DO SONHO DE LIBERDADE À MIGRAÇÃO PARA O CAPITAL...
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MESSIAS ALESSANDRO CARDOSO
DO SONHO DE LIBERDADE À MIGRAÇÃO
PARA O CAPITAL NOS CANAVIAIS DE
GASTÃO VIDIGAL-SP
Orientador: Prof. Dr. Antonio Thomaz Júnior
Monografia de Bacharelado
apresentada ao Curso de
Graduação em Geografia da
FCT/UNESP.
PRESIDENTE PRUDENTE
Novembro 2011
Câmpus de Presidente Prudente
Procissão dos Retirantes
Pedro Munhoz
Terra Brasilis, continente, Pátria mãe da minha gente
Hoje eu quero perguntar Se tão grandes são teus braços, por que negas um espaço aos que querem ter um lar?
Eu não consigo entender Que nesta imensa nação Ainda é matar ou morrer Por um pedaço de chão Lavradores nas estradas
Vendo a terra abandonada sem ninguém para plantar
Entre cercas e alambrados, vão milhões de condenados a morrer ou mendigar
Eu não consigo entender Achar a clara razão
de quem só vive pra ter E ainda se diz bom cristão
No eldorado do Pará Nome índio carajás,
o massacre aconteceu Nesta terra de chacinas essas balas assassinas
todos sabem de onde vêm É preciso que a justiça e a igualdade sejam mais que palavras de ocasião
É preciso um novo tempo em que não seja só promessa repartir até o pão
A hora é essa de fazer a divisão
Eu não consigo entender Que em vez de herdar um quinhão
teu povo mereça ter só sete palmos de chão
Nova leva de imigrantes Procissão dos retirantes Só a terra em cada olhar Brasileiros, vão com nós
Vão gritando, mas sem voz Norte a sul
não tem lugar
Eu não consigo entender que nessa imensa nação ainda é matar ou morrer por um pedaço de chão
Pátria amada, ó Brasil De quem és, ó mãe gentil eu insisto em perguntar
Dos famintos, das favelas ou dos que desviam verbas
pra champagne e caviar
Eu não consigo entender
Achar a clara razão de quem só vive pra ter
E ainda se diz bom cristão.
AGRADECEMOS...
A todas as pessoas que direta e indiretamente contribuíram para a
concretização desse trabalho. Se fôssemos elencar os nomes de todos aqueles
que nos ajudaram, essa listagem, sem dúvida nenhuma seria imensa e, ainda,
poderíamos cometer a injustiça de esquecer alguém. Por isso, nossos eternos
agradecimentos a todos que de uma forma ou de outra nos auxiliaram!
AGRADEÇO...
À E.E. Profª Tereza Valverde Cardoso Tirapele pela formação fundamental e
média, em especial ao professor de Geografia- Alcinei que conduziu meus
primeiros passos na ciência geográfica.
Aos amigos do tempo de escola em Gastão Vidigal-SP.
AGRADEÇO...
Aos universitários de Geografia que me receberam em sua casa, quando ainda
era calouro e não tinha onde ficar.
A todos os amigos queridos que pude fazer ao longo de 5 anos na Moradia
Estudantil.
Em especial a casa onde residi durante toda minha jornada na faculdade e aos
amigos do coração que passaram por ela e que moram nela, agradeço muito
ao C2.
AGRADEÇO...
À FCT/UNESP e as pessoas que fazem parte dela pelo excelente tratamento.
A todos os professores que fizeram parte da minha jornada de graduação e que
contribuíram inexplicavelmente para minha formação.
E claro, não podia me esquecer de agradecer a todos os amigos da sala,
arrisco a dizer que em especial para: o grupo de trabalho, o Maurício Toma
japonês gente boa, irmão de verdade, o Amilcar meu conselheiro, o “doutor”, o
Sidney são paulino fraco, o Ximenes, pensa num cara da “luta”, mas muito
gente boa, o Nino, quer dizer SOBREIRO FILHO nosso futuro mestre, o
Paçoca esse joga muito mal vídeo-game, o Marlon zagueirão espartano, o
Gérson folgado, o Fernando um cara concentrado, o Ítalo e o Gilmar da grande
Taubaté, o Paulão corinthiano há mais de 100 anos sem libertadores! E ao
nosso time os ESPARTANOS.
AGRADEÇO...
Ao CNPq.
Aos colegas do CEGeT (Centro de Estudos de Geografia do Trabalho).
Em especial ao professor, orientador e amigo Thomaz, pela força e por nos
abrir o caminho da pesquisa e desvendar da Geografia do Trabalho. No fundo
ele é palmeirense.
Aos participantes da banca de avaliação da monografia: Sônia e Barone.
AGRADEÇO...
Fundamentalmente à minha família base dos meus princípios e caráter e que
me ajudaram a ser a pessoa que sou. Minha adorável mãe Rosemeire, o meu
pai José (Deda), aos meus irmãos Anderson e Andreza, a minha vó Jacira que
faz os melhores bolinhos de chuva, meu vô Geraldo palmeirense e pescador,
meu vô José Cardoso (Zé Davi) mulherengo, e também a minha avó que não
está mais presente Aparecida. Agradeço a todos os tios e tias, o Ademir, o
Pelé, a Tânia. E a todos os primos e primas!
AGRADEÇO...
A todos os trabalhadores migrantes cortadores de cana entrevistados pelos
seus valiosos depoimentos!
A todos os cidadãos vidigalenses, ao qual tenho orgulho de pertencer a esta
comunidade.
FALTA ALGUÉM? ACHO QUE NÃO? ENTÃO POSSO TERMINAR?
É brincadeira, não esqueci não! Estava querendo te provocar agradeço a
minha querida namorada Franciele pelo carinho e companherismo.
A todas as pessoas que direta e indiretamente nos ajudaram na construção
desse trabalho.
MUITO OBRIGADO!!!
E
SAUDAÇÕES PALMEIRENSES!!!
SUMÁRIO
LISTA DE MAPAS, FIGURAS E FOTOS..........................................................2
LISTA DE GRÁFICOS E TABELAS..................................................................3
APRESENTAÇÃO..............................................................................................4
INTRODUÇÃO....................................................................................................8
CAPÍTULO I- APROPRIAÇÃO E MONOPOLIZAÇÃO DO TERRITÓRIO PELO
AGRONEGÓCIO CANAVIEIRO EM GASTÃO VIDIGAL-SP............................13
CAPÍTULO II- DO SONHO DE LIBERDADE À MIGRAÇÃO PARA O
CAPITAL............................................................................................................31
CAPÍTULO III- A DEGRAÇÃO DO TRABALHOR NO CORTE DE CANA:
CONDIÇÕES DE TRABALHO E VIDA DOS MIGRANTES.............................46
CAPÍTULO IV- MIGRAÇÃO E (DES)PERTENCIMENTO DE CLASSE DO
TRABALHO.....................................................................................................61
CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................70
REFERÊNCIAS................................................................................................74
ANEXOS..........................................................................................................79
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LISTA DE MAPAS, FIGURAS E FOTOS
Mapa 1- Mapa de Localização do Município Gastão Vidigal-SP..................19
Mapa 2- Territorialização dos Canaviais no EDR de General Salgado-SP
Safra 2003/2004............................................................................................21
Mapa 3- Territorialização dos Canaviais no EDR de General Salgado-SP
Safra 2008/2009..............................................................................................21
Mapa 4- Espacialização do Fluxo de Trabalhadores Migrantes para o Corte
de Cana- (Piauí-Gastão Vidigal-SP), 2011......................................................36
Figura 1- Dinâmica espacial da expansão da cana-de-açúcar para o Oeste
do estado de São Paulo e a nova face da Geografia do Trabalho...............34
Figura 2- Esquema do Corte de Cana............................................................46
Foto 1- Condições de Moradia Migrante em Gastão Vidigal-SP..................57
Foto 2- Precariedade das condições de vida migrante em Gastão Vidigal-SP.....58
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LISTA DE GRÁFICOS E TABELAS
Gráfico 1- Territorialização da produção de cana (toneladas) no EDR de
General Salgado-SP......................................................................................20
Gráfico 2- Territorialização do Agronegócio canavieiro- Apropriação das
terras para plantio de cana-de-açúcar em Gastão Vidigal-SP....................23
Gráfico 3- Redução da área destina para a produção de milho- Gastão
Vidigal-SP........................................................................................................23
Gráfico 4- Redução da área destinada para a produção de Arroz (em
casca)- Gastão Vidigal-SP.............................................................................24
Gráfico 5- Redução das áreas destinadas para produção de alimentos-
Gastão Vidigal-SP-1995-96/ 2007-08............................................................25
Gráfico 6- Uso e ocupação das terras 2007/2008 em Gastão Vidigal-SP...26
Gráfico 7- Uso e Ocupação das terras destinadas para a agricultura
2007/2008 em Gastão Vidigal-SP..................................................................26
Tabela 1- Municípios Integrantes do EDR de General Salgado-SP.............18
Tabela 2- Área de cana-de-açúcar por município do EDR de General Salgado-SP nos anos de 2005 a 2008, e sua respectiva variação de crescimento neste período............................................................................22 Tabela 3- Territorialidade do Fluxo Migrante (Piauí- Gastão Vidigal-SP), 2011...................................................................................................................35
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APRESENTAÇÃO
O presente trabalho que ganha ares de monografia em Geografia tenta
expor os resultados de pesquisa alcançados ao longo da graduação e dos três
anos de Iniciação Científica sendo bolsista CNPq/PIBIC, estamos enfatizando
este caráter por acreditar, que “um caminho, se faz caminhando”, entre medos,
dificuldades, apostas e certezas. Como o melhor resumo de um texto é seu
título, entre muitas noites sem sono, outras com, entre muitos e foram vários os
pensamentos, intitulo este trabalho com um jogo de palavras que ao longo do
texto ganham sentido: “Do Sonho de Liberdade à Migração para o Capital nos
Canaviais de Gastão Vidigal-SP”.
O recorte territorial selecionado para desenvolvimento da pesquisa foi o
município de Gastão Vidigal-SP, situado a noroeste do estado, entre as razões
para tal escolha misturam-se objetividades e subjetividades, ou seja, vivência
no lugar, mas também o desconhecimento da situação degradante dos
trabalhadores migrantes no município.
De modo geral, o principal objetivo dessa pesquisa é revelar as ações e
estratégias do agronegócio canavieiro, sob o prisma do trabalho migrante nos
canaviais, com o propósito de entender as relações de exploração do trabalho,
tomando como base territorial às contradições específicas do que se passa no
município em apreço, e as relações espaciais que vinculam aos locais de
origem. Essa pesquisa está nos permitindo desvendar o conteúdo dos ”nós”
dos migrantes da cana, por que migram para o capital, quais avaliações estão
contidas nos seus pensamentos sobre esse processo que se repete e se
intensifica nos últimos anos.
Assim sendo, para realização dos objetivos mencionados e para
confecção deste trabalho utilizamos uma metodologia que concilia as vivências
teóricas e práticas. Via de regra, uma das principais ações de pesquisa,
giraram em torno do processo de revisão bibliográfica, ou seja, procuramos ao
longo desta jornada fortalecer e aprofundar nossas reflexões teóricas através
de levantamento bibliográfico e realização de distintas leituras de livros, teses,
dissertações, artigos, revistas, publicações de órgãos como: Serviço Pastoral
do Migrante (SPM) e Centro de Estudos Migratórios (CEM), que versam sobre
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a temática do trabalho e especificamente sobre o trabalho migrante nos
canaviais.
Acoplados as leituras, também nos dedicamos em nossas ações de
pesquisa, a acompanhar as informações gerais e específicas em respeito às
atividades laborais em torno da agroindústria canavieira, sua dinâmica de
expansão para o oeste paulista e o acompanhamento da equação do conjunto
de terras destinadas para esta atividade, para isso utilizamos os dados
disponíveis de órgãos como: IEA, IBGE-SIDRA (Sistema IBGE de Recuperação
Automática), MAPA, IPEA, UNICA, UDOP.
Referente às relações de trabalho nos detivemos na procura de registros
de intervenções do Ministério Público do Trabalho no recorte territorial
destacado, utilizamos como base de nossas reflexões sobre a realidade da
migração no município informações primárias e secundárias extraídas de
diferentes fontes como: Prefeitura Municipal de Gastão Vidigal-SP e STR local.
Soma-se a esses procedimentos já destacados, a realização de
“experiências concretas” e no caso da ciência geográfica, estamos enfatizando
a realização de trabalhos de campo para o reconhecimento da realidade local.
Ou seja, passamos a ir a campo, identificar os sujeitos sociais e suas
distintas territorialidades, para isso, nos pautamos pela realização de
“conversas/entrevistas” junto aos trabalhadores migrantes, principalmente nos
finais de semana e feriados quando há maior possibilidade de os
encontrarmos, seja em seus lugares de abrigo ou pelos diversos bares da
cidade. Porém, não cerceamos o direito a voz dos moradores locais, sobre o
processo de migração, ou seja, em nossas ações de pesquisa, entrevistamos a
população local em geral.
Num terceiro momento de nossa jornada, começamos a tabular,
formular, cartografar, analisar e interpretar as informações primárias e
secundárias obtidas nas etapas anteriores, para que ulteriormente pudéssemos
esboçar um quadro preliminar das dimensões do objeto de pesquisa.
O desenvolvimento e amadurecimento da trajetória de pesquisa,
também foi enriquecido com as atividades desenvolvidas no âmbito do Centro
de Estudos de Geografia do Trabalho (CEGeT) e Centro de Memória Sindical
“Florestan Fernandes” (CEMOSi), o qual estamos vinculados. Não poderíamos
deixar de mencionar a valiosa contribuição para elaboração das estratégias de
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pesquisa e para o próprio desenrolar desta, fornecida pelo conjunto de
discussões e colóquios realizados juntos ao nosso orientador. Ao longo desta
jornada de pesquisa, a realização de colóquios e conversas com o orientador
se fez presente e extremamente pertinente para (re)traçarmos os planos para
alcançarmos o plano de trabalho inicialmente proposto.
Enfocamos extrema importância e atenção e, por isso nos fizemos
presentes em eventos, congressos, palestras, e, sobretudo apresentando
diversos trabalhos com a exposição das reflexões suscitadas pelo processo de
pesquisa. Assim sendo, relacionamos abaixo todas as apresentações de
trabalho, participações e publicações vigentes durante a graduação.
Participação, apresentação e publicação de trabalho intitulado: “A Geografia do
trabalho por trás dos canaviais: migração, barbárie e o imperativo de uma ordem
alternativa”. In: X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura
em Geografia-FCT/UNESP, agosto de 2009.
Participação, apresentação e publicação de trabalho intitulado: “Migração para o capital
nos canaviais do Oeste Paulista: a Geografia do trabalho e os Imperativos da
Barbárie”. In: X Jornada do Trabalho, Presidente Prudente-FCT/UNESP, novembro de
2009.
Participação, apresentação e publicação de trabalho intitulado: “Do Território da
Consciência ao Território da Alienação: migração para o capital nos canaviais de
Gastão Vidigal-SP. In: XVI Encontro Nacional de Geógrafos-ENG, Porto Alegre, julho de
2010.
Participação do XXI Congresso de Iniciação Científica da UNESP, São José do Rio
Preto, novembro de 2009.
Participação do XXII Congresso de Iniciação Científica da UNESP, Presidente
Prudente, setembro de 2010.
Participação do XXIII Congresso de Iniciação Científica da UNESP, Presidente
Prudente, setembro de 2011.
Com base nos dados e informações coletadas em campo, nas reflexões
propiciadas pela revisão bibliográfica e colóquios com o orientador, bem como
nas entrevistas realizadas junto aos diversos protagonistas (trabalhadores
migrantes, moradores locais, sindicalistas, prefeito e outros), sistematizamos
esta monografia em quatro capítulos, a saber.
Para desenvolvermos essa discussão, vamos pelo seguinte caminho:
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inicialmente destacaremos de forma radical na Introdução o “estado da arte”
operado pelo sistema de metabolismo social do capital que através do seu
discurso oficial protagoniza o agronegócio como a única saída para o
“desenvolvimento” do campo brasileiro, de antemão, tentaremos indicar que
“desenvolvimento” é esse, qualificando-o como um desenvolvimento do e para
o capital. Em seguida no primeiro capítulo, intitulado “Apropriação e
Monopolização do Território pelo Agronegócio Canavieiro em Gastão Vidigal-
SP”, faremos uma breve retrospectiva sobre o setor canavieiro, sobretudo
focalizando os reais motivos da recente expansão da atividade canavieira no
Brasil, e especialmente no município de Gastão Vidigal-SP, destacando os
impactos regressivos deste modelo que fragiliza a soberania alimentar e a
produção de alimentos e obscurece e silencia por trás do discurso da
produtividade o debate sobre a questão agrária.
No segundo capítulo, intitulado “Do sonho de Liberdade à Migração para
o Capital”, voltaremos nossas atenções para o fenômeno da migração para o
capital, leia-se (agronegócio canavieiro), da força de trabalho migrante
nordestina para o município de Gastão Vidigal-SP, destacamos nesta seção,
quem são os trabalhadores migrantes, os motivos e locais de partida e o
processo de arregimentação pelos agenciadores, ainda neste capítulo
dialogando com as leituras e com os depoimentos dos trabalhadores migrantes
defendemos a assertiva de que a migração na perspectiva sócio-espacial trata-
se de um deslocamento forçado pelo território, ao invés de uma decisão “livre”
do sujeito social, nestes termos, enfatizamos que a liberdade capitalista é
apenas uma noção do ideário jurídico burguês, a liberdade de fato para o
trabalhador não existe. O terceiro capítulo intitulado, “Degradação do
Trabalhador no Corte de Cana: condições de trabalho e vida dos migrantes”,
apontamos como se dão os expedientes regressivos do processo de trabalho
nos canaviais e quais as condições de vida dos migrantes. Em seguida, no
quarto capítulo intitulado, “Migração e (Des)pertencimento de Classe do
Trabalho”, discutimos questões referentes ao (des)pertencimento de classe do
trabalho e as clivagens territoriais no seio do trabalho migrante para o corte de
cana. Por fim, tecemos nossas considerações finais defendendo nosso
horizonte de análise e apresentamos às referências.
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INTRODUÇÃO
Este trabalho é resultado e está vinculado a um amplo conjunto de
discussões a respeito da Geografia do trabalho, sobretudo ao projeto de
pesquisa “Territórios em Disputa e a Dinâmica Geográfica do Trabalho e da
Luta de Classes no Brasil no Limiar do século XXI” que vem sendo
desenvolvido no âmbito do Centro de Estudos de Geografia do Trabalho
(CEGeT), sob a direção e responsabilidade do professor Antonio Thomaz
Júnior.
A busca do conhecimento e compreensão da dinâmica geográfica da
sociedade e particularmente, do trabalho tem ocupado as minhas inquietações
e questionamentos ao longo da graduação, e é nesse movimento que nos
propomos apreender as contradições, os conteúdos, e os significados
territoriais das diferentes expressões do trabalho, que ultrapassam os limites
rurais, urbanos e as delimitações das relações formais e informais de trabalho.
Esse exercício está nos possibilitando pensar na necessidade de revermos
teorias, conceitos, proposituras, etc.
Neste trabalho reunimos os esforços e o desenvolvimento de reflexões
anteriores para compreensão da dinâmica espacial do processo de migração
para o capital, propondo entender os rearranjos espaciais promovidos pela
territorialização do agronegócio canavieiro, sob o prisma do trabalhador
migrante nos canaviais de Gastão Vidigal-SP. Nossos pressupostos de
pesquisa estão nos possibilitando entender as relações de exploração do
trabalho e os impactos sobre as condições de vida e trabalho dos
trabalhadores migrantes no corte de cana.
De antemão gostaríamos de enfatizar o engajamento social das
pesquisas desenvolvidas no meio acadêmico/universitário. Não entendemos de
outra maneira senão essa forma de realização de pesquisa, porque em sentido
contrário as mesmas não teriam nenhuma validade para os sujeitos que estão
cotidianamente a mercê da roda-viva do capital. Neste aspecto particular
ressaltamos a importância da compreensão geográfica da categoria trabalho.
Isto é, tomando por base o construto do edifício societário que vivenciamos,
acreditamos que a complexa trama de relações contraditórias que qualificam o
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mundo do trabalho nessa viragem do século XXI, mesmo com a fragmentação
interna à seara sindical, a heterogeneização e as clivagens corporativas, é
possível vislumbrar a emancipação social a partir das diferentes frentes de
ações internas do mundo do trabalho que representam as novas formas de
confrontação social contra o capital (THOMAZ JR, 2007) .
Pautando-nos por este horizonte de análise e a vontade de transcender
e revelar a face escondida do agronegócio, procuramos enfocar, o que está por
trás, e não apenas aquilo que nossos sentidos nos mostram a mera paisagem
verdejante dos canaviais. Mas, o que seria o agronegócio? Podemos resgatar
que historicamente a noção de agronegócio foi formulada nos Estados Unidos
pelos economistas John H. Davis e Ray A. Goldberg (1957). Para eles, o
agronegócio envolve um complexo de compra e distribuição de suprimentos
agrícolas, a produção, o armazenamento, o processamento e a distribuição dos
produtos acabados. Segundo Welch e Fernandes (2008), o agronegócio,
caracterizar-se-ia por uma agricultura altamente mecanizada, usuária dos
pacotes tecnológicos modernos, produção em larga escala, que explora
grandes extensões de terras, geralmente de base monocultora e voltada para
os mercados de exportação. Neste modelo, evidencia-se um processo de
integração dos diferentes conjuntos de sistemas de produção, dentre eles os
de produção agrícola, insumos, máquinas e equipamentos, distribuição,
comercialização, mercados, operações financeiras. Isto significa que o território
sobre a égide do agronegócio tendência a monofuncionalidade do uso da terra
e das infra-estruturas instaladas exclusivamente para reprodução ampliada do
capital, negando a possibilidade de uso plural do território.
Dessa forma, a agricultura capitalista ou agronegócio, qualquer que seja
o eufemismo utilizado, não pode esconder o que está na sua raiz, na sua
lógica: a concentração e a exploração. Nessa nova fase de “desenvolvimento”,
o agronegócio procura representar a imagem da produtividade, da geração de
riquezas para o país. Como assevera Fernandes (2008), esta nova imagem do
agronegócio foi construída para renovar a imagem da agricultura capitalista,
para “modernizá-la”. É uma tentativa de ocultar o caráter concentrador,
predador, expropriatório e excludente para dar relevância somente ao caráter
produtivista, destacando o aumento da produção, da riqueza e das novas
tecnologias. Da escravidão à colheitadeira controlada por satélite, o processo
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de exploração e dominação está presente, a concentração da propriedade da
terra se intensifica e a destruição do campesinato aumenta, milhares de
homens e mulheres são forçados a se deslocarem pelo espaço em busca de
sobrevivência, enquanto o latifúndio efetua a exclusão pela improdutividade, o
agronegócio promove a exclusão pela intensa “produtividade destrutiva”.
Sendo assim, podemos afirmar que o discurso oficial do capital constrói
uma tessitura de sensação de modernidade e riqueza, como se estas fossem
partilhadas igualmente por todos, distribuídas de maneira homogênea e
geradoras de um bem-estar coletivo. Nesta acepção, o agronegócio é tido
como a única forma de desenvolvimento da agricultura, todas as outras seriam
resquícios, formas arcaicas em vias de desaparição, somente o agronegócio
levaria ao “desenvolvimento”, nestes termos percebesse uma íntima relação
discursiva entre agronegócio e desenvolvimento.
A ideologização da baixa produtividade das terras, ou da “impotencialidade” econômica dos camponeses/produtores e trabalhadores da terra em continuar produzindo alimentos (endividamento, dificuldade de acesso ao crédito, somado às políticas agrícolas desfavoráveis a estes), dá suporte ao projeto expansionista do capital agroindustrial canavieiro e altera as relações sociais de produção e de trabalho no campo, revelando, pois, as novas faces da contradição inerente ao sistema metabólico do capital, personificado no agronegócio canavieiro, que se diz portador de progresso e de desenvolvimento, corroborando assim, a hipótese de que está se constituindo uma (re)configuração geográfica nos territórios onde tal projeto se materializa (OLIVEIRA, 2009, p. 337).
Assim, o agronegócio assume o papel de protagonista do
“desenvolvimento”, cabem então algumas indagações: O que seria
desenvolver? De qual desenvolvimento estamos falando? Procurarei
desenvolver este raciocínio, mas a resposta me parece lógica, trata-se na
verdade de um desenvolvimento que se consubstancia por dentro dos
pressupostos da formação sócio-espacial capitalista, trata-se de um
desenvolvimento para o capital.
Pode-se afirmar que o discurso do desenvolvimento consolidou-se,
especialmente a partir da segunda metade do século XX, pautado no
constructo ideológico de que a modernização supera relações e formas de
produção atrasadas; que a industrialização e a tecnologia conduzem à
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modernização; e que a materialização desse desenvolvimento garante o
progresso no âmbito social, cultural e político. Este suposto “desenvolvimento”
trata-se na verdade da lógica contraditória do capital que em seu processo de
produção e reprodução, manifesta no território a sua essência desigual e
combinada. Em outras palavras, depreende-se que o desenvolvimento, ao
contrário do que se propõe é também contraditório e, ao se materializar no
espaço geográfico revela as desigualdades geradas na contradição. Nesse
sentido Montenegro Gómez destaca que, o desenvolvimento promovido na
sociedade capitalista “pretende” a redução das desigualdades, através de um
sistema que se fundamenta na concorrência entre desiguais. No mínimo, um
contrasenso, senão uma cruel impostura. (2006, p. 121).
Dessa forma, o “desenvolvimento” que postula o agronegócio, nada mais
é do que, uma estratégia de reprodução do capital e de controle social, que,
segundo o discurso oficial, serviria para concertar os transtornos temporais
provocados pela dinâmica natural do sistema, permitindo que os pobres
(subdesenvolvidos) possam desfrutar, num futuro muito próximo, das benesses
que os ricos (desenvolvidos) já desfrutam. Dessa maneira, as políticas de
desenvolvimento seriam a preocupação e a consciência do sistema, saindo em
ajuda dos mais necessitados. Na última década, criou-se um espectro em torno
da idéia de um desenvolvimento pautado “em aspectos sociais, ambientais e
humanos”, desse modo, “o denominado ‘capitalismo de rosto humano’ não é
mais que uma nova careta” (MONTENEGRO GÓMEZ, 2004, p. 55).
Pois, com contundência, podemos observar as contradições e
armadilhas do desenvolvimento que:
[...] em vez do reino da abundância prometido por teóricos e políticos dos anos cinqüenta, o discurso e a estratégia do desenvolvimento produziram o contrário: miséria e subdesenvolvimento massivos, exploração e opressão inenarráveis (ESCOBAR apud MONTENEGRO GÓMEZ, 1998 [1996], p. 21).
Como queremos demonstrar o agronegócio está encimado no discurso
do desenvolvimento, da geração de emprego e renda para os trabalhadores,
entretanto seus desdobramentos concretos não atentam para melhoria de vida
das populações mais pobres e nem de longe este é seu objetivo, portanto ao
invés de ser a “salvação da lavoura” brasileira, este modelo de negócio-
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sociedade e desenvolvimento encontra-se completamente falido em sentido
para os trabalhadores.
Trata-se, pois, de um desenvolvimento do capital e para o capital, que se pauta no desmantelamento das comunidades e territórios que interessa ao projeto expansionista do capital com vistas a sua valorização, tirando-lhes as condições que lhes são próprias e que foram construídas historicamente, e impondo ações e atitudes que não combinam com as formas anteriores de organização social e de produção. (OLIVEIRA, 2009, p. 344-45).
Ou seja, a idéia de desenvolvimento, no interior da sociedade produtora
de mercadorias em que vivemos, nos remete à subordinação estrutural do
trabalho ao capital, portanto, os adjetivos como humano, solidário ou
sustentável, associados ao desenvolvimento local, são tentativas de
harmonizar a lógica destrutiva do capital em relação ao gênero humano. Uma
tentativa fadada ao fracasso. Nesse aspecto, vale destacar que apesar de todo
potencial agrícola que o país possui milhões de pessoas não têm acesso à
alimentação básica. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística), divulgados pela CPT (Comissão Pastoral da Terra), 14 milhões
de brasileiros passam fome e mais de 72 milhões vivem em situação de
“insegurança alimentar”. Ou seja, trata-se de um modelo de desenvolvimento
que em vez de garantir o acesso à terra a milhões de trabalhadores, por meio
da Reforma Agrária, e priorizar a Soberania Alimentar, legaliza a grilagem de
terras, aumenta a concentração fundiária e acentua a exploração da natureza e
da força humana que trabalha.
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CAPÍTULO I
APROPRIAÇÃO E MONOPOLIZAÇÃO DO TERRITÓRIO PELO
AGRONEGÓCIO CANAVIEIRO EM GASTÃO VIDIGAL-SP
O atual processo de expansão da atividade canavieira no Brasil está
respaldado pelo discurso do agronegócio, que se impõe como um modelo de
desenvolvimento econômico eficiente, gerador de emprego e renda e que tenta
maquiar a imagem da agricultura capitalista, historicamente exploradora do
trabalho e concentradora de terra, renda e capital. Destaca-se nesse processo,
a dinâmica da territorialização do capital no campo a partir da produção de um
discurso (ufanista) do agronegócio como um modelo de desenvolvimento único
e capaz de resolver os problemas econômicos do país. Ou seja, a consolidação
de um discurso pautado em um modelo único de desenvolvimento, o
desenvolvimento do agronegócio como a “salvação da lavoura”.
As características que marcaram e que marcam a agroindústria
canavieira no Brasil são pistas importantes para entendermos quais os desafios
impostos ao trabalho no século XXI. Para adentrarmos nesse debate podemos
indicar assim como Souza (2008) faz, que a agroindústria canavieira é a mais
antiga atividade econômica não-extrativista do Brasil. Seu produto principal, de
meados do século XVI (1540/50) ao final do século XX (1979/80), foi o açúcar.
O álcool etílico tomou esse lugar por pouco tempo. Depois da reversão da
tendência altista dos preços internacionais do petróleo a partir de 1983/84 e
depois de alguns anos de dificuldades, o açúcar retomou sua primazia na
década de 1990, com a grande ajuda das exportações.
Todos sabemos que a implantação do setor canavieiro, em nosso país,
desde a colônia, foi baseada no latifúndio, no trabalho escravo, na monocultura
da cana-de-açúcar para a exportação e nos maus tratos aos trabalhadores,
dando um largo salto histórico, podemos dizer que esse caráter
concentracionista de terras, renda e de capitais do setor, fortaleceu-se a partir
da criação do SNCR (Sistema Nacional de Crédito Rural), implantado pelo
governo militar, em 1965.
Para Oliveira (2007), ao se criar uma política de concessão de créditos
subsidiados, altamente seletiva e excludente o Estado acabou privilegiando os
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grandes proprietários e grupos empresariais, contribuindo para a constituição
do Complexo Agroindustrial brasileiro e, particularmente do CAI canavieiro.
Para a autora, as mudanças instituídas no setor, a partir de então, visando
aumentar a escala de produção e elevar a composição orgânica do capital,
pautaram-se na especulação fundiária e na intensificação da concentração da
propriedade da terra, tendo como resultado a expropriação de pequenos
proprietários, colonos e posseiros e, consequentemente, o aumento do trabalho
assalariado no campo.
Já na década de 70, a partir de 1975 é criado pelo governo federal o
Proálcool (Programa Nacional do Álcool), que tinha como “um dos objetivos”,
aumentar a produção de álcool combustível em virtude das crises petrolíferas
em escala mundial que vinham afetando gravemente o balanço de
pagamentos, notemos bem que dissemos “um dos objetivos”; pois como
sinaliza Thomaz Junior (1992), o Proálcool, acima de qualquer suspeita antes
de representar uma alternativa energética; foi à saída econômica que o Estado,
mais uma vez bancou para o setor (num patamar não comparável até então,
através de financiamentos subsidiados, facilidades creditícias; às expensas da
produção de alimentos da cesta básica.
Em linhas gerais, de acordo com o Ministério da Indústria e do Comércio
(1986)1, o Proálcool em sua primeira fase, aproveitou-se da capacidade ociosa,
através da instalação de destilarias anexas às usinas de açúcar, sendo assim a
produção de álcool passou de 600 milhões de litros, na safra 1975/76, para 3,6
bilhões de litros, na safra 1978/79, destinando-se apenas à mistura
gasolina/álcool anidro.
O segundo choque do petróleo em 1979 propiciou ao Proálcool entrar
em sua segunda fase, para a produção de álcool hidratado, nessa segunda
fase, deu-se ênfase à implantação de destilarias autônomas em novas áreas
de produção. E por fim, a partir de 1985 o Proálcool entra em uma nova fase,
tendo que conviver com a diminuição do volume de dinheiro, com o fechamento
da torneira.
Quais os desdobramentos deste programa?
Cabe destacar que um dos desdobramentos diretos do Proálcool, foi o
1
Cf. BRASIL. Ministério da Indústria e Comércio, 1986.
- 15 -
aumento vertiginoso da produção de cana-de-açúcar e, consequentemente, de
seus derivados, além do que foi extremamente lucrativo para o capital
agroindustrial, atendendo todos os anseios do setor canavieiro, inclusive
seculares perdões de dívidas2.
Para Oliveira (2007), a intensa transferência de renda do conjunto do
capital social para o setor canavieiro, especialmente, a partir do Proálcool, foi
capitalizada diferencialmente pelas empresas agroindustriais canavieiras,
possibilitando a concentração de capital nas mãos de alguns Grupos/Famílias.
Na década de 1990, o Estado, por sua incapacidade de continuar com a
política de crédito, por causa da crise fiscal e, também, devido à mudança de
paradigma da política econômica, atrelada aos pressupostos neoliberais do
Consenso de Washington, promoveu a desregulamentação da agroindústria
canavieira, ou mais propriamente do setor canavieiro, e a abertura comercial.
Sendo assim, Alves (2007), assinala que estes dois direcionamentos,
abertura comercial e desregulamentação, operados ao mesmo tempo e
combinados com a queda dos preços internacionais do açúcar e queda da
demanda interna de álcool levaram a uma crise do setor que se abateu sobre a
década de 90. A saída do Estado e a abertura do mercado interno provocaram
mudanças significativas no interior do complexo, assim como Alves (2003), nos
indica abaixo:
Internamente, as empresas do setor passaram a competir mais acirradamente entre si do que ocorria antes, quando o Estado administrava preços de (cana, açúcar e álcool). Se antes a concorrência entre usinas se dava pelo fornecimento de cana, ou por terra, ou até por favores especiais junto ao governo, hoje a concorrência internaliza-se entre usinas. (p.78).
Ou seja, a saída parcial do Estado transferiu a concorrência para o setor
agroindustrial canavieiro, e nesse novo cenário desenvolveu um processo de
reestruturação produtiva no setor com a introdução de um conjunto de
modificações que vão desde a mudança da base técnica produtiva, até a
mudança organizacional dos processos de produção e do trabalho.3
2
Cf. THOMAZ JR, 2002.
3 Cf. ALVES, F., 2008.
- 16 -
Recentemente a agroindústria canavieira vive um novo momento de
expansão, de acordo com, Alves (2008), a partir de 2002 o setor, ingressa em
um período de grande dinamismo e crescimento, que faz lembrar, o período
áureo do Proálcool (1975/1983), salvo por uma diferença essencial: ausência
de subsídios diretos e exclusivos garantidos pelo Estado.
Este dinamismo atual é provocado pelo papel privilegiado que suas duas
principais commodities - o açúcar e, principalmente, o álcool, desfrutam no
agronegócio mundial. Assim sendo, recentemente, a alta nos preços do
petróleo no mercado internacional, o problema ambiental, a adoção de políticas
públicas por países desenvolvidos para incentivar o uso de combustíveis
“alternativos” e menos poluentes, têm justificado o boom da atividade
canavieira e do álcool brasileiro. Ao lado dos Estados Unidos, o Brasil ocupa a
posição de líder no setor sucroalcooleiro mundial e vem atraindo uma onda de
investidores estrangeiros para o país. Convém lembrar que os EUA tornaram-
se rapidamente o maior produtor mundial de álcool, mas utiliza o milho para
obtê-lo.
É nessa seara, que se insere a conjuntura política e econômica voltada
para a abertura do mercado de etanol que contribui igualmente para a
emergência de rearranjos territoriais, tanto em âmbito do capital, como do
trabalho. Sendo a grande mola propulsora deste processo recente de expansão
do setor, a possibilidade de conquista de mercados externos e de tornar o
álcool uma commodity.
Tanto que Oliveira (2007), assegura que a partir dos anos 2000, a
Geografia da cana, no Brasil, vem mudando significativamente, valendo
ressaltar que, no estado de São Paulo, essa expansão recente está ocorrendo
com mais intensidade na porção oeste, com destaque para as regiões
administrativas de Araçatuba, São José do Rio Preto e Presidente Prudente.
Ou seja, este movimento do capital no âmbito do setor canavieiro vem
expressando, portanto uma nova territorialidade, ou porque não dizer, um novo
ordenamento territorial das agroindústrias e das áreas plantadas com cana. Se
até o final dos anos 1990 a atividade canavieira estava concentrada nos
principais estados produtores do Nordeste (Alagoas, Paraíba e Pernambuco) e
no estado de São Paulo (maior produtor do país), hoje, o que estamos
verificando é um crescente movimento de expansão para outras regiões e
- 17 -
estados brasileiros até então sem expressão na produção nacional de cana-de-
açúcar. Com respeito ao fenômeno canavieiro, o processo se expressa
enquanto espacialização das plantas agroprocessadoras e das plantações,
com base em um processo recente de expansão jamais visto.
Como indica Oliveira (2009), a área colhida no Brasil com cana-de-
açúcar na safra 2009/2010, com base nos dados da Companhia Nacional de
Abastecimento (CONAB, 2010), foi estimada em 7.531 milhões de hectares,
distribuída em todos os estados produtores, tendo a maior concentração em
São Paulo – com 4.101,4 milhões ha; seguido por Paraná – 590,1 mil ha; Minas
Gerais – 587,1 mil ha; Goiás – 520,3 mil ha e Alagoas – com 448 mil ha. Em
termos de quantidade produzida de cana-de-açúcar, no ano de 2009 a
produção atingiu 612,2 milhões de toneladas, com alta de 7,1% com relação ao
período anterior. O estado de São Paulo concentrou 57,8% da produção e
colheu 354,3 milhões de toneladas, ou seja, 2,5% a mais do que em 2008.
Outros três estados foram destaques em termos de aumento da quantidade de
cana colhida. Sendo, Goiás, com a produção subindo 50,1% e atingindo a
marca de 44,4 milhões de toneladas; Mato Grosso do Sul com o avanço de
38,8%, contabilizando 28,8 milhões de toneladas; e, por fim, Minas Gerais,
onde a alta foi de 20,1%, com 49,7 milhões de toneladas colhidas.
Esse crescimento impulsionado pela explosão na venda de automóveis
“flex” (movidos a álcool e gasolina), no Brasil, está sendo viabilizado por conta
da territorialização e expansão por parte do capital agroindustrial canavieiro
para áreas não tradicionais no cultivo da gramínea, e é nesse momento que se
insere atrativamente o Oeste Paulista ao desenfreado avanço da monocultura,
com enormes possibilidades à mecanização dado as condições de relevo, e
com significativo estoque de terras. Na região oeste do estado de São Paulo,
tradicional na pecuária de corte, a área cedida por pastagem cultivada no
período de 2001 a 2006, correspondeu a 62% de toda a área cedida por essa
atividade no estado de São Paulo. Entre as culturas as que mais cederam
áreas nesse período foram: a cultura do milho e as culturas alimentares
básicas como o feijão, redução de cerca 55% na produção e arroz de sequeiro,
redução de 61% na produção (DANIEL et al, 2009).
E esta apropriação e monopolização do território pelo agronegócio vêm
sendo expressa na dinâmica dos territórios em disputa, no recorte territorial de
- 18 -
nossa abordagem, o município de Gastão Vidigal-SP, integrante da 9ª Região
Administrativa de Araçatuba e que faz parte do EDR (Escritório de
Desenvolvimento Rural) de General Salgado-SP (tabela 1), conformando a
seguinte base territorial (Mapa 1).
Tabela 1. Municípios Integrantes do EDR de General Salgado-SP
Fonte: Prefeitura Municipal de Gastão Vidigal-SP
- 19 -
Fonte: Cardoso, 2010.
Segundo dados do IEA- Instituto de Economia Agrícola (2009), a
produção de cana-de-açúcar no EDR de General Salgado aumentou de
3.924.362t no ano de 2000 para 11.443.939t no ano de 2008, o que
corresponde a um aumento de 192%, sendo esse aumento muito superior ao
ocorrido no Estado de São Paulo considerando-se o mesmo período e
totalizando aproximadamente 3% do total produzido no estado.
Neste contexto, de expansão da produção canavieira na escala nacional
podemos destacar no âmbito do EDR de General Salgado-SP que esta
concomitante tendência se aplica também para este território, estando assim
inserido na rota de expansão recente do Polígono do Agrohidronegócio4
canavieiro como o (Gráfico 1) tenta demonstrar.
4 Denominação tomada de empréstimo de Thomaz Junior, 2009.
- 20 -
Gráfico 1.Territorialização da produção de cana (toneladas) no EDR de General Salgado-SP
Fonte: UDOP, 2011.
Com base nos dados acima, podemos afirmar que se processa no EDR
de General Salgado-SP, a territorialização do agronegócio canavieiro, e que
este processo ganha força no limiar dos anos 2000. Neste sentido, é notório o
crescimento da produção de cana, como detalhamento, tivemos da safra
2000/2001 para a safra 2006/2007 um crescimento da produção de cana na
ordem de 90,3%, ou seja, podemos caracterizar nosso recorte territorial de
estudo como sendo um “território em disputa”, no qual é de interesse do capital
aprofundar o processo de inserção deste no circuito canavieiro. Dessa forma,
a expansão da monocultura de cana-de-açúcar no EDR de General Salgado-
SP pode ser visualizada nos (Mapas 2 e 3) e dimensionada na (Tabela 2).
- 21 -
Mapa 2- Territorialização dos Canaviais no EDR de General Salgado-SP Safra 2003/2004
Fonte: Canasat, 2010/Cardoso, 2011.
Mapa 3- Territorialização dos Canaviais no EDR de General Salgado-SP Safra 2008/2009
Fonte: Canasat, 2010/Cardoso, 2011.
- 22 -
Tabela 2. Área de cana-de-açúcar por município do EDR de General Salgado-SP nos anos de 2005 a 2008, e sua respectiva variação de crescimento neste período.
Fonte: Dados básicos do IEA, 2009.
Através da leitura dos mapas e da observação da tabela é possível
confirmar a idéia de que na escala regional do EDR de General Salgado-SP à
qual o município em estudo faz parte, o processo de apropriação do território
pelo agronegócio canavieiro vem se acentuando e controlando uma porção
cada vez maior do território, ou seja, das terras disponíveis, como a tabela
acima indica, o rastro da expansão do agronegócio canavieiro de 2005 para
2008 atingiu 100,6% de expansão, bem acima do percentual estadual que se
situou em 46,7%. Mas, até que ponto essa dinâmica de expansão atinge a
distribuição e destinação dos usos agrícolas, sobretudo em Gastão Vidigal-SP?
Neste contexto, de expansão da atividade canavieira podemos destacar
que esta tendência macro-escalar, se objetiva no plano micro-escalar do
município de Gastão Vidigal, com a tomada de terras destinadas para ingresso
no circuito canavieiro (Gráfico 2).
- 23 -
Gráfico 2. Territorialização do Agronegócio canavieiro- Apropriação das terras para plantio de
cana-de-açúcar em Gastão Vidigal-SP
Fonte: Cati- Lupa, 2011(Levantamento Censitário das Unidades de Produção
Agropecuária do estado de São Paulo)
Os canaviais avançam em marcha intensiva sobre as terras do município
de Gastão Vidigal-SP, e de acordo com os dados, a área plantada de cana em
hectares, de 1995-96 para 2007-08, cresceu aproximadamente 771% atingindo
a exorbitante apropriação de 6625 mil ha de terra, sendo que o processo é
inverso quando tratamos das terras destinadas à pastagem (Gráfico 3) e
principalmente para a produção de alimentos (Gráficos 4 e 5).
Gráfico 3. Redução da área de Pastagem em Gastão Vidigal-SP.
Fonte: Cati- Lupa, 2011(Levantamento Censitário das Unidades de Produção
Agropecuária do estado de São Paulo).
- 24 -
Gráfico 4. Redução da área destina para a produção de milho- Gastão Vidigal-SP
Fonte: SIDRA/IBGE- Produção Agrícola Municipal, 2011.
Gráfico 5. Redução da área destinada para a produção de Arroz (em casca)-
Gastão Vidigal-SP
Fonte: SIDRA/IBGE- Produção Agrícola Municipal, 2011.
Em relação à redução de pastagem o ritmo é lento, em termos
percentuais de 1995/96 a 2007/08 houve redução de aproximadamente 7,74%
nada comparado com a redução das áreas destinadas a produção de
alimentos. De acordo com os dados da produção agrícola municipal do IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), é possível perceber, que alguns
- 25 -
produtos típicos da agricultura camponesa de alimento em Gastão Vidigal-SP,
tais como o milho e o arroz, apresentaram, no período analisado, números que
indicam uma crescente redução das terras disponibilizadas para estas culturas,
só a título de exemplo, a área destinada para produção de milho reduziu-se de
2003 para 2009, aproximadamente 574%, no caso das terras destinadas para a
produção de arroz a redução foi total, ou seja, o cultivo alimentar básico do
arroz foi extinto no município. O que nos interessa evidenciar é que enquanto
os dados das terras disponíveis para as culturas tradicionais alimentares
apontam queda, um declínio acentuado da área plantada, para o agronegócio
canavieiro tem-se o inverso. Assim sendo, gostaríamos de defender a idéia de
que a apropriação crescente do território pelo agronegócio no município de
Gastão Vidigal-SP vem se dando também sobre áreas de cultivo alimentares
(Gráfico 6), portanto, a dinâmica local de inserção das terras no circuito
canavieiro vem desmitificando os estudos apontados pela “grande imprensa”,
que afirmam que a produção de alimentos não vai ser afetada pela expansão
do “mar-de-cana”.
Gráfico 6. Redução das áreas destinadas para produção de alimentos-Gastão Vidigal-
SP-1995-96/ 2007-08.
Fonte: Cati- Lupa, 2011(Levantamento Censitário das Unidades de Produção
Agropecuária do estado de São Paulo)
Como podemos ver no gráfico acima, cultivos alimentares básicos da
humanidade no município em análise estão em vias de desaparição, só a título
- 26 -
de exemplo, a área destinada para produção de Feijão, uma cultura antes
expressiva no município, teve suas terras reduzidas em 2650%, abrangendo
atualmente os inexpressivos 2,4 ha, outras como o tomate e pimentão já foram
extintas da produção municipal. Nestes termos, o modelo proposto pelo
agronegócio canavieiro não atende a soberania alimentar, muito pelo contrário
ataca a produção camponesa de alimentos, em outras palavras, seria o mesmo
que dizer que a apropriação do território para produção de cana-de-açúcar
encimada no modelo de desenvolvimento do agronegócio é incompatível,
incongruente com a produção de alimentos. Fica claro então que a apropriação
capitalista do território promovida pelo avanço do agronegócio canavieiro na
escala local tende a homogeneização da paisagem e ao monopólio e controle
dos usos e ocupações das terras (Gráficos 7 e 8).
Gráfico 7. Uso e ocupação das terras 2007/2008 em Gastão Vidigal-SP
Fonte: Cati- Lupa, 2011(Levantamento Censitário das Unidades de Produção
Agropecuária do estado de São Paulo)
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Gráfico 8.Uso e Ocupação das terras destinadas para a agricultura 2007/2008 em Gastão
Vidigal-SP
Fonte: Cati- Lupa, 2011(Levantamento Censitário das Unidades de Produção
Agropecuária do estado de São Paulo)
Aos menos avisados não se trata apenas de uma inofensiva apropriação
territorial, mas sim de uma apropriação territorial destrutiva que ataca as
relações que não se encaixam no seu jogo, é assim que podemos interpretar
os gráficos acima, que demonstram que a porção territorial já ocupada pelo
agronegócio canavieiro é da ordem de 38% de todo o território municipal e a
tendência é o avanço intenso sobre o restante do território, indo além, somente
na porção de terras destinadas para a agricultura à cana-de-açúcar já ocupa
85% destas, confirmando assim a idéia que vimos defendendo de que a
apropriação capitalista do território municipal pelo agronegócio canavieiro alça
vôos monocultores dignos do período colonial, portanto, o capital agroindustrial
já tem a sua disposição o controle territorial de mais 1/3 do município de
Gastão Vidigal-SP.
Conforme dados colhidos junto a CATI/Casa da Agricultura do município,
cerca de 45% das unidades de produção agropecuária locais estão inseridas
no circuito de produção canavieira. Como podemos explicar tamanho controle
territorial? Para Backes (2008), o processo de “homogeneização” do território
através da agroindústria canavieira, vem atingindo lentamente o pequeno
- 28 -
agricultor, arrendatários e o trabalhador assalariado no campo, se apropriando
e expandindo-se pelo território afora. Indo além, é interessante destacar a
participação da terra como mercadoria nesse processo. Como afirma
(MARTINS, 1983, p. 159-160).
A terra não é produto nem do trabalho assalariado nem de nenhuma outra forma de trabalho. É um bem natural, que não pode ser reproduzido, não pode ser criado pelo trabalho (...), a terra não é a materialização do trabalho humano, mas se transforma em mercadoria.
Como destaca Ianni (1981, p.154), onde afirma que “a terra torna-se
mercadoria, ganha preço, passa a ser objeto e meio de produção de valores de
troca, estando ela inserida nas relações capitalistas de produção”. Via de regra,
em termos da expansão dos canaviais em Gastão Vidigal-SP, gostaríamos de
defender a assertiva de que o grande motivador quando da tomada de decisão
pelo arrendamento da terra para o capital, encontra-se no fator econômico que,
no início do processo, em razão da dificuldade em conseguir crédito e
assistência rural para o cultivo agrícola tradicional, acabam sendo “atraídos”
pelo alto e ilusório preço pago nos momentos de euforia do setor
agrocanavieiro.
Quando do final do prazo de arrendamento da terra para o usineiro,
diante da inexistência de recursos para o restabelecimento das atividades
anteriormente praticadas, impossibilidade de recomposição de cercas, pastos,
casas e toda a infra-estrutura retirada pela formação das grandes áreas de
plantio monocultor, somado ao fato do sucateamento e/ou venda de máquinas
e implementos agrícolas pelo fato de não mais serem usados, dá-se aí o “pulo
do gato”, onde o proprietário vê-se refém do capital.
Dessa forma, fragilizado na relação desigual com o grande capital, o
agricultor/proprietário acaba por ter duas alternativas igualmente desfavoráveis,
ou renova o contrato de arrendamento por uma remuneração muito menor (o
pagamento das usinas é proporcional à produção da área plantada), pois numa
segunda oportunidade de plantio a produção provavelmente será menor, em
razão do desgaste do solo. O outro caminho leva o proprietário a ceder de vez
ao cortejo do capital canavieiro, vendendo suas terras por valores muito abaixo
do que valiam antes do referido arrendamento, vindo a proletarizar-se
- 29 -
constituindo mão-de-obra para a expansão agrocanavieira, conferindo
materialidade ao intento expansionista/monopolizante/territorializante do
agronegócio.
Ao final deste capítulo balizado por nossas ações de pesquisa proponho
a reflexão de que a apologia ao agronegócio, realizada pela mídia, pelas
empresas e pelo Estado, é uma forma de blindar esse modelo, procurando
invisibilizar sua conflitualidade imanente.
Pois, o desenvolvimento da agricultura acontece também pela conflitualidade perene das classes sociais, que se enfrentam e disputam a política e o território. Esse desenvolvimento pela conflitualidade é caracterizado pela contradição e pelo paradoxo insolúveis, que vem sendo registrados na história moderna, predominantemente, por meio da territorialização do capital e da desterritorialização e reterritorialização do campesinato (FERNANDES, 2004, p. 9).
Desse modo, o agronegócio tenta silenciar os seus impactos, colocando-
se como espaço produtivo por excelência, cuja sua supremacia não pode ser
ameaçada. O agronegócio salvo engano das comparações é um novo tipo de
latifúndio5 e ainda mais amplo, agora não concentra e domina a terra somente,
mas também a tecnologia de produção e as políticas de “desenvolvimento”.
Nesse sentido, essa dinâmica representa a materialização de todos os
ideais das políticas públicas de valorização do agronegócio em detrimento da
agricultura de base camponesa e ligada à produção de alimento. Dessa forma,
esta mudança no quadro da estrutura produtiva desse município, revela o
sentido e a magnitude da territorialização do capital no campo, ou seja,
estamos diante de uma composição de forças que monopoliza o uso e a
assegura o acesso às terras pelo capital. Produção de alimentos, segurança
alimentar, passam longe das relações capitalistas estabelecidas no campo, pois
o que está em pauta é a exploração da terra fundamentada na monocultura e a
ênfase na produção voltada para a exportação.
Portanto, dessa forma mudam-se destrutivamente as paisagens e os
componentes que dão sentido ao território para reprodução ampliada do
capital, assim a apropriação capitalista do território dá-se mediante a
homogeneização da monocultura da cana-de-açúcar, que instaura como
5 Cf. FERNANDES, 2004.
- 30 -
paisagem do capital um “deserto verde”, que aprisiona a paisagem e subtrai-lhe
o significado para a humanidade. Este problema é criado pela lógica da
reprodução ampliada do capital, que provoca o desenvolvimento desigual, por
meio da concentração de poder expresso em diferentes formas, por exemplo:
propriedade da terra, dinheiro e tecnologia. Esta lógica produz a concentração
de poder criando o poder de concentrar, reproduzindo-se infinitamente. A
reprodução infindável é da natureza do modo capitalista de produção, portanto,
para garantir sua existência, o capital necessita se territorializar sem limites. E
nesta ânsia de territorialização, o capital tenta destruir e avançar sobre outros
territórios.
- 31 -
CAPÍTULO II
DO SONHO DE LIBERDADE À MIGRAÇÃO PARA O CAPITAL
Neste capítulo, tentaremos compreender as contradições do processo
de migração do trabalho para o capital, no caso dos trabalhadores migrantes
para o corte da cana-de-açúcar no município de Gastão Vidigal-SP. Os
posicionamentos teóricos atrelados às experiências concretas efetivadas por
meio dos trabalhos de campo e o contato com os trabalhadores fizeram a
diferença para a elaboração das idéias que serão apresentadas aqui.
A mobilidade espacial do trabalho tem sido assunto recorrente em
diversos estudos no âmbito da Geografia, da Economia e de outras Ciências
Sociais, com enfoques teóricos distintos. Para as finalidades desse capítulo,
distinguimos duas correntes antagônicas as quais têm se filiado os estudiosos
deste fenômeno: de um lado a que tem por base a economia neoclássica e de
outro, a que está fundamentada no materialismo histórico dialético.
Para a primeira corrente a mobilidade espacial do trabalho estaria
pautada pelas leis do mercado e pelas premissas da racionalidade e da
liberdade soberana dos homens – levando a uma diferenciação espacial que
encontraria, em certo momento, um harmônico estado de equilíbrio. Aos
trabalhadores assim considerados, caberia tão somente encontrar sua inserção
no mercado de trabalho, com base na demanda por trabalhadores em seu ou
em outros municípios, em sua ou em outras regiões, de acordo com suas
possibilidades profissionais. Gomes (2009) expõe um parecer similar acerca
dessa corrente neoclássica, a qual denomina “corrente do equilíbrio geral”,
quando afirma que:
Essa corrente pressupõe a existência de uma mobilidade perfeita do trabalho, defendendo que os trabalhadores têm capacidade de se deslocar por entre os espaços em busca de melhores condições de vida, que se traduzem em salários e rendas num nível mais elevado. Assim, a liberdade de escolha é atribuída ao trabalhador. Os neoclássicos admitem que os indivíduos comportam-se de maneira racional, podendo escolher entre alternativas de emprego e as melhores condições materiais de vida (GOMES, 2009, p. 38).
Para Vale (2007), na visão neoclássica, os estudos da migração
pressupõem um cálculo racional e a livre decisão dos indivíduos, isto é, o livre
- 32 -
trânsito dos corpos no espaço, sendo que esse movimento leva à
heterogeneidade espacial e propicia o equilíbrio, no sentido da igualdade
possível.
A segunda corrente, pautada pelo materialismo histórico dialético, é
totalmente oposta à primeira, em síntese para os estudiosos engajados nessa
perspectiva, a formação social capitalista, ao gerar trabalhadores excedentes,
separados de seus meio de existência, cria a necessidade de deslocamentos
em busca do trabalho. A disponibilidade de tais trabalhadores, como reserva de
mercado, nos mais diversos pontos do território, torna-se, por sua vez,
condição necessária para a própria existência da acumulação do capital. A
mobilidade espacial do trabalho não é mero mecanismo de redistribuição
espacial de populações, que se adapta às solicitações do sistema econômico,
mas ela se configura como estrutural para a acumulação de capital. Para, Vale
(2007, p.46-7), em estruturas capitalistas, marcadas pela rigidez ou expansão
de sua morfologia econômica, as formas de mobilidade do trabalho surgem
como fenômeno de submissão e não de liberdade. Para Gaudemar (1977, p.
172), “toda estratégia capitalista de mobilidade é igualmente estratégia de
mobilidade forçada”. Perpetua (2010, p. 9), resume bem esta corrente teórica
que:
[...] tem como fundamentos, por um lado, não a mobilidade perfeita dos trabalhadores sobre o espaço, mas a mobilidade forçada, estranhada, uma condição elementar da acumulação do capital; e por outro, não o equilíbrio geral do desenvolvimento espacial sob o capitalismo, mas o desequilíbrio e a contradição constantes, expressos pela desigualdade que gera, em última análise, a necessidade da mobilidade.
Sendo assim, rejeitamos e discordamos diametralmente da análise de
mobilidade espacial do trabalho da corrente neoclássica, neste trabalho nossos
esforços convergiram para a tentativa de desenvolver algumas reflexões
acerca de uma das faces do fenômeno da mobilidade espacial do trabalho que
também tem se intensificado paulatinamente: a migração de trabalhadores
sazonais nordestinos para o corte de cana no município de Gastão Vidigal-SP.
Para o entendimento dessa questão, defendemos a idéia que esse processo de
migração do trabalho, diante do entendimento de que o capital é hegemônico e
exerce controle sobre todo o tecido social, não é para menos que a migração
- 33 -
do trabalho seja uma migração para o capital, ou seja, uma migração forçada
levada pela necessidade de sobreviver e não um mero ato de exercício de
“liberdade”.
Feita estas ressalvas e retomando nosso raciocínio central, podemos
afirmar que desde o surgimento do homem a milhares de anos no continente
africano, a busca por melhores condições de vida sempre foi uma das metas a
serem alcançadas. Por conta disso as primeiras sociedades eram nômades,
pois migravam sempre em busca daquilo que havia se esgotado. O movimento
das populações no espaço, ou seja, as migrações são motivadas por vários
fatores, que podem ser: políticos, religiosos, naturais, culturais, mas sem
sombra de dúvida, o fator que historicamente tem sido predominante na
formação sócio-espacial capitalista é o econômico, ou seja, a dinâmica
migratória está atrelada estruturalmente ao funcionamento do modo de
produção capitalista que para gerar mais valor exige o trabalho do ser humano
e o engendramento de um ordenamento espacial da força de trabalho, e, se
preciso for o seu reordenamento territorial.
Devemos compreender que esses movimentos são impulsionados,
sobretudo pelo capital, e que eles se constituem numa forma de ajustamento
da força de trabalho às necessidades do capital no processo de valorização
(OLIVEIRA, 2007). Nesse sentido, o movimento migratório, no Brasil, esteve e
está, ligado aos importantes ciclos econômicos (a exemplo da borracha, do
café, do período de consolidação do setor industrial, etc.), e inclusive com o
processo de modernização/mecanização da agricultura, que provocou uma
saída expressiva do homem do campo para os centros urbanos, quer
expropriado de suas terras, quer pela substituição de sua mão-de-obra pela
máquina.
Trazendo a discussão para os dias de hoje, o que nos é pertinente neste
momento é salientar que a Geografia da cana está mudando em nosso país e,
sobretudo está provocando mudanças decisivas na Geografia do trabalho.
Conforme Oliveira (2007), neste contexto em que o capital agroindustrial
canavieiro se desterritorializa (parcialmente), e se (re)territorializa em novos
locais, este mesmo processo também conduz à desterritorialização e à
(re)territorialização dos trabalhadores, ou seja, a mobilidade do trabalho está
acompanhando o movimento do próprio capital. Portanto, gostaríamos de
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aventurar a hipótese de que a agroindústria canavieira, em mais uma de suas
fases de expansão, vem se valendo da intensa busca e exploração de força de
trabalho migrante para alcançar seus altos índices de lucratividade.
A concepção de desterritorialização tratada aqui, leva em consideração o
fato de que a força humana que trabalha vive uma constante mobilidade
territorial impulsionada e condicionada pela dinâmica autoexpansionista e
desterritorializante do capital, especialmente no contexto atual de
mundialização e de reestruturação produtiva do capital.
Assim sendo, é uma desterritorialização forçada pela necessidade que o
homem desprovido dos meios de produção, tem de vender para o capital a sua
mercadoria força de trabalho. Dependente do emprego, do salário e da
moradia, portanto de condições básicas para garantir a reprodução da vida e
da família, o trabalhador é levado “no extremo a desfazer-se de tudo que o
havia territorializado” (MOREIRA, 2008, p. 137), migrando para lugares muitas
vezes distantes onde deverá constituir novas relações sociais, novos laços
culturais e uma nova identidade estabelecendo, portanto, uma nova
territorialidade (OLIVEIRA, 2009).
Em geral, os cortadores de cana são migrantes de outras regiões do
país, contudo como afirma Oliveira (2007), há alguns anos atrás, a maior parte
da mão-de-obra migrante no corte de cana era advinda do Norte de Minas
Gerais (Vale do Jequitinhonha) e de alguns estados do Nordeste (Pernambuco,
Paraíba e Bahia), que se dirigiam basicamente para o estado de São Paulo.
Hoje, é possível notar um aumento no contingente de mão-de-obra migrante,
não só para São Paulo, mas para todos os estados do Centro-Sul, que estão
expandindo a produção canavieira, esse processo de expansão está atraindo,
inclusive trabalhadores de outros estados do Nordeste, como: Piauí e
Maranhão6.
Conforme Silva (2008), nos mostra, enquanto no Centro-Sul os canaviais
se alastram e as áreas de pastagem sofrem redução, só a título de exemplo,
15% no período de 1995 a 2006, na região Norte do país, há um enorme
avanço da pecuária na Amazônia Legal, o número de bovinos passou de 34,7
milhões para mais de 73 milhões no período de 1994 a 2006.
6 Outras pesquisas também destacam isso, a exemplo de Alves, 2007; Silva, 2008; Oliveira, 2009;
Thomaz Junior, 2009..
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Podemos aventurar dizer, que esse processo tem sido responsável pela
conversão de camponeses em migrantes para o trabalho no corte de cana no
Sudeste e no Centro-Oeste ou ainda para o trabalho de devastação da
Amazônia na plantação de capim para o desenvolvimento da pecuária.
Podemos resumir esse processo, assim como faz Silva (2008, p.08)
”Geograficamente, pode-se dizer que há uma estrada com duas direções
opostas: enquanto os homens descem (do Norte e Nordeste para o Sudeste),
os capitais (bois sobem do Sudeste para o Norte)”, a (Figura 1) abaixo destaca
esse processo.
Figura 1- Dinâmica espacial da expansão da cana-de-açúcar para o Oeste do estado de São
Paulo e a nova face da Geografia do Trabalho
De modo categórico, podemos afirmar que o município de Gastão
Vidigal-SP, vem passando por profundos rearranjos territoriais, via de regra,
propiciados pela recente expansão canavieira, ou seja, encontra-se em
processo ativo de inserção no circuito do agronegócio. De acordo com as
informações obtidas em campo, no âmbito do trabalho migrante, o município
que apresenta 4193 habitantes, recebeu no ano de 2011, segundo estimativas
locais cerca de 1900 migrantes para o corte de cana, sendo constituída
- 36 -
basicamente essa força de trabalho por piauienses7.
O processo de pesquisa e as incursões a campo nos permitiram revelar
a territorialização desse fluxo migratório, ou melhor, entender de onde vem e o
quê procuram alcançar estes trabalhadores migrantes em solo paulista? Para
compreensão das contradições deste processo de migração para o capital
realizamos no município em apreço 56 entrevistas/conversas com diferentes
“cortadores de cana” migrantes ao longo de 2011 (anexo 1), através do contato
direto com a realidade migrante pudemos avançar no processo de pesquisa e
propormos algumas reflexões, a (tabela 3) abaixo tenta detalhar a
territorialidade do fluxo migratório que converge para o município de Gastão
Vidigal-SP.
Tabela 3- Territorialidade do Fluxo Migrante (Piauí- Gastão Vidigal-SP), 2011
Localidades N° de entrevistados
Percentual
Esperantina-PI 13 23%
Altos-PI 10 18%
Campo Maior-PI 7 12, 5%
Piracuruca-PI 7 12, 5%
José de Freitas-PI 6 11%
União-PI 5 9%
Teresina-PI 5 9%
Picos-PI 3 5%
Total 56 100%
Fonte: Dados Trabalho de Campo/Cardoso, 2011.
Em linhas gerais, os principais municípios fornecedores de força de
trabalho migrante para o capital canavieiro em Gastão Vidigal-SP são:
Esperantina-PI, Altos-PI, Campo Maior-PI, Piracuruca-PI, José de Freitas-PI,
União-PI, Teresina-PI, e Picos-PI, ou seja, predominam massivamente os
7 Dados colhidos junto ao STR do município.
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migrantes oriundos do estado do Piauí, da porção Norte/Noroeste deste
estado, caracterizada por pequenas propriedades familiares destinadas a
atividade agrícola segundo o Plano de Reforma Agrária do Estado do Piauí-
2003. O (mapa 4) em seguida, expressa à localização espacial do presente
fluxo migrante em direção ao município, como observamos na tabela 3, o
município de Esperantina-PI é o maior contribuinte de força-de-trabalho, muito
embora outros seis municípios da porção Norte/Noroeste do estado também
ingressam à leva de trabalhadores migrantes em direção ao corte de cana,
apenas o município de Picos-PI situa-se fora desta região na porção leste.
Mapa 4- Espacialização do Fluxo de Trabalhadores Migrantes para o Corte de Cana-
(Piauí-Gastão Vidigal-SP), 2011
Fonte: Trabalho de Campo/ Cardoso, 2011.
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Tudo bem sabemos de onde eles vêm, mas falta uma parte da
interrogação, ou seja, o por que de suas vindas? O que procuram obter?
É necessário de início, deixar claro que a migração, como afirma Alves
(2007), é um movimento determinado pela expulsão, isto é, os trabalhadores
migram quando as condições de reprodução nos seus locais de origem
encontram-se comprometidas. Portanto, as migrações em qualquer dimensão
escalar são via de regra um processo sócio-territorial determinado, sobretudo
pelos aspectos econômicos e políticos, essa afirmação ganha corpo quando
estudamos a mobilidade humana dentro do sistema sócio-metabólico do
capital.
Como destaca Singer (1979), em sua análise sobre as migrações, os
fatores que levam às migrações são de duas ordens: fatores de mudança, que
decorrem, num segundo momento, da expansão das relações capitalistas para
porções do território não consolidados nessa economia, gerando expropriação
de camponeses, posseiros, agregados, parceiros e outras formas de agricultura
familiar; e fatores de estagnação, segundo ele, resultante da incapacidade dos
produtores em economia de subsistência de aumentarem a produtividade da
terra.
Segundo Andrade (1981, p. 12), “as migrações estão associadas a um
desnível econômico entre pontos do espaço geográfico ou a existência de uma
área nova que se supõe oferecer maiores oportunidades econômicas”. A nosso
ver, a migração é tudo isso, e indo além, através de longas conversas com os
trabalhadores migrantes, detectamos núcleos comuns em suas falas sobre os
motivadores de sua partida:
“Venho para cá, porque o emprego é bom, não tem lá, além disso
tem gente que vem pra cá pra aventurar, construir um outra casa,
um negócio pra trabalhar lá” (migrante piauiense, 35 anos).
“Venho pra cá porque preciso de dinheiro pra sobreviver, venho
por necessidade, porque lá a situação tá difícil” (migrante
piauiense, 20 anos).
Como afirma Oliveira (2009), a despossessão dos meios de sobrevivência
instiga o trabalhador à mobilização e lhe impõe a condição de mercadoria, por não
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restar-lhe alternativa a não ser colocar à venda no mercado capitalista a sua força
de trabalho. A mobilização é o processo que atribui ao trabalhador mobilidade,
sendo, pois, a mobilidade da força de trabalho um elemento indispensável para
a exploração capitalista. Nesse sentido, como o próprio migrante descreve em
sua fala, seu deslocamento espacial é motivado pela necessidade, pela busca
de continuar vivendo. Não se trata de um mero exercício de sua vontade, o
deslocamento espacial em questão não é um fluxo turístico, migração não tem
nada haver com liberdade, ou melhor, tem haver com sua perda. Quando
questionados sobre que atividades realizavam antes de migrarem, as pistas se
encaixam e assim podemos compreender o porquê de suas vindas.
“Antes eu mexia com roça, trabalhava na minha terra, plantava mandioca, milho e outros alimentos, então eu não precisava de muito dinheiro, só pra compra alguma coisa no mercado. Com o tempo, a terra foi ficando fraca, eu não tinha adubo, nada, nenhuma ajuda e nem dinheiro, o jeito foi vende minha terra, e deste então, vim trabalha aqui cortando cana” (migrante piauiense 29 anos). Eu era servente de pedreiro, aí o trabalho foi ficando pouco, ia uma dia, dois, ficava uma semana sem emprego, então decidi vim pra São Paulo tentar a vida” (migrante piauiense 21 anos).
Nestes termos, o que percebemos em relação aos depoimentos dos
trabalhadores migrantes é que grande parte deles tinham na terra, em
pequenas propriedades, a base de sustentação de suas vidas, e que ao serem
desterreados, desterritorializados de seus territórios o único caminho que lhes
sobram é o estipulado pelo sistema de metabolismo social do capital,
deslocarem-se pelo espaço e vender a sua força de trabalho como mercadoria.
A outra parcela restante de migrantes anteriormente já desenvolviam o trabalho
assalariado, entretanto, no mundo do trabalho atual marcado pelo
neoliberalismo, pela produção flexível, a instabilidade e o desemprego não são
apenas cíclicos, mas se tornam estruturais e assim sem emprego na região de
origem, vêem o corte de cana como uma saída para este problema.
Ou seja, em vias gerais, essas pessoas migram ou por falta de acesso à
terra, ou porque não conseguem arrumar emprego em seus locais de origem,
tendo família para cuidar e em tal situação o trabalhador acaba vendo a
migração como única alternativa de sobrevivência, sendo assim essa migração,
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é portanto forçada, levada pela necessidade de sobrevivência.8
Mas, a situação não é difícil apenas para quem vai, mas igualmente para
quem fica. É o caso das mulheres e crianças, pois com a saída dos respectivos
maridos ou pais, são elas que vivem mais de perto o drama da escassez e da
fome, principalmente quando o migrante não consegue enviar um “dinheirinho”
para a casa. A expressão “viúvas de maridos vivos”, demonstra a forte ruptura
provocada pela migração no seio das famílias9. Do total de entrevistados
aproximadamente 95% vem para o corte de cana sem suas famílias, deixando
esposa e filhos no estado do Piauí, a este respeito seus depoimentos são
carregados de tristeza e saudade de seus entes queridos e da sua terra.
“Minha esposa e filhos ficou lá, não tinha como traze eles, a passagem é cara e a gente nunca sabe o que vai encontrar aqui, tenho saudade deles, mais tenho que ficar aqui e ganhar um pouco de dinheiro pra eles e eu sobreviver” (migrante piauiense 26 anos). “A família ficou, não tinha como trazer eles, nem sabia como ia ser aqui, todo mês mando um dinherinho pra mulher e pras crianças, tenho saudades, só no fim do ano vou poder vê eles, tenho saudade da minha terra, do povo de lá” (migrante piauiense 28 anos).
Nota-se, entre os migrantes um forte sentimento de pertencimento,
vínculos afetivos com o “lugar” de origem e o desejo de um retorno a este; o
lugar de origem é visto como bom para viver, entretanto as condições sociais
não o deixam lá10. Os trabalhadores migrantes evocam em suas falas o desejo
de retorno, o sentimento de saudade, mas, para estes próprios sujeitos não
existe retorno antes do término da safra, não existe a mínima alternativa da
volta sem dinheiro, a dor, o sofrimento são vividos e silenciados diariamente, há
que suportar o calvário, em seus pensamentos voltar sem nada é como se
atestassem que são fracos.
A chegada dos migrantes a Gastão Vidigal-SP, basicamente dá-se em
meados de março de cada ano, intensificando-se em abril e estes permanecem
até o término da safra, final de novembro. Na dinâmica deste processo de
8
Para mais informações Cf. GUANAIS, 2008, e ALVES, 2007.
9 Cf. Migrantes Temporários, 1991; Debate Migração e Cidadania, da Pastoral Migratória de
Guariba, 1997 .
10 Cf. Pereira, 2008.
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trabalho sazonal, em fins de novembro, início de dezembro, dá-se o regresso
de uma parte importante da força de trabalho migrante as suas regiões de
origem, para reencontrar suas famílias, constatamos ainda ao longo da
pesquisa em conversas com os migrantes que nesses períodos são frequentes
o transitar de distintos ônibus fretados, que os transportam para as suas
cidades de origem. Com grande freqüência, no percurso da viagem esses
ônibus são saqueados por assaltantes já conhecedores da rota do fluxo
migratório, que levam o pouco que eles conseguiram guardar ao longo da safra
com muito sacrifício.
Já dissemos de onde eles vêm, para onde eles vão e por que vão, falta-
nos saber agora como os migrantes vem para o corte de cana em Gastão
Vidigal-SP como são arregimentados, trazidos?
Salvo engano, os trabalhadores migrantes são arregimentados e
trazidos ao município, através dos “gatos”. A sistemática transcorre da seguinte
forma: o “gato” residente no município, liga pessoalmente ou encarrega um
“subgato” na maioria das vezes um próprio migrante respeitado pelos outros
migrantes, para que este reúna o número de trabalhadores requisitado pelo
primeiro.
Em conversa com um “subgato migrante”, encontramos a
pormenorização deste processo de arregimentação precária da força de
trabalho para o corte de cana:
“Ligo prós meninos lá pró dia 05 de março e eles tão aqui no dia
08. Na minha turma só vai ter “peão bom”, de R$1000,00;
R$1200,00”. (sub-gato migrante piauiense, 35 anos).
Ainda sobre a arregimentação, destaca-se o fato de que é no momento
da partida para o corte de cana que se inicia a saga de superexploração
desses migrantes, pois para realizarem este deslocamento, só restam aos
migrantes se endividarem, como dizem os próprios migrantes:
“É preciso ter o dinheiro, lá na hora da partida, pra isso uns
vendem o que tem pra vir pra cá, vendem geladeira, televisão,
rádio, tudo que possa virar um “dinheirinho” que dê o custo da
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passagem”. (migrante piauiense, 26 anos).
Soa quase como ironia, se não fosse a gravidade deste problema sócio-
territorial, pois o migrante além de ser superexplorado no processo de trabalho,
fora dele já no momento da partida tem de precarizar ainda mais sua condição
social, desfazer-se de seus bens adquiridos com o suor de seu rosto, para
comprarem a passagem que poderá levar-lhes à morte.
Sendo assim, a única certeza que todos os migrantes entrevistados têm
e que se configura como marca do discurso dos trabalhadores migrantes, é que
se condições sociais fossem outras e lhes permitissem a vida em suas regiões
de origem, nunca teriam ingressado na roda viva do processo migratório, pois
ninguém migra porque quer, ninguém deixa família, esposa, filhos, amigos, por
uma simples vontade, por um ato de “liberdade” qualquer, em outras palavras,
não se escolhe ser migrante, e sim, diante da lógica destrutiva do capital, o
trabalhador é forçado a ser.
“Se as coisas fosse diferente, tivesse pelos condição da gente vive, trata dos filhos lá no Piauí, nunca que eu teria vindo pra cá, ninguém deixa sua casa se não tiver precisando muito” (migrante piauiense, 23 anos).
A grande maioria da população, especialmente os setores condenados à
exclusão social, deixam sua terra e sua gente não por um ato livre, mas por
motivos de vida ou morte. Está em jogo a própria sobrevivência. Daí nossa
insistência em que ao direito de ir e vir corresponde o direito de “ficar”. Quantos
migrantes que hoje percorrem as estradas, se pudessem optar, decidiriam
permanecer no solo onde enterraram seus mortos! Migrar deve ser uma
decisão livre e não forçada pela sobrevivência (GONÇALVES, 2001).
Portanto, aos mais desavisados a migração, à vinda de nordestinos para
o corte de cana é vista inclusive por alguns estudiosos como um ato de
realização de sua liberdade, defendo neste trabalho idéia contrária, de que o
ato de migrar não significa e não implica em liberdade de fato do trabalhador, a
“liberdade” nestes termos é apenas um sonho; a realidade de fato é a migração
forçada para o capital.
Mas, uma angústia paira no ar, qual o sentido de liberdade alardeada
expressa na relação entre capital - trabalho? Até que ponto o trabalhador
- 43 -
migrante é realmente livre? Até que ponto a liberdade postulada pela ordem
capitalista remete-se de fato a uma liberdade do trabalhador? A indagação que
nos persegue e nos motiva: teria o migrante a liberdade de não migrar, de
recusar o contrato exploratório com as agroindústrias?
De antemão, o que é importante a ser enfatizado é a forma pela qual a
sociedade burguesa é encoberta pela ideologia da liberdade e da igualdade. A
Revolução Francesa foi o marco político e social por meio do qual estes
princípios foram disseminados. Assim foi sendo gestado, em nível de
representações, um conjunto de abstrações, de idéias invertidas sobre a nova
ordem social prestes a ser implantada. De acordo com Silva (2008), estes dois
princípios, na verdade, foram sendo erigidos desde o século XVIII pelos
iluministas, princípios estes que vislumbravam a construção de uma outra
sociedade, diferente daquela existente. O primeiro passo era a garantia de
homens livres para o trabalho, sem as marcas da escravidão e servidão; o
segundo, a garantia de uma igualdade para mascarar as profundas
desigualdades. A igualdade, como princípio, fundamentava-se na equalização
das mercadorias enquanto valores de troca. Como foi dito acima, estes
princípios instituíram direitos, que não foram dados de fato, mas seriam apenas
um ideal a perseguir.
Dessa forma, a liberdade pensada pelo viés capitalista seria alcançada
pelo tão propalado “desenvolvimento” econômico, expansão da economia de
mercado e do trabalho assalariado, como afirma Sen (2000, p. 21), “acontece
que a rejeição da liberdade de participar do mercado de trabalho é uma das
maneiras de manter a sujeição e o cativeiro do trabalho”. Nesta afirmação fica
claro o tipo de liberdade que o sistema do capital propõe, ou seja, a pseudo-
liberdade postulada pela ordem social do capital, garante apenas liberdade no
sentido da construção de um mercado de trabalho, assegura apenas a compra
e venda de força de trabalho, mecanismo fundamental para reprodução
ampliada do mais valor. Sendo assim, a liberdade capitalista resume-se ao
realizar da mais-valia. O ser social é dito “livre” enquanto apenas uma
mercadoria para venda de sua força de trabalho.
Para Prado Júnior (1986), a liberdade capitalista consiste no
estabelecimento e aceitação de acordos com outros indivíduos, é até aí que vai
a liberdade no regime burguês, entretanto, essa igualdade dos indivíduos na
- 44 -
liberdade de se acordarem entre em si é, contudo, uma igualdade jurídica, isto
é, uma liberdade de direito e não de fato. Pois, a realidade é que os indivíduos
são muito desiguais, e são particularmente naquilo que mais contribui na
fixação do limites e do alcance da sua ação, a saber, na sua posição dentro da
estrutura social, decorre daí que a liberdade de cada um variará muito, em
função da desigualdade real criada pelo capitalismo.
Nesse sentido, a liberdade burguesa não passa de ilusão, pois outorga ao indivíduo uma faculdade que as contingências da vida coletiva lhe subtraem logo em seguida. Ou subtraem, na maior parte dos casos, da maioria dos indivíduos. O indivíduo é “livre” de escolher e determinar sua ação, mas quando procura realizar e tornar efetiva essa sua escolha, verifica que as contingências da vida social determinadas pela “livre” escolha de outros indivíduos mais bem situados que ele, lhe vão afunilando a “ilimitada” liberdade inicial, e tolhendo sua ação até reduzi - lá a uma esfera mínima a que ele se verá inapelavelmente restringido e condenado (PRADO JÚNIOR, 1986, p. 59).
No sentido em que entendemos a liberdade, diante de alternativas (no
plural), de oportunidades para o ser social se realizar, de dar vazão às suas
potencialidades e fixar em função delas suas aspirações, logrando alcançá-las,
meios para escolher a forma almejada para levar seus projetos de vida pelos
trabalhadores, ou melhor, a liberdade enquanto supressão da alienação
encerrada pelo capital, defendo a idéia, de que a migração para o corte de
cana, não se trata de um ato de liberdade, pelo contrário. Porque,
concordamos com Basbaum (1967, p.113), quando este afirma que: “A
liberdade é a supressão da alienação; a supressão da alienação é a supressão
do sistema; a supressão do sistema é a supressão da propriedade privada,
fonte de todas as alienações”.
Não estamos defendendo a idéia de que vivemos em uma sociedade
escravista ou feudal, a formação social capitalista experimentou sim, um
processo de assalariamento, no qual a força humana que trabalha foi
destituída, desterritorializada dos seus meios de produção. Todavia, estamos
indicando à densa névoa ideológica confusamente percebida que cobre o
sentido de ser “livre” na sociedade capitalista. De antemão, sem nenhum
rodeio, podemos afirmar que a liberdade de fato na sociedade capitalista não
existe, trata-se apenas de uma noção falaciosa do ideário jurídico burguês. Por
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dentro do metabolismo social do capital a liberdade não tem vez, predominam
as relações sociais ancoradas na alienação.
Portanto, ao invés de uma decisão livre, o direito de migrar se converte
em obrigação compulsória pela sobrevivência: “ir e vir”, longe de ser um ato de
liberdade acaba sendo a revelação do desespero de quem se vê pressionado
pela necessidade de sobreviver. Pensando na situação dos verdadeiros heróis
desse imenso “mar-de-cana”, os trabalhadores rurais, sobretudo migrantes
podemos aventurar a hipótese de que estes se encontram em condições de
“não-liberdade”, ou seja, não se apresentam opções e escolhas para estes.
Assim, a pseudo-liberdade aventurada pelo capital, desconsidera por completo
o desenvolvimento da omnilateralidade humana, é uma “liberdade para o
capital”. E imerso neste movimento contraditório desta civilização da barbárie a
migração para o corte de cana em Gastão Vidigal, converte-se em uma
“migração para o capital”. Em outras palavras, não somos contra o direito de ir
e vir, e sim a favor do direito dos homens e mulheres de poderem vivenciar o
espaço, poderem escolher livremente o arranjo espacial onde querem se fixar,
e neste sentido, é imprescindível garantir também o “direito de ficar” em
condições dignas nos seus locais de origem.
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CAPÍTULO III
A DEGRAÇÃO DO TRABALHOR NO CORTE DE CANA:
CONDIÇÕES DE TRABALHO E VIDA DOS MIGRANTES
Para melhor entendermos o universo complexo de precarização e
exploração do trabalho, a que estão submetidos os cortadores de cana-de-
açúcar é preciso que saibamos e compreendamos o processo de trabalho no
corte de cana de ponta a ponta, pois só assim poderemos captar os embates
que estão sendo travados no bojo da relação capital x trabalho. É somente
assim, que poderemos entender o por que morrem, adoecem e sofrem os
trabalhadores cortadores de cana?
Alves (2007), Silva (2007), Thomaz Junior (2007), fazem indicações
importantes a respeito das relações de trabalho nos canaviais, sendo cada qual
com seus direcionamentos específicos, centralização as atenções para a
intensificação dos mecanismos de exploração e a piora da qualidade de vida
dos trabalhadores.
A começar pelo processo de trabalho no corte de cana-de-açúcar,
notamos que este consiste em cortar toda a cana de um retângulo –
denominado pelos trabalhadores de eito e que está contido no talhão – que só
tem previamente definido sua largura, já que o comprimento depende da
capacidade de corte de cada trabalhador e, portanto, só será observado ao
final da jornada de trabalho, quando será medido pelo apontador (fiscal),
percebe-se que a intensidade do trabalho é predeterminada consoante a
potencialidade da força e destreza do trabalhador, mas que por sua vez, é
estabelecida pela empresa.
A largura do eito prevalecente no estado de São Paulo é de cinco ruas11,
o equivalente a 6 metros de distância entre as linhas da extremidade, tendo
como espaçamento entre uma linha e outra à distância de 1,5 m, sendo que o
corte se inicia pela linha central do eito (3ª linha), na qual será depositada a
cana-de-açúcar cortada de todo eito12. (Figura 2).
11 Porém, nem sempre essa largura foi assim, sendo, pois, essa configuração uma conquista dos trabalhadores durante a Greve de Guariba, em 1984. Mais detalhes ver: Revista Proposta, nº42, 1989; Thomaz Junior, 2002. 12
Importante notar que em cada metro de uma linha de cana, em São Paulo, em plantação de
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Figura 2- Esquema do Corte de Cana
Fonte: Cardoso, 2011.
Depois de cortadas todas as canas do feixe na base, o trabalhador corta
a ponta, ou seja, à parte de cima da cana, onde estão as folhas. Em algumas
usinas os trabalhadores têm de cortar a ponta no ar, em outras é permitido o
corte no chão, na fileira central; em algumas a cana precisa ser apenas
esteirada na linha central, mas em outras é obrigatório que os trabalhadores
deixem a cana disposta em montes, que distam um metro do outro, as
chamadas “bandeiras”. Nesse sentido, podemos abstrair dos depoimentos dos
trabalhadores migrantes cortadores de cana, que estes não detêm as decisões
sobre o que fazer, onde trabalhar e como realizar a atividade, os requisitos
técnicos do corte que são exigências das agroindústrias, são apropriados pelos
trabalhadores, integrados ao seu modo de operar.
“É assim, a gente não decide de que jeito vai cortar a cana, tem que ser do jeito que a empresa pede, bem rente ao chão, não deixá nenhum toco alto, onde eu to tem que tirar a ponta, tem que ser ponta bem tiradinha e ainda no alto, para não suja muito a cana. Pra terminar a gente tem que fazer monte de 4 em 4 metros isso vai tempo e mais trabalho pra gente”. (migrante piauiense, 25 anos).
Concordamos assim com Iamamoto (2001), de que os cortadores de
cana não detêm o controle sobre o conteúdo de seu trabalho, visto que quando
começam trabalhar já são partes de um mecanismo global da produção que
lhes externo.
primeiro corte, há entre 9 e 18 pés de cana.
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Dessa forma, o trabalho no corte da cana-de-açúcar não se limita
apenas ao exercício da atividade de cortar cana, ou seja, retirá-la (cortá-la) do
chão, usando um instrumento, o facão (ou podão). O trabalho no corte de cana
envolve um conjunto de outras atividades: a) limpeza da cana com eliminação
de sua ponta; b) transporte da cana até a linha central do eito e; c) arrumação
da cana, depositada na terceira linha, para carregamento mecânico. Sendo
assim, para os trabalhadores, a execução dessas tarefas adicionais não
significam correlatamente o ganho adicional, significam sim, dispêndio adicional
de energia e redução do tempo que poderia estar sendo utilizado para cortar
cana e obtenção de maior renda.
A vivência do trabalho no corte de cana tem sido presidida por uma
dupla característica: as longas jornadas de trabalho e a máxima intensificação
do trabalho, estimulada pelo pagamento à base de produção, isto é, da
quantidade diária de cana cortada, este duplo mecanismo, encontra-se na base
do sofrimento do trabalho. Estão presentes nas falas dos trabalhadores
migrantes o prolongamento da jornada de trabalho através da viagem até o
canavial não paga, e os riscos do transporte até o eito.
“Ah, eu levanto às 4h 30min da madrugada, faço comida, coloco água gelada na garrafa, arrumo a mochila e vô pro ponto junto com os outros esperar o ônibus. Lá pela 5h 30 min o ônibus passa, eu entro, e gasta mais e de uma hora de viagem para chegarmos no canavial, quando eu chego na roça já almoço um pouco antes pra dar força. Lá pelas 16h 30 min a gente vem embora, pega mais uma hora de viagem e chega em casa lá pelas 17h 30 min, já bem tarde. E essas duas horas que passamos na viagem, a gente não ganha nada”. (migrante piauiense, 28 anos).
“Os ônibus que levam a gente, são bem feinhos, são antigo e não tem segurança nenhuma, os bancos são duros e têm alguns quebrados, inclusive um tempo atrás o velocímetro estava quebrado, não marcava mais”. (migrante piauiense, 23 anos).
Conforme os relatos dos migrantes a jornada de trabalho, incluindo o
tempo de remoção para os canaviais e o tempo de preparo de suas comidas e
espera do transporte, atinge em média 11 horas. Isso faz com que o
trabalhador passe a relacionar a maior parte de seu tempo de vida, como um
tempo que não lhe pertence, dedicado ao trabalho para outrem e, o pior grande
parte deste tempo não lhe retorna em forma de salário, como o depoimento diz
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as horas de viagem não estão sendo remuneradas. Podemos ainda interpretar
dos relatos o máximo de aproveitamento do tempo de trabalho dedicando
apenas alguns instantes para suas refeições, feitas durante o transporte ou ao
chegarem aos canaviais, mais que um hábito cultural, a rotina de almoçar mais
cedo expressa uma sabedoria, extraída da experiência na qual a refeição
fornece as energias necessárias para encararem este trabalho altamente
extenuante. Se não fosse o bastante, os trabalhadores ainda convivem com a
insegurança nos seus deslocamentos diários para os locais de trabalho, a frota
de ônibus que realiza o transporte destes trabalhadores encontra-se em
condições precárias de uso, para disfarçar os motoristas tentam efetuar uma
maquiagem dos seus veículos pintando suas fachadas, por fora a sensação é
agradável, por dentro a realidade é precária.
Assim, os trabalhadores com maior produtividade não são
necessariamente os que têm maior massa muscular, mas sim são os que têm
maior resistência física para suportar a intensividade desta atividade repetitiva
e exaustiva, realizada sob o sol, portanto, elevadas temperaturas – mesmo que
se concentre nas estações do outono e primavera – na presença de fuligem,
poeira e por um período que varia entre 8 a 11 horas de trabalho.
Nestes termos, as agroindústrias do setor canavieiro instaladas em
municípios vizinhos a Gastão Vidigal-SP, tendo em vista que o município em
análise não comporta nenhuma unidade instalada em seu território, vem se
valendo da busca de força de trabalho migrante. Pois, para o capital a
migração dos trabalhadores que vivem em condições precárias é fonte primária
de seus altos lucros e de poder e influência política através dos quais,
facilmente capta recursos públicos junto ao Estado. Em complemento podemos
dizer que, os trabalhadores migrantes são preferidos pelas empresas não
porque falta mão-de-obra local, mas, sobretudo por estes apresentarem mais
resistência física e maior “submissão” às condições impostas. Os
representantes de usinas já deixaram claro, que preferem contratar
trabalhadores de estados (e regiões de estados) do Nordeste, que são menos
politizados, entenda-se mais susceptíveis aos ditames do capital e, portanto,
menos ameaçadores do ponto de vista reivindicativo de direitos, do que os
trabalhadores locais.
O fato é que a maioria das empresas estão fazendo uso de mão-de-obra
- 50 -
migrante, sob a alegação de que falta mão-de-obra local nas frentes de
expansão. O que não passa de uma grande falácia propagada pelos
representantes do capital, tendo em vista que um dos principais problemas
enfrentados pelo município de Gastão Vidigal-SP é o desemprego de sua
população, convém destacar que além desses fatores, muitas empresas
preferem contratar trabalhadores migrantes por julgarem-nos mais produtivos e
menos reivindicativos do que os trabalhadores locais. Preferem migrantes
porque eles não reivindicam nada e trabalham calados. Desse modo, cabe
reforçar que os trabalhadores nordestinos são preferidos pelas usinas do
Centro-Sul, não porque falta mão-de-obra local, mas, sobretudo por estes
apresentarem mais resistência física.
O migrante se apresenta como um trabalhador extremamente produtivo
se comparado aos outros trabalhadores. Por conta de questões históricas-
culturais, econômicas, sociais ou mesmo religiosas – e uma trajetória de
experiências de trabalho ou de uma sociabilidade laborativa marcada por altos
níveis de precariedade, dificilmente recusam o “trabalho duro”.
“É preciso encarar o trabalho, não tem outra saída, por mais difícil que seja é a única coisa que tem pra fazer, ou a gente suporta e agüenta tudo, ou fracassa e deixa a família sem dinheiro, passando fome, necessidade” (migrante piauiense, 27 anos).
Não podemos desconsiderar dessa análise que dentro da divisão social
e sexual do trabalho colocada pela sociedade capitalista e reforçada pelo
ideário burguês/cristão (estrutura patriarcal), o homem tem um papel bem
definido como o pai-provedor e chefe da família. No cotidiano dos
trabalhadores o medo de falhar no cumprimento desse papel e das punições
advindas do meio social são objetividades decisivas para a construção de
formas de subjetividade ou mesmo auto-representação social, por isso há certa
rigidez no autodisciplinamento para suportar “mais trabalho” sob piores
condições. Por serem migrantes de regiões distantes e por serem resultado de
um processo de expulsão em suas regiões de origem não lhes é esperada
qualquer manifestação de desacordo diante das exigências requeridas pela
agroindústria canavieira.
Outra característica e exigência do trabalho no corte de cana é o caráter
- 51 -
de juventude da força de trabalho requerida, conforme pudemos constatar ao
longo das entrevistas com os trabalhadores migrantes a faixa etária situa-se
entre 18 e 35 anos, com uma idade média em torno de 26 anos. Há que se
destacar que entre os trabalhadores migrantes cortadores de cana, não se
encontrou durante a pesquisa nenhuma mulher e cada vez mais é menor o
número de mulheres locais no corte de cana. Hoje, a maioria das empresas
está restringindo a contratação feminina e parte delas direcionando a mão-de-
obra feminina para outras atividades que não o corte de cana. Nesse sentido,
Silva (2006) destaca que:
[...] elas são alijadas do corte da cana, sob o pretexto de não lograrem os níveis de produtividade exigidos. Aquelas que conseguem trabalho estão sendo relegadas às piores tarefas, como bituqueiras (que consistem em recolher as bitucas, ou seja, os pedaços de cana que não são recolhidos pelas máquinas após o corte), ou então como aplicadoras de veneno no controle das pragas da cana, (atividades denominadas descarte), ou ainda nos viveiros onde se preparam as gemas para plantação da cana, que igualmente demandam o manuseio de agrotóxicos [...] (SILVA, 2006, p. 64).
Mas, para entender completamente o processo de trabalho a que os
trabalhadores estão submetidos no corte, é necessário entender a forma de
pagamento, isto é entender o por quê o ritmo de trabalho é acelerado e
intensificado?
Este ritmo é acelerado e intensificado em decorrência de um elemento
externo ao processo de produção, que é o pagamento por produção. Esta
forma de pagamento age sobre o psíquico do trabalhador e o impele ao
aumento da produtividade do trabalho, ou seja, a sua intensificação. É assim
que, Iamamoto (2003), destaca que essa forma de pagamento estimula a
competição entre os trabalhadores e reforça o individualismo; pois “no eito é
cada um por si e deus por todos”, apesar da colheita só se realizar com o
trabalho de muitos trabalhadores, a atividade do corte é estimulada a ser vivida
de forma individual e solitária. E ainda, sob esse sistema e diante da
desmobilização dos trabalhadores e ineficiência das entidades sindicais, em
geral os trabalhadores só sabem quanto ganharam num determinado dia,
quando recebem o hollerit do mês, ou da quinzena, ou da semana. Sem contar
que só sabem quantos metros de cana cortaram num dia, mas não sabem, o
valor que será atribuído ao metro de cana naquele eito; pois a determinação
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deste valor só será feita nas usinas através de uma conversão.
Nestas condições as unidades agroindustriais canavieiras pesam a cana
cortada pelos trabalhadores e atribuem o valor do metro linear através da
relação entre peso da cana, valor da cana e metros que foram cortados, tudo,
claro, sem a participação dos trabalhadores, possibilitando então as tão
recorrentes práticas de fraudes e roubos contra o trabalhador13. Durante as
entrevistas junto aos trabalhadores migrantes, todos afirmaram que preferem o
pagamento por produção para atingir um maior salário, só que entendem
também que poderiam ganhar muito mais se não fossem as falcatruas das
empresas para burlá-los no pagamento, vejamos a fala dos migrantes a
respeito deste assunto.
“Eu acho que existe roubo na hora da pesagem, porque nesse
momento não têm nenhum acompanhante dos trabalhadores pra
fiscalizar” (migrante piauiense, 22 anos).
O pagamento por produção no corte da cana-de-açúcar é algo terrível e
controverso. Nas entrevistas com os migrantes praticamente todos afirmaram
que preferem o pagamento por produção para atingir um maior salário, só que
entendem também que poderiam ganhar muito mais se não fossem lesados
pelas empresas no pagamento. Mas a forma salário torna invisível toda divisão
entre trabalho pago e não-pago, aparecendo como se todo o trabalho criado
fosse pago, o que leva o trabalhador a crer que o salário remunera a totalidade
do trabalho realizado, dependendo exclusivamente de seu empenho. O
fetichismo da forma salário é reforçado pelo pagamento por produção, em
outras palavras, o pagamento por produção hierarquiza e divide os
trabalhadores, ao modo que para conseguir fazer com que os trabalhadores
compitam com seus pares e consista no aumento da produção é necessário
introjetar nos trabalhadores os valores da ideologia burguesa, como o
individualismo, a meritocracia, crença na justiça, lealdade, honestidade, auto-
estima.
13 Devido às mobilizações dos trabalhadores e do Sindicato dos Empregados Rurais (SER) de Cosmópolis, tem vigência o sistema denominado de Quadra fechada, sob o qual os trabalhadores conseguem extender suas atenções ao conjunto das operações de trabalho no corte, carregamento e pesagem na balança da usina Ester,. Localizada também em Cosmópolis. A esse respeito ver o documentário “Quadra Fechada”, sob a direção de José Roberto Novaes, 2006.
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A respeito do pagamento por produção, Adam Smith no século XVIII, e
Karl Marx no século XIX, já denunciavam essa forma de pagamento, como uma
das mais desumanas e perversas; é verdade que eles denunciavam este
trabalho, analisando esta forma em situações em que o trabalhador ao final do
dia tinham pleno conhecimento do valor que tinha ganho. Nesse momento,
enquanto o discurso do agronegócio se fortalece e o processo de
reestruturação produtiva se intensifica no país, a precarização do trabalho nos
canaviais atinge níveis impressionantes, não nos esquecendo de que se
consolida neste contexto o que Thomaz Junior (2002), constatou nos anos
1990, ou seja, os trabalhadores são forçados a seguirem os patamares de
produtividade imposto pela máquina colheitadeira.
As denúncias dos trabalhadores e diversas pesquisas de diferentes
áreas14 estão revelando ao conjunto da sociedade, a existência e a imposição
por parte do capital canavieiro, de altíssimas metas de corte manual a serem
cumpridas pelos trabalhadores, hoje existe nas usinas um sistema de “poda”.
Poda é o seguinte, se o trabalhador não consegue cortar um mínimo de 9,10
toneladas por dia, a usina corta, ou seja, poda aquele trabalhador antes de ele
completar dois meses de trabalho.
“Existe sim, uma meta que nóis tem que alcançar, no caso gira em torno de 10,11 toneladas, senão atingirmos, na próxima safra a usina não te aceita mais. Eu acredito que tiro em média 15 toneladas, mas tem peão bom mesmo que chega tirar até 20 toneladas por dia”. (migrante piauiense, 26 anos).
Cabe destacar também que em muitos casos, o não cumprimento
dessas metas se volta contra o próprio trabalhador, tornando-se um empecilho
para sua contratação na safra seguinte. A produtividade dos trabalhadores é
um poderoso instrumento de controle da força de trabalho nas mãos do capital
agroindustrial canavieiro, tanto no momento da contratação (quando inicia a
safra) como durante a safra (THOMAZ JUNIOR, 2009).
Sendo assim, a imposição de uma produtividade mínima pode ser vista
como uma espécie de coerção moral, consistindo numa das formas possíveis
da atual reinvenção da exploração do trabalho pelo agronegócio, o que
14 Cf. THOMAZ JR, 2007; ALVES, 2008; GUANAIS, 2008.
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Thomaz Junior (2002), denominou de padrão de corte no corte. O mesmo se
observa com a produtividade do trabalho, se na década de 1970 a
produtividade do trabalho era, em média, de 3 toneladas, na década de 1980 a
média de corte dos trabalhadores passa para 6 toneladas, na década de 1990
essa média sobe ainda mais, para 9 a 10 toneladas/ homem/ dia e atualmente
esta média está girando em torno de 12 toneladas. Portanto, a produtividade
média quadruplicou entre a década de 1960 e o início do século XXI.
Em meio a todo esse universo de dominação e controle, é objetivo do
capital que os trabalhadores incorporem sua lógica e a legitimem, fazendo dos
objetivos da empresa seus próprios objetivos. Assim, o capital canavieiro local
utiliza-se de certas estratégias para este fim, como é o caso das práticas ilegais
como o “prêmio da semana” ou “podão de ouro”, que consiste na premiação
por parte das usinas do trabalhador mais produtivo, o qual recebe um “brinde”
(desde celulares até motos).
“Eu ganhei no mês passado, um celular por ter sido um dos cortadores melhores da turma, isso é bom pra gente porque estimula a gente no trabalho, os meninos já tão pegando mais firme, tão querendo ganhar de mim”. (migrante piauiense, 21 anos).
A esse respeito Thomaz Junior (2002), destaca a estratégia utilizada
pelo capital para viabilizar a intensificação do ritmo de trabalho, o anúncio, no
início da safra, de “diversos prêmios” (carros, bicicletas, rádios, geladeiras e
outros eletrodomésticos), que cumprem o papel de “estimular” a saga da
superexploração do trabalho, a esse processo o autor, denomina-o de Bingo da
Morte, tendo em vista que o trabalhador poderá ser a próxima vítima desse
“sorteio” desleal, pois não mede esforços para alcançar a “premiação”. Ou seja,
pelo depoimento do trabalhador migrante acima, podemos afirmar que o capital
canavieiro vem conseguindo capturar e controlar a subjetividade dos
trabalhadores, inserindo em seus modos de pensar a lógica do capital,
legitimando a superexploração do trabalho à qual estão submetidos, essa
estratégia utilizada garante ao capital um ar de “bondade”, como que se
estivesse apoiando e prestigiando o trabalho.
Mas, além do aumento na produtividade do trabalho, houve em paralelo
brutal redução dos salários pago aos cortadores. Conforme os levantamentos
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de Alves (2007), na década de 1980, a partir do ciclo de greves iniciadas em
Guariba, em 1984, os trabalhadores conquistaram o piso salarial da categoria
de 2 salários mínimos e meio. O piso salarial de 2 salários mínimos e meio,
seria equivalente nos dias de hoje a R$ 1.362,50 (considerando o salário
mínimo de novembro de 2011). Porém, de acordo com os dados de Alves
(2008), o piso salarial da categoria em São Paulo gira em torno de R$ 460, 00,
o que significa que os salários praticados atualmente são 2,96 vezes menores
que os praticados na década de 1980. Em Gastão Vidigal-SP, a média de
salários dos trabalhadores migrantes, gira em torno de R$ 900 reais como
podemos constatar durante as entrevistas, ou seja, valor abaixo do piso
acordado, ainda em 1984. Portanto, fica absolutamente claro que houve, entre
as décadas de 1980 e os anos 2000, forte aperto salarial na categoria dos
cortadores de cana e em contrapartida forte aumento da produtividade do
trabalho nos canaviais.
Portanto, para o capital continuar seu ciclo reprodutivo nesse sistema
mundial em que a competitividade é a garantia para a sobrevivência das
empresas, é fundamental que ele utilize formas modernizadas de produção e, ao
mesmo tempo recorra às formas precarizadas e intensificadas de exploração do
trabalho. Como destaca Antunes:
Uma coisa é ter a necessidade imperiosa de reduzir a dimensão variável do capital e a conseqüente necessidade de expandir sua parte constante. Outra, muito diversa, é imaginar que eliminando o trabalho vivo o capital possa continuar se reproduzindo. (2001, p 120).
Podemos dizer que, embora o discurso freqüente dos empresários do
setor, bem como dos representantes do poder público, seja de que a expansão
da atividade canavieira trará benefícios para região como, por exemplo,
geração de empregos, valorização das terras e o aquecimento da economia
local/regional, levando, conseqüentemente, a um maior crescimento econômico
regional, faz-se necessário atentar para as circunstâncias em que esses
empregos serão gerados, quais as condições de trabalho para aqueles que já
estão empregados, bem como para aqueles que serão inseridos neste
processo.
No contexto atual de valorização do capital, que, ao se realizar revela a
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face da barbárie a superexploração do trabalho se expressa com maior
intensidade no conjunto dos trabalhadores migrantes. Nesse cenário, o
Ministério Público do Trabalho tem detectado inúmeros casos de
irregularidades do ponto de vista dos contratos de trabalho e, especialmente,
das condições materiais de sobrevivência dos trabalhadores, que são
essenciais para revitalização da sua força de trabalho e um direito garantido
por lei.
Em Gastão Vidigal-SP, a situação não é diferente, em 2005 diligências
realizadas por fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) encontraram
mais de 100 trabalhadores rurais migrantes piauienses, vivendo em condições
subumanas em alojamentos do município. Em 2007, um grupo de
trabalhadores rurais aliciados no Piauí denunciou condições de trabalho e de
moradia incompatíveis com a NR-31, em duas fazendas de cana-de-açúcar do
ex-ministro da Agricultura Antonio Cabrera Mano Filho. A denúncia foi feita ao
Ministério do Trabalho e ao Ministério Público do Trabalho. Os trabalhadores
disseram que foram trazidos para trabalhar na fazenda São José, em Gastão
Vidigal-SP, onde 22 deles estavam morando em condições precárias em três
casas que estavam abandonadas. Eles alegavam que faltavam equipamentos
de trabalho para todos e que às vezes faltava água, inclusive para o consumo
individual.
No tocante as condições de vida dos trabalhadores migrantes no
município de Gastão Vidigal-SP, tem-se que a mobilidade do trabalho forçada
pela destituição dos meios de sobrevivência e influenciada pela dinâmica do
capital em seu processo de valorização conduz à desterritorialização e,
conseqüentemente a uma nova territorialização. Porém, como assertiva
Oliveira (2009), as condições em que essa nova territorialização se realiza são
tanto ou mais precárias do que as que resultaram na desterritorialização, haja
vista sob a reestruturação produtiva e mundialização do capital o trabalho estar
cada vez mais precarizado, fragmentado, multifacetado, levando a uma
reterritorialização precária.
No tocante as condições de moradia nos locais de reprodução, pudemos
ao longo da jornada de pesquisa visitar os casebres e barracões que servem
de abrigo para os trabalhadores migrantes, em linhas gerais no município estes
são alugados em nome do “gato” responsável por aquela turma, este fica ainda
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encarregado por disponibilizar e arranjar colchões, camas e um refrigerador,
quase sempre tudo usado, em contrapartida os migrantes se comprometem ao
bel prazer do gato, a comprarem alimentos e produtos diversos na loja, no
“mercado” do próprio “gato”, do “filho do gato” ou de quaisquer outros parentes.
Assim a relação de dominação e alienação destes trabalhadores se evidencia
numa escala assustadora, como podemos notar em seus dizeres:
“Eu compro no mercado ali da esquina desde que cheguei, nunca fui em outro local comprar, não sei se em outro é mais barato, a gente compra lá porque foi o mercado que o gato indicou quando chegamos”. (migrantes piauienses, 28 anos).
Significa dizer que essa estratégia é adotada para quando as
irregularidades relacionadas ao agenciamento, contratação e manutenção da
mão-de-obra em condições precárias forem descobertas, de sorte que as
empresas agroindustriais canavieiras fiquem isentas de qualquer culpa.
Quando isso ocorre, acaba sendo descoberto também que quem reforma os
alojamentos, coloca os trabalhadores em pensões ou casas alugadas pagando
tudo são as unidades processadoras. É fácil responsabilizar terceiros,
especialmente quando se trata do “gato”, porque este vive se escondendo da
fiscalização, haja vista sua ação ser considerada crime, no artigo 207 do
Código Penal Brasileiro, que dispõe: “Aliciar trabalhadores, com fim de levá-los
de uma para outra localidade do território nacional. Pena – detenção de 01
(um) a 03 (três) anos, e multa”. (OLIVEIRA, 2009).
Os trabalhadores migrantes expropriados de suas terras ou privados de
condições básicas de subsistência junto de suas famílias, ao migrarem são
transformados em sujeitos, cuja condição humana lhes é negada. Existem
alojamentos que não têm instalações adequadas para os trabalhadores
dormirem, guardarem seus pertences, se alimentarem ou terem algum tipo de
lazer, quando não estão trabalhando. Ainda, sobre as condições de moradia
dos migrantes, especialmente as casas são na maioria dos casos pequenas,
contendo 2 ou 3 quartos, onde se amontoam precariamente até 6 pessoas por
cômodo. A miséria, é um fator marcante estampado no semblante das “casas
dos de fora”, apesar de toda a exploração exercida pelo capital, leia-se
agronegócio canavieiro no ambiente de trabalho, nos próprios espaços de
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reprodução e regeneração da vida, a exploração do capital sobre o trabalho
continua sendo uma constante na vida do migrante, condenando-o a uma vida
tão sub-humana mesmo fora dos espaços de trabalho, as fotos a seguir
traduzem um pouco o drama do cotidiano destes sujeitos.
Foto 1- Condições de Moradia Migrante em Gastão Vidigal-SP
Fonte: Trabalho de Campo/Cardoso 2011.
A maioria das casas que visitamos, além de fisicamente expressarem
aspecto descuidado e/ou de degradação, apresentava irregularidades tais
como trabalhadores sem cama e dormindo em colchões rasgados no chão,
alimentos (da cesta básica) amontoados no chão junto com os colchões,
roupas, falta de higiene no ambiente, cozinhas e paredes sujas; roupas
esparramadas por toda parte, fogões e botijões de gás em estado precário de
uso ao lado da cama ou colchão de dormir oferecendo risco aos trabalhadores;
panelas sujas e potes de alimentos espalhados pelo chão vide (Foto 1).
Assim, como indica Silva e Menezes (2000), o alojamento é o
prolongamento daquilo que se observa no eito dos canaviais. Amontoados em
quartos escuros, mal ventilados, sujos, esse homens sentem o peso de serem
mercadoria barata num mundo em que os direitos apenas existem no papel
(Foto 2).
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Foto 2- Precariedade das condições de vida migrante em Gastão Vidigal-SP
Fonte: Trabalho de Campo/ Cardoso, 2011.
A constatação desses fatos contribui para corroborar a tese de que o
capital se alimenta de formas modernas de produção e gestão do processo
produtivo e de trabalho, porém mantém as formas precarizadas de trabalho,
muitas vezes mascaradas pelo discurso da adoção de práticas
economicamente viáveis, ambientalmente corretas e socialmente justas.
Indo além, ao longo das pesquisas constatamos que o fato de estarem
distantes das famílias e isolados das práticas sociais desenvolvidas pelo
conjunto da população das cidades onde ficam alojados, esses trabalhadores
não tem opção de lazer nos dias de folga e, sobretudo nos finais de semana,
restando-lhes duas opções: os que gostam vão tomar bebida alcoólica no bar
(ou levam para tomar em casa) e os demais apenas assistem televisão. Essa
declaração foi dada por vários trabalhadores migrantes entrevistados. Em
alguns desses alojamentos flagramos várias garrafas vazias que evidenciam o
consumo de bebida alcoólica. Apesar dos trabalhadores não se intimidarem em
confirmar que vários de seus colegas fazem uso de bebida alcoólica, fizeram
questão de ressaltar que isso ocorre geralmente nos finais de semana.
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Faz-se importante, porém enfatizar que quando fazemos referência ao
uso de bebida alcoólica por esses trabalhadores não temos a pretensão de
denegrir a imagem dos mesmos, mas ressaltar que isto é mais um
desdobramento da condição social, da desterritorialização que esses
trabalhadores sofrem e da situação precária de vida para onde migram.
Assim, distantes da família, isolados da comunidade local, sob pressão no trabalho e controle das empresas contratantes e sem opção de lazer, esses trabalhadores ficam vulneráveis e encontram na bebida alcoólica uma forma de “descarregar” suas insatisfações (OLIVEIRA, 2009, p. 439).
Vê-se, pois, que de um modo geral a precariedade prevalece, tanto nas
condições de trabalho como de vida, o capital submete e controla tanto os
espaços de trabalho, como de regeneração e reprodução da força de trabalho.
Como tivemos a oportunidade de conferir em campo, são diversos os casos em
que os trabalhadores migrantes vivem praticamente amontoados em pequenos
espaços, em condições de higiene extremamente precárias. Com isso
entramos em outro ponto crucial para análise da categoria trabalho, o de que
uma vida cheia de sentido fora do trabalho supõe uma vida cheia de sentido
dentro do trabalho. Não sendo possível compatibilizar trabalho assalariado e
alienado com tempo verdadeiramente livre, ou mesmo com a liberdade de fato.
Pois, uma vida desprovida de sentido no trabalho é incompatível com uma vida
cheia de sentido fora do trabalho. Portanto, analisando as condições de
trabalho e vida dos trabalhadores migrantes inseridos no corte de cana,
podemos afirmar que, sob a lógica do capital, o trabalhador não se satisfaz no
trabalho, mas se degrada, não se reconhece, mas se nega.
O trabalhador só se sente, por conseguinte e em primeiro lugar, junto a si (quando) fora do trabalho fora de si (quando) no trabalho. Está em casa quando não trabalha e, quando trabalha, não está em casa. O seu trabalho não é, portanto, voluntário, mas forçado, trabalho obrigatório. O trabalho não é, por isso, a satisfação de uma carência, mas somente um meio para satisfazer necessidades fora dele (MARX, 2004 apud ANTUNES, 2005, p. 83).
Afinal, diante desse processo de alienação do trabalho promovido pelo
capital, o trabalhador migrante sente-se livre apenas em situações típicas da
animalidade (comer, beber, procriar), em suas funções humanas sente-se como
um animal, excluído da sociedade.
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CAPÍTULO IV
MIGRAÇÃO E (DES)PERTENCIMENTO DE CLASSE DO
TRABALHO
Para desenvolvermos esse capítulo, é preciso antes que tenhamos
minimamente noção do debate estabelecido entre aqueles que pregam o fim do
trabalho e outros como nós que defendemos a manutenção da centralidade do
trabalho, com metamorfose e complexificação da classe trabalhadora nos dias
atuais. Para iniciarmos essa conversa, podemos indicar que Kurz talvez seja
um dos mais entusiastas da tese do fim do trabalho, na qual expõe não haver
sujeitos aptos a conduzir a emancipação da sociedade. Isto é, a tese da crise
da sociedade do trabalho, ao negar a centralidade política do trabalho, não
vislumbra nenhuma possibilidade emancipatória, a não ser a conduzida pelas
ações organizadas da não-classe-de-não-trabalhadores, aos moldes da
formulação original de Gorz, ou dos movimentos sociais que se inscrevem para
além dos marcos do trabalho. Ou seja, se algo tiver que ocorrer para abalar e
romper com o metabolismo do capital, não se dará nas trincheiras do trabalho.
Gostaríamos de defender idéia contrária, a do primado de centralidade
do trabalho no limiar do século XXI, evidentemente, não significa que sua
morfologia não tenha se alterado profundamente, na sociedade
contemporânea. Trata-se, é claro, de apreender essas alterações, entretanto, é
preciso que não percamos de vista, entre outras coisas, que o abandono da
centralidade do trabalho para a explicação da sociedade contemporânea
implica igualmente o abandono da teoria do valor-trabalho.
Como Thomaz Junior (2009), afirma:
Podemos dizer que apostar na infertilidade da não centralidade do trabalho, ainda que dois terços da humanidade vivam o flagelo da precarização, da marginalização/exclusão e de todas as formas de subordinação/dominação/expropriação/sujeição, do desemprego, é o mesmo que não conseguir ir além do visível, ou apostar na incapacidade de apreender as contradições objetivas e subjetivas da estrutura social vigente. (p.112).
Seguindo as sinalizações de Thomaz Junior (2009), em algumas
circunstâncias, o debate sobre a própria centralidade do trabalho assume a
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identificação redutora do trabalho com o operariado (assalariado) e, por
conseguinte, a confusão trabalho-emprego, tal como enraíza toda a formulação
de Gorz, quando, de fato, não é o trabalho que acabou ou está acabando, mas
o emprego que está moribundo. Ou, então, o capital que está utilizando força
de trabalho de forma diferenciada, pois, se no passado “prevalecia a forma de
assalariamento direto, hoje é possível observar que, por meio da terceirização,
se incentiva o trabalho por conta própria e o empreendedorismo”.
Na mesma linha do descentramento da categoria trabalho, temos o
ideário de Habermas ou sua teoria da ação comunicativa, apenas sinalizando
que a dualidade entre sistema (razão instrumental) e mundo da vida (espaço
intersubjetivo, esfera da liberdade) é a base do entendimento do autor de que o
trabalho vai sendo deslocado progressivamente pela ciência e pela técnica,
secundarizando e esvaziando o argumento marxiano do valor-trabalho, já que a
ciência passa a ser a principal força produtiva.
Entretanto, não é nada disso que se passa com o trabalho nos dias
atuais, seguindo as pistas de Antunes (2005) e Thomaz Junior (2009),
avaliamos ser essencial considerar o trabalho em suas dimensões,
particularmente quando tratamos da crise da sociedade do trabalho. Ou seja,
esse assunto requer que explicitemos de que dimensão se trata: se é uma crise
do trabalho abstrato ou do trabalho, na sua dimensão concreta, enquanto
elemento estruturante do intercâmbio social entre os homens e a natureza. A
crise do trabalho está, por conseguinte, ligada à crise do trabalho abstrato, ou à
forma de ser do trabalho sob o reino das mercadorias e que assume um caráter
estranhado sob a vigência do capitalismo.
Diante disso, concordamos com a ponderação de Thomaz Junior (2009),
a qual seria um equívoco propor o fim do trabalho ou a perda de sua
centralidade, enquanto perdurar a sociedade capitalista.
Há, assim, uma dialética do trabalho (negatividade/positividade) que, se ignorada ou negligenciada, redimensiona radicalmente o debate em torno de sua centralidade e, consequentemente, de sua potência emancipadora. Por suposto, seria impossível imaginar a eliminação do trabalho ou, até em certo limite, da classe trabalhadora, enquanto vigorarem os elementos constitutivos da estrutura societária do capital. Por meio da perspectiva marxiana, recolocamos essa questão nos seguintes termos: a superação do trabalho abstrato e, em seu lugar, a vigência do trabalho concreto, vinculado à produção de valores de uso ou de bens para a satisfação das necessidades, sendo
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que o produto disso possibilitaria o tempo livre, a materialização de uma vida cheia de sentido e a emancipação humana. (p. 118).
A escala das polêmicas que essa questão contém, no âmbito marxista,
ultrapassa nossos objetivos, neste texto, todavia é importante apontar os
argumentos e os contra-argumentos, sem que nossa intenção escape do
reconhecimento da limitação explicativa – à qual também nos filiamos –, do
desejo de discutir um possível alargamento do conceito de trabalho e de classe
trabalhadora, para a realidade do século XXI e o desejo emancipatório e
revolucionário.
Qual seria a conformação atual da classe trabalhadora, ao menos em
seu desenho mais genérico?
Sem sombra de dúvidas, a classe trabalhadora atual, apresenta uma
nova morfologia, sua conformação é ainda mais fragmentada, mais
heterogênea e mais complexificada do que aquela que predominou nos anos
de apogeu do taylorismo e do fordismo.
A esse respeito uma primeira demarcação de discordância pode ser
observada através da posição defendida por Lessa (2007), pois, em várias
passagens do texto “Trabalho e proletariado no capitalismo contemporâneo”,
expressa sua fidelidade às formulações originais de Marx, particularmente ao
Livro I e, nesse caso, argumenta que “a origem de toda riqueza que circula na
sociedade é o trabalho, mais exatamente, o trabalho proletário [...], é o único
que produz um novo quantum do conteúdo material da riqueza social, que será
acrescido ao montante do capital social global, portanto, a única classe que
exerce a função social de converter a natureza em meios de produção e de
subsistência”. Em resumo, o autor está respaldando sua compreensão no fato
de que a classe trabalhadora é composta somente pelo proletariado.
O cumprimento à rigidez das formulações marxianas eleva a defesa das
contradições objetivas de classe entre o proletariado e os demais assalariados.
Lessa (2007), vai mais longe, quando argumenta que a circunstância de os
assalariados não proletários viverem da riqueza que a burguesia expropria dos
proletários os estimula a manter a defesa e a manutenção do capitalismo, pois
“atuam predominantemente como força auxiliar na reprodução do capital”,
particularmente com o apego à propriedade privada, fato historicamente
registrado sempre que esta foi objeto de ameaça pela luta de classe. Para o
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autor, “os assalariados não-proletários possuem, portanto, identidades e
contradições tanto com a burguesia como com o proletariado. Sua função
social, de um modo geral, é auxiliar na reprodução das relações sociais
burguesas” (LESSA, 2007, p.180).
Thomaz Junior (2009, p. 124), rebate essa argumentação ponderando que:
Cabem duas lembranças da história. Em primeiro lugar, se os exemplos que comprovam essa afirmativa ocorrem, assim como abundam aqueles que a negam, por que o autor não os considera, particularmente levando em conta a realidade atual, nos diversos cantos do planeta? A essa pergunta não nos cabe responder, todavia ponderamos que as definições a priori, que tanto nos têm atormentado, mais uma vez comparecem – e também pela via de avaliações apressadas, mutila-se o próprio conteúdo dinâmico da dialética marxista, ao desconhecer a negatividade e a positividade do trabalho. Em segundo lugar, a limitação do conceito de classe trabalhadora à identidade do trabalhador manual, assalariado, produtor de mais-valia, ou ainda o entendimento mais amplo que reconhece o conjunto dos assalariados (produtivos e improdutivos) não contemplam contingentes cada vez mais expressivos de homens e de mulheres que não se enquadram nessas premissas, situando-se na franja da exclusão suprema, ou seja, os sem emprego, sem trabalho, sem profissão, sem casa, sem terra.
Ou seja, a dificuldade em aceitar qualquer argumento que indica a
limitação explicativa obstrui o debate, de sorte que essa miopia intelectual
menospreza o necessário repensar da realidade objetiva e as mudanças que
impõem novas contradições e redefinem os significados ontológicos dos
sujeitos sociais e, consequentemente, os embates de classe. O que está em
relevo é a necessidade inequívoca de repensarmos, por dentro da dinâmica
territorial do trabalho, quais são as condições em que o conflito de classe se
expressa, na sociedade, retrato, necessariamente, dos conflitos e da realidade
da centralidade do trabalho, no século XXI.
Neste estudo estamos procurando entender o trabalho nas suas
múltiplas formas de externalização/precarização, e as metamorfoses que
recaem sobre seu universo atingem em cheio a dinâmica espacial do ser
migrante que trabalha, redimensionando a configuração geográfica da
territorialização, da desterritorialização e da reterritorialização, além das
diferentes formas de expressão (material e/ou subjetiva), com implicações
profundas na heterogeneização, na complexificação e na hierarquização da
classe trabalhadora. Se de fato, no âmbito teórico à questão da classe
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trabalhadora é um dilema profundo, observá-la na prática, na realidade
objetiva, é mais complexa e confusa ainda.
Voltando para a questão que nos move, qual a identidade de classe do
ser migrante que trabalha nos canaviais de Gastão Vidigal-SP? Se como
afirmamos acima, estes se encontram em condições de “não liberdade” e
controlados pelo processo de “alienação do trabalho”, quais as identidades que
estes sujeitos postulam, que constroem ao longo do seu errante ir e vir
contínuo?
Como afirma Oliveira (2009), os trabalhadores migrantes imersos nessa
confusão ou transe territorial sob os fetiches e alienações, mediadas pelo
metabolismo social do capital, expressam formas identitárias distanciadas do
seu pertencimento de classe, encimadas nas nomenclaturas categoriais
correlatas à divisão técnica do trabalho.
Percebemos através do depoimento dos migrantes que a construção da
identidade de classe do trabalho, para o ser migrante que trabalha no corte de
cana, é fragmentada, não há a consciência de uma unidade de classe, os
sujeitos se reconhecem e vinculam-se mediante a profissão que desenvolvem,
nestes termos, há uma confusão entre emprego e trabalho.
“Bom eu me reconheço desde que sou gente, como cortador de cana. E, sobretudo cortador de cana de “fora”, como a gente é apelidado pelos daqui”. (migrante piauiense, 26 anos).
No trecho transcrito acima, podemos identificar que a identidade de
classe é completamente esvaziada, o sujeito se reconhece pela atividade que
desempenha, mas não para por aí, à questão sócio-territorial na ordem de
regência do metabolismo do capital, também se apresenta como um empecilho
a mais para unidade da luta. Ou seja, como o próprio ser migrante define-se,
“cortador de cana de fora”, essa é sua identidade, os vínculos de construção de
uma pauta comum de reivindicações pelos trabalhadores nessa condição são
praticamente esfacelados.
Mas, o despertencimento de classe não se efetiva apenas para o ser
migrante este também, se consubstancia no ideário do trabalhador local. Como
o dito deste morador local “Eu vejo que sou um cortador de cana, mas não um
migrante”. Neste caso, novamente tem-se a confusão entre emprego e
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trabalho, e apenas o reconhecimento identitário com aquilo que se faz, mas o
elemento novo nessa equação, reside no fato de que o “trabalhador local”,
apresenta uma certa aversão, pavor e de forma enfática repele e ratifica que
não é um trabalhador migrante, como se ser migrante fosse algo vergonhoso.
Portanto, como podemos destacar e concluir, o sentimento de
pertencimento de classe ainda está longe de ser visualizado no município de
Gastão Vidigal-SP, as mediações estabelecidas pelo aval do capital não
permitem a construção da unidade da luta, não permite que os sujeitos,
reconheçam no outro a identidade de classe do trabalho, o outro é visto apenas
como o outro, nada de familiar, é visto apenas como um ser estranho com qual
durante um certo tempo dividiremos o mesmo território.
Uma indagação se impõe no seio do movimento migratório para Gastão
Vidigal-SP, como os diferentes sujeitos hierarquizados mediante a estrutura
alienante da lógica do capital se vêem? Quais os elementos que configuram a
relação dos moradores locais e trabalhadores migrantes? Como a população
local vê o processo de migração?
A grosso modo, se destaca a percepção alienada de que a migração
representa um vetor de efeitos negativos sobre a infra-estrutura municipal,
sua principal alegação é que o serviço de saúde não suporta o inchaço
provocado pela migração de 1900 migrantes para um município de apenas
aproximadamente 4193 habitantes, vejamos abaixo.
“É ruim, por causa do Posto de Saúde, porque quando você vai consultar, tá cheio de gente, de “piauiense” e não tem, nem como consultar. E sem contar, que os remédios faltam sempre”. (moradora local, 39 anos). “Somente é bom para quem é comerciante, quem tem mercado, para ganhar dinheiro encima deles, só para eles é bom. E outra coisa, se o preço sobe pra explorar eles, também sobe pra gente daqui também”. (moradora local, 23 anos).
Assim, os moradores locais jogam a culpa dos problemas sócio-
territoriais em infra-estrutura nos trabalhadores migrantes, como se estes
fossem os culpados e responsáveis por tal situação e não quem os trouxe,
dessa forma, vê-se, pois, que nesse contexto, a demanda aumenta também
por serviços de saúde pública como hospitais e postos de saúde, já que a
maior parte dos trabalhadores depende desses serviços, uma vez que não
dispõem de planos de saúde nem de condições financeiras para atendimento
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em instituições privadas. Como geralmente não há grandes (ou nenhum)
investimentos públicos nesse sentido, os impactos acabam recaindo também
sobre a população local. Assim, o atendimento nessas instituições públicas,
que normalmente já é precário, com falta de médicos, longas filas, insuficiência
de leitos e de medicamentos, tende a se agravar.
Com base em depoimento de alguns representantes do poder público
municipal, é possível afirmar que a perspectiva de desenvolvimento, criada
com a construção de empresas agroindustriais canavieiras é vista como
positiva para os municípios, especialmente no tocante a geração de emprego e
a arrecadação de impostos. Os entrevistados destacaram que é interessante
que a unidade processadora se instale no município, pois aumenta a
arrecadação de impostos e permite que o poder público invista em melhorias
infra-estruturais e de serviços. Ao mesmo tempo em que não é interessante a
empresa se instalar em outro município e demandar os serviços de outro, pois
enquanto o primeiro arrecada impostos ligados diretamente à unidade
processadora, o segundo absorve, sem contrapartida, os impactos decorrentes
do contingente populacional recebido, como demanda por moradias, serviços
de saúde, segurança e até educação.
Como vemos, uma parcela considerável da população local vê a
migração de trabalhadores migrantes como um “entrave” para o município,
como um efeito negativo que acaba afetando os “locais”. A própria linguagem
utilizada demonstra o desprazer de se relacionar com o diferente, em quadro
geral, toda territorialidade dos migrantes é homogeneizada, e na visão de uma
parcela local se transformam nos simples “piauienses”, se referindo para
qualquer migrante que for. Ou seja, o fato de as pessoas do lugar identificar os
migrantes, de maneira generalizada e banal pelas definições toponímicas da
origem desses trabalhadores, além de representar, o preconceito quanto às
características físicas e étnico/raciais desses grupos que são facilmente
identificados pelos locais, representa também certo saudosismo (ou um
regionalismo ufanista) de uma pretensa superioridade da região Sudeste sobre
o Nordeste. Portanto, mesmo que todos os seres sociais estejam a mercê do
poder aterrador do capital, uma parcela destes imbuídos neste processo de
alienação não reconhecem nem mesmo o ser humano, no outro.
Mas, e o sindicato de trabalhadores rurais local o que faz? Este cumpre
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com seu papel historicamente construído? É fato que a exploração do trabalho
migrante em Gastão Vidigal-SP, não é realizada somente à revelia dos
sindicatos como também em muitos casos com o próprio consentimento deste,
pois as metamorfoses no mundo do trabalho levaram ao surgimento de um
novo modelo de sindicato, assimilado e cooptado pelas empresas o que faz de
sua ação um neocoorporativismo com o viés de preservar os interesses dos
trabalhadores estáveis, vinculados ao sindicato (contribuintes) em detrimento
dos trabalhadores migrantes, de fora, “passageiros”, temporários ou volantes.
A alienação do trabalho encimado nos sindicatos também se expressa
com uma ação desagregadora da unidade de ação do mundo do trabalho,
restringindo sua atuação a vinculação trabalhador-território, ou seja,
“representam” uma específica categoria com identidade coorporativa de uma
específica base territorial, delimitada pelo Estado. Como mostra Thomaz Junior
(2002, p. 230):
Enquanto o capital se espalha pelo território, materializado em forma de área ocupada com cana-de-açúcar e de empresas sucro-alcooleiras, ultrapassando/subvertendo os limites territoriais impostos pelo Estado (a fronteira do município), o trabalho, (já na forma de identidade corporativa, portanto como sindicato), tem sua abrangência territorial delimitada pelas fronteiras municipais.
Deste modo, a abrangência da atuação posta para o trabalho enquanto
entidade corporativa, é delimitada territorialmente pelas fronteiras do município,
contrapondo-se ao espalhamento territorial do capital, que se materializa nas
áreas de plantação de cana-de-açúcar e nas empresas sucroalcooleiras.
Apesar de estar inscrito nas mesmas regras legais que os trabalhadores em
relação às entidades representativas, o capital unifica-se em torno de uma
única entidade. Além disso, ao se tornar hegemônico sobre o processo
produtivo, exerce sua própria gestão, reconhecendo-se não nos limites dos
municípios, e sim na materialização da produção. Essa estrutura sindical
corporativa, de um modo geral, entrava a participação coletiva dos
trabalhadores, inibindo a luta por melhores condições de trabalho, e “fragmenta
a ação sindical, restringindo-se às categorias representadas pelo sindicato, não
ampliando essas lutas mesmo quando a demanda é ampliada pelos
trabalhadores, como no caso das campanhas salariais,[...]”. (CARVALHAL,
2000, p.100).
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Nesse particular, cabe ressaltar que a gestão fragmentária das diversas
categorias de trabalhadores e suas entidades de representação, tem sua
origem no verticalismo confederativo do modelo sindical estruturado no Brasil,
pautado no ordenamento sindicato-federação-confederação. Na agroindústria
canavieira, de modo particular, essa fragmentação se expressa nos
trabalhadores rurais (cortadores de cana), nos trabalhadores ligados ao
processo fabril (químico e alimentício) e nos trabalhadores do setor de
transportes das empresas (condutores, motoristas, tratoristas, etc.), assim
sendo, o trabalho fraciona-se no âmbito categorial diminuindo, pois a unidade e
capacidade de luta.
Neste particular, se estabelecem as clivagens territoriais do trabalho,
esse é o ponto alto da alienação do trabalho, pois ao passo que o capital
subverte as barreiras e fronteiras para territorializar-se os sindicatos são cada
vez mais fragmentados e subsumidos territorialmente aos seus interesses.
Dessa forma a ordenação territorial da prática sindical se expressa na
fragmentação dos trabalhadores entre locais e os de fora, ao representar
somente os trabalhadores permanentes (contribuintes) em detrimento dos
trabalhadores migrantes, sazonais e temporários os sindicatos se distanciam
de sua identidade coletiva de classe como trabalhadores e assumem a
identidade parcelaria e segmentada como cortador de cana, trabalhadores fixos
ou permanentes e temporários, os do local e os de fora, migrantes e não-
migrantes, etc.
Sendo assim, concordamos com Thomaz Junior (2009), sobre a
necessidade de se pensar a imbricação dessas lutas para um caminhar no
sentido da superação do mediatismo, da atomização, isto é, uma luta contra-
hegemônica, anti-capitalista e para tanto unificada organicamente, ou seja,
capaz de ultrapassar as fronteiras da divisão técnica e territorial do trabalho,
além dos limites do urbano e do rural. Em outras palavras, o desafio que se
coloca é da “subversão” do quadro de fracionamento corporativo até então
imposto pelo capital e legitimado pelo Estado. Uma subversão que poderia se
manifestar, via unificação orgânica dos sindicatos, ou seja, a formação de uma
entidade sindical que priorizasse o enraizamento de toda atividade produtiva e
que abrangesse o conjunto dos trabalhadores ligados a cadeia produtiva, que
hoje se encontram fracionados em diversas categorias.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Tudo que é [só]lido se desmancha no ar”
Como fim, um início, pensando na situação dos verdadeiros heróis
desse imenso “mar-de-verde” que se territorializa em Gastão Vidigal-SP, os
trabalhadores rurais, sobretudo migrantes, defendemos a idéia de que estes se
encontram em condições de “não-liberdade”, de que o ato de migrar não
implica em um livre deslocamento pelo espaço, uma livre vontade do
trabalhador de migrar e, sim, que a migração no sistema capitalista configura-
se como um deslocamento espacial forçado.
Porque, sob reinado das mediações de segunda ordem do capital, o ser
migrante tem o seu “território da consciência” estranhado e alienado,
convertendo-se num território para utilização do outro, no caso o agronegócio.
É mediante este processo que se apresenta como conversão e apropriação de
territórios que o agronegócio se vale, para fazer do trabalho migrante a base
para os seus extremados ganhos. O capital no século XXI, não se sacia
apenas com a extração da mais-valia, ele requer mais, e este plus é obtido pelo
processo que detectamos no seio da migração para o corte de cana no
município de Gastão Vidigal-SP, através da extrema precarização das relações
de trabalho que são legitimadas pelo suporte coercitivo da instauração do
“território da alienação”. Pois, conforme os relatos dos trabalhadores migrantes,
estes vivem e sentem o castigo do trabalho, percebem a exploração através da
esfera da distribuição da riqueza, que dá concretude à pobreza, entretanto, não
identificam suas razões sociais, relacionadas à forma capitalista.
Diferente do que alguns estudiosos pensam, o processo de migração de
trabalhadores, não significa uma mero reequilíbrio demográfico entre os
territórios, é preciso ir além do visível, e entender que por trás deste
deslocamento forçado existem homens e mulheres que arriscam suas vidas
para não morrerem de fome. Portanto, diante da investida ideológica do
agronegócio que se coloca como a salvação da lavoura e caminho para o
desenvolvimento, é necessário que se atente para as condições estruturais do
sistema do capital que geram o drama da migração.
A primeira delas é a concentração da terra, da riqueza e do poder. Os
estudiosos da sociedade brasileira não se cansam de sublinhar o tripé em que
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se assenta a economia do Brasil, desde os tempos coloniais: latifúndio,
monocultura de exportação e trabalho escravo. Ao longo da história, a
concentração só fez aumentar, engendrando uma elite que acumula uma
enorme fatia da renda nacional, e tem se revelado extremamente retrógrada e
avessa a qualquer transformação. Evidente que este estado de coisas está na
raiz de muitos movimentos migratórios. Nesse sentido, a terra é uma questão
viva para a migração, uma questão central, neste caso, torna-se decisivo o
combate a todo tipo de migração forçada. Isto nos leva à luta pela terra!
Nestes termos, concordamos com Oliveira (1986), de que a luta pela
terra não pode se restringir apenas e especificamente, à luta pelo direito do
acesso à terra; deve, isto sim, ser a luta contra quem está por trás da
propriedade capitalista da terra, ou seja, o capital.
Apoiar os movimentos no campo e os esforços pela Reforma Agrária e
por uma efetiva política agrícola é, sem dúvida, uma forma de evitar a saída
compulsória de milhares de famílias. A fixação do homem na terra, com
condições reais de vida e trabalho, é uma forma de diminuir o movimento
maciço de migrantes. Sem esquecer, jamais, a liberdade de ir e vir, pois nem a
fixação, nem a migração podem ser forçadas.
E, por fim, a segunda, diz respeito à precarização do mundo do trabalho,
pois, no Brasil, como de resto em todo o mundo, o capitalismo revela hoje uma
enorme contradição: ao mesmo tempo que desenvolve a tecnologia mais
avançada, ressuscita formas de trabalho execradas e prescritas ao lixo da
história. É o caso, para citar alguns exemplos, do trabalho escravo, do trabalho
infantil, do trabalho domiciliar, do trabalho feminino com remuneração inferior,
do trabalho temporário, do trabalho por tarefa, do free lancer. Termos como
flexibilização e terceirização são janelas para entender esse processo que vem
precarizando as relações de trabalho, diminuindo os empregos estáveis e
multiplicando-se os “bicos”, e nesta situação, uma vez mais, o trabalhador vê-
se obrigado a um vaivém compulsório.
Isso porque, como indica Antunes (2005), sob o sistema de metabolismo
social do capital, o trabalho que estrutura o capital desestrutura o ser social. É
por isso, que torna-se mais que imprescindível enfatizar a idéia sobre a
incorrigibilidade/irreformabilidade/incontrolabilidade do capital. Quer dizer,
sendo o capital uma estrutura de controle totalizadora das mais poderosas,
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dentro da qual tudo, incluindo os seres humanos, deve se enquadrar, provar
sua viabilidade produtiva, sob pena de extinção. Isso nos faz pensar que a
incapacidade do capital elevar-se acima da perspectiva de curto prazo, a
competição/competitividade destrutiva reavivada entre os capitais, enfatiza
tratar-se de uma força controladora, e não há como controlá-lo. Apenas a
possibilidade de se livrar dele por meio da transformação de todo o complexo
de relações metabólicas da sociedade poderia exterminá-lo.
Neste termos, soa categoricamente as pistas fornecidas por Mészáros
(2003), no sentido de que, é absolutamente inconcebível superar qualquer uma
dessas contradições, muito menos esta rede inextrincavelmente combinada,
sem instituir uma alternativa radical ao modo de controle do metabolismo social
do capital. Dessa forma, é possível mudança radical, não estamos falando de
reformas, porque como sabemos o sistema de metabolismo do capital é
incorrigível, incontrolável, não há como se tornar menos mal o capital, por que
desde sua raiz, de alto a baixo, por toda sua estrutura ele já nasce sagrando e
se valendo do expediente da exploração do homem pelo homem.
Portanto, apesar da heterogeneização, complexificação e fragmentação
da classe trabalhadora, as possibilidades de uma efetiva emancipação humana
das amarras do capital, ainda podem encontrar concretude e viabilidade social
a partir das revoltas e rebeliões que se originam centralmente (e não
exclusivamente) no mundo do trabalho, um processo de emancipação
simultaneamente do trabalho, no trabalho, e pelo trabalho, sempre lembrando
que essa formulação não exclui nem suprime outras formas importantes de
rebeldia e contestação. Isso nos obriga hoje, mais do que nunca, a subverter
radicalmente a lógica destrutiva do capital que atualmente preside a
humanidade, levando-a aos níveis mais profundos de desumanidade. E que
somente a humanidade pode transformar!
Retornado ao objeto de nossa pesquisa, é possível indicar que enquanto
o setor canavieiro permanecer sobre a regência do capital, permanecerá a
dicotomia interna no qual, de um lado utiliza-se o que há de mais moderno,
mas mantém-se de outro relações de trabalho extremamente arcaicas,
bárbaras, no sentido de regressão do ser social em plena “modernidade”.
Somente o impressionante crescimento da produtividade do trabalho terá um
destino humanista se for socializada, compartilhada por todos.
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Pois, o que se verifica, é que o agronegócio canavieiro, essa expressão
clara e atual, do estágio latente de barbárie em que vivemos, em combinação
com uma conjuntura que exalta os pressupostos neoliberais, têm-se
caracterizado por um forte caráter destrutivo, acarretando entre tantos aspectos
nefastos, uma enorme precarização do trabalho e uma degradação crescente
na relação metabólica entre homem e natureza. Tal combinação sendo
conduzida por uma lógica societal que é movida pelos interesses do capital, se
volta prioritariamente para produção de mercadorias para o mercado externo, à
custa da destruição de formas de vida camponesas, deslocamento forçado,
morte de trabalhadores, e do “meio ambiente” local. Assim, de um “sonho de
liberdade”, a realidade que se impõe de fato, é a migração para o capital, leia-
se, agronegócio canavieiro, ou seja, o sonho vira pesadelo!
Nesse ponto, é preciso que deixemos claro nosso posicionamento
contrário ao empreendimento do sistema do capital e sua lógica destrutiva e
que mais do que nunca apontam para a destruição da raça humana, assim
considerando esta grave crise estrutural do sistema do capital, hoje a inflexível
alternativa é o “socialismo ou a barbárie”, como sinalizado por Mészáros
(2007). Diante deste “dilema histórico”, torna-se imperativo e um desafio
histórico inevitável, a construção e elaboração coletiva de uma outra ordem
sóciometabolica alternativa que erradique a lógica de produção destrutiva e
auto-expansiva e que se estruture segundo o paradigma básico da igualdade
substantiva entre os seres humanos e a satisfação da totalidade de suas
necessidades.
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ANEXOS
Anexo 1- Roteiro de entrevista com os trabalhadores migrantes
Idade?
Cidade de onde vieram?
Por que vieram, quais os motivos que os levaram a deixar suas famílias?
Qual a situação/ problema que vocês enfrentavam lá?
Como vocês foram trazidos, arregimentados para Gastão Vidigal-SP?
Quem pagou a viagem? Como foi o processo de seleção para a escolha
daqueles que viriam para cá?
Quantos dias de viagem? Quanto vocês gastaram ao longo de todo
trajeto?
Como é a rotina de um cortador de cana? Como se dá o transporte até
os canaviais? Qual a sistemática? Que horas retornam para casa?
Vocês recebem por esse tempo na estrada?
Como vocês descreveriam o trabalho no corte de cana? Qual a principal
dificuldade no eito?
Em média quantas pessoas moram por casa, alojamento? Qual o estado
de conservação e higiene do imóvel?
Existe uma certa média de cana por dia que vocês tem que cortar? Qual
este valor? E o que acontece com aqueles que não atingem essa
média?
Em média qual o salário por mês de um cortador de cana? Quantas
toneladas estes cortam durante um dia?
Se fosse pudesse ficar na sua região de origem em condições dignas,
você ficaria lá?
Como você se identifica, se reconhece?
Em sua opinião existe um certo “racha” entre moradores locais e o
pessoal de fora, ou não?
O sindicato local ajudou vocês em alguma coisa, qual a relação de vocês
com o sindicato?
Vocês pretendem retornar para sua terra natal, ou ficar de vez por aqui?
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Anexo 2- Roteiro de entrevista com moradores e cortadores de cana locais
Idade?
Quais os prós e contras da expansão canavieira para os moradores
locais?
Em sua opinião, como você vê a vinda de trabalhadores de fora para o
corte de cana aqui em Gastão Vidigal-SP?
Como você resumiria o processo de trabalho no corte de cana? Quais as
principais dificuldades no eito?
Você já se feriu ou passou mal durante ou logo após o trabalho?
Comente:
Você acha que p tipo de pagamento por produção é justo? Não existem
fraudes?
Qual o seu salário em média?
Como você se reconhece?
Como se dá relação entre os de fora e os daqui? Comente:
Anexo 3- Roteiro de entrevista com representantes do poder público local
Quanto tempo o senhor está no cargo?
Qual a principal cultura agrícola desenvolvida no município?
O que o senhor poderia falar sobre a expansão canavieira no município?
Como o senhor avalia a expansão e instalar de agroindústrias
canavieiras no município? Aponte as vantagens e desvantagens?
Em relação à migração, a vinda de trabalhadores de outros estados para
o corte de cana como o senhor avalia este processo?
Em relação ao meio ambiente, como o senhor avalia essa expansão
assustadora da cana?