DO SONHO DE LIBERDADE À MIGRAÇÃO PARA O CAPITAL...

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MESSIAS ALESSANDRO CARDOSO DO SONHO DE LIBERDADE À MIGRAÇÃO PARA O CAPITAL NOS CANAVIAIS DE GASTÃO VIDIGAL-SP Orientador: Prof. Dr. Antonio Thomaz Júnior Monografia de Bacharelado apresentada ao Curso de Graduação em Geografia da FCT/UNESP. PRESIDENTE PRUDENTE Novembro 2011 Câmpus de Presidente Prudente

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MESSIAS ALESSANDRO CARDOSO

DO SONHO DE LIBERDADE À MIGRAÇÃO

PARA O CAPITAL NOS CANAVIAIS DE

GASTÃO VIDIGAL-SP

Orientador: Prof. Dr. Antonio Thomaz Júnior

Monografia de Bacharelado

apresentada ao Curso de

Graduação em Geografia da

FCT/UNESP.

PRESIDENTE PRUDENTE

Novembro 2011

Câmpus de Presidente Prudente

Procissão dos Retirantes

Pedro Munhoz

Terra Brasilis, continente, Pátria mãe da minha gente

Hoje eu quero perguntar Se tão grandes são teus braços, por que negas um espaço aos que querem ter um lar?

Eu não consigo entender Que nesta imensa nação Ainda é matar ou morrer Por um pedaço de chão Lavradores nas estradas

Vendo a terra abandonada sem ninguém para plantar

Entre cercas e alambrados, vão milhões de condenados a morrer ou mendigar

Eu não consigo entender Achar a clara razão

de quem só vive pra ter E ainda se diz bom cristão

No eldorado do Pará Nome índio carajás,

o massacre aconteceu Nesta terra de chacinas essas balas assassinas

todos sabem de onde vêm É preciso que a justiça e a igualdade sejam mais que palavras de ocasião

É preciso um novo tempo em que não seja só promessa repartir até o pão

A hora é essa de fazer a divisão

Eu não consigo entender Que em vez de herdar um quinhão

teu povo mereça ter só sete palmos de chão

Nova leva de imigrantes Procissão dos retirantes Só a terra em cada olhar Brasileiros, vão com nós

Vão gritando, mas sem voz Norte a sul

não tem lugar

Eu não consigo entender que nessa imensa nação ainda é matar ou morrer por um pedaço de chão

Pátria amada, ó Brasil De quem és, ó mãe gentil eu insisto em perguntar

Dos famintos, das favelas ou dos que desviam verbas

pra champagne e caviar

Eu não consigo entender

Achar a clara razão de quem só vive pra ter

E ainda se diz bom cristão.

AGRADECEMOS...

A todas as pessoas que direta e indiretamente contribuíram para a

concretização desse trabalho. Se fôssemos elencar os nomes de todos aqueles

que nos ajudaram, essa listagem, sem dúvida nenhuma seria imensa e, ainda,

poderíamos cometer a injustiça de esquecer alguém. Por isso, nossos eternos

agradecimentos a todos que de uma forma ou de outra nos auxiliaram!

AGRADEÇO...

À E.E. Profª Tereza Valverde Cardoso Tirapele pela formação fundamental e

média, em especial ao professor de Geografia- Alcinei que conduziu meus

primeiros passos na ciência geográfica.

Aos amigos do tempo de escola em Gastão Vidigal-SP.

AGRADEÇO...

Aos universitários de Geografia que me receberam em sua casa, quando ainda

era calouro e não tinha onde ficar.

A todos os amigos queridos que pude fazer ao longo de 5 anos na Moradia

Estudantil.

Em especial a casa onde residi durante toda minha jornada na faculdade e aos

amigos do coração que passaram por ela e que moram nela, agradeço muito

ao C2.

AGRADEÇO...

À FCT/UNESP e as pessoas que fazem parte dela pelo excelente tratamento.

A todos os professores que fizeram parte da minha jornada de graduação e que

contribuíram inexplicavelmente para minha formação.

E claro, não podia me esquecer de agradecer a todos os amigos da sala,

arrisco a dizer que em especial para: o grupo de trabalho, o Maurício Toma

japonês gente boa, irmão de verdade, o Amilcar meu conselheiro, o “doutor”, o

Sidney são paulino fraco, o Ximenes, pensa num cara da “luta”, mas muito

gente boa, o Nino, quer dizer SOBREIRO FILHO nosso futuro mestre, o

Paçoca esse joga muito mal vídeo-game, o Marlon zagueirão espartano, o

Gérson folgado, o Fernando um cara concentrado, o Ítalo e o Gilmar da grande

Taubaté, o Paulão corinthiano há mais de 100 anos sem libertadores! E ao

nosso time os ESPARTANOS.

AGRADEÇO...

Ao CNPq.

Aos colegas do CEGeT (Centro de Estudos de Geografia do Trabalho).

Em especial ao professor, orientador e amigo Thomaz, pela força e por nos

abrir o caminho da pesquisa e desvendar da Geografia do Trabalho. No fundo

ele é palmeirense.

Aos participantes da banca de avaliação da monografia: Sônia e Barone.

AGRADEÇO...

Fundamentalmente à minha família base dos meus princípios e caráter e que

me ajudaram a ser a pessoa que sou. Minha adorável mãe Rosemeire, o meu

pai José (Deda), aos meus irmãos Anderson e Andreza, a minha vó Jacira que

faz os melhores bolinhos de chuva, meu vô Geraldo palmeirense e pescador,

meu vô José Cardoso (Zé Davi) mulherengo, e também a minha avó que não

está mais presente Aparecida. Agradeço a todos os tios e tias, o Ademir, o

Pelé, a Tânia. E a todos os primos e primas!

AGRADEÇO...

A todos os trabalhadores migrantes cortadores de cana entrevistados pelos

seus valiosos depoimentos!

A todos os cidadãos vidigalenses, ao qual tenho orgulho de pertencer a esta

comunidade.

FALTA ALGUÉM? ACHO QUE NÃO? ENTÃO POSSO TERMINAR?

É brincadeira, não esqueci não! Estava querendo te provocar agradeço a

minha querida namorada Franciele pelo carinho e companherismo.

A todas as pessoas que direta e indiretamente nos ajudaram na construção

desse trabalho.

MUITO OBRIGADO!!!

E

SAUDAÇÕES PALMEIRENSES!!!

SUMÁRIO

LISTA DE MAPAS, FIGURAS E FOTOS..........................................................2

LISTA DE GRÁFICOS E TABELAS..................................................................3

APRESENTAÇÃO..............................................................................................4

INTRODUÇÃO....................................................................................................8

CAPÍTULO I- APROPRIAÇÃO E MONOPOLIZAÇÃO DO TERRITÓRIO PELO

AGRONEGÓCIO CANAVIEIRO EM GASTÃO VIDIGAL-SP............................13

CAPÍTULO II- DO SONHO DE LIBERDADE À MIGRAÇÃO PARA O

CAPITAL............................................................................................................31

CAPÍTULO III- A DEGRAÇÃO DO TRABALHOR NO CORTE DE CANA:

CONDIÇÕES DE TRABALHO E VIDA DOS MIGRANTES.............................46

CAPÍTULO IV- MIGRAÇÃO E (DES)PERTENCIMENTO DE CLASSE DO

TRABALHO.....................................................................................................61

CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................70

REFERÊNCIAS................................................................................................74

ANEXOS..........................................................................................................79

- 2 -

LISTA DE MAPAS, FIGURAS E FOTOS

Mapa 1- Mapa de Localização do Município Gastão Vidigal-SP..................19

Mapa 2- Territorialização dos Canaviais no EDR de General Salgado-SP

Safra 2003/2004............................................................................................21

Mapa 3- Territorialização dos Canaviais no EDR de General Salgado-SP

Safra 2008/2009..............................................................................................21

Mapa 4- Espacialização do Fluxo de Trabalhadores Migrantes para o Corte

de Cana- (Piauí-Gastão Vidigal-SP), 2011......................................................36

Figura 1- Dinâmica espacial da expansão da cana-de-açúcar para o Oeste

do estado de São Paulo e a nova face da Geografia do Trabalho...............34

Figura 2- Esquema do Corte de Cana............................................................46

Foto 1- Condições de Moradia Migrante em Gastão Vidigal-SP..................57

Foto 2- Precariedade das condições de vida migrante em Gastão Vidigal-SP.....58

- 3 -

LISTA DE GRÁFICOS E TABELAS

Gráfico 1- Territorialização da produção de cana (toneladas) no EDR de

General Salgado-SP......................................................................................20

Gráfico 2- Territorialização do Agronegócio canavieiro- Apropriação das

terras para plantio de cana-de-açúcar em Gastão Vidigal-SP....................23

Gráfico 3- Redução da área destina para a produção de milho- Gastão

Vidigal-SP........................................................................................................23

Gráfico 4- Redução da área destinada para a produção de Arroz (em

casca)- Gastão Vidigal-SP.............................................................................24

Gráfico 5- Redução das áreas destinadas para produção de alimentos-

Gastão Vidigal-SP-1995-96/ 2007-08............................................................25

Gráfico 6- Uso e ocupação das terras 2007/2008 em Gastão Vidigal-SP...26

Gráfico 7- Uso e Ocupação das terras destinadas para a agricultura

2007/2008 em Gastão Vidigal-SP..................................................................26

Tabela 1- Municípios Integrantes do EDR de General Salgado-SP.............18

Tabela 2- Área de cana-de-açúcar por município do EDR de General Salgado-SP nos anos de 2005 a 2008, e sua respectiva variação de crescimento neste período............................................................................22 Tabela 3- Territorialidade do Fluxo Migrante (Piauí- Gastão Vidigal-SP), 2011...................................................................................................................35

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APRESENTAÇÃO

O presente trabalho que ganha ares de monografia em Geografia tenta

expor os resultados de pesquisa alcançados ao longo da graduação e dos três

anos de Iniciação Científica sendo bolsista CNPq/PIBIC, estamos enfatizando

este caráter por acreditar, que “um caminho, se faz caminhando”, entre medos,

dificuldades, apostas e certezas. Como o melhor resumo de um texto é seu

título, entre muitas noites sem sono, outras com, entre muitos e foram vários os

pensamentos, intitulo este trabalho com um jogo de palavras que ao longo do

texto ganham sentido: “Do Sonho de Liberdade à Migração para o Capital nos

Canaviais de Gastão Vidigal-SP”.

O recorte territorial selecionado para desenvolvimento da pesquisa foi o

município de Gastão Vidigal-SP, situado a noroeste do estado, entre as razões

para tal escolha misturam-se objetividades e subjetividades, ou seja, vivência

no lugar, mas também o desconhecimento da situação degradante dos

trabalhadores migrantes no município.

De modo geral, o principal objetivo dessa pesquisa é revelar as ações e

estratégias do agronegócio canavieiro, sob o prisma do trabalho migrante nos

canaviais, com o propósito de entender as relações de exploração do trabalho,

tomando como base territorial às contradições específicas do que se passa no

município em apreço, e as relações espaciais que vinculam aos locais de

origem. Essa pesquisa está nos permitindo desvendar o conteúdo dos ”nós”

dos migrantes da cana, por que migram para o capital, quais avaliações estão

contidas nos seus pensamentos sobre esse processo que se repete e se

intensifica nos últimos anos.

Assim sendo, para realização dos objetivos mencionados e para

confecção deste trabalho utilizamos uma metodologia que concilia as vivências

teóricas e práticas. Via de regra, uma das principais ações de pesquisa,

giraram em torno do processo de revisão bibliográfica, ou seja, procuramos ao

longo desta jornada fortalecer e aprofundar nossas reflexões teóricas através

de levantamento bibliográfico e realização de distintas leituras de livros, teses,

dissertações, artigos, revistas, publicações de órgãos como: Serviço Pastoral

do Migrante (SPM) e Centro de Estudos Migratórios (CEM), que versam sobre

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a temática do trabalho e especificamente sobre o trabalho migrante nos

canaviais.

Acoplados as leituras, também nos dedicamos em nossas ações de

pesquisa, a acompanhar as informações gerais e específicas em respeito às

atividades laborais em torno da agroindústria canavieira, sua dinâmica de

expansão para o oeste paulista e o acompanhamento da equação do conjunto

de terras destinadas para esta atividade, para isso utilizamos os dados

disponíveis de órgãos como: IEA, IBGE-SIDRA (Sistema IBGE de Recuperação

Automática), MAPA, IPEA, UNICA, UDOP.

Referente às relações de trabalho nos detivemos na procura de registros

de intervenções do Ministério Público do Trabalho no recorte territorial

destacado, utilizamos como base de nossas reflexões sobre a realidade da

migração no município informações primárias e secundárias extraídas de

diferentes fontes como: Prefeitura Municipal de Gastão Vidigal-SP e STR local.

Soma-se a esses procedimentos já destacados, a realização de

“experiências concretas” e no caso da ciência geográfica, estamos enfatizando

a realização de trabalhos de campo para o reconhecimento da realidade local.

Ou seja, passamos a ir a campo, identificar os sujeitos sociais e suas

distintas territorialidades, para isso, nos pautamos pela realização de

“conversas/entrevistas” junto aos trabalhadores migrantes, principalmente nos

finais de semana e feriados quando há maior possibilidade de os

encontrarmos, seja em seus lugares de abrigo ou pelos diversos bares da

cidade. Porém, não cerceamos o direito a voz dos moradores locais, sobre o

processo de migração, ou seja, em nossas ações de pesquisa, entrevistamos a

população local em geral.

Num terceiro momento de nossa jornada, começamos a tabular,

formular, cartografar, analisar e interpretar as informações primárias e

secundárias obtidas nas etapas anteriores, para que ulteriormente pudéssemos

esboçar um quadro preliminar das dimensões do objeto de pesquisa.

O desenvolvimento e amadurecimento da trajetória de pesquisa,

também foi enriquecido com as atividades desenvolvidas no âmbito do Centro

de Estudos de Geografia do Trabalho (CEGeT) e Centro de Memória Sindical

“Florestan Fernandes” (CEMOSi), o qual estamos vinculados. Não poderíamos

deixar de mencionar a valiosa contribuição para elaboração das estratégias de

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pesquisa e para o próprio desenrolar desta, fornecida pelo conjunto de

discussões e colóquios realizados juntos ao nosso orientador. Ao longo desta

jornada de pesquisa, a realização de colóquios e conversas com o orientador

se fez presente e extremamente pertinente para (re)traçarmos os planos para

alcançarmos o plano de trabalho inicialmente proposto.

Enfocamos extrema importância e atenção e, por isso nos fizemos

presentes em eventos, congressos, palestras, e, sobretudo apresentando

diversos trabalhos com a exposição das reflexões suscitadas pelo processo de

pesquisa. Assim sendo, relacionamos abaixo todas as apresentações de

trabalho, participações e publicações vigentes durante a graduação.

Participação, apresentação e publicação de trabalho intitulado: “A Geografia do

trabalho por trás dos canaviais: migração, barbárie e o imperativo de uma ordem

alternativa”. In: X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura

em Geografia-FCT/UNESP, agosto de 2009.

Participação, apresentação e publicação de trabalho intitulado: “Migração para o capital

nos canaviais do Oeste Paulista: a Geografia do trabalho e os Imperativos da

Barbárie”. In: X Jornada do Trabalho, Presidente Prudente-FCT/UNESP, novembro de

2009.

Participação, apresentação e publicação de trabalho intitulado: “Do Território da

Consciência ao Território da Alienação: migração para o capital nos canaviais de

Gastão Vidigal-SP. In: XVI Encontro Nacional de Geógrafos-ENG, Porto Alegre, julho de

2010.

Participação do XXI Congresso de Iniciação Científica da UNESP, São José do Rio

Preto, novembro de 2009.

Participação do XXII Congresso de Iniciação Científica da UNESP, Presidente

Prudente, setembro de 2010.

Participação do XXIII Congresso de Iniciação Científica da UNESP, Presidente

Prudente, setembro de 2011.

Com base nos dados e informações coletadas em campo, nas reflexões

propiciadas pela revisão bibliográfica e colóquios com o orientador, bem como

nas entrevistas realizadas junto aos diversos protagonistas (trabalhadores

migrantes, moradores locais, sindicalistas, prefeito e outros), sistematizamos

esta monografia em quatro capítulos, a saber.

Para desenvolvermos essa discussão, vamos pelo seguinte caminho:

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inicialmente destacaremos de forma radical na Introdução o “estado da arte”

operado pelo sistema de metabolismo social do capital que através do seu

discurso oficial protagoniza o agronegócio como a única saída para o

“desenvolvimento” do campo brasileiro, de antemão, tentaremos indicar que

“desenvolvimento” é esse, qualificando-o como um desenvolvimento do e para

o capital. Em seguida no primeiro capítulo, intitulado “Apropriação e

Monopolização do Território pelo Agronegócio Canavieiro em Gastão Vidigal-

SP”, faremos uma breve retrospectiva sobre o setor canavieiro, sobretudo

focalizando os reais motivos da recente expansão da atividade canavieira no

Brasil, e especialmente no município de Gastão Vidigal-SP, destacando os

impactos regressivos deste modelo que fragiliza a soberania alimentar e a

produção de alimentos e obscurece e silencia por trás do discurso da

produtividade o debate sobre a questão agrária.

No segundo capítulo, intitulado “Do sonho de Liberdade à Migração para

o Capital”, voltaremos nossas atenções para o fenômeno da migração para o

capital, leia-se (agronegócio canavieiro), da força de trabalho migrante

nordestina para o município de Gastão Vidigal-SP, destacamos nesta seção,

quem são os trabalhadores migrantes, os motivos e locais de partida e o

processo de arregimentação pelos agenciadores, ainda neste capítulo

dialogando com as leituras e com os depoimentos dos trabalhadores migrantes

defendemos a assertiva de que a migração na perspectiva sócio-espacial trata-

se de um deslocamento forçado pelo território, ao invés de uma decisão “livre”

do sujeito social, nestes termos, enfatizamos que a liberdade capitalista é

apenas uma noção do ideário jurídico burguês, a liberdade de fato para o

trabalhador não existe. O terceiro capítulo intitulado, “Degradação do

Trabalhador no Corte de Cana: condições de trabalho e vida dos migrantes”,

apontamos como se dão os expedientes regressivos do processo de trabalho

nos canaviais e quais as condições de vida dos migrantes. Em seguida, no

quarto capítulo intitulado, “Migração e (Des)pertencimento de Classe do

Trabalho”, discutimos questões referentes ao (des)pertencimento de classe do

trabalho e as clivagens territoriais no seio do trabalho migrante para o corte de

cana. Por fim, tecemos nossas considerações finais defendendo nosso

horizonte de análise e apresentamos às referências.

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INTRODUÇÃO

Este trabalho é resultado e está vinculado a um amplo conjunto de

discussões a respeito da Geografia do trabalho, sobretudo ao projeto de

pesquisa “Territórios em Disputa e a Dinâmica Geográfica do Trabalho e da

Luta de Classes no Brasil no Limiar do século XXI” que vem sendo

desenvolvido no âmbito do Centro de Estudos de Geografia do Trabalho

(CEGeT), sob a direção e responsabilidade do professor Antonio Thomaz

Júnior.

A busca do conhecimento e compreensão da dinâmica geográfica da

sociedade e particularmente, do trabalho tem ocupado as minhas inquietações

e questionamentos ao longo da graduação, e é nesse movimento que nos

propomos apreender as contradições, os conteúdos, e os significados

territoriais das diferentes expressões do trabalho, que ultrapassam os limites

rurais, urbanos e as delimitações das relações formais e informais de trabalho.

Esse exercício está nos possibilitando pensar na necessidade de revermos

teorias, conceitos, proposituras, etc.

Neste trabalho reunimos os esforços e o desenvolvimento de reflexões

anteriores para compreensão da dinâmica espacial do processo de migração

para o capital, propondo entender os rearranjos espaciais promovidos pela

territorialização do agronegócio canavieiro, sob o prisma do trabalhador

migrante nos canaviais de Gastão Vidigal-SP. Nossos pressupostos de

pesquisa estão nos possibilitando entender as relações de exploração do

trabalho e os impactos sobre as condições de vida e trabalho dos

trabalhadores migrantes no corte de cana.

De antemão gostaríamos de enfatizar o engajamento social das

pesquisas desenvolvidas no meio acadêmico/universitário. Não entendemos de

outra maneira senão essa forma de realização de pesquisa, porque em sentido

contrário as mesmas não teriam nenhuma validade para os sujeitos que estão

cotidianamente a mercê da roda-viva do capital. Neste aspecto particular

ressaltamos a importância da compreensão geográfica da categoria trabalho.

Isto é, tomando por base o construto do edifício societário que vivenciamos,

acreditamos que a complexa trama de relações contraditórias que qualificam o

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mundo do trabalho nessa viragem do século XXI, mesmo com a fragmentação

interna à seara sindical, a heterogeneização e as clivagens corporativas, é

possível vislumbrar a emancipação social a partir das diferentes frentes de

ações internas do mundo do trabalho que representam as novas formas de

confrontação social contra o capital (THOMAZ JR, 2007) .

Pautando-nos por este horizonte de análise e a vontade de transcender

e revelar a face escondida do agronegócio, procuramos enfocar, o que está por

trás, e não apenas aquilo que nossos sentidos nos mostram a mera paisagem

verdejante dos canaviais. Mas, o que seria o agronegócio? Podemos resgatar

que historicamente a noção de agronegócio foi formulada nos Estados Unidos

pelos economistas John H. Davis e Ray A. Goldberg (1957). Para eles, o

agronegócio envolve um complexo de compra e distribuição de suprimentos

agrícolas, a produção, o armazenamento, o processamento e a distribuição dos

produtos acabados. Segundo Welch e Fernandes (2008), o agronegócio,

caracterizar-se-ia por uma agricultura altamente mecanizada, usuária dos

pacotes tecnológicos modernos, produção em larga escala, que explora

grandes extensões de terras, geralmente de base monocultora e voltada para

os mercados de exportação. Neste modelo, evidencia-se um processo de

integração dos diferentes conjuntos de sistemas de produção, dentre eles os

de produção agrícola, insumos, máquinas e equipamentos, distribuição,

comercialização, mercados, operações financeiras. Isto significa que o território

sobre a égide do agronegócio tendência a monofuncionalidade do uso da terra

e das infra-estruturas instaladas exclusivamente para reprodução ampliada do

capital, negando a possibilidade de uso plural do território.

Dessa forma, a agricultura capitalista ou agronegócio, qualquer que seja

o eufemismo utilizado, não pode esconder o que está na sua raiz, na sua

lógica: a concentração e a exploração. Nessa nova fase de “desenvolvimento”,

o agronegócio procura representar a imagem da produtividade, da geração de

riquezas para o país. Como assevera Fernandes (2008), esta nova imagem do

agronegócio foi construída para renovar a imagem da agricultura capitalista,

para “modernizá-la”. É uma tentativa de ocultar o caráter concentrador,

predador, expropriatório e excludente para dar relevância somente ao caráter

produtivista, destacando o aumento da produção, da riqueza e das novas

tecnologias. Da escravidão à colheitadeira controlada por satélite, o processo

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de exploração e dominação está presente, a concentração da propriedade da

terra se intensifica e a destruição do campesinato aumenta, milhares de

homens e mulheres são forçados a se deslocarem pelo espaço em busca de

sobrevivência, enquanto o latifúndio efetua a exclusão pela improdutividade, o

agronegócio promove a exclusão pela intensa “produtividade destrutiva”.

Sendo assim, podemos afirmar que o discurso oficial do capital constrói

uma tessitura de sensação de modernidade e riqueza, como se estas fossem

partilhadas igualmente por todos, distribuídas de maneira homogênea e

geradoras de um bem-estar coletivo. Nesta acepção, o agronegócio é tido

como a única forma de desenvolvimento da agricultura, todas as outras seriam

resquícios, formas arcaicas em vias de desaparição, somente o agronegócio

levaria ao “desenvolvimento”, nestes termos percebesse uma íntima relação

discursiva entre agronegócio e desenvolvimento.

A ideologização da baixa produtividade das terras, ou da “impotencialidade” econômica dos camponeses/produtores e trabalhadores da terra em continuar produzindo alimentos (endividamento, dificuldade de acesso ao crédito, somado às políticas agrícolas desfavoráveis a estes), dá suporte ao projeto expansionista do capital agroindustrial canavieiro e altera as relações sociais de produção e de trabalho no campo, revelando, pois, as novas faces da contradição inerente ao sistema metabólico do capital, personificado no agronegócio canavieiro, que se diz portador de progresso e de desenvolvimento, corroborando assim, a hipótese de que está se constituindo uma (re)configuração geográfica nos territórios onde tal projeto se materializa (OLIVEIRA, 2009, p. 337).

Assim, o agronegócio assume o papel de protagonista do

“desenvolvimento”, cabem então algumas indagações: O que seria

desenvolver? De qual desenvolvimento estamos falando? Procurarei

desenvolver este raciocínio, mas a resposta me parece lógica, trata-se na

verdade de um desenvolvimento que se consubstancia por dentro dos

pressupostos da formação sócio-espacial capitalista, trata-se de um

desenvolvimento para o capital.

Pode-se afirmar que o discurso do desenvolvimento consolidou-se,

especialmente a partir da segunda metade do século XX, pautado no

constructo ideológico de que a modernização supera relações e formas de

produção atrasadas; que a industrialização e a tecnologia conduzem à

- 11 -

modernização; e que a materialização desse desenvolvimento garante o

progresso no âmbito social, cultural e político. Este suposto “desenvolvimento”

trata-se na verdade da lógica contraditória do capital que em seu processo de

produção e reprodução, manifesta no território a sua essência desigual e

combinada. Em outras palavras, depreende-se que o desenvolvimento, ao

contrário do que se propõe é também contraditório e, ao se materializar no

espaço geográfico revela as desigualdades geradas na contradição. Nesse

sentido Montenegro Gómez destaca que, o desenvolvimento promovido na

sociedade capitalista “pretende” a redução das desigualdades, através de um

sistema que se fundamenta na concorrência entre desiguais. No mínimo, um

contrasenso, senão uma cruel impostura. (2006, p. 121).

Dessa forma, o “desenvolvimento” que postula o agronegócio, nada mais

é do que, uma estratégia de reprodução do capital e de controle social, que,

segundo o discurso oficial, serviria para concertar os transtornos temporais

provocados pela dinâmica natural do sistema, permitindo que os pobres

(subdesenvolvidos) possam desfrutar, num futuro muito próximo, das benesses

que os ricos (desenvolvidos) já desfrutam. Dessa maneira, as políticas de

desenvolvimento seriam a preocupação e a consciência do sistema, saindo em

ajuda dos mais necessitados. Na última década, criou-se um espectro em torno

da idéia de um desenvolvimento pautado “em aspectos sociais, ambientais e

humanos”, desse modo, “o denominado ‘capitalismo de rosto humano’ não é

mais que uma nova careta” (MONTENEGRO GÓMEZ, 2004, p. 55).

Pois, com contundência, podemos observar as contradições e

armadilhas do desenvolvimento que:

[...] em vez do reino da abundância prometido por teóricos e políticos dos anos cinqüenta, o discurso e a estratégia do desenvolvimento produziram o contrário: miséria e subdesenvolvimento massivos, exploração e opressão inenarráveis (ESCOBAR apud MONTENEGRO GÓMEZ, 1998 [1996], p. 21).

Como queremos demonstrar o agronegócio está encimado no discurso

do desenvolvimento, da geração de emprego e renda para os trabalhadores,

entretanto seus desdobramentos concretos não atentam para melhoria de vida

das populações mais pobres e nem de longe este é seu objetivo, portanto ao

invés de ser a “salvação da lavoura” brasileira, este modelo de negócio-

- 12 -

sociedade e desenvolvimento encontra-se completamente falido em sentido

para os trabalhadores.

Trata-se, pois, de um desenvolvimento do capital e para o capital, que se pauta no desmantelamento das comunidades e territórios que interessa ao projeto expansionista do capital com vistas a sua valorização, tirando-lhes as condições que lhes são próprias e que foram construídas historicamente, e impondo ações e atitudes que não combinam com as formas anteriores de organização social e de produção. (OLIVEIRA, 2009, p. 344-45).

Ou seja, a idéia de desenvolvimento, no interior da sociedade produtora

de mercadorias em que vivemos, nos remete à subordinação estrutural do

trabalho ao capital, portanto, os adjetivos como humano, solidário ou

sustentável, associados ao desenvolvimento local, são tentativas de

harmonizar a lógica destrutiva do capital em relação ao gênero humano. Uma

tentativa fadada ao fracasso. Nesse aspecto, vale destacar que apesar de todo

potencial agrícola que o país possui milhões de pessoas não têm acesso à

alimentação básica. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia

e Estatística), divulgados pela CPT (Comissão Pastoral da Terra), 14 milhões

de brasileiros passam fome e mais de 72 milhões vivem em situação de

“insegurança alimentar”. Ou seja, trata-se de um modelo de desenvolvimento

que em vez de garantir o acesso à terra a milhões de trabalhadores, por meio

da Reforma Agrária, e priorizar a Soberania Alimentar, legaliza a grilagem de

terras, aumenta a concentração fundiária e acentua a exploração da natureza e

da força humana que trabalha.

- 13 -

CAPÍTULO I

APROPRIAÇÃO E MONOPOLIZAÇÃO DO TERRITÓRIO PELO

AGRONEGÓCIO CANAVIEIRO EM GASTÃO VIDIGAL-SP

O atual processo de expansão da atividade canavieira no Brasil está

respaldado pelo discurso do agronegócio, que se impõe como um modelo de

desenvolvimento econômico eficiente, gerador de emprego e renda e que tenta

maquiar a imagem da agricultura capitalista, historicamente exploradora do

trabalho e concentradora de terra, renda e capital. Destaca-se nesse processo,

a dinâmica da territorialização do capital no campo a partir da produção de um

discurso (ufanista) do agronegócio como um modelo de desenvolvimento único

e capaz de resolver os problemas econômicos do país. Ou seja, a consolidação

de um discurso pautado em um modelo único de desenvolvimento, o

desenvolvimento do agronegócio como a “salvação da lavoura”.

As características que marcaram e que marcam a agroindústria

canavieira no Brasil são pistas importantes para entendermos quais os desafios

impostos ao trabalho no século XXI. Para adentrarmos nesse debate podemos

indicar assim como Souza (2008) faz, que a agroindústria canavieira é a mais

antiga atividade econômica não-extrativista do Brasil. Seu produto principal, de

meados do século XVI (1540/50) ao final do século XX (1979/80), foi o açúcar.

O álcool etílico tomou esse lugar por pouco tempo. Depois da reversão da

tendência altista dos preços internacionais do petróleo a partir de 1983/84 e

depois de alguns anos de dificuldades, o açúcar retomou sua primazia na

década de 1990, com a grande ajuda das exportações.

Todos sabemos que a implantação do setor canavieiro, em nosso país,

desde a colônia, foi baseada no latifúndio, no trabalho escravo, na monocultura

da cana-de-açúcar para a exportação e nos maus tratos aos trabalhadores,

dando um largo salto histórico, podemos dizer que esse caráter

concentracionista de terras, renda e de capitais do setor, fortaleceu-se a partir

da criação do SNCR (Sistema Nacional de Crédito Rural), implantado pelo

governo militar, em 1965.

Para Oliveira (2007), ao se criar uma política de concessão de créditos

subsidiados, altamente seletiva e excludente o Estado acabou privilegiando os

- 14 -

grandes proprietários e grupos empresariais, contribuindo para a constituição

do Complexo Agroindustrial brasileiro e, particularmente do CAI canavieiro.

Para a autora, as mudanças instituídas no setor, a partir de então, visando

aumentar a escala de produção e elevar a composição orgânica do capital,

pautaram-se na especulação fundiária e na intensificação da concentração da

propriedade da terra, tendo como resultado a expropriação de pequenos

proprietários, colonos e posseiros e, consequentemente, o aumento do trabalho

assalariado no campo.

Já na década de 70, a partir de 1975 é criado pelo governo federal o

Proálcool (Programa Nacional do Álcool), que tinha como “um dos objetivos”,

aumentar a produção de álcool combustível em virtude das crises petrolíferas

em escala mundial que vinham afetando gravemente o balanço de

pagamentos, notemos bem que dissemos “um dos objetivos”; pois como

sinaliza Thomaz Junior (1992), o Proálcool, acima de qualquer suspeita antes

de representar uma alternativa energética; foi à saída econômica que o Estado,

mais uma vez bancou para o setor (num patamar não comparável até então,

através de financiamentos subsidiados, facilidades creditícias; às expensas da

produção de alimentos da cesta básica.

Em linhas gerais, de acordo com o Ministério da Indústria e do Comércio

(1986)1, o Proálcool em sua primeira fase, aproveitou-se da capacidade ociosa,

através da instalação de destilarias anexas às usinas de açúcar, sendo assim a

produção de álcool passou de 600 milhões de litros, na safra 1975/76, para 3,6

bilhões de litros, na safra 1978/79, destinando-se apenas à mistura

gasolina/álcool anidro.

O segundo choque do petróleo em 1979 propiciou ao Proálcool entrar

em sua segunda fase, para a produção de álcool hidratado, nessa segunda

fase, deu-se ênfase à implantação de destilarias autônomas em novas áreas

de produção. E por fim, a partir de 1985 o Proálcool entra em uma nova fase,

tendo que conviver com a diminuição do volume de dinheiro, com o fechamento

da torneira.

Quais os desdobramentos deste programa?

Cabe destacar que um dos desdobramentos diretos do Proálcool, foi o

1

Cf. BRASIL. Ministério da Indústria e Comércio, 1986.

- 15 -

aumento vertiginoso da produção de cana-de-açúcar e, consequentemente, de

seus derivados, além do que foi extremamente lucrativo para o capital

agroindustrial, atendendo todos os anseios do setor canavieiro, inclusive

seculares perdões de dívidas2.

Para Oliveira (2007), a intensa transferência de renda do conjunto do

capital social para o setor canavieiro, especialmente, a partir do Proálcool, foi

capitalizada diferencialmente pelas empresas agroindustriais canavieiras,

possibilitando a concentração de capital nas mãos de alguns Grupos/Famílias.

Na década de 1990, o Estado, por sua incapacidade de continuar com a

política de crédito, por causa da crise fiscal e, também, devido à mudança de

paradigma da política econômica, atrelada aos pressupostos neoliberais do

Consenso de Washington, promoveu a desregulamentação da agroindústria

canavieira, ou mais propriamente do setor canavieiro, e a abertura comercial.

Sendo assim, Alves (2007), assinala que estes dois direcionamentos,

abertura comercial e desregulamentação, operados ao mesmo tempo e

combinados com a queda dos preços internacionais do açúcar e queda da

demanda interna de álcool levaram a uma crise do setor que se abateu sobre a

década de 90. A saída do Estado e a abertura do mercado interno provocaram

mudanças significativas no interior do complexo, assim como Alves (2003), nos

indica abaixo:

Internamente, as empresas do setor passaram a competir mais acirradamente entre si do que ocorria antes, quando o Estado administrava preços de (cana, açúcar e álcool). Se antes a concorrência entre usinas se dava pelo fornecimento de cana, ou por terra, ou até por favores especiais junto ao governo, hoje a concorrência internaliza-se entre usinas. (p.78).

Ou seja, a saída parcial do Estado transferiu a concorrência para o setor

agroindustrial canavieiro, e nesse novo cenário desenvolveu um processo de

reestruturação produtiva no setor com a introdução de um conjunto de

modificações que vão desde a mudança da base técnica produtiva, até a

mudança organizacional dos processos de produção e do trabalho.3

2

Cf. THOMAZ JR, 2002.

3 Cf. ALVES, F., 2008.

- 16 -

Recentemente a agroindústria canavieira vive um novo momento de

expansão, de acordo com, Alves (2008), a partir de 2002 o setor, ingressa em

um período de grande dinamismo e crescimento, que faz lembrar, o período

áureo do Proálcool (1975/1983), salvo por uma diferença essencial: ausência

de subsídios diretos e exclusivos garantidos pelo Estado.

Este dinamismo atual é provocado pelo papel privilegiado que suas duas

principais commodities - o açúcar e, principalmente, o álcool, desfrutam no

agronegócio mundial. Assim sendo, recentemente, a alta nos preços do

petróleo no mercado internacional, o problema ambiental, a adoção de políticas

públicas por países desenvolvidos para incentivar o uso de combustíveis

“alternativos” e menos poluentes, têm justificado o boom da atividade

canavieira e do álcool brasileiro. Ao lado dos Estados Unidos, o Brasil ocupa a

posição de líder no setor sucroalcooleiro mundial e vem atraindo uma onda de

investidores estrangeiros para o país. Convém lembrar que os EUA tornaram-

se rapidamente o maior produtor mundial de álcool, mas utiliza o milho para

obtê-lo.

É nessa seara, que se insere a conjuntura política e econômica voltada

para a abertura do mercado de etanol que contribui igualmente para a

emergência de rearranjos territoriais, tanto em âmbito do capital, como do

trabalho. Sendo a grande mola propulsora deste processo recente de expansão

do setor, a possibilidade de conquista de mercados externos e de tornar o

álcool uma commodity.

Tanto que Oliveira (2007), assegura que a partir dos anos 2000, a

Geografia da cana, no Brasil, vem mudando significativamente, valendo

ressaltar que, no estado de São Paulo, essa expansão recente está ocorrendo

com mais intensidade na porção oeste, com destaque para as regiões

administrativas de Araçatuba, São José do Rio Preto e Presidente Prudente.

Ou seja, este movimento do capital no âmbito do setor canavieiro vem

expressando, portanto uma nova territorialidade, ou porque não dizer, um novo

ordenamento territorial das agroindústrias e das áreas plantadas com cana. Se

até o final dos anos 1990 a atividade canavieira estava concentrada nos

principais estados produtores do Nordeste (Alagoas, Paraíba e Pernambuco) e

no estado de São Paulo (maior produtor do país), hoje, o que estamos

verificando é um crescente movimento de expansão para outras regiões e

- 17 -

estados brasileiros até então sem expressão na produção nacional de cana-de-

açúcar. Com respeito ao fenômeno canavieiro, o processo se expressa

enquanto espacialização das plantas agroprocessadoras e das plantações,

com base em um processo recente de expansão jamais visto.

Como indica Oliveira (2009), a área colhida no Brasil com cana-de-

açúcar na safra 2009/2010, com base nos dados da Companhia Nacional de

Abastecimento (CONAB, 2010), foi estimada em 7.531 milhões de hectares,

distribuída em todos os estados produtores, tendo a maior concentração em

São Paulo – com 4.101,4 milhões ha; seguido por Paraná – 590,1 mil ha; Minas

Gerais – 587,1 mil ha; Goiás – 520,3 mil ha e Alagoas – com 448 mil ha. Em

termos de quantidade produzida de cana-de-açúcar, no ano de 2009 a

produção atingiu 612,2 milhões de toneladas, com alta de 7,1% com relação ao

período anterior. O estado de São Paulo concentrou 57,8% da produção e

colheu 354,3 milhões de toneladas, ou seja, 2,5% a mais do que em 2008.

Outros três estados foram destaques em termos de aumento da quantidade de

cana colhida. Sendo, Goiás, com a produção subindo 50,1% e atingindo a

marca de 44,4 milhões de toneladas; Mato Grosso do Sul com o avanço de

38,8%, contabilizando 28,8 milhões de toneladas; e, por fim, Minas Gerais,

onde a alta foi de 20,1%, com 49,7 milhões de toneladas colhidas.

Esse crescimento impulsionado pela explosão na venda de automóveis

“flex” (movidos a álcool e gasolina), no Brasil, está sendo viabilizado por conta

da territorialização e expansão por parte do capital agroindustrial canavieiro

para áreas não tradicionais no cultivo da gramínea, e é nesse momento que se

insere atrativamente o Oeste Paulista ao desenfreado avanço da monocultura,

com enormes possibilidades à mecanização dado as condições de relevo, e

com significativo estoque de terras. Na região oeste do estado de São Paulo,

tradicional na pecuária de corte, a área cedida por pastagem cultivada no

período de 2001 a 2006, correspondeu a 62% de toda a área cedida por essa

atividade no estado de São Paulo. Entre as culturas as que mais cederam

áreas nesse período foram: a cultura do milho e as culturas alimentares

básicas como o feijão, redução de cerca 55% na produção e arroz de sequeiro,

redução de 61% na produção (DANIEL et al, 2009).

E esta apropriação e monopolização do território pelo agronegócio vêm

sendo expressa na dinâmica dos territórios em disputa, no recorte territorial de

- 18 -

nossa abordagem, o município de Gastão Vidigal-SP, integrante da 9ª Região

Administrativa de Araçatuba e que faz parte do EDR (Escritório de

Desenvolvimento Rural) de General Salgado-SP (tabela 1), conformando a

seguinte base territorial (Mapa 1).

Tabela 1. Municípios Integrantes do EDR de General Salgado-SP

Fonte: Prefeitura Municipal de Gastão Vidigal-SP

- 19 -

Fonte: Cardoso, 2010.

Segundo dados do IEA- Instituto de Economia Agrícola (2009), a

produção de cana-de-açúcar no EDR de General Salgado aumentou de

3.924.362t no ano de 2000 para 11.443.939t no ano de 2008, o que

corresponde a um aumento de 192%, sendo esse aumento muito superior ao

ocorrido no Estado de São Paulo considerando-se o mesmo período e

totalizando aproximadamente 3% do total produzido no estado.

Neste contexto, de expansão da produção canavieira na escala nacional

podemos destacar no âmbito do EDR de General Salgado-SP que esta

concomitante tendência se aplica também para este território, estando assim

inserido na rota de expansão recente do Polígono do Agrohidronegócio4

canavieiro como o (Gráfico 1) tenta demonstrar.

4 Denominação tomada de empréstimo de Thomaz Junior, 2009.

- 20 -

Gráfico 1.Territorialização da produção de cana (toneladas) no EDR de General Salgado-SP

Fonte: UDOP, 2011.

Com base nos dados acima, podemos afirmar que se processa no EDR

de General Salgado-SP, a territorialização do agronegócio canavieiro, e que

este processo ganha força no limiar dos anos 2000. Neste sentido, é notório o

crescimento da produção de cana, como detalhamento, tivemos da safra

2000/2001 para a safra 2006/2007 um crescimento da produção de cana na

ordem de 90,3%, ou seja, podemos caracterizar nosso recorte territorial de

estudo como sendo um “território em disputa”, no qual é de interesse do capital

aprofundar o processo de inserção deste no circuito canavieiro. Dessa forma,

a expansão da monocultura de cana-de-açúcar no EDR de General Salgado-

SP pode ser visualizada nos (Mapas 2 e 3) e dimensionada na (Tabela 2).

- 21 -

Mapa 2- Territorialização dos Canaviais no EDR de General Salgado-SP Safra 2003/2004

Fonte: Canasat, 2010/Cardoso, 2011.

Mapa 3- Territorialização dos Canaviais no EDR de General Salgado-SP Safra 2008/2009

Fonte: Canasat, 2010/Cardoso, 2011.

- 22 -

Tabela 2. Área de cana-de-açúcar por município do EDR de General Salgado-SP nos anos de 2005 a 2008, e sua respectiva variação de crescimento neste período.

Fonte: Dados básicos do IEA, 2009.

Através da leitura dos mapas e da observação da tabela é possível

confirmar a idéia de que na escala regional do EDR de General Salgado-SP à

qual o município em estudo faz parte, o processo de apropriação do território

pelo agronegócio canavieiro vem se acentuando e controlando uma porção

cada vez maior do território, ou seja, das terras disponíveis, como a tabela

acima indica, o rastro da expansão do agronegócio canavieiro de 2005 para

2008 atingiu 100,6% de expansão, bem acima do percentual estadual que se

situou em 46,7%. Mas, até que ponto essa dinâmica de expansão atinge a

distribuição e destinação dos usos agrícolas, sobretudo em Gastão Vidigal-SP?

Neste contexto, de expansão da atividade canavieira podemos destacar

que esta tendência macro-escalar, se objetiva no plano micro-escalar do

município de Gastão Vidigal, com a tomada de terras destinadas para ingresso

no circuito canavieiro (Gráfico 2).

- 23 -

Gráfico 2. Territorialização do Agronegócio canavieiro- Apropriação das terras para plantio de

cana-de-açúcar em Gastão Vidigal-SP

Fonte: Cati- Lupa, 2011(Levantamento Censitário das Unidades de Produção

Agropecuária do estado de São Paulo)

Os canaviais avançam em marcha intensiva sobre as terras do município

de Gastão Vidigal-SP, e de acordo com os dados, a área plantada de cana em

hectares, de 1995-96 para 2007-08, cresceu aproximadamente 771% atingindo

a exorbitante apropriação de 6625 mil ha de terra, sendo que o processo é

inverso quando tratamos das terras destinadas à pastagem (Gráfico 3) e

principalmente para a produção de alimentos (Gráficos 4 e 5).

Gráfico 3. Redução da área de Pastagem em Gastão Vidigal-SP.

Fonte: Cati- Lupa, 2011(Levantamento Censitário das Unidades de Produção

Agropecuária do estado de São Paulo).

- 24 -

Gráfico 4. Redução da área destina para a produção de milho- Gastão Vidigal-SP

Fonte: SIDRA/IBGE- Produção Agrícola Municipal, 2011.

Gráfico 5. Redução da área destinada para a produção de Arroz (em casca)-

Gastão Vidigal-SP

Fonte: SIDRA/IBGE- Produção Agrícola Municipal, 2011.

Em relação à redução de pastagem o ritmo é lento, em termos

percentuais de 1995/96 a 2007/08 houve redução de aproximadamente 7,74%

nada comparado com a redução das áreas destinadas a produção de

alimentos. De acordo com os dados da produção agrícola municipal do IBGE

(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), é possível perceber, que alguns

- 25 -

produtos típicos da agricultura camponesa de alimento em Gastão Vidigal-SP,

tais como o milho e o arroz, apresentaram, no período analisado, números que

indicam uma crescente redução das terras disponibilizadas para estas culturas,

só a título de exemplo, a área destinada para produção de milho reduziu-se de

2003 para 2009, aproximadamente 574%, no caso das terras destinadas para a

produção de arroz a redução foi total, ou seja, o cultivo alimentar básico do

arroz foi extinto no município. O que nos interessa evidenciar é que enquanto

os dados das terras disponíveis para as culturas tradicionais alimentares

apontam queda, um declínio acentuado da área plantada, para o agronegócio

canavieiro tem-se o inverso. Assim sendo, gostaríamos de defender a idéia de

que a apropriação crescente do território pelo agronegócio no município de

Gastão Vidigal-SP vem se dando também sobre áreas de cultivo alimentares

(Gráfico 6), portanto, a dinâmica local de inserção das terras no circuito

canavieiro vem desmitificando os estudos apontados pela “grande imprensa”,

que afirmam que a produção de alimentos não vai ser afetada pela expansão

do “mar-de-cana”.

Gráfico 6. Redução das áreas destinadas para produção de alimentos-Gastão Vidigal-

SP-1995-96/ 2007-08.

Fonte: Cati- Lupa, 2011(Levantamento Censitário das Unidades de Produção

Agropecuária do estado de São Paulo)

Como podemos ver no gráfico acima, cultivos alimentares básicos da

humanidade no município em análise estão em vias de desaparição, só a título

- 26 -

de exemplo, a área destinada para produção de Feijão, uma cultura antes

expressiva no município, teve suas terras reduzidas em 2650%, abrangendo

atualmente os inexpressivos 2,4 ha, outras como o tomate e pimentão já foram

extintas da produção municipal. Nestes termos, o modelo proposto pelo

agronegócio canavieiro não atende a soberania alimentar, muito pelo contrário

ataca a produção camponesa de alimentos, em outras palavras, seria o mesmo

que dizer que a apropriação do território para produção de cana-de-açúcar

encimada no modelo de desenvolvimento do agronegócio é incompatível,

incongruente com a produção de alimentos. Fica claro então que a apropriação

capitalista do território promovida pelo avanço do agronegócio canavieiro na

escala local tende a homogeneização da paisagem e ao monopólio e controle

dos usos e ocupações das terras (Gráficos 7 e 8).

Gráfico 7. Uso e ocupação das terras 2007/2008 em Gastão Vidigal-SP

Fonte: Cati- Lupa, 2011(Levantamento Censitário das Unidades de Produção

Agropecuária do estado de São Paulo)

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Gráfico 8.Uso e Ocupação das terras destinadas para a agricultura 2007/2008 em Gastão

Vidigal-SP

Fonte: Cati- Lupa, 2011(Levantamento Censitário das Unidades de Produção

Agropecuária do estado de São Paulo)

Aos menos avisados não se trata apenas de uma inofensiva apropriação

territorial, mas sim de uma apropriação territorial destrutiva que ataca as

relações que não se encaixam no seu jogo, é assim que podemos interpretar

os gráficos acima, que demonstram que a porção territorial já ocupada pelo

agronegócio canavieiro é da ordem de 38% de todo o território municipal e a

tendência é o avanço intenso sobre o restante do território, indo além, somente

na porção de terras destinadas para a agricultura à cana-de-açúcar já ocupa

85% destas, confirmando assim a idéia que vimos defendendo de que a

apropriação capitalista do território municipal pelo agronegócio canavieiro alça

vôos monocultores dignos do período colonial, portanto, o capital agroindustrial

já tem a sua disposição o controle territorial de mais 1/3 do município de

Gastão Vidigal-SP.

Conforme dados colhidos junto a CATI/Casa da Agricultura do município,

cerca de 45% das unidades de produção agropecuária locais estão inseridas

no circuito de produção canavieira. Como podemos explicar tamanho controle

territorial? Para Backes (2008), o processo de “homogeneização” do território

através da agroindústria canavieira, vem atingindo lentamente o pequeno

- 28 -

agricultor, arrendatários e o trabalhador assalariado no campo, se apropriando

e expandindo-se pelo território afora. Indo além, é interessante destacar a

participação da terra como mercadoria nesse processo. Como afirma

(MARTINS, 1983, p. 159-160).

A terra não é produto nem do trabalho assalariado nem de nenhuma outra forma de trabalho. É um bem natural, que não pode ser reproduzido, não pode ser criado pelo trabalho (...), a terra não é a materialização do trabalho humano, mas se transforma em mercadoria.

Como destaca Ianni (1981, p.154), onde afirma que “a terra torna-se

mercadoria, ganha preço, passa a ser objeto e meio de produção de valores de

troca, estando ela inserida nas relações capitalistas de produção”. Via de regra,

em termos da expansão dos canaviais em Gastão Vidigal-SP, gostaríamos de

defender a assertiva de que o grande motivador quando da tomada de decisão

pelo arrendamento da terra para o capital, encontra-se no fator econômico que,

no início do processo, em razão da dificuldade em conseguir crédito e

assistência rural para o cultivo agrícola tradicional, acabam sendo “atraídos”

pelo alto e ilusório preço pago nos momentos de euforia do setor

agrocanavieiro.

Quando do final do prazo de arrendamento da terra para o usineiro,

diante da inexistência de recursos para o restabelecimento das atividades

anteriormente praticadas, impossibilidade de recomposição de cercas, pastos,

casas e toda a infra-estrutura retirada pela formação das grandes áreas de

plantio monocultor, somado ao fato do sucateamento e/ou venda de máquinas

e implementos agrícolas pelo fato de não mais serem usados, dá-se aí o “pulo

do gato”, onde o proprietário vê-se refém do capital.

Dessa forma, fragilizado na relação desigual com o grande capital, o

agricultor/proprietário acaba por ter duas alternativas igualmente desfavoráveis,

ou renova o contrato de arrendamento por uma remuneração muito menor (o

pagamento das usinas é proporcional à produção da área plantada), pois numa

segunda oportunidade de plantio a produção provavelmente será menor, em

razão do desgaste do solo. O outro caminho leva o proprietário a ceder de vez

ao cortejo do capital canavieiro, vendendo suas terras por valores muito abaixo

do que valiam antes do referido arrendamento, vindo a proletarizar-se

- 29 -

constituindo mão-de-obra para a expansão agrocanavieira, conferindo

materialidade ao intento expansionista/monopolizante/territorializante do

agronegócio.

Ao final deste capítulo balizado por nossas ações de pesquisa proponho

a reflexão de que a apologia ao agronegócio, realizada pela mídia, pelas

empresas e pelo Estado, é uma forma de blindar esse modelo, procurando

invisibilizar sua conflitualidade imanente.

Pois, o desenvolvimento da agricultura acontece também pela conflitualidade perene das classes sociais, que se enfrentam e disputam a política e o território. Esse desenvolvimento pela conflitualidade é caracterizado pela contradição e pelo paradoxo insolúveis, que vem sendo registrados na história moderna, predominantemente, por meio da territorialização do capital e da desterritorialização e reterritorialização do campesinato (FERNANDES, 2004, p. 9).

Desse modo, o agronegócio tenta silenciar os seus impactos, colocando-

se como espaço produtivo por excelência, cuja sua supremacia não pode ser

ameaçada. O agronegócio salvo engano das comparações é um novo tipo de

latifúndio5 e ainda mais amplo, agora não concentra e domina a terra somente,

mas também a tecnologia de produção e as políticas de “desenvolvimento”.

Nesse sentido, essa dinâmica representa a materialização de todos os

ideais das políticas públicas de valorização do agronegócio em detrimento da

agricultura de base camponesa e ligada à produção de alimento. Dessa forma,

esta mudança no quadro da estrutura produtiva desse município, revela o

sentido e a magnitude da territorialização do capital no campo, ou seja,

estamos diante de uma composição de forças que monopoliza o uso e a

assegura o acesso às terras pelo capital. Produção de alimentos, segurança

alimentar, passam longe das relações capitalistas estabelecidas no campo, pois

o que está em pauta é a exploração da terra fundamentada na monocultura e a

ênfase na produção voltada para a exportação.

Portanto, dessa forma mudam-se destrutivamente as paisagens e os

componentes que dão sentido ao território para reprodução ampliada do

capital, assim a apropriação capitalista do território dá-se mediante a

homogeneização da monocultura da cana-de-açúcar, que instaura como

5 Cf. FERNANDES, 2004.

- 30 -

paisagem do capital um “deserto verde”, que aprisiona a paisagem e subtrai-lhe

o significado para a humanidade. Este problema é criado pela lógica da

reprodução ampliada do capital, que provoca o desenvolvimento desigual, por

meio da concentração de poder expresso em diferentes formas, por exemplo:

propriedade da terra, dinheiro e tecnologia. Esta lógica produz a concentração

de poder criando o poder de concentrar, reproduzindo-se infinitamente. A

reprodução infindável é da natureza do modo capitalista de produção, portanto,

para garantir sua existência, o capital necessita se territorializar sem limites. E

nesta ânsia de territorialização, o capital tenta destruir e avançar sobre outros

territórios.

- 31 -

CAPÍTULO II

DO SONHO DE LIBERDADE À MIGRAÇÃO PARA O CAPITAL

Neste capítulo, tentaremos compreender as contradições do processo

de migração do trabalho para o capital, no caso dos trabalhadores migrantes

para o corte da cana-de-açúcar no município de Gastão Vidigal-SP. Os

posicionamentos teóricos atrelados às experiências concretas efetivadas por

meio dos trabalhos de campo e o contato com os trabalhadores fizeram a

diferença para a elaboração das idéias que serão apresentadas aqui.

A mobilidade espacial do trabalho tem sido assunto recorrente em

diversos estudos no âmbito da Geografia, da Economia e de outras Ciências

Sociais, com enfoques teóricos distintos. Para as finalidades desse capítulo,

distinguimos duas correntes antagônicas as quais têm se filiado os estudiosos

deste fenômeno: de um lado a que tem por base a economia neoclássica e de

outro, a que está fundamentada no materialismo histórico dialético.

Para a primeira corrente a mobilidade espacial do trabalho estaria

pautada pelas leis do mercado e pelas premissas da racionalidade e da

liberdade soberana dos homens – levando a uma diferenciação espacial que

encontraria, em certo momento, um harmônico estado de equilíbrio. Aos

trabalhadores assim considerados, caberia tão somente encontrar sua inserção

no mercado de trabalho, com base na demanda por trabalhadores em seu ou

em outros municípios, em sua ou em outras regiões, de acordo com suas

possibilidades profissionais. Gomes (2009) expõe um parecer similar acerca

dessa corrente neoclássica, a qual denomina “corrente do equilíbrio geral”,

quando afirma que:

Essa corrente pressupõe a existência de uma mobilidade perfeita do trabalho, defendendo que os trabalhadores têm capacidade de se deslocar por entre os espaços em busca de melhores condições de vida, que se traduzem em salários e rendas num nível mais elevado. Assim, a liberdade de escolha é atribuída ao trabalhador. Os neoclássicos admitem que os indivíduos comportam-se de maneira racional, podendo escolher entre alternativas de emprego e as melhores condições materiais de vida (GOMES, 2009, p. 38).

Para Vale (2007), na visão neoclássica, os estudos da migração

pressupõem um cálculo racional e a livre decisão dos indivíduos, isto é, o livre

- 32 -

trânsito dos corpos no espaço, sendo que esse movimento leva à

heterogeneidade espacial e propicia o equilíbrio, no sentido da igualdade

possível.

A segunda corrente, pautada pelo materialismo histórico dialético, é

totalmente oposta à primeira, em síntese para os estudiosos engajados nessa

perspectiva, a formação social capitalista, ao gerar trabalhadores excedentes,

separados de seus meio de existência, cria a necessidade de deslocamentos

em busca do trabalho. A disponibilidade de tais trabalhadores, como reserva de

mercado, nos mais diversos pontos do território, torna-se, por sua vez,

condição necessária para a própria existência da acumulação do capital. A

mobilidade espacial do trabalho não é mero mecanismo de redistribuição

espacial de populações, que se adapta às solicitações do sistema econômico,

mas ela se configura como estrutural para a acumulação de capital. Para, Vale

(2007, p.46-7), em estruturas capitalistas, marcadas pela rigidez ou expansão

de sua morfologia econômica, as formas de mobilidade do trabalho surgem

como fenômeno de submissão e não de liberdade. Para Gaudemar (1977, p.

172), “toda estratégia capitalista de mobilidade é igualmente estratégia de

mobilidade forçada”. Perpetua (2010, p. 9), resume bem esta corrente teórica

que:

[...] tem como fundamentos, por um lado, não a mobilidade perfeita dos trabalhadores sobre o espaço, mas a mobilidade forçada, estranhada, uma condição elementar da acumulação do capital; e por outro, não o equilíbrio geral do desenvolvimento espacial sob o capitalismo, mas o desequilíbrio e a contradição constantes, expressos pela desigualdade que gera, em última análise, a necessidade da mobilidade.

Sendo assim, rejeitamos e discordamos diametralmente da análise de

mobilidade espacial do trabalho da corrente neoclássica, neste trabalho nossos

esforços convergiram para a tentativa de desenvolver algumas reflexões

acerca de uma das faces do fenômeno da mobilidade espacial do trabalho que

também tem se intensificado paulatinamente: a migração de trabalhadores

sazonais nordestinos para o corte de cana no município de Gastão Vidigal-SP.

Para o entendimento dessa questão, defendemos a idéia que esse processo de

migração do trabalho, diante do entendimento de que o capital é hegemônico e

exerce controle sobre todo o tecido social, não é para menos que a migração

- 33 -

do trabalho seja uma migração para o capital, ou seja, uma migração forçada

levada pela necessidade de sobreviver e não um mero ato de exercício de

“liberdade”.

Feita estas ressalvas e retomando nosso raciocínio central, podemos

afirmar que desde o surgimento do homem a milhares de anos no continente

africano, a busca por melhores condições de vida sempre foi uma das metas a

serem alcançadas. Por conta disso as primeiras sociedades eram nômades,

pois migravam sempre em busca daquilo que havia se esgotado. O movimento

das populações no espaço, ou seja, as migrações são motivadas por vários

fatores, que podem ser: políticos, religiosos, naturais, culturais, mas sem

sombra de dúvida, o fator que historicamente tem sido predominante na

formação sócio-espacial capitalista é o econômico, ou seja, a dinâmica

migratória está atrelada estruturalmente ao funcionamento do modo de

produção capitalista que para gerar mais valor exige o trabalho do ser humano

e o engendramento de um ordenamento espacial da força de trabalho, e, se

preciso for o seu reordenamento territorial.

Devemos compreender que esses movimentos são impulsionados,

sobretudo pelo capital, e que eles se constituem numa forma de ajustamento

da força de trabalho às necessidades do capital no processo de valorização

(OLIVEIRA, 2007). Nesse sentido, o movimento migratório, no Brasil, esteve e

está, ligado aos importantes ciclos econômicos (a exemplo da borracha, do

café, do período de consolidação do setor industrial, etc.), e inclusive com o

processo de modernização/mecanização da agricultura, que provocou uma

saída expressiva do homem do campo para os centros urbanos, quer

expropriado de suas terras, quer pela substituição de sua mão-de-obra pela

máquina.

Trazendo a discussão para os dias de hoje, o que nos é pertinente neste

momento é salientar que a Geografia da cana está mudando em nosso país e,

sobretudo está provocando mudanças decisivas na Geografia do trabalho.

Conforme Oliveira (2007), neste contexto em que o capital agroindustrial

canavieiro se desterritorializa (parcialmente), e se (re)territorializa em novos

locais, este mesmo processo também conduz à desterritorialização e à

(re)territorialização dos trabalhadores, ou seja, a mobilidade do trabalho está

acompanhando o movimento do próprio capital. Portanto, gostaríamos de

- 34 -

aventurar a hipótese de que a agroindústria canavieira, em mais uma de suas

fases de expansão, vem se valendo da intensa busca e exploração de força de

trabalho migrante para alcançar seus altos índices de lucratividade.

A concepção de desterritorialização tratada aqui, leva em consideração o

fato de que a força humana que trabalha vive uma constante mobilidade

territorial impulsionada e condicionada pela dinâmica autoexpansionista e

desterritorializante do capital, especialmente no contexto atual de

mundialização e de reestruturação produtiva do capital.

Assim sendo, é uma desterritorialização forçada pela necessidade que o

homem desprovido dos meios de produção, tem de vender para o capital a sua

mercadoria força de trabalho. Dependente do emprego, do salário e da

moradia, portanto de condições básicas para garantir a reprodução da vida e

da família, o trabalhador é levado “no extremo a desfazer-se de tudo que o

havia territorializado” (MOREIRA, 2008, p. 137), migrando para lugares muitas

vezes distantes onde deverá constituir novas relações sociais, novos laços

culturais e uma nova identidade estabelecendo, portanto, uma nova

territorialidade (OLIVEIRA, 2009).

Em geral, os cortadores de cana são migrantes de outras regiões do

país, contudo como afirma Oliveira (2007), há alguns anos atrás, a maior parte

da mão-de-obra migrante no corte de cana era advinda do Norte de Minas

Gerais (Vale do Jequitinhonha) e de alguns estados do Nordeste (Pernambuco,

Paraíba e Bahia), que se dirigiam basicamente para o estado de São Paulo.

Hoje, é possível notar um aumento no contingente de mão-de-obra migrante,

não só para São Paulo, mas para todos os estados do Centro-Sul, que estão

expandindo a produção canavieira, esse processo de expansão está atraindo,

inclusive trabalhadores de outros estados do Nordeste, como: Piauí e

Maranhão6.

Conforme Silva (2008), nos mostra, enquanto no Centro-Sul os canaviais

se alastram e as áreas de pastagem sofrem redução, só a título de exemplo,

15% no período de 1995 a 2006, na região Norte do país, há um enorme

avanço da pecuária na Amazônia Legal, o número de bovinos passou de 34,7

milhões para mais de 73 milhões no período de 1994 a 2006.

6 Outras pesquisas também destacam isso, a exemplo de Alves, 2007; Silva, 2008; Oliveira, 2009;

Thomaz Junior, 2009..

- 35 -

Podemos aventurar dizer, que esse processo tem sido responsável pela

conversão de camponeses em migrantes para o trabalho no corte de cana no

Sudeste e no Centro-Oeste ou ainda para o trabalho de devastação da

Amazônia na plantação de capim para o desenvolvimento da pecuária.

Podemos resumir esse processo, assim como faz Silva (2008, p.08)

”Geograficamente, pode-se dizer que há uma estrada com duas direções

opostas: enquanto os homens descem (do Norte e Nordeste para o Sudeste),

os capitais (bois sobem do Sudeste para o Norte)”, a (Figura 1) abaixo destaca

esse processo.

Figura 1- Dinâmica espacial da expansão da cana-de-açúcar para o Oeste do estado de São

Paulo e a nova face da Geografia do Trabalho

De modo categórico, podemos afirmar que o município de Gastão

Vidigal-SP, vem passando por profundos rearranjos territoriais, via de regra,

propiciados pela recente expansão canavieira, ou seja, encontra-se em

processo ativo de inserção no circuito do agronegócio. De acordo com as

informações obtidas em campo, no âmbito do trabalho migrante, o município

que apresenta 4193 habitantes, recebeu no ano de 2011, segundo estimativas

locais cerca de 1900 migrantes para o corte de cana, sendo constituída

- 36 -

basicamente essa força de trabalho por piauienses7.

O processo de pesquisa e as incursões a campo nos permitiram revelar

a territorialização desse fluxo migratório, ou melhor, entender de onde vem e o

quê procuram alcançar estes trabalhadores migrantes em solo paulista? Para

compreensão das contradições deste processo de migração para o capital

realizamos no município em apreço 56 entrevistas/conversas com diferentes

“cortadores de cana” migrantes ao longo de 2011 (anexo 1), através do contato

direto com a realidade migrante pudemos avançar no processo de pesquisa e

propormos algumas reflexões, a (tabela 3) abaixo tenta detalhar a

territorialidade do fluxo migratório que converge para o município de Gastão

Vidigal-SP.

Tabela 3- Territorialidade do Fluxo Migrante (Piauí- Gastão Vidigal-SP), 2011

Localidades N° de entrevistados

Percentual

Esperantina-PI 13 23%

Altos-PI 10 18%

Campo Maior-PI 7 12, 5%

Piracuruca-PI 7 12, 5%

José de Freitas-PI 6 11%

União-PI 5 9%

Teresina-PI 5 9%

Picos-PI 3 5%

Total 56 100%

Fonte: Dados Trabalho de Campo/Cardoso, 2011.

Em linhas gerais, os principais municípios fornecedores de força de

trabalho migrante para o capital canavieiro em Gastão Vidigal-SP são:

Esperantina-PI, Altos-PI, Campo Maior-PI, Piracuruca-PI, José de Freitas-PI,

União-PI, Teresina-PI, e Picos-PI, ou seja, predominam massivamente os

7 Dados colhidos junto ao STR do município.

- 37 -

migrantes oriundos do estado do Piauí, da porção Norte/Noroeste deste

estado, caracterizada por pequenas propriedades familiares destinadas a

atividade agrícola segundo o Plano de Reforma Agrária do Estado do Piauí-

2003. O (mapa 4) em seguida, expressa à localização espacial do presente

fluxo migrante em direção ao município, como observamos na tabela 3, o

município de Esperantina-PI é o maior contribuinte de força-de-trabalho, muito

embora outros seis municípios da porção Norte/Noroeste do estado também

ingressam à leva de trabalhadores migrantes em direção ao corte de cana,

apenas o município de Picos-PI situa-se fora desta região na porção leste.

Mapa 4- Espacialização do Fluxo de Trabalhadores Migrantes para o Corte de Cana-

(Piauí-Gastão Vidigal-SP), 2011

Fonte: Trabalho de Campo/ Cardoso, 2011.

- 38 -

Tudo bem sabemos de onde eles vêm, mas falta uma parte da

interrogação, ou seja, o por que de suas vindas? O que procuram obter?

É necessário de início, deixar claro que a migração, como afirma Alves

(2007), é um movimento determinado pela expulsão, isto é, os trabalhadores

migram quando as condições de reprodução nos seus locais de origem

encontram-se comprometidas. Portanto, as migrações em qualquer dimensão

escalar são via de regra um processo sócio-territorial determinado, sobretudo

pelos aspectos econômicos e políticos, essa afirmação ganha corpo quando

estudamos a mobilidade humana dentro do sistema sócio-metabólico do

capital.

Como destaca Singer (1979), em sua análise sobre as migrações, os

fatores que levam às migrações são de duas ordens: fatores de mudança, que

decorrem, num segundo momento, da expansão das relações capitalistas para

porções do território não consolidados nessa economia, gerando expropriação

de camponeses, posseiros, agregados, parceiros e outras formas de agricultura

familiar; e fatores de estagnação, segundo ele, resultante da incapacidade dos

produtores em economia de subsistência de aumentarem a produtividade da

terra.

Segundo Andrade (1981, p. 12), “as migrações estão associadas a um

desnível econômico entre pontos do espaço geográfico ou a existência de uma

área nova que se supõe oferecer maiores oportunidades econômicas”. A nosso

ver, a migração é tudo isso, e indo além, através de longas conversas com os

trabalhadores migrantes, detectamos núcleos comuns em suas falas sobre os

motivadores de sua partida:

“Venho para cá, porque o emprego é bom, não tem lá, além disso

tem gente que vem pra cá pra aventurar, construir um outra casa,

um negócio pra trabalhar lá” (migrante piauiense, 35 anos).

“Venho pra cá porque preciso de dinheiro pra sobreviver, venho

por necessidade, porque lá a situação tá difícil” (migrante

piauiense, 20 anos).

Como afirma Oliveira (2009), a despossessão dos meios de sobrevivência

instiga o trabalhador à mobilização e lhe impõe a condição de mercadoria, por não

- 39 -

restar-lhe alternativa a não ser colocar à venda no mercado capitalista a sua força

de trabalho. A mobilização é o processo que atribui ao trabalhador mobilidade,

sendo, pois, a mobilidade da força de trabalho um elemento indispensável para

a exploração capitalista. Nesse sentido, como o próprio migrante descreve em

sua fala, seu deslocamento espacial é motivado pela necessidade, pela busca

de continuar vivendo. Não se trata de um mero exercício de sua vontade, o

deslocamento espacial em questão não é um fluxo turístico, migração não tem

nada haver com liberdade, ou melhor, tem haver com sua perda. Quando

questionados sobre que atividades realizavam antes de migrarem, as pistas se

encaixam e assim podemos compreender o porquê de suas vindas.

“Antes eu mexia com roça, trabalhava na minha terra, plantava mandioca, milho e outros alimentos, então eu não precisava de muito dinheiro, só pra compra alguma coisa no mercado. Com o tempo, a terra foi ficando fraca, eu não tinha adubo, nada, nenhuma ajuda e nem dinheiro, o jeito foi vende minha terra, e deste então, vim trabalha aqui cortando cana” (migrante piauiense 29 anos). Eu era servente de pedreiro, aí o trabalho foi ficando pouco, ia uma dia, dois, ficava uma semana sem emprego, então decidi vim pra São Paulo tentar a vida” (migrante piauiense 21 anos).

Nestes termos, o que percebemos em relação aos depoimentos dos

trabalhadores migrantes é que grande parte deles tinham na terra, em

pequenas propriedades, a base de sustentação de suas vidas, e que ao serem

desterreados, desterritorializados de seus territórios o único caminho que lhes

sobram é o estipulado pelo sistema de metabolismo social do capital,

deslocarem-se pelo espaço e vender a sua força de trabalho como mercadoria.

A outra parcela restante de migrantes anteriormente já desenvolviam o trabalho

assalariado, entretanto, no mundo do trabalho atual marcado pelo

neoliberalismo, pela produção flexível, a instabilidade e o desemprego não são

apenas cíclicos, mas se tornam estruturais e assim sem emprego na região de

origem, vêem o corte de cana como uma saída para este problema.

Ou seja, em vias gerais, essas pessoas migram ou por falta de acesso à

terra, ou porque não conseguem arrumar emprego em seus locais de origem,

tendo família para cuidar e em tal situação o trabalhador acaba vendo a

migração como única alternativa de sobrevivência, sendo assim essa migração,

- 40 -

é portanto forçada, levada pela necessidade de sobrevivência.8

Mas, a situação não é difícil apenas para quem vai, mas igualmente para

quem fica. É o caso das mulheres e crianças, pois com a saída dos respectivos

maridos ou pais, são elas que vivem mais de perto o drama da escassez e da

fome, principalmente quando o migrante não consegue enviar um “dinheirinho”

para a casa. A expressão “viúvas de maridos vivos”, demonstra a forte ruptura

provocada pela migração no seio das famílias9. Do total de entrevistados

aproximadamente 95% vem para o corte de cana sem suas famílias, deixando

esposa e filhos no estado do Piauí, a este respeito seus depoimentos são

carregados de tristeza e saudade de seus entes queridos e da sua terra.

“Minha esposa e filhos ficou lá, não tinha como traze eles, a passagem é cara e a gente nunca sabe o que vai encontrar aqui, tenho saudade deles, mais tenho que ficar aqui e ganhar um pouco de dinheiro pra eles e eu sobreviver” (migrante piauiense 26 anos). “A família ficou, não tinha como trazer eles, nem sabia como ia ser aqui, todo mês mando um dinherinho pra mulher e pras crianças, tenho saudades, só no fim do ano vou poder vê eles, tenho saudade da minha terra, do povo de lá” (migrante piauiense 28 anos).

Nota-se, entre os migrantes um forte sentimento de pertencimento,

vínculos afetivos com o “lugar” de origem e o desejo de um retorno a este; o

lugar de origem é visto como bom para viver, entretanto as condições sociais

não o deixam lá10. Os trabalhadores migrantes evocam em suas falas o desejo

de retorno, o sentimento de saudade, mas, para estes próprios sujeitos não

existe retorno antes do término da safra, não existe a mínima alternativa da

volta sem dinheiro, a dor, o sofrimento são vividos e silenciados diariamente, há

que suportar o calvário, em seus pensamentos voltar sem nada é como se

atestassem que são fracos.

A chegada dos migrantes a Gastão Vidigal-SP, basicamente dá-se em

meados de março de cada ano, intensificando-se em abril e estes permanecem

até o término da safra, final de novembro. Na dinâmica deste processo de

8

Para mais informações Cf. GUANAIS, 2008, e ALVES, 2007.

9 Cf. Migrantes Temporários, 1991; Debate Migração e Cidadania, da Pastoral Migratória de

Guariba, 1997 .

10 Cf. Pereira, 2008.

- 41 -

trabalho sazonal, em fins de novembro, início de dezembro, dá-se o regresso

de uma parte importante da força de trabalho migrante as suas regiões de

origem, para reencontrar suas famílias, constatamos ainda ao longo da

pesquisa em conversas com os migrantes que nesses períodos são frequentes

o transitar de distintos ônibus fretados, que os transportam para as suas

cidades de origem. Com grande freqüência, no percurso da viagem esses

ônibus são saqueados por assaltantes já conhecedores da rota do fluxo

migratório, que levam o pouco que eles conseguiram guardar ao longo da safra

com muito sacrifício.

Já dissemos de onde eles vêm, para onde eles vão e por que vão, falta-

nos saber agora como os migrantes vem para o corte de cana em Gastão

Vidigal-SP como são arregimentados, trazidos?

Salvo engano, os trabalhadores migrantes são arregimentados e

trazidos ao município, através dos “gatos”. A sistemática transcorre da seguinte

forma: o “gato” residente no município, liga pessoalmente ou encarrega um

“subgato” na maioria das vezes um próprio migrante respeitado pelos outros

migrantes, para que este reúna o número de trabalhadores requisitado pelo

primeiro.

Em conversa com um “subgato migrante”, encontramos a

pormenorização deste processo de arregimentação precária da força de

trabalho para o corte de cana:

“Ligo prós meninos lá pró dia 05 de março e eles tão aqui no dia

08. Na minha turma só vai ter “peão bom”, de R$1000,00;

R$1200,00”. (sub-gato migrante piauiense, 35 anos).

Ainda sobre a arregimentação, destaca-se o fato de que é no momento

da partida para o corte de cana que se inicia a saga de superexploração

desses migrantes, pois para realizarem este deslocamento, só restam aos

migrantes se endividarem, como dizem os próprios migrantes:

“É preciso ter o dinheiro, lá na hora da partida, pra isso uns

vendem o que tem pra vir pra cá, vendem geladeira, televisão,

rádio, tudo que possa virar um “dinheirinho” que dê o custo da

- 42 -

passagem”. (migrante piauiense, 26 anos).

Soa quase como ironia, se não fosse a gravidade deste problema sócio-

territorial, pois o migrante além de ser superexplorado no processo de trabalho,

fora dele já no momento da partida tem de precarizar ainda mais sua condição

social, desfazer-se de seus bens adquiridos com o suor de seu rosto, para

comprarem a passagem que poderá levar-lhes à morte.

Sendo assim, a única certeza que todos os migrantes entrevistados têm

e que se configura como marca do discurso dos trabalhadores migrantes, é que

se condições sociais fossem outras e lhes permitissem a vida em suas regiões

de origem, nunca teriam ingressado na roda viva do processo migratório, pois

ninguém migra porque quer, ninguém deixa família, esposa, filhos, amigos, por

uma simples vontade, por um ato de “liberdade” qualquer, em outras palavras,

não se escolhe ser migrante, e sim, diante da lógica destrutiva do capital, o

trabalhador é forçado a ser.

“Se as coisas fosse diferente, tivesse pelos condição da gente vive, trata dos filhos lá no Piauí, nunca que eu teria vindo pra cá, ninguém deixa sua casa se não tiver precisando muito” (migrante piauiense, 23 anos).

A grande maioria da população, especialmente os setores condenados à

exclusão social, deixam sua terra e sua gente não por um ato livre, mas por

motivos de vida ou morte. Está em jogo a própria sobrevivência. Daí nossa

insistência em que ao direito de ir e vir corresponde o direito de “ficar”. Quantos

migrantes que hoje percorrem as estradas, se pudessem optar, decidiriam

permanecer no solo onde enterraram seus mortos! Migrar deve ser uma

decisão livre e não forçada pela sobrevivência (GONÇALVES, 2001).

Portanto, aos mais desavisados a migração, à vinda de nordestinos para

o corte de cana é vista inclusive por alguns estudiosos como um ato de

realização de sua liberdade, defendo neste trabalho idéia contrária, de que o

ato de migrar não significa e não implica em liberdade de fato do trabalhador, a

“liberdade” nestes termos é apenas um sonho; a realidade de fato é a migração

forçada para o capital.

Mas, uma angústia paira no ar, qual o sentido de liberdade alardeada

expressa na relação entre capital - trabalho? Até que ponto o trabalhador

- 43 -

migrante é realmente livre? Até que ponto a liberdade postulada pela ordem

capitalista remete-se de fato a uma liberdade do trabalhador? A indagação que

nos persegue e nos motiva: teria o migrante a liberdade de não migrar, de

recusar o contrato exploratório com as agroindústrias?

De antemão, o que é importante a ser enfatizado é a forma pela qual a

sociedade burguesa é encoberta pela ideologia da liberdade e da igualdade. A

Revolução Francesa foi o marco político e social por meio do qual estes

princípios foram disseminados. Assim foi sendo gestado, em nível de

representações, um conjunto de abstrações, de idéias invertidas sobre a nova

ordem social prestes a ser implantada. De acordo com Silva (2008), estes dois

princípios, na verdade, foram sendo erigidos desde o século XVIII pelos

iluministas, princípios estes que vislumbravam a construção de uma outra

sociedade, diferente daquela existente. O primeiro passo era a garantia de

homens livres para o trabalho, sem as marcas da escravidão e servidão; o

segundo, a garantia de uma igualdade para mascarar as profundas

desigualdades. A igualdade, como princípio, fundamentava-se na equalização

das mercadorias enquanto valores de troca. Como foi dito acima, estes

princípios instituíram direitos, que não foram dados de fato, mas seriam apenas

um ideal a perseguir.

Dessa forma, a liberdade pensada pelo viés capitalista seria alcançada

pelo tão propalado “desenvolvimento” econômico, expansão da economia de

mercado e do trabalho assalariado, como afirma Sen (2000, p. 21), “acontece

que a rejeição da liberdade de participar do mercado de trabalho é uma das

maneiras de manter a sujeição e o cativeiro do trabalho”. Nesta afirmação fica

claro o tipo de liberdade que o sistema do capital propõe, ou seja, a pseudo-

liberdade postulada pela ordem social do capital, garante apenas liberdade no

sentido da construção de um mercado de trabalho, assegura apenas a compra

e venda de força de trabalho, mecanismo fundamental para reprodução

ampliada do mais valor. Sendo assim, a liberdade capitalista resume-se ao

realizar da mais-valia. O ser social é dito “livre” enquanto apenas uma

mercadoria para venda de sua força de trabalho.

Para Prado Júnior (1986), a liberdade capitalista consiste no

estabelecimento e aceitação de acordos com outros indivíduos, é até aí que vai

a liberdade no regime burguês, entretanto, essa igualdade dos indivíduos na

- 44 -

liberdade de se acordarem entre em si é, contudo, uma igualdade jurídica, isto

é, uma liberdade de direito e não de fato. Pois, a realidade é que os indivíduos

são muito desiguais, e são particularmente naquilo que mais contribui na

fixação do limites e do alcance da sua ação, a saber, na sua posição dentro da

estrutura social, decorre daí que a liberdade de cada um variará muito, em

função da desigualdade real criada pelo capitalismo.

Nesse sentido, a liberdade burguesa não passa de ilusão, pois outorga ao indivíduo uma faculdade que as contingências da vida coletiva lhe subtraem logo em seguida. Ou subtraem, na maior parte dos casos, da maioria dos indivíduos. O indivíduo é “livre” de escolher e determinar sua ação, mas quando procura realizar e tornar efetiva essa sua escolha, verifica que as contingências da vida social determinadas pela “livre” escolha de outros indivíduos mais bem situados que ele, lhe vão afunilando a “ilimitada” liberdade inicial, e tolhendo sua ação até reduzi - lá a uma esfera mínima a que ele se verá inapelavelmente restringido e condenado (PRADO JÚNIOR, 1986, p. 59).

No sentido em que entendemos a liberdade, diante de alternativas (no

plural), de oportunidades para o ser social se realizar, de dar vazão às suas

potencialidades e fixar em função delas suas aspirações, logrando alcançá-las,

meios para escolher a forma almejada para levar seus projetos de vida pelos

trabalhadores, ou melhor, a liberdade enquanto supressão da alienação

encerrada pelo capital, defendo a idéia, de que a migração para o corte de

cana, não se trata de um ato de liberdade, pelo contrário. Porque,

concordamos com Basbaum (1967, p.113), quando este afirma que: “A

liberdade é a supressão da alienação; a supressão da alienação é a supressão

do sistema; a supressão do sistema é a supressão da propriedade privada,

fonte de todas as alienações”.

Não estamos defendendo a idéia de que vivemos em uma sociedade

escravista ou feudal, a formação social capitalista experimentou sim, um

processo de assalariamento, no qual a força humana que trabalha foi

destituída, desterritorializada dos seus meios de produção. Todavia, estamos

indicando à densa névoa ideológica confusamente percebida que cobre o

sentido de ser “livre” na sociedade capitalista. De antemão, sem nenhum

rodeio, podemos afirmar que a liberdade de fato na sociedade capitalista não

existe, trata-se apenas de uma noção falaciosa do ideário jurídico burguês. Por

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dentro do metabolismo social do capital a liberdade não tem vez, predominam

as relações sociais ancoradas na alienação.

Portanto, ao invés de uma decisão livre, o direito de migrar se converte

em obrigação compulsória pela sobrevivência: “ir e vir”, longe de ser um ato de

liberdade acaba sendo a revelação do desespero de quem se vê pressionado

pela necessidade de sobreviver. Pensando na situação dos verdadeiros heróis

desse imenso “mar-de-cana”, os trabalhadores rurais, sobretudo migrantes

podemos aventurar a hipótese de que estes se encontram em condições de

“não-liberdade”, ou seja, não se apresentam opções e escolhas para estes.

Assim, a pseudo-liberdade aventurada pelo capital, desconsidera por completo

o desenvolvimento da omnilateralidade humana, é uma “liberdade para o

capital”. E imerso neste movimento contraditório desta civilização da barbárie a

migração para o corte de cana em Gastão Vidigal, converte-se em uma

“migração para o capital”. Em outras palavras, não somos contra o direito de ir

e vir, e sim a favor do direito dos homens e mulheres de poderem vivenciar o

espaço, poderem escolher livremente o arranjo espacial onde querem se fixar,

e neste sentido, é imprescindível garantir também o “direito de ficar” em

condições dignas nos seus locais de origem.

- 46 -

CAPÍTULO III

A DEGRAÇÃO DO TRABALHOR NO CORTE DE CANA:

CONDIÇÕES DE TRABALHO E VIDA DOS MIGRANTES

Para melhor entendermos o universo complexo de precarização e

exploração do trabalho, a que estão submetidos os cortadores de cana-de-

açúcar é preciso que saibamos e compreendamos o processo de trabalho no

corte de cana de ponta a ponta, pois só assim poderemos captar os embates

que estão sendo travados no bojo da relação capital x trabalho. É somente

assim, que poderemos entender o por que morrem, adoecem e sofrem os

trabalhadores cortadores de cana?

Alves (2007), Silva (2007), Thomaz Junior (2007), fazem indicações

importantes a respeito das relações de trabalho nos canaviais, sendo cada qual

com seus direcionamentos específicos, centralização as atenções para a

intensificação dos mecanismos de exploração e a piora da qualidade de vida

dos trabalhadores.

A começar pelo processo de trabalho no corte de cana-de-açúcar,

notamos que este consiste em cortar toda a cana de um retângulo –

denominado pelos trabalhadores de eito e que está contido no talhão – que só

tem previamente definido sua largura, já que o comprimento depende da

capacidade de corte de cada trabalhador e, portanto, só será observado ao

final da jornada de trabalho, quando será medido pelo apontador (fiscal),

percebe-se que a intensidade do trabalho é predeterminada consoante a

potencialidade da força e destreza do trabalhador, mas que por sua vez, é

estabelecida pela empresa.

A largura do eito prevalecente no estado de São Paulo é de cinco ruas11,

o equivalente a 6 metros de distância entre as linhas da extremidade, tendo

como espaçamento entre uma linha e outra à distância de 1,5 m, sendo que o

corte se inicia pela linha central do eito (3ª linha), na qual será depositada a

cana-de-açúcar cortada de todo eito12. (Figura 2).

11 Porém, nem sempre essa largura foi assim, sendo, pois, essa configuração uma conquista dos trabalhadores durante a Greve de Guariba, em 1984. Mais detalhes ver: Revista Proposta, nº42, 1989; Thomaz Junior, 2002. 12

Importante notar que em cada metro de uma linha de cana, em São Paulo, em plantação de

- 47 -

Figura 2- Esquema do Corte de Cana

Fonte: Cardoso, 2011.

Depois de cortadas todas as canas do feixe na base, o trabalhador corta

a ponta, ou seja, à parte de cima da cana, onde estão as folhas. Em algumas

usinas os trabalhadores têm de cortar a ponta no ar, em outras é permitido o

corte no chão, na fileira central; em algumas a cana precisa ser apenas

esteirada na linha central, mas em outras é obrigatório que os trabalhadores

deixem a cana disposta em montes, que distam um metro do outro, as

chamadas “bandeiras”. Nesse sentido, podemos abstrair dos depoimentos dos

trabalhadores migrantes cortadores de cana, que estes não detêm as decisões

sobre o que fazer, onde trabalhar e como realizar a atividade, os requisitos

técnicos do corte que são exigências das agroindústrias, são apropriados pelos

trabalhadores, integrados ao seu modo de operar.

“É assim, a gente não decide de que jeito vai cortar a cana, tem que ser do jeito que a empresa pede, bem rente ao chão, não deixá nenhum toco alto, onde eu to tem que tirar a ponta, tem que ser ponta bem tiradinha e ainda no alto, para não suja muito a cana. Pra terminar a gente tem que fazer monte de 4 em 4 metros isso vai tempo e mais trabalho pra gente”. (migrante piauiense, 25 anos).

Concordamos assim com Iamamoto (2001), de que os cortadores de

cana não detêm o controle sobre o conteúdo de seu trabalho, visto que quando

começam trabalhar já são partes de um mecanismo global da produção que

lhes externo.

primeiro corte, há entre 9 e 18 pés de cana.

- 48 -

Dessa forma, o trabalho no corte da cana-de-açúcar não se limita

apenas ao exercício da atividade de cortar cana, ou seja, retirá-la (cortá-la) do

chão, usando um instrumento, o facão (ou podão). O trabalho no corte de cana

envolve um conjunto de outras atividades: a) limpeza da cana com eliminação

de sua ponta; b) transporte da cana até a linha central do eito e; c) arrumação

da cana, depositada na terceira linha, para carregamento mecânico. Sendo

assim, para os trabalhadores, a execução dessas tarefas adicionais não

significam correlatamente o ganho adicional, significam sim, dispêndio adicional

de energia e redução do tempo que poderia estar sendo utilizado para cortar

cana e obtenção de maior renda.

A vivência do trabalho no corte de cana tem sido presidida por uma

dupla característica: as longas jornadas de trabalho e a máxima intensificação

do trabalho, estimulada pelo pagamento à base de produção, isto é, da

quantidade diária de cana cortada, este duplo mecanismo, encontra-se na base

do sofrimento do trabalho. Estão presentes nas falas dos trabalhadores

migrantes o prolongamento da jornada de trabalho através da viagem até o

canavial não paga, e os riscos do transporte até o eito.

“Ah, eu levanto às 4h 30min da madrugada, faço comida, coloco água gelada na garrafa, arrumo a mochila e vô pro ponto junto com os outros esperar o ônibus. Lá pela 5h 30 min o ônibus passa, eu entro, e gasta mais e de uma hora de viagem para chegarmos no canavial, quando eu chego na roça já almoço um pouco antes pra dar força. Lá pelas 16h 30 min a gente vem embora, pega mais uma hora de viagem e chega em casa lá pelas 17h 30 min, já bem tarde. E essas duas horas que passamos na viagem, a gente não ganha nada”. (migrante piauiense, 28 anos).

“Os ônibus que levam a gente, são bem feinhos, são antigo e não tem segurança nenhuma, os bancos são duros e têm alguns quebrados, inclusive um tempo atrás o velocímetro estava quebrado, não marcava mais”. (migrante piauiense, 23 anos).

Conforme os relatos dos migrantes a jornada de trabalho, incluindo o

tempo de remoção para os canaviais e o tempo de preparo de suas comidas e

espera do transporte, atinge em média 11 horas. Isso faz com que o

trabalhador passe a relacionar a maior parte de seu tempo de vida, como um

tempo que não lhe pertence, dedicado ao trabalho para outrem e, o pior grande

parte deste tempo não lhe retorna em forma de salário, como o depoimento diz

- 49 -

as horas de viagem não estão sendo remuneradas. Podemos ainda interpretar

dos relatos o máximo de aproveitamento do tempo de trabalho dedicando

apenas alguns instantes para suas refeições, feitas durante o transporte ou ao

chegarem aos canaviais, mais que um hábito cultural, a rotina de almoçar mais

cedo expressa uma sabedoria, extraída da experiência na qual a refeição

fornece as energias necessárias para encararem este trabalho altamente

extenuante. Se não fosse o bastante, os trabalhadores ainda convivem com a

insegurança nos seus deslocamentos diários para os locais de trabalho, a frota

de ônibus que realiza o transporte destes trabalhadores encontra-se em

condições precárias de uso, para disfarçar os motoristas tentam efetuar uma

maquiagem dos seus veículos pintando suas fachadas, por fora a sensação é

agradável, por dentro a realidade é precária.

Assim, os trabalhadores com maior produtividade não são

necessariamente os que têm maior massa muscular, mas sim são os que têm

maior resistência física para suportar a intensividade desta atividade repetitiva

e exaustiva, realizada sob o sol, portanto, elevadas temperaturas – mesmo que

se concentre nas estações do outono e primavera – na presença de fuligem,

poeira e por um período que varia entre 8 a 11 horas de trabalho.

Nestes termos, as agroindústrias do setor canavieiro instaladas em

municípios vizinhos a Gastão Vidigal-SP, tendo em vista que o município em

análise não comporta nenhuma unidade instalada em seu território, vem se

valendo da busca de força de trabalho migrante. Pois, para o capital a

migração dos trabalhadores que vivem em condições precárias é fonte primária

de seus altos lucros e de poder e influência política através dos quais,

facilmente capta recursos públicos junto ao Estado. Em complemento podemos

dizer que, os trabalhadores migrantes são preferidos pelas empresas não

porque falta mão-de-obra local, mas, sobretudo por estes apresentarem mais

resistência física e maior “submissão” às condições impostas. Os

representantes de usinas já deixaram claro, que preferem contratar

trabalhadores de estados (e regiões de estados) do Nordeste, que são menos

politizados, entenda-se mais susceptíveis aos ditames do capital e, portanto,

menos ameaçadores do ponto de vista reivindicativo de direitos, do que os

trabalhadores locais.

O fato é que a maioria das empresas estão fazendo uso de mão-de-obra

- 50 -

migrante, sob a alegação de que falta mão-de-obra local nas frentes de

expansão. O que não passa de uma grande falácia propagada pelos

representantes do capital, tendo em vista que um dos principais problemas

enfrentados pelo município de Gastão Vidigal-SP é o desemprego de sua

população, convém destacar que além desses fatores, muitas empresas

preferem contratar trabalhadores migrantes por julgarem-nos mais produtivos e

menos reivindicativos do que os trabalhadores locais. Preferem migrantes

porque eles não reivindicam nada e trabalham calados. Desse modo, cabe

reforçar que os trabalhadores nordestinos são preferidos pelas usinas do

Centro-Sul, não porque falta mão-de-obra local, mas, sobretudo por estes

apresentarem mais resistência física.

O migrante se apresenta como um trabalhador extremamente produtivo

se comparado aos outros trabalhadores. Por conta de questões históricas-

culturais, econômicas, sociais ou mesmo religiosas – e uma trajetória de

experiências de trabalho ou de uma sociabilidade laborativa marcada por altos

níveis de precariedade, dificilmente recusam o “trabalho duro”.

“É preciso encarar o trabalho, não tem outra saída, por mais difícil que seja é a única coisa que tem pra fazer, ou a gente suporta e agüenta tudo, ou fracassa e deixa a família sem dinheiro, passando fome, necessidade” (migrante piauiense, 27 anos).

Não podemos desconsiderar dessa análise que dentro da divisão social

e sexual do trabalho colocada pela sociedade capitalista e reforçada pelo

ideário burguês/cristão (estrutura patriarcal), o homem tem um papel bem

definido como o pai-provedor e chefe da família. No cotidiano dos

trabalhadores o medo de falhar no cumprimento desse papel e das punições

advindas do meio social são objetividades decisivas para a construção de

formas de subjetividade ou mesmo auto-representação social, por isso há certa

rigidez no autodisciplinamento para suportar “mais trabalho” sob piores

condições. Por serem migrantes de regiões distantes e por serem resultado de

um processo de expulsão em suas regiões de origem não lhes é esperada

qualquer manifestação de desacordo diante das exigências requeridas pela

agroindústria canavieira.

Outra característica e exigência do trabalho no corte de cana é o caráter

- 51 -

de juventude da força de trabalho requerida, conforme pudemos constatar ao

longo das entrevistas com os trabalhadores migrantes a faixa etária situa-se

entre 18 e 35 anos, com uma idade média em torno de 26 anos. Há que se

destacar que entre os trabalhadores migrantes cortadores de cana, não se

encontrou durante a pesquisa nenhuma mulher e cada vez mais é menor o

número de mulheres locais no corte de cana. Hoje, a maioria das empresas

está restringindo a contratação feminina e parte delas direcionando a mão-de-

obra feminina para outras atividades que não o corte de cana. Nesse sentido,

Silva (2006) destaca que:

[...] elas são alijadas do corte da cana, sob o pretexto de não lograrem os níveis de produtividade exigidos. Aquelas que conseguem trabalho estão sendo relegadas às piores tarefas, como bituqueiras (que consistem em recolher as bitucas, ou seja, os pedaços de cana que não são recolhidos pelas máquinas após o corte), ou então como aplicadoras de veneno no controle das pragas da cana, (atividades denominadas descarte), ou ainda nos viveiros onde se preparam as gemas para plantação da cana, que igualmente demandam o manuseio de agrotóxicos [...] (SILVA, 2006, p. 64).

Mas, para entender completamente o processo de trabalho a que os

trabalhadores estão submetidos no corte, é necessário entender a forma de

pagamento, isto é entender o por quê o ritmo de trabalho é acelerado e

intensificado?

Este ritmo é acelerado e intensificado em decorrência de um elemento

externo ao processo de produção, que é o pagamento por produção. Esta

forma de pagamento age sobre o psíquico do trabalhador e o impele ao

aumento da produtividade do trabalho, ou seja, a sua intensificação. É assim

que, Iamamoto (2003), destaca que essa forma de pagamento estimula a

competição entre os trabalhadores e reforça o individualismo; pois “no eito é

cada um por si e deus por todos”, apesar da colheita só se realizar com o

trabalho de muitos trabalhadores, a atividade do corte é estimulada a ser vivida

de forma individual e solitária. E ainda, sob esse sistema e diante da

desmobilização dos trabalhadores e ineficiência das entidades sindicais, em

geral os trabalhadores só sabem quanto ganharam num determinado dia,

quando recebem o hollerit do mês, ou da quinzena, ou da semana. Sem contar

que só sabem quantos metros de cana cortaram num dia, mas não sabem, o

valor que será atribuído ao metro de cana naquele eito; pois a determinação

- 52 -

deste valor só será feita nas usinas através de uma conversão.

Nestas condições as unidades agroindustriais canavieiras pesam a cana

cortada pelos trabalhadores e atribuem o valor do metro linear através da

relação entre peso da cana, valor da cana e metros que foram cortados, tudo,

claro, sem a participação dos trabalhadores, possibilitando então as tão

recorrentes práticas de fraudes e roubos contra o trabalhador13. Durante as

entrevistas junto aos trabalhadores migrantes, todos afirmaram que preferem o

pagamento por produção para atingir um maior salário, só que entendem

também que poderiam ganhar muito mais se não fossem as falcatruas das

empresas para burlá-los no pagamento, vejamos a fala dos migrantes a

respeito deste assunto.

“Eu acho que existe roubo na hora da pesagem, porque nesse

momento não têm nenhum acompanhante dos trabalhadores pra

fiscalizar” (migrante piauiense, 22 anos).

O pagamento por produção no corte da cana-de-açúcar é algo terrível e

controverso. Nas entrevistas com os migrantes praticamente todos afirmaram

que preferem o pagamento por produção para atingir um maior salário, só que

entendem também que poderiam ganhar muito mais se não fossem lesados

pelas empresas no pagamento. Mas a forma salário torna invisível toda divisão

entre trabalho pago e não-pago, aparecendo como se todo o trabalho criado

fosse pago, o que leva o trabalhador a crer que o salário remunera a totalidade

do trabalho realizado, dependendo exclusivamente de seu empenho. O

fetichismo da forma salário é reforçado pelo pagamento por produção, em

outras palavras, o pagamento por produção hierarquiza e divide os

trabalhadores, ao modo que para conseguir fazer com que os trabalhadores

compitam com seus pares e consista no aumento da produção é necessário

introjetar nos trabalhadores os valores da ideologia burguesa, como o

individualismo, a meritocracia, crença na justiça, lealdade, honestidade, auto-

estima.

13 Devido às mobilizações dos trabalhadores e do Sindicato dos Empregados Rurais (SER) de Cosmópolis, tem vigência o sistema denominado de Quadra fechada, sob o qual os trabalhadores conseguem extender suas atenções ao conjunto das operações de trabalho no corte, carregamento e pesagem na balança da usina Ester,. Localizada também em Cosmópolis. A esse respeito ver o documentário “Quadra Fechada”, sob a direção de José Roberto Novaes, 2006.

- 53 -

A respeito do pagamento por produção, Adam Smith no século XVIII, e

Karl Marx no século XIX, já denunciavam essa forma de pagamento, como uma

das mais desumanas e perversas; é verdade que eles denunciavam este

trabalho, analisando esta forma em situações em que o trabalhador ao final do

dia tinham pleno conhecimento do valor que tinha ganho. Nesse momento,

enquanto o discurso do agronegócio se fortalece e o processo de

reestruturação produtiva se intensifica no país, a precarização do trabalho nos

canaviais atinge níveis impressionantes, não nos esquecendo de que se

consolida neste contexto o que Thomaz Junior (2002), constatou nos anos

1990, ou seja, os trabalhadores são forçados a seguirem os patamares de

produtividade imposto pela máquina colheitadeira.

As denúncias dos trabalhadores e diversas pesquisas de diferentes

áreas14 estão revelando ao conjunto da sociedade, a existência e a imposição

por parte do capital canavieiro, de altíssimas metas de corte manual a serem

cumpridas pelos trabalhadores, hoje existe nas usinas um sistema de “poda”.

Poda é o seguinte, se o trabalhador não consegue cortar um mínimo de 9,10

toneladas por dia, a usina corta, ou seja, poda aquele trabalhador antes de ele

completar dois meses de trabalho.

“Existe sim, uma meta que nóis tem que alcançar, no caso gira em torno de 10,11 toneladas, senão atingirmos, na próxima safra a usina não te aceita mais. Eu acredito que tiro em média 15 toneladas, mas tem peão bom mesmo que chega tirar até 20 toneladas por dia”. (migrante piauiense, 26 anos).

Cabe destacar também que em muitos casos, o não cumprimento

dessas metas se volta contra o próprio trabalhador, tornando-se um empecilho

para sua contratação na safra seguinte. A produtividade dos trabalhadores é

um poderoso instrumento de controle da força de trabalho nas mãos do capital

agroindustrial canavieiro, tanto no momento da contratação (quando inicia a

safra) como durante a safra (THOMAZ JUNIOR, 2009).

Sendo assim, a imposição de uma produtividade mínima pode ser vista

como uma espécie de coerção moral, consistindo numa das formas possíveis

da atual reinvenção da exploração do trabalho pelo agronegócio, o que

14 Cf. THOMAZ JR, 2007; ALVES, 2008; GUANAIS, 2008.

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Thomaz Junior (2002), denominou de padrão de corte no corte. O mesmo se

observa com a produtividade do trabalho, se na década de 1970 a

produtividade do trabalho era, em média, de 3 toneladas, na década de 1980 a

média de corte dos trabalhadores passa para 6 toneladas, na década de 1990

essa média sobe ainda mais, para 9 a 10 toneladas/ homem/ dia e atualmente

esta média está girando em torno de 12 toneladas. Portanto, a produtividade

média quadruplicou entre a década de 1960 e o início do século XXI.

Em meio a todo esse universo de dominação e controle, é objetivo do

capital que os trabalhadores incorporem sua lógica e a legitimem, fazendo dos

objetivos da empresa seus próprios objetivos. Assim, o capital canavieiro local

utiliza-se de certas estratégias para este fim, como é o caso das práticas ilegais

como o “prêmio da semana” ou “podão de ouro”, que consiste na premiação

por parte das usinas do trabalhador mais produtivo, o qual recebe um “brinde”

(desde celulares até motos).

“Eu ganhei no mês passado, um celular por ter sido um dos cortadores melhores da turma, isso é bom pra gente porque estimula a gente no trabalho, os meninos já tão pegando mais firme, tão querendo ganhar de mim”. (migrante piauiense, 21 anos).

A esse respeito Thomaz Junior (2002), destaca a estratégia utilizada

pelo capital para viabilizar a intensificação do ritmo de trabalho, o anúncio, no

início da safra, de “diversos prêmios” (carros, bicicletas, rádios, geladeiras e

outros eletrodomésticos), que cumprem o papel de “estimular” a saga da

superexploração do trabalho, a esse processo o autor, denomina-o de Bingo da

Morte, tendo em vista que o trabalhador poderá ser a próxima vítima desse

“sorteio” desleal, pois não mede esforços para alcançar a “premiação”. Ou seja,

pelo depoimento do trabalhador migrante acima, podemos afirmar que o capital

canavieiro vem conseguindo capturar e controlar a subjetividade dos

trabalhadores, inserindo em seus modos de pensar a lógica do capital,

legitimando a superexploração do trabalho à qual estão submetidos, essa

estratégia utilizada garante ao capital um ar de “bondade”, como que se

estivesse apoiando e prestigiando o trabalho.

Mas, além do aumento na produtividade do trabalho, houve em paralelo

brutal redução dos salários pago aos cortadores. Conforme os levantamentos

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de Alves (2007), na década de 1980, a partir do ciclo de greves iniciadas em

Guariba, em 1984, os trabalhadores conquistaram o piso salarial da categoria

de 2 salários mínimos e meio. O piso salarial de 2 salários mínimos e meio,

seria equivalente nos dias de hoje a R$ 1.362,50 (considerando o salário

mínimo de novembro de 2011). Porém, de acordo com os dados de Alves

(2008), o piso salarial da categoria em São Paulo gira em torno de R$ 460, 00,

o que significa que os salários praticados atualmente são 2,96 vezes menores

que os praticados na década de 1980. Em Gastão Vidigal-SP, a média de

salários dos trabalhadores migrantes, gira em torno de R$ 900 reais como

podemos constatar durante as entrevistas, ou seja, valor abaixo do piso

acordado, ainda em 1984. Portanto, fica absolutamente claro que houve, entre

as décadas de 1980 e os anos 2000, forte aperto salarial na categoria dos

cortadores de cana e em contrapartida forte aumento da produtividade do

trabalho nos canaviais.

Portanto, para o capital continuar seu ciclo reprodutivo nesse sistema

mundial em que a competitividade é a garantia para a sobrevivência das

empresas, é fundamental que ele utilize formas modernizadas de produção e, ao

mesmo tempo recorra às formas precarizadas e intensificadas de exploração do

trabalho. Como destaca Antunes:

Uma coisa é ter a necessidade imperiosa de reduzir a dimensão variável do capital e a conseqüente necessidade de expandir sua parte constante. Outra, muito diversa, é imaginar que eliminando o trabalho vivo o capital possa continuar se reproduzindo. (2001, p 120).

Podemos dizer que, embora o discurso freqüente dos empresários do

setor, bem como dos representantes do poder público, seja de que a expansão

da atividade canavieira trará benefícios para região como, por exemplo,

geração de empregos, valorização das terras e o aquecimento da economia

local/regional, levando, conseqüentemente, a um maior crescimento econômico

regional, faz-se necessário atentar para as circunstâncias em que esses

empregos serão gerados, quais as condições de trabalho para aqueles que já

estão empregados, bem como para aqueles que serão inseridos neste

processo.

No contexto atual de valorização do capital, que, ao se realizar revela a

- 56 -

face da barbárie a superexploração do trabalho se expressa com maior

intensidade no conjunto dos trabalhadores migrantes. Nesse cenário, o

Ministério Público do Trabalho tem detectado inúmeros casos de

irregularidades do ponto de vista dos contratos de trabalho e, especialmente,

das condições materiais de sobrevivência dos trabalhadores, que são

essenciais para revitalização da sua força de trabalho e um direito garantido

por lei.

Em Gastão Vidigal-SP, a situação não é diferente, em 2005 diligências

realizadas por fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) encontraram

mais de 100 trabalhadores rurais migrantes piauienses, vivendo em condições

subumanas em alojamentos do município. Em 2007, um grupo de

trabalhadores rurais aliciados no Piauí denunciou condições de trabalho e de

moradia incompatíveis com a NR-31, em duas fazendas de cana-de-açúcar do

ex-ministro da Agricultura Antonio Cabrera Mano Filho. A denúncia foi feita ao

Ministério do Trabalho e ao Ministério Público do Trabalho. Os trabalhadores

disseram que foram trazidos para trabalhar na fazenda São José, em Gastão

Vidigal-SP, onde 22 deles estavam morando em condições precárias em três

casas que estavam abandonadas. Eles alegavam que faltavam equipamentos

de trabalho para todos e que às vezes faltava água, inclusive para o consumo

individual.

No tocante as condições de vida dos trabalhadores migrantes no

município de Gastão Vidigal-SP, tem-se que a mobilidade do trabalho forçada

pela destituição dos meios de sobrevivência e influenciada pela dinâmica do

capital em seu processo de valorização conduz à desterritorialização e,

conseqüentemente a uma nova territorialização. Porém, como assertiva

Oliveira (2009), as condições em que essa nova territorialização se realiza são

tanto ou mais precárias do que as que resultaram na desterritorialização, haja

vista sob a reestruturação produtiva e mundialização do capital o trabalho estar

cada vez mais precarizado, fragmentado, multifacetado, levando a uma

reterritorialização precária.

No tocante as condições de moradia nos locais de reprodução, pudemos

ao longo da jornada de pesquisa visitar os casebres e barracões que servem

de abrigo para os trabalhadores migrantes, em linhas gerais no município estes

são alugados em nome do “gato” responsável por aquela turma, este fica ainda

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encarregado por disponibilizar e arranjar colchões, camas e um refrigerador,

quase sempre tudo usado, em contrapartida os migrantes se comprometem ao

bel prazer do gato, a comprarem alimentos e produtos diversos na loja, no

“mercado” do próprio “gato”, do “filho do gato” ou de quaisquer outros parentes.

Assim a relação de dominação e alienação destes trabalhadores se evidencia

numa escala assustadora, como podemos notar em seus dizeres:

“Eu compro no mercado ali da esquina desde que cheguei, nunca fui em outro local comprar, não sei se em outro é mais barato, a gente compra lá porque foi o mercado que o gato indicou quando chegamos”. (migrantes piauienses, 28 anos).

Significa dizer que essa estratégia é adotada para quando as

irregularidades relacionadas ao agenciamento, contratação e manutenção da

mão-de-obra em condições precárias forem descobertas, de sorte que as

empresas agroindustriais canavieiras fiquem isentas de qualquer culpa.

Quando isso ocorre, acaba sendo descoberto também que quem reforma os

alojamentos, coloca os trabalhadores em pensões ou casas alugadas pagando

tudo são as unidades processadoras. É fácil responsabilizar terceiros,

especialmente quando se trata do “gato”, porque este vive se escondendo da

fiscalização, haja vista sua ação ser considerada crime, no artigo 207 do

Código Penal Brasileiro, que dispõe: “Aliciar trabalhadores, com fim de levá-los

de uma para outra localidade do território nacional. Pena – detenção de 01

(um) a 03 (três) anos, e multa”. (OLIVEIRA, 2009).

Os trabalhadores migrantes expropriados de suas terras ou privados de

condições básicas de subsistência junto de suas famílias, ao migrarem são

transformados em sujeitos, cuja condição humana lhes é negada. Existem

alojamentos que não têm instalações adequadas para os trabalhadores

dormirem, guardarem seus pertences, se alimentarem ou terem algum tipo de

lazer, quando não estão trabalhando. Ainda, sobre as condições de moradia

dos migrantes, especialmente as casas são na maioria dos casos pequenas,

contendo 2 ou 3 quartos, onde se amontoam precariamente até 6 pessoas por

cômodo. A miséria, é um fator marcante estampado no semblante das “casas

dos de fora”, apesar de toda a exploração exercida pelo capital, leia-se

agronegócio canavieiro no ambiente de trabalho, nos próprios espaços de

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reprodução e regeneração da vida, a exploração do capital sobre o trabalho

continua sendo uma constante na vida do migrante, condenando-o a uma vida

tão sub-humana mesmo fora dos espaços de trabalho, as fotos a seguir

traduzem um pouco o drama do cotidiano destes sujeitos.

Foto 1- Condições de Moradia Migrante em Gastão Vidigal-SP

Fonte: Trabalho de Campo/Cardoso 2011.

A maioria das casas que visitamos, além de fisicamente expressarem

aspecto descuidado e/ou de degradação, apresentava irregularidades tais

como trabalhadores sem cama e dormindo em colchões rasgados no chão,

alimentos (da cesta básica) amontoados no chão junto com os colchões,

roupas, falta de higiene no ambiente, cozinhas e paredes sujas; roupas

esparramadas por toda parte, fogões e botijões de gás em estado precário de

uso ao lado da cama ou colchão de dormir oferecendo risco aos trabalhadores;

panelas sujas e potes de alimentos espalhados pelo chão vide (Foto 1).

Assim, como indica Silva e Menezes (2000), o alojamento é o

prolongamento daquilo que se observa no eito dos canaviais. Amontoados em

quartos escuros, mal ventilados, sujos, esse homens sentem o peso de serem

mercadoria barata num mundo em que os direitos apenas existem no papel

(Foto 2).

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Foto 2- Precariedade das condições de vida migrante em Gastão Vidigal-SP

Fonte: Trabalho de Campo/ Cardoso, 2011.

A constatação desses fatos contribui para corroborar a tese de que o

capital se alimenta de formas modernas de produção e gestão do processo

produtivo e de trabalho, porém mantém as formas precarizadas de trabalho,

muitas vezes mascaradas pelo discurso da adoção de práticas

economicamente viáveis, ambientalmente corretas e socialmente justas.

Indo além, ao longo das pesquisas constatamos que o fato de estarem

distantes das famílias e isolados das práticas sociais desenvolvidas pelo

conjunto da população das cidades onde ficam alojados, esses trabalhadores

não tem opção de lazer nos dias de folga e, sobretudo nos finais de semana,

restando-lhes duas opções: os que gostam vão tomar bebida alcoólica no bar

(ou levam para tomar em casa) e os demais apenas assistem televisão. Essa

declaração foi dada por vários trabalhadores migrantes entrevistados. Em

alguns desses alojamentos flagramos várias garrafas vazias que evidenciam o

consumo de bebida alcoólica. Apesar dos trabalhadores não se intimidarem em

confirmar que vários de seus colegas fazem uso de bebida alcoólica, fizeram

questão de ressaltar que isso ocorre geralmente nos finais de semana.

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Faz-se importante, porém enfatizar que quando fazemos referência ao

uso de bebida alcoólica por esses trabalhadores não temos a pretensão de

denegrir a imagem dos mesmos, mas ressaltar que isto é mais um

desdobramento da condição social, da desterritorialização que esses

trabalhadores sofrem e da situação precária de vida para onde migram.

Assim, distantes da família, isolados da comunidade local, sob pressão no trabalho e controle das empresas contratantes e sem opção de lazer, esses trabalhadores ficam vulneráveis e encontram na bebida alcoólica uma forma de “descarregar” suas insatisfações (OLIVEIRA, 2009, p. 439).

Vê-se, pois, que de um modo geral a precariedade prevalece, tanto nas

condições de trabalho como de vida, o capital submete e controla tanto os

espaços de trabalho, como de regeneração e reprodução da força de trabalho.

Como tivemos a oportunidade de conferir em campo, são diversos os casos em

que os trabalhadores migrantes vivem praticamente amontoados em pequenos

espaços, em condições de higiene extremamente precárias. Com isso

entramos em outro ponto crucial para análise da categoria trabalho, o de que

uma vida cheia de sentido fora do trabalho supõe uma vida cheia de sentido

dentro do trabalho. Não sendo possível compatibilizar trabalho assalariado e

alienado com tempo verdadeiramente livre, ou mesmo com a liberdade de fato.

Pois, uma vida desprovida de sentido no trabalho é incompatível com uma vida

cheia de sentido fora do trabalho. Portanto, analisando as condições de

trabalho e vida dos trabalhadores migrantes inseridos no corte de cana,

podemos afirmar que, sob a lógica do capital, o trabalhador não se satisfaz no

trabalho, mas se degrada, não se reconhece, mas se nega.

O trabalhador só se sente, por conseguinte e em primeiro lugar, junto a si (quando) fora do trabalho fora de si (quando) no trabalho. Está em casa quando não trabalha e, quando trabalha, não está em casa. O seu trabalho não é, portanto, voluntário, mas forçado, trabalho obrigatório. O trabalho não é, por isso, a satisfação de uma carência, mas somente um meio para satisfazer necessidades fora dele (MARX, 2004 apud ANTUNES, 2005, p. 83).

Afinal, diante desse processo de alienação do trabalho promovido pelo

capital, o trabalhador migrante sente-se livre apenas em situações típicas da

animalidade (comer, beber, procriar), em suas funções humanas sente-se como

um animal, excluído da sociedade.

- 61 -

CAPÍTULO IV

MIGRAÇÃO E (DES)PERTENCIMENTO DE CLASSE DO

TRABALHO

Para desenvolvermos esse capítulo, é preciso antes que tenhamos

minimamente noção do debate estabelecido entre aqueles que pregam o fim do

trabalho e outros como nós que defendemos a manutenção da centralidade do

trabalho, com metamorfose e complexificação da classe trabalhadora nos dias

atuais. Para iniciarmos essa conversa, podemos indicar que Kurz talvez seja

um dos mais entusiastas da tese do fim do trabalho, na qual expõe não haver

sujeitos aptos a conduzir a emancipação da sociedade. Isto é, a tese da crise

da sociedade do trabalho, ao negar a centralidade política do trabalho, não

vislumbra nenhuma possibilidade emancipatória, a não ser a conduzida pelas

ações organizadas da não-classe-de-não-trabalhadores, aos moldes da

formulação original de Gorz, ou dos movimentos sociais que se inscrevem para

além dos marcos do trabalho. Ou seja, se algo tiver que ocorrer para abalar e

romper com o metabolismo do capital, não se dará nas trincheiras do trabalho.

Gostaríamos de defender idéia contrária, a do primado de centralidade

do trabalho no limiar do século XXI, evidentemente, não significa que sua

morfologia não tenha se alterado profundamente, na sociedade

contemporânea. Trata-se, é claro, de apreender essas alterações, entretanto, é

preciso que não percamos de vista, entre outras coisas, que o abandono da

centralidade do trabalho para a explicação da sociedade contemporânea

implica igualmente o abandono da teoria do valor-trabalho.

Como Thomaz Junior (2009), afirma:

Podemos dizer que apostar na infertilidade da não centralidade do trabalho, ainda que dois terços da humanidade vivam o flagelo da precarização, da marginalização/exclusão e de todas as formas de subordinação/dominação/expropriação/sujeição, do desemprego, é o mesmo que não conseguir ir além do visível, ou apostar na incapacidade de apreender as contradições objetivas e subjetivas da estrutura social vigente. (p.112).

Seguindo as sinalizações de Thomaz Junior (2009), em algumas

circunstâncias, o debate sobre a própria centralidade do trabalho assume a

- 62 -

identificação redutora do trabalho com o operariado (assalariado) e, por

conseguinte, a confusão trabalho-emprego, tal como enraíza toda a formulação

de Gorz, quando, de fato, não é o trabalho que acabou ou está acabando, mas

o emprego que está moribundo. Ou, então, o capital que está utilizando força

de trabalho de forma diferenciada, pois, se no passado “prevalecia a forma de

assalariamento direto, hoje é possível observar que, por meio da terceirização,

se incentiva o trabalho por conta própria e o empreendedorismo”.

Na mesma linha do descentramento da categoria trabalho, temos o

ideário de Habermas ou sua teoria da ação comunicativa, apenas sinalizando

que a dualidade entre sistema (razão instrumental) e mundo da vida (espaço

intersubjetivo, esfera da liberdade) é a base do entendimento do autor de que o

trabalho vai sendo deslocado progressivamente pela ciência e pela técnica,

secundarizando e esvaziando o argumento marxiano do valor-trabalho, já que a

ciência passa a ser a principal força produtiva.

Entretanto, não é nada disso que se passa com o trabalho nos dias

atuais, seguindo as pistas de Antunes (2005) e Thomaz Junior (2009),

avaliamos ser essencial considerar o trabalho em suas dimensões,

particularmente quando tratamos da crise da sociedade do trabalho. Ou seja,

esse assunto requer que explicitemos de que dimensão se trata: se é uma crise

do trabalho abstrato ou do trabalho, na sua dimensão concreta, enquanto

elemento estruturante do intercâmbio social entre os homens e a natureza. A

crise do trabalho está, por conseguinte, ligada à crise do trabalho abstrato, ou à

forma de ser do trabalho sob o reino das mercadorias e que assume um caráter

estranhado sob a vigência do capitalismo.

Diante disso, concordamos com a ponderação de Thomaz Junior (2009),

a qual seria um equívoco propor o fim do trabalho ou a perda de sua

centralidade, enquanto perdurar a sociedade capitalista.

Há, assim, uma dialética do trabalho (negatividade/positividade) que, se ignorada ou negligenciada, redimensiona radicalmente o debate em torno de sua centralidade e, consequentemente, de sua potência emancipadora. Por suposto, seria impossível imaginar a eliminação do trabalho ou, até em certo limite, da classe trabalhadora, enquanto vigorarem os elementos constitutivos da estrutura societária do capital. Por meio da perspectiva marxiana, recolocamos essa questão nos seguintes termos: a superação do trabalho abstrato e, em seu lugar, a vigência do trabalho concreto, vinculado à produção de valores de uso ou de bens para a satisfação das necessidades, sendo

- 63 -

que o produto disso possibilitaria o tempo livre, a materialização de uma vida cheia de sentido e a emancipação humana. (p. 118).

A escala das polêmicas que essa questão contém, no âmbito marxista,

ultrapassa nossos objetivos, neste texto, todavia é importante apontar os

argumentos e os contra-argumentos, sem que nossa intenção escape do

reconhecimento da limitação explicativa – à qual também nos filiamos –, do

desejo de discutir um possível alargamento do conceito de trabalho e de classe

trabalhadora, para a realidade do século XXI e o desejo emancipatório e

revolucionário.

Qual seria a conformação atual da classe trabalhadora, ao menos em

seu desenho mais genérico?

Sem sombra de dúvidas, a classe trabalhadora atual, apresenta uma

nova morfologia, sua conformação é ainda mais fragmentada, mais

heterogênea e mais complexificada do que aquela que predominou nos anos

de apogeu do taylorismo e do fordismo.

A esse respeito uma primeira demarcação de discordância pode ser

observada através da posição defendida por Lessa (2007), pois, em várias

passagens do texto “Trabalho e proletariado no capitalismo contemporâneo”,

expressa sua fidelidade às formulações originais de Marx, particularmente ao

Livro I e, nesse caso, argumenta que “a origem de toda riqueza que circula na

sociedade é o trabalho, mais exatamente, o trabalho proletário [...], é o único

que produz um novo quantum do conteúdo material da riqueza social, que será

acrescido ao montante do capital social global, portanto, a única classe que

exerce a função social de converter a natureza em meios de produção e de

subsistência”. Em resumo, o autor está respaldando sua compreensão no fato

de que a classe trabalhadora é composta somente pelo proletariado.

O cumprimento à rigidez das formulações marxianas eleva a defesa das

contradições objetivas de classe entre o proletariado e os demais assalariados.

Lessa (2007), vai mais longe, quando argumenta que a circunstância de os

assalariados não proletários viverem da riqueza que a burguesia expropria dos

proletários os estimula a manter a defesa e a manutenção do capitalismo, pois

“atuam predominantemente como força auxiliar na reprodução do capital”,

particularmente com o apego à propriedade privada, fato historicamente

registrado sempre que esta foi objeto de ameaça pela luta de classe. Para o

- 64 -

autor, “os assalariados não-proletários possuem, portanto, identidades e

contradições tanto com a burguesia como com o proletariado. Sua função

social, de um modo geral, é auxiliar na reprodução das relações sociais

burguesas” (LESSA, 2007, p.180).

Thomaz Junior (2009, p. 124), rebate essa argumentação ponderando que:

Cabem duas lembranças da história. Em primeiro lugar, se os exemplos que comprovam essa afirmativa ocorrem, assim como abundam aqueles que a negam, por que o autor não os considera, particularmente levando em conta a realidade atual, nos diversos cantos do planeta? A essa pergunta não nos cabe responder, todavia ponderamos que as definições a priori, que tanto nos têm atormentado, mais uma vez comparecem – e também pela via de avaliações apressadas, mutila-se o próprio conteúdo dinâmico da dialética marxista, ao desconhecer a negatividade e a positividade do trabalho. Em segundo lugar, a limitação do conceito de classe trabalhadora à identidade do trabalhador manual, assalariado, produtor de mais-valia, ou ainda o entendimento mais amplo que reconhece o conjunto dos assalariados (produtivos e improdutivos) não contemplam contingentes cada vez mais expressivos de homens e de mulheres que não se enquadram nessas premissas, situando-se na franja da exclusão suprema, ou seja, os sem emprego, sem trabalho, sem profissão, sem casa, sem terra.

Ou seja, a dificuldade em aceitar qualquer argumento que indica a

limitação explicativa obstrui o debate, de sorte que essa miopia intelectual

menospreza o necessário repensar da realidade objetiva e as mudanças que

impõem novas contradições e redefinem os significados ontológicos dos

sujeitos sociais e, consequentemente, os embates de classe. O que está em

relevo é a necessidade inequívoca de repensarmos, por dentro da dinâmica

territorial do trabalho, quais são as condições em que o conflito de classe se

expressa, na sociedade, retrato, necessariamente, dos conflitos e da realidade

da centralidade do trabalho, no século XXI.

Neste estudo estamos procurando entender o trabalho nas suas

múltiplas formas de externalização/precarização, e as metamorfoses que

recaem sobre seu universo atingem em cheio a dinâmica espacial do ser

migrante que trabalha, redimensionando a configuração geográfica da

territorialização, da desterritorialização e da reterritorialização, além das

diferentes formas de expressão (material e/ou subjetiva), com implicações

profundas na heterogeneização, na complexificação e na hierarquização da

classe trabalhadora. Se de fato, no âmbito teórico à questão da classe

- 65 -

trabalhadora é um dilema profundo, observá-la na prática, na realidade

objetiva, é mais complexa e confusa ainda.

Voltando para a questão que nos move, qual a identidade de classe do

ser migrante que trabalha nos canaviais de Gastão Vidigal-SP? Se como

afirmamos acima, estes se encontram em condições de “não liberdade” e

controlados pelo processo de “alienação do trabalho”, quais as identidades que

estes sujeitos postulam, que constroem ao longo do seu errante ir e vir

contínuo?

Como afirma Oliveira (2009), os trabalhadores migrantes imersos nessa

confusão ou transe territorial sob os fetiches e alienações, mediadas pelo

metabolismo social do capital, expressam formas identitárias distanciadas do

seu pertencimento de classe, encimadas nas nomenclaturas categoriais

correlatas à divisão técnica do trabalho.

Percebemos através do depoimento dos migrantes que a construção da

identidade de classe do trabalho, para o ser migrante que trabalha no corte de

cana, é fragmentada, não há a consciência de uma unidade de classe, os

sujeitos se reconhecem e vinculam-se mediante a profissão que desenvolvem,

nestes termos, há uma confusão entre emprego e trabalho.

“Bom eu me reconheço desde que sou gente, como cortador de cana. E, sobretudo cortador de cana de “fora”, como a gente é apelidado pelos daqui”. (migrante piauiense, 26 anos).

No trecho transcrito acima, podemos identificar que a identidade de

classe é completamente esvaziada, o sujeito se reconhece pela atividade que

desempenha, mas não para por aí, à questão sócio-territorial na ordem de

regência do metabolismo do capital, também se apresenta como um empecilho

a mais para unidade da luta. Ou seja, como o próprio ser migrante define-se,

“cortador de cana de fora”, essa é sua identidade, os vínculos de construção de

uma pauta comum de reivindicações pelos trabalhadores nessa condição são

praticamente esfacelados.

Mas, o despertencimento de classe não se efetiva apenas para o ser

migrante este também, se consubstancia no ideário do trabalhador local. Como

o dito deste morador local “Eu vejo que sou um cortador de cana, mas não um

migrante”. Neste caso, novamente tem-se a confusão entre emprego e

- 66 -

trabalho, e apenas o reconhecimento identitário com aquilo que se faz, mas o

elemento novo nessa equação, reside no fato de que o “trabalhador local”,

apresenta uma certa aversão, pavor e de forma enfática repele e ratifica que

não é um trabalhador migrante, como se ser migrante fosse algo vergonhoso.

Portanto, como podemos destacar e concluir, o sentimento de

pertencimento de classe ainda está longe de ser visualizado no município de

Gastão Vidigal-SP, as mediações estabelecidas pelo aval do capital não

permitem a construção da unidade da luta, não permite que os sujeitos,

reconheçam no outro a identidade de classe do trabalho, o outro é visto apenas

como o outro, nada de familiar, é visto apenas como um ser estranho com qual

durante um certo tempo dividiremos o mesmo território.

Uma indagação se impõe no seio do movimento migratório para Gastão

Vidigal-SP, como os diferentes sujeitos hierarquizados mediante a estrutura

alienante da lógica do capital se vêem? Quais os elementos que configuram a

relação dos moradores locais e trabalhadores migrantes? Como a população

local vê o processo de migração?

A grosso modo, se destaca a percepção alienada de que a migração

representa um vetor de efeitos negativos sobre a infra-estrutura municipal,

sua principal alegação é que o serviço de saúde não suporta o inchaço

provocado pela migração de 1900 migrantes para um município de apenas

aproximadamente 4193 habitantes, vejamos abaixo.

“É ruim, por causa do Posto de Saúde, porque quando você vai consultar, tá cheio de gente, de “piauiense” e não tem, nem como consultar. E sem contar, que os remédios faltam sempre”. (moradora local, 39 anos). “Somente é bom para quem é comerciante, quem tem mercado, para ganhar dinheiro encima deles, só para eles é bom. E outra coisa, se o preço sobe pra explorar eles, também sobe pra gente daqui também”. (moradora local, 23 anos).

Assim, os moradores locais jogam a culpa dos problemas sócio-

territoriais em infra-estrutura nos trabalhadores migrantes, como se estes

fossem os culpados e responsáveis por tal situação e não quem os trouxe,

dessa forma, vê-se, pois, que nesse contexto, a demanda aumenta também

por serviços de saúde pública como hospitais e postos de saúde, já que a

maior parte dos trabalhadores depende desses serviços, uma vez que não

dispõem de planos de saúde nem de condições financeiras para atendimento

- 67 -

em instituições privadas. Como geralmente não há grandes (ou nenhum)

investimentos públicos nesse sentido, os impactos acabam recaindo também

sobre a população local. Assim, o atendimento nessas instituições públicas,

que normalmente já é precário, com falta de médicos, longas filas, insuficiência

de leitos e de medicamentos, tende a se agravar.

Com base em depoimento de alguns representantes do poder público

municipal, é possível afirmar que a perspectiva de desenvolvimento, criada

com a construção de empresas agroindustriais canavieiras é vista como

positiva para os municípios, especialmente no tocante a geração de emprego e

a arrecadação de impostos. Os entrevistados destacaram que é interessante

que a unidade processadora se instale no município, pois aumenta a

arrecadação de impostos e permite que o poder público invista em melhorias

infra-estruturais e de serviços. Ao mesmo tempo em que não é interessante a

empresa se instalar em outro município e demandar os serviços de outro, pois

enquanto o primeiro arrecada impostos ligados diretamente à unidade

processadora, o segundo absorve, sem contrapartida, os impactos decorrentes

do contingente populacional recebido, como demanda por moradias, serviços

de saúde, segurança e até educação.

Como vemos, uma parcela considerável da população local vê a

migração de trabalhadores migrantes como um “entrave” para o município,

como um efeito negativo que acaba afetando os “locais”. A própria linguagem

utilizada demonstra o desprazer de se relacionar com o diferente, em quadro

geral, toda territorialidade dos migrantes é homogeneizada, e na visão de uma

parcela local se transformam nos simples “piauienses”, se referindo para

qualquer migrante que for. Ou seja, o fato de as pessoas do lugar identificar os

migrantes, de maneira generalizada e banal pelas definições toponímicas da

origem desses trabalhadores, além de representar, o preconceito quanto às

características físicas e étnico/raciais desses grupos que são facilmente

identificados pelos locais, representa também certo saudosismo (ou um

regionalismo ufanista) de uma pretensa superioridade da região Sudeste sobre

o Nordeste. Portanto, mesmo que todos os seres sociais estejam a mercê do

poder aterrador do capital, uma parcela destes imbuídos neste processo de

alienação não reconhecem nem mesmo o ser humano, no outro.

Mas, e o sindicato de trabalhadores rurais local o que faz? Este cumpre

- 68 -

com seu papel historicamente construído? É fato que a exploração do trabalho

migrante em Gastão Vidigal-SP, não é realizada somente à revelia dos

sindicatos como também em muitos casos com o próprio consentimento deste,

pois as metamorfoses no mundo do trabalho levaram ao surgimento de um

novo modelo de sindicato, assimilado e cooptado pelas empresas o que faz de

sua ação um neocoorporativismo com o viés de preservar os interesses dos

trabalhadores estáveis, vinculados ao sindicato (contribuintes) em detrimento

dos trabalhadores migrantes, de fora, “passageiros”, temporários ou volantes.

A alienação do trabalho encimado nos sindicatos também se expressa

com uma ação desagregadora da unidade de ação do mundo do trabalho,

restringindo sua atuação a vinculação trabalhador-território, ou seja,

“representam” uma específica categoria com identidade coorporativa de uma

específica base territorial, delimitada pelo Estado. Como mostra Thomaz Junior

(2002, p. 230):

Enquanto o capital se espalha pelo território, materializado em forma de área ocupada com cana-de-açúcar e de empresas sucro-alcooleiras, ultrapassando/subvertendo os limites territoriais impostos pelo Estado (a fronteira do município), o trabalho, (já na forma de identidade corporativa, portanto como sindicato), tem sua abrangência territorial delimitada pelas fronteiras municipais.

Deste modo, a abrangência da atuação posta para o trabalho enquanto

entidade corporativa, é delimitada territorialmente pelas fronteiras do município,

contrapondo-se ao espalhamento territorial do capital, que se materializa nas

áreas de plantação de cana-de-açúcar e nas empresas sucroalcooleiras.

Apesar de estar inscrito nas mesmas regras legais que os trabalhadores em

relação às entidades representativas, o capital unifica-se em torno de uma

única entidade. Além disso, ao se tornar hegemônico sobre o processo

produtivo, exerce sua própria gestão, reconhecendo-se não nos limites dos

municípios, e sim na materialização da produção. Essa estrutura sindical

corporativa, de um modo geral, entrava a participação coletiva dos

trabalhadores, inibindo a luta por melhores condições de trabalho, e “fragmenta

a ação sindical, restringindo-se às categorias representadas pelo sindicato, não

ampliando essas lutas mesmo quando a demanda é ampliada pelos

trabalhadores, como no caso das campanhas salariais,[...]”. (CARVALHAL,

2000, p.100).

- 69 -

Nesse particular, cabe ressaltar que a gestão fragmentária das diversas

categorias de trabalhadores e suas entidades de representação, tem sua

origem no verticalismo confederativo do modelo sindical estruturado no Brasil,

pautado no ordenamento sindicato-federação-confederação. Na agroindústria

canavieira, de modo particular, essa fragmentação se expressa nos

trabalhadores rurais (cortadores de cana), nos trabalhadores ligados ao

processo fabril (químico e alimentício) e nos trabalhadores do setor de

transportes das empresas (condutores, motoristas, tratoristas, etc.), assim

sendo, o trabalho fraciona-se no âmbito categorial diminuindo, pois a unidade e

capacidade de luta.

Neste particular, se estabelecem as clivagens territoriais do trabalho,

esse é o ponto alto da alienação do trabalho, pois ao passo que o capital

subverte as barreiras e fronteiras para territorializar-se os sindicatos são cada

vez mais fragmentados e subsumidos territorialmente aos seus interesses.

Dessa forma a ordenação territorial da prática sindical se expressa na

fragmentação dos trabalhadores entre locais e os de fora, ao representar

somente os trabalhadores permanentes (contribuintes) em detrimento dos

trabalhadores migrantes, sazonais e temporários os sindicatos se distanciam

de sua identidade coletiva de classe como trabalhadores e assumem a

identidade parcelaria e segmentada como cortador de cana, trabalhadores fixos

ou permanentes e temporários, os do local e os de fora, migrantes e não-

migrantes, etc.

Sendo assim, concordamos com Thomaz Junior (2009), sobre a

necessidade de se pensar a imbricação dessas lutas para um caminhar no

sentido da superação do mediatismo, da atomização, isto é, uma luta contra-

hegemônica, anti-capitalista e para tanto unificada organicamente, ou seja,

capaz de ultrapassar as fronteiras da divisão técnica e territorial do trabalho,

além dos limites do urbano e do rural. Em outras palavras, o desafio que se

coloca é da “subversão” do quadro de fracionamento corporativo até então

imposto pelo capital e legitimado pelo Estado. Uma subversão que poderia se

manifestar, via unificação orgânica dos sindicatos, ou seja, a formação de uma

entidade sindical que priorizasse o enraizamento de toda atividade produtiva e

que abrangesse o conjunto dos trabalhadores ligados a cadeia produtiva, que

hoje se encontram fracionados em diversas categorias.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Tudo que é [só]lido se desmancha no ar”

Como fim, um início, pensando na situação dos verdadeiros heróis

desse imenso “mar-de-verde” que se territorializa em Gastão Vidigal-SP, os

trabalhadores rurais, sobretudo migrantes, defendemos a idéia de que estes se

encontram em condições de “não-liberdade”, de que o ato de migrar não

implica em um livre deslocamento pelo espaço, uma livre vontade do

trabalhador de migrar e, sim, que a migração no sistema capitalista configura-

se como um deslocamento espacial forçado.

Porque, sob reinado das mediações de segunda ordem do capital, o ser

migrante tem o seu “território da consciência” estranhado e alienado,

convertendo-se num território para utilização do outro, no caso o agronegócio.

É mediante este processo que se apresenta como conversão e apropriação de

territórios que o agronegócio se vale, para fazer do trabalho migrante a base

para os seus extremados ganhos. O capital no século XXI, não se sacia

apenas com a extração da mais-valia, ele requer mais, e este plus é obtido pelo

processo que detectamos no seio da migração para o corte de cana no

município de Gastão Vidigal-SP, através da extrema precarização das relações

de trabalho que são legitimadas pelo suporte coercitivo da instauração do

“território da alienação”. Pois, conforme os relatos dos trabalhadores migrantes,

estes vivem e sentem o castigo do trabalho, percebem a exploração através da

esfera da distribuição da riqueza, que dá concretude à pobreza, entretanto, não

identificam suas razões sociais, relacionadas à forma capitalista.

Diferente do que alguns estudiosos pensam, o processo de migração de

trabalhadores, não significa uma mero reequilíbrio demográfico entre os

territórios, é preciso ir além do visível, e entender que por trás deste

deslocamento forçado existem homens e mulheres que arriscam suas vidas

para não morrerem de fome. Portanto, diante da investida ideológica do

agronegócio que se coloca como a salvação da lavoura e caminho para o

desenvolvimento, é necessário que se atente para as condições estruturais do

sistema do capital que geram o drama da migração.

A primeira delas é a concentração da terra, da riqueza e do poder. Os

estudiosos da sociedade brasileira não se cansam de sublinhar o tripé em que

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se assenta a economia do Brasil, desde os tempos coloniais: latifúndio,

monocultura de exportação e trabalho escravo. Ao longo da história, a

concentração só fez aumentar, engendrando uma elite que acumula uma

enorme fatia da renda nacional, e tem se revelado extremamente retrógrada e

avessa a qualquer transformação. Evidente que este estado de coisas está na

raiz de muitos movimentos migratórios. Nesse sentido, a terra é uma questão

viva para a migração, uma questão central, neste caso, torna-se decisivo o

combate a todo tipo de migração forçada. Isto nos leva à luta pela terra!

Nestes termos, concordamos com Oliveira (1986), de que a luta pela

terra não pode se restringir apenas e especificamente, à luta pelo direito do

acesso à terra; deve, isto sim, ser a luta contra quem está por trás da

propriedade capitalista da terra, ou seja, o capital.

Apoiar os movimentos no campo e os esforços pela Reforma Agrária e

por uma efetiva política agrícola é, sem dúvida, uma forma de evitar a saída

compulsória de milhares de famílias. A fixação do homem na terra, com

condições reais de vida e trabalho, é uma forma de diminuir o movimento

maciço de migrantes. Sem esquecer, jamais, a liberdade de ir e vir, pois nem a

fixação, nem a migração podem ser forçadas.

E, por fim, a segunda, diz respeito à precarização do mundo do trabalho,

pois, no Brasil, como de resto em todo o mundo, o capitalismo revela hoje uma

enorme contradição: ao mesmo tempo que desenvolve a tecnologia mais

avançada, ressuscita formas de trabalho execradas e prescritas ao lixo da

história. É o caso, para citar alguns exemplos, do trabalho escravo, do trabalho

infantil, do trabalho domiciliar, do trabalho feminino com remuneração inferior,

do trabalho temporário, do trabalho por tarefa, do free lancer. Termos como

flexibilização e terceirização são janelas para entender esse processo que vem

precarizando as relações de trabalho, diminuindo os empregos estáveis e

multiplicando-se os “bicos”, e nesta situação, uma vez mais, o trabalhador vê-

se obrigado a um vaivém compulsório.

Isso porque, como indica Antunes (2005), sob o sistema de metabolismo

social do capital, o trabalho que estrutura o capital desestrutura o ser social. É

por isso, que torna-se mais que imprescindível enfatizar a idéia sobre a

incorrigibilidade/irreformabilidade/incontrolabilidade do capital. Quer dizer,

sendo o capital uma estrutura de controle totalizadora das mais poderosas,

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dentro da qual tudo, incluindo os seres humanos, deve se enquadrar, provar

sua viabilidade produtiva, sob pena de extinção. Isso nos faz pensar que a

incapacidade do capital elevar-se acima da perspectiva de curto prazo, a

competição/competitividade destrutiva reavivada entre os capitais, enfatiza

tratar-se de uma força controladora, e não há como controlá-lo. Apenas a

possibilidade de se livrar dele por meio da transformação de todo o complexo

de relações metabólicas da sociedade poderia exterminá-lo.

Neste termos, soa categoricamente as pistas fornecidas por Mészáros

(2003), no sentido de que, é absolutamente inconcebível superar qualquer uma

dessas contradições, muito menos esta rede inextrincavelmente combinada,

sem instituir uma alternativa radical ao modo de controle do metabolismo social

do capital. Dessa forma, é possível mudança radical, não estamos falando de

reformas, porque como sabemos o sistema de metabolismo do capital é

incorrigível, incontrolável, não há como se tornar menos mal o capital, por que

desde sua raiz, de alto a baixo, por toda sua estrutura ele já nasce sagrando e

se valendo do expediente da exploração do homem pelo homem.

Portanto, apesar da heterogeneização, complexificação e fragmentação

da classe trabalhadora, as possibilidades de uma efetiva emancipação humana

das amarras do capital, ainda podem encontrar concretude e viabilidade social

a partir das revoltas e rebeliões que se originam centralmente (e não

exclusivamente) no mundo do trabalho, um processo de emancipação

simultaneamente do trabalho, no trabalho, e pelo trabalho, sempre lembrando

que essa formulação não exclui nem suprime outras formas importantes de

rebeldia e contestação. Isso nos obriga hoje, mais do que nunca, a subverter

radicalmente a lógica destrutiva do capital que atualmente preside a

humanidade, levando-a aos níveis mais profundos de desumanidade. E que

somente a humanidade pode transformar!

Retornado ao objeto de nossa pesquisa, é possível indicar que enquanto

o setor canavieiro permanecer sobre a regência do capital, permanecerá a

dicotomia interna no qual, de um lado utiliza-se o que há de mais moderno,

mas mantém-se de outro relações de trabalho extremamente arcaicas,

bárbaras, no sentido de regressão do ser social em plena “modernidade”.

Somente o impressionante crescimento da produtividade do trabalho terá um

destino humanista se for socializada, compartilhada por todos.

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Pois, o que se verifica, é que o agronegócio canavieiro, essa expressão

clara e atual, do estágio latente de barbárie em que vivemos, em combinação

com uma conjuntura que exalta os pressupostos neoliberais, têm-se

caracterizado por um forte caráter destrutivo, acarretando entre tantos aspectos

nefastos, uma enorme precarização do trabalho e uma degradação crescente

na relação metabólica entre homem e natureza. Tal combinação sendo

conduzida por uma lógica societal que é movida pelos interesses do capital, se

volta prioritariamente para produção de mercadorias para o mercado externo, à

custa da destruição de formas de vida camponesas, deslocamento forçado,

morte de trabalhadores, e do “meio ambiente” local. Assim, de um “sonho de

liberdade”, a realidade que se impõe de fato, é a migração para o capital, leia-

se, agronegócio canavieiro, ou seja, o sonho vira pesadelo!

Nesse ponto, é preciso que deixemos claro nosso posicionamento

contrário ao empreendimento do sistema do capital e sua lógica destrutiva e

que mais do que nunca apontam para a destruição da raça humana, assim

considerando esta grave crise estrutural do sistema do capital, hoje a inflexível

alternativa é o “socialismo ou a barbárie”, como sinalizado por Mészáros

(2007). Diante deste “dilema histórico”, torna-se imperativo e um desafio

histórico inevitável, a construção e elaboração coletiva de uma outra ordem

sóciometabolica alternativa que erradique a lógica de produção destrutiva e

auto-expansiva e que se estruture segundo o paradigma básico da igualdade

substantiva entre os seres humanos e a satisfação da totalidade de suas

necessidades.

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ANEXOS

Anexo 1- Roteiro de entrevista com os trabalhadores migrantes

Idade?

Cidade de onde vieram?

Por que vieram, quais os motivos que os levaram a deixar suas famílias?

Qual a situação/ problema que vocês enfrentavam lá?

Como vocês foram trazidos, arregimentados para Gastão Vidigal-SP?

Quem pagou a viagem? Como foi o processo de seleção para a escolha

daqueles que viriam para cá?

Quantos dias de viagem? Quanto vocês gastaram ao longo de todo

trajeto?

Como é a rotina de um cortador de cana? Como se dá o transporte até

os canaviais? Qual a sistemática? Que horas retornam para casa?

Vocês recebem por esse tempo na estrada?

Como vocês descreveriam o trabalho no corte de cana? Qual a principal

dificuldade no eito?

Em média quantas pessoas moram por casa, alojamento? Qual o estado

de conservação e higiene do imóvel?

Existe uma certa média de cana por dia que vocês tem que cortar? Qual

este valor? E o que acontece com aqueles que não atingem essa

média?

Em média qual o salário por mês de um cortador de cana? Quantas

toneladas estes cortam durante um dia?

Se fosse pudesse ficar na sua região de origem em condições dignas,

você ficaria lá?

Como você se identifica, se reconhece?

Em sua opinião existe um certo “racha” entre moradores locais e o

pessoal de fora, ou não?

O sindicato local ajudou vocês em alguma coisa, qual a relação de vocês

com o sindicato?

Vocês pretendem retornar para sua terra natal, ou ficar de vez por aqui?

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Anexo 2- Roteiro de entrevista com moradores e cortadores de cana locais

Idade?

Quais os prós e contras da expansão canavieira para os moradores

locais?

Em sua opinião, como você vê a vinda de trabalhadores de fora para o

corte de cana aqui em Gastão Vidigal-SP?

Como você resumiria o processo de trabalho no corte de cana? Quais as

principais dificuldades no eito?

Você já se feriu ou passou mal durante ou logo após o trabalho?

Comente:

Você acha que p tipo de pagamento por produção é justo? Não existem

fraudes?

Qual o seu salário em média?

Como você se reconhece?

Como se dá relação entre os de fora e os daqui? Comente:

Anexo 3- Roteiro de entrevista com representantes do poder público local

Quanto tempo o senhor está no cargo?

Qual a principal cultura agrícola desenvolvida no município?

O que o senhor poderia falar sobre a expansão canavieira no município?

Como o senhor avalia a expansão e instalar de agroindústrias

canavieiras no município? Aponte as vantagens e desvantagens?

Em relação à migração, a vinda de trabalhadores de outros estados para

o corte de cana como o senhor avalia este processo?

Em relação ao meio ambiente, como o senhor avalia essa expansão

assustadora da cana?