Do altar cristão: A evolução até à fixação do modelo pela Reforma Católica

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1 Foi feita uma abordagem diacrónica, na qual se estabelecem algumas paragens sincrónicas. O altar é estudado desde o início do cristianismo até à época da Reforma católica, altura em que o Concílio de Trento fixou uma liturgia que se irá manter até meados do nosso século. A escolha das peças que constituem as referidas paragens sincrónicas não procurou ser sistemática, isto é, não houve intenção de citar todas as ocorrências, mas apenas captar exemplos que ilustrassem o nosso discurso e fossem significado do contexto geral a que se referiam. As peças referidas ao longo do trabalho já foram objecto de estudo, pelo que há delas conhecimento prévio - acerca da autoria, datação, influências estilísticas e outros dados materiais e relações histórico-causais. Por esse motivo, a intenção desta abordagem e o seu conteúdo inédito orientam-se no sentido da sua interpretação.

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Apresentação na prova pública de Mestrado Universidade Lusíada de Lisboa – 16 de Junho de 2000

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Foi feita uma abordagem diacrónica, na qual se estabelecem algumas paragens

sincrónicas.

O altar é estudado desde o início do cristianismo até à época da Reforma

católica, altura em que o Concílio de Trento fixou uma liturgia que se irá

manter até meados do nosso século. A escolha das peças que constituem as

referidas paragens sincrónicas não procurou ser sistemática, isto é, não houve

intenção de citar todas as ocorrências, mas apenas captar exemplos que

ilustrassem o nosso discurso e fossem significado do contexto geral a que se

referiam.

As peças referidas ao longo do trabalho já foram objecto de estudo, pelo que

há delas conhecimento prévio - acerca da autoria, datação, influências

estilísticas e outros dados materiais e relações histórico-causais. Por esse

motivo, a intenção desta abordagem e o seu conteúdo inédito orientam-se no

sentido da sua interpretação.

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Isto significa que o altar pode ser estudado através das verbalizações que

provocaram a sua evolução (os textos sagrados, a patrística ou a

teologia) e mediante a análise da função para a qual foi criado.

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Jacob serviu-se de uma das pedras do lugar como travesseiro e deitou-se. Teve

um sonho: viu uma escada apoiada na terra, cuja extremidade tocava o céu; e

ao longo desta escada subiam e desciam anjos de Deus. Por cima dela estava o

Senhor que lhe disse: "Eu sou o Senhor, o Deus de Abraão, teu pai, e o Deus

de Isaac". Despertando do sonho, Jacob exclamou: "O Senhor está realmente

neste lugar e eu não sabia!" Atemorizado, acrescentou: "Que terrível é este

lugar! Aqui é a casa de Deus, aqui é a porta do céu". No dia seguinte, de

manhã, Jacob agarrou na pedra que lhe servira de travesseiro e, depois de a

erguer como um padrão, derramou óleo sobre ela.

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Deste relato e desta imagem, retemos os seguintes elementos:

- uma pedra ungida com óleo, a assinalar o lugar da teofania, isto é,

- o eixo de ligação ao nível superior em que Deus de revela

Este é o conceito de altar que, registando-se noutras realidades religiosas, será

retomado pelo novo-testamento e acompanhará todo o evoluir do cristianismo.

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Simultaneamente, e também segundo conceitos transversais a todo o

pensamento religioso, a escada de Jacob, como eixo que liga a terra ao céu, é

representada simbolicamente pela árvore que atravessa os três níveis do

cosmo.

Isto é:

- o nível subterrâneo, onde enterra as raízes, e que corresponde ao submundo

das trevas;

- o nível terrestre, em que se desenvolve o tronco, e que corresponde ao plano

em que os homens convivem com as suas imperfeições;

- o nível celeste, que os ramos procuram atingir, elevando-se, atraídos pela luz

que lhes vem de cima.

Este esquema é retomado pelo cristianismo, na representação simbólica de

Cristo pregado na cruz sobre o túmulo de Adão.

A cruz, ou a árvore, ou a escada são a espiral mediadora pela qual

evolucionam os anjos e que marca o caminho percorrido pelos que transitam

do mundo visível ao invisível.

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Os três níveis convergem e concentram-se no altar que, desta forma, se torna o

vórtice do templo, do mundo e do universo. Como pedra ungida, torna-se o

também o lugar onde efectua o acto sagrado e, por imanência, se consuma o

sacrifício.

Sendo um centro cósmico e simultaneamente receptáculo do sagrado, o altar

constitui-se em imago mundi e para ele vai convergir a excelência da

produção artística, em termos materiais e estéticos.

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A este conceito, o cristianismo acrescenta outro elemento.

No Novo-Testamento, o primeiro altar é instituído por Cristo, durante a

celebração da Última Ceia com os Seus apóstolos. Ao pegar no pão e no vinho,

exclamando as palavras da transubstanciação das espécies no Seu corpo e

sangue, Cristo instituiu-se como permanente sacrifício sobre o altar cristão,

extensível ao sacrifício dos mártires ou confessores da fé em Cristo.

A esta liturgia eucarística, junta-se o conceito de ágape, a refeição que o

celebrante partilha com os seus seguidores.

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O Édito da Tolerância, proclamado em 313, ao garantir a liberdade de

culto, e depois a proclamação do cristianismo como religião oficial,

permitiram definir os objectos materiais ao serviço da liturgia.

A dupla origem da mesa sacrificial e de local sagrado sobre o túmulo dos

mártires dá origem à forma definitiva e essencial do altar cristão: uma

mesa fixa, associada a relíquias sagradas.

Por outro lado, a pedra, como símbolo cristológico, segundo S. Paulo

que associa Cristo ao rochedo espiritual e S. Pedro que O refere como

pedra angular da sua Igreja, tornam-na, por excelência o material do altar

Daí a directiva do Cânone 26, do Concílio de Epaona, na Borgonha, em

517: "Que nenhum altar seja ungido pela unção do crisma se não for de

pedra".

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De início, a igreja é construída de modo a que o cruzeiro fique sobre o

túmulo do mártir, fixando-se aí o lugar do altar no centro do templo,

permitindo que todos convergissem para o eixo onde se realizava o

fulcro da liturgia.

As alterações no espaço absidal e sobretudo a ocorrência de múltiplos

altares na mesma igreja, implicam o afastamento do altar do centro

nuclear do templo, remetendo-o para o interior da abside.

Com a reforma católica, o altar fica definitivamente encostado à parede

testeira da abside, mas esta encurta-se aproximando-se da assembleia.

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Os cristãos, absorvendo elementos do culto solar, associaram a Cristo a

imagem de Apolo e recuperaram o simbolismo pagão das celebrações

viradas a oriente, embora o interpretassem à luz de novos conceitos. A

patrística divulgava o sol nascente como símbolo de Cristo. Por esse

motivo, o culto, também entre os cristãos, deve orientar-se para o ponto

onde surge o dia, vitorioso sobre as trevas da noite.

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No ritual antigo, e tal como foi desde sempre praticado na Basílica Maior

de S. Pedro, a celebração era feita versus populum, com a assembleia

virada para oeste.

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O que prevalesse no ocidente, nomeadamente na Gália e na Península

Ibérica, sendo depois adoptado pela liturgia romana, foi o ritual sírio,

fixando-se o uso da celebração à frente do altar, de costas para a

assembleia, todos virados a oriente, implantando-se o tipo de igreja com

a abside alinhada nesse sentido.

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No que respeita ao aspecto formal, entre os séculos IV e IX, embora

persista em épocas posteriores, o denominador mais comum era a mesa

de altar de secção quadrada ou ligeiramente rectangular, cujos lados

raramente ultrapassariam 1m linear. Estas dimensões adequavam-se à

exclusiva presença do Evangeliário e dos vasos sagrados, sobre a toalha

de linho branco.

Por volta do século IX, começa, então, a generalizar-se tendência de

apresentar os relicários sobre os altares, implicando um aumento da

superfície da mesa no sentido do comprimento.

Será esta a tendência até à época da Reforma Católica, altura em que o

altar se assume como um suporte estreito e comprido, onde agora se

coloca o conjunto de sacras. Está, além disso, associado à banqueta, na

qual se coloca um número crescente de castiçais, bem como jarras e

esculturas de santos, bem como à estrutura retabular em que se insere o

tabernáculo e o trono decorrentes da renovação do culto eucarístico.

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A presença das relíquias (de sob a sobre o altar) prolonga a ligação ao

túmulo do mártir, numa altura em que começa a manifestar-se o gosto

pelo visível e se impulsiona o culto dos mártires.

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Os materiais preciosos revestem o altar, envolvendo-as de brilho que

salientam o seu conteúdo sagrado.

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As igrejas, sobretudo as privadas de relíquias insígnes, começaram a

partir do século XI, a compensaram-nas com a colocação de palas,

painéis verticais móveis, pintados os esculpidos com a representação de

temas iconográficos, relacionados com a vida de Cristo, da Virgem ou do

Santo patrono e colocados sobre o bordo posterior do altar ou num

embasamento posto imediatamente atrás.

Durante a época gótica, a partir do século XII, a colocação de retábulos

difundiu-se, obrigando à fixação do altar a uma superfície parietal.

Aumenta a volumetria, o número de painéis e a complexidade

arquitectónica de toda a estrutura. Nas imagens, começam a introduzir-se

elementos humanizados e acessórios do quotidiano, contra os quais a

reforma católica se insurge, procurando reconduzir a imagem ao seu

papel didáctico e estimulador da devoção.

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A luz a incidir sobre o altar é, após a introdução dos retábulos, um

substituto simbólico da luz do sol nascente.

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O Concílio de Trento impôs o tabernáculo sobre o altar, como

confirmação da presença de Cristo na Eucaristia.

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Também de acordo com a difusão do culto eucarístico dimanada pelo

Concílio, o trono é um dos elementos fulcrais que surge nesta época

sobre o altar, correspondendo à prática da Devoção das 48 horas e que

consistia na adoração do Santíssimo exposto.