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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE APORIAS DO SISTEMA DE PROTEÇÃO E PUNIÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES DOMINGOS ANTONIO DIAS Orientadores FRANCIS RAJZMAN LILIAN OLGA FERREIRA FONSECA Rio de Janeiro 2010 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

APORIAS DO SISTEMA DE PROTEÇÃO E PUNIÇÃO

DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

DOMINGOS ANTONIO DIAS

Orientadores

FRANCIS RAJZMAN

LILIAN OLGA FERREIRA FONSECA

Rio de Janeiro

2010

DOCUMENTO PROTEGID

O PELA

LEI D

E DIR

EITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATU SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

APORIAS DO SISTEMA DE PROTEÇÃO E PUNIÇÃO

DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como condição prévia para a

conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu”

em Direito e Processo Penal

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Professor Francis Rajzman, do

IAVM/UCAM e a Dra. Lílian Olga Ferreira Fonseca,

coordenadora do Escritório Modelo da Ordem dos

Advogados do Brasil, seção Rio de Janeiro, por terem

dispensado parte do seu tempo à orientação e revisão deste

trabalho.

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RESUMO

DIAS, D. A. Aporias do sistema de proteção e punição de crianças e adolescentes. 2010. 45 F. Monografia (Pós-graduação em Direito) Instituto A Vez do Mestre – Universidade Candido Mendes, Rio de Janeiro, 2010.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/1990, ocupa dentro do ordenamento jurídico brasileiro a função de um diploma penal, mas que, no entanto, foi saudado como uma lei destinada a promover e proteger os interesses de crianças e de adolescentes. Embora a sua criação e instituição tenham sido precedidas por um devido processo legislativo, isto é, foi discutida, elaborada, votada e aprovada pelos representantes do povo, a própria sociedade, responsável pela formação do Congresso Nacional sempre que pode insurge-se contra a sua existência. Atribuem à aparente ou presumida benevolência dos institutos dispostos naquela lei a causa da repetição de eventos violentos, cujos principais agentes sejam crianças ou adolescentes. Por outro lado, há aqueles que, insurgindo-se contra os dispositivos repressivos do diploma, demandam mais compreensão e proteção. Ambos os lados guardam, entretanto, uma característica em comum: o problema está sempre fora de sua esfera pessoal e de sua categoria social. O problema está nos outros. Para os primeiros, o problema está nos filhos dos outros, para os segundos, o problema está nos pais dos outros. Essa alteridade e unidirecionalidade não estão presentes apenas nas discussões vulgares do cotidiano; atravessam a própria organização do Estado, o qual acolheu as contradições produzidas na própria sociedade e as transportou para dentro da lei. Em torno do “Estatuto” e da necessidade de se realizar as suas promessas, construiu-se um sistema administrativo que torna visível as contradições insuperáveis originadas de costumes nutridos no interior das famílias que vêem as leis como um problema que deva ser tratado das portas para fora.

Palavras-Chave: Criança; Adolescente; Costumes; Família; Lei penal; Punição; Direito; Filosofia.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................ 07

1. SOCIEDADE ASTUCIOSA................................................................................... 11

1.1 NORMAS ÁGRAFAS............................................................................................. 12

2. INIMPUTABILIDADE............................................................................................ 15

2.1 SITUAÇÃO IRREGULAR...................................................................................... 17

2.2 APLICAÇÃO SELETIVA DA LEI......................................................................... 18

3. APORIAS – O DISCURSO E SUAS CONTRADIÇÕES..................................... 21

4. O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE...................................... 24

4.1 CONANDA.............................................................................................................. 32

5. O DIREITO DA FAMÍLIA..................................................................................... 34 6. RAZÃO INSTRUMENTAL.................................................................................... 38

CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................... 41

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 43

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No Tempo em que festejavam o dia dos meus anos,

Eu era feliz e ninguém estava morto.

Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há

séculos,

E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião

qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,

Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,

De ser inteligente para entre a família,

E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.

Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.

Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Fernando Pessoa, 1929.

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INTRODUÇÃO

Fazemos parte de uma tradição social que, ao longo da história, ocupou-se com a

colocação dos mais jovens em uma categoria diferenciada de seres humanos.

Progressivamente, a sociedade brasileira, tanto ou mais que outras sociedades

ocidentais, formou a consciência de que os mais jovens são merecedores de atenção

especial e privilégios no cotidiano da sociedade e nos seus planos para o futuro.

Expressões tais como, “coisa de criança”, “criança tem que ser arteira”,

“primeiro as crianças”, indicam tal condição privilegiada e uma pré-disposição da

sociedade à tolerância com comportamentos desimpedidos de regras. As “molecagens”

quando praticadas por crianças, tem sido, não só toleradas, mas também estimuladas.

Pari passu com o desenvolvimento desta consciência, complicaram-se as

relações no interior das cidades1. O significado mais profundo desse processo

encontramos traduzido em idéias que bem resumem o quadro geral: o ímpeto voltado

para a exploração deixou de encontrar qualquer limite; os ricos deram um jeito de

ficarem mais ricos e os pobres mais pobres; o volume de riqueza aumentou, com

reflexos inegáveis nos orçamentos públicos; o resultado da atividade tributária do

Estado aumentou tanto relativamente quanto absolutamente, há mais contribuintes e o

volume de tributos suportado por cada um deles é maior do que antes, sem que haja uma

1 (...). Ao mesmo tempo que os salários dos trabalhadores industriais tendem a baixar, verifica-

se, ainda que com menor ímpeto, uma imigração de gente pobre proveniente de áreas rurais modernas, de áreas rurais tradicionais e de outras áreas urbanas. As grandes cidades são propícias a receber e acolher gente pobre e lhes oferecer alguma espécie de ocupação (não propriamente empregos). Mas as grandes cidades também criam gente pobre (...).

Sem dúvida, a presença de pobres e a correspondente depressão do mercado de trabalho e dos salários projetam-se no empobrecimento das respectivas municipalidades. Esse problema, aliás, é agravado com o crescente desmantelamento do estado do bem-estar, o que contribui para um empobrecimento ainda maior da população.

A metrópole é o lugar em que se dão sucessivas adaptações ao moderno sem atenção ao preexistente. Todavia, o custo do alheamento com o qual se implanta essa modernidade representa um peso sobre os outros aspectos da vida local, mediante custos públicos e privados, custos federais, estaduais e municipais. Tais adaptações ao moderno representam lógicas distantes, que incidem sobre subáreas privilegiadas mediante uma evolução que se realiza com a recusa a uma vocação própria e a um destino produzido de dentro do organismo urbano. Toda a cidade, entretanto, sofre os resultados desse processo. (...). (Milton Santos e Maria Laura Silveira, p.286/287).

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contrapartida (eficaz e permanente) por meio da atuação daquilo que se convencionou

chamar de estado do bem-estar social.

Os efeitos desta riqueza ou pobreza, conforme seja o lado em que se esteja, irá,

de um modo ou de outro, desdobrar-se sobre todos os que participam de sua ocorrência.

Uns dela usufruindo e participando da reorganização dos padrões de consumo e

produção de novas necessidades, outros participando de sua produção, empregando a

força de seu trabalho e, nas horas vagas, passeando em frente às vitrines. Via de regra,

fora do mercado de trabalho, por um motivo ou por outro, a uma parte do lado mais

pobre da sociedade ficará reservado o exclusivo papel de passeadores – trata-se aqui das

crianças e dos adolescentes.

Um dos resultados dessa desproporção, que não é exclusivamente

contemporânea ou brasileira, é a produção na esfera íntima de cada um de sentimentos

de frustração, fracasso e tantos outros que se possa extrair deste campo semântico. Este

resultado é mais notável naqueles que, além de não terem alcançado a condição de

ricos, não alcançaram também a maturidade para compreender inteiramente o que se

passa a sua volta – novamente elas, as crianças e os adolescentes.

Esta advertência inicial permanecerá assim mesmo – deslocada do corpo deste

estudo, sem maiores desenvolvimentos, pois não é esta a pretensão deste trabalho.

Contudo, a referência ao fundo econômico do problema a ser tratado deve ser feita ao

menos como indicação de que se está consciente para a complexidade do tema e de suas

possíveis implicações. Por outro lado, em se tratando da prática de crimes, ou atos

infracionais semelhantes a crimes, por crianças e adolescentes, a experiência tem

mostrado que tal fenômeno não parece ser exclusivo desta ou daquela classe social.

Assim, caso se queira fundamentar uma argumentação acerca do problema nas

condições materiais de existência, esta talvez encontrasse plena validade quanto à

quantificação das condutas, mas seria insuficiente para explicar o fenômeno.

O problema central deste trabalho são as dificuldades teóricas e morais em se

produzir um entendimento que leve à elaboração e justificação de uma legislação do

tipo penal destinada a crianças e adolescentes.

Tais dificuldades não foram trazidas à consideração quando se elaborou, não

obstante, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o que, como se verá, não constitui um

problema quando se está a falar do Direito e de suas produções.

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Espera-se poder apresentar neste trabalho as contradições existentes na própria

sociedade e os seus reflexos no Estatuto da Criança e do Adolescente. Tais contradições

serão apresentadas como limites morais à tentativa extrema de controlar as causas a

partir dos seus efeitos.

O legislador, em sua tarefa de representar o interesse de todos diante de todos,

realiza atos legislativos que respondam a anseios contemporâneos e não a postulados

teóricos que imponham coerência e consistência ao discurso. Assim, na elaboração do

estatuto, repetiu e cristalizou o dilema que se impõe aos que querem punir e proteger

crianças e adolescentes.

A repetição de episódios violentos, protagonizados por indivíduos classificados

pelo ordenamento jurídico nacional como crianças ou adolescentes, têm estimulado a

sociedade a clamar pela elaboração de uma legislação punitiva que agrave os castigos

impostos aos menores infratores. Por outro lado, há também aqueles que clamam por

leniência ou clemência e transferem a culpa propriamente dita pelos atos praticados por

jovens para a própria sociedade.

No centro deste debate, ou suposto debate, está o Estatuto da Criança e do

Adolescente, considerado por ambos os lados da contenda como insuficiente, conforme

as razões e motivações peculiares a ambos.

Por despertar na sociedade impulsos ao mesmo tempo protetivos e punitivos, tal

matéria há de ser, ainda por muito tempo, bastante problemática para o Direito. Dessa

forma, por demandar tomada de posições por parte daqueles que diretamente

contribuem para a construção do ordenamento jurídico, impõe-se ao meio acadêmico

alguma contribuição, especialmente contribuições que procurem, tanto quanto seja

possível, afastar-se da paixão que acaba por conduzir o debate.

Para tal tarefa, espera-se poder empreender uma avaliação não de todo o diploma

já referido, mas de aspectos que revelam os seus limites e os limites que possíveis

alterações possam encontrar, sejam elas em relação à própria consciência social, sejam

em relação à própria coerência e consistência de tal legislação dentro do sistema

jurídico.

Demonstrada a inviabilidade teórica, isto é, no interior do próprio discurso, que

permita deduzir a legitimidade de um instrumento penal cujo alvo sejam “os menores”,

a resposta ao problema surgido da necessidade de se lidar com a eventual conduta

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criminosa manifestada por crianças e adolescentes deverá ser buscada na política. A

possibilidade de submeterem-se crianças a algum tipo de pena deveria, por força dos

limites impostos pela Constituição, estar fora do campo de opções dispostas pelo

direito, mas sabe-se que tal não acontece.

As aporias reveladas neste estudo afastam a decidibilidade do campo meramente

jurídico e impõem ao teórico a devida reflexão filosófica que desvele a anterioridade do

próprio problema.

Admitindo-se provisoriamente a impossibilidade filosófica de se afirmar ou

negar, no plano exclusivamente teórico, a validade das proposições que fundamentam a

legislação penal, ainda assim, resta-nos, de modo igualmente filosófico, a necessária

reflexão acerca dos limites da própria conduta humana. Quaisquer que sejam as

decisões políticas que venham a ser tomadas no futuro, estas terão que se haver, senão

com a lógica, ao menos com a ética.

O objeto central deste estudo é o texto da Lei 8.069/90 e as sentenças

normalmente proferidas pelo senso comum acerca da ineficácia ou presumido

despropósito de uma Lei que proteja de modo especial os mais jovens. O entendimento

produzido pelo senso comum não será obtido de nenhuma fonte específica, pois este

está disseminado por todo o espectro social, compondo o próprio vocabulário atual.

A natureza deste estudo impõe a adoção de procedimentos hermenêuticos

consistentes na análise dos enunciados que venham a ser problematizados quanto a sua

própria estrutura interna e o recurso a autores que tenham refletido sobre questões

concernentes aos limites do discurso racional e aos limites da elaboração legislativa.

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1. SOCIEDADE ASTUCIOSA

Recolhe-se da mitologia grega a narrativa que dá conta do fado de Sísifo e a

causa de seu infortúnio. Segundo a narrativa, aliás, diversas e esparsas narrativas, Sísifo

era um homem muito astuto. Por diversas vezes conseguiu sobrepor-se a homens e

deuses fazendo prevalecer seus interesses. Bastante convincente, era capaz de fazer com

que acreditassem no que lhe convinha para alcançar seus objetivos. Tão astuto que era,

certa feita conseguiu enganar Tânato, a própria morte, prendê-lo e retornar ao mundo

dos vivos, causando com isso a ira de Hades, pois que desde então, ninguém morria.

Superado o problema com a captura de Sísifo, este tratou de ludibriar o próprio

Hades e, novamente, retornou ao mundo dos vivos. Mas, como costuma ocorrer, a

vitória e a sorte dos mortais sobre os deuses não duram para sempre e a retribuição

destes pela ousadia dos mortais costuma ser intensa e, como é próprio dos deuses, dura

para sempre. Assim, quando Sísifo, já velho, esgotou sua capacidade de enganar a

todos, morreu. Chegando ao Hades foi condenado a empurrar um penedo morro acima,

até o topo, mas quando finalmente lá chegava, a rocha escorregava morro abaixo. Seu

destino, sua condenação, seria repetir infinitamente esta tarefa.

Alguns viram neste mito a expressão da repetitividade opressiva do cotidiano e a

falta de sentido para a própria existência. Albert Camus chamou Sísifo de herói absurdo.

A interpretação que se busca aqui se prende à causa original da condenação de

Sísifo pelos deuses. Durante muito tempo, Sísifo acreditou que poderia tripudiar

indefinidamente de homens e deuses. Certamente não antecipou tão pesada punição.

Seu sofrimento não estava apenas materializado no esforço descomunal despendido

para empurrar a rocha até o topo do morro, vê-la escorregar e recomeçar a empurrá-la.

Seu sofrimento estava em contemplar, até o fim dos tempos, a completa ausência de

sentido de seus dias e de que ele, e somente ele, dera causa àquela condenação. O

penedo nunca seria posto no topo do morro e nunca ficaria de uma vez por todas em sua

base. Condenado, Sísifo jamais terminaria sua tarefa e jamais poderia desistir dela.

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Em todas as narrativas, Sísifo é descrito como um homem astuto. Homero o

descreve brevemente na “Ilíada” 2 como o mais astuto dos homens. Entretanto, o sentido

que atribuímos a astuto nos nossos dias é um pouco diverso do que aquele dos gregos.

Contemporaneamente, astuto identifica-se com perspicaz, atento, manhoso.

Estendendo-se o seu significado, acabamos também por usar a palavra “astuto”, quando

queremos qualificar alguém que seja malandro, matreiro. Estes últimos significados são

os que mais se aproximam do sentido que os gregos davam à palavra “astuto” –

panourgoj, ou, ainda, dolioj, ambos querendo significar, além de habilidoso e esperto,

também malicioso, maléfico, enganador.

1.1 NORMAS ÁGRAFAS

Então a moça abocanhou o dedão do pé dele e engoliu. Macunaíma chorando de alegria tatuou o corpo dela com o sangue do pé. Depois retesou os músculos, se erguendo num trapézio de cipó e aos pulos atingiu num átimo o galho mais alto da piranheira. Sofará trepava atrás. O ramo fininho vergou oscilando com o peso do príncipe. Quando a moça chegou também no tope eles brincaram outra vez balanceando no céu. Depois de brincarem Macunaíma quis fazer uma festa em Sofará. Dobrou o corpo todo na violência dum puxão mas não pôde continuar, galho quebrou e ambos despencaram aos emboléus até se esborracharem no chão. Quando o herói voltou da sapituca procurou a moça em redor, não estava. ... Macunaíma principiou atirando pedras nela e quando feria, Sofará gritava de excitação tatuando o corpo dele em baixo com o sangue espirrado. Afinal uma pedra lascou o canto da boca da moça e moeu três dentes. Ela pulou o galho e juque! Tombou sentada na barriga do herói que a envolveu com o corpo todo, uivando de prazer. E brincaram mais uma vez. 3

A sociedade brasileira ao longo do século XX incorporou paulatinamente ao seu

comportamento uma atitude de valorização e estímulo àqueles comportamentos

classificados como infantis. Adultos que adotam comportamentos próprios das crianças

e dos adolescentes passaram a contar com a admiração e o estímulo social. A

2 Ilíada. 6.152-5. 3 Andrade, Mário. Macunaíma, p.13.

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comunicação social encarregou-se de difundir esse novo ideal de adulto: “garotão”,

“brincalhão”, “parece um moleque”, “não me chama de avó, isso não tem nada a ver”.

Para as crianças, por sua vez, construiu-se a partir da escola a demonização do

“não”. Às crianças nada poderia, desde então, ser proibido. Não pode haver limites para

as manifestações infanto-juvenis. Antes da entrada de inovadoras pedagogias

estrangeiras, Machado de Assis já havia registrado a predisposição da sociedade

brasileira a aceitar de bom grado qualquer tese que a afastasse da penosa tarefa de

educar os mais jovens.

(...) De manhã, antes do mingau, e de noite, antes da cama, pedia a Deus que me perdoasse, assim como eu perdoava aos meus devedores; mas entre a manhã e a noite fazia uma grande maldade, e meu pai, passado o alvoroço, dava-me pancadinhas na cara, e exclamava a rir: Ah! Brejeiro! Ah! Brejeiro! (...) Meu tio cônego fazia às vezes alguns preparos ao irmão; dizia-lhe que ele me dava mais liberdade do que ensino, e mais afeição do que emenda; mas meu pai respondia que aplicava na minha educação um sistema inteiramente superior ao sistema usado; e por este modo, sem confundir o irmão, iludia-se a si próprio. 4

Platão, em sua obra, “Leis”, ocupou-se com o papel da educação das crianças na

formação das leis da Pólis e na própria formação do homem político, o que é chamado

modernamente de cidadão. Segundo Jaeger, em sua monumental “Paidéia – A formação

do homem grego”, Platão preconizava a busca por um justo termo na educação dos mais

jovens. Um meio termo entre o oferecimento do prazer e o afastamento do prazer. É

preciso estabelecer um hábito. Platão atribui tamanha importância ao hábito que vê

nesta palavra e;çqoj, hábito, a origem da palavra h-qoçj, caráter. De acordo com o filósofo,

é a formação do caráter dos mais jovens que irá, mais tarde, estabelecer o vínculo do

indivíduo com a Pólis e suas leis. Platão entende que esta formação fundada no hábito,

em normas não escritas, está na base da formação posterior de um sistema de leis

escritas, nomoj. Sem essa fundamentação, sem essa estrutura que lhe dá coesão, o

sistema não se sustenta. 5

Que todas as matérias que nos estamos agora descrevendo são comumente designadas pelo nome geral de costumes não escritos, e o

4 Machado de Assis. Memórias Póstumas de Brás Cubas. P.118/119. 5 Jaeger. Paidéia, p.924.

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que é chamado de ‘leis dos nossos ancestrais’ são de natureza similar àqueles. E a reflexão que surgiu mais tarde em nossas mentes, que nós não podemos chamar tais coisas de ‘lei’, mas tampouco podemos deixar de mencioná-las, justifica-se; pois elas são a argamassa que liga toda a Pólis. Estão espalhados entre as leis escritas, as quais estão ou serão postas. Eles são costumes ancestrais muito antigos, os quais, se ordenados corretamente e tornados habituais, protegem e preservam as leis escritas já existentes. Mas, se estes costumes afastam-se da retidão e caem na desordem, acabam por assemelharem-se as estacas dos construtores que, quando escorregam dos seus lugares fazem cair tudo o que suportavam. A queda de uma parte traz abaixo outra parte e, assim, a superestrutura cai porque as antigas fundações estão comprometidas. Refletindo sobre isso, Cleinias6, tu deves juntar a nova Pólis de todos os modos possíveis, não deixes nada de fora, grande ou pequeno daquilo que chamamos leis ou modos ou aspirações, pois por esses meios uma Pólis torna-se unida, e todas aquelas coisas só podem durar se existirem dependentemente umas das outras. E, assim, não nos admiremos se acharmos usos ou costumes triviais contribuindo para a continuidade de nossas leis. 7

Contrariamente a este entendimento, velho de 25 séculos, a sociedade brasileira

contemporânea não parece ver qualquer relação entre hábitos, caráter e leis. Atrai para

si, para aquilo que atualmente chama-se sociedade civil, o privilégio de estabelecer as

suas normas não escritas, áagrafa nomima, sem a interferência do Estado. Ao mesmo

tempo, clama pela interferência repressiva do Estado quando os seus bens jurídicos são

atingidos por aqueles que não sofreram a incidência da norma escrita em sua formação,

aqueles que só tiveram como contribuição à construção de seu caráter hábitos que não

nasceram com eles e que não contribuíram para estabelecer um vínculo entre estes e a

sua Pólis. Foram cultivados e transmitidos pela sociedade, que ora os teme. Aprenderam

que nada os cerceia e que as leis não lhes dizem respeito.

6 Cleinias é um dos personagens desse diálogo, que neste trecho, é mencionado pelo seu interlocutor – o Ateniense. 7 Platão. Leis. Livro VII.

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2. INIMPUTABILIDADE

A figura do inimputável já existia no imaginário popular, trata-se do “malandro”.

O sujeito que vive fora da norma, mas que “não faz mal a ninguém”. Enquanto sua

conduta não atinge de modo grave nenhum bem jurídico importante, este goza de um

salvo conduto social para perpetrar a sua conduta, permanecendo na malandragem.

O próprio pensamento jurídico, a partir da década de 60, passou a interessar-se

pelo desvalor do resultado da conduta delituosa. Criado o “Princípio da Insignificância”,

tem-se procurado deduzir deste princípio uma argumentação capaz de demonstrar a

desnecessidade de aplicação do direito penal a certas condutas, considerando-se, no

caso concreto, o efetivo dano, ou ausência de dano, ao patrimônio jurídico da vítima.

Alcança-se, assim, (embora a rigor não se trate de inimputabilidade) uma espécie de

inimputabilidade a partir da apreciação do valor do bem jurídico atingido, isto é, no

caso concreto, afere-se a necessidade de aplicação da lei penal pelas dimensões do bem

jurídico e do dano que este tenha sofrido. 8

Tal entendimento tem tido alguma aceitação entre os juristas brasileiros, o que

também se observa na jurisprudência:

TACrim SP - CRIME DE BAGATELA – Agente que furta bicicleta em péssimo estado de conservação, inclusive sem os pedais – Reconhecimento – Necessidade – Atipicidade da conduta – Ocorrência: – É atípica a conduta do agente que subtrai bicicleta em péssimo estado de conservação, inclusive sem os pedais, pois, tal conduta, por sua insignificância, não obstante formalmente típica, não merece, em razão do desvalor do resultado, a atenção do Poder Público que só deve ir até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico, não se ocupando de bagatelas. (Apelação nº 1.278.997/5 - Birigüi - 10ª Câmara - Relator: Vico Mañas - 21/11/2001 - V.U. (Voto nº 5.198)). 9

Com relação a crianças e adolescentes não se criou formalmente um princípio do

qual se pudesse deduzir a inimputabilidade dos agentes. Poder-se-ia chamar a esse

8 Cirino dos Santos. P.33/45. 9 http://www.tacrim.sp.gov.br/jurisprudencia/ementario/html/ementario28.html

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princípio ausente de “Princípio da Inocência Absoluta” e dele deduzir-se a sua

correspondente teoria. Mesmo sem uma teoria propriamente dita, alcançou-se, primeiro

no seio da própria sociedade e depois nas leis, um tipo de inimputabilidade que decorre

de uma qualidade do sujeito. Esta não depende, contudo, de aferição da situação no caso

concreto, já está dada abstratamente pela própria Lei:

São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. (Artigo 228. Constituição Federal 1988). Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. (Artigo 27. Código Penal). São penalmente inimputáveis os menores de 18 (dezoito) anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei. (Artigo 104. Estatuto da Criança e do Adolescente). 10

Qualquer que seja o bem jurídico atingido, qualquer que seja a gravidade com

que tal bem tenha sido atingido, a lei penal, propriamente dita, não poderá alcançar o

agente que, à data do fato, contasse menos de 18 anos de idade.

A inimputabilidade do agente menor de 18 anos estabelecida pela lei não foi

obra da vontade impositiva de um soberano sobre a sociedade. Ela foi gestada no

interior da própria sociedade e reflete a sua vontade.

Enquanto forem praticados com jovialidade, alegria, bom humor,

desprendimento, pés descalços ou calçados com sapatos brancos, os atos de malandros e

levados da breca contam com a leniência e cumplicidade do meio social, podendo

chegar a extremos.

Colheu-se dos meios de comunicação a notícia de um ato infracional cometido

por adolescentes de uma escola particular da Zona Sul do Rio de Janeiro. De acordo

com o relato dos jornais, dois ou três adolescentes montaram, de modo oculto,

equipamentos de filmagem no quarto de um deles e para lá levaram uma adolescente, 10 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. In: Vade Mecum 2010. São Paulo: Editora Saraiva, 2010. BRASIL. Decreto-Lei 2.848 de 1940. Código Penal. In: Vade Mecum 2010. São Paulo: Editora Saraiva, 2010. BRASIL. Lei 8.069 de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. In: Vade Mecum. 2010. São Paulo: Editora Saraiva. 2010.

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colega de turma na mesma escola, e com ela praticaram atos sexuais sem que esta

soubesse que estava sendo filmada. Após o fato, dispuseram as gravações na rede de

computadores, expondo à colega ao escárnio público.

A polícia e o Ministério Público deram início às providências cabíveis para o

caso, mas eis que a mãe da vítima, sua representante legal, após assistir à filmagem,

declarou-se “impressionada com a qualidade técnica e artística” do “trabalho” dos

rapazes. Afirmou serem eles “muito criativos e talentosos”. Clamou, ela própria, que

eles não deveriam ser punidos, mas educados no sentido de dirigirem os seus talentos

para outros tipos de trabalho.

2.1 SITUAÇÃO IRREGULAR

Embora houvesse por parte do legislador a preocupação em se estabelecer, com

a criação do ‘Estatuto’, uma mudança de paradigma em relação ao Código de Menores

de 1979, concebido sobre o conceito de “situação irregular”, tal pretensão não pode ir

além da inexistência daquele significante no texto da lei. O seu significado, contudo,

permanece ativo no seio da sociedade. Os adolescentes do episódio narrado acima são,

afinal de contas, “bons rapazes”. Para a sociedade, a mesma que clama por redução da

maioridade penal, sujeitá-los aos termos de um diploma legal educativo, disciplinador

ou punitivo seria, na melhor das hipóteses, um acinte.

Em uma manifestação de otimismo de quem tenha ocupado parte de sua vida a

lidar com as dificuldades oferecidas pelas leis penais, O Desembargador Antonio

Fernando do Amaral e Silva diz o seguinte:

Ao romper definitivamente com a doutrina da situação irregular, até então admitida pelo Código de Menores (Lei 6.697, de 10.10.79), e estabelecer como diretriz básica e única no atendimento de crianças e adolescentes a doutrina de proteção integral, o legislador pátrio agiu de forma coerente com o texto constitucional de 1988 e documentos internacionais aprovados com amplo consenso da comunidade das nações. 11

11 Antonio Fernando do Amaral e Silva. In Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado.

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É, verdadeiramente, como se disse, uma manifestação de otimismo, pois, embora

a lei não o expresse, o seu destinatário é, para o bem ou para o mal, o menor em

“situação irregular”.

Pode-se vislumbrar, até mesmo, uma ampliação do campo de abrangência do

conceito de menor em situação irregular. Na ordem anterior, a aplicação do conceito

estava definida no próprio Código de Menores; tratava-se do menor delinqüente ou

abandonado. Sob a ordem atual, a pobreza faz as vezes de situação irregular.

Aos adolescentes e às crianças não abrangidas pelo conceito de “situação

irregular” obra-se por uma psicologia redentora e apaziguadora dos espíritos dos pais e

do seu acolhedor meio social. Aos outros, os feios destituídos de qualquer talento e

criatividade, esmeram-se os mesmos agentes em oferecer-lhes uma tanatologia.

2.2 APLICAÇÃO SELETIVA DA LEI

Foucault, em uma passagem de “Vigiar e Punir”, referindo-se ao processo que se

desenvolve a partir do século XVIII, na Europa, onde a criminalidade assume formas

especializadas, chama a atenção para o aparecimento de um discurso, proferido por

legisladores, filantropos e pesquisadores da vida operária, no qual a “plebe” aparece

como potencialmente perigosa. Surge o “mito da classe bárbara, imoral e fora da lei”.

Afirmam:

(...) que o crime não é uma virtualidade que o interesse ou as paixões introduziram no coração de todos os homens, mas que é coisa quase exclusiva de uma certa classe social; que os criminosos, que antigamente eram encontrados em todas as classes sociais, saem agora “quase todos da última fileira da ordem social”; que “que nove décimos de matadores, de assassinos, de ladrões e de covardes procedem do que chamamos a base social”; que não é o crime que torna estranho à sociedade, mas antes que ele mesmo se deve ao fato de que se está na sociedade como um estranho, que se pertence àquela “raça abastardada” de falava Target, àquela “classe degradada pela miséria cujos vícios se opõem como um obstáculo invencível às generosas intenções que querem combatê-las”; que nessas condições seria hipocrisia ou ingenuidade acreditar que a lei é feita para todo mundo em nome de todo mundo; que é mais prudente reconhecer que ela é feita para alguns e se aplica a outros; que em

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princípio ela obriga a todos os cidadãos, mas se dirige principalmente às classes mais numerosas e menos esclarecidas; (...) que nos tribunais não é a sociedade inteira que julga um de seus membros, mas uma categoria social encarregada da ordem sanciona outra fadada à desordem (...).12

Da mesma forma, persistindo na época contemporânea, a legislação penal ainda

é obra destinada a uma determinada classe social, apesar de ser, em princípio, destinada

a todos e, em vista de sua generalidade, atribui-se à determinada categoria social as

escolhas quando da sua aplicação. Há, a exemplo do ato administrativo, conveniência e

oportunidade na elaboração e aplicação do “Estatuto”. Encerra-se no mesmo diploma a

possibilidade de retribuição punitiva e redenção. As escolhas e o modo adequado de sua

aplicação ficarão ao encargo, como mencionou Foucault, da categoria social

encarregada de manter a ordem.

Não satisfeitos, os integrantes dessa categoria social, com o privilégio que lhes é

dado pela posição social que ocupam, querem que o mal fique ainda pior.

A Lei 8.069/1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, talvez seja o diploma

legal que melhor realiza o ideal da democracia representativa, construído e adotado pela

época contemporânea. Observando-se o comportamento da sociedade relativamente às

suas crianças e adolescentes, é-se forçado a reconhecer que o ‘Estatuto’ é a

materialização da vontade social por meio de seus representantes. Deu-se universalidade

e imperatividade erga omnes às contradições originadas da práxis social.

Atualizando os termos do mito de Sísifo, pode-se trocar o nome daquele astuto

personagem helênico e chamá-lo ‘Sociedade’.

A Sociedade agiu matreiramente, foi astuciosa, maléfica, malandra. Acreditou

que sua vontade e entendimento do mundo fossem superiores e que conseguiria

ludibriar e tripudiar as regras sem que um dia houvesse retribuição.

Agora que as crianças levadas da breca incorporaram ao seu comportamento

livre e arteiro o homicídio, eventualmente praticado com requintes de crueldade, a

Sociedade tenta afastar a sua responsabilidade originária. Agora que as crianças e os

adolescentes começaram a matar os seus pais enquanto estes dormem, a matar outros

12 Foucault, Michel. Vigiar e Punir. P. 242/243.

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adultos e a matar outras crianças e adolescentes, a Sociedade procura um outro ardil,

uma outra esperteza para praticar e ludibriar os deuses e os homens. Diz que é vítima e

que não tem nada com isso. Escondem-se atrás da rocha que está ao pé do morro,

acreditando que é para isso que ela ali está. Entretanto, como Sísifo, terão que empurrá-

la morro acima, para depois vê-la escorregar morro abaixo.

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3. APORIAS – O DISCURSO E SUAS CONTRADIÇÕES

Como se viu até aqui, as manifestações daquilo que se possa chamar de uma

vontade coletiva têm repercutido de forma positiva seja no direito posto, seja na

doutrina do direito. Aqui e ali, hora e outra, tem-se destacado esta ou aquela norma,

submetendo-a ao crivo dos valores contemporâneos, até que, por fim, remove-se tal

norma do ordenamento, após concluir-se pela sua anacronia, sua incapacidade de

expressar, legitimamente, as aspirações e vontades do tempo em que se vive.

Mesmo que não se opere a remoção de determinada regra ou a revisão e

modificação de seu conteúdo, a jurisprudência tem-se encarregado de, modificando-lhe

a interpretação, atualizar o sentido da norma.

Porquanto a sociedade reclame da ineficiência do conjunto de normas que

constituem o sistema jurídico atinente a crianças e adolescentes, este se materializou

como justo reflexo das contradições cultivadas no interior da própria sociedade, sendo

ele próprio contraditório.

Tem-se o sistema erigido sobre dois raciocínios que estabelecem uma aporia

insuperável:

- Ele cometeu um crime, mas é um menor. Não pode ser punido.

- Ele é uma menor, mas cometeu um crime. Deve ser punido.

Eis aí um exemplo perfeito de aporia. Consegue-se deduzir perfeitamente o

significado desta palavra da simples leitura das sentenças acima. Sem passagem, sem

saída. Uma vez atingido este ponto, não há como ir mais além.

Cada qual poderia servir de premissa fundamental em um dado sistema, contudo,

ambos os raciocínios integram o mesmo sistema. Não há, por essa razão, como

estabelecer o sentido daquela lei. Sistema de proteção ou sistema de punição? Chega-se

ao final do exame das regras inscritas no Estatuto da Criança e do Adolescente ao

campo da indeterminação e da indecidibilidade. Ambos os raciocínios implicitamente

presentes no texto legal são válidos e coerentes com as aspirações sociais que os

engendraram. Essa igualdade de valor é a causa do impasse, do dilema que se

estabelece.

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Confrontem-se as sentenças enunciadas acima com os dispositivos do

“Estatuto”:

Artigo 6º. Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. Artigo 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei. Artigo 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I – advertência; II – obrigação de reparar o dano; III – prestação de serviços à comunidade; IV – liberdade assistida; V – inserção em regime de semiliberdade; VI – internação em estabelecimento educacional; VII – qualquer uma das previstas no art.101, I a VI. (...) 13

O legislador premido pelas atribuições inerentes a sua competência, acomodou

em um mesmo diploma a possibilidade de proporcionar saciedade ao desejo de

vingança e conforto ao sentimento de remorso. Estes serão contemplados conforme as

qualidades sociais dos agentes perpetradores das condutas delitivas.

Aristóteles entendeu ser esse dilema uma causa de perplexidade diante do

discurso.

(...) E, do mesmo modo, uma igualdade entre raciocínios contrários seria geralmente considerada uma causa da perplexidade: pois é quando refletimos sobre ambos os lados de uma questão e verificamos que todas as coisas estão igualmente em harmonia com as duas linhas de ação que ficamos perplexos e não sabemos qual delas escolher. 14

13 BRASIL. Lei 8.069 de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. In: Vade Mecum.2010. São Paulo: Editora Saraiva. 2010. 14 Aristóteles. Tópicos, 6. 145.16-20.

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Premido por estas duas forças sociais oriundas da mesma fonte geratriz, o

legislador, que podia ter optado, agiu nos limites da sua representatividade e traduziu

em lei o confuso e contraditório caráter dos seus representados.

Entretanto, esse acolhimento de vontades contraditórias dentro do texto legal

afasta a lei da sua própria razão de ser. Conforme o entendimento dos juristas, “o direito

positivo é, pois, o conjunto de regras de organização e conduta que, consagradas pelo

Estado, se impõem coativamente, visando à disciplina da convivência social” 15.

O Direito não se constitui como uma disciplina da descrição e do entendimento

da realidade social, não se ocupa com o ser, mas, antes, com o dever-ser. Mais do que

deduzir um sistema de leis e dar inteligibilidade à realidade, a exemplo do que fazem os

físicos, o Estado institui um sistema de leis e o impõe à sociedade, que a ele tem que se

adaptar. Assim sendo, após a instituição de uma lei, as decisões dos agentes sociais

deverão pautar-se pelo dever-ser prescrito pela norma. Havendo dois comandos

indicando duas condutas mutuamente excludentes, o agente não poderá decidir-se por

uma sem o descumprimento da outra. Alternativamente, atingido o ponto de indecisão,

poderá escusar-se a uma tomada de decisão, tornando morta a letra da lei.

15 Hermes Lima. Introdução a Ciência do Direito. P.31.

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4. O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

O Estatuto da Criança e do Adolescente foi criado sob a vigência da

Constituição de 1988, a qual estabelece serem inimputáveis os menores de 18 anos.

Independentemente disto, este paradigma – a maioridade penal aos 18 anos – já estava

estabelecido no ordenamento jurídico brasileiro e na própria consciência social.

O Código Penal brasileiro, Decreto-Lei 2.848 de 1940, adotou o critério

biológico para o estabelecimento da inimputabilidade penal aos menores. A partir de

então, conforme o seu artigo 27, os menores de 18 anos seriam penalmente

inimputáveis, afastando-se outros critérios que houvessem sido utilizados pelas

legislações anteriores. Antes da edição desta Lei, os diplomas anteriores adotavam

critérios tais como o discernimento, a consciência da ilicitude do fato, além de

estabelecer diferentes procedimentos conforme as diferentes idades dos infratores,

havendo o limite absoluto da aplicação da Lei Penal fixado em 09 anos de idade.

ORDENAÇÕES FILIPINAS TÍTULO CXXXV. Quando os menores serão punidos por os delictos, que fizerem. Quando algum homem, ou mulher, que passar de vinte annos, commetter qualquer delicto, dar-se-lhe-há a pena total, que lhe seria dada, se de vinte e cinco annos passasse. E se for de idade de dezasete annos até vinte, ficará em arbitrio dos Julgadores dar-lhe a pena total, ou diminuir-lha. E em este caso olhará o Julgador o modo, com que o delicto foi commettido, e as circumstancias delle, e a pessoa do menor; e se o achar em tanta malicia, que lhe pareça que merece total pena, dar-lhe-ha, posto-que seja de morte natural! E parecendo-lhe que a não merece, poder-lha-ha diminuir, segundo a qualidade, ou simpleza, com que achar, que o delicto foi commettido. E quando o delinqüente for menor de dezasete annos cumpridos, postoque o delicto merca morte natural, em nenhum caso lhe será dada, mas ficará em arbitrio do Julgador dar-lhe outra menor pena. E não sendo o delicto tal, em que caiba pena de morte natural, se guardará a disposição do Direito Commum. 16

16 http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt

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LEI DE 16 DE DEZEMBRO DE 1830. CODIGO CRIMINAL DO IMPERIO DO BRAZIL Art. 10. Também não se julgarão criminosos: 1º Os menores de quatorze annos. 17 DECRETO N. 847 DE 11 DE OUTUBRO DE 1890 CODIGO PENAL DOS ESTADOS UNIDOS DO BRAZIL TITULO III Da responsabilidade criminal; das causas que derimem a criminalidade e justificam os crimes. Art. 27. Não são criminosos: § 1.° Os menores de 9 annos completos; § 2.° Os maiores de 9 e menores de 14, que obrarem sem discernimento;18 DECRETO Nº 17.943-A DE 12 DE OUTUBRO DE 1927. CODIGO DOS MENORES DOS MENORES DELINQUENTES Art. 68. O menor de 14 annos, indigitado autor ou cumplice de facto qualificado crime ou contravenção, não será submettido a processo penal de, especie alguma; a autoridade competente tomará sómente as informações precisas, registrando-as, sobre o facto punivel e seus agentes, o estado physico, mental e moral do menor, e a situação social, moral e economica dos paes ou tutor ou pessoa em cujo guarda viva. Art. 69. O menor indigitado autor ou cumplice de facto qualificado crime ou Contravenção, que contar mais de 14 annos e menos de 18, será submettido a processo especial, tomando, ao mesmo tempo, a autoridade competente as precisas informações, a respeito do estado physico, mental e moral delle, e da situação social, moral e economica dos paes, tutor ou pessoa incumbida de sua guarda. Art. 71. Si fôr imputado crime, considerado grave pelas circumstancias do facto e condições pessoaes do agente, a um menor que contar mais de 16 e menos de 18 annos de idade ao tempo da perpetração, e ficar provado que se trata de individuo perigoso pelo seu estado de perversão moral o juiz Ihe applicar o art. 65 do Codigo Penal, e o remetterá a um estabelecimento para condemnados de menor idade, ou, em falta deste, a uma prisão commum com separação dos condemnados adultos, onde permanecerá até que se verifique sua regeneração, sem que, todavia, a duração da pena possa exceder o seu maximo legal.

17 https://www.planalto.gov.br 18 Idem.

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Art. 76. A idade de 18 a 21 annos constitue circumstancia attenuante. (Cod. Penal, art. 42, § 11) 19 LEI No 6.697, DE 10 DE OUTUBRO DE 1979. CÓDIGO DE MENORES Art. 1º Este Código dispõe sobre assistência, proteção e vigilância a menores: I - até dezoito anos de idade, que se encontrem em situação irregular; II - entre dezoito e vinte e um anos, nos casos expressos em lei. 20

Embora tenha sido saudado com otimismo21 como uma realização da doutrina da

proteção integral apresentada pela ONU por meio da Convenção Internacional dos

Direitos das Crianças22, a instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente não

superou a dificuldade que as legislações anteriores já enfrentavam em relação à

aplicação de punição aos menores de idade. Tem-se andado para cima e para baixo com

os limites etários, tanto no Brasil quanto em outros países, sem obter o resultado

esperado: a abstenção da prática do crime pelo medo da reprimenda.

Constata-se a indecidibilidade do Estatuto da Criança e do Adolescente quando,

examinando os seus dispositivos, verifica-se que, embora se apresente como diploma de

proteção e promoção dos direitos das crianças e dos adolescentes, este é um estatuto

repressivo.

Ao que me parece, as medidas sócio-educativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente não têm a mesma natureza e intensidade das penas estabelecidas no Cód. Penal, pois devem ser regidas pelos princípios da brevidade, excepcionalidade e observância da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Entretanto, preservado o

19 https://www.planalto.gov.br 20 Idem 21 “Como mudança cultural mais significativa pode ser citada primeiramente a transformação das concepções do imaginário social. O menor, que era mero objeto do processo, é elevado à condição de sujeito de direitos, caracterizado, no art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente, como criança ou adolescente, reconhecendo-se sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. As crianças e os adolescentes deixam de ser objeto de medidas para se tornarem titulares de direitos fundamentais à proteção integral. Já não se trata de incapazes, meias-pessoas ou pessoas incompletas, mas sim de pessoas completas, cuja particularidade é estar ainda em desenvolvimento.” (Janine Borges Soares, Promotora de Justiça/RS. P.9) 22 Convenção Internacional dos Direitos da Criança. Adotada pela Resolução nº L.44(XLIV) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989 e ratificada pelo Brasil em 20 de setembro de 1990.

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escopo principal das medidas sócio-educativas (pedagógico), não há como negar o seu caráter repressivo (punitivo); admiti-lo, inclusive, é útil não só aos autores de atos infracionais (adolescentes), mas também às vítimas de tais condutas ilícitas. HABEAS CORPUS Nº 45.667 - SP (2005/0113432-3) VOTO MINISTRO NILSON NAVES (RELATOR) (Grifo nosso) INFORMATIVO Nº 588 TÍTULO – MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA: ADVENTO DA MAIORIDADE E CONVÍVIO FAMILIAR. PROCESSO – HC – 98518 ARTIGO Por reputar indevida a imposição de bom comportamento como condição para as atividades externas e para as visitas à família, a Turma deferiu, em parte, habeas corpus para permitir a paciente inserido no regime de semiliberdade a realização daquelas benesses, sem a imposição de qualquer condicionamento pelo Juízo da Vara da Infância e Juventude. Salientou-se que o Estado deve assegurar à criança e ao adolescente o direito à convivência familiar (CF, art. 227, caput) e que o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA tem por objetivo a proteção integral do menor, garantindo sua participação na vida familiar e comunitária. Consignou-se, ainda, que o art. 120 do ECA permite a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial, bem como que as restrições a direitos de adolescentes só devem ser aplicadas em casos extremos em decisões fundamentadas. De outro lado, rejeitou-se o pedido de extinção da medida sócio-educativa aplicada ao paciente que, durante seu cumprimento, atingira a maioridade penal. Asseverou-se que a projeção da medida sócio-educativa de semiliberdade para além dos 18 anos decorreria da remissão às disposições legais atinentes à internação. Ademais, aduziu-se que o ECA não determina, em nenhum dos seus preceitos, o fim da referida medida quando o adolescente completar 18 anos de idade. HC 98518/RJ, rel. Min. Eros Grau, 25.5.2010. (HC-98518) 23 (Grifo nosso)

Entretanto, independentemente de qualquer análise externa, o próprio diploma

realiza a sua desconstrução, pois efetivamente não é capaz de realizar a proteção e

promoção dos direitos que promete e tampouco é capaz de impor a punição ou

reprimenda que igualmente promete e é demandada pela vítima ou por quem a

represente.

23 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Jurisprudência. www.stf.gov.br.

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Tem-se, assim, abrigado em uma zona sombria o próprio exercício de defesa24

dos acusados, os quais, não obstante serem alvos da ação policial e judicial, não poderão

ser sujeitos a qualquer pena. Definidas como medidas socioeducativas, não se pode,

ipso facto, contra elas insurgir-se em abstrato, pois que mal pode haver em medidas que

pretendem socializar e educar alguém?

A controvérsia também foi suscitada por Roberto Barbosa Alves, membro do

Ministério Público de São Paulo, em seu comentário ao “Estatuto”:

Em nossa doutrina, Rebello Pinho defende com ardor o antagonismo entre o Direito Penal e os menores de 18 anos. Se o menor - afirma - "reclama assistência, amparo e reeducação, não deve permanecer subordinado a dispositivos de conteúdo diverso. Sua vinculação a lei penal reduzir-se-á apenas à parte em que esta define os delitos. A prática do fato considerado infração penal constitui prova evidente e aguda de faltarem ao menor assistência e amparo. Tratamento e reeducação fazem-se urgentes". Não nos parece sustentável - ao menos no ambiente do ECA – esta concepção. A característica básica do Direito protetor - privilegiar o interesse do menor - nem sempre garante os direitos fundamentais dos infratores, que muitas vezes podem ser submetidos a sanções mais graves que aquelas que, em iguais circunstâncias, seriam impostas a um adulto. Ademais, o processo meramente tutelar nunca conseguiu estabelecer a necessária distinção entre menores abandonados e infratores, ou entre delitos mais ou menos graves.25

Tem-se na mesma obra coletiva o entendimento de um outro membro do

Ministério Público, o que é ilustrativo da independência de seus membros e do fato de

que o não há uma posição intransigente dessa instituição, em qualquer Estado da

federação, acerca do tema.

E, no outro extremo deste mesmo olhar, vislumbra-se que a internação é a medida sócio-educativa com as piores condições para produzir resultados positivos. Com efeito, a partir da segregação e da inexistência de projeto de vida, os adolescentes internados acabam ainda mais distantes da possibilidade de um desenvolvimento sadio. Privados de liberdade, convivendo em ambientes, de regra, promíscuos e aprendendo as normas próprias dos grupos marginais (especialmente no que tange a responder com violência aos conflitos

24 BRASIl. Supremo Tribunal Federal. HC. 90.129-8 – RJ. Ministro Ricardo Lewandowski. In verbis: “Não sendo, tecnicamente, penas, as medidas socioeducativas refogem ao princípio da legalidade estrita, o que permitem tenham (sic) duração indeterminada”. 25 Alves, Roberto Barbosa. In Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado.

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do cotidiano), a probabilidade (quase absoluta) é de que os adolescentes acabem absorvendo a chamada identidade do infrator, passando a se reconhecerem, sim, como de má índole, natureza perversa, alta periculosidade, enfim, como pessoas cuja história de vida, passada e futura, resta indestrutivelmente ligada à delinqüência (os irrecuperáveis, como dizem deles). Desta forma, quando do desinternamento, certamente estaremos diante de cidadãos com categoria piorada, ainda mais predispostos a condutas violentas e anti-sociais. Daí a importância de se observar atentamente as novas regras legais referentes à internação, especialmente aquelas que dizem respeito à excepcionalidade da medida, sua brevidade e, a todo o tempo, o respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento (de ressaltar também o novo elenco de direitos pertinentes ao adolescente internado, conforme disposição do art. 124 do ECA). 26

Pode-se, ainda, considerar que a proteção das crianças e dos adolescentes

demandaria algum tipo de atuação sobre aqueles que ocupam a posição de seus

responsáveis ou sobre aqueles que exercem alguma influência em suas formações.

Porém, as condutas praticadas por todos que compõem o universo de relações imediatas

das crianças e dos adolescentes, isto é, por suas famílias estão protegidas pela

autonomia das escolhas familiares e protegidas contra a ingerência do Estado. Desde

que não realizem, completamente, um tipo penal, não há como alcançar membros de

uma família com vistas a atribuir-lhes responsabilidade penal pelas condutas praticadas

pela sua prole. Não existe solidariedade penal ou qualquer coisa que se assemelhe a

isso.

Ante qualquer tentativa de intervenção estatal sobre suas escolhas e modos de

vida, não tarda a aparecer resistência:

Ação Direta de Inconstitucionalidade 869-2 Distrito Federal. Relator: Min. Ilmar Galvão Requerente: Procurador-Geral da República Requerido: Presidente da República Requerido: Congresso Nacional Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Federal 8.069/90. Liberdade de manifestação do pensamento, de criação, de expressão e de informação. Impossibilidade de restrição. Lei 8.069/90. Divulgação total ou parcial por qualquer meio de comunicação, nome, ato ou documento de procedimento policial,

26 Souto Mayor, Olimpio. In Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado.

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administrativo ou judicial relativo à criança ou adolescente a que se atribua ato infracional. Publicidade indevida. Penalidade: suspensão da programação da emissora até por dois dias, bem como da publicação do periódico até dois números. Inconstitucionalidade. A Constituição de 1988 em seu artigo 220 estabeleceu que a liberdade de manifestação do pensamento, de criação, de expressão e de informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerá qualquer restrição, observado o que nela estiver disposto. Limitações à liberdade de manifestação do pensamento, pelas suas variadas formas. Restrição que há de estar explícita ou implicitamente prevista na própria Constituição. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. COORD. DE ANÁLISE DE JURISPRUDÊNCIA. D. J. 04.06.2004. EMENTÁRIO Nº2154-1 – TRIBUNAL PLENO. ADI 2398/DF – DISTRITO FEDERAL AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Relator (a): Min. CEZAR PELUSO. Julgamento: 04/10/2006 Publicação DJ 13/10/2006 PP-00072 Partes REQTE.: CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL ADV.: MARCELO ROCHA DE MELLO MARTINS REQDO.: MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA DECISÃO: 1. Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra a Portaria nº 796, de 08.09.2000, do Ministério da Justiça, cujo teor, integralmente questionado, é o seguinte: “PORTARIA Nº 796, DE 8 DE SETEMBRO DE 2000. (...) Pede a requerente a declaração de inconstitucionalidade do ato, argumentando, em síntese, que (i) faltaria ao Ministro da Justiça competência para regular diversões e espetáculos públicos, a qual teria sido conferida, pelo art. 224 da Constituição da República, a um "Conselho de Comunicação Social"; (ii) a Portaria teria pretendido, de forma indevida, regular diretamente o art. 220, § 3º, I, da Constituição, dado que os preceitos legais a que se refere (notadamente, o Estatuto da Criança e do Adolescente) não conteriam nenhum comando de natureza material, carecendo o ato, assim, da necessária intermediação normativa por lei federal; e (iii) o conteúdo da Portaria implicaria censura prévia e restrição à liberdade de expressão artística, na medida em que estabeleceu horários específicos para exibição de determinados programas de televisão, bem como ofensa ao princípio da legalidade, pois a adoção de critérios restritivos para horários e faixas etárias de espetáculos e diversões públicas dependeria de lei federal. Entende que estariam ofendidos, destarte, os arts. 5º, II, 220, § 2º e § 3º, 221, IV, e 224 da Constituição da República, motivo pelo qual pleiteia, liminarmente, a suspensão do ato impugnado e "pede, ao final, seja declarada a inconstitucionalidade da íntegra da Portaria 796, de 8 de setembro de 2000, do Sr. Ministro da Justiça".

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(...) Ante o exposto, julgo extinto o processo, sem julgamento de mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC, cc. art. 21, § 1º, do RISTF. Publique-se. Brasília, 04 de outubro de 2006. Ministro CEZAR PELUSO Relator27(Grifos nossos)

Pode haver quem se insurja contra o que foi afirmado, apontando os dispositivos

do “Estatuto” destinados à aplicação de reprimendas aos pais. Insurgir-se será fácil,

difícil será provar a sua eficácia. O artigo 24 do “Estatuto” prevê a possibilidade de

decretação da perda ou suspensão do Poder Familiar.

A perda e a suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22. 28

Pois bem, o mesmo sistema e a mesma sociedade que se volta contra a

ingerência do Estado nas decisões familiares referentes à educação dos seus filhos

admite, sem que ninguém tenha se insurgido contra isso, a intervenção do Estado

tendente a destruir a própria família.

Do mesmo modo, enquanto a Constituição da República, em seu artigo 226,

§7º29, insinua ser proibida qualquer tentativa de promoção da contracepção e do aborto,

o parágrafo único do artigo 13 do “Estatuto” garante o direito ao abandono de seus

filhos, valendo-se, eufemisticamente, da fórmula “as gestantes ou mães que manifestem

interesse em entregar seus filhos para adoção...”.

27 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em www.stf.gov.br 28 BRASIL. Lei 8.069 de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. In: Vade Mecum. 2010. São Paulo: Editora Saraiva. 2010. 29 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. In: Vade Mecum 2010. São Paulo: Editora Saraiva, 2010. Artigo 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...) §7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

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Em seus artigos 129 e 130, o “Estatuto” prevê medidas as quais têm como

destinatários, grosso modo, famílias cujos integrantes sejam pobres ou débeis mentais

ou pervertidos, ou tudo isso ao mesmo tempo. As tradicionais má educação, mau

exemplo e permissividade, consistentes no cultivo do desprezo e escárnio dispensados

ao outro em razão de seu gênero, raça, condição social, aparência física, conduta sexual

ou qualquer outra razão, não se incluem entre as condutas atingidas pelos referidos

dispositivos. Sem o dizer, o “Estatuto” estabelece uma vinculação entre anormalidade

patológica e crime, ou ato infracional semelhante a crime e não vê, tanto quanto a

sociedade de um modo geral, qualquer conexão entre a conduta de adolescentes que

matam outra adolescente empurrando-a pela janela, ou espancam mulheres em paradas

de ônibus com o ambiente em seus respectivos lares.

4.1 CONANDA

Há no Inferno um lugar chamado Malebolge (Covas Malditas),

circundado por muralhas de pedra em férreo colorido e na

rocha escavado. Bem no meio desse maldito campo escancara-

se poço assaz largo e profundo. Dele, ora descreverei a

ordenação. 30

Em 1991, foi criado, pela Lei 8.242, o Conselho Nacional dos Direitos da

Criança e do Adolescente – CONANDA, vinculado à Secretaria Especial dos Direitos

Humanos, e, com a participação desses órgãos, foi criado o Sistema Nacional de

30 Dante Alighieri. A Divina Comédia. Canto XVIII. São Paulo: Abril Cultural, 1981. Nesta passagem da obra, Dante inicia a descrição do oitavo círculo do inferno. Neste círculo penam as almas, entre outros, dos aduladores, dos fraudulentos, dos hipócritas, dos ladrões, dos maus conselheiros, dos fundadores de seitas e dos falsários. Como lugar confuso que é, tem a forma de um labirinto.

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Atendimento Socioeducativo – SINASE, cuja instituição dar-se-á por lei, conforme o

projeto de lei em trâmite no Congresso Nacional31. Sob essa sigla abriga-se uma

miríada de entidades que, nos termos do próprio documento que apresenta o sistema,

representam praticamente todos os entes federativos, seus órgãos e entidades, fundações

públicas e privadas, institutos, centros disso e daquilo, associações, enfim todo o

espectro social.

O artigo 4º do “Estatuto” estabelece que “é dever da família, da comunidade, da

sociedade em geral e do Poder Público” cuidar e proteger as crianças e os adolescentes.

Todos são, portanto, investidos da condição de garantidores do bem-estar dos menores.

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à infância e a juventude, com absoluta prioridade, o direito ao desenvolvimento integral. Todavia, são exatamente estes protagonistas sociais, estes que se encontram no papel de garantidores, os agentes perpetradores de violências contra a criança e o adolescente.

Portanto, as situações de violência e de violação de direitos são perpetradas, por ação ou omissão, pela família, pela sociedade e pelo Estado; ocorrem dentro da residência familiar, nas ruas, nas escolas, em abrigos, em instituições de privação de liberdade de adolescentes em conflito com a lei, dentre outros. 32

Diante dessa variedade e multiplicidade de agentes imbuídos das melhores

intenções, que abarcam praticamente toda a sociedade, alguém poderá ficar sem saber,

afinal de contas quem são os vilões. Contra quem lutam todos esses agentes?

Em um discurso inaugural de uma imaginária, porém possível reunião de todos

esses agentes em um conselho supremo, poder-se-ia iniciar os trabalhos com a seguinte

frase: “Lá fora, na floresta petrificada, existe um ser medonho...”.

31 Artigo 2º Fica instituído o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE, que será coordenado pela União e integrado pelos sistemas estaduais, distrital e municipais de atendimento socioeducativo responsáveis pelo cumprimento das medidas. §1º Entende-se por Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo o conjunto ordenado de princípios, regras e critérios, de caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo, que envolvem o processo de apuração de ato infracional e de execução de medida socioeducativa, incluindo-se nele, por adesão, o sistema nos níveis estaduais, distrital e municipais, bem como todos os planos, políticas e programas específicos de atenção ao adolescente em conflito com a lei. 32 Ilanud. In Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado.

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5. O DIREITO DA FAMÍLIA

O Direito de Família consagrou a liberdade de ação no seio das famílias. Isto

quer dizer que o Estado não interfere no modo como os pais decidem, no interior do

ambiente familiar, educar seus filhos. Assim, higiene pessoal, maneiras à mesa, modo

de se relacionar com os mais velhos e com outras crianças, preceitos morais,

preconceitos, enfim, tudo aquilo que está abrangido pelo que é chamado “hábitos e

costumes” não poderá ser alvo de interferência externa, seja por iniciativa do Estado ou

da própria comunidade. Se quiserem comer com a mão, andar nus dentro de casa,

seminus na rua, urinar no vaso de plantas, passarem o dia a brincar, escarnecer dos

“fracos”, “pobres”, “aleijados”, “efeminados”, “feios”, ignorar as mais elementares

regras de convivência social, isto é um problema da família.

Depreende-se da lição de Platão que a realização das aspirações de uma

sociedade a qual se pretende assegurar com a instituição de um sistema de leis depende

da sua sedimentação em um solo apto a recebê-lo. Tal aptidão não é outra coisa que não

o conjunto de regras não escritas, os hábitos e costumes cultivados e promovidos

sobretudo no interior das famílias. Modernamente, junte-se às famílias os meios de

comunicação de massa. Tem-se, então, no que diz respeito às famílias, a multiplicação e

a aceleração dos efeitos da arrogância que as suas respectivas e peculiares interpretações

das noções de liberdade de expressão e autonomia privada proporcionam a todos.

Mal comparando, observa-se com facilidade que qualquer atividade, qualquer

sistema funcional produz detritos, isto é, produz resultados incômodos aos que existem

dentro de um dado sistema. No interior das famílias não é diferente. O ilimitado poder

que as famílias acreditam possuir no interior de suas relações só pode estar amparado

em uma noção totalitária e instrumental do direito.

Ao contrário do que é afirmado por aqueles que se empenham em lançar alguma

luz no caminho que se tem à frente, a sociedade, quando se vê a braços com crimes e

menores não clama por justiça, clama por repressão.

É nesse sentido que a Constituição Federal de 1988, pela primeira vez na história brasileira, aborda a questão da criança

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como prioridade absoluta, e a sua proteção é dever da família, da sociedade e do Estado.

Se é certo que a própria Constituição Federal proclamou a doutrina da proteção integral, revogando implicitamente a legislação em vigor à época. A nação clamava por um texto infraconstitucional consoante com as conquistas da Carta Magna. 33 (grifo nosso)

Não se ouviu tal clamor. As famílias servem-se dos direitos e garantias

constitucionais para protegerem-se da ingerência do Estado nas decisões, ou ausência

delas, concernentes a formação moral dos filhos. Em um segundo momento, aquele em

que alguma coisa deu errado, o Estado que eles antes queriam afastado é convocado

para atuar como carrasco, especialmente dos filhos de outras famílias, que também

reclamavam o direito a sua autonomia privada.

O Ministro Joaquim Barbosa, em acórdão que julgou a constitucionalidade da

penhora do bem de família do fiador, afirmou que a proteção constitucional do bem de

família deve sofrer a ponderação de um outro princípio caro ao direito, o princípio da

autonomia privada. No âmbito de suas relações privadas, as pessoas devem ser livres

para manifestar a sua vontade, firmando obrigações e direitos, os quais devem ser

reconhecidos pelo ordenamento jurídico. Entretanto, assim procedendo, devem,

também, estar preparadas para sofrer o ônus decorrente do exercício livre de suas

vontades:

(...) centra-se no embate entre dois direitos fundamentais: de um lado, o direito à moradia (art. 6º da Constituição Federal, que é direito social constitucionalmente assegurado e, em princípio, exige uma prestação do Estado; de outro o direito à liberdade, em sua mais pura expressão, ou seja, a da autonomia da vontade, exteriorizada, no caso concreto, na faculdade que tem cada um de obrigar-se contratualmente e, por conseqüência, de suportar os ônus dessa livre manifestação de vontade. (...) Mas a singularidade do presente caso reside no fato de que a suposta violação de um direito fundamental não se dá no bojo de uma típica relação jurídica que se estabelece entre o titular do direito e um órgão estatal, mas sim, numa relação entre particulares, tipicamente de direito privado. (...) Sou dos que entendem que, em princípio e em certas circunstâncias, os direitos fundamentais se aplicam igualmente nas relações privadas. 34

33 Amaral e Silva, Antonio Fernando do. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 34 Brasil. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 407.688-8. Min. Joaquim Barbosa.

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O acórdão referido tratou de questão patrimonial que acaba repercutindo na

esfera das relações familiares. Mas, pode-se estender a afirmação do Ministro quanto à

obrigação que cada um atrai para si ao manifestar livremente a sua vontade, pois que

essa gera um ônus que deverá ser necessariamente suportado pelo agente. Nas

manifestações de sua livre vontade, que não concernem a disposições patrimoniais, isto

é, nos valores que cultivam e transmitem aos filhos, não há ônus a ser suportado, não há

comprometimento de direitos reais ou pessoais diretamente e previamente vinculados ao

ataque à integridade física e patrimonial alheias. Ainda que se possa falar na

responsabilidade civil conforme o disposto nos artigos 928, 932, 933 e 942 do Código

Civil35, esta não tem sido um empecilho ao cotidiano desprezo com que as famílias

lidam com as mais elementares regras de conduta. Sem exagero, pode-se pôr nos lábios

das famílias as palavras de Lady Macbeth:

Fracassarmos?... Ora aperta tua coragem até não mais poder que não falharemos. Quando Duncan estiver a dormir (pois os seus dias de viagem um tanto dura o levarão a um sono profundo), aos seus dois camareiros irei convencer de tal maneira, por meio de vinho e baderna, que a memória, aquela guardiã do cérebro, será apenas fumaça, e o recipiente da razão apenas um alambique. Quando a dormir feito porcos e seus corpos encharcados e deitados como mortos, o que tu e eu não poderemos fazer contra o desprotegido Duncan? O que não poderíamos atribuir aos seus guardiões encharcados como esponjas? Quem ficará com a culpa de nosso grande crime? 36

Imagine-se alguém bastante estúpido e bastante obediente a quem se tenha

atribuído a função de limpar o chão sempre que este, por qualquer motivo, estivesse

molhado. Obediente e munido de um trapo, sempre que percebia que o chão estava

molhado, prontamente o enxugava. Estúpido, não percebeu que um dia o chão estava

35 Artigo 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser eqüitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem. Artigo 932. São também responsáveis pela reparação civil: I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; (...) Artigo 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos. Artigo 942. (...) Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932. 36 Shakespeare. The Tragedy of Macbeth: Ato primeiro; cena VII. Tradução livre do autor.

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sempre molhado e que não adiantava enxugá-lo, pois alguém deixara a torneira aberta.

Como era muito estúpido, não lhe ocorreu de procurar a torneira, a fonte de tanta água,

e fechá-la. Embora possa, e às vezes tenha se comportado dessa maneira, não é esse o

papel do Estado:

O Estado não é nenhum poder colocado fora da sociedade, superior, ou “imparcial”, em relação a ela, e que a dirigisse ou regulasse segundo critérios próprios ou autônomos de paz e de justiça. A sociedade, que o Estado disciplina, através do direito que formula, resulta fundamentalmente das condições em que os indivíduos produzem e se relacionam pelo trabalho. Nem o Estado nem o direito “criam” a sociedade que garantem. 37

Espera-se que o Legislador comporte-se como um estúpido obediente. Use as

leis como quem usa um trapo e tente secar a inundação, deixando para lá a origem de

tanta água. Entretanto, o Legislador, o Estado enfim, não é um observador externo e

desinteressado da sociedade.

37 Hermes Lima, p.115

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6. RAZÃO INSTRUMENTAL

A supremacia do pensamento racional, dada pela sua eficácia, fez com que se

acabasse por confundir pensamento com pensamento racional. Vulgarmente, não há

quem duvide que pensar seja pensar racionalmente, isto é, segundo regras lógicas que

assegurem a validade dos juízos produzidos.

O Direito pretende uma eficácia e precisão que só a soberba derivada de ser ele

uma disciplina que se realiza como instrumento do poder estabelecido pode lhe dar.

Nem mesmo a Física e a mais avançada Engenharia erigida sobre os seus princípios e

leis aspiram à tamanha eficácia e precisão. É possível, por meio de cálculos e

equipamentos muito precisos, determinar que uma nave pouse em um pedaço de terreno

muito específico na lua. Entretanto, nenhum físico ou engenheiro espacial ousaria ter a

pretensão de que tal nave pousasse em um específico e determinado grão do solo lunar.

Não há uma explicação científica capaz de demonstrar que, em determinado momento, prefixado pelo legislador, cessou a falta de discernimento sobre a natureza de certos fatos para dar lugar, incontinenti, à imputabilidade do indivíduo. A Biologia e a Medicina não terão elementos para justificar, do ponto de vista científico, a passagem abrupta para este último estágio e o conseqüente desaparecimento do anterior, que colocava o adolescente fora da área de abrangência do Direito Criminal. Até mesmo sob a ótica da justiça não se concebe o mesmo critério de transição da inimputabilidade para a imputabilidade, apoiada apenas no pressuposto genérico de uma determinada idade. É que os adolescentes, vivendo em ambientes os mais diversos, com desigual acesso à educação, à cultura, ao trabalho e às demais necessidades indispensáveis ao seu desenvolvimento físico, psíquico e espiritual, e, se não por isto, por outras razões, com níveis diferentes de discernimento, não poderiam, à luz desta realidade, merecer igual tratamento no plano da inimputabilidade. 38

A racionalidade aplicada do Direito, reduzida à racionalidade instrumental, serva

dos interesses do Poder, faz crer que tal façanha seja possível. Restrita a um fazer crer,

tal pretensão não chega a ser perturbadora. Perturbadora é a constatação de que isto de 38 X. do Amarante, Napoleão. In Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado.

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fato acontece. Conforme o direito posto, o menor de 18 anos é inimputável, chama-se ao

critério adotado pelo ordenamento jurídico de “critério biológico”. Na prática, a aferição

deste critério é feita pela via civil, quer dizer, a data registrada na certidão de

nascimento do agente determina a sua maioridade.

(...) - termo inicial da imputabilidade - tanto a doutrina como a jurisprudência, conforme se infere da obra de Alberto Silva Franco, Célia Silva Franco, José Silva Júnior, Luiz Carlos Betanho, Nilton Messias de Almeida, Rui Stocco, Sebastião Oscar Feltrin, Vicente Celso da Rocha Gustitini e Wilson Ninno (Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, São Paulo, Ed. RT, 1987, pp. 90 e 91), apresentam-se divididas, existindo três correntes: a primeira reputa penalmente imputável o agente que pratica a infração penal no exato dia em que completar 18 anos, sem indagar-se da hora que o mesmo nasceu; a segunda só considera imputável o agente se o crime ou a contravenção vier ser praticada aos 18 anos, mas após a hora declarada como o de seu nascimento, por constar em relação a este o tempo certo ou aproximado do respectivo assento; e a terceira a orientar que a maioridade criminal somente deve ser reconhecida depois do décimo oitavo ano da pessoa.

Tal como redigido no Estatuto de Criança e do Adolescente, o preceito em referência pode permitir a continuação, pelo menos, das duas primeiras diretrizes, ainda que, nos Tribunais, venha preponderando a primeira.

Quanto à prova de idade, tem-se que, pelo próprio sistema jurídico nacional, deve ela decorrer de certidão do assento de nascimento. Esse documento constitui, sem sombra de dúvida, o meio fundamental, embora não seja o único, para sua demonstração. Goza o mesmo de presunção júris tantum de veracidade. E para elidi-la a prova precisa ser séria, forte e convincente. 39

Por esse critério extrai-se a seguinte conseqüência: Um sujeito que tenha

cometido um homicídio às 23h59min do dia anterior ao dia em que atingirá a

maioridade penal é, para os efeitos de aplicação da Lei Penal, menor de idade e, 39 Amarante. In Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. A esse respeito segue o comentário do Desembargador Amarante: De acordo com o artigo 54, da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015, de 31.12.73), o assento do nascimento deve conter o dia, mês, ano e lugar do nascimento e a hora certa, sendo possível determina-la ou aproxima-la. A partir dessa preceituação, poder-se-ia concluir que a maioridade penal deveria ser estabelecida após a hora exata do décimo oitavo ano do nascimento daquele a que se atribui um determinado ato infracional, sob pena de ter-se como inócua a parte do dispositivo que determina essa providência. Cumpre, no entanto, obtemperar que, a despeito dessa preceituação, nem sempre atendida pelos oficiais do Registro Civil, mormente no passado, ou então, diante da possível inexatidão dessa informação pelo respectivo declarante, a melhor solução é considerar como imputável à pessoa desde a primeira hora do dia de seu nascimento (Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, pp. 90 e 91). Com relação ao processo instaurado contra o adolescente, uma vez verificado o fato, a ação penal deve ser trancada, encaminhando-se o respectivo feito ao juízo da criança e do adolescente.

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portanto, inimputável. Capturado, não poderá sofrer a imputação de uma pena. Se for

surpreendido no ato e for morto por policiais, mal para os policiais, pois mataram um

menor. Houvesse este mesmo sujeito cometido tal crime com um atraso de 2 minutos, já

seria, então, no momento da ação, maior de idade. Um homem, um facínora. Sujeito à

lei penal, poderia ser condenado a trinta anos de reclusão, conforme o caso.

Surpreendido por policiais e, consequentemente, morto, bom para os policiais,

destemidos heróis, valentes guardiões da ordem.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sociedade brasileira, auto proclamada uma sociedade constituída por

indivíduos espertos, espirituosos, liberais, sensuais e sedutores tem promovido a

promiscuidade entre adultos e crianças, diluindo os contornos que definem os seus

respectivos universos. Adultos infantilizados relacionam-se com “crianças muito

amadurecidas” como iguais. Os papéis tradicionais de pais, mães, avôs, avós e de outras

referências do universo dos adultos foram convertidos em emblemas de um

comportamento retrógrado e ultrapassado que ninguém quer ter espetado em seu peito.

Situações tais, como crianças que participam ativamente de conversas acerca da

viabilidade ou não da manutenção do casamento dos próprios pais ou da definição do

caráter das mulheres ou maridos dos tios e outros adultos da família, tornaram-se

corriqueiras pela via dos meios de comunicação de massa. Qualquer tentativa de

interferência nas decisões tomadas e condutas praticadas ao abrigo do conceito de

família e do conceito de liberdade de expressão é objeto de severa e eficaz rejeição.

Crianças e adolescentes são tidas como portadoras de um salvo conduto que lhes

permite agir conforme suas vontades, tanto quanto suas famílias e os interesses de

mercado. A contenção de seus ímpetos pode resultar, na melhor das hipóteses, em

severa rejeição social daqueles que se atrevem a tanto. Desde cedo se incutiu nos mais

jovens a certeza de que o meio social é um campo aberto a experimentações, no qual a

restrição é um anátema.

O legislador não pode, ao sabor dos humores públicos, lançar mão de seu poder

legislativo e inventar leis para controlar efeitos, pretendendo que as causas regulem-se

por si próprias. O que a sociedade em momentos de grande comoção coletiva aspira é a

elaboração de uma suprema lei trapo, que sirva para limpar o chão que, no entanto, não

pretendem parar de sujar.

A superação das aporias do sistema constituído pelo Estatuto da Criança e do

Adolescente, pelo Código Penal, pela Constituição e pelos costumes não será possível

pela via do discurso. Novas proposições acrescidas ao discurso não terão outro efeito

senão o de aprofundarem as suas contradições e aumentarem a perplexidade de todos

diante da obra feita, mas permanentemente inacabada.

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A saída está fora do campo teórico, fora da lógica do discurso. A superação das

aporias, ou o reconhecimento de que elas são indispensáveis à própria dinâmica das

relações sociais, far-se-á pela matriz do direito, isto é, pela política. Na arena política os

combatentes terão que se entender acerca dos limites da elaboração legislativa e da

aplicabilidade de suas produções antes de optarem por atingir os mais fracos.

Como Sísifo, a sociedade desdenhou de ordenações superiores aos seus

interesses privados e para todas as interdições criou um estratagema, um artifício para

ludibriar os obstáculos e os impedimentos. Como Sísifo, mesmo agora que, tendo

olhado à volta, descobriu que desceu ao mundo dos mortos, ainda assim tenta forjar

novos estratagemas para, desta vez, tentar enganar a morte. Contudo, já se vive em

pleno exercício do dispositivo de sua condenação. A rocha já está posta ao pé do morro.

Há que empurrá-la morro acima.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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FIUZA, César. Direito Civil. Curso Completo: 9ª Edição, Belo Horizonte: Del Rey,

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