrapassar as relaes sociais capitalistas. Mas a legislaono pode alterar ou criar relaes sociais? Pode instaurar relaes sociaisespecficas que correspondem s necessidades gerais de regularizao legaldas relaes sociais e que esto de acordo com as relaes de produocapitalistas, tal como uma nova lei de trnsito que altera a relao entre pedestree motorista ou que cria uma nova instituio estatal, o que significa criar novasrelaes sociais, tanto internas que surgem na instituio estatal quanto externasque expressam as relaes de tal instituio com a sociedade.

    Isto que foi dito sobre a legislao em geral tambm vale para a legislaotrabalhista em particular. O surgimento e a aplicao desta tambm produto dacorrelao de foras, as leis trabalhistas devem ser adequadas s relaes sociaisreais, ela tambm possui um carter inercial, pois somente atravs da pressoda classe operria que as relaes de trabalho so regularizadas, j que deinteresse do capital no haver nenhuma regularizao, o que facilita a livreexplorao. A legislao trabalhista produz limitaes para a efetivao de umdomnio absoluto da classe capitalista sobre a classe operria (Korsch, 1980).

    Portanto, assim que podemos compreender a emergncia histrica dodireito, do direito do trabalho e da legislao trabalhista: como um resultado daluta de classes. Mas a existncia da legislao trabalhista no garante suaaplicao e por isso que ela , ao mesmo tempo, condio de possibilidade dainspeo do trabalho e, em certo aspecto, depende, para sua efetivao, da lutaoperria e, decorrente disto, da prpria inspeo do trabalho.

    O Estado, segundo a tradio marxista, sempre foi considerado uminstrumento da classe dominante. Tal idia derivada da famosa afirmao deMarx e Engels, segundo a qual, o governo no seno um comit para geriros negcios comuns de toda a burguesia (Marx e Engels, 1988:78).

    Esta idia foi retomada por diversos seguidores de Marx (Lnin, 1987).O Estado aparece assim como um instrumento ou representante da classe

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    dominante ou, segundo expresso de Engels, como capitalista coletivo ideal.Sem dvida, o Estado representa os interesses da classe dominante. Isto ocorrepor diversos motivos. Em primeiro lugar, o fato de que ele absorvido peladinmica do movimento do capital. Tal idia j se encontra em Marx e foidesenvolvida pela chamada Escola Derivacionista (Hirsch, 1990; Salama eMathias, 1981), segundo a qual o Estado derivado do modo de produocapitalista9.

    O Estado tem que seguir a dinmica da acumulao de capital e faz isto

    de formas diferentes em pases capitalistas diferentes. Nos pases capitalistassuperdesenvolvidos (EUA, Europa Ocidental, Japo) seu principal objetivo combater a tendncia queda da taxa de lucro mdio e nos pases capitalistasretardatrios (Terceiro Mundo) criar uma infra-estrutura para odesenvolvimento capitalista. Por conseguinte, observamos que o Estadorepresenta os interesses da classe dominante mas a nfase aqui se coloca sobreseu intervencionismo no processo de produo (ou, como diriam alguns, seupapel econmico). Outros, tal como Lnin, iro enfatizar a ao repressivado Estado atravs de sua interveno direta nas lutas de classes (tal intervenose d atravs do exrcito, da fora policial, etc. e atua reprimindo a mobilizaoda classe operria expressa em greves, manifestaes, organizaorevolucionria, etc.). Alguns iro enfatizar que, ao lado do papel repressivo, oEstado tambm desempenha um papel ideolgico, tal como coloca LouisAlthusser com sua concepo dos aparelhos ideolgicos do Estado (Althusser,1989).

    Entretanto, a nosso ver, esta distino entre papis do Estado ilusria,pois o conflito capital-trabalho se forma e se fundamenta nas relaes de produomas se generaliza para todas as esferas da vida social e por isso atinge no s oprocesso de produo e reproduo do capital mas tambm o mundo das idias,da ao poltica concreta, da vida social em geral e o Estado a principal formade regularizao destas relaes sociais e atua sob mltiplas formas: econmica,poltica, repressiva, ideolgica, etc. Assim, a referncia a papis do Estadotem um valor ilustrativo destas formas de ao estatal e no um carter de expressoda natureza ou essncia do Estado (Viana, 2003).

    O Estado, portanto, expresso poltica da classe dominante e seu objetivo reproduzir as relaes de produo capitalistas sob as mais variadas formas.Mas como explicar a ao estatal fora da esfera da produo a partir daperspectiva de que o Estado absorvido pela dinmica do modo de produocapitalista? Podemos explicar isto lembrando que a dinmica do capital adeterminao fundamental do Estado mas no a nica, pois, como j diziaMarx, seguindo Hegel, o concreto o resultado de suas mltiplas

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    determinaes (Marx, 1983) e para entender os outros aspectos da ao estatal preciso reconhecer suas outras determinaes.

    Em primeiro lugar, podemos definir o Estado como uma relao social dedominao de classe cujo objetivo reproduzir as relaes de produodominantes (Viana, 2003). A forma como ele busca concretizar este objetivovaria de acordo com o modo de produo e por isso nos limitaremos ao casodo Estado capitalista, que derivado do modo de produo capitalista. Estarelao social de dominao de classe no efetivada diretamente pela classe

    dominante pois ela mediada por um conjunto de agentes especializados quepossuem os meios materiais necessrios para realizar seus objetivos.Estes agentes especializados formam o que chamamos de burocracia

    estatal e estes meios materiais so as leis, as instituies, as instalaes, osrecursos, etc., pertencentes ao Estado. A burocracia um elemento fundamentalpara se entender o carter de classe do Estado capitalista. A burocracia sempreconservadora, pois ela s mantm sua existncia com a conservao dainstituio que ela dirige. A burocracia estatal, por conseguinte, deve buscarconservar o Estado para continuar existindo. Para manter o Estado ela precisamanter a estabilidade social e evitar as crises e conflitos, ou seja, precisa buscarmanter e regularizar as relaes de classes existentes. Por conseguinte, aburocracia estatal, independentemente de sua vontade e inteno, representa ointeresse geral da classe dominante.Outro fator que garante a supremacia da burguesia na esfera estatal asua supremacia financeira na sociedade, o que garante maior possibilidade defornecer membros para a burocracia estatal, conquistar o governo atravs doprocesso eleitoral, etc. Alm disso, a burguesia possui um poder de pressosobre o Estado incomparavelmente maior que qualquer outra classe social.Isto tudo reforado por sua hegemonia (cultural, ideolgica, moral) nasociedade civil que tem uma influncia direta sobre o Estado.

    Estas determinaes reforam o carter de classe do Estado capitalista.Neste sentido, o Estado representa os interesses da classe dominante. Mas apartir desta concepo no se torna impossvel compreender a teoria daautonomia relativa do Estado? o que buscaremos responder a partir de agora.

    A partir da tese de que o Estado uma expresso poltica da classedominante surgiram diversas interpretaes simplistas da concepo de Estadode Marx. O Estado seria, segundo a interpretao dominante, to-somente uminstrumento da classe dominante.

    Mas tal concepo foi contestada. Antnio Gramsci, por exemplo,apresentaria o que alguns chamam de concepo ampliada do Estado. Segundoesta concepo, o Estado no apenas a sociedade poltica (o aparelho de

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    Estado) mas tambm a sociedade civil (igrejas, partidos, sindicatos, famlia,etc.). A partir desta concepo surge a idia de que o Estado no apenas uminstrumento da classe dominante e sim o resultado de uma correlao deforas, cuja luta central tem como palco a sociedade civil, que onde as classessociais buscam conquistar a hegemonia (Gramsci, 1988; Coutinho, 1985)10.

    O debate entre estas duas correntes interpretativas continua at dos diasatuais. Porm, julgamos que o prprio Marx j havia superado estas duaspossibilidades de compreenso do Estado. Sem dvida, para Marx, o Estado

    representa os interesses da classe dominante11

    , mas possui, ao mesmo tempo,uma autonomia relativa.Em que consiste esta autonomia relativa? Consiste no fato de que o Estado

    no dirigido diretamente pela classe dominante e que ele pode se voltar contraindivduos ou fraes pertencentes a esta classe e que pode realizar concessespara outras classes sociais. De onde vem esta capacidade do Estado? Estacapacidade de autonomizao do Estado produto da sua materialidade: aburocracia. Segundo Marx:

    Esse poder executivo, com sua imensa organizao burocrtica e militar,com sua engenhosa mquina do Estado, abrangendo amplas camadascom um exrcito de funcionrios totalizando meio milho, alm de mais

    meio milho de tropas regulares, esse tremendo corpo de parasitas queenvolve como uma teia o corpo da sociedade francesa e sufoca todos osseus poros, surgiu ao tempo da monarquia absoluta, com o declnio dosistema feudal, que contribuiu para apressar. (...). A primeira revoluofrancesa, em sua tarefa de quebrar todos os poderes independentes locais, territoriais, urbanos e provinciais a fim de estabelecer aunificao civil da nao, tinha forosamente que desenvolver o que amonarquia absoluta comeara:a centralizao, mas ao mesmo tempo ombito, os atributos e os agentes do poder governamental. Napoleoaperfeioara essa mquina estatal. A monarquia legitimista e a monarquiade julho nada mais fizeram do queacrescentar maior diviso do trabalho,que crescia na mesma proporo em que a diviso do trabalho dentro dasociedade burguesa criava novos grupos de interesses e, por

    conseguinte, novo material para a administrao do Estado. (...).finalmente, em sua luta contra a revoluo, a repblica parlamentarviu-se forada a consolidar , juntamente com as medidas repressivas,osrecursos e a centralizao do poder governamental. (Marx, 1986:113-114 grifos meus).

    O que Marx apresenta a viso do crescimento, consolidao e importnciacrescente da burocracia estatal. Marx acrescenta que sob a monarquia absoluta,

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    durante a primeira revoluo,a burocracia era apenas o meio de preparar odomnio de classe da burguesia. Sob a restaurao, sob Lus Felipe, sob aRepblica Parlamentar,era o instrumento da classe dominante, por muito quelutasse por estabelecer seu prprio domnio (Marx, 1986:114).

    Portanto, Marx coloca que a burocracia lutava para estabelecer o seuprprio domnio, o que significa que ela possui interesses prprios. Ao buscarsatisfazer seus prprios interesses (estabelecer seu prprio domnio) aburocracia estatal concretiza uma maior autonomizao do Estado (Viana, 2003).

    O Estado capitalista, em qualquer perodo histrico, possui uma autonomiarelativa, mas em certos momentos esta autonomia se torna ainda maior. ocaso do perodo bonapartista na Frana, analisado por Marx.

    No caso do bonapartismo analisado por Marx, o que se v a busca daburocracia estatal em conseguir apoio de determinadas classes sociais paramanter sua autonomia. Tal busca de autonomia provocava a aparncia de umaautonomia absoluta, completa12. Mas devemos ressaltar que esta autonomia relativa, pois, tal como Marx colocou, por mais que a burocracia buscasseimplantar seu prprio domnio, continuava servindo aos interesses da classedominante. Por conseguinte, podemos concluir que para Marx a autonomiarelativa do Estado se manifesta atravs da burocracia estatal. Um elementoadicional para se compreender a burocracia estatal se encontra na distinoentre a burocracia permanente (exrcito, funcionrios de carreira, etc.) eburocracia provisria (governo). Ambas compem o bloco dominante ao ladoda burguesia.

    Como conceber as instituies estatais a partir da idia de autonomiarelativa do Estado? Podemos dizer que elas tambm possuem uma autonomiarelativa e que esta autonomia se manifesta atravs dos agentes que lhes dovida. Isto foi colocado, por exemplo, no caso do direito (aparelho judicirio).

    Porm, cabe ressaltar que as instituies estatais possuem uma autonomiarelativa mais ampla. Isto decorre do fato de que estas instituies (autarquias,fundaes, escolas, etc.) possuem um contato mais direto com a populao ouparte dela. Isto as tornam mais sensveis presso social. Alm disso, elaspossuem uma certa autonomia em relao burocracia do Estado, pois suadinmica de atuao est voltada para a instituio que elas dirigem diretamente.

    No caso especfico da inspeo do trabalho, podemos dizer que so osagentes responsveis pela inspeo do trabalho que expressam sua autonomiarelativa. No entanto, esta autonomia relativa e no absoluta. Em primeirolugar devemos colocar que a inspeo do trabalho possui um conjunto deagentes, os inspetores do trabalho, que assumem um determinado papel nadiviso social do trabalho e derivado disso criam seus prprios interesses,

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    ideologias, concepes, etc. por isso que surge a diviso no interior daprpria inspeo do trabalho. Os inspetores do trabalho, tal como todo corpoespecializado em nossa sociedade, busca justificar sua existncia e legitimar assuas atividades especializadas. Isto ocorre de forma quase sempre inintencional,ou seja, sem nenhuma inteno ou planejamentoa priori.

    A diviso da sociedade em classes sociais antagnicas se reflete no mundoda inspeo do trabalho e da surge as duas vises que buscam justific-la elegitim-la. As ideologias e concepes que surgem neste contexto acabam

    influenciando os inspetores e suas atividades. A primeira concepo que buscalegitimar e justificar a inspeo do trabalho a que defende aneutralidadedainspeo do trabalho, pois ela seria neutra, tal como o Estado capitalista. Asegunda concepo defende a tese de que a inspeo do trabalho tem comoobjetivo realizar a proteo dos trabalhadores. A ideologia da neutralidade justifica e legitima a inspeo do trabalho atravs da idia de que ela est acimados conflitos de classes e de que sua misso conquistar o bem comum. Aconcepo da proteo dos trabalhadores justifica e legitima a inspeo dotrabalho atravs da idia de que ela deve proteger os oprimidos dos abusos dosempregadores. Porm, a ideologia da neutralidade apresenta implicitamente aidia de uma suposta autonomia (absoluta) da inspeo do trabalho enquantoque a outra reconhece sua ligao com as lutas sociais13.

    De qualquer forma, a inspeo do trabalho busca se autonomizar e possuium elemento importante que lhe facilita realizar este processo: a legislao. Alegislao e a funo da inspeo do trabalho em assegurar o seu cumprimentoamplia o seu campo de ao e sua autonomia. Porm, ela precisa dos recursosnecessrios para efetivar isto e estes so distribudos pelo Estado. Isto significaque o maior ou menor grau de autonomizao da inspeo do trabalho (emrelao ao Estado) depende das lutas sociais e da presso social. Isto podedeixar entrever que a inspeo do trabalho tem interesse no desenvolvimentodas lutas operrias e na sua divulgao junto ao movimento dos trabalhadores,pois, com a presso deste, ela pode se fortalecer.

    A compreenso da relao entre inspeo do trabalho e luta de classes fundamental. A inspeo do trabalho instituda pelo Estado e tem sua base deatuao fundamentada na legislao, na poltica do Estado e nas lutas de classes.A legislao e a poltica estatal tambm esto envolvidas pela luta de classes.Por conseguinte, a determinao fundamental da inspeo do trabalho a lutade classes.

    A fora ou fraqueza da inspeo do trabalho est relacionada com a foraou fraqueza do movimento operrio. A existncia de uma legislao trabalhistafavorvel aos trabalhadores depende fundamentalmente da luta operria e o

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    mesmo ocorre com a poltica estatal referente inspeo do trabalho (Viana,1999), tal como colocamos anteriormente.

    Porm, o que nos interessa aqui a relao direta entre inspeo do trabalhoe luta de classes. Em primeiro lugar, devemos lembrar que existe uma luta declasses na produo (Magaline, 1977; Barsted, 1982; Cleaver, 1981; Viana,2003) e que a legislao trabalhista pode interferir nela, desde que sejaefetivamente aplicada. A inspeo do trabalho interfere no sentido de assegurara aplicao da lei e quando ela concretiza isto ocorre a manuteno da explorao

    capitalista dentro dos limites legais. Mas a inspeo do trabalho nem semprecumpre com sua funo, seja pela falta de meios materiais, seja pela prpriaposio assumida pela inspeo do trabalho. No segundo caso, entra a questode qual classe social possui hegemonia no interior da inspeo do trabalho.

    Ocorre, assim, uma ciso no interior da inspeo do trabalho: de um lado,um segmento submetido pela hegemonia burguesa, de outro, um segmentoque busca, dentro de determinados limites, defender os interesses doproletariado.

    O setor submetido hegemonia burguesa apresenta uma ideologia bemdefinida: a inspeo do trabalho deve ser neutra e seu papel deve serfundamentalmente de aconselhamento e no de represso. Este setor apresentauma interpretao das normas da OIT Organizao Internacional do Trabalho num sentido bastante conservador. Ele, das trs funes principais da inspeodo trabalho (assegurar a aplicao da lei, fornecer informaes e conselhostcnicos, chamar a ateno da autoridade competente sobre deficincias dalegislao), presentes nas Normas Internacionais do Trabalho da OIT, enfatizaa segunda, ou seja, a funo de fornecer informaes e conselhos tcnicos.Da a sua viso de que a tarefa da inspeo do trabalho fundamentalmente oaconselhamento. Quando toca na funo de assegurar a aplicao da lei a desviapara a mera fiscalizao das empresas (sendo que na verdade, tal fiscalizao apenas uma etapa preliminar que deve desembocar na represso daqueles queinfringiram as leis). A terceira funo nunca lembrada e isto refora a idia deque o inspetor deve ser neutro e seguir o que diz a lei.

    Esta perspectiva da inspeo do trabalho no s se submete hegemoniaburguesa como, na prtica, beneficia a classe capitalista, pois, ao evitar emassegurar o cumprimento da lei e proteger os trabalhadores, permite a expansoda explorao capitalista para alm dos limites legais.

    O setor da inspeo do trabalho que busca a proteo dos trabalhadorespossui uma concepo diferente. Tal setor no aceita a ideologia da neutralidadee assume explicitamente a posio de que inspeo do trabalho deve ter comopapel a proteo dos trabalhadores. Este setor tambm apresenta uma

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    interpretao prpria das funes da inspeo do trabalho contidas nas normasda OIT. Das trs funes principais da OIT, ela enfatiza a deassegurar aaplicao da legislao.Neste sentido, este setor enfatiza o aspecto repressivoda inspeo do trabalho em contraposio ao aspecto conciliador contido nasegunda funo (fornecer informaes e conselhos tcnicos) enfatizada pelooutro setor. As outras duas funes so relegadas a um segundo plano.

    Assim, observamos que para haver inspeo do trabalho preciso, almdo surgimento do conflito capital-trabalho, que sua razo de ser, uma legislao

    trabalhista, um corpo especializado de inspetores do trabalho com poderes econdies adequadas de trabalho, uma presso social para a efetiva aplicaoda legislao trabalhista. Tambm observamos que no decorrer do processohistrico marcado por lutas sociais vai se constituindo a inspeo do trabalhoem diversos pases.

    No interior do corpo de inspeo do trabalho existem duas posiesprincipais a respeito do papel da inspeo do trabalho. Segundo um determinadoponto de vista, a inspeo do trabalho deve se limitar a fiscalizao da lei a aoaconselhamento das partes em conflito, mantendo uma posio de neutralidade.Segundo um outro ponto de vista, a inspeo do trabalho deve se posicionar afavor da classe trabalhadora, pois sua funo seria a de proteo dos trabalhadoresassegurando a aplicao da legislao trabalhista.

    O primeiro ponto de vista assume uma postura nitidamente conservadora,pois no s postula uma neutralidade impossvel como tambm retrocede emrelao s prprias Convenes da OIT. O segundo ponto de vista pode sercontestado a partir de uma perspectiva revolucionria, pois, a partir destaperspectiva, a funo da inspeo do trabalho seria a de proteger os trabalhadoresdentro dos limites da legislao trabalhista, que regulariza e torna lei as relaesde trabalho institudas pelo capital e que so marcadas pela explorao. Nestesentido, a inspeo do trabalho possuiria um papel conservador, j que noultrapassaria as relaes jurdicas institudas pelo capital e ao realizar a proteodos trabalhadores dentro dos limites legais reforaria a ideologia da neutralidadedo Estado, contribuindo, assim, com a legitimao das relaes sociaisexistentes.

    Entretanto, um terceiro ponto de vista pode ser apresentado. O conflitoentre capital-trabalho gera a necessidade de regularizao das relaes de trabalhoatravs da legislao trabalhista instituda pelo Estado. A inspeo do trabalhotambm instituda pelo Estado para assegurar a aplicao desta legislao. Oconflito capital-trabalho ocorre tanto na esfera das relaes de trabalho (que setrata da luta em torno do mais-valor que provoca uma disputa em torno dotempo de trabalho e da produtividade, o que significa uma luta cotidiana no

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    interior das fbricas e empresas) quanto em outras esferas, tal como na esfera jurdica, que , por exemplo, onde se regulariza a jornada de trabalho. Porconseguinte, podemos observar que a interveno da inspeo do trabalho noslocais de trabalho uma interferncia no conflito cotidiano entre capital e trabalhono interesse dos trabalhadores, pois quem infringe as leis a classe capitalistavisando aumentar seu lucro e no a classe trabalhadora que no tem forasuficiente para infringir a lei em seu favor (o que ocorre somente em perodosrevolucionrios, quando h greve de ocupao ativa, etc.).

    Assim, a inspeo do trabalho no ultrapassa os marcos das relaes detrabalho da sociedade capitalista, mas pode, no interior deste limite, expressaros interesses imediatos da classe trabalhadora. Porm, no pode expressarimediatamente seus interesses histricos (a transformao social). Determinadosinteresses imediatos da classe trabalhadora entram em contradio com seusinteresses histricos. Por exemplo, o aumento salarial um interesse imediatoda classe trabalhadora, mas no ultrapassa os marcos da sociedade capitalista,pois isto s tem sentido no interior de relaes salariais. Tal interesse imediato,no entanto, caso se concretize, significando aumento de salrio real, no entraem contradio com seus interesses histricos, pois cria dificuldades para areproduo do capital (diminuio da taxa de lucro) e assim beneficia uma lutamais profunda ao acirrar as contradies da sociedade capitalista.

    Na esfera jurdica, por sua vez, predominam os interesses da classecapitalista mas a classe trabalhadora tambm pode conquistar concesses nestaesfera e o exemplo da reduo da jornada de trabalho confirma isto (Marx,1988a). Por conseguinte, se a classe trabalhadora consegue arrancar concessesnesta esfera, ela precisa, num segundo momento, fazer com que tais concessessejam efetivadas na prtica. Para conseguir isto ela precisa de um amplomovimento e assim pressionar o Estado neste sentido. Desta forma podemosdizer que foi o desenvolvimento das lutas sociais dos trabalhadores que produziua legislao trabalhista e posteriormente a inspeo do trabalho.

    Apesar disso, a legislao trabalhista e a inspeo do trabalho nem semprebeneficiam a classe trabalhadora, pois isso depende da correlao de forasnum dado momento histrico. Em determinado perodo histrico, dependendoda correlao de foras, a legislao trabalhista e a inspeo do trabalho podemestar mais ou menos favorvel aos interesses da classe trabalhadora. Naatualidade, por exemplo, h um processo de desregulamentao das relaesde trabalho, o que significa um solapamento tanto da legislao trabalhistaquanto da inspeo do trabalho.

    Esta correlao de foras tambm atinge o prprio corpo dos inspetoresdo trabalho, pois ele no est imune aos conflitos sociais. A inspeo do trabalho,

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    por possuir, tal como j colocamos, uma autonomia relativa mais ampla que oEstado e ter uma maior proximidade e ligao com a sociedade civil, pode seautonomizar e defender sua funo de proteo dos trabalhadores, mesmoporque sua sobrevivncia depende desta proteo, a no ser que ela sedescaracterize por completo e deixe de ser inspeo do trabalho.

    A inspeo do trabalho possui um corpo de inspetores do trabalho que, aose desenvolver, criam interesses e ideologias prprias. Como ela perpassadapelos conflitos de classes e realiza sua atuao no corao da luta de classes

    nas relaes de trabalho , ento ela acaba se dividindo internamente, entre osque tomam partido da classe capitalista e os que tomam partido da classe operria.Essa diviso interna da inspeo do trabalho possui diversas causas e

    varia de pas para pas. Entre as principais causas desta diviso podemos citara origem social dos inspetores, os interesses prprios derivados da prpriaorganizao e objetivo da inspeo do trabalho, da relao da inspeo do trabalhocom o Estado, os conflitos sociais e a sociedade civil como um todo, a dinmicada prpria inspeo do trabalho e suas organizaes sindicais, etc. Mas todosesses aspectos podem ser derivados das lutas de classes que os constituem.

    Dessa forma, a definio de inspeo do trabalho, segundo a qual ainspeo do trabalho resultado do conflito e correlao de foras entre capitale trabalho e consiste em ser um servio estatal que tem como objetivo asseguraro cumprimento da legislao trabalhista, ou seja, que busca efetivar aregularizao das relaes de trabalho imposta pela legislao trabalhista, deveser complementada. Podemos acrescentar colocando que este um servioestatal relativamente autnomo realizado por um grupo social especfico quepossui interesses particulares e ideologias prprias. assim que a inspeo dotrabalho se insere na dinmica da luta de classes. O objetivo do presente textofoi abordar as relaes entre direito do trabalho, legislao trabalhista e inspeodo trabalho visando entender a inspeo do trabalho e suas determinaes eassim pudemos observar que a dinmica da luta de classes fornece tanto omaterial quanto a razo de ser da inspeo do trabalho.

    NOTAS

    1 Tambm existem divergncias entre estes dois autores (por exemplo: para Pachukanis odireito s existe de forma plena na sociedade capitalista com seu carter mercantil enquantoque para Stucka ele existiu tambm em sociedades pr-capitalistas, tais como a sociedadeescravista e feudal) convivendo com convergncias, o que se nota no s na polmica entreeles, mas tambm nas crticas que eles endeream a outros (cf. Stucka, 1988; Pachukanis,1988); para uma anlise e contextualizao histrica da obra destes e de outros pretensosmarxistas russos que se debruaram sobre a questo do direito, veja-se: Cerroni, 1976.

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    2 Sobre as formas de regularizao das relaes sociais, veja: Viana, 1997.3 Karl Kautski e Friedrich Engels tambm j haviam notado o surgimento de uma profisso

    especfica de cientistas do direito, juristas do direito privado, etc., que, inclusive, permite osurgimento da ideologia jurdica que toma o direito como esfera autnoma e auto-suficienteque possui um desenvolvimento histrico independente (Kautski & Engels, 1995). Istotambm foi observado por Max Weber que considera que o direito racional (moderno) seformou por diversos motivos, entre os quais os interesses capitalistas, abrindo caminho predominncia do direito e administrao de uma classe de juristas especialmente treinadosna legislao racional (Weber, 1987: 10).

    4 Existe um amplo debate sobre a universalidade ou no do direito. Para alguns, o direito

    universal, ou seja, se encontra em todas as sociedades (o direito no estaria, neste caso,relacionado com cdigos escritos e onde no existe esta organizao judicial se pode falar emdireito consuetudinrio instaurado pelo costume). Para outros, o direito propriamente ditos existe na sociedade moderna, enquanto que alguns limitam sua existncia algumassociedades de classes (o que incluiria o modo de produo escravista e tributrio, alm, claro,do capitalismo). O antroplogo Jack Goody afirma o seguinte: o prprio fato de a lei existirna forma escrita traz uma profunda diferena, em primeiro lugar relativamente natureza desuas fontes, em segundo lugar aos modos de modificar as regras, em terceiro lugar ao processo judicial, e em quarto organizao do tribunal. Com efeito, toca a natureza das prpriasregras (Goody, 1987: 156). A posio de que o direito s existe em sociedades complexastambm defendida por Engels (cf. Engels, 1975) e Pachukanis (cf. Pachukanis, 1988)enquanto que a outra posio defendida por, entre outros, Stucka (1988) e Shelton Davis,Max Glucksman e outros antroplogos (cf. Davis, 1973).

    5 Ao desenvolvimento da diviso social do trabalho vai correspondendo a diviso do direitosocial como desdobramento especfico de uma seo do velho direito civil. A jurisdio sobreas relaes de trabalho passa a articular-se de acordo com tenses sociais especficas, queadquirem coloraes distintas, como a da relao privada frente relao pblica de emprego(...); relao urbana frente relao agrria de emprego (...); relao trabalhista no sentidoestrito frente relao previdenciria, ou seja, direito dos trabalhadores ativos em relaocom o trabalho suspenso ou encerrado (...); direito individual frente ao direito coletivo ousindical; e finalmente como direito nacional distinto do direito internacional do trabalho(Simes, 1979: 170).

    6 Segundo Korsch, comparado com as formas servis de trabalho da Idade Mdia, o contratolivre de trabalho constitui um progresso real no s da perspectiva da classe burguesa mastambm da classe trabalhadora (1980, p. 8). Apesar disso, na sociedade burguesa a classedos assalariados no livre e no possui os mesmos direitos que a classe capitalista, eportanto, cada um dos trabalhadores pertencentes classe assalariada no goza na sociedadeburguesa de verdadeira liberdade nem de uma verdadeira igualdade de direitos com os membrosda classe capitalista dominante. Isto se mostra tanto em sua posio social geral (sua condio

    de vida geral) como especialmente em sua posio na empresa (sua relao de trabalho)(Korsch, 1980: 09).7 o que Rosa Luxemburgo quis dizer quando afirmou que no se pode realizar o socialismo por

    decreto: esta transformao e esta mudana [a instaurao do socialismo NV] no podemser decretadas por nenhuma autoridade, comisso ou Parlamento: s a prpria massa podeempreend-las e realiz-las (Cf. Luxemburgo, 1991:101).

    8 Esta relao entre mudana jurdica e mudana social tratada por muitos autores, entre osquais Erlich e Renner. Sobre estes dois autores, veja-se um comentrio em: Lopes, 1988. JuanRmon Capella chega mesmo a afirmar que o direito atual to inercial que , na verdade, um

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