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A educao em cincias no Brasil1 Simon Schwartzman e Micheline Christophe2 1. Objetivo do estudo .......................................................................................................... 4 2. O projeto da Academia Brasileira de Cincias .................................................... 6 3. A educao em cincias hoje no Brasil................................................................... 9 A expanso da produo acadmica ....................................................................... 9 Os baixos nveis de educao em cincia: os resultados do PISA............ 11 4. As experincias internacionais............................................................................... 16 5. Questes conceituais: alfabetizao cientfica e mtodos de ensino ..... 20 Requisitos para projetos efetivos de educao em cincias...................... 20 Alfabetizao cientfica (science literacy). ........................................................ 21 A questo do construtivismo................................................................................... 23 Os contedos .................................................................................................................. 29 Os professores ............................................................................................................... 31 1 Preparado por solicitao da Academia Brasileira de Cincias. Os autores agradecem os

participantes dos diversos programas de educao em cincias que prestaram informaes e compartilharam suas experincias e idias sobre o tema. Os autores so os nicos responsveis pelas interpretaes e recomendaes apresentadas neste documento. Verso de 30 de outubro de 2009. 2 Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, Rio de Janeiro. Email: [email protected]

e [email protected]

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6. A educao em cincias no Brasil.......................................................................... 34 Primrdios ...................................................................................................................... 34 As expectativas da educao em cincias no ensino bsico: os parmetros curriculares .......................................................................................................... 35 A educao em cincias como campo de estudo e de pesquisa................ 37 7. Os projetos brasileiros de educao em cincias ........................................... 39 ABC na Educao Cientfica Mo na Massa: aspectos gerais ..................... 39 Estao Cincia da Universidade de So Paulo. ................................................... 44 Plo do Centro de Divulgao Cientfica e Cultural da Universidade de So Paulo em So Carlos........................................................................................................................ 51 Plo Rio de Janeiro, Fundao Oswaldo Cruz ....................................................... 56 Centro de Referencia do Professor, Universidade Federal de Viosa ........ 58 Outros desdobramentos do projeto ABC na Educao Cientfica ................ 62 Ribeiro Preto ...................................................................................................... 62 Jaragu do Sul....................................................................................................... 62 Juiz de Fora............................................................................................................ 64 Uberlndia ............................................................................................................. 66 Vale do So Francisco ....................................................................................... 66 Ilhus........................................................................................................................ 69 Salvador, Bahia .................................................................................................... 70 Campina Grande, Paraba................................................................................ 72 Outras experincias........................................................................................... 73 2

Outros projetos e programas de ensino de cincias no Brasil.................. 73 Espao Cincia Pernambuco ..................................................................................... 73 Centros de Educao Cientfica Escola Alfredo J. Monteverde (Natal e Macaba) .............................................................................................................................................. 78 O Grupo Sangari................................................................................................................. 83 Instituto Sangari.................................................................................................. 84 Sangari Brasil ....................................................................................................... 86 O programa CTC! no Distrito Federal ........................................................ 90 Rede Nacional de Educao e Cincia: interao de universidades e escolas pblicas - Instituto de Bioqumica Mdica/UFRJ............................................... 92 Programa de Educao Integrada - Fundao Romi......................................... 96 8. Concluses e recomendaes................................................................................100 9. O papel da Academia Brasileira de Cincias na Educao em Cincias no Brasil ...................................................................................................................................................109 Referncias.........................................................................................................................112

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1. Objetivo do estudo A Academia Brasileira de Cincias vem, desde 2001, estimulando uma srie de atividades de educao em cincias no Brasil, a partir de um convnio de colaborao assinado com a Academia de Cincias da Frana, que j vinha desenvolvendo um programa denominado La Main La Pte, traduzido ao portugus como Mo na Massa. Estas atividades fazem parte de um esforo mais amplo, por parte da Academia, de estimular a educao em cincias no Brasil em todos os seus aspectos, dentro de sua misso geral de promover a qualidade cientfica e o avano da Cincia brasileira. O objetivo deste documento apresentar um balano sumrio do realizado at aqui, tanto pela Academia quanto por outros projetos de educao em cincias que existem no pas, luz da literatura internacional especializada e de visitas, consultas, contatos e observao do trabalho dos principais projetos de educao infantil de cincias no pas, e fazer sugestes e recomendaes em relao continuidade, reviso, expanso e outras iniciativas que a Academia possa tomar nesta rea. O termo educao em cincias pode significar muitas coisas, desde a difuso de conhecimentos gerais sobre a cincia e a tecnologia como fenmenos sociais e econmicos at a formao nos contedos especficos de determinadas disciplinas, passando pelo que se costuma denominar de atitude ou mtodo cientfico de uma maneira geral; e desde a educao inicial at a educao superior de alto nvel. Alguns autores buscam diferenciar, em ingls, science education de scientific education, reservando o primeiro termo para a formao geral sobre cincias e o segundo para a formao nas cincias especficas3. Assim como o objetivo principal da educao fsica nas escolas no formar atletas campees, e sim difundir os valores da atividade em equipe e de mens sana in corpore sano para todas as pessoas, o objetivo principal da educao em cincias Um outro uso do termo scientific education o da educao cujos mtodos e procedimentos so fundamentados em pesquisas cientficas que testam a validade e eficcias das diferentes abordagens pedaggicas (evidence-based education), seja no ensino de cincias, seja no ensino de lngua, matemtica e outras disciplinas. 3

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nas escolas no a formao de cientistas e pesquisadores, mas a difuso das atitudes e valores associados postura indagativa e crtica prpria das cincias. No entanto, importante tambm identificar e formar talentos, tanto em uma atividade quando na outra, e neste sentido a experincia brasileira de formao de pesquisadores e cientistas de alto nvel no das melhores, embora tenha aparentemente progredido bastante. O Brasil no tem uma tradio importante e consistente de educao em cincias, mas tem tido muitas experincias parciais neste sentido, que datam pelo menos da dcada de 50 (Crestana et al. 1998). Elas incluem a criao de museus e centros de cincia, projetos e programas de ensino para as diversas disciplinas cientficas, programas presenciais e distncia de formao de professores, programas extra-curriculares de iniciao cientfica e programas de educao em cincias em escolas. Estes projetos e atividades procuram atuar na formao de professores, na preparao de materiais didticos, assim como trabalhar diretamente com os estudantes dos nveis iniciais ou mdios. A Academia Brasileira de Cincias tem estimulado o projeto Mo na Massa, inspirado no La Main la Pte francs, que procura trabalhar em parceria com universidades e secretarias de educao. Outras instituies, como o o Instituto de Bioqumica Mdica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o Grupo Sangari, a Escola Alfredo J. Monteverde associada ao Instituto Internacional de Neurocincias de Natal Edmond e Lily Safra em Natal e a Fundao Romi em Santa Brbara dOeste, tm desenvolvido trabalhos de educao em cincias em vrias partes do pas, e vrios museus e centros de cincia, como a Estao Cincia da USP, o Espao Cincia de Pernambuco, o Museu de Cincias e Tecnologia da PUC/RGS, o Museu de Astronomia e Cincias Afins e o Museu da Vida no Rio de Janeiro tm tido atuao significativa. Esta lista no completa, e serve somente como exemplificao.

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2. O projeto da Academia Brasileira de Cincias Os objetivos atuais do projeto de educao em cincias da Academia Brasileiras de Cincias, enumerados em seu Site na Internet4, cobrem as principais destas funes, algumas mais clssicas, outras mais recentes e mesmo tentativas, conforme indicado e comentado abaixo. 1 Melhoria do ensino de cincias nas escolas brasileiras nos nveis Bsico e Mdio e Educao Infantil, atravs de conhecimentos construdos por meio da investigao cientfica. o aspecto mais tradicional, e nem por isto menos importante, do ensino de cincias, que se d sobretudo no ensino mdio e nos ltimos anos do ensino fundamental, assim como nas escolas tcnicas, e tem por objetivo fazer com que alunos adquiram as informaes, entendam e sejam capazes de operar os principais conceitos e tcnicas das diferentes disciplinas. A referncia aos conhecimentos construdos se refere orientao pedaggica prpria do projeto Mo na Massa, o construtivismo, discutido mais adiante. 2 - Fomento da cultura cientfica atravs da integrao das cincias s culturas locais e regionais onde os princpios universais so enfocados levando em conta o saber regional. Este objetivo de natureza totalmente distinta, e aberto a discusses. Do ponto de vista pedaggico, faz todo o sentido despertar o interesse e a curiosidade pela cincia a partir das experincias concretas das crianas, mas esta experincia, no mundo globalizado das comunicaes de massa e da Internet, no necessariamente local e regional. Mais amplamente, este objetivo supe que seja possvel compatibilizar a cultura cientfica, altamente complexa, codificada e internacionalizada, com culturas locais e regionais, que tendem a ser baseadas em conhecimentos e vises de mundo tradicionais e no formalizadas. Na verdade, uma parte importante da educao em cincias consiste, precisamente, no trabalho de mudana de conceitos, ou seja, em fazer com que as pessoas abandonem os conceitos tradicionais e de sentido comum que absorvem de sua cultura local, e sejam capazes de adquirir novas maneiras de entender e interpretar o mundo, a partir das contribuies 4 http://www.abc.org.br/article.php3?id_article=37 acessado em 19/06/2009.

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advindas do conhecimento cientfico de natureza mais universal (Bearison 1986; Scott, Hasoko e Leach 2007). Esta separao e falta de comunicao entre a cultura cientfica e as culturas locais e regionais causa de problemas e dificuldades que merecem ateno, mas no encontram solues simples (Jenkins 1999). 3 - Promoo do estmulo reflexo, formulao de questes, ao debate de idias e ao desenvolvimento da capacidade de argumentao. Este um objetivo muito amplo, objeto da educao como um todo. No que se refere especificamente educao em cincias, este objetivo tem a ver com a idia da reflexividade e da postura crtica, ou seja, de que os cientistas, assim como os demais cidados, no devem tomar os resultados das pesquisas e os produtos das tecnologias como dados, mas ser capazes de entend-los como possveis respostas a perguntas e questionamentos de realidades em constante mudana e transformao. Este o tema geral da sociologia e antropologia das cincias, e, de forma mais geral, do campo de estudos e pesquisas em Cincia, Tecnologia e Sociedade (Berger e Luckmann 1966; Gibbons et al. 1994; Knorr-Cetina e Mulkay 1983; Latour e Woolgar 1986; McGinn 1991) 4. Promoo do contato direto entre professores das redes de ensino, cientistas e especialistas em didtica das cincias. Esta uma das principais contribuies das Academias na questo da educao em cincias, ao aproximar os cientistas dos especialistas em educao, e envolver a ambos com as questes e problemas associados ao funcionamento de grandes redes escolares, e especialmente s escolas pblicas. Exemplos so os diferentes projetos da Division of Behavioral and Social Sciences and Education da National Academy of Sciences dos Estados Unidos5, assim como as prioridades da Royal Society britnica por elevar os padres de educao de cincias6 e as atividades educativas da Acadmie de Sciences da Frana, que inclui o projeto La Main la Pte. No Brasil, a Academia Brasileira de Cincias criou recentemente trs 5 Ver por exemplo http://www8.nationalacademies.org/cp/ReportView.aspx?key=Unit ,

as atividades da Royal Society na Inglaterra 6 Raising standards in science education,

http://royalsociety.org/publication.asp?id=5639

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grupos de trabalho que elaboraram documentos significativos sobre educao superior, educao fundamental e educao infantil (Academia Brasileira de Cincias 2004; Academia Brasileira de Cincias 2007; Academia Brasileira de Cincias 2009). Esta aproximao tem todas as vantagens e eventuais problemas e dificuldades do trabalho interdisciplinar e aplicado, quando se renem participantes que vm de diferentes formaes e vises de mundo. Independentemente do mtodo adotado, a educao em cincias deve ser parte fundamental da educao geral por pelo menos trs razes principais. A primeira a necessidade de comear a formar, desde cedo, aqueles que sero os futuros pesquisadores e cientistas, cujas vocaes geralmente se estabelecem desde muito cedo. A segunda fazer com que todos os cidados de uma sociedade moderna, independentemente de suas ocupaes e interesses, entendam as implicaes mais gerais, positivas e problemticas, daquilo que hoje se denomina sociedade do conhecimento, e que impacta a vida de todas as pessoas e pases. Terceiro, fazer com que todas as pessoas adquiram os mtodos e atitudes tpicas das cincias modernas, caracterizadas pela curiosidade intelectual, dvida metdica, observao dos fatos e busca de relaes causais, que, desde Descartes, so reconhecidas como fazendo parte do desenvolvimento do esprito crtico e autonomia intelectual dos cidados. A nfase deste documento a educao em cincias que ocorre nas escolas nos anos iniciais da educao formal, mais do que as atividades de divulgao cientfica realizadas em museus de cincia e projetos especiais ou a educao em cincias especficas das diversas disciplinas, que ocorre sobretudo a partir do segundo ciclo da educao fundamental e no ensino mdio. Tambm no estaremos considerando aqui as questes relativas educao tcnica e profissional, que tende a ocorrer sobretudo a partir do ensino mdio, quando existe, e objeto de ateno separada (Schwartzman e Christophe 2005). Interessa-nos examinar em que medida os estudantes que passam por um processo de iniciao ao uso da lngua e da matemtica tambm passam ou deveriam passar por um processo de iniciao cincia, ou seja, em que medida adquirem o que em ingls tem sido chamado de scientific literacy (que poderia ser traduzido como alfabetizao em cincias); e, a partir do entendimento 8

desta questo, examinar os diversos programas e projetos de educao em cincias que existem hoje no Brasil.

3. A educao em cincias hoje no Brasil Nos ltimos anos, a produo cientfica acadmica no Brasil tem aumentado significativamente, mas esta expanso tem ficado limitada a um nmero restrito de instituies e no reflete uma melhoria dos nveis de educao em cincias da populao, como indicado abaixo. Alm disto, o uso efetivo deste potencial crescente de conhecimento cientfico e tcnico tem sido menor do que seria desejvel (Schwartzman 2008).

A expanso da produo acadmica O Brasil vem expandindo continuamente o nmero de pessoas com doutorado, e o nmero de publicaes cientficas em peridicos indexados internacionalmente tambm vem crescendo bastante (Quadro 1 e Quadro 2). Ainda que muito significativas se comparadas com o que ocorre em outros pases da regio, estas atividades de pesquisa e formao de ps-graduao so pequenas em relao ao tamanho do pas: o nmero de pesquisadores por habitantes no Brasil extremamente baixo, se comparado com o dos pases desenvolvidos, e inferior tambm ao de pases como o Chile e a China (Quadro 3).

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Quadro 1

Quadro 2 - Fonte: CAPES

Quadro 3 - Fonte: Instituto de Estatsticas da UNESCO

Alm disto, as atividades de pesquisa esto concentradas em um nmero pequeno de instituies. Dos quase 76 mil artigos de autores de endereo brasileiro listados no ISI Web of Knowledge para 2005-2009, 21.6% so da Universidade de So Paulo e 8.2% da Universidade de Campinas; as primeiras 10 instituies, todas elas universidades federais ou estaduais do Estado de So Paulo, concentram 61% das referncias. Isto contrasta com o fato de que hoje, no Brasil, cerca de 75% dos estudantes de nvel superior esto em instituies privadas, poucas das quais possuem programas de formao de doutorado e 10

produzem pesquisa de padro internacional. Apesar de que ainda se postule, no Brasil, que o ensino superior e a pesquisa so indissociveis, a realidade que existem grandes diferenas entre os professores e pesquisadores de diferentes tipos de universidades e institutos de pesquisa no pas. Na grande maioria das instituies de ensino superior, os professores quase no se dedicam pesquisa, ou o fazem de forma muito incipiente, e no proporcionam educao nem prtica de pesquisa cientfica a seus alunos (Quadro 4).

Quadro 4 Fonte: Pesquisa sobre Profisso Acadmica no Brasil, 2007

Os baixos nveis de educao em cincia: os resultados do PISA O PISA Programme for International Student Assessment, da OECD considerado hoje como a principal referncia internacional para a identificar os nveis de desempenho dos estudantes em leitura, matemtica e cincias, assim como para procurar entender seus condicionantes. Como se sabe, os resultados dos estudantes brasileiros nestas provas tm sido bastante baixos e no tm se modificado atravs do tempo. Apresentamos abaixo uma anlise mais detalhada dos resultados da rea de cincias. O exame do PISA aplicado periodicamente a amostras nacionais de estudantes de 15 anos de idade, que quando deveriam estar concluindo o ensino fundamental e ingressando no ensino mdio. O PISA de 2006 teve como

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tema principal as competncias na rea de cincias, mas tambm inclui informaes sobre desempenho em leitura e matemtica, assim como um grande nmero de informaes sobre os estudantes, suas atitudes, suas famlias e suas escolas (OECD 2007). No caso do Brasil, em 2006, a amostra foi de 9.295 estudantes, todos entre 15.3 e 16.3 anos de idade, 40% na ltima srie do ensino fundamental, e os demais j no ensino mdio. Esta amostra no representa, assim, a totalidade de jovens desta idade, mas to somente os que esto estudando nas sries apropriadas sua idade, e por isto mesmo vm de famlias com nveis socioeconmicos e educacionais mais altos do que os da populao como um todo. Assim, 33% dos pais destes estudantes tinham nvel superior e 25% educao mdia completa, ndices muito mais elevados do que os da populao em geral. Os dados do PISA para cincias so apresentados em uma escala padronizada que tem um valor mdio de cerca de 450 pontos, com um desvio padro de 100. Alm da pontuao, existe uma descrio detalhada das competncias especficas que os estudantes tm nos diferentes nveis das escalas. O Quadro 5 mostra os principais resultados para um grupo seleto de pases, nas trs reas pesquisadas pelo PISA em 2006.

Quadro 5 Fonte: PISA 2006

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Duas primeiras observaes resultam deste grfico. A primeira que, em geral, os resultados nas trs reas tendem a ser semelhantes, com algumas diferenas nacionais notveis, como o caso de Taipei, aonde os resultados em matemticas e cincia so substancialmente melhores do que os de leitura, que de qualquer forma so tambm bastante elevados. Isto mostra que no possvel avanar com a educao em cincias sem avanar tambm com a capacidade de ler e de fazer uso da matemtica. A segunda observao a posio extremamente baixa que ocupa o Brasil no conjunto, bem abaixo da mdia, como ocorre alis com todos os pases latino-americanos que participam do estudo, com Uruguai e Chile em situao relativamente melhor. Os resultados do PISA so agrupados em seis categorias, e existe uma interpretao clara a respeito das competncias que os estudantes tm quando esto em cada nvel, descritas no Quadro 6.

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PISA 2006: Escala de Proficincia em Cincias Nvel 6: mnimo de 700.9 pontos (1.3% dos estudantes da OECD esto neste nvel) Os estudantes so capazes de identificar, explicar e aplicar conhecimentos cientficos e sobre cincias, de forma consistente, em diferentes situaes complexas da vida real. Podem conectar informaes de diferentes fontes e explicaes e usar a evidncia destas fontes para justificar decises. Demonstram de forma clara e consistente capacidade para pensar e raciocinar de maneira cientificamente avanada, e demonstram interesse em usar sua compreenso cientfica para apoiar solues em situaes cientfica e tecnologicamente no familiares. Estudantes neste nvel conseguem usar e desenvolver argumentos para apoiar recomendaes e decises que afetam a situaes pessoais, sociais e globais.

Nvel 5: acima de 633.3 pontos (9% dos estudantes da OECD esto neste nvel ou acima)

Os estudantes conseguem identificar os componentes cientficos de muitas situaes complexas de vida, aplicar conceitos e conhecimentos cientficos a estas situaes, e comparar, selecionar e avaliar de forma apropriada a evidncia cientfica necessria para responder a estas situaes. Estantes deste nvel so capazes de usar competncias de inferncia bem desenvolvidas, associar diferentes tipos de conhecimento, e perceber situaes de forma crtica. Podem construir explicaes baseadas em evidncia, e argumentos baseados em sua anlise crtica. Os estudantes podem trabalhar de forma efetiva com situaes e temas que envolvam fenmenos explcitos que requeiram inferncias sobre o papel da cincia e da tecnologia. Conseguem selecionar e integrar explicaes de diferentes disciplinas cientficas e tecnolgicas e associar de forma direta estas explicaes a aspectos e situaes da vida real. Estudantes deste nvel conseguem refletir sobre suas aes e comunicar suas decises fazendo uso de conhecimentos e evidncias cientficas

nvel 4:acima de 558.6 pontos (29.3% dos estudantes da OECD esto neste nvel ou acima)

nvel 3: acima de 484 pontos (56.7% dos estudantes da OECD esto neste nvel ou acima)

Os estudantes so capazes de identificar temas cientficos claramente descritos em diferentes contextos. Conseguem selecionar fatos e conhecimentos que possam ser utilizados para explicar os fenmenos e aplicar modelos simples de estratgias de pesquisa. Conseguem interpretar e fazer uso de conceitos cientficos de diferentes disciplinas, e aplic-los diretamente. Podem tambm desenvolver proposies simples a partir de fatos, e tomar decises baseadas em conhecimentos cientficos. Os estudantes possuem conhecimentos cientficos suficientes para dar explicaes plausveis em contextos familiares, e tirar concluses baseadas em pesquisas simples. So capazes de raciocinar de forma direta e interpretar de forma literal os resultados de uma pesquisa cientfica ou do uso da tecnologia para resolver problemas. Neste nvel, o conhecimento cientfico dos estudantes muito limitado, e s pode ser aplicado em algumas situaes familiares. Eles conseguem apresentar explicaes cientficas que sejam bvias e decorram diretamente de uma evidncia dada.

Nvel 2: acima de 409.5 (80.8% dos estudantes da OECD esto neste nvel ou acima) Nvel 1: acima de 334.9 (94.8% dos estudantes da OECD esto neste nvel ou acima)

Quadro 6

Os dados da distribuio dos estudantes de diversos pases nestas categorias (Quadro 7) mostram que 29% dos estudantes brasileiros esto abaixo do nvel 1, ou seja, no conseguem nem minimamente usar conhecimentos de 14

tipo cientfico em situaes familiares, e outros 34.4% esto no nvel 1. provvel que uma boa parte destes estudantes nos nveis mais baixos sejam tambm analfabetos funcionais, que no conseguem sequer entender o enunciado das questes da prova. Nos dois nveis mais altos, em que a Finlndia tem 20% dos estudantes, e a Coria do Sul 9.5%, o Brasil s tem 0.4% dos estudantes. A situao nas escolas pblicas brasileiras particularmente dramtica: 35% dos estudantes esto abaixo do nvel 1, e 36% no nvel 1; nas escolas privadas, as propores so de 3.4 e 16%, significativamente melhor. Mas somente um por cento dos estudantes do setor privado esto no nvel 5, e um por mil no nvel 6. No setor pblico no h ningum no nvel 6, e 1 por mil no nvel 5.

Quadro 7. Fonte: PISA 2006

Ao avaliar a proficincia dos estudantes em relao s cincias, a OECD estima quanto os estudantes se interessam por cincia, quanto acham importante que a cincia seja apoiada, e a capacidade que tm em fazer uso de explicaes cientficas, identificar temas suscetveis de tratamento cientfico e fazer uso de evidncia cientfica na soluo de problemas da vida real. Os estudantes brasileiros, assim como os dos demais pases da Amrica Latina, so os primeiros em manifestar interesse e apoio cincia de uma maneira geral, mas tm muita dificuldade em entender efetivamente do que se trata e fazer uso de conceitos e abordagens cientficas para produzir explicaes (Quadro 8). 15

Quadro 8 - Fonte: PISA 2006

Os resultados do PISA mostram que as escolas brasileiras no esto conseguindo transmitir, para a grande maioria dos alunos que nelas permanecem, as atitudes e competncias mnimas de tipo cientfico para o uso quotidiano das pessoas, e tampouco est conseguindo formar uma pequena elite que possa depois se profissionalizar como cientistas e pesquisadores plenos. Ao contrrio do que muitas vezes se pensa, os estudantes brasileiros no precisam ser estimulados a valorizar a cincia e reconhecer sua importncia. Eles j fazem isto naturalmente, seja pelos estmulos que recebem na escola, seja, mais provavelmente, pelo que observam e captam nos ambientes em que vivem, circundados por toda parte pelos produtos das modernas tecnologias. Isto no se traduz, no entanto, em competncias e conhecimentos efetivos para entender e fazer uso das abordagens e conhecimentos cientficos em sua vida quotidiana e profissional. Isto significa que o que faz falta para os estudantes a educao em cincias enquanto tal, muito mais do que atividades que estimulam o interesse pela cincia, que podem ser redundantes.

4. As experincias internacionais A preocupao atual com a educao em cincias nas escolas antiga nos Estados Unidos, ganhou grande relevncia aps o impacto do Sputnik sovitico em 1957, e se tornou explcita no documento publicado pela Comisso 16

Presidencial Consultiva estabelecida pelo presidente Dwight Eisenhower em 1959 (Hurd 1998; Presidents Science Advisory Committee 1959). Hoje, ela se expressa em um grande nmero de organizaes cientficas, profissionais e publicaes especializadas em vrias partes do mundo, comeando pela centenria revista Science Education, e envolvendo instituies como a Association for Science Education na Gr Bretanha, a Association for the Promotion and Advancement of Science Education no Canad e a National Science Teachers Association nos Estados Unidos. Alm destas organizaes, que congregam sobretudo professores, pedagogos e especialistas em educao, instituies cientficas como a National Academy of Sciences e a American Association for the Advancement of Sciences nos Estados Unidos tambm tm tido grande envolvimento nas questes de educao em cincias, tendo sido responsveis pela produo e publicao de importantes obras de referncia no tema. As Academias de Cincia tm atuado tanto atravs de estudos e anlises sobre as melhores prticas do ensino de cincias (American Association for the Advancement of Science 1989; National Research Council 1995) como atravs de atividades de implementao como, entre outros, o National Sciences Resource Center criado em 1985 pelo Smithsonian Institute em cooperao com as academias nacionais de cincias dos Estados Unidos7, o projeto La Main la Pte francs, os projetos Pollen8 e Sinus-Transfer9 na Unio Europia e outras iniciativas, descritas de forma sucinta em publicao recente do projeto Veille Scientifique et Technologique do Instituto Nacional de Pesquisas Pedaggicas da Frana (Musset 2009)10 O Interacademy Panel on International Issues, a rede de Academias de Cincias dedicada a fomentar a participao das economias nas questes crticas de natureza global, tem a educao em cincias como uma de suas reas de atuao. Faz parte desta atuao o acompanhamento dos projetos de educao cientfica baseados em indagao (Inquiry Based Science Education, IBSE), conduzido por um Comit Internacional de Avaliao (International 7 http://www.nsrconline.org/index.html 8 http://www.pollen-europa.net/ 9 http://sinus-transfer.uni-bayreuth.de/home.html 10 http://www.inrp.fr/vst/

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Oversight Committee, IOC). Na Amrica Latina, este trabalho conduzido pelo Inter American Network of Academies of Sciences (IANAS).11 A necessidade de introduzir ou melhorar a educao em cincias desde os primeiros anos da escola hoje reconhecida inclusive nos pases mais desenvolvidos, que vm com preocupao o nmero reduzido de jovens que se orientam para as carreiras de natureza cientfica e tecnolgica, assim como o pouco entendimento sobre a natureza e a importncia do conhecimento cientfico mesmo entre pessoas formalmente mais educadas. Uma sucesso de documentos e iniciativas neste sentido tem sido produzidos e empreendidos pelas Academias de Cincia e instituies de pesquisa e educao desde o fim dos anos 50 em vrias partes do mundo, desde o relatrio do Comit Consultivo de Cincias da Presidncia dos Estados Unidos (Presidents Science Advisory Committee 1959) at o recente documento da Comisso Rocard da Unio Europia (Rocard et al. 2007), passando por Before it is Too Late, o relatrio da Comisso Nacional sobre o Ensino de Matemtica e de Cincias do ano 2000 (Glenn 2000). A idia de que a educao em cincias deveria ter como foco inicial o desenvolvimento de atitudes mais gerais de curiosidade, observao dos fatos e busca de relaes causais, e no o ensino formal das disciplinas especficas, mais recente, e seu incio tem sido atribudo iniciativa de Leon Lederman, Prmio Nobel de Fsica de 1988, que depois se espalhou para outros pases, e levou ao envolvimento crescente das academias de cincia e sociedades cientficas de vrios pases com o tema. Esta abordagem, conhecida nos Estados como hands on, foi levada posteriormente para a Frana atravs do projeto La Main la Pte, de onde veio para o Brasil com o nome de Mo na Massa. No relato dos responsveis pelo projeto na Frana: O desenvolvimento recente do ensino baseado em indagao nas escolas primrias deve muito aos esforos da comunidade cientfica. Foi Leon Lederman, Prmio Nobel de Fsica de 1988, quem introduziu este movimento nas escolas dos bairros pobres de Chicago, nos Estados Unidos. Trs fsicos franceses mais tarde visitariam estas escolas, e descobriram como as crianas estavam entusiasmadas com a cincia. De volta Frana, os trs fsicos - Georges Charpak, Prmio Nobel de Fsica de 1992, Pierre Lna e Yves Qur - decidiram

11 http://www.interacademies.net/?id=3519

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lanar sua prpria verso de ensino baseado em indagao, La Main la Pte (aprendendo fazendo). Nos ltimos cinco anos, o movimento se espalhou por escolas no Afeganisto, Argentina, Brasil, Cambodia, Chile, China, Colmbia, Egito, Malsia, Mxico, Marrocos, Senegal, Eslovquia, Togo e outras partes12 (UNESCO 2005).

De 1996 a 1999, com apoio da Academia Nacional de Cincias da Frana, o projeto foi implantado em algumas escolas francesas, utilizando de incio a traduo dos mdulos insights do projeto hands-on. Montou-se uma infra- estrutura para produo de materiais e formao de professores e fez-se uma avaliao dos resultados. Os efeitos percebidos do projeto foram alm do domnio de contedos cientficos, expressando-se no comportamento social, no domnio da linguagem e na formao de uma atitude cientfica. A partir de 2000, o projeto passou a integrar o plano de renovao do ensino de cincias e da tecnologia na escola, do Ministrio da Educao da Frana. A metodologia do La Main la Pte baseia-se em dez princpios, que comeam com o estmulo curiosidade infantil, a partir de uma indagao extrada do cotidiano das crianas, conduzindo ao questionamento cientfico, atravs da observao, pesquisa, formulao de hipteses, testes e experincias, verificao, notao individual e coletiva, sntese e concluses. Esta metodologia pretende articular a aprendizagem cientfica ao domnio da linguagem e educao para a cidadania. O trabalho desenvolvido por tema-desafio. Espera- se que com este percurso os alunos se apropriem dos conceitos cientficos e das tcnicas de investigao, consolidando sua expresso oral e escrita. O projeto est bem documentado, com livros, artigos e informaes disponveis no site http://lamap.inrp.fr. Ao longo dos anos, uma equipe multidisciplinar, com professores, pedagogos, inspetores de educao, 12 The recent development of inquiry-based science teaching in primary schools owes much to the efforts of the scientific community. It was Leon Lederman, Nobel Laureate for Physics 1988, for instance, who introduced the movement into poor neighborhood schools of Chicago in the USA. Three French physicists would later visit these schools, only to discover children fired with enthusiasm for science. Upon their return to France, the three physicists Georges Charpak, Nobel Laureate for Physics in 1992, Pierre Lna and Yves Qur would decide to launch their own version of inquiry-based science teaching, La main la pte (or Learning by doing). Over the past five years, the movement has spread to schools in Afghanistan, Argentina, Brazil, Cambodia, Chile, China, Colombia, Egypt, Malaysia, Mexico, Morocco, Senegal, Slovakia, Togo and elsewhere.

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engenheiros, cientistas, estudantes de cincias entre outros, desenvolveu uma variedade de materiais, como instrumentos de acompanhamento e avaliao, mdulos para uso em sala de aula, relatrios, artigos analticos, para fundamentao e continuidade da proposta.

5. Questes conceituais: alfabetizao cientfica e mtodos de ensino Requisitos para projetos efetivos de educao em cincias A literatura especializada, assim como as observaes em sala de aula feitas para este estudo, no deixam dvida de que a educao atravs do uso da indagao a partir de questes e problemas bem escolhidos, da experimentao prtica e do trabalho em grupo, muito mais motivadora para alunos e professores, sobretudo nos anos iniciais, do que os mtodos convencionais de ensino dogmtico e por memorizao. Programas bem sucedidos de ensino inicial de cincias, conforme resumido pelo National Research Council dos Estados Unidos, devem ter as seguintes caractersticas (Beatty 2005): Desenvolve-se a partir das experincias, teorias iniciais e condies de vida que as crianas trazem consigo; Faz uso da curiosidade das crianas, ao mesmo tempo em que as encoraja a buscar suas prprias perguntas e desenvolver suas prprias idias. Envolve as crianas em explorao em profundidade de um assunto de cada vez, em um ambiente cuidadosamente preparado. Estimula as crianas a refletir, representar e documentar sua experincia, e compartilhar e discutir suas idias com outros. Est integrado ao trabalho e s brincadeiras das crianas. Est integrado com outros domnios. D acesso a experincias cientficas a todas as crianas.

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Os resultados a mdio e longo prazo destas abordagens, no entanto, so menos claros, e dependem de muitos outros fatores que vo alm das atividades que os programas especficos podem desempenhar. Existe toda uma literatura, com mais questes do que respostas, a respeito de quais os contedos cientficos que seriam acessveis e que as crianas deveriam ser capazes de aprender nas diferentes etapas, qual nvel de formao cientfica a professora de classe precisa ter, e de como capacitar a professora para que ela possa transmitir efetivamente estes contedos, utilizando os mtodos adequados.

Alfabetizao cientfica (science literacy). Os programas de educao em cincias voltados para crianas trazem implcita a idia de que deveria haver um mnimo de competncias e conhecimentos cientficos que todas as pessoas deveriam ter, equivalente, nas cincias, ao conceito de alfabetizao ou letramento que tem sido utilizado no Brasil em relao aos conhecimentos mnimos necessrios de lngua e matemtica. No existe, no entanto, um conceito bem definido do que sejam estes conhecimentos mnimos iniciais (Auler 2003). A OECD define scientific literacy como a capacidade de usar conhecimento cientfico, de identificar questes e extrair conseqncias a partir de evidncias, para compreender e ajudar a tomar decises a respeito do mundo natural e das mudanas nele introduzidas pela atividade humana. Esta definio, no entanto, no se refere a um patamar mnimo inicial, mas a uma capacidade ampla, que pode ser dar em vrios nveis. Outras definies tm sido propostas, como a do autor annimo do verbete na Wikipdia, que procura definir um patamar mnimo de competncias iniciais, em contraste com a definio muito mais ampla e exigente da National Science Foundation.

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Conceitos de Alfabetizao Cientfica

Wikipedia (http://en.wikipedia.org/wiki/Scientific_literacy) A alfabetizao cientfica um dos vrios tipos de alfabetizao escrita, numrica, digital. Ao se tornar cientificamente alfabetizado, o estudante supera o medo da cincia que possa ter. A pessoa cientificamente alfabetizada capaz de entender experimentos e o raciocnio. Ela se sente minimamente confortvel com os fatos cientficos e seu sentido. Alguns dos temas bsicos que uma pessoa cientificamente alfabetizada entende incluem: como os dados se relacionam com as leis e as teorias, que a teoria a forma mais elevada de expresso cientfica, e a razes por trs de fenmenos do dia a dia, como as estaes do ano, o ciclo das guas e os perigos da pseudo-cincia13. National Science Foundation A alfabetizao cientfica o conhecimento e a compreenso dos conceitos e processos cientficos necessrios para que as pessoas possam decidir e participar de atividades cvicas e culturais, e para a produtividade econmica. Ela inclui tambm habilidades especficas. Nos Padres Nacionais de Educao Cientfica, os padres de conhecimento definem a alfabetizao cientfica. A alfabetizao cientfica significa que a pessoa possa perguntar, encontrar e encontrar respostas s questes derivadas da curiosidade a respeito das experincias do dia a dia. Significa que a pessoa tenha a habilidade de descrever, explicar e prever os fenmenos naturais. A alfabetizao cientfica implica que a pessoa possa ler e compreender artigos sobre cincia na imprensa leiga e participar de conversaes sociais sobre a validade das concluses. Alfabetizao cientfica significa que a pessoa possa identificar temas cientficos subjacentes a decises nacionais e locais e expressar opinies cientifica e tecnologicamente informadas. Um cidado cientificamente alfabetizado deve ser capaz de avaliar a qualidade da informao cientfica a partir de suas fontes e dos mtodos utilizados para ger-la. Alfabetizao cientfica tambm implica a capacidade de colocar e avaliar argumentos baseada em evidncia e aplicar concluses apropriadas a partir destes argumentos14. (National Research Council 1995, p. 22)).

Quadro 9

Existem pelo menos quatro componentes que aparecem nestas definies de alfabetizao em cincias, que devem ser explicitados. O primeiro se refere ao que seria uma atitude cientfica, geralmente descrita em termos da capacidade 13 Scientific literacy is one of several types of literacy: written, numerical, and digital. In

becoming scientifically literate, the student overcomes any fear of science he/she may have. The scientifically literate person is able to understand experiment and reasoning. There is a rough comfort level with basic scientific facts and their meaning. Some basic issues that the scientifically literate person understands include: how data relates to law and theory, that theory is the highest form of scientific expression, the reasons for everyday phenomena including the seasons, water cycle and the dangers of pseudo-science. Scientific literacy is the knowledge and understanding of scientific concepts and processes required for personal decision making, participation in civic and cultural affairs, and economic productivity. It also includes specific types of abilities. In the National Science Education Standards, the content standards define scientific literacy. Scientific literacy means that a person can ask, find, or determine answers to questions derived from curiosity about everyday experiences. It means that a person has the ability to describe, explain, and predict natural phenomena. Scientific literacy entails being able to read with understanding articles about science in the popular press and to engage in social conversation about the validity of the conclusions. Scientific literacy implies that a person can identify scientific issues underlying national and local decisions and express positions that are scientifically and technologically informed. A literate citizen should be able to evaluate the quality of scientific information on the basis of its source and the methods used to generate it. Scientific literacy also implies the capacity to pose and evaluate arguments based on evidence and to apply conclusions from such arguments appropriately. 14

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de observar os dados do mundo natural e fazer inferncias a partir destas observaes, superando desta forma os conceitos ou pr-conceitos naturais ou pr-cientficos que as pessoas possam ter. O segundo se refere capacidade de trabalhar em grupo, desenvolvendo o conhecimento no como um processo individual, mas como de dilogo constante entre as pessoas e destas com os dados e observaes do mundo real. O terceiro se refere ao entendimento dos contedos especficos das diferentes disciplinas cientficas, tal como so formulados pelas cincias modernas. Isto significa, como mnimo, ter noes a respeito das principais caractersticas dos sistemas biolgicos, fsicos e sociais em que vivemos, em diferentes escalas e nveis de complexidade. O quarto se refere ao entendimento da cincia e da tecnologia como fenmeno social que construdo pelos cientistas e que tem impacto importante, positivo ou negativo, na sociedade e na vida das pessoas. Isto significa entender a cincia e a tecnologia no como algo dado, mas como um produto social em constante construo e transformao, que deve ser visto de forma crtica e reflexiva. importante distinguir estes componentes porque os procedimentos utilizados nos cursos e programas de educao em cincias, assim como os contedos impartidos, dependem fortemente das prioridades que sejam dadas a cada um destes diversos componentes.

A questo do construtivismo Tradicionalmente, a educao em cincias dada nas escolas de forma dogmtica, como informaes, taxonomias, modelos formais e exerccios prticos, sobretudo para os alunos do ensino mdio, com nfase na memorizao. Hoje h um grande consenso a respeito das limitaes dos mtodos tradicionais e da necessidade de que as crianas, deste cedo, se envolvam de forma ativa no processo de aprendizado. Wynne Harlen lista trs sentidos principais de learning (que estamos traduzindo por educao em cincias): acrescentar mais informaes e habilidades como resultado do que ensinado; entender o sentido de novas experincias feitas pelos prprios estudantes; e entender o sentido de novas experincias feitas pelos estudantes em colaborao com outros (Harlen 2006 p. 3). No h dvida que uma educao completa deveria ser capaz de cumprir os trs objetivos.

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A educao em cincias hoje um amplo campo de estudo, pesquisa e debates sobre metodologias, propsitos e objetivos desta atividade (veja por exemplo (Abell e Lederman 2007; American Association for the Advancement of Science 1993; American Association for the Advancement of Science 1998; Appleton 2006a; Duschl et al. 2007; Flick e Lederman 2004; Inter-American Development Bank 2006; National Research Council 1995). possvel observar, na literatura especializada, a existncia de duas vertentes principais nas questes de educao em cincias, uma mais voltada para capacitar os estudantes a conhecer e fazer uso da cincia existente, e outra preocupada em ver a cincia em seu contexto mais amplo, como um processo de construo social com importantes implicaes para a vida das pessoas, o funcionamento das sociedades e do meio ambiente em que vivemos (Roberts 2007a; Roberts 2007b). Um exemplo da primeira vertente o Project 2061 da American Association for the Advancement of Science (American Association for the Advancement of Science 1989; American Association for the Advancement of Science 1993; American Association for the Advancement of Science 1997; American Association for the Advancement of Science 1998; American Association for the Advancement of Science 2001); exemplos da outra vertente so alguns volumes recentes que buscam fazer um balano das pesquisas existentes sobre a temtica da educao em cincias (Abell e Lederman 2007; Appleton 2006a; Harlen 1996). Ainda que no sejam excludentes, a primeira linha, mais clssica, pe nfase em fazer com que os alunos aprendam os conceitos, procedimentos e tcnicas de anlise, elaborao terica e conhecimentos acumulados das diversas reas de pesquisa, enquanto que a segunda d prioridade, de um lado, s atitudes e orientaes gerais que se supe que devem estar presentes em todas as reas cientficas, assim como ao contexto social mais amplo em que a cincia criada, se desenvolve e impacta a sociedade. Subjacentes a estas orientaes existem diferentes objetivos e teorias a respeito de como o conhecimento cientfico se desenvolve e como deve ser ensinado, sobre a melhor maneira de fazer isto. A pedagogia preconizada pelo projeto La Main a la Pte, segundo a qual o conhecimento cientfico no deve ser apresentado de forma acabada para os 24

estudantes, mas construdo por eles atravs da indagao (inquiry based science education) e da experimentao, faz parte de um antigo movimento educativo conhecido, de maneira geral, como construtivismo, que pode adquirir diferentes formatos e tem sido tambm objeto de intenso questionamento por pesquisadores, neurobilogos e especialistas em psicologia cognitiva (Barbante, Jr. e Costa 2009; Hmelo-Silver, Duncan e Chinn 2007; Jonathan F. Osborne 1996; Kirschner, Sweller e Clark 2006; Oliveira 2002; Oliveira e Silva 2009). Uma maneira simples de ver a questo a proposta por Sjberg no Quadro 10.

Diferentes sentidos do construtivismo(Sjberg 2007). Podemos perguntar: o que est sendo construdo? 1 - nosso conhecimento individual a respeito do mundo ("as crianas constroem seu prprio conhecimento") 2 - conhecimento cientfico pblico e aceito a respeito do mundo, tal como existe na cincia estabelecida? ("o conhecimento cientfico construdo socialmente" ) 3 - Ou o prprio mundo? ("o mundo construdo socialmente" ) A primeira destas questes um problema de psicologia e teoria educacional ou da aprendizagem, enquanto que as outras duas so parte da filosofia e da epistemologia. A questo 2 tambm tratada pela sociologia do conhecimento e sociologia da cincia. Analiticamente, importante manter estas questes separadas. Podemos, por exemplo, apoiar fortemente as teorias construtivistas da aprendizagem, e ao mesmo tempo rejeitar as outras duas proposies, e muito especialmente a ltima, mais extrema. Este ltimo tipo de construtivismo tem sido criticado como um ataque ps-moderno, subjetivista e relativista, racionalidade da cincia, atitude que vai contra, por exemplo, as idias de Piaget e Vygotsky.15 Quadro 10

15 We may ask: what is being constructed? 1. Is it our individual knowledge about the world? ("Children construct their own knowledge.") 2. Is it the shared and accepted public scientific knowledge about the world as it exists in established science? ("Scientific knowledge is socially constructed") 3. Or is it the world itself? ("The world is socially constructed"), The first of these questions is a problem of psychology and educational or learning theory, while the latter two are part of philosophy and epistemology. Question no 2 is also addressed by the sociology of knowledge and sociology of science. Analytically, it is important to keep these questions apart. One may, for instance, be a strong supporter of constructivist learning theories, while at the same time reject the two other stances, in particular the last and most extreme one. This latter kind of constructivism is criticized for being a subjectivist and relativist post-modern attack on the rationality of science, a stance that runs against any suggestions from for instance Piaget and Vygotsky .

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As pedagogias construtivistas tm uma longa histria, que data pelo menos dos trabalhos de Jean Piaget a partir dos anos 20 a respeito das etapas do desenvolvimento cognitivo das crianas, complementados pelas teorias de Lev Vygotsky sobre a natureza social e compartida do processo de aprendizagem (Inhelder e Piaget 1999; Piaget 1952; Piaget 1950; Piaget 1970; Vygotsky 1964; Vygotsky 1980), e que tm sua origem mais remota nos movimentos pela escola nova que existiram na Europa desde o incio do sculo 20, assim como das teorias de educao progressiva de John Dewey (Dewey 1929; Dewey 1938; Dewey 1970; Dewey 1971), que foram introduzidas no Brasil pelo Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova dos anos 30 (Azevedo e outros 1932). Um desenvolvimento recente, que tem sido adotado em alguns projetos no Brasil, a integrao das diversas disciplinas atravs de temas. Assim, por exemplo, o tema de sade e meio ambiente permitiria abordar questes de biologia, nutrio, ecologia e comportamento social, da mesma maneira que um evento importante, como o segundo centenrio de Darwin, poderia ser uma ocasio para estudar o tema da evoluo dentro de uma perspectiva interdisciplinar, na biologia, na histria, nas cincias sociais, e outras. Esta abordagem descrita na literatura como Instituio Integrada Temtica (Kovalik e Olsen 1993), e tem sido experimentada desde os anos 90 em vrias instituies de ensino nos Estados Unidos16, inclusive em substituio aos currculos escolares tradicionais. A estas correntes pedaggicas se juntou uma outra corrente, derivada da filosofia e da sociologia da cincia, que trata de entender a cincia como resultado de uma construo social, e no como um processo de descobrimento progressivo da verdade atravs da pura aplicao da lgica e da experimentao, que o entendimento tradicional dos cientistas a respeito de seu prprio trabalho. Na verso relativista mais extremada, as verdades cientficas no seriam mais do que os resultados de consensos estabelecidos por uma elite hegemnica, e impostos depois ao resto da sociedade. Se isto fosse assim, ento as diferenas entre o conhecimento especializado e o conhecimento comum no 16 Ver a respeito http://www.netc.org/focus/strategies/them.php

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seriam mais do que barreiras artificiais e formas de dominao de uns sobre outros, que haveria que desconstruir e desfazer. Esta no , no entanto, a viso dos autores mais centrais da sociologia da cincia, que procuram entender os processos reais de escolha de temas, solues de controvrsias e formao de consensos nas cincias sem, no entanto, rejeitar a importncia das metodologias cientficas e do fato de que existe uma natureza objetiva e real a ser progressivamente conhecida (Knorr-Cetina e Mulkay 1983; Kuhn 1996; Latour 1987; Merton 1973). Nos anos mais recentes, as abordagens construtivistas foram adotadas pelos projetos de educao em cincias estimulados pelas Academias de Cincia dos Estados Unidos, Frana e Inglaterra, entre outros, com nfase nos processos de indagao (inquiry), de experimentao com materiais e instrumentos e com o trabalho em grupo. Na viso de seus proponentes, a educao em cincias, assim concebida, teria um efeito no somente na formao de futuros pesquisadores, mas tambm na educao como um todo, ao estimular a atitude indagativa como um todo, assim como o uso do clculo e da escrita para realizar e registrar os experimentos. Na viso de seus crticos, a abordagem construtivista falharia por no transmitir aos estudantes, de forma organizada e sistemtica, os conhecimentos e prticas de trabalho intelectual que constituem um acervo inestimvel acumulado atravs dos sculos, e que seria impossvel construir ou reconstruir a partir da simples indagao e de experimentos feitos pelos estudantes. O mtodo construtivista pecaria por confundir o processo de construo e avano das cincias, que se d efetivamente atravs de experimentao, tentativas e erros e dilogo entre pesquisadores, em um longo processo de acumulao, e o processo educativo que requer, necessariamente, um trabalho sistemtico de incorporao das tcnicas, teorias e acervo de informaes que constituem o ncleo dos paradigmas cientficos vigentes. As competncias necessrias para a boa formao cientfica deveriam incluir, alm da curiosidade intelectual e a prtica da observao, a capacidade de trabalho sistemtico, do exerccio do rigor intelectual e a incorporao, atravs de estudo e de exerccios, do acervo de conhecimentos centrais e das habilidades de raciocnio e uso de instrumentos prprios dos diferentes campos de

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conhecimento. Ainda que os mtodos construtivistas possam ser mais atrativos, primeira vista, do que a educao guiada tradicional, a evidncia emprica pareceria comprovar suas limitaes: A evidncia da superioridade da instruo guiada se explica no contexto de nossos conhecimentos da arquitetura cognitiva humana, das diferenas entre iniciantes e especialistas, e de carga cognitiva. Ainda que as abordagens educativas no dirigidas ou minimamente dirigidas sejam muito populares e intuitivamente atraentes, estas abordagens ignoram tanto as estruturas que formam a arquitetura cognitiva humana como a evidncia de estudos empricos acumulados no ltimo meio sculo que indicam consistentemente que a educao minimamente guiada menos efetiva e menos eficiente do que as abordagens educativas que do nfase atividade guiada no processo de aprendizagem dos estudantes. As vantagens da educao guiada s comeam a se reduzir quando os estudantes adquirem suficientes conhecimentos prvios que lhes proporcionam uma orientao interna17 (Kirschner, Sweller e Clark 2006).

Na prtica, a oposio entre as duas posies no absoluta, j que muitos dos projetos educativos que fazem uso de pedagogias de indagao e experimentao tambm evoluem, gradualmente, para nveis mais altos em que os estudantes adquirem os conhecimentos sistemticos e as prticas profissionais necessrias para o seu trabalho, enquanto que os programas mais tradicionais e guiados no precisam ser, necessariamente, ridos e desprovidos de estmulos e desafios intelectuais e prticos para os estudantes. H bastante evidncia de que as pedagogias de indagao, experimentao e trabalho em grupo apresentam vantagens iniciais at mesmo em culturas aonde a educao de qualidade, e tradicionalmente mais rgida e dirigida (Chang e Mao 1999). Parte da dificuldade com o construtivismo que o termo costuma ser usado com sentidos muito distintos e nem sempre explcitos. Autores que trabalham com as tcnicas de aprendizado por indagao (inquiry learning) e por resoluo de

17 Evidence for the superiority of guided instruction is explained in the context of our

knowledge of human cognitive architecture, expertnovice differences, and cognitive load. Although unguided or minimally guided instructional approaches are very popular and intuitively appealing, the point is made that these approaches ignore both the structures that constitute human cognitive architecture and evidence from empirical studies over the past half- century that consistently indicate that minimally guided instruction is less effective and less efficient than instructional approaches that place a strong emphasis on guidance of the student learning process. The advantage of guidance begins to recede only when learners have sufficiently high prior knowledge to provide internal guidance.

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problemas (problem-based learning) defendem sua abordagem argumentando que eles utilizam um processo de seqenciamento (que denominam de scaffolding), que faz com que os problemas assinalados por Kirshner e outros, aplicveis s teorias construtivistas mais radicais de aprendizagem por descoberta (discovery learning) no ocorram neste caso. Um exemplo de currculo progressivo o do National Science Resource Center (National Science Resource Center 2005). O Benchmarks for Science Literacy, da American Association for the Advancement of Science, organiza os contedos em 12 grandes categorias, incluindo a das cincias sociais (a natureza da cincia, a natureza da matemtica, a natureza da tecnologia, o ambiente fsico, o ambiente vivente, o organismo humano, a sociedade humana, o mundo construdo, o mundo matemtico, perspectivas histricas, temas comuns, hbitos da mente) (American Association for the Advancement of Science 1993), e estabelece, para cada nvel de desenvolvimento, as competncias que os estudantes deveriam ter, independentemente dos mtodos pedaggicos utilizados para sua educao.

Os contedos Em relao aos contedos, h um debate permanente, na literatura especializada, a respeito de se a formao inicial deveria ser interdisciplinar ou por disciplinas, e se deveria se orientar por estandares contedos especficos que deveriam ser atingidos a cada etapa ou mais abertos. Em grande parte, este debate reproduz a oposio entre as correntes construtivistas, que dominaram o campo do ensino de cincias nos anos 60 e 70 nos Estados Unidos, e a tendncia mais recente de reforar os contedos e as disciplinas cientficas. O Projeto 2061 da American Association for the Advancement of Science foi um marco nesta evoluo (American Association for the Advancement of Science 1993), e documentos mais recentes do National Research Council do continuidade a esta abordagem (Duschl et al. 2007). O documento do National Research Council cita, entre outros, um estudo de 1997 segundo o qual O currculo desfocado dos Estados Unidos tambm um currculo com muito pouca coerncia... Os livros de texto e os professores apresentam os itens uns depois dos outros como uma lista de lavanderia de tpicos... Isto feito com pouca ou nenhuma considerao por estabelecer relaes entre os tpicos ou temas da lista. A perda destas relaes entre

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idias estimula as crianas a considerarem estas disciplinas como noes desconectadas que eles no conseguem perceber como fazendo parte de um todo disciplinar (Valverde e Schmidt 1998 p. 62).

A crtica desarticulao e incoerncia do currculo inclui tambm uma crtica ao uso indiscriminado de kits de experimentao: Em muitos casos, os estudantes so brevemente expostos a uma srie de experincias referidas a tpicos no relacionados (florestas tropicais, pedras e minerais, gua) apresentados em unidades ou kits modulares. A seqncia de apresentao no importa, j que as idias no se estruturam de forma significativa. Ainda que no conheamos pesquisas que tenham testado de forma explcita a base educativa dos kits, a apresentao que fazem dos tpicos cientficos como essencialmente intercambiveis e no cumulativos levanta srias preocupaes. Currculos baseados em kits so sensveis a vrias questes de ordem prtica, como a variabilidade dos estandares de um lugar a outro, de tal forma que o professor nunca pode contar com os conhecimentos prvios dos estudantes como base para a introduo de novos conceitos. Esta abordagem tambm maximiza a flexibilidade, de tal maneira que os professores com pouco conhecimento de certos contedos podem deixar de lado os temas que lhes so menos familiares. Isto sacrifica os benefcios potenciais de longo prazo de currculos cuidadosamente elaborados, construdos estrategicamente a partir das competncias e base de conhecimentos dos estudantes. (Duschl et al. 2007 p. 218)

Uma outra questo que ocupa ateno cada vez maior so os avanos recentes das pesquisas sobre o desenvolvimento cognitivo das crianas, que tornam obsoletas as concepes desenvolvidas dcadas atrs por Jean Piaget. Ao contrrio do que se pensava, no verdade que as crianas menores tm um pensamento concreto, com a capacidade de abstrao se desenvolvendo mais tarde. desta forma que o National Research Council resume o que se sabe atualmente a respeito (Duschl et al. 2007 p. 53): Em contraste com as idias comuns e superadas de que as crianas pensam de forma concreta e simplista, a evidncia das pesquisas agora mostra que seu pensamento surpreendentemente sofisticado. Blocos importantes para o conhecimento das cincias j esto prontos quando elas entram na escola. Ao entrar na escola, as crianas j trazem um conhecimento substancial do mundo natural, sobre o qual se pode construir para desenvolver sua compreenso de conceitos cientficos. Algumas reas de conhecimento podem proporcionar fundamentos mais robustos do que

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outros, porque surgem mais cedo e apresentam algumas caractersticas que so universais, para diferentes culturas atravs do mundo. Ao final da pr-escola, as crianas podem raciocinar de maneira a proporcionar pontos de partida muito teis para o desenvolvimento do raciocnio cientfico. No entanto, estas habilidades de raciocnio podem estar limitadas pelo seu conhecimento conceitual, a natureza da tarefa e sua percepo a respeito do seu prprio pensamento.

A concluso que se pode pedir mais e mais cedo, s crianas, do que normalmente se supe, mas a identificao do que deve ser ensinado a cada etapa do seu desenvolvimento, e como melhor faz-lo, ainda um tema de muita pesquisa e incerteza.

Os professores Se o professor no tiver familiaridade e interesse pelas cincias, e no souber motivar e estimular seus alunos, ele no tem como desenvolver uma educao em cincias de qualidade. Eis o que faz um professor efetivo na educao em cincias: (Beatty 2005) Cria um ambiente fsico, social e emocional que d apoio indagao; Observa as crianas e age a partir destas observaes. Reconhece o trabalho das crianas Amplia as experincias das crianas, baseadas em suas atividades. Conduz atividades que ampliam o raciocnio das crianas. Aprofunda o entendimento das crianas por meio de discusses, perguntas, representao e documentao.

Para poder desempenhar bem estas funes, a professora precisa conhecer bem o contedo dos temas cientficos que est ensinando, e ter a formao pedaggica requerida para este tipo de trabalho com as crianas, que diferente das formas de ensino mais convencional. Na educao secundria, se supe que os professores sejam especialistas nas matrias que ensinam. Na educao inicial, no entanto, a professora de classe responsvel por todas as matrias, e sua formao cientfica tende a ser bastante limitada. Uma conseqncia disto que ela prefira evitar os temas de cincia, e d preferncia a outras questes (Harlen 1996). A outra conseqncia que os temas de cincia

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sejam tratados de forma muito superficial, muitas vezes errnea, ou como atividades ldicas sem contedos cientficos efetivos. A pouca familiaridade dos professores de classe com a cincia um fenmeno quase universal, e particularmente grave no Brasil. No passado, nas antigas escolas normais de nvel mdio, a formao pedaggica era dada concomitantemente com a formao nas matrias que os professores deveriam ensinar. Era uma formao convencional e simples, mas geralmente slida, no uso correto da linguagem, aritmtica, geometria, geografia, histria e cincias naturais. Hoje, os cursos superiores de pedagogia supem que os futuros professores j cheguem universidade tendo adquirido estes conhecimentos, no ensino mdio, uma suposio geralmente falsa, dada a precariedade geral da educao secundria, e o fato de que os cursos de licenciatura so muitas vezes segundas escolhas de estudantes que no conseguem passar em exames vestibulares mais competitivos. Ser que estes professores sem formao podem se transformar em bons professores de cincias? Para melhorar esta situao, ser necessrio atrair para o magistrio pessoas de boa formao de nvel mdio, consolidar o ensino em cincias como rea de pesquisa no pas, e reforar o ensino de cincias como matria obrigatria nos cursos de pedagogia, aproveitando a experincia internacional existente, e dentro de uma poltica mais ampla de reviso dos cursos de formao de professores (Mello 2000). muito popular, no Brasil, oferecer cursos de capacitao ou educao continuada para professoras que j esto em exerccio de classe, em cincias e em outras reas. Estes cursos contam pontos que favorecem a carreira dos professores, permitem que eles se afastem por certo perodo da rotina das escolas, e do s Secretarias de Educao a sensao de que esto contribuindo para a melhora do ensino. Estes cursos costumam ser proporcionados por universidades privadas e pblicas, como atividades de extenso que podem ser remuneradas, ou por empresas especializadas. Muitos interesses convergem, assim para que estes projetos sejam realizados professores, secretarias de educao, provedores pblicos e privados. Pesquisas de avaliao feita com professoras participantes logo aps o trmino dos cursos mostram em geral altos nveis de satisfao, mas no existem praticamente 32

estudos que comprovem que estes cursos tenham efetivamente impacto significativo no desempenho dos alunos e h fortes razes para crer que, dados isoladamente, dificilmente estes cursos produziro os resultados que se espera. O relatrio do National Research Council deixa claro que, para ensinar cincia como prtica, os professores do jardim de infncia e educao fundamental necessitaro de desenvolvimento profissional especfico em cincia, tanto na etapa de formao quanto em servio. Este desenvolvimento profissional deve estar baseado nas cincias que o professor ensina e deve incluir oportunidades de continuar aprendendo sobre cincias, assim como a respeito de como as crianas aprendem cincia, e como a cincia deve ser ensinada. Para que todos os estudantes possam aprender cincia, necessrio ter um sistema coerente de ensino que alinhe padres, currculo, instruo, avaliao, preparao de professores e desenvolvimento profissional para todas as sries (Duschl et al. 2007 p 296). No h muita clareza a respeito de qual nvel de conhecimento de cincias os professores necessitam para ensinar, e parece claro que nem sempre mais melhor. Os diversos trabalhos dedicados a isto insistem em que os conhecimentos que um professor de cincias necessita ter so diferentes dos que tm os cientistas que no ensinam, e o nvel de formao cientfica do professor parece ser mais importante nas sries mais avanadas do que nas sries iniciais. Os professores bem formados devem conhecer os contedos que so especialmente importantes para o ensino, e saber combinar isto com o conhecimento sobre os processos de aprendizagem das crianas e dos mtodos adequados para ensin-las. O termo conhecimento de contedo pedaggico (pedagogical knowledge content, PCK) usado para se referir a esta competncia especfica. Uma maneira de contornar as inevitveis limitaes dos professores seria o desenvolvimento de atividades que funcionam, definidas como atividades pedaggicas com as quais os professores se sentem confortveis, que ensinaram antes ou que lhes foram recomendadas, para as quais eles podem reunir os materiais e equipamentos necessrios, e sobre as quais possam ter confiana que deixaro os alunos com algum conhecimento cientfico relevante (Appleton e Kindt 2002; Appleton 2006b). 33

6. A educao em cincias no Brasil Primrdios A preocupao com a educao em cincias no totalmente nova no Brasil, mas nunca chegou a se constituir como uma rea de pesquisa e formao estruturada, nem uma atividade sistemtica por parte das agncias de governo (Bizzo 2005; Villani, de Almeida Pacca e de Freitas 2009). O positivismo, que influenciou os intelectuais brasileiros desde o sculo XIX, valorizava a cincia, mas de forma dogmtica, como um conjunto de conhecimentos que deveriam ser aprendidos e aplicados, mas no para serem questionados ou pesquisados (Paim 1980; Schwartzman 1991). O Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova de 1932 preconizava a educao em cincias a partir do ensino mdio e superior, que acabou prevalecendo, com a separao do ensino mdio entre os cursos clssicos e cientficos, que davam acesso educao superior, e os cursos profissionais para os ofcios da indstria, do comrcio e da agricultura. At a criao dos primeiros programas de ps-graduao no Brasil, na dcada de 70, a nica maneira de se formar em cincias no pas era atravs do trabalho direto como discpulo de um pesquisador j estabelecido, na maior parte dos casos formado do exterior. Nos anos 50, a Fundao Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino de Cincias, FUNBEC, sob a liderana de Isaias Raw18, deu incio a um projeto de desenvolvimento de equipamentos de baixo custo para o ensino de cincias no segundo grau, experincia considerada muito bem sucedida, e que precursora do movimento Mo na Massa no pas.

18 Possui graduao em Medicina pela Universidade de So Paulo (1950) . Atualmente

Pesquisador da Universidade de So Paulo e Pesquisador do Instituto Butantan. Tem experincia na rea de Bioqumica , com nfase em Qumica de Macromolculas (Currculo Lattes)

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ISAIAS RAW A EXPERINCIA DO FUNBEC Foi na Faculdade de Medicina que surgiu o Ibecc-Funbec, que inovou o ensino das cincias nas escolas secundrias. Associou-se US National Science Foundation, Fundao Ford e Unio Panamericana, recrutando cientistas de alto nvel (no professores do secundrio ou pedagogos) para rever metas e contedo dos novos textos (que no Brasil deu origem editora da UNB), que exigiram livros de apoio e curso para os professores, dando nfase ao ensino experimental, criando novos equipamentos de baixo custo e que permitiam aos alunos fazer experincias e tirar concluses. (...) O plano de ressuscitar os "Kits Cientistas", cuja tiragem foi de mais de 2 milhes, levar para as casas e para as escolas a possibilidade de aprender de experincias realizadas, observaes e interpretaes pelos jovens estudantes, que no seriam mais refns de falsas informaes. Como a sociedade esquece, somos obrigados a reinventar (entrevista Folha de So Paulo, 15 de abril de 2009) Quadro 11

As expectativas da educao em cincias no ensino bsico: os parmetros curriculares Formalmente, as expectativas que existem no Brasil a respeito da formao cientfica e tecnolgica dos jovens esto expressas nos Parmetros Curriculares Nacionais para o ensino fundamental e mdio, publicados pelo Ministrio da Educao. So documentos extensos, cuidadosamente elaborados, que procuram explicitar tanto a importncia geral da formao e conhecimentos cientficos para os cidados como os contedos e competncias especficos que os estudantes deveriam adquirir ao longo de sua educao, embora no cheguem a identificar os contedos especficos que os estudantes deveriam aprender a cada nvel, de forma semelhante aos benchmarks norte-americanos. Conforme os parmetros curriculares para as cincias naturais no ensino fundamental, ao final deste ciclo de estudos os estudantes deveriam ser capazes de compreender a natureza como um todo dinmico, sendo o ser humano parte integrante e agente de transformaes do mundo em que vivem; identificar relaes entre conhecimento cientfico, produo de tecnologia e condies de vida, no mundo de hoje e em sua evoluo histrica; formular questes, diagnosticar e propor solues para problemas reais a partir de elementos das Cincias Naturais, colocando em prtica conceitos, procedimentos e atitudes desenvolvidos no aprendizado escolar;

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saber utilizar conceitos cientficos bsicos, associados a energia, matria, transformao, espao, tempo, sistema, equilbrio e vida;

saber combinar leituras, observaes, experimentaes, registros, etc., para coleta, organizao, comunicao e discusso de fatos e informaes;

valorizar o trabalho em grupo, sendo capaz de ao crtica e cooperativa para a construo coletiva do conhecimento;

compreender a sade como bem individual e comum que deve ser promovido pela ao coletiva;

compreender a tecnologia como meio para suprir necessidades humanas, distinguindo usos corretos e necessrios daqueles prejudiciais ao equilbrio da natureza e ao homem. (Brasil Ministrio da Educao Secretaria de Educao Fundamental 1997)

Se no primeiro ciclo da educao fundamental (at o 5o ano no programa de 9 anos) o ensino proporcionado por uma nica professora regente de classe, a partir da 6o ano, assim como no ensino mdio, a educao em cincias deve ser dada por professores especializados. Esta diviso disciplinar no reduz, no entanto, a importncia das funes mais amplas que a educao em cincias deve ter. Conforme dito nos parmetros para o ensino mdio, Ao se denominar a rea como sendo no s de Cincias e Matemtica, mas tambm de suas Tecnologias, sinaliza-se claramente que, em cada uma de suas disciplinas, pretende- se promover competncias e habilidades que sirvam para o exerccio de intervenes e julgamentos prticos. Isto significa, por exemplo, o entendimento de equipamentos e de procedimentos tcnicos, a obteno e anlise de informaes, a avaliao de riscos e benefcios em processos tecnolgicos, de um significado amplo para a cidadania e tambm para a vida profissional. Com esta compreenso, o aprendizado deve contribuir no s para o conhecimento tcnico, mas tambm para uma cultura mais ampla, desenvolvendo meios para a interpretao de fatos naturais, a compreenso de procedimentos e equipamentos do cotidiano social e profissional, assim como para a articulao de uma viso do mundo natural e social. Deve propiciar a construo de compreenso dinmica da nossa vivncia material, de convvio harmnico com o mundo da informao, de entendimento histrico da vida social e produtiva, de percepo evolutiva da vida, do planeta e do cosmos, enfim, um aprendizado com carter prtico e crtico e uma participao no romance da cultura cientfica, ingrediente essencial da aventura humana (Brasil Ministrio da Educao 2000).

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Logo a seguir o documento reconhece que a realidade ainda est muito longe deste ideal, que poderia, no entanto, ser alcanado: Uma concepo assim ambiciosa do aprendizado cientfico-tecnolgico no Ensino Mdio, diferente daquela hoje praticada na maioria de nossas escolas, no uma utopia e pode ser efetivamente posta em prtica no ensino da Biologia, da Fsica, da Qumica e da Matemtica, e das tecnologias correlatas a essas cincias. Contudo, toda a escola e sua comunidade, no s o professor e o sistema escolar, precisam se mobilizar e se envolver para produzir as novas condies de trabalho, de modo a promover a transformao educacional pretendida.

De fato, a distncia entre o que ocorre hoje na educao brasileira e estes ideais dos parmetros curriculares imensa: existem problemas graves de qualidade no ensino fundamental, o ensino mdio ainda est longe de ser universalizado, como deveria, e os nveis de desempenho dos alunos, medidos tanto pelas avaliaes nacionais como o Sistema de Avaliao da Educao Bsica, SAEB19 e a Prova Brasil20, do Ministrio da Educao, quanto por estudos internacionais como as avaliaes PISA, da Organizao para o Desenvolvimento e Cooperao (OECD)21, dos quais o Brasil participa regularmente, so extremamente baixos. Alm disto, os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclio do IBGE de 2007 indicam que somente 48% dos jovens brasileiros entre 15 e 17 anos de idade estavam matriculados no ensino mdio em setembro daquele ano; 31% ainda continuavam no ensino fundamental, e 18% j haviam deixado de estudar.

A educao em cincias como campo de estudo e de pesquisa Um aspecto central da experincia do FUNBEC, na viso pioneira de Isaias Raw, foi a participao de cientistas de alto nvel (no professores do secundrio ou pedagogos) nas atividades educativas. Mas cientistas profissionais raramente atuam na educao bsica, e professores do ensino 19 http://www.inep.gov.br/basica/saeb/default.asp 20 http://www.inep.gov.br/basica/saeb/prova_brasil/ 21 http://www.pisa.oecd.org

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bsico e pedagogos bem qualificados so essenciais para que estes projetos possam se consolidar. Esta separao entre cientistas preocupados com educao, por um lado, e professores e pedagogos com pouca ou nenhuma formao cientfica, por outro, um dos principais problemas para a implantao da educao em cincias nas escolas brasileiras. Do lado dos educadores, a Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao ANPED, com mais de 80 scios institucionais em todo pas, possui 24 grupos de trabalho que organizam as sesses nas reunies anuais, mas somente um deles, o de Educao Matemtica, se aproxima do tema da educao em cincias. Por outro lado, j existe um conjunto significativo de grupos dedicados ao ensino das disciplinas especializadas, aonde predominam departamentos universitrios ligados s cincias exatas, e j possvel falar de um campo emergente de pesquisas sobre o ensino de cincias no Brasil (Nardi e Almeida 2007). A rea de Ensino de Cincias e Matemtica da CAPES engloba 21 mestrados acadmicos, 16 profissionais e 8 doutorados em 33 programas22. Vrias sociedades cientficas, como a Sociedade Brasileira de Fsica, a Sociedade Brasileira de Matemtica e a Sociedade Brasileira de Bioqumica e Biologia Molecular mantm atividades voltadas para o ensino de cincias, e existem algumas publicaes especializadas tambm ligadas a departamentos ou sociedades cientficas.23 A Associao Brasileira de Centros e Museus de Cincia lista mais de uma centena de centros e museus de cincia no pais, muitos deles com projetos ativos de educao cientfica para professores, estudantes e o pblico em geral (Associao Brasileira de Centros e Museus de Cincia 2005). A Fundao Vitae, ativa no Brasil at 2005, teve um papel muito importante ao financiar muitas destas iniciativas mais importantes (Fundao Vitae 2006). 22 Marco Antnio Moreira, A rea de Ensino de Cincias e Matemticas da CAPES,

apresentao em powerpoint disponvel em http://www.ieee.org/portal/cms_docs_iportals/iportals/education/preuniversity/tispt/Region9 /challenges_opportunities.ppt , acessada em 12/06/2009. 23 Investigaes em Ensino de Cincias, publicada desde 1996 pelo Instituto de Fsica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e Cincia & Educao, publicada desde 2005 pelo programa de Ps-Graduao em Educao para a Cincia da Faculdade de Cincias da UNESP em Bauru; Revista Brasileira de Ensino de Bioqumica e Biologia Molecular, publicada pela Sociedade Brasileira de Bioqumica e Biologia Molecular desde 2001.

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7. Os projetos brasileiros de educao em cincias A maioria dos projetos de educao inicial em cincias existentes no Brasil concentra sua ateno nos aspectos motivacionais e no desenvolvimento das atitudes de observao e manipulao de materiais, com transmisso de determinados conhecimentos cientficos iniciais, atravs de mdulos temticos. Os estudantes so estimulados a levantar questes, tanto quanto possvel prximas a suas experincias de vida, e, para encontrar as respostas, manipulam materiais e instrumentos, discutem em grupo os resultados encontrados, e registram seus resultados de forma escrita. Em alguns casos, a interveno do professor mnima; em outros, o professor tem uma idia bem clara dos resultados que espera que os estudantes encontrem, e dos conceitos e teorias cientficas que devem aprender. Em alguns casos, tambm, professores e estudantes tm sua disposio guias e livros didticos que podem ser consultados a respeito de como escolher os temas, proceder aos experimentos e encontrar explicaes. Em outros, os postulados construtivistas so mais extremados,