Divulgação técnica vírus oncogênicos em animais.

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Biológico , São Paulo, v.71, n.1, p.21-27, jan./jun., 2009 DIVULGAÇÃO TÉCNICA VÍRUS ONCOGÊNICOS EM ANIMAIS A.M.C.R.P.F.M. Martins; M.H.B. Catroxo Instituto Biológico, Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Sanidade Animal, Av. Cons. Rodrigues Alves, 1252, CEP 04014-002, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: [email protected] RESUMO O crescente desenvolvimento da pecuária e a expansão de fronteiras físicas e comerciais têm levado ao aparecimento de diferentes patogenias infecciosas. Muitos vírus oncogênicos são responsáveis por enfermidades importantes na criação, mas poucos estudados no Brasil, apesar de provocarem perdas significativas em nossos rebanhos, afetando diretamente a exportação da carne e, portanto, ocasionando severas perdas econômicas. Demonstrou-se, assim, que diversos vírus de DNA e RNA são oncogênicos, em uma grande variedade de animais, desde anfíbios até primatas e, há evidências, cada vez maiores, de alguns cânceres humanos terem origem viral. PALAVRAS-CHAVE: Vírus oncogênicos, neoplasias virais, retrovírus, DNA vírus. ABSTRACT ONCOGENIC VIRUSES IN ANIMAL. The increasing development of livestock and the expansion of both physical and commercial borders have led to the appearance of various infective pathologies. Many oncogenic viruses are responsible for major diseases in farms. Little study has been carried out about those viruses in Brazil, despite the significant losses they cause in our herds with the consequent reduction in the meat exportation and the related severe economic losses. It was demonstrated, thus, that various viruses of DNA and RNA are oncogenic in a large variety of animals, from amphibians to primates, and there is also an ever increasing evidence that some human cancers have a viral origin. KEY WORDS: Oncogenic viruses, viral neoplasms, retrovirus, DNA virus. INTRODUÇÃO O avanço das técnicas de investigação biomédica e biologia molecular levou à observação da estreita relação entre certos vírus e alguns tipos de câncer em vários animais. Demonstrou-se, assim, que diversos vírus de DNA e RNA são oncogênicos, em uma gran- de variedade de animais, desde anfíbios até primatas e, há evidências, cada vez maiores, de alguns cânceres humanos terem origem viral. As neoplasias são doenças genéticas e, tanto as benignas como as malignas, originam-se de uma única célula que sofreu lesões genéticas randômicas. Os cânceres, além disso, podem estar envolvidos com as alterações nas restrições normais da proliferação celular, diferenciação e apoptose, sendo que existe um número finito de vias nas quais as restrições podem ocorrer. De fato, alterações em grupos pequenos de genes parecem ser os responsáveis por muitos dos compor- tamentos desordenados das neoplasias malignas e, 3 classes de genes reguladores normais constituem os principais alvos da lesão genética (Fig 1): Proto-oncogenes promotores do crescimento; Genes supressores dos inibidores do crescimento de câncer (antioncogene) e Genes que regulam a morte celular programada. Fig 1 - Localização subcelular e funções das principais classes de genes associados ao câncer; proto-oncogens em vermelho; genes supressores em azul e genes do reparo de DNA em verde. Genes que regulam a apoptose em púrpura (CONTRAN et al., 1999).

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Vírus oncogênicos em animais.DIVULGAÇÃO TÉCNICA

VÍRUS ONCOGÊNICOS EM ANIMAIS

A.M.C.R.P.F.M. Martins; M.H.B. Catroxo

Instituto Biológico, Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Sanidade Animal, Av. Cons. Rodrigues Alves,1252, CEP 04014-002, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: [email protected]

RESUMO

O crescente desenvolvimento da pecuária e a expansão de fronteiras físicas e comerciais têmlevado ao aparecimento de diferentes patogenias infecciosas. Muitos vírus oncogênicos sãoresponsáveis por enfermidades importantes na criação, mas poucos estudados no Brasil, apesarde provocarem perdas significativas em nossos rebanhos, afetando diretamente a exportação dacarne e, portanto, ocasionando severas perdas econômicas. Demonstrou-se, assim, que diversosvírus de DNA e RNA são oncogênicos, em uma grande variedade de animais, desde anfíbios atéprimatas e, há evidências, cada vez maiores, de alguns cânceres humanos terem origem viral.

PALAVRAS-CHAVE: Vírus oncogênicos, neoplasias virais, retrovírus, DNA vírus.

ABSTRACT

ONCOGENIC VIRUSES IN ANIMAL. The increasing development of livestock and theexpansion of both physical and commercial borders have led to the appearance of various infectivepathologies. Many oncogenic viruses are responsible for major diseases in farms. Little study hasbeen carried out about those viruses in Brazil, despite the significant losses they cause in our herdswith the consequent reduction in the meat exportation and the related severe economic losses. Itwas demonstrated, thus, that various viruses of DNA and RNA are oncogenic in a large varietyof animals, from amphibians to primates, and there is also an ever increasing evidence that somehuman cancers have a viral origin.

KEY WORDS: Oncogenic viruses, viral neoplasms, retrovirus, DNA virus.

INTRODUÇÃO

O avanço das técnicas de investigação biomédicae biologia molecular levou à observação da estreitarelação entre certos vírus e alguns tipos de câncer emvários animais. Demonstrou-se, assim, que diversosvírus de DNA e RNA são oncogênicos, em uma gran-de variedade de animais, desde anfíbios até primatase, há evidências, cada vez maiores, de alguns câncereshumanos terem origem viral.

As neoplasias são doenças genéticas e, tanto asbenignas como as malignas, originam-se de umaúnica célula que sofreu lesões genéticas randômicas.Os cânceres, além disso, podem estar envolvidos comas alterações nas restrições normais da proliferaçãocelular, diferenciação e apoptose, sendo que existe umnúmero finito de vias nas quais as restrições podemocorrer.

De fato, alterações em grupos pequenos de genesparecem ser os responsáveis por muitos dos compor-tamentos desordenados das neoplasias malignas e, 3classes de genes reguladores normais constituem osprincipais alvos da lesão genética (Fig 1):

Proto-oncogenes promotores do crescimento;Genes supressores dos inibidores do crescimento

de câncer (antioncogene) e Genes que regulam amorte celular programada.

Fig 1 - Localização subcelular e funções das principaisclasses de genes associados ao câncer; proto-oncogens emvermelho; genes supressores em azul e genes do reparode DNA em verde. Genes que regulam a apoptose empúrpura (CONTRAN et al., 1999).

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Também é pertinente uma 4a classe de genes paraa carcinogênese: genes que regulam o reparo doDNA danificado.

O fenômeno da progressão tumoral leva normal-mente muitos anos, reflexo da evolução por mutaçõese seleção natural entre as células somáticas (genera-lizando-se, podemos dizer que os tumores benignos,em sua maioria, crescem lentamente no decorrer deum período de anos e a maioria dos malignos crescerapidamente, muitas vezes em ritmo errático) (Figs. 2e 4). Essa taxa de progressão pode ser acelerada poragentes mutagênicos (iniciadores tumorais) e agentesnão mutagênicos (promotores tumorais), que afetama expressão do gene, estimulam a proliferação celulare alteram o equilíbrio entre células mutantes e nãomutantes.

Vírus da mieloblastoseMieloblastoseVírus da retículo endotelioseaviária Reticuloendoteliose

Herpesviridae Vírus da d. Marek Linfoma

VÍRUS ONCOGÊNICOS DE DNA

Diversos DNA vírus foram associados à causa deneoplasias malignas em animais e no homem. Algunsdeles como os adenovírus causam tumores apenas emanimais de laboratório e outros, como o vírus dopapiloma bovino, provocam neoplasias benignas emalignas no seu hospedeiro natural.

Os vírus de DNA transformantes formam associ-ações estáveis com o genoma da célula hospedeira.Esse vírus integrado é incapaz de completar seuciclo de replicação porque seus genes essenciaispara completar seu ciclo de replicação são interrom-pidos durante a integração do DNA viral. Os genesvirais que são transcritos precocemente (genes inici-ais) no ciclo de vida do vírus são importantes paraa transformação, sendo expressos na célula trans-formada.

Assim, por exemplo, análises moleculares de car-cinomas e verrugas benignas por HPV (vírus dopapiloma humano), revelam diferenças que podemser pertinentes para a atividade de transformaçãodesses vírus.

Nas verrugas e lesões pré-neoplásicas, o genomado HPV é mantido em forma epissômica (não inte-grada) ao passo que nos carcinomas o DNA viral, emgeral, está integrado ao genoma da célula hospedei-ra. Isso sugere que a integração do DNA viral éimportante para a transformação maligna. Essaintegração é randômica, mas o padrão de integraçãoé clonal (local idêntico em todas as células de deter-minado câncer).

O sítio em que o DNA viral é interrompido durantea integração é bastante constante: quase sempre den-tro da estrutura de leitura E1 / E2 do genoma viral (aregião E2 do DNA viral normalmente reprime a trans-crição dos genes virais E6 e E7 e sua interrupção levaa superexpressão de proteína E6 e E7). Proteína E6 liga-se ao p53 facilitando sua degradação e a proteína E7liga-se à forma fosforilada da proteína Rb supressorade tumor, deslocando os fatores de transcrição E2normalmente ligados pela proteína Rb. A co-transfecção com gene trasmutado resulta em transfor-mação maligna completa.

Dessa forma provavelmente a infecção por HPVatue como evento iniciador, sendo a ocorrência demutação somática essencial para a transformaçãomaligna, como, por exemplo, a presença de infecçõesmicrobianas coexistentes, deficiência protéico, alte-rações hormonais.

Fig. 2 - Crescimento tumoral (CONTRAN et al., 1999).

Exemplo de RNA e DNA Vírus podem induzirneoplasias malignas nos animais:Bovino Retroviridae Vírus da leucose bovina

LeucosePapovaviridae Papilomavirus bovinoIV

Carcinoma intestinal, v.uriná-ria

Gato Retroviridae Vírus da leucose felina LeucoseVírus do sarcoma felino Sarcoma

Galinha Retroviridae Vírus da leucose aviária Leu-cose, nefroblastomaVírus do sarcoma de RousSarcomaVírus da eritroblastose aviáriaEritoblastose

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No homem, o HBV pode causar hepatocarcinomae seu DNA está integrado no DNA da célula hospedei-ra com inserções também clonais. Entretanto, o genomado HBV não codifica qualquer oncoproteína e tam-bém não tem um padrão consistente de integração navizinhança de qualquer proto-oncogene. Assim, acre-dita-se que o efeito do HBV seja indireto e possivel-mente multifatorial: a lesão crônica dos hepatócitos ea hiperplasia regenerativa pelo HBV podem levar aoaparecimento de mutações espontâneas ou podemser provocadas por agentes ambientais, comoaflatoxina na dieta.

Além disso, o HBV codifica um elemento regula-dor, a proteína Hbx, que desorganiza o controlenormal de crescimento de hepatócitos infectadospor provocar a transcrição de vários genes promo-tores de crescimento como o fator de crescimentoinsulina II. A proteína Hbx liga-se a p53 e assimparece interferir na sua atividade de supressor detumor.

HERPES (O mais importante oncogênico dos ví-rus DNA). Associa-se com Carcinomas uterinos e decérvix (Herpes II), com o Carcinoma nasofaringeanoe com o Linfoma de Burkitt (Vírus de Epstein-Barr/daMononucleose infecciosa), com a “Doença deMAREK” (“Herpes Virus of Turkey” /vacinaçãoprofilática que não protege contra a infecção, mas simcontra a formação da neoplasia), com o“Adenocarcinoma renal de rãs de LUCKÉ” (únicoexemplo de vírus oncogênico dependente de tempera-tura/ no inverno o tumor não cresce, mas produzvírus; enquanto que no verão o tumor cresce mas nãoproduz vírus).

PAPOVA (Papilomas/cães, bovinos, homem?Poliomas/infecções inaparentes em camundongosadultos e neoplasias em recém nascidos;Vacuoloma/ Símio Vacuolizante 40 - obtido de cul-turas de células renais de macacos Rhesus ocasio-nando sarcomas em hamster recém nascido). Podemocasionar: a)Infecção produtiva com lise celular;b)Transformação ou iniciação (inserção do DNAviral no genoma celular ocasionando perda do con-trole do crescimento celular).

ADENOVIRUS - Tumores produzidos somenteem condições de laboratório.

VÍRUS ONCOGÊNICOS DE RNA

Os vírus da subfamília Oncoviridae são os prin-cipais agentes de leucemia (leucose) e linfomas emmuitas espécies animais como bovinos, felinos,símios, murinos e aves (Fig. 5). Esses retrovírus agru-pam-se em diferentes gêneros, mas o gênero maisnumeroso é o com vírus de morfologia tipo C e,também, o com maior envolvimento na tumorigênese(LOWER, 1999).

Fig. 5 - Leucose bovina na forma enzoótica: hipertrofiamuito acentuada do linfonodo pré-escapular e de umlinfonodo subcutâneo sobre a escápula.

Fig. 4 - Jaguatirica (Leopardus pardalis) com carcinomaescamoso invasivo. Inicialmente, constatou-se midríase,com protusão de terceira pálpebra no olho direito, pupilanão responsiva e reflexo palpebral quase ausente. Obser-vou-se, também, início de úlcera córnea por menor lubri-ficação, ausência de reflexo da orelha direita e umatumefação de coloração rósea, 3 x 1,5 cm, na entrada docanal auricular direito, com perfurações e ulcerações damesma tonalidade na face interna do pavilhão auriculardireito.

Fig. 3 - Desenho esquemático do retrovírus (www.opusgay.org/HIV-DST.html).

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Retrovírus defeituosos e não defeituosos

Retrovírus endógeno não defeituoso típico con-tém 2 cópias idênticas de uma molécula de RNA ecada uma delas contem 3 genes: GAG ( codifica as 4proteínas nucleares ), pol (codifica a única polimerasevírica ativa: transcriptase reversa) e env (codifica 2glicoproteínas do envoltório) (Fig. 3) (ASCH, 1999).

Retrovírus exógeno transformante rápido con-tém um 4o gene, onc. Como esse oncogene se incor-pora no RNA viral ocupando parte de um ou maisgenes virais normais, o genoma resultante serádefeituoso e, portanto, para que ocorra sua repli-cação há necessidade de retrovírus cooperadoresnão defeituosos.

Exceção é o vírus do sarcoma de Rous, muitousado em experimentos clássicos. Seu genoma éatípico porque contém um oncogene viral (v-onc) ecópias completas de todos os outros genes retrovirais(gag, pol e env).

RETROVÍRUS ENDÓGENOS E EXÓGENOS

Retrovírus endógeno : uma cópia DNA com-pleta do genoma (provírus), em determinadas

situações, em muitas espécies de retrovírus, podeser transmitida ao DNA da linhagem germinalmaterna à prole por herança mendeliana. Perpe-tua-se, assim, esse DNA em todas as células deum indivíduo, em algumas espécies de vertebra-dos (PALMARINI , 2000). Ex retrovírus PERV-A ePERV-B em suínos (FISCHER et al ., 2001; IRGANG etal ., 2005).

Esses genomas provirais são controlados pelosgenes reguladores das células e normalmente sãosilenciosos devido a mutações, deleções ou transpo-sições. Segundo BLAISE et al. (2003), sequênciasendógenas de retrovírus representam 8% do genomahumano.

Sugere-se que esses provírus possam ser ativadospor diversos fatores como radiações, exposição asubstâncias químicas mutagênicas ou carcinogênicas,hormônios etc.

Retrovírus exógeno: retrovírus com comportamen-to infeccioso típico, disseminando-se horizontalmen-te por contacto(PALMARINI, 1999).

Muitos retrovírus exógenos são recombinantesproduzidos em laboratório ou por co-infecção casualde um animal, não se encontrando como provírusendógeno na natureza (Quadro 1).

Quadro 1 - Retrovirus exógenos.

Gênero Subgrupo Espécie

1. Alphavirus ALV (vírus da leucose aviária)

2.Betavirus vírus tipo B MMTV(v.do tumor mamário em camundongo)vírus tipo D MPMV (v. Mason Pfizer de macaco)

SRV (retrovírus símio)JSRV (retrovírus Jaagsiekte em carneiro)ENTV(v.enzóotico tumor nasal em carneiros

3.Gammavirus vírus tipo C(mamíferos) MuLV (v. leucemia murina)GaLV (v. leucemia macaco Gibão)FeLV(v. leucemia felina)REV (v. da reticuloendoteliose)

4.Deltaretrovirus vírus linfotrópicos( célula T) em primatas HTLV (v. linfoc cel T homem)STLV (v. linfoc cel T símio)BLV (v. leucose bovina)

5. Lentivirus vírus da imunodeficiência HIV (v. imunodeficiência humana)SIV (v. imunodeficiência símio)FIV (v. imunodeficiência felina)BIV (v. imunodeficiência bovina)

Lentivirus ungulados MVV (v. Maedi Viana)CAEV (v. da encefalite artrite caprinos)EIAV (v. anemia infecciosa eqüina)

6. Spumavirus SFV (v. foamy(espumante) símio)FFV (v. foamy(espumante) felina)BFV (v. foamy(espumante) bovina)EFV (v. foamy(espumante) eqüina)

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Tumorigenicidade Muitos dos retrovírus endógenos não produzem

enfermidade, não transformam células em cultura,não contendo oncogene em seu genoma, mas podemser ativados, eventualmente, sob determinadas cir-cunstâncias estressantes, como citado anteriormente.

Ao contrário, a maioria dos retrovírus exógenosé tumorigênica, induzindo leucemias, linfomas,sarcomas, carcinomas com predileção por determi-nada célula. São vírus transformantes rápidos oulentos.

Os retrovírus transformantes rápidos, como vírusdo sarcoma de Rous, contêm em seu genoma umoncogene viral (v-onc). Os transformantes lentos nãocontêm oncogenes virais, mas podem induzirleucemias Célula T, B ou mielóides, como por ex, a leucoseaviária, viremia por toda a vida da ave, sem manifes-tar a doença normalmente (HOWARD, 1996).

Oncogenes (CONTRAN et al., 1999)A proteína codificada por esses genes é necessária

e suficiente para a inicialização e manutenção datransformação. Não são necessárias para a replicaçãoviral.

Na verdade, forma-se a partir de um gene c-onc(proto-oncogene) que se incorporou acidentalmentepor recombinação com o genoma viral. Existem +/- 20c-onc com papel fundamental na divisão e diferenci-ação normais da célula.

Provavelmente um v-onc dos retrovírus derivoudos c-onc durante a recombinação do DNA províruse DNA celular.

Transdução de um oncogene por retrovírusO gene c-onc adquirido por recombinação passa

a fazer parte do genoma viral como v-onc. Posterior-mente, com a integração do provírus no genomacelular, observa-se alta taxa de mutação pontual,deleção e várias redistribuições (portanto o v-oncdifere de seu progenitor c-onc codificando proteínasdiferentes).

Quando posteriormente se insere no genoma deoutra célula, o v-onc é controlado por poderosospromotores e potenciadores do LTR (repetições termi-nais longas).

Ativação de um oncogene celularO c-onc é responsável por algumas transforma-

ções, por ex, por sua hiperexpressividade ou expres-são inadequada.

Essa expressão anômala ocorre por diferentes vias:Mutagênese insercional: integração de um provírus

com seus potentes elementos promotores e potenciadorespróximo a um c-onc. Isso leva a um aumento da expres-são do c-onc. Ex. vírus da leucemia aviária, carentes dev-onc mas com LTR ativando o c-onc.

Transposição: Transposição de c-onc pode levara um aumento de sua expressão se sob controle defortes elementos potenciadores e promotores . Ex.Translocação do 8:14 no linfoma de Burkitt. Assim ajustaposição do c-myc com genes da Ig e c-myc passaa ficar sob controle de potentes promotores da Ig.

Amplificação gênica: Aumento do número decópias de um c-onc leva a um aumento da proteínaexpressa por esse gene.

Mutação: Mutação do c-onc, por ex, c-ras, aumentaa função da proteína codificada. Essas mutações podemocorrer in situ sob influência de carcinógenos químicose físicos e pela recombinação com o DNA dos retrovírus.

Algumas mudanças comuns observadas em cul-tura celular quando transfectas por vírus oncogênicos(http://pathmicro.med.sc.edu/lecture/RETRO.HTM)

A) Anormalidades da membrana plasmática1. Aumento do transporte de metabólitos. 2.For-

mação de numerosas bolhas na membrana plasmática.3.Aumento da mobilidade das proteínas da membra-na plasmática.

B) Anormalidades na aderência1. Diminuição da aderência de superfície e assim

as células tornam-se arredondadas. 2. Falha dosfilamentos de actina em organizar -se em fibrastensionáveis. 3. Diminuição do envoltório externo defibronectina. 4. Alta produção de ativadores deplasminogênio que leva a um aumento da proteóliseextracelular.

C) Anormalidades na proliferação e divisão ce-lular

1. Taxa alta de proliferação celular levando a altadensidade celular. 2. Baixa necessidade de fatores decrescimento. 3. Perda de ancoragem (células proliferamsem necessidade de superfície rígida). 4. Imortais (célu-las proliferam indefinidamente). 5. Injetadas em ani-mais susceptíveis provoca o aparecimento de tumores.

Características ultraestruturais:As alterações subcelulares mais frequentes nas

neoplasias são: 1. Aumento do sistema demicrofilamentos e microtúbulos, o que permitirámaior mobilidade, maior maleabilidade e maioradaptabilidade à membrana celular dos oncócitos,facilitando as alterações de membrana (aumentan-do a captação de nutrientes) (e modificando osantígenos de superfície - “neo-Ag” e Ag fetais) ediminuindo os desmossomos (diminuindo as es-truturas juncionais, diminuem também a coesãoentre os oncócitos). 2. Diminuição do Retículoendoplasmático (com diminuição da capacidade

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de síntese protéica/ explicando, assim a reduçãoda capacidade funcional da célula). 3.Aumento dosribossomos livres. 4.Diminuição das mitocôndrias,dos lisossomos e do complexo de Golgi. 5.Diminui-ção dos componentes glicoproteícos de alto pesomolecular. 6. Aumento da eletronegati-vidade dasuperfície celular.

Alterações bioquímicas geraisAparentemente pouco significativas e pouco ca-

racterísticas, as alterações bioquímicas podem ocor-rer na constituição celular ou podem acarretar o apa-recimento de enzimas anormais.

Na constituição celular:1. Diminuição da amplitude enzimática (ocorrendo

simplificação no metabolismo pós-diferenciação, comdiminuição das enzimas normais e aparecimento deenzimas anormais).

2. Aumento do teor hídrico celular (epiteliomas,sarcomas).

3. Diminuição do pH (devido ao aumento daglicólise e da síntese de ácido láctico, secundários àdiminuição das mitocôndrias).

4. Aumento da concentração de potássio celular.5. Diminuição da concentração de Ca+2 e Fe (au-

mentando a eletronegatividade celular e diminuindoa adesão entre as células).

6. Diminuição da glicose celular, por aumento darapidez de sua metabolização (glicoquinases ealdolases insensíveis à ingestão de carbohidratos e àliberação de insulina).

7. Diminuição do teor de aminoácidos intracelu-lares, ainda que a captação esteja extremamenteincrementada (ação espoliativa da neoplasia) (ocorresíntese de novos antígenos, de proteínas virais, e deenzimas anormais).

8. Aumento do colesterol (muitas vezes tão somen-te pela maior extensão das necroses).

Aparecimento de enzimas anormais: Explica asalterações no metabolismo energético, as alteraçõesno metabolismo protílico (com síntese de neo-Ag/alterações antigênicas, e/ou com síntese de hormôniospolipeptídeos e somatomedinas/ síndromesparaneoplásicas).

De acordo com a morfologia vírica à M.E., os RNAvírus são classificados em:! Partículas tipo A - associadas às neoplasias decamundongos,! Partículas tipo B - associados às neoplasias mamá-rias (MuMTV)! Partículas tipo C - associadas aos linfossarcomase leucemias em galinhas, camundongos, gatos, bovi-nos e macacos. (Leucose aviaria, Vírus do Sarcoma deRous, Leucose Murina, Leucose Felina, HTLV-1/Human T-Cell Leukemia Virus).

Diferentemente do que ocorre com os DNA vírus, acélula parasitada por um RNA oncogênico é simulta-neamente transformada em oncócito ao tempo em queage como fonte de produção de novos vírions. Existemmuitas controvérsias na subclassificação dos RNAvírus, porém são citadas como famílias de importânciaoncogênica os leucovírus, os oncornavírus e osretrovírus (assim chamados por causa da transcriptasereversa ou Polimerase de DNA dependente em RNA,que faz uma cópia DNA/ “Pró vírus” do RNA víricoe o insere no genoma da célula hospedeira). Importantesalientar que todos os oncornavírus são retrovírus,mas nem todos retrovírus são oncornavírus.

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Recebido em 10/9/08Aceito em 6/2/09