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II Encontro Nacional de Produtores e Usuários de Informações Sociais, Econômicas e Territoriais Rio de Janeiro, 21 a 25 de agosto de 2006 Documento apresentado para discussão

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II Encontro Nacional de Produtores e Usuários de Informações Sociais,

Econômicas e Territoriais

Rio de Janeiro, 21 a 25 de agosto de 2006

Documento apresentado para discussão

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Ensino de Cartografia para Populações Minoritárias

Regina Araujo de Almeida (Vasconcellos) [email protected] Laboratório de Ensino e Material Didático - LEMADI

Departamento de Geografia – FFLCH - USP

“Tolerar a existência do outro e permitir que ele seja diferente, ainda é muito pouco. Quando se tolera, apenas se concede, e essa não é uma relação de igualdade,

mas de superioridade de um sobre o outro.” José Saramago Introdução O que são minorias para a Cartografia? Quem são? O que diferencia o mapa voltado a usuários com necessidades especiais? A utilização de outros canais de comunicação e dos sentidos da audição e tato, além da visão, abre uma perspectiva de ampliação do uso da linguagem cartográfica na educação. Vários grupos de usuários de mapas, tais como jovens com dificuldades de aprendizagem e idosos podem ser beneficiados com a utilização de todos sentidos. No caso das pessoas com alguma restrição física e usuários de cadeiras de rodas, a adaptação do mapa atinge a etapa da coleta e representação das informações, como por exemplo, a existência de rampas, sanitários adaptados e eventuais barreiras arquitetônicas. O presente trabalho propõe uma discussão sobre o ensino da Cartografia para populações minoritárias, em particular indígenas e pessoas com restrição sensorial. Estes dois estudos de caso esclarecem questões relacionadas ao processo da comunicação cartográfica e evidenciam a importância da educação cartográfica. A experiência da autora com professores do ensino fundamental e médio cujos alunos são crianças e usuários com necessidades especiais, tem mostrado o potencial dos mapas também no âmbito da educação diferenciada. Algumas populações minoritárias, tais como pessoas com deficiência visual, dependem de uma cartografia não convencional, voltada a realidades diversas, onde o ensino e a aprendizagem de Geografia tem objetivos diversos. Esses grupos de usuários requerem treinamento específico e disponibilidade de mapas com características especiais em termos de concepção e produção. Pensando neste público que inclui professores e alunos, percebe-se que surge uma possibilidade real de integrar algumas das principais questões enfrentadas pela Cartografia, incluindo os contextos cultural e social, além da aproximação da teoria com a prática. Apesar das novas tecnologias terem introduzido grandes mudanças e progressos na Cartografia, pouca atenção tem sido dada à maioria dos grupos de usuários com necessidades especiais como alunos com deficiências (sensoriais, físicas, de aprendizagem) ou aqueles vivendo em realidades diversas da escola convencional, como são as crianças e jovens das escolas indígenas e seus professores nativos e bilíngües.

As populações tradicionais, principalmente as indígenas, precisam ser introduzidas à linguagem gráfica e cartográfica, conhecer os diferentes produtos e as novas tecnologias, tais como fotografias aéreas, imagens de satélite, GPS. São conhecimentos e informações fundamentais para mapear o passado, o presente e o futuro, com suas memórias e visões, sua história e cultura, suas riquezas. Um grande desafio para cartógrafos consiste em destacar o papel dos etnomapas e da Geografia na superação dos problemas sociais e ambientais, transformando a realidade destas populações, expressando novas relações, resgatando e preservando culturas ancestrais.

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Figura 1 - Atlas Geográfico Indígena do Acre, CPI-Acre (Gavazzi,R.A. & Rezende M.S.org,1998) Cartografia Tátil: experiências com educação diferenciada e inclusão de minorias

Desde 1988, a autora desenvolve pesquisa e orienta trabalhos científicos sobre Cartografia Tátil, voltada a usuários com deficiência visual (Vasconcellos, 1991; 1992; 1993; 1995, 1996; Almeida, 2001, 2002, 2006). O estudo concentrou atenção em duas áreas: 1. concepção e produção de materiais táteis – análise, construção e teste de várias técnicas e produtos cartográficos, com especial atenção para uso de variáveis táteis, aplicando a semiologia gráfica (Bertin, 1977); 2. Uso da linguagem tátil, avaliação do processo de comunicação e desenvolvimento de programas de treinamento para professores e estudantes deficientes visuais. Uma vasta bibliografia foi organizada durante esse período e inúmeras atividades realizadas, inclusive eventos internacionais. No período de 1996 a 2006, o Laboratório de Ensino e Material Didático/LEMADI, Geografia-FFLCH-USP, continuou o trabalho com alunos de graduação e pós-graduação, mantendo o material didático tátil a disposição dos usuários e participando de projetos nacionais e internacionais, sob a coordenação de Waldirene Ribeiro do Carmo e Carla Gimenes de Sena, que ministraram cursos no Chile, Argentina e México entre 2003 e 2005.

A relevância de integrar crianças e jovens com necessidades especiais nas escolas e na vida cotidiana é amplamente reconhecida e apoiada. Neste aspecto, é preciso considerar esse grupo tanto como usuários de mapas como mapeadores. Além das razões que levam um aluno a utilizar a linguagem gráfica em várias disciplinas da escola, esses produtos são fundamentais para orientação e localização, para a leitura e a compreensão do espaço geográfico nas suas várias escalas.

A combinação de diferentes imagens, tais como, mapas, fotografias convencionais, imagens de satélites e ilustrações, é muito importante para aprender Geografia e motivar o aluno (Vasconcellos, 2000; Almeida, 2005), mas dependem essencialmente da visão nesse processo de aprendizagem. Usuários com deficiência visual podem recorrer ao tato para conhecer o espaço geográfico. Na verdade, utilizam esse canal também para sua orientação e mobilidade no espaço, inclusive na escala das edificações e das ruas. Assim, é fundamental que essas pessoas tenham acesso a mapas táteis e outros materiais didáticos que possam ser percebidos pelo sentido do tato e pela força motora (maquetes, ilustrações em relevo, dentre outras). Daí a importância desta área de pesquisa, principalmente na cartografia escolar.

Mapas táteis são excelentes exemplos para destacar a relevância do processo de comunicação cartográfica, tema amplamente estudado pelos cartógrafos há mais de

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40 anos. Na Cartografia Tátil, a comunicação bem sucedida requer a adoção de novas abordagens, uma vez que os problemas que pessoas com deficiência visual encontram são diferentes daqueles identificados com os usuários videntes.

Figura 2 – Mapas táteis produzidos no LEMADI – Geografia FLLCH/USP

Com base na pesquisa empírica, a autora desenvolveu um modelo de comunicação cartográfica tátil, que enfatiza a natureza e o papel da concepção e uso do mapa (Vasconcellos, 1993; 1995; 1996). A idéia básica é considerar uma estrutura dinâmica onde todas as variáveis estão inter-relacionadas e conectadas umas às outras. O sistema proposto valoriza o papel do usuário, uma vez que ele deve estar presente durante todos os estágios do processo cartográfico, avaliando sua eficácia. Os fatores determinantes para ambos, o usuário e o cartógrafo, foram destacados no modelo, por exemplo, a criatividade, a motivação e as habilidades inatas ou aprendidas. Outros fatores são específicos dos usuários ou dos cartógrafos, tais como o conhecimento teórico ou técnico para o mapeador ou a influência psicológica ou deficiência sensorial para o usuário. A ampla gama de variáveis reunidas no modelo proposto expressa a complexidade do processo cartográfico (Vasconcellos, 1996, p.97). Dessa forma, trabalhar com novos grupos de usuários pode aprofundar a discussão e propor uma nova avaliação dos mapas como meios de comunicação.

A concepção cartográfica (design) tem sido estudada pelos cartógrafos com diferentes abordagens. É uma fase vital no processo de comunicação da informação geográfica e dados espaciais. Questões teóricas e práticas relacionadas à concepção são apresentadas em Wood e Keeler (1996), adicionando conhecimentos relevantes a este tema. Tendo em vista usuários com necessidades especiais, problemas freqüentemente evitados em Cartografia, tornam-se qualidades e condições para garantir a comunicação. O grau de generalização requerido, por exemplo, inclui omissões, exageros e distorções nunca imaginadas pelos cartógrafos tradicionais. Pesquisas sobre criação de mapas táteis, produção e uso tem sido feitas por um grande número de especialistas no exterior (dentre eles, Wiedel, 1988; 1972; Edman, 1992; Andrews e tal. 1991; Bentzen, 1982; Levi e Amick, 1982; Kidwell e Greed, 1973). Existem diversos estudos sobre legibilidade e discriminabilidade dos signos táteis e uma considerável quantidade de pesquisa aplicada em cartografia tátil tem sido realizada. Entretanto, stas pesquisam, usualmente, falham ao levar em consideração todas as variáveis envolvidas na criação e uso de um mapa tátil.

A autora apresentou um conjunto de sugestões e recursos direcionados para criação, produção e uso do mapa tátil (Vasconcellos, 1993, 1996), definido após testes

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com mais de 200 adultos e crianças com deficiência visual. Os materiais construídos foram avaliados também por professores de educação especial. Os resultados coletados em vários anos de pesquisas com mapas táteis abriram novos caminhos para uma Cartografia Escolar voltada à educação diferenciada. Etnocartografia: construção e uso de mapas com populações indígenas

O Brasil possui hoje cerca de 200 nações indígenas e uma população de mais de 300.000 nativos, a maioria em terras indígenas com escolas diferenciadas, contando com um Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (MEC, 1998). Várias iniciativas no Brasil têm introduzido Geografia e Cartografia para as populações indígenas. Uma delas foi desenvolvida no estado do Amapá com os Waiãpis, para ensinar Cartografia e possibilitar a leitura de mapas convencionais para identificar os limites das terras indígenas que estavam sendo oficialmente demarcadas naquela época. O projeto terminou com a publicação de um Livro de Mapas em 1992 (Gallois, 1992, 2001), apresentando mapas feitos pelos nativos e por cartógrafos. Os mapas dos Waiãpis tem mais que só lugares porque eles representam o território junto com sua história e também porque incorporam uma relação profunda com o espaço geográfico.

Uma outra iniciativa a ser destacada consiste no trabalho desenvolvido pela Comissão Pró-Índio do Acre, com seus vários projetos. Um deles é a formação de professores indígenas bilingües, envolvendo a publicação de livros didáticos escritos pelos professores indígenas do Acre, inclusive diversos livros de Geografia e um Atlas de Geografia Indígena do Acre (Gavazzi, 1993, 1996; Monte, 1996, 2003). Estas ações transformaram seu conhecimento e sua tradição oral, trazendo novas dimensões para sua história e sua geografia. Como eles disseram: “as palavras não vão mais embora com o vento”. Em ambos os projetos, os nativos avaliaram os mapas como representações incompletas de seu espaço e das suas percepções e vivências holísticas. Estas populações tradicionais sempre usam muitos símbolos pictóricos e seus mapas parecem aqueles feitos por crianças, mas ao mesmo tempo, demonstram um conhecimento aprofundado do seu território e possuem interesse acentuado na aprendizagem e uso da linguagem cartográfica.

Figura 3 - Mapa elaborado durante as aulas de cartografia no Centro de Formação dos Povos da Floresta - Comissão Pró-Índio do Acre

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As atividades ligadas ao estudo e à representação de seus territórios auxiliam na proteção de suas terras e de sua cultura, na realização de diagnósticos ambientais, garantindo a conservação dos recursos naturais e a sustentabilidade social e econômica das comunidades. Dessa forma, utilizam a geografia e os mapas por razões diferentes e de formas não convencionais. Sem dúvida, existe uma necessidade de visualização do território, transpondo para o papel uma percepção e um conhecimento ancestral do espaço. Além de desenhar mapas mentais, é preciso conhecer também os mapas convencionais e digitais para representar o mundo em que vivem e suas várias dimensões, sejam elas materiais, físicas, sociais ou culturais.

Figura 4 – Representação da terra indígena Ashaninka, elaborado por AAFI – CPI-Acre

No futuro, a autora espera aprofundar os resultados já coletados, como por

exemplo, as reflexões sobre o uso do mapa para populações indígenas. Baseando-se em suas respostas, os mapas tem as seguintes funções: expressões de arte, localização e orientação, apresentação de suas terras aos visitantes, apoio para viagens de deslocamento, definição das terras indígenas e suas demarcações, inventário e gestão e manejo dos recursos naturais, consciência e educação ambiental e ações para a preservação e conservação do meio ambiente em seus territórios.

A proposta de uma etnocartografia tem sido estudada, assim como analisados exemplos e experiências relacionadas com a construção e uso de mapas nas terras indígenas brasileiras, com especial referência às etnias atendidas pela Comissão Pró-Índio do Acre – CPI. Em Rio Branco, Acre, são ministrados cursos de formação para professores indígenas e agentes agroflorestais indígenas – AAFI, onde é introduzida a linguagem dos mapas e das imagens de satélite, seus usos e funções, assim como seu papel no desenvolvimento social e econômico destas comunidades. Os resultados têm sido extremamente positivos, inclusive com a introdução de técnicas de geoprocessamento para a elaboração dos etnomapas. Além das atividades realizadas no Centro de Formação dos Povos da Floresta, coordenado pela CPI-Acre, são também oferecidas oficinas nas terras indígenas acreanas. O Ensino de Geografia e Cartografia para Populações Indígenas: experiências junto à CPI-Acre

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Durante oito cursos ministrados pela autora (2000-2004) foram realizadas

diversas atividades para introduzir noções básicas de Geografia e Cartografia (tais como escala, localização e orientação), através de desenhos, exercícios práticos e trabalhos em grupo.

Figura 5 – Exemplos de rosa dos ventos desenhadas por professores indígenas

Além das noções básicas, outros temas foram abordados, por exemplo, etnomapas; gestão ambiental e manejo dos recursos naturais, conceito de território indígena; relação natureza/sociedade indígena; processo de invasão e demarcação do território indígena; organização e uso do território indígena; extrativismo e agricultura; artesanato; caça e pesca; relação aldeia - cidade - Brasil – mundo. Nas aulas, inúmeros mapas e desenhos foram elaborados e discutidos.

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Figura 6 - Exemplos de Livros de Geografia organizados e publicados para uso nas escolas indígenas. As ilustrações e textos foram produzidos, na sua maioria, por professores indígenas.

Figura 7 - Professores e agentes agroflorestais indígenas nas aulas de Geografia e Cartografia, no Centro de Formação dos Povos da Floresta da Comissão Pró-Índio do Acre.

Umas das atividades realizadas com agentes AAFI e professores foi a discussão de um diagnóstico para identificar e analisar problemas e necessidades das

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comunidades selecionadas, utilizando dados geográficos, representações gráficas (desenhos, mapas, gráficos) e depoimentos dos participantes. Esta experiência centrou-se no trabalho das comunidades, divididas em grupos, que refletiram e produziram desenhos e mapas sobre três épocas:

Passado: como eram as terras indígenas, sua extensão e fronteiras, a história de cada comunidade e sua cultura, os recursos naturais disponíveis, o meio ambiente, a vida.

Presente: o que mudou daquele passado, na cultura, na política, na economia, na qualidade de vida da comunidade, como se encontram os recursos naturais e o meio ambiente no momento atual. Esta fase corresponde ao diagnóstico ambiental também realizado através de discussões, mapas, desenhos, textos.

Futuro: corresponde à geografia e ao mapa dos sonhos. O que a comunidade quer para os tempos que virão, pensando a partir do passado e do presente. Nesta etapa, os grupos discutem e fazem propostas para a Agenda 21 das Terras Indígenas ou de outras populações tradicionais envolvidas e suas comunidades.

Figura 8 - Mapas elaborados pelos professores indígenas durante aulas de Geografia, no Centro de Formação dos Povos da floresta, CPI - Acre. Inúmeros textos, desenhos e mapas foram apresentados durante as aulas no Centro de formação dos Povos da Floresta da CPI-Acre e foram levados para as terras indígenas para serem amplamente discutidos as comunidades e outros líderes locais. Pela avaliação realizada pelos participantes do curso, a atividade de refletir e produzir desenhos e mapas sobre o passado, o presente e o futuro despertou um interesse muito grande, o que levou os professores a planejarem a continuidade desses trabalhos junto às suas escolas e comunidade. Exemplos de depoimentos: “Foi muita satisfação acompanhar as apresentações, Sonhando, trabalhar a sabedoria, a volta ao passado, povo não índio pedindo ajuda, Fazer auto avaliação, Tudo apresentado foi fonte de experiência para professores...” Professor indígena Célio “Foi uma semana com muito proveito, Deu reflexão no pensamento. Alguns sonhos dos outros são realidade, valorização.

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Como uma foto, as apresentações deu para viajar no pensamento da pessoa ao ver mapas. Cada um tem um sonho! Tem que ir com objetivos... “ Professora indígena Raimunda

Considerações Finais: abordagem multicultural e novas cartografias “A verdadeira viagem seria não partir em busca de novas paisagens, mas ter outros olhos, ver o universo com os olhos de outra pessoa, de cem pessoas, e ver os cem universos que cada uma vê, que cada uma é.” (Marcel Proust)

Neste início do Século XXI, a Cartografia destaca-se pelos novos produtos,

novos usuários, novas abordagens, com mapas atingindo um público maior e encontrando caminhos mais inovadores, acima de tudo com relação à educação de crianças e jovens. Hoje, novas tecnologias digitais estão revendo as bases teóricas da Cartografia, uma vez que os mapas digitais que aparecem nos monitores do computador, nas telas de celulares e agendas, precisam ser avaliados como meios de comunicação da informação espacial. Pesquisas cognitivas e de percepção serão necessárias para melhorar o design de mapas em todas as suas formas. Taylor (1996) resumiu desafios e respostas para estas questões, destacando o papel e as interações da comunicação, da cognição e da formalização. Muitos autores estrangeiros apresentaram e discutiram o papel do mapa na educação (Tilbury e Willians, 1997; Gerber, 1992; Boardman, 1983; Petchnick, 1979) e no Brasil esses estudos tem sido desenvolvidos por vários autores e extensivamente publicados. Da mesma forma, questões sobre percepção e representação espacial tem sido estudadas por vários geógrafos e cartógrafos nas últimas tres décadas, desde os primeiros trabalhos publicados (Fremont, 1973; Gould, 1974; Tuan, 1975; Down & Stea, 1977; André, 1989; Bailly, 1989). Muitas são as publicações sobre mapas mentais, representações do espaço vivido e percebido, assim como outros temas relacionadas à Cartografia e à Geografia, e que poderiam ser aplicados aos usuários com necessidades especiais e principalmente tendo em vista uma abordagem multi e intercultural na produção e uso dos mapas.

Novos fatos econômicos, políticos e sociais, em conjunto com uma variedade de inovações tecnológicas estão trazendo importantes mudanças na Cartografia em todos os níveis. Taylor em diversas publicações (1991, 1996, 2006; MacEachren e Taylor, 1994) tem apresentado excelentes análises sobre este tema, chamando a atenção para a necessidade de novos conceitos para a Cartografia, considerando os contextos cultural e social, sem a predominância de paradigma tecnológico. Questões teóricas e novas abordagens dentro da Cartografia são discutidas em diversas obras (Wood, 1992; Kanakubo, 1993; Darling e Fairbaurn, 1997, Taylor, 2005). A Cartografia deve ir além das novas tecnologias trazidas pela era da informação, não esquecendo o contexto social (Harley, 1989; 1990; Turnbull, 1989) , em conjunto com a subjetividade e a diversidade cultural.

Nos anos 90, com tecnologias de computador trazendo novos desafios para a disciplina, os cartógrafos estão redescobrindo alguns temas, agora vistos como parte da visualização cartográfica. Peterson (1994) apresenta uma excelente análise deste assunto. No Brasil e no mundo, existem poucos estudos sobre percepção espacial e mapas por e para usuários com necessidades especiais, os quais dependem de diferentes abordagens e estratégias inovadoras. Esses usuários talvez não populações tão minoritárias como pode parecer em uma primeira análise. Eles precisam ser introduzidos a uma linguagem gráfica e cartográfica, conhecer os diferentes produtos cartográficos, além de mapear lugares, memórias e visões, sua história e sua cultura.

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É preciso aprofundar as reflexões e realizar pesquisas sobre cartografia para novos grupos de usuários com necessidades especiais, tais como as populações indígenas, seus professores e alunos como usuários de mapas e mapeadores, as pessoas com deficiências sensoriais e de aprendizagem, idosos, sem mencionar todo o universo das crianças e dos jovens. Os mapas também podem retratar emoções, sonhos, conhecimentos ancestrais das populações indígenas, ou conectam pessoas ao mundo das imagens através de outros canais. É preciso valorizar as memórias do passado, assim como as representações cartográficas não convencionais, desde os desenhos de um professor indígena até mapas virtuais, sonoros e digitais, adaptados ao sentido do tato e acessíveis aos usuários com necessidades especiais (Almeida e Tsuji, 2005), como propõe uma nova cartografia cibernética proposta por Taylor (2005).

Mapear arte, memórias, experiências e sensações devem fazer parte da cultura cartográfica. Mapas representando imagens mentais deveriam ser parte de nossa história, como são para as populações indígenas, como foram no passado; são mapas delineando cosmovisões, expressando novas relações, resgatando e preservando culturas ancestrais e seus muitos espaços: físico, cultural, social, virtual.

O desafio é destacar o papel de todos estes mapas na superação dos problemas sociais e das desigualdades, transformando a realidade, atingindo mais pessoas, promovendo a inclusão, oferecendo oportunidades para aprimorar o conhecimento cartográfico dos novos produtores e usuários da informação geográfica e das representações em suas várias formas, incluindo o meio digital.

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