Do Livro Das Sonoridades de Silvio Ferraz

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    Do Livro das Sonoridades, de Silvio Ferraz.

    "Compor como fazer uma casa. desenhar um lugar. Os elementos para estaoperao, cada um os toma de um canto. E aqui as harmonias, as sries, as pequenasreiteraes, as sonoridades reer!erantes, os pequenos ogos de resson#ncia...

    ... fazer uma casa ou nicho como que deixar claro que ali vive algum,vive alguma coisa. ... o ritornelo, no apenas voltar ao mesmo ponto, retomar doinicio, mas uma questo de territrio, de lugar. De escolher, fazer, sair e retomareste lugar.$%&'

    (e desenho um lugar, e fao com que o ouinte ia um pouco neste lugar, posso!rincar tam!m de fazer com que ele se sinta tranq)ilo naquele lugar, ou com que tenha estatranq)ilidade a!alada quando, de repente, e isto tem de ser de repente, o fao sentir*searrastado para fora daquele lugar+ era nisto que consistia o ogo de modulao do classicismo,lear o ouinte para passear em um ponto em que ele no se reconhecesse mais... $%'

    - msica feita desses ogos de criar e desfazer lugares. /oc0 escolhe um centro,gira em torno dele com alguns elementos e, de repente, atra1do por outro centro, e da1retoma o moimento. $...'

    2o se compe o lugar com uma matria que tem uma forma, ou sea, com linhasduras... ou mesmo com uma forma preenchida de matria, mas com estas formas e matriasdesmanteladas. $...' 3itornelos que no estaro mais atados 4s foras do passado e presente,como matria ou forma, mas a outras foras $...' falar uma primeira ez em foras que esto$%5' no futuro. Esto no futuro porque so impro6eis, nada do presente ou do passado meaudam a deduzi*las. (o tais part1culas que chamamos de material composicional, e odesmanche da forma e da matria, o modo deste desmanche, 6 tam!m uma fora do

    futuro, ou que conecta com o futuro. -o contrario do que se ensina nas academias de criao,nunca se compe com a forma musical ou com a matria sonora, mas com as part1culasimpro6eis que, se foram um dia forma e matria, o foram por pouco tempo. $...'

    2o ritornelo o que olta no o elemento, no a forma nem a sonoridade $...' oque olta a potencia de fazer msica, a potencia de fazer e desfazer lugares, pot0ncia deescuta. $... ' $%7'

    Criar lugares tam!m criar locais de insta!ilidade, criar zonas de tur!ul0ncia8terrenos que muitas ezes podem ser a interseo de dois ou mais terrenos8 momentos emque o ouinte e o compositor, e por que no, tam!m o intrprete, se 0 atra1do por mais deuma fora, por mais de um ei9o+ harmonia agante. Esses terrenos inst6eis podem surgir de

    tais mi9agens, ou ainda da altern#ncia r6pida de lugares, como nas !ricolagens, como no(acr de (trains:;. $&

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    Edgard /arse nos dei9ou uma imagem $...' * no se trata de procurar umaconstante, mas de ater*se ao diferencial. De uma msica a outra opera um fator diferencial,uma ari6el que gera ariaes , e no erses de uma msica correta. dias de msica noe9istem mais que tempor6ria e parcialmente. $FG'

    "Hazer escuta" $...' custamos a notar que "tonal, modal, atonal no significam maisquase nada", de que "no e9iste seno a musica para ser arte como cosmos e traar as linhasirtuais da ariao infinita", como o!serou Deleuze. $FA'

    2o todos os dias que nasce uma idia, nem mesmo um conceito, e muito menosuma fora se torna sonora. Haamos ento nossos ritornelos. O que em a ser o ritorneloI $...'$...' Deleuze so!repe tr0s aspectos+ o curso*recurso, a ladainha, o canto reiterado dosp6ssaros, o moimento de eleger um ei9o8 a fuga do territJrio, o desenho das linhas de fuga8a demarcao, o desenho do territJrio adindo do moimento em torno do ei9o". $B' (1).

    (ilio Herraz e9plora com enorme sensi!ilidade as possi!ilidades do ritornelo comoconceito filosJfico, especialmente na relao com a msica. O pro!lema que h6 mais nesseconceito e so mesmo assustadoras as suas possi!ilidades ainda no e9ploradas. =rata*se deum dos conceitos mais reolucion6rios dos desenolidos por Deleuze e Kuattari. De onde emessa pot0nciaI

    Em primeiro lugar, ele rompe com a fronteira entre etologia e etnologia. (eusapontamentos so!re os animais territoriais e, em especial so!re os p6ssaros que usam suamsica para construir seus territJrios, criam um espao no para um reducionismo!iossociolJgico, mas para uma a!ertura nas nossas relaes com os animais, sJ compar6el 4screnas e aos deir*animal dos tupis e outros poos das terras !ai9as da -mrica do (ul. /ou

    citar ento, tam!m longamente, um tra!alho meu, em que trato da arquitetura do conceitode ritornelo nos seus agenciamentos musical e e9tra*musical.

    Comeamos com outra tentatia de definir o ritornelo. Deleuze e Kuattaridistinguem tr0s momentos. O primeiro corresponde a um salto de dentro do Caos, 4 fi9ao deum ponto est6el e esta!ilizante. Em seguida traa*se um c1rculo em torno desse ponto,delimita*se um espao que protege as foras organizatias da terra, das foras do caos epermite que se e9traia do caos os elementos necess6rios para a construo. - escolha doselementos, ou sua ordem, ar!itr6ria, como no nascimento de uma l1ngua, um cristal ouqualquer arte. O circulo ento se repete. Dana*se em olta do lugar sagrado onde nascer6uma cidade, "com!ina*se consoantes e ogais ritmadas que correspondem 4s foras interioresda criao como 4s partes diferenciadas de um organismo".

    Hinalmente, o c1rculo, pressionado pelas prJprias foras construtias que a!riga,tende para fora, para o mundo, para o futuro. -!re*se, no do lado onde su!sistem as antigasforas do caos mas de uma regio criada pelo prJprio c1rculo, para reunir as foras cJsmicas.Ousa*se uma improisao. 2o so tr0s momentos sucessios de uma eoluo mas tr0saspectos do 3itornelo que podem ir misturados e simult#neos ().

    O conceito de ritornelo constru1do num ei9o que atraessa fenLmenos etolJgicos,principalmente dos comportamentos dos p6ssaros, seus cantos tratados como e9presso, at aemerg0ncia de formas de socialidade humanas, releando a articulao de seu car6terterritorial com a e9presso musical+ os modos gregos, os ritmos hindus, como se poderia falardos hinos das galeras no fun: carioca. Esse moimento atraessa toda a histJria da msica e

    no sJ da msica, da arte em geral, em Magner, Narto:, >essiaen, como em lee e andins:;ou P;gia Clar: . Desdo!ramentos da mesma m6quina.

    G

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    "- arte no espera o homem para comear, podendo*se at mesmo perguntar seela aparece ao homem sJ em condies tardias e artificiais." ... "O territJrio seria o efeito daarte. O artista, o primeiro homem que desenha uma !orda ou faz uma marca." (!).

    Eu posso pensar comportamentos humanos com os mesmos dispositios com quepenso !a!u1nos, sa!i6s ou coelhos, 6 que somos todos animais territoriais. ?or que esperariaencontrar tanta dist#ncia, tanta diferena, entre os nossos modos de musicar, por que mesmono !uscar dispositios comuns 4s nossas msicasI

    2a erdade, o noo recorte produzido no ritornelo no se limita a esta indistinoepistemolJgica entre "natureza", no sentido dos seres ios, e "cultura". Ela prope todos osatraessamentos e comea antes+ muito antes dos ritmos nascerem como passagens entremeios, os prJprios meios so ritmos, como repeties periJdicas, e so os ritmos que osconstituem que os tornam comunicantes.

    >uito antes dessa conflu0ncia da etologia, tirando os homens de sua solido infinitae os deolendo ao reino dos seres animados, a indiiduao f1sica, indiiduao da matria 6 tomada como informao e ritmo $passagem cont1nua ou repetio' * inspirao da H1sica deKil!ert (imondon * "no apenas o io que passa constantemente de um meio a outro, soos meios que passam um no outro, essencialmente comunicantes"(").

    Os moimentos prJprios das foras e dos meios ensinam ao p6ssaro, como aomsico humano, seus dispositios de passagem, a como agenciar elementos, matrias,ordens, dimenses heterog0neas, como ritmar, e como interagenciar. - natureza comomsica, como nas relaes de contraponto enumeradas por on Qe9:)ll, entre a espa e aorqu1dea, a !oca*de*leo e a mamangaa...

    Como etJlogos, Deleuze e Kuattari desenolem conceitos estritamente musicais

    mas que o serir para o estudo de comportamentos os mais diersos, como por e9emplo, osconceitos de personagem r1tmico e paisagem melJdica. O primeiro nasceria dos impulsosinternos do animal em direo ao e9terior e o outro, das circunst#ncias e9ternas do meio 4squais preciso responder, mas no ritornelo do p6ssaro*msico, por e9emplo, se articulariamem moimento, alternando suas posies de fi9o e ari6el, motio e contraponto, naautonomia da e9presso, como em qualquer pea musical em que se faa ariar os ritmos eharmonizar a melodia.

    >uitos dos operadores*efetuadores da m6quina do ritornelo parecem se localizarnum noo espao comum 4 etologia e 4 etnologia. Operaes prJprias 4 constituio deterritJrios como a das especializaes, dos ritmos diersos, !ase para as profisses, os of1cios,as ordenaes sociais, montadas como a partir das dist#ncias cr1ticas entre os animais da

    mesma espcie, e a coni0ncia de animais de espcies diferentes no mesmo espao8 areorganizao das funes e reagrupamento das foras, como efeitos articulados destesregimes coletios na apropriao dos territJrios8 o surgimento dos ritos e das religies como a"intenso" emergente dos regimes de foras territoriais elas mesmas ariadas e conflitias emsua relao com a =erra, ou o caos8 o papel do 2atal, em relao 4s migraes periJdicastanto de "poos" animais $salmes, lagostas, 6rios tipos de p6ssaros' quanto de homens,como mais um efeito dessa m6quina do territJrio+ um centro intenso, no mais profundo doterritJrio, mas que pode estar situado fora do territJrio, no ponto de conerg0ncia deterritJrios muito diferentes ou muito afastados, a!ertura para o Cosmos.

    Qma leitura atenta mostra que no se trata simplesmente de uma reduo doetnolJgico ao etolJgico8 a questo do 2atal aparece por e9emplo numa discusso de Kentica

    so!re as relaes entre o inato e o adquirido8 uma outra noo * a de consist0ncia *consist0ncia dos componentes de um agenciamento territorial * lea primeiro a uma discusso

    %

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    do funcionamento do sistema neroso e seus dois principais modelos * ar!orescente ourizom6tico, na linguagem de D. e K *, e depois ai se alimentar da teoria da consolidao, domatem6tico Eugene Duprel * apresentando as operaes de intercalao, produo deinteralos e superposies*articulaes.

    =rata*se, na erdade, do mtodo, se se pode falar assim, que atraessa aconstruo de conceitos em todo o >il ?latLs+ trata*se de pensar segundo os princ1pios do

    3izoma, "princ1pios de cone9o e heterogeneidade", quando "cadeias semiJticas de todanatureza, so conectadas a modos de codificao muito diersos, cadeias !iolJgicas, pol1ticas,econLmicas, etc, colocando em ogo no somente regimes de signos diferentes, mas tam!mestatutos de estados de coisas" (#)8 o "principio de multiplicidade", quando se supera adicotomia do uno e do mltiplo, a multiplicidade "tem determinaes, grandezas, dimensesque no podem crescer sem que mude de natureza $as leis de com!inao crescem ento coma multiplicidade'"8 o "principio de ruptura a*significante" * "um rizoma pode ser rompido,que!rado em qualquer lugar, e tam!m retoma, segundo uma ou outra de suas linhas esegundo outras linhas" ($).

    >as, ento eu queria oltar ao moimento do (ilio Herraz, de pensar a composiomusical. Hazendo um recorte ar!itr6rio entre os compositores contempor#neos, escolhi

    Hranois Na;le, pensador e compositor de musica concreta ou acusm6tica, como ele preferechamar, disc1pulo e continuador da !usca iniciada por ?ierre (chaeffer, e que faz a seu modouma composio rizom6tica.

    "Qm compositor o!rigatoriamente pragm6tico. Qm !ricoleur, algum que cometeerros, que unta uma sugesto de idia a outra sem se aperce!er que elas no agem nomesmo plano. >as uma asson#ncia, uma rima, um disparate fazem e9perimentar a ontade depor essas idias unto, de apro9im6*las $...' $...' que alguma coisa incongruente se unte aoutra, para untas produzirem um incongruente mais profundoI$...'

    - msica concreta capaz de situar de maneira proocante dois mundos que so,de um lado o aspecto e9terior das morfologias sonoras, e do outro suas imagens perceptiasna escuta interior. O real aud1el, destacado de suas causas acsticas, e9tirpado de suascircunstancias e retido por traos isomorfos, fi9ados num suporte. =raos permanentes oumodific6eis, geradores de o!etos de percepo com identidades mltiplas, claras oumisteriosas. $...'" (%)

    " o!serando de dentro, por sua parte incognosc1el, o moimento da intuioauditia, estes formigamentos do pensamento pela moo sonora e9citada * encontrando a1matria para prolong6*la segundo a iluso ou a ontade de perce!er nela ou quase capturarnela formas, gestos, histJrias * nesta atiidade, tentando compreend0*la, e preser6*la noseu gorgulhar concreto, afim de represent6*la em imagens e em figuras, que se constitui paramim o proeto musical.

    $...' 2o se trata, hoe, nem em ista de um oca!ul6rio nem no ato decomposio, de se por 4 escuta dos ru1dos do mundo para fazer deles uma erso imaginada.>as de surpreender, proocar, deslocar a formao do pensamento perceptio, aquela queflutuante se mo!iliza, associa, calcula, desconfia, adiinha, desco!re e inenta+ o pensamento,assim posto a tra!alhar pelo sonoro o!etio, e tornado o!eto manipul6el, so!re o qual sepode e9perimentar.

    Esta itJria que o olho conquistou desde a pr*histJria como contornoRcorRforma,itJria do olhar imaginante, agora se realiza com o ouido. S6 pouco... muito pouco tempo.

    &

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    =endo ganho um suporte material, o som torna*se, atras dele, coisa e atiidade,da moRouido, manifestao e ida, fenLmeno a ser considerado. Em relao ao espao e aocorpo, ao silencio e ao !arulho, ao instante e ao tempo. O trao sonoro se dispe em camada,se manipula como te9tura e se inscree com a preciso e9trema de um te9to a!erto.,comple9o, e flechado em mltiplas direes * lire.

    2o entanto, gostaria de tentar mostrar que esta li!erdade funciona so! reseras,que o te9to sonoro comporta o agenciamento das marcas do deseo da escuta. (entido eprazer se alternam, do fazer ao ouir, em seu ai*e*em.

    Como o olho escuta, a orelha fala, e a escuta age." (&)

    Na;le nas palaras de Dmitri Coppe (')

    "O ouido da elocidade * segundo ele * permite ultrapassar o car6ter anal1tico damanipulao das m6quinas para atingir a dimenso sinttica das leis que modelam o resultado

    ouido. =rata*se de e9plorar as foras em ogo num unierso e perce!er seu sentido. -realidade no mais o som, mas a ao da escuta, onde o gesto perceptio o elementocapital.$...'

    $...' - musica de Na;le aparece como um reelador de foras em ogo, mltiplas +mec#nica, eltrica, magntica, ps1quica, emotia, sens1el... cua irtualidade apenasaparente. $...'

    $...' por um acordo ps1quico com alores escolhidos por instinto, em resson#nciacom ritmos fisiolJgicos ou climas interiores, corresponde a uma atitude musical singular, umalJgica parado9al $...'.

    O mundo dos ru1dos reflete o mundo simplesmente, Na;le conce!e o material !ruto* a marca energtica de um acontecimento sonoro * como um acesso ao som + a forma de umcontorno material com qualidades pl6sticas, deform6el, male6el. - tarefa de declinaodesta forma inicial, de ariao de seus contornos constitui a matria prima de seu proetoacusm6tico.

    - modelagem dos contornos e a transformao das formas reelam as propriedadesmorfolJgicas das entidades sonoras, mas, so!retudo requerem e estimulam as faculdadesperceptias do ouinte. O ouido constitui o ponto de sa1da e o guia de um mtodo emp1ricooscilando incessantemente entre escuta*ao e escuta*operao. $...'

    - inteno no mais a de constituir uma estrutura, noo implicando rigidez e

    preisi!ilidade, mas a de encontrar articulaes motoras. - noo de forma designa ento aentidade inicial, as tramas constitu1das pelas declinaes, mas tam!m a durao glo!al8 cadaetapa manifestando um n1el de percepo especifica $...'."

    http://www.polemica.uerj.br/pol16/oficinas/hibridos_1-main.htm

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    (1)(ilio Herraz. Piro das (onoridades Tnotas dispersas so!re composioU. Petras, 3io de Vaneiro, G