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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA O ENSINO DE PRÁTICAS JORNALÍSTICAS NOS CURSOS DE GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL: EMBATES ENTRE INSTITUIÇÕES PÚBLICAS E PRIVADAS Por: Marcella Maria Monteiro Vieira Orientador Professora Mônica Ferreira de Melo Rio de Janeiro 2014 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

O ENSINO DE PRÁTICAS JORNALÍSTICAS NOS CURSOS DE

GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL: EMBATES

ENTRE INSTITUIÇÕES PÚBLICAS E PRIVADAS

Por: Marcella Maria Monteiro Vieira

Orientador

Professora Mônica Ferreira de Melo

Rio de Janeiro

2014

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

O ENSINO DE PRÁTICAS JORNALÍSTICAS NOS CURSOS DE

GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL: EMBATES

ENTRE INSTITUIÇÕES PÚBLICAS E PRIVADAS

Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de especialista em Docência do Ensino

Superior

Por: Marcella Maria Monteiro Vieira

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha família e aos

queridos amigos, aos colegas de

classe, aos ex-professores de

graduação e, em especial, a cada um

dos professores do curso de Docência

do Ensino Superior pelos ensinamentos

e dicas e pela cordialidade

demonstrada ao longo desta jornada

acadêmica.

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DEDICATÓRIA

Dedico a pesquisa aos meus pais Jorgina

Monteiro e Marcelo André Lustosa Vieira

e ao meu irmão Vitor André Monteiro

Vieira. Dedico o trabalho também a

Alexandre Reche e Silva, namorado,

melhor amigo e o mais inspirador

professor universitário que já conheci.

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RESUMO

O trabalho tem como principal intuito estabelecer as diferenças entre o

ensino das disciplinas de práticas jornalísticas – primordialmente as que

trabalham com a construção do texto jornalístico, cujos nomes variam de

acordo com cada instituição – em cursos de graduação em Comunicação

Social em instituições públicas e privadas. O termo “embate” é defendido, ao

longo do trabalho, a partir de referências bibliográficas, acadêmicas e

científicas que mostram o ainda enorme abismo entre mercado e academia no

Jornalismo. A formação essencialmente mercadológica privilegiada pelas

escolas privadas e o notável afastamento entre mercado e formação

acadêmica nas universidades públicas são tópicos constantes desta pesquisa,

que analisa itens como estruturas curriculares e perspectivas gerais dos

quadros discentes. Aqui, são apontadas ainda as diferenças entre as

exigências sofridas pelos docentes dessas instituições. A necessidade de um

excessivo produtivismo acadêmico contrasta com a estressante rotina de

muitas aulas em locais diferentes. Por outro lado, a bagagem de mercado é

vista, de maneira recorrente, como empecilho para determinadas aspirações

acadêmicas. Esses e outros embates são discutidos no trabalho, destacando a

abordagem das disciplinas de práticas jornalísticas em sala de aula e propondo

a formação de um alunado mais crítico e especializado.

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METODOLOGIA

A metodologia utilizada para a elaboração da pesquisa foi,

primordialmente, bibliográfica. A partir de livros, textos e documentos que

explicam, dissecam e teorizam sobre as principais práticas jornalísticas

(pesquisa, apuração, entrevista, redação e edição), o trabalho foi montado de

forma a analisar o ensino de tais práticas nos cursos de graduação em

Comunicação Social e, especialmente, sua compatibilidade (nem sempre

possível) com as instituições de ensino.

Foram utilizados também livros que lidam exatamente com a temática

pedagógica do Jornalismo, além de revistas científicas que abordam o ensino

de disciplinas práticas do Jornalismo em sala de aula e as discussões teóricas

que extrapolam o cotidiano da academia.

Os documentos pesquisados têm origens diversas: livros publicados por

grandes editoras, artigos gerados a partir de dissertações e teses e textos

publicados na internet. Seus autores – menos ou mais renomados – são

dedicados à pesquisa na área da Comunicação Social: notórios jornalistas,

jovens acadêmicos, trabalhos coletivos, monografias já apresentadas á AVM

Faculdade Integrada e até importantes manuais de redação, como o da Folha

de S. Paulo.

Os autores lidos e que recebem destaque no transcorrer da pesquisa

estão pulverizados em jornalistas, pesquisadores e professores da área ainda

em atividade no Brasil. Entre eles, Nilson Lage e José Marques de Melo,

importantes pensadores do ensino do jornalismo no Brasil e das estruturas da

redação e do texto jornalístico. Cristina Rego Monteiro da Luz (2011), Beatriz

Becker (2011), professoras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),

e Mirna Tonus (2011), docente na Universidade Federal de Uberlândia (UFU),

contribuem enormemente para a pesquisa com artigos publicados no livro

“Horizontes do jornalismo: formação superior, perspectivas teóricas e novas

práticas profissionais”.

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Ainda, as técnicas de pesquisa em comunicação também serão

recorrentes no trabalho – não necessariamente em citações – a partir da obra

de Lucia Santaella, cujas importantes obras sobre semiótica norteiam diversas

pesquisas de pós-graduação em Comunicação Social.

É válido destacar que, ainda que o objetivo da presente pesquisa não

seja, de forma alguma, tabular ou estabelecer dados quantitativos sobre os

cursos de Comunicação Social, uma importante metodologia utilizada foi a

pesquisa dos quadros docentes e das estruturas curriculares das faculdades de

Jornalismo de grandes instituições – públicas e privadas – do município do Rio

de Janeiro. Afinal, por meio dessas informações, foi possível estabelecer o tal

“embate” contido no título do trabalho.

Outro importante dado, a queda da necessidade de diploma para o

exercício da profissão de jornalista – estabelecida pelo Supremo Tribunal

Federal (STF) em 2009 –, também não é objeto de discussão aprofundada

nesta pesquisa. Vale ressaltar, porém, que tal fato permeia várias das questões

aqui levantadas, uma vez que, desde então, tornou-se impossível pensar na

prática jornalística no Brasil sem que seja debatida a polêmica da não

necessidade do diploma.

Por fim, o último – e dos mais importantes – ponto da metodologia

utilizada reside em duas entrevistas, feitas a partir de modelos

semiestruturados, com professores da área jornalística. Ambos são

responsáveis pelos cursos de Jornalismo de duas importantes instituições –

uma privada, outra pública – de ensino do município do Rio de Janeiro. A

primeira entrevista, via e-mail, foi feita com o professor Marco Antonio Larosa,

coordenador do curso de Jornalismo da Universidade Castelo Branco (UCB),

tradicional instituição localizada na Zona Oeste da cidade. A segunda

entrevista foi concedida pessoalmente pelo professor Fabio Mario Iorio, chefe

do Departamento de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), instituição na qual a autora

desta pesquisa obteve o título de bacharel em Comunicação Social, com

habilitação em Relações Públicas.

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Tais entrevistas foram importantíssimas para que se pudesse destacar

as similaridades e, sobretudo, as dicotomias entre os pensamentos

mercadológicos e teórico-acadêmicos daqueles que são responsáveis diretos

pelos currículos e demais trâmites de suas respectivas instituições. As

respostas dadas pelos dois docentes serviram também para traçar um breve e

atualizado perfil do alunado dessas instituições, já que é esta uma das

principais questões que se impõe frente à formação desses discentes: que tipo

de graduação eles querem? Aquela voltada exclusivamente para o mercado ou

a que prioriza a base teórica, levando o aluno para um caminho naturalmente

mais reflexivo e acadêmico?

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10

CAPÍTULO I

O JORNALISMO BRASILEIRO NA ACADEMIA 13

CAPÍTULO II

O ENSINO DE PRÁTICAS JORNALÍSTICAS NOS CURSOS DE

GRADUAÇÃO 22

CAPÍTULO III

EMBATES ENTRE INSTITUIÇÕES PÚBLICAS E PRIVADAS,

ACADEMIA E MERCADO 31

CONCLUSÃO 40

BIBLIOGRAFIA 42

ANEXOS 45

ÍNDICE 54

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INTRODUÇÃO

Mutante em sua essência, o ensino superior no Brasil atravessa

períodos de crises, incertezas, ascensões e declínios, sempre perpassado por

intrincadas questões: econômicas, sociais, mercadológicas. Com os cursos de

graduação em Comunicação Social, e mais especificamente em jornalismo, tais

mudanças não são diferentes. A ainda muito jovem formação, com pouco mais

de 60 anos de existência no país, passa por constantes questionamentos,

modificações estruturais e baixas, sendo a principal delas a queda da exigência

do diploma para o exercício da profissão de jornalista, consagrada em 2009.

Ao longo das últimas décadas, a academia tem estudado e repensado

as estratégias da formação em jornalismo nas instituições de ensino superior

do Brasil, ainda que ela própria – a academia – tenha enormes dificuldades

para mudar suas estruturas e idiossincrasias. Ainda assim, são muitas as

pesquisas acadêmicas no campo do jornalismo que procuram dar novos ares e

direcionamentos à área, sobretudo em tempos de plataformas digitais, mídias

convergentes e tantas outras revoluções tecnológicas, que colocaram na

berlinda o predomínio – ideológico e de formato – das mídias tradicionais.

E é partir dessas transformações e, simultaneamente, das já velhas

diferenças entre a academia e o mercado, a teoria e a prática, que esta

pesquisa se propõe a falar dos embates que marcam o ensino do jornalismo

em instituições de ensino públicas e privadas. Ao longo do trabalho, serão

discutidas as divergências entre formação de corpo docente, perspectivas do

alunado, exigências de titulação, estruturas curriculares, direcionamentos

acadêmicos e mercadológicos, entre outras questões, que fazem com que as

disciplinas mais ligadas à prática jornalística estejam em constante processo de

avaliação e julgamento.

No primeiro capítulo, o jornalismo como formação específica em nível

superior será brevemente historicizado e analisado dentro da perspectiva

global da Comunicação Social. No capítulo seguinte, as várias cadeiras de

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práticas jornalísticas serão abordadas sob a ótica de diferentes instituições,

além da necessidade de maior alinhamento entre ensino, pesquisa, extensão e

prática. No terceiro e último capítulo, aprofundam-se as análises sobre os

embates que contemplam o ensino do jornalismo em instituições públicas e

privadas, no que diz respeito às motivações, demandas e necessidades dos

principais atores envolvidos nessa formação: alunos e professores.

O trabalho é finalizado com ponderações sobre as diferenças, mas

também perceptíveis semelhanças que rodeiam as formações específicas em

jornalismo nos dois tipos de instituições, além de deixar em aberto a

possibilidade de interessantes discussões que virão a partir da resolução – de

setembro de 2013 – que institui as Novas Diretrizes Nacionais nos currículos

do curso, aumentando sua carga horária.

Por fim, é fundamental ressaltar os dois anexos inseridos após a

bibliografia do trabalho. Eles vêm ao encontro da presente monografia, com

timing perfeito. Trata-se de recente divulgação de pesquisa sobre as mudanças

no jornalismo e o perfil do jornalista no estado de São Paulo, que recebeu o

nome “O perfil do jornalista e os discursos sobre o jornalismo: um estudo das

mudanças no mundo do trabalho do jornalista profissional em São Paulo”.

Comandada pela professora Roseli Aparecida Figaro Paulino, coordenadora do

Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho da Escola de Comunicações

e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), o trabalho analisa as

mudanças no processo de produção jornalística nas últimas décadas,

especialmente a partir das inúmeras possibilidades trazidas pelas novas

tecnologias e com as reestruturações globais ocorridas no mundo do trabalho a

partir da década de 1990.

A pesquisa contemplou jornalistas de diversas frentes e suas relações

com várias partes do ambiente que os cercam: editorias, mercado, hierarquias,

empresas, horários, serviços autônomos, sindicatos, entre muitas outras. Nela,

constam perfis socioeconômicos do jornalista profissional que atua em São

Paulo, além de dados importantes como a precarização dos vínculos

empregatícios. Sobre a específica formação superior, o trabalho constatou que

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ela é predominante, inclusive com a especialização em cursos de pós-

graduação. Mesmo assim, a separação entre mercado e academia fica

novamente explícita, visto que uma das conclusões da coordenadora da

pesquisa é a de que muitos jornalistas desprezam o período passado na

faculdade, priorizando a formação técnica – mas pouco crítica – conquistada no

âmbito do trabalho.

A pesquisa gerou um livro, intitulado “As mudanças no mundo do

trabalho do jornalista”, lançado pela Editora Atlas em meados de 2013. Por ser

obra muito recente e que não abrange os limites geográficos do Rio de Janeiro,

ela não foi utilizada para a produção do presente trabalho e nem será incluída

na bibliografia, mas ficam os importantes registros dos anexos que levantam

debates sobre as mudanças e os rumos da profissão no país.

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CAPÍTULO I

O JORNALISMO BRASILEIRO NA ACADEMIA

Apesar de ainda muito recente no Brasil como formação específica de

nível superior (cerca de 60 anos), a Comunicação Social já enfrentou uma série

de mudanças estruturais nas instituições de ensino do país. José Marques de

Melo, professor, jornalista, pesquisador e membro do corpo docente fundador

de um dos cursos pioneiros – e hoje mais tradicionais – de comunicação do

Brasil, a Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo

(ECA/USP), apontou, em 2004, algumas das características do estágio inicial

do ensino da comunicação e, em especial, da formação em jornalismo.

As primeiras gerações de profissionais midiáticos formados em nosso país sofreram as agruras de um modelo pedagógico que valorizava o beletrismo e a didática do giz-e-quadro negro. Poucos cursos desenvolveram processos sintonizados com s natureza típica do jornalismo, ou seja, atividades de produção noticiosa, a não ser exercícios redacionais, dentro ou fora de sala de aula, usando bem mais a caneta do que a máquina de escrever. (...) A criação das primeiras faculdades de comunicação, em Brasília, São Paulo e Porto Alegre, ainda na década de 60, estabeleceu um divisor de águas. Libertando-se da tutela das faculdades de filosofia e letras, os cursos de jornalismo passaram a funcionar de modo articulado com as carreiras emergentes de publicidade, relações públicas, cinema, editoração, rádio e televisão. (http://www.marquesdemelo.pro.br/textos/textos_anteriores/txt_ant_01.htm. Acessado em 3/12/2013).

1.1. O jornalismo e as diferentes formações em Comunicação

Social

Ainda que traçar a linha do tempo do ensino do jornalismo no Brasil não

esteja entre os objetivos do trabalho – o que seria, por si só, um outro tipo de

pesquisa, mais avançada em direção à história do curso –, é importante notar,

a partir das observações de Marques de Melo, que as origens do ensino das

chamadas habilitações da Comunicação Social (o jornalismo entre elas) ainda

dizem muito sobre o tipo de formação apresentada pelos cursos de nível

superior na área.

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Para outro importante docente e pensador do jornalismo no Brasil,

Nilson Lage (2011), é essencial o afastamento do ensino do jornalismo das

outras cadeiras da Comunicação Social. Para ele, o antigo caráter publicístico

da área, substituído pelo jornalismo informativo, não cabe mais nos currículos

acadêmicos.

Ao discorrer sobre a formação universitária dos jornalistas em palestra

realizada em 1999 – uma década antes, portanto, da queda da exigência do

diploma para exercício da profissão, conforme estabelecido pelo Supremo

Tribunal Federal –, Lage deixou clara sua posição em relação ao

desmembramento das diferentes habilitações.

Advogamos uma orientação nova nas escolas que devem voltar-se para a realidade dos jornalistas como categoria e da atividade como empreendimento. Isso implica, naturalmente, o distanciamento dos estudos de comunicação, tais como vêm sendo habitualmente praticados, porque neles não há lugar para o jornalismo como o concebemos. O conceito de comunicação, em sua origem histórica, é avesso ao jornalismo. Ele é considerado exclusivamente por sua vertente originária, publicística, rejeitando-se toda possibilidade de um jornalismo que seja serviço público e de uma informação que seja conhecimento. São várias as origens dessa distorção. Ela encontra, como vimos, guarida no pensamento acadêmico marxista, (...). Mas a visão reacionária do jornalismo está também implicada no modelo da comunicação social concebido na sociedade ocidental, a partir da ideia de “fabricação do consentimento” para o progresso, implicada nas teses de Walter Lippman, na década de 1920. Na década de 1960, quando os americanos temiam a difusão pela América Latina dos ideais da Revolução Cubana, o Centro Internacional de Estudos Superiores em Comunicação para a América Latina (CIESPAL) impôs a nossos países um ensino polivalente que deveria formar, ao mesmo tempo, jornalistas e publicitários, radialistas e cineastas, relações-públicas e produtores de livros. Associando jornalismo a jornal, sem perceber, num caso típico de miopia de concepção, que se tratava de algo mais amplo – o, o CIESPAL subordinou, assim, a formação dos jornalistas a uma área teórica ideologicamente comprometida. (p. 180-182).

Em entrevista realizada com o professor Fabio Mario Iorio, chefe do

departamento de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCS/Uerj), ele também aborda uma

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perceptível linha de diferença entre o jornalismo e as demais formações de

Comunicação Social. Segundo ele, a dicotomia entre teoria/academia e

mercado no jornalismo se mantém, mas ocorre menos do que nas formações

de relações públicas e publicidade e propaganda. “Apesar de também já ter

sido publicista, o jornalismo tende a ter e manter uma vertente alternativa, do

combate, do conflito. Então, já se abre uma discussão maior no jornalismo”

(ENTREVISTA, FABIO MARIO IORIO, 2013).

Mas não é só Nilson Lage, com seu proeminente status de pensador da

área, que vem defendendo novas práticas no ensino do jornalismo no Brasil.

Mais do que nunca, mesmo após o baque produzido pela controversa decisão

da mais alta instância da Justiça do país, faz-se necessário que novas

propostas de diretrizes curriculares sejam colocadas em prática pelas (hoje

muitas) escolas de comunicação espalhadas pelo Brasil. A tarefa tem envolvido

antigos e novos jornalistas, docentes e pesquisadores da área, interessados

em mudanças estruturais e atentos às necessidades de uma formação que

precisa ser, simultaneamente, crítica e alinhada às constantes transformações

tecnológicas.

Nestes poucos mais que 60 anos de história da formação superior em jornalismo no Brasil, a preocupação com o currículo teve alguns marcos, um deles com o estabelecimento do currículo mínimo para a graduação em Comunicação Social, em 1962, quando o Conselho Federal de Educação fixou uma grade básica aos cursos superiores por meio da Lei 5.540/68. E até hoje continua a luta por cursos universitários em condições humanas e técnicas de formar profissionais habilitados ao exercício da atividade jornalística. Desde 1999, há um movimento voltado à atualização das diretrizes, conforme exposto no Programa Nacional de Estímulo a Qualidade da Formação em Jornalismo, da Fenaj, que inclui bases elaboradas em conjunto com Associação Brasileira de Escolas de Comunicação (Abecom), Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós), Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação (Conecos), Fenaj e Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), sendo o Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ) signatário do referido programa desde 2002. Nesse ínterim, o Ministério da Educação (MEC) e representantes da área estabeleceram diretrizes mínimas para a formação, vigentes até hoje, por meio da Resolução CNE/CES 16, de 13 de março de 2002, que se limita a elencar os poucos itens que devem constar do projeto pedagógico: perfil comum e específico por habilitação; competências e habilidades gerais e específicas; conteúdos básicos gerais e os

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específicos, definidos pelas instituições; características do estágio; atividades complementares; estrutura do curso; e formas de acompanhamento e avaliação. Inclusive a carga horária ficou aberta para resolução posterior que a normatizasse. (TONUS, 2011, p. 6-7).

Os diversos órgãos citados pela autora merecem destaque pelas

constantes atualizações propostas para a melhoria do ensino do jornalismo e,

desde 2009, pela incessante luta em defesa da regulamentação da profissão e

da volta da exigência do diploma de jornalista para seu exercício. Debates,

seminários, palestras, pesquisas e encontros estão entre os meios de ação dos

órgãos, com destaque para o FNPJ e para a Associação Brasileira de

Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor).

Apesar de tantos esforços, é comum que instituições que busquem uma

formação mais plural e completa para seus discentes esbarrem em limitações

financeiras e, sobretudo, mercadológicas, incluindo aí as expectativas não

apenas dos donos e gestores dos cursos, mas também do próprio alunado. É

importante, segundo Becker (2011), reverter esse quadro e tais perspectivas, a

partir de um ensino que viabilize discursos mais plurais e questionadores.

Há necessidade de construir perspectivas capazes de concretizar um ensino inovador e independente que não seja apenas reprodutor de valores e ideias dos sistemas de mídias tradicionais, porém capaz de discuti-los, assim como os tipos diferentes de reportagens, de gêneros, inclusive em função da convergência e da hibridização de formatos e conteúdos de notícias e outros produtos da mídia, para que os estudantes possam conquistar competências e habilidades para transcender a simples preparação profissional para atuar no mercado de trabalho servindo a determinados objetivos, interpretar as notícias atribuindo-lhes significação e sentidos próprios, e produzir relatos sobre a realidade e a experiência sociais cotidianas em outras direções. Desse modo, a educação em Jornalismo pode evoluir, priorizando um aprendizado associado ao questionamento das representações de mundo ofertadas pela mídia, especialmente dos textos noticiosos. (p. 30).

Nas instituições públicas, esse tipo de pressão é menos latente. Sobre a

Uerj, Iorio deu luzes em relação à nova grade curricular do curso de jornalismo,

a ser iniciada já no primeiro semestre de 2014.

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Queremos equilibrar teoria e prática, a partir de uma realidade que mescle experiências diversas e que vá contra esse mercado viciado e que tem se mostrado, comprovadamente, com falta de qualidade. Então, não podemos nos basear somente naquilo que está errado (mercado). (ENTREVISTA, FABIO MARIO IORIO, 2013).

1.2. Debates sobre as necessidades da formação superior

específica em Jornalismo

É difícil, porém, o exercício de total separação entre jornalismo e demais

áreas da Comunicação Social na academia. Como atuará o repórter no

cotidiano e na práxis jornalística sem ter passado por aulas que permitam a ele

uma análise aprofundada e reflexiva sobre a comunicação humana?

Não são poucos os autores que têm colocado ênfase na pluralidade dos fenômenos que podem ser chamados de comunicacionais e na consequente polissemia do termo “comunicação”. Tendo isso em vista, Fiske (1990: 1), por exemplo, perguntou se podemos considerar como um campo de estudo algo tão diverso e multifacetado como a comunicação humana, concluindo pela natureza multidisciplinar da comunicação e definindo-a como “interação social através de mensagens”. Batendo na mesma tecla, Baylon e Mignot (1999: 9-10) acabaram por concluir que a comunicação “é uma relação dos espíritos humanos, ou melhor, dos cérebros humanos”. (SANTAELLA, 2001, p. 16-17).

Ao citar tais definições, Santaella expõe as dificuldades na definição da

comunicação como área específica, exacerbando suas diversas facetas. Sobre

os meios de comunicação de massa, que nos aproximam das práticas e

funções jornalísticas, ela prossegue:

Na longa história da cultura humana, a preocupação com os fenômenos da comunicação é uma preocupação recente. Ela data de meados do século XX, tendo coincidido com a explosão dos meios de comunicação de massa e a consequente emergência da cultura de massas. Desde então, a comunicação e as questões que ela traz consigo foram se tornando cada vez mais sensivelmente presentes até sua inegável onipresença resultante da recente proliferação das redes planetárias de telecomunicação. (2001, p. 23-24).

Após as definições, presentes em “Comunicação e pesquisa: projetos

para mestrado e doutorado”, a autora adentra em um breve histórico das

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teorias de comunicação, essenciais na formação de qualquer estudante de

jornalismo e de demais habilitações de Comunicação Social.

Não parece estranho, por tanto, que jornalistas e demais comunicólogos

(ou aspirantes a) estudem e compreendam – ainda que, em muitas instituições,

privilegie-se a mera “decoreba” de nomes de autores, escolas e tendências –

as diversas teorias da comunicação, da teoria crítica frankfurtiana à escola

pragmática norte-americana (Mass Communication Research) aos estudos

culturais, entre outras vertentes.

É esperado que, a partir das disciplinas teóricas, presentes nos

primeiros períodos dos cursos de nível superior em comunicação, os alunos

construam reflexões e embasamento crítico para suas futuras produções

profissionais – seja no mercado, seja na academia. Para Nilson Lage, porém, a

defesa de um jornalismo separado das demais habilitações prevê pouco tempo

dedicado aos estudos das correntes teóricas da comunicação.

E de que deve constar um curso de jornalismo? A nosso ver, é adequada a porcentagem de 50%, em cursos de quatro anos, prevista na legislação brasileira para as disciplinas técnicas. O jornalista é, antes de mais nada, a pessoa que escreve e edita informação em diferentes meios, e a competência é algo fundamental para que se possa exercer a profissão com dignidade. Quanto ao restante do curso, ele deve incluir um a porcentagem não superior a 10% do total – ou um quinto das disciplinas não-técnicas – com a exposição das teorias da informação e da comunicação, com ênfase para os estudos teóricos de inferência, que incluem o binômio lógica/reconhecimento de padrões. Nos 40% restantes, é essencial prover informação ampla, honesta e equânime sobre os fatos e as ideias de nosso tempo, criando as bases de um aprendizado que se estenderá ao longo do exercício profissional e por toda a vida do jornalista. (2011, p. 182-183).

Ainda que passível de variadas ponderações em termos teóricos, a

defesa de Lage pressupõe um engajamento de toda a comunidade acadêmica

– instituições, alunado, docentes – na predominância de práticas e técnicas

jornalísticas nos cursos de nível superior na área. A defesa da ideia não é

nenhuma surpresa vinda de um pesquisador e docente que já ocupou a cadeira

de professor titular de redação jornalística (talvez, a mais prática das práticas

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jornalísticas) na instituição que tem uma das mais conceituadas escolas de

jornalismo do Brasil, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

O pensamento de Lage (2011) é ilustrado pela figura do repórter, uma

das mais importantes do jornalismo, aquele que, segundo ele, “está onde o

leitor, o ouvinte ou o espectador não podem estar”. E é a formação específica

no campo jornalístico que dará a esse repórter os subsídios necessários para

uma passagem adequada por todas as etapas do processo de reportagem até

chegar a seu “produto final”, a informação, com clareza e objetividade.

A sociedade moderna é composta de especialistas. Quem atua em um campo profissional ou tem determinado tipo de vida desenvolve conhecimentos muito profundos da especialidade ou de sua área de interesse, mas tende a ignorar o que se passa nas outras especialidades e áreas. Como, na prática, profissões e atividades se interligam cada vez mais, é através do jornalismo que a informação circula, transposta para uma língua comum e simplificada, menos precisa mas com potencial bastante para permitir julgamentos e indicar caminhos de investigação a quem estiver interessado. A informação torna-se, portanto, matéria-prima fundamental e o jornalista um tradutor de discursos, já que cada especialidade tem jargão próprio e desenvolve seu próprio esquema de pensamento (compare-se a fala de um diplomata com a de um militar ou a de um assistente social com a de um economista). Traduzir já não é pouco: (...). Em suma, o repórter, além de traduzir, deve confrontar as diferentes perspectivas e selecionar fatos e versões que permitam ao leitor orientar-se diante da realidade. (p. 22-23).

O autor prossegue com a ideia ao abordar o campo da reportagem

especializada, ainda mais minuciosa na prática da construção da informação

jornalística. Lage (2011) vai além e, nesse caso, mostra que não apenas a

formação de nível superior é fundamental, mas também sistemáticas

atualizações, treinamentos e capacitações.

(...), por que não transformar especialistas em jornalistas, e não o contrário? A questão tem sido repetida insistentemente e admite várias respostas. (...). A terceira resposta faz mais sentido ainda. Trata-se do fato de que a formação de um bom especialista em cara área dessas envolve grande investimento intelectual. A formação de um bom jornalista, nas condições modernas de exercício da profissão, também não é

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rápida. Não haveria ganho, mas perda social, em se transformar, por exemplo, um físico teórico em jornalista especializado em ciência: sua formação como físico funcionaria para uma especialidade científica, a física, e não para outras (...). Ainda assim, é possível formar especialistas em pós-graduação (desde que em cursos de mais de um ano que incluam as disciplinas técnicas necessárias); recuperam-se vocações tardias e deslocamentos de áreas de interesse. Mas a experiência de países em que essa formação existe mostra que ela é sempre subsidiária. A situação predominante, por toda parte, é a de jornalistas que se especializam para cobrir áreas de conhecimento. (...) No caso mais comum, em seis meses ou um ano de leitura e observação, qualquer jornalista competente é capaz de se adestrar para cobrir áreas tão específicas quanto o mercado de capitais ou o setor de saúde de uma metrópole. Evidentemente, o resultado será melhor (mais eficiente, democrático e conforme padrões civilizados) se houver treinamento sistemático desses profissionais em cursos de pós-graduação breves – no padrão 360 horas previstos para cursos universitários de especialização (p. 110-111).

Mais ou menos horas de disciplinas teóricas, estágios, monitorias ou

demais atividades acadêmicas podem – e devem! – ser discutidos amplamente

pela academia. Mas são as práticas jornalísticas – e o ensino das mesmas –

que estão agora em foco. Faz-se, assim, fundamental a participação de um

corpo docente preparado e qualificado para ensinar técnicas que permearão as

funções exercidas pelo futuro jornalista. É uma das principais discussões

acerca da não exigência do diploma para a profissão: como formar um

jornalista capacitado sem as devidas técnicas necessárias às atividades? A

simples vivência em uma redação – e ambientes afins – levará o jornalista (ou

aquele que pretende se tornar um) a atingir a excelência na prática diária do

texto jornalístico?

As práticas jornalísticas constituem-se em uma possibilidade de resistência ao pensamento único, às estratégias retóricas e ao cinismo que muitas vezes sustenta determinadas ações políticas. (...) De fato, o Jornalismo contribui para a compreensão do mundo e, quanto mais democrática é uma sociedade, mais informações e notícias existem. Por isso, implica um fazer e um saber específicos, o que demanda não apenas uma formação técnica para o exercício da profissão, mas também ética e humanista, em função de sua relevante função social. Mas não pode ser visto sem contradições em relação ao seu papel idealizado de formador do cidadão na atualidade. E para tentar compreender essas contradições precisamos identificar os desafios que o Jornalismo enfrenta na

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atualidade nas práticas profissionais, mas também no ensino e na pesquisa e suas possíveis relações. (BECKER, 2011, p. 25).

É a presença de tais práticas no ensino e na pesquisa, como destacado

pela autora, que norteará o próximo capítulo do trabalho. As diferentes técnicas

jornalísticas que devem ser ensinadas, transmitidas e praticadas em sala de

aula estão cada vez mais em xeque devido a uma série de questões: a não

obrigatoriedade do diploma, a mercantilização do ensino, a falta de preparo –

ou mesmo de interesse – do corpo docente, o pouco incentivo à pesquisa e à

extensão, os estágios que funcionam como subempregos, o mercado restrito e

pouco afeito ao embasamento crítico, a longa jornada de horários dos alunos.

Problemáticas que são amplamente debatidas pela comunidade acadêmica e

que serão discutidas a seguir.

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CAPÍTULO II

O ENSINO DE PRÁTICAS JORNALÍSTICAS

NOS CURSOS DE GRADUAÇÃO

São muitas as disciplinas de práticas e técnicas jornalísticas que

integram os currículos de faculdades de Comunicação Social no Brasil. Seus

nomes também são diversos e assumem formas variadas de acordo com a

instituição. Todas as nomenclaturas, porém, remetem a nomes conhecidos do

ensino na área como “redação jornalística”, técnicas de entrevista” e “técnicas

de reportagem”. Há também as tradicionalíssimas “fotojornalismo”,

“radiojornalismo” e “telejornalismo”, presentes em todos os cursos e, ainda,

vale lembrar a obrigatória presença de cadeiras de assessoria de imprensa e

comunicação e de editoração e design referentes à prática do jornalismo.

2.1. Cadeiras de práticas jornalísticas: exigências de mercado

versus mais tempo para o ensino

Um dos principais intuitos das entrevistas realizadas com os

responsáveis pelos cursos de jornalismo da Universidade Castelo Branco e da

Uerj foi exatamente ponderar a importância da formação do docente que

ministra tais disciplinas. Na UCB, as mais notáveis cadeiras de técnicas

jornalísticas – além das obrigatórias já citadas anteriormente – são jornalismo

comunitário, jornalismo especializado, jornalismo online, práticas investigativas

em jornalismo, redação jornalística informativa, redação jornalística

interpretativa, redação jornalística opinativa, técnica de reportagem, entrevista

e pesquisa jornalística. Planejamento em comunicação e práticas gerenciais

em empresas de comunicação, mesmo mais ligadas à área de gestão da

comunicação, também podem ser destacadas.

Dessa universidade, o coordenador Marco Antonio Larosa deixou clara

sua posição sobre a necessidade de uma formação pedagógica por parte do

docente, mais do que a titulação acadêmica na área. Para ele, o melhor

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professor de prática jornalística é aquele que a vivencia diariamente nas

redações e no mercado.

O aluno respeita e se motiva com o professor de mercado, mas com formação acadêmica como docência superior. O docente (somente) acadêmico hoje é questionado nas suas decisões, justamente com base na falta de experiência profissional. Algumas instituições só contratam docente em jornalismo que comprove vivência acadêmica e profissional, o que acredito ser o correto em busca da qualidade do ensino. (ENTREVISTA, MARCO ANTONIO LAROSA, 2013).

Já na Uerj, algumas das disciplinas jornalísticas com maior destaque

são: técnicas de reportagem, entrevista e pesquisa jornalística, redação e

expressão em jornalismo impresso cotidiano e não cotidiano, edição em

jornalismo impresso cotidiano e não cotidiano e jornalismo na internet. Para

Fabio Mario Iorio, essas cadeiras mais práticas não deveriam estar restritas

somente à sala de aula, pois seria necessário que elas se expandissem para

outros horários. “A aula serviria para os fundamentos e, depois dela, deveria

haver uma prática em comum. Daí a importância do laboratório e do tempo de

dedicação ao ensino” (ENTREVISTA, FABIO MARIO IORIO, 2013).

E é a curta carga horária dos cursos de jornalismo, aliados a diversas

outras questões (dupla jornada do alunado, pouco incentivo à pesquisa,

condições de espaço físico distantes do ideal etc.) que preocupa o docente.

Sobre tais problemas, ele propõe:

Não conheço faculdade de Comunicação Social no Brasil que seja em tempo integral e isso seria fundamental. Não dá para fazer muito só em sala, pois o aluno assiste à aula e não tem mais tempo. A sala serve primordialmente para você formar o pensamento do aluno. Fora da aula, é preciso ter mais tempo para desenvolver as atividades e os produtos necessários para que o aluno possa praticar aqueles fundamentos. Esse tempo extra, que impediria que os alunos arrumassem subempregos, representaria o verdadeiro estágio interno. E seria a chance de os professores se dedicarem mais aos alunos e eles não precisariam dar tantas disciplinas, uma vez que poderiam contemplar poucas para poder se dedicar mais a elas, o que resultaria em produções interessantes. Essa seria a integração curricular total. (ENTREVISTA, FABIO MARIO IORIO, 2013).

Sobre a importância do prolongamento daquilo que o aluno apreende em

sala de aula, Becker (2011) afirma:

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É preciso proporcionar aos estudantes a oportunidade de aprender a construir reportagens mais contextualizadas e inventivas nos laboratórios de ensino e pesquisa, e nas disciplinas que integram experiências teóricas e práticas no processo de formação profissional, até porque essas experiências podem contribuir para a quebra de determinados mitos com os que atribuem exclusivamente às imagens, e não às palavras, o poder de homogeneizar os discursos ou de produzir a fabulação do mundo, possibilitando leituras mais críticas e sensíveis das atuais formas de escritura do cotidiano social. Nesse sentido, os laboratórios de ensino se constituem como espaços essenciais para o aperfeiçoamento dos processos de aprendizagem da profissão, independentemente dos suportes e das linguagens utilizadas. Afinal, o ensino e a prática de um jornalismo de qualidade requerem leitores, telespectadores, ouvintes e usuários que tenham capacidade de conhecer, entender e analisar as novas linguagens, os códigos e as tecnologias dos meios de comunicação; o conhecimento do processo que implica a produção de conteúdos; a competência para analisá-los de uma perspectiva crítica em determinado contexto; e a habilidade de interagir com os meios de forma reflexiva e de produzir mensagens midiáticas com um grau mínimo de qualidade. (p. 31).

O distanciamento entre as posições dos docentes entrevistados reflete a

barreira existente entre as instituições publicas e privadas. O que fica no ar,

impulsionado em grande parte pelas propagandas veiculadas por grande parte

das faculdades de ensino privado, é que a formação para o mercado é apenas

o que importa – e o que é vendido – para os discentes. Ao falar que “o aluno se

motiva com o professor de mercado”, o coordenador Larosa expõe as

intenções do tipo de produto que os alunos compram – e querem – ao se

matricularem na instituição. Mas não é somente o alunado das instituições

privadas que tem esse perfil, segundo Fabio Iorio. Para ele, o aluno de

comunicação da instituição pública também deseja primordialmente a formação

para o mercado, o que significa um “pragmatismo terrível”:

Estudar com os ditos melhores do mercado é algo que todos querem, incluindo os das públicas. O aluno quer basicamente três coisas: dicas, ou seja, estar atualizado com o que o mercado está pedindo; lidar com personalidades que podem cavar espaço para ele no mercado; e, por fim, aprender só o que interessa para a profissão, o que é de um pragmatismo terrível. É claro que, na pública, nota-se mais claramente que há um grupo que quer seguir a vida acadêmica. Mas tem muita gente na pública e ainda mais na particular que prefere os nomes do mercado. (ENTREVISTA, FABIO MARIO IORIO, 2013).

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Ainda sobre o pragmatismo de uma formação excessivamente

mercadológica, é pragmático também – e igualmente reducionista – rotular e

generalizar docentes, discentes e currículos de um e de outro tipo de instituição

como sujeitos predeterminados, sem perceber as exceções. É perfeitamente

possível que o aluno da instituição privada desenvolva específicas habilidades

acadêmicas – em muitos casos, exatamente como consequência de não

encontrar posição satisfatória no mercado – e que o aluno da pública, como

ilustrou o professor Fabio Iorio, tenha a carreira mercadológica como único

objetivo.

Mesmo assim, é o próprio coordenador da UCB que tipifica a formação

dada pelos dois tipos de instituições, tendo como base o Exame Nacional de

Desempenho de Estudantes (Enade) do Ministério da Educação.

As instituições públicas formam por conteúdo e as particulares por competência. As públicas formam os futuros acadêmicos e as particulares os profissionais. São objetivos diferenciados para o egresso, mesmo que eles afirmem que não. Vamos à consolidação do Enade 2012: os melhores conceitos são de duas particulares, UVA (4) e UCB (3), por exemplo, as demais com conceito 2 em jornalismo, incluindo as públicas. Não há disputa e sim objetivo ou competências. Nas redações de grandes ou pequenas empresas o que se busca é o aluno que sabe fazer e não o teórico que nunca buscou atuar no ramo. (ENTREVISTA, MARCO ANTONIO LAROSA, 2013).

2.2. As instituições privadas e suas chamadas de mercado

Ainda sobre as diferenças entre os dois tipos de instituição, as

universidades públicas podem, ao menos institucionalmente, separar seus

nomes da seara mercadológica – mesmo que elas ainda sejam as grandes

formadoras de profissionais de ponta no Brasil. Afinal, uma vez que o

compromisso da instituição de ensino pública se dá a partir de itens como

produção cientifica, extensão, pesquisa, serviços prestados à população (um

campus universitário tem grande incidência sobre o bairro em que está

alocado, por exemplo), ela não pode adotar slogans nos quais predominem a

formação para o mercado. As privadas, no entanto, donas de seu capital (na

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teoria, pelo menos, haja vista a enorme crise pela qual instituições privadas

tradicionais do Rio de Janeiro vêm passando) e de seus rumos publicitários

não escondem que o mercado é a artimanha preferida para captar alunos.

Como breves exemplos, duas das instituições privadas que mais formam

profissionais de Comunicação Social no município do Rio de Janeiro, as

Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha) e a Estácio, colocam em suas

páginas na internet chamadas de capa relacionadas à formação para o

mercado. “Na Facha você fala a língua do mercado.” é o que diz a Facha para

divulgar um curso de conversação. “Mais que destaque, seja referência no

mercado.” e “Uma pós-graduação amplia sua visão de negócios. E também seu

mercado de trabalho.” são duas das frases de chamada para os cursos de

MBA (mercadológicos em sua essência).

De volta à Estácio, mas no estado de Santa Catarina, o guia acadêmico

de 2012 da faculdade naquela região aponta, na descrição da matriz curricular

do curso de Comunicação Social com habilitação em jornalismo, o

empreendedorismo como principal diferencial. “O profissional que o curso

pretende formar é o jornalista empreendedor com o domínio das modernas

ferramentas da profissão, conhecimento da realidade em que convive,

compromissado com a ética profissional e a função social da comunicação”,

afirma a publicação.

O guia não menciona a queda da exigência do diploma, mas justifica a

razão pela qual uma disciplina estritamente voltada para o empreendedorismo

foi inserida – a partir de 2008 – na estrutura curricular da instituição. “Hoje, o

mercado da Internet, as assessorias e consultorias de comunicação estão

abrindo espaços, mas é preciso que os profissionais sejam preparados para

esse mercado emergente. E é isso que o curso de Jornalismo da Estácio de Sá

está oferecendo, ao trazer para o currículo acadêmico a discussão sobre o

empreendedorismo na comunicação. Assim, dará uma opção a mais ao

egresso, para procurar alternativas produtivas”, completa o guia.

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Ainda que válido como proposta de oferecer novos campos à atuação

profissional do jornalista, soando como uma forma de mostrar aos alunos

opções que estejam fora dos grandes veículos, mídias ou agências

tradicionais, dificilmente uma cadeira ligada ao empreendedorismo – termo

ainda em voga, mas já banalizado em discussões recentes sobre empregos,

carreiras e mercado de trabalho – integraria um currículo de Comunicação

Social em universidades públicas.

Especificamente na página de seu curso de jornalismo, outra tradicional

universidade privada carioca, a Veiga de Almeida (UVA), extrapola as fronteiras

acadêmicas e deixa claro seu viés ao listar as características do curso: “Não se

exige mais o diploma para o exercício do Jornalismo, mas a graduação

superior é o passaporte para o mercado de trabalho, cada vez mais exigente

em qualidade. (...) Quem faz Comunicação Social na UVA está mais preparado

para o sucesso profissional, por ter uma formação mais ampla e completa para

conquistar o seu lugar no mercado de trabalho”.

2.3. O fim da exigência do diploma e seus diferentes impactos

Ao citar o fim da obrigatoriedade do diploma, a instituição revela, ainda

que moderadamente, o medo de perder alunos e novas matrículas. Tal medo

inicial perdeu o fôlego nos últimos quatro anos, visto que o jornalismo

continuou sendo um curso altamente procurado em todo o país. Pode-se

questionar a “picaretagem” de muitos cursos rápidos que passaram a ser

ofertados Brasil afora, mas a formação superior específica não foi tão abalada

quantitativamente como se imaginava, como afirma Luz (2011):

Os jornalistas brasileiros foram atingidos na base de regulamentação de sua formação profissional pela descredibilização da autonomia de sua expertise com a suspensão da exigência do diploma pela decisão do STF de 17 de junho de 2009, que pôs fim à exigência do diploma como requisito para o exercício do jornalismo: a medida entregou às empresas de comunicação a definição de quem deve ter acesso à profissão de jornalista. As empresas profissionais continuaram priorizando as pessoas formadas em Comunicação e Jornalismo. Não houve redução dos postos de trabalho. (p. 155).

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Ainda assim, como continua a autora, não é possível descartar que

jornalistas passam a atuar sob riscos de maiores pressões e de sucateamento

da profissão.

As mídias digitais ampliaram significativamente as ofertas de emprego dos estudantes de jornalismo, a partir dos primeiros períodos na universidade... O que mudou, então? As garantias legais de desempenho individual retrocederam, e a investigação de um repórter não vinculado a uma estrutura empresarial implicará risco. Uma pesquisa junto a profissionais que participaram do 33º Congresso Nacional dos Jornalistas, realizado em agosto de 2010, em São Paulo, e mais os que acessaram o site da Fenaj e responderam ao questionário sobre as condições de trabalho dos jornalistas da América Latina e Caribe comprovou que continua a exigência da formação universitária para o exercício do jornalismo: 49,21% com formação universitária, 34,92% com algum tipo de especialização, 9,52% com mestrado 3,17% com doutorado. No entanto, há um maior número de jornalistas com menos de 30 anos de idade nos locais de trabalho e alta rotatividade nos empregos. (p. 155-156).

A partir do binômio “fim da exigência do diploma e internet”, é comum

encontrar aqueles – e aí estão inclusos, em especial, os grandes veículos de

imprensa do Brasil, maiores defensores da não necessidade do diploma – que

acreditam que o jornalismo participativo e colaborativo de blogs e mídias

sociais tornam dispensável a formação em nível superior. Mas é exatamente

em tempos de máxima interatividade e convergência midiática que as

mediações de sala de aula e de pesquisa se fazem tão necessárias.

Compreende-se que, no ensino de Jornalismo, a oportunidade de aprender a pensar e fazer as notícias, de elaborar e cruzar conteúdos e de selecionar informação talvez nunca tenha sido tão essencial quanto na atualidade. A internet pode oferecer condições para ampliar a participação de leitores-telespectadores-usuários e para a emergência de novos modos de fazer o jornalismo, com uma variedade de benefícios para a cidadania e para a democracia, incluindo reportagens mais contextualizadas e notícias que melhor reflitam as complexidades da sociedade contemporânea. Nesse processo, a necessidade de qualificação da formação e do trabalho jornalísticos é reafirmada, porque quanto maior o volume de informação, maior é a necessidade de intermediários capazes de filtrar, organizar, priorizar dados e conteúdos. (BECKER, 2011, p. 30-31).

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2.4. O ensino do jornalismo e o domínio de técnicas da

profissão: gêneros jornalísticos

Um rico exemplo sobre como o ensino e a pesquisa são essenciais à

prática jornalística reside nos estudos sobre os gêneros jornalísticos.

Professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e doutora em

Comunicação Social, Lia Seixas (2009) defende na obra “Redefinindo os

gêneros jornalísticos: proposta de novos critérios de classificação” que

somente o profundo conhecimento dos gêneros – amplamente pesquisados por

José Marques de Melo – dá novas luzes à prática cotidiana do jornalismo em

suas diferentes mídias.

Aprender a fazer jornalismo é aprende a produzir gêneros jornalísticos. O conhecimento mais profundo dos elementos que constituem os tipos mais frequentes das composições discursivas da atividade jornalística pode implicar em maior conhecimento sobre a própria prática. Isso significa conhecimento sobre as competências empregadas para a realização da atividade, desde a produção à publicação do produto. (p. 1).

É impossível, portanto, pensar nesse tipo de aprendizagem sem a

formação teórica específica de nível superior. O alinhamento entre a

investigação sobre os gêneros, o ensino do jornalismo e a prática jornalística

de mercado foram, segundo a autora, um dos objetivos específicos de sua

pesquisa.

(...) tentar contribuir para o campo de pesquisa em jornalismo com a investigação de uma noção: cara à prática do jornalismo – reveladora desta prática e artigo de necessidade mercadológica –, importante para o ensino do jornalismo e, enfim, acreditamos, uma ‘ferramenta’ que pode auxiliar da compreensão do jornalismo enquanto uma forma de conhecimento da realidade. (SEIXAS, 2009, p. 5).

Novamente, a formação específica na área entra como item

indispensável à prática quando a autora cita o importante jornalista espanhol

Lorenzo Gomis, professor emérito da Universidade Autônoma de Barcelona

falecido em 2005. Seixas (2009) defende, assim, o domínio das técnicas

jornalísticas como característica inerente ao profissional.

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Daí também a utilidade dos gêneros jornalísticos no ensino. Os gêneros representam a sedimentação da experiência do trabalho coletivo em diversos meios de informação, o domínio técnico que distingue o profissional de jornalismo de quem não o é, a possibilidade de fazer chegar ao receptor a mensagem, com relativa rapidez e segurança. Os gêneros são formas assimiladas pelo hábito, formas que podem ensinar-se e aprender-se. (Apud, p. 47).

Com os gêneros jornalísticos como exemplos de suporte à prática

jornalística que somente o ensino e a pesquisa proveem, o trabalho segue

agora para uma discussão mais aprofundada – mas já iniciada – sobre os

embates entre instituições privadas e públicas na formação do jornalismo em

nível superior.

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CAPÍTULO III

EMBATES ENTRE INSTITUIÇÕES PÚBLICAS

E PRIVADAS, ACADEMIA E MERCADO

Ainda na corrente que defende o ensino do jornalismo em nível superior

como imprescindível para a formação de profissionais mais críticos e

habilidosos – na academia e no mercado –, há de se pensar no que é também

imprescindível na formação de um docente.

3.1. Comunicação Social: abismos entre teoria e prática,

academia e mercado

As dicotomias entre mercado e academia, entre prática e teoria, existem

em todas as áreas. Na Comunicação Social, porém, ela é, via de regra,

explícita, carregada em tintas de arrogância e, em muitos casos, altamente

prejudicial para ambos os lados. Tome-se como exemplo a área de Direito,

bem mais ampla e com uma quantidade muito maior de oferta de vagas em

instituições de ensino superior no Brasil. É comum que procuradores,

promotores, juízes, desembargadores e ministros sejam também conhecidas

figuras acadêmicas, além de sócios em grandes escritórios de advocacia. Não

existe uma relação de impedimento entre academia/ docência/ teoria e

mercado/ sucesso profissional. A própria Uerj, tida como uma das melhores do

Brasil no ensino do Direito, é exemplo disso, uma vez que parte de seu quadro

docente é composto por procuradores do estado do Rio de Janeiro.

Recentemente, um desses docentes, procurador do estado e proprietário de

grande escritório, Luís Roberto Barroso, tornou-se ministro do STF – mesma

corte que extinguiu a necessidade de diploma para o exercício da profissão de

jornalista em 2009.

No entanto, na Comunicação Social e no jornalismo, em particular, esse

tipo de integração é bem distante, ainda que seja possível destacar avanços

nos últimos anos. É muito comum, por exemplo, o professor de universidade

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pública (e, portanto, altamente titulado) que ministra aulas de redação,

assessoria e demais técnicas jornalísticas sem ter jamais sequer pisado em

uma redação de jornal ou empresa jornalística. É de praxe também que estes

mesmos titulados escrevam obras, estudos e pesquisas sobre a comunicação

nas empresas sem jamais terem atuado em uma organização, exceto nos

cargos de gestão das próprias universidades. Por outro lado, quantos não são

os professores de instituições privadas ativos no mercado que ministram aulas

de teorias da Comunicação e do Jornalismo sem grande bagagem teórico-

acadêmica ou mesmo aqueles que dão aulas de práticas jornalísticas de forma

mecanizada, “sugada” dos grandes veículos e pouco afeitos a maiores

embasamentos críticos sobre a atuação profissional.

Não acho que os professores tipicamente de mercado consigam dar novas luzes teóricas às suas disciplinas. Acho que eles são, em geral, empiristas. É claro que isso não quer dizer que essas pessoas acostumadas a trabalhar em empresas não possam ter um pensamento reflexivo, algumas delas têm. Mas ele não vai ter esse pensamento na empresa, ele vai buscar isso na academia. (ENTREVISTA, FABIO MARIO IORIO, 2013).

Ainda mais grave é quando se entra na seara dos preconceitos, muito

comuns na área, e professores puramente acadêmicos (aqueles que seguiram

o caminho linear de “graduação – mestrado – doutorado – pós-doutorado”) não

aceitam em seus meios – leia-se: orientações, pesquisas científicas, grupos de

estudo etc. – docentes que também se dedicam ao mercado, tendo sobre eles

uma visão reducionista; e vice-versa, no caso de profissionais que acham que

somente o mercado lhes dá as habilidades necessárias para ensinar e

simplificam a vivência acadêmica como algo enfadonho ou desnecessário.

Há grandes exceções e, nelas, a academia e a prática de mercado

andam juntas. Margarida Maria Krohling Kunsch e Francisco Gaudêncio

Torquato do Rego são professores titulares e livres-docentes da ECA/USP e os

principais pensadores brasileiros da Comunicação Organizacional (ramo mais

prático e mercadológico da Comunicação Social, férteis na habilitação das

Relações Públicas). Já publicaram inúmeros livros sobre o tema, prestam

consultorias a grandes empresas, empresários e até políticos e, mesmo assim,

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jamais se afastaram da vida acadêmica. Não é, no entanto, o suficiente para

diminuir o espaço entre os dois campos, que permanece enorme e cheio de

obstáculos.

3.2. O docente na balança: exigências acadêmicas, de mercado

ou ambas?

Muitos docentes enfrentam ainda uma série de exigências em relação a

títulos por parte das instituições, que, por sua vez, precisam atender às

obrigações impostas pelo MEC. Tais exigências demandam tempo e certo

desapego financeiro (bolsas de estudos no Brasil ainda estão muito longe de

serem algo lucrativo), esforços que nem todos podem ou estão dispostos a

fazer.

Antes de dissecar o que dizem os docentes entrevistados, é importante

notar que tais exigências e obrigações acabam, em diversas ocasiões,

causando enorme falta de diálogo entre um docente que atua na universidade

pública e o professor que se restringe às instituições privadas. Há ainda o

problema de que, para além da mera alocação neste ou naquele tipo de

instituição, a falta de formação didática dos docentes é um risco para o ensino

do jornalismo, como observa Luz (2011):

O ritmo empresarial é rápido por sobrevivência, e o estatal, especialmente no campo da Educação, é paquidérmico por falta de priorização política. Os professores ainda são analógicos em sua formação, e os alunos já nasceram em meio a referências digitais. Na universidade, há defasadas zonas hierárquicas de conforto no magistério, como o despreparo didático dos professores de jornalismo, que vêm ou da área teórica de campos de conhecimento correlatos ou da prática profissional das já exíguas coberturas nas ruas e nas redações. Qual o percentual de professores egressos de uma histórica prática profissional com formação didática adequada para repassar consistentemente seu conhecimento vivencial acumulado? A sociedade adapta-se a superposições de estruturas de poder, com redesenhos do conhecimento através das novas relações de produto e de troca em rede, discussões estéticas e profissionais. (p. 156).

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Nessa mesma linha, Fabio Mario Iorio faz apontamentos sobre o

excesso de exigências acadêmicas impostas aos docentes e reforça as

análises da citação anterior ao abordar a falta de prática que rege alguns dos

mais titulados professores.

Sou a favor, é claro, de as pessoas sempre se especializarem, fazendo mestrado, doutorado, estudando. Mas não acredito nesse modelo produtivista do MEC que impõe que o professor esteja sempre escrevendo, fazendo pesquisa, publicando, participando de congressos. Tudo isso significa muito mais produtividade do que pensamento e do que desenvolver uma pesquisa com profundidade. Por isso, discordo desse tecnicismo e produtivismo. Há também os autodidatas, professores que não têm tantos títulos, mas que são estudiosos e pesquisadores e fazem isso espontaneamente. Além disso, é importante separar professores de pesquisadores. Um até pode ser a outra coisa, mas se adequar aos dois campos e, ainda mais dentro do mecanismo que o MEC quer, é bastante complicado Conheço professores assim, sem muitos títulos, que dão aulas tanto teóricas como práticas muito qualificadas. E há também o inverso, que é o professor bastante titulado, mas que não gosta muito de dar aula e que não tem grande prática de ensino. Ele até conhece os assuntos, mas não sabe como articular isso. (ENTREVISTA, FABIO MARIO IORIO, 2013).

Sobre o último tipo citado por Iorio, o professor Marco Antonio Larosa,

em corrente bem mais pragmática, defende que o próprio aluno de sua

instituição, por já ser, em muitos casos, conhecedor de temas da área, é capaz

de “desmascarar” o professor excessivamente acadêmico que não tem vivência

no campo.

No mercado hoje, para atuar em disciplinas prática, é crime contra o próprio patrimônio locar um docente teórico. Entenda, de uma forma ou de outra, nossos alunos atuam no mercado como estagiários ou desviados de função para atuar em assessoria, produção. Então, já possuem competência suficiente para questionar o docente na condução das aulas, atualização tecnológica e prática de mercado. (ENTREVISTA, MARCO ANTONIO LAROSA, 2013).

O depoimento de Larosa foi uma resposta à questão sobre o chamado

“docente ideal”. Quem seria, afinal, esse professor perfeito (com muitas

limitações no termo) para ministrar disciplinas práticas de jornalismo? Aquele

que consegue aliar títulos e experiência de mercado? Para Fabio Iorio, o

“docente ideal” é definido de forma muito mais abrangente.

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O docente ideal é o que é humilde e que quer, por meio do ensino, discutir o saber. Não é ele que sabe, mas sim, através do ensino, desenvolve o saber. Esse docente humilde, interessado e motivado percebe que o mais importante é o aluno. Professor que não gosta de aluno tem que fazer outra coisa. (ENTREVISTA, FABIO MARIO IORIO, 2013).

Se já é complexa por si só, a discussão sobre a posição do professor no

ensino do jornalismo ganha contornos ainda mais amplos quando transferida

para a era de novas mídias e plataformas. Segundo Larosa, as experiências

implantadas na UCB com webjornalismo e salas virtuais acabam denunciando

um quadro de docentes ultrapassados e que terão que, obrigatoriamente, se

adaptar às exigências tecnológicas.

A maior parte dos docentes é de formação tradicional e encontro dificuldades para encontrar um professor com habilidades, competências, conhecimento e talento para atuar com novas tecnologias e ambientes virtuais. Mas em breve será uma exigência nacional. (ENTREVISTA, MARCO ANTONIO LAROSA, 2013).

O coordenador da Universidade Castelo Branco prossegue, detalhando

o impacto das exigências do MEC sobre o corpo docente da instituição.

As exigências sobre titulação ocorreram na década de 1990, mas com o passar do tempo e a baixa remuneração docente, os profissionais de mercado não buscaram nada mais que a pós-graduação, pois o custo-benefício não era, e ainda não é, atraente. Outro ponto é que, para o educando, ser mestre ou doutor, sem atuação mercadológica, não faz diferença. Seria como (apontar) qual a diferença entre Universidade e Faculdade para um aluno? Vamos entender sem o olhar belo e brilhante da academia. Para o aluno/cliente o que importa é que ele encontre uma ótima condição de oferta de ensino, ou seja, laboratórios que o ajudem a aprender e praticar. Professores com experiência de mercado e acadêmica para ajudá-lo a construir o conhecimento. Garantia de parcerias para estágios, monitoria e ambiente confortável (aulas presenciais). Para os cursos à distância, os processo e necessidades são os mesmos, sendo que os laboratórios são virtuais. Na UCB, avaliamos mais a pratica de mercado, depois a vivência acadêmica. Nosso aluno é exigente e demonstra maior capacidade de aprendizagem nas sessões de aulas práticas. (ENTREVISTA, MARCO ANTONIO LAROSA, 2013).

Parece perigosa, porém, a caracterização do aluno como plenamente

consciente do direcionamento que o ensino em jornalismo deve ter. Afinal,

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mesmo que a simples presença no mercado de trabalho da área de

Comunicação Social dê ao estudante noções práticas da profissão, não é

sempre que o mercado prioriza uma formação diversificada para seus jovens

profissionais. No geral, o que se vê são trabalhos mecanizados – copiar, colar,

navegar na internet – para aqueles que ainda não podem, por exemplo, assinar

uma matéria – os chamados “focas” (estagiários, no jargão jornalístico).

O trabalho oferecido nas grandes empresas jornalísticas para os estudantes recém-formados, em sua maioria, está reduzido à reprodução de textos de agências de notícia ou cópia e colagem online. Pequenos sites não oferecem estrutura de produção para o jornalismo de cobertura presencial. Os jornalistas profissionais e as empresas jornalísticas ainda têm muito a experimentar para consolidar novos espaços de produção e distribuição de produtos jornalísticos. (LUZ, 2011, p. 157).

O fato é que, adaptados ou não às inovações tecnológicas e alinhados

ou não à enxurrada de obrigações acadêmicas, são os jornalistas-docentes,

com suas competências e técnicas e munidos de amplo interesse pela área,

que devem comandar o ensino do jornalismo no país, segundo Nilson Lage

(2011). De acordo com ele, a maior quantidade de pessoas formadas e

tituladas na área possibilitou credibilidade crescente nos cursos de nível

superior.

(...) o jornalismo, sendo profissão que nasceu à margem da academia, não contava em seus quadros com professores de carreira, pós-graduados, em número bastante. No entanto, no Brasil, nos últimos quinze anos (vale notar que a exposição do autor data de palestra realizada em 1999, ou seja, há quase 15 anos), a partir do currículo mínimo de 1984, que impôs que as disciplinas técnicas ocupassem metade do tempo do curso, formou-se a massa crítica necessária. Há hoje bem mais de uma centena de jornalistas com doutorado e mestrado, muitos mais se formam a cada ano, e a eles se somam dezenas de profissionais de outras áreas, interessados no jornalismo, fascinados por ele ou empenhados em estudá-lo a sério e sem preconceitos. Cursos de jornalismo devem ser coordenados por jornalistas competentes e ministrados dominantemente por jornalistas atentos à realidade da profissão. (p. 182).

É possível estabelecer uma ponte entre a atenção dedicada à profissão

por parte dos jornalistas, como destacada por Lage, e a pesquisa teórica na

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área, que, segundo Fabio Iorio, é capaz até mesmo de reconfigurar o mercado

da comunicação.

Repito que sou a favor de uma escolarização cada vez maior do sujeito, mas sou contra o excesso de formalismo e de produtivismo, porque senão passamos a ter só estatística e não profundidade. Mas sou também contra o empirismo predominante, sobretudo nas instituições particulares. As pessoas querem só o sujeito que faz, como se a teoria não fosse um fazer. Como se ela não fosse uma forma de fazer melhor ou de fazer mais criticamente. Toda teoria é uma práxis. E eles – técnicos, empresários e até alunos – têm medo porque é a prática teórica que devassa o campo de estudo da Comunicação Social. E pode alterá-la, que é o que queremos. Alterar essa mídia concentradora, monopolista e de pensamento único. (ENTREVISTA, FABIO MAIOR IORIO, 2013).

As investigações teóricas têm, portanto, força para transformarem a

prática. No artigo “Ensinar a comunicação, entender a comunicação”, Luís

Mauro Sá Martino (2012), professor da Faculdade Cásper Líbero, de São

Paulo, cita a “amizade com o saber” como impulsionadora de suas

inquietações no campo epistemológico da Comunicação.

Seria arriscado mencionar essas áreas como “áreas de pesquisa” ou “áreas de atuação” na medida em que isso implicaria uma perspectiva de desvinculação entre o acadêmico e o subjetivo, composto pela interseção dos afetos que, como mencionado, estão igualmente vinculados à construção do conhecimento. Assim, essas áreas podem ser entendidas como parte de um gosto muito pessoal e, sobretudo de dúvidas que o estudo sistemático, mais do que diminuir, multiplicou. Mas talvez seja exatamente esse o sentido de uma investigação acadêmica. Em linhas gerais, se é possível trabalhar a ideia de áreas de interesse, essas seriam as mais proeminentes em termos acadêmicos. O trabalho cotidiano com o conhecimento, seja na forma de investigações pessoais ou coletivas, seja no diálogo com colegas ou na sala de aula parece servir, antes de tudo, para se fixar uma noção mais clara não do que se sabe, mas do quanto falta para saber. Daí a postura de uma amizade com o saber – algo que se busca, e que vem em auxílio para a construção de visões transformadoras de mundo. (p. 269).

Para muito além de meros embates e dicotomias entre as práticas

jornalísticas ensinadas em instituições publicas e privadas, são essas

inquietações que deveriam ser parte essencial dos trabalhos desenvolvidos a

partir das estruturas curriculares do jornalismo. De preferência, com

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professores que, alheios à mera corrida por títulos imposta pelo Ministério da

Educação, possam e queiram se ocupar de pesquisas e investigações que

proponham novas luzes à formação do alunado.

Daí a constante necessidade de se pensar em novas diretrizes para os

currículos de comunicação, mais alinhadas aos novos tempos de

“cibernetização do jornalismo, algo com que o campo ainda está aprendendo a

lidar, especialmente seus docentes”, como indica Tonus (2011) ao abordar as

discussões e propostas feitas com o intuito de instituir novas diretrizes

curriculares para a graduação em jornalismo:

Novas diretrizes revelam-se, assim, naturais. Se o jornalismo mudou, os cursos de formação jornalística não devem ficar estáticos, mas, sim, promover reflexões sobre as mudanças necessárias. (...). Além disso, no cotidiano da academia, mudanças curriculares são constantes, currículos são dinâmicos. O risco de ser simplista é grande caso se depreendam de um documento como as diretrizes os únicos elementos determinantes da formação em jornalismo. Trata-se, isto sim, de diretrizes, caminhos possíveis, nos quais cada curso carrega suas peculiaridades, sua bagagem, as características de seu corpo docente, as orientações institucionais, enfim. (p. 7-8).

A saber, as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o bacharelado

na área foram instituídas pelo Conselho de Educação Superior do Conselho

Nacional de Educação (CNE/CES) no final de setembro de 2013 e publicadas

no dia 1º de outubro de 2013 no Diário Oficia da União. Com a nova resolução,

a carga horária total dos cursos de jornalismo aumentou de 2.700 para 3.000

horas.

Novas diretrizes, mesmo que não unânimes ou, por vezes, até

dissonantes do que a academia realmente deseja, são importantes, pois têm

origem no debate e forçam, após implantadas, a continuidade do mesmo. Com

a disponibilidade de mais horas, o ensino do jornalismo continuará enfrentando

ritmo acelerado de mudanças devido à alarmante expansão de plataformas

digitais e mediações tecnológicas. Assim, esse mesmo ensino, ainda tão jovem

no Brasil, precisa olhar para o passado de forma reflexiva, sem abandonar

importantes conquistas, enquanto mira o presente e o futuro a fim de responder

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às necessidades de uma complexa nova configuração, como propõe Becker

(2011):

A educação deve proporcionar experiências de apropriação de diferentes linguagens-discurso associadas aos usos das tecnologias digitais e da internet, tornando os processos de aprendizagem mais dinâmico. E o ensino do Jornalismo também precisa sofrer modificações para conseguir acompanhar as mudanças pelas quais passam as práticas profissionais na atualidade. (...). No entanto, as relações entre a profissão, a disciplina e o ensino do Jornalismo são mesmo complexas e nos impõem reflexões e indagações que impossibilitam a apresentação de respostas plenas. Refletir sobre as relações entre as práticas profissionais, o ensino e a pesquisa em Jornalismo não é tarefa simples. (p. 31-32).

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CONCLUSÃO

A formação específica de nível superior em jornalismo, aliada ou não às

demais formações em Comunicação Social, carrega muitas nuances. É

facilmente perceptível a existência de diferenças muito bem delimitadas entre

as propostas de ensino na área por parte das instituições públicas e privadas

no que diz respeito a dados como formação, experiência e titulação de

professores, importância de pesquisas e extensão, direcionamentos ideológico

e mercadológico. Tais diferenças revelam o abismo ainda existente entre

academia – que pressupõe a teoria – e mercado, no qual se requer a prática.

Porém, o trabalho mostra também que não é impossível perceber, por

outro lado, as semelhanças entre os cursos de jornalismo em ambos os tipos

de instituições, a partir das similaridades entre estruturas curriculares (ainda

que com diferentes vieses), além das expectativas, jornadas e dificuldades do

alunado.

Em linhas gerais, as entrevistas concedidas por dois docentes

responsáveis por cursos de Jornalismo – público e privado – do município do

Rio de Janeiro para a confecção da pesquisa foram altamente esclarecedoras

e importantes, mas não surpreendem em relação às suas diferenças. As

colocações do chefe de departamento de Jornalismo da Uerj têm cunho mais

reflexivo sobre o papel da academia na formação de profissionais mais críticos

e menos dependente dos grandes conglomerados de mídia no Brasil. Deste

modo, elas contrastam com as tendências mais mercadológicas e dissonantes

do teoricismo acadêmico que marcam as respostas do coordenador do curso

de Jornalismo da UCB.

Fato é que a formação na área é vista como imprescindível para a

construção de um mercado de Comunicação – seja nas redações, nas

agências, nas empresas públicas, no terceiro setor, na própria academia e em

tantas outras instâncias – mais plural, crítico e atento à ideia da informação

como serviço de interesse realmente público.

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Os grandes conglomerados de comunicação existentes no Brasil são

dominados por poucas elites resistentes à prática do pensamento crítico, um

dos principais exercícios da formação acadêmica na área. Aliás, a extinção da

necessidade do diploma em jornalismo representa, segundo Luz (2011),

exatamente um reflexo dessa resistência.

É válido, porém, notar que o baque causado pelo fim da exigência do

diploma em jornalismo não vem impedindo, de forma alguma, que

pesquisadores e docentes da área produzam e perpetuem estudos que

possibilitem novas dimensões no pensar e no fazer jornalismo. São muitas as

organizações de representações da classe, além de federações, associações e

demais entidades que promovem congressos, seminários, palestras,

conferências e demais tipos de encontros que alavancam trabalhos, destacam

pesquisas, criticam e denunciam abusos e desrespeitos, discutem novas

formas de atuação e, em especial, propõem um ensino de natureza crítica e

uma formação ampla e abrangente e que não se renda apenas às (supostas)

benesses do mercado.

De forma tímida, mas muito interessada, a presente monografia dá sua

minúscula contribuição para essa seara de pensamentos, propondo que

somente o constante debate fará com que os rumos do ensino do jornalismo no

Brasil alcance estágios mais aprofundados e forme profissionais capazes de

lidar com o excesso de produção de informação de forma reflexiva, ética,

competente e responsável.

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BIBLIOGRAFIA

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(Orgs.). Horizontes do jornalismo: formação superior, perspectivas teóricas e

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MANGINI, Jussara. Pesquisa investiga mudanças no jornalismo e no perfil do

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reduzindo a distância entre academia e mercado. Disponível em

http://www.marquesdemelo.pro.br/textos/textos_anteriores/txt_ant_01.htm.

Acessado em 3/12/2013.

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ÍNDICE DE ANEXOS

ANEXO 01 INTERNET 46

ANEXO 02 INTERNET 51

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ANEXO 01

INTERNET

Disponível em: http://agencia.fapesp.br/18409

Pesquisa investiga mudanças no jornalismo e no perfil do jornalista

02/01/2014

Por Jussara Mangini

Agência FAPESP – As transformações ocorridas nos meios de comunicação, por meio das

novas tecnologias e da cultura de convergência midiática, impactaram profundamente os

processos de produção do jornalismo e, consequentemente, o perfil do jornalista. A conclusão é

de uma pesquisa que avaliou o perfil do jornalista e as mudanças em trabalho.

“Os produtos jornalísticos impressos, televisivos ou radiofônicos são feitos de maneira

completamente diferente do que há cerca de 20 anos”, disse Roseli Fígaro, coordenadora do

Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho da Escola de Comunicações e Artes da

Universidade de São Paulo (ECA/USP).

Responsável pela pesquisa “O perfil do jornalista e os discursos sobre o jornalismo: um estudo

das mudanças no mundo do trabalho do jornalista profissional em São Paulo”, que teve apoio

da FAPESP, Fígaro destaca que uma série de funções desapareceu da rotina do métier do

jornalista.

“O tempo e o espaço, comprimidos pelas possibilidades das tecnologias de comunicação e de

informação, foram assimilados nos processos de produção de modo a reduzir o tempo para a

reflexão, a apuração e a pesquisa no trabalho jornalístico. O espaço de trabalho encolheu e ao

mesmo tempo diversificou-se, transformando as grandes redações em células de produção que

podem ser instaladas em qualquer lugar com internet e computador. O jornalismo on-line, em

tempo real, os blogs e as ferramentas das redes sociais são inovações nas rotinas profissionais”,

disse à Agência FAPESP.

No estudo, concluído em 2013, um grupo de pesquisadores do Centro de Pesquisa em

Comunicação e Trabalho, orientado por Fígaro, buscou saber o que essas transformações

representam em termos de mudanças no perfil do profissional e o que o jornalista pensa sobre o

próprio trabalho e sobre o jornalismo. O trabalho é resultado da análise das respostas de 538

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jornalistas. Os dados também estão no e-book As mudanças no mundo do trabalho do

jornalista(Editora Salta), lançado no segundo semestre de 2013.

Os 538 jornalistas pesquisados são de São Paulo – estado que abriga mais de 30% dos

profissionais brasileiros da categoria – e foram consultados em duas fases metodológicas: a

quantitativa, com o uso de um questionário fechado de múltipla escolha, e a qualitativa, com

entrevista face a face com roteiro de perguntas abertas, e grupo de discussão, com roteiro dos

temas mais polêmicos encontrados pelos instrumentos anteriores.

Quatro grupos amostrais responderam os questionários em diferentes períodos: dois grupos em

2009 – um formado com 30 jornalistas de diferentes mídias e vínculos empregatícios,

selecionados de maneira aleatória via rede social, e outro constituído por 340 associados do

Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, também de diferentes mídias,

vínculos e funções.

Um grupo de 90 jornalistas freelancers (sem vínculo empregatício), trabalhando em diferentes

mídias, foi consultado em 2010. E um outro grupo de 82 jornalistas de uma grande empresa

editorial da capital paulista também compôs a amostra, como fruto de uma pesquisa anterior,

realizada em 2007.

Para a fase qualitativa – com entrevista individual de 20 jornalistas e discussão em focus

groups, em duas sessões, com 16 jornalistas no total – foram selecionados 36 dos 538

jornalistas que responderam os questionários na fase quantitativa.

De forma geral, a maioria dos jornalistas tem um perfil socioeconômico de classe média, é jovem

(até 30 anos), branca, do sexo feminino, não tem filho, atua em multiplataformas e tem curso

superior completo e especialização em nível de pós-graduação. Outras características comuns

são a carga horária de trabalho – de oito a dez horas por dia – e a faixa salarial de R$ 2 mil a R$

6 mil.

O predomínio feminino coincide com os dados divulgados pela Federação Nacional dos

Jornalistas (Fenaj) que, no fim de 2012, registrou que os jornalistas brasileiros eram

majoritariamente mulheres brancas, solteiras, com até 30 anos. Apenas no grupo dos

sindicalizados, que reúne os profissionais com a faixa etária mais elevada e maior tempo de

profissão, observou-se predomínio masculino.

Precarização dos vínculos empregatícios

A reestruturação produtiva ocorrida no mundo do trabalho, principalmente a partir dos anos

1990, transformou as relações de trabalho, afirma a pesquisadora na introdução de seu livro. Foi

a partir dessa década que aumentou o número de jornalistas contratados sem registro em

carteira profissional, abrindo caminho para novas formas de contratação, como a terceirização,

contratos de trabalho por tempo determinado, contrato de pessoa jurídica (PJ), cooperados

e freelancers, entre outros.

A chamada “flexibilidade” acaba por transferir aos trabalhadores o peso das incertezas do

mercado. “Como mão de obra maleável seja em termos de horário, de jornada de trabalho ou de

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um vínculo empregatício, esses profissionais não podem planejar suas vidas em termos

econômicos nem em termos afetivos”, disse Fígaro.

Os freelancers trabalham em período integral, para vários lugares, sozinhos em casa. Começam

a pensar como empreendedores, aplicam os conhecimentos do jornalismo em outras atividades,

como na revisão de trabalho acadêmico ou até na venda de pacotes de assessoria de

comunicação para políticos.

Os mais jovens e os freelancers são os que menos conseguem planejar sua vida pessoal em

relação à profissional fora do curto prazo, de acordo com a pesquisadora. “Trabalham hoje, para

consumir hoje e não sabem como será seu trabalho no ano seguinte. Imagino que isso cause

grande parte do estresse na vida do indivíduo”, afirmou Fígaro.

A pesquisa também verificou que as novas gerações se sindicalizam menos. Uma possível

explicação para isso, segundo Fígaro, é que os profissionais que vivem instabilidade financeira e

têm dificuldade em se relacionar com o mundo do trabalho não vislumbram soluções coletivas –

como sindicalizar-se ou organizar-se para pleitear melhores condições de trabalho –, mas

sempre em saídas individuais como, por exemplo, arrumar mais um emprego.

“Possuem um perfil profissional deslocado de valores coletivos, são individualistas e muito

preocupados com o negócio. Vão em busca do cliente e consideram a informação um produto.”

Ela ressalta, no entanto, que isso não quer dizer que o jornalista não esteja preocupado com

causas da coletividade ou da sociedade, mas que há uma busca individual de soluções.

Os profissionais da área sabem que uma característica comum é a alta rotatividade de emprego:

muda-se muito de uma empresa ou veículo de comunicação para outro. Na avaliação de Fígaro,

“se por um lado, a experiência pode enriquecer o profissional, por outro é sempre um começar

de novo, um novo que não é tão novo, porque se fica no mesmo nível hierárquico”.

De acordo com ela, é exigida hoje do jornalista atualização constante no uso de ferramentas

digitais de prospecção, apuração e edição de informações. É fundamental ter habilidades e

competências que permitam a atuação em diversas plataformas – impressa, tevê, rádio, internet

– e em diferentes linguagens – verbal, escrita, sonora, fotográfica, audiovisual, hipertextual.

“Exigem-se ainda noções de marketing e de administração, visto que se prioriza a visão de

negócio/mercadoria já inserida no produto cultural, por meio do tratamento dado às pautas e à

segmentação de públicos”, disse Fígaro.

Diferenças entre gerações

Enquanto os mais jovens estão fora das redações, em trabalhos precarizados, os mais velhos

migram para a coordenação das assessorias de comunicação.

A coordenadora do estudo comentou que há casos muito conflituosos de desrespeito e

intolerância tanto em relação ao profissional mais velho, quanto em relação ao jovem muito

tecnológico, sem experiência. “As empresas, no afã de mudar sua cultura e dinamizar os

interesses de seu negócio, quebram uma regra muito importante no mundo do trabalho: a

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transferência de saberes profissionais de uma geração para outra. Isso traz danos não só para a

empresa, mas para toda a sociedade. Há um custo social a pagar por isso”, avaliou Fígaro.

Há diferença entre o que significa ser um bom jornalista hoje em relação a 20 anos atrás?

“Jornalistas trabalham com os discursos da sociedade. Devem, portanto, compreender as

implicações disso: discurso é produção de sentido; e produção de sentido é tomar posição, é

editar o mundo e disponibilizar essa edição para quem estiver interessado nela.”

De acordo com a pesquisadora, hoje é preciso maior destreza com tecnologias que não existiam.

Os jornalistas tinham menor destreza anteriormente? Não, na opinião de Fígaro. “Ser

multitarefa e multiplataforma são exigências que colocam em ação habilidades humanas

diferentes; e trazem implicações profissionais diferentes.”

Sob esse aspecto, os profissionais apresentam no discurso preocupação com a ética jornalística,

com a apuração, com o texto, com a qualidade e a idoneidade das fontes. “Mas eles também têm

claro que o tempo da racionalidade produtiva da mídia é o algoz do bom jornalismo. Destaco

que esse tempo não é o tempo da vida cotidiana. É o tempo da produção comercial do produto

notícia”, ressaltou Fígaro.

Formação profissional

Da amostra total, cerca de 5% não têm ou não concluíram o ensino superior. A absoluta maioria

possui nível superior e, em média, 65% deles têm curso de especialização em nível de pós-

graduação.

A mudança operacional é tão evidente que os cursos de jornalismo ganharam na última década

teor ainda mais técnico-prático e operacional; fato que, na opinião da pesquisadora, não deveria

se contrapor à preocupação com a ampla formação cultural e humanística do futuro

profissional. “No entanto, é isso que vem acontecendo, inclusive com o aval do cliente/aluno,

visto que a maioria dos jornalistas da pesquisa se formou em faculdades privadas.”

Outra característica marcante é que o jornalista começa a trabalhar muito cedo. Antes mesmo

de concluir a faculdade, é incentivado a conquistar logo um posto de trabalho na área. Fígaro

percebeu que há até um certo desprezo pela faculdade, como se o necessário fosse somente a

formação técnica conquistada no âmbito do trabalho. “Essa discussão é complexa. O trabalho

nunca é só técnica, norma, prescrição de uma empresa para a produção de determinado

produto. Para o trabalho mobiliza-se um conjunto de saberes amplos que vão da gestão de si

próprio e suas habilidades, à gestão das normas, dos relacionamentos, das linguagens etc.”

Na avaliação dos pesquisadores, parte dos profissionais da amostra teve uma formação “débil”

no que diz respeito à capacidade de inter-relacionar fatos, dados e acontecimentos de maneira

contextualizada política, social e historicamente. “Na verdade, é essa capacidade que considero

como conhecimento fundamental para o desempenho da profissão”, disse Fígaro.

Produção de conteúdo

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Os autores da pesquisa destacam o quanto o processo de seleção, análise e interpretação das

informações, que são de fácil acesso hoje, ficou mais complexo e exige maturidade intelectual,

profundo compromisso com a ética jornalística e com os fundamentos da produção do discurso

jornalístico. Porém, lamentam que “o limite e a separação entre as orientações da redação de um

veículo de comunicação e a área comercial da empresa, antes tão fundamentais para a

credibilidade do exercício profissional, hoje sequer fazem parte do repertório das novas

gerações”.

Os jornalistas da empresa editorial pesquisada consideram os meios de comunicação o negócio

mais promissor do mundo globalizado e um negócio como outro qualquer. O grupo de

jornalistas selecionado nas redes sociais se divide sobre o papel dos meios de comunicação –

para uns, é um instrumento de fazer política, cultura e educação e, para outros, trata-se de um

negócio como outro qualquer. Os sindicalizados e os freelancers consideram os meios de

comunicação um instrumento de informação, cultura e educação.

No que diz respeito à opinião dos jornalistas sobre o “valor” da informação, apenas os

profissionais do grupo dos sindicalizados a veem como um direito do cidadão. Os demais a

consideram um produto fundamental da sociedade.

Dessas questões derivam outras em relação ao tipo de jornalismo que o cidadão deseja e daí qual

o engajamento profissional necessário. “Está em jogo que tipo de democracia se quer construir,

pois o direito à informação é o alicerce de uma sociedade democrática”, disse Fígaro.

Para a pesquisadora, falta a compreensão de que o jornalista é o profissional que trabalha com

os discursos das diferentes instituições e agentes sociais para devolvê-los aos cidadãos, de

maneira compreensível. “A informação é um direito humano, consagrado pela nossa

Constituição e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Hoje, grande parte dos

jornalistas encara a informação como uma mercadoria como outra qualquer e, em minha

opinião, aí está o problema.”

Consumo cultural

A maioria dos jornalistas pesquisados lê jornais todos os dias; quem menos lê, no entanto, são

osfreelancers. Todos os grupos afirmam assistir à televisão todos os dias. Parte da mostra

também ouve rádio todos os dias. A internet, mais do que outros meios de comunicação ou de

comunicação interpessoal, é o meio pelo qual todos ficam sabendo das notícias mais

importantes, fazem compras, estudam, trabalham e pesquisam.

Ainda assim, o que o jornalista mais segue nas mídias sociais é a mídia tradicional e grandes

veículos de comunicação e a busca, geralmente, está mais ligada ao trabalho do que à obtenção

de informação em si.

Todos os grupos gostam de ler, ir ao cinema, boa parte vai ao teatro. Nas horas vagas, alguns vão

à academia de ginástica e outros não vão a lugar algum.

Para os autores da pesquisa, o maior crédito que atribuem ao estudo e ao e-book, além dos

dados levantados, é provocar nos jornalistas um debate sobre a profissão.

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Disponível em: http://wwwreflete-sobre-a-profissao

Jornalista não planeja fuPublicado em Sociedade, USP Online

O perfil do jornalista mudou. A nosindicalizada, de formação políticapela densificação do trabalho. As emundo do trabalho do jornalistaEscola de Comunicações e Artes (e Trabalho (CPCT) da ECA. O livdoutorandos do CPCT, além de prECA. Em 1972, Melo e o tambémprofissional em São Paulo” da époA pesquisa foi construída a partir dforam captados por redes sociais, pprofissionais do Sindicato dos Jornuma grande empresa editorial de Scritério jornalistas freelancers(GruDo cruzamento desses dados, o grsócios do sindicato são majoritaria

ANEXO 02

INTERNET

//www5.usp.br/29444/jornalista-nao-planeja-osao-mostra-estudo-da-eca

futuro nem reflete sobre profissão, diz es Destaque por Anaïs Fernandes em 1 de julho de 2013 |

Foto: Marcos Santos / USP Imagens

. A nova geração é hegemonicamente feminina, com menosolítica débil, massacrada pelo tipo de empregabilidade a quo. As evidências desta realidade estão reunidas no livro Assta (Editora Atlas, 2013), organizado por Roseli Figaro, prrtes (ECA) da USP e coordenadora do Centro de Pesquisa

. O livro conta com textos de Rafael Grohmann e Cláudia N de préfácio de José Marques de Melo, jornalista e um dos fmbém professor da ECA, Jair Borin, traçaram o “perfil do joda época, relatório reproduzido no pósfácio desta edição. partir de 2010 com quatro tipos de amostras. Os componenteciais, principalmente via email. Uma segunda amostra abordos Jornalistas do Estado de São Paulo (Grupo B). Jornalistasal de São Paulo compuseram o Grupo C. A quarta amostra u

(Grupo D). s, o grupo percebeu, sob o ponto de vista quantitativo, que oritariamente homens e de gerações mais velhas, com mais d

51

o-futuro-nem-

estudo

menos de 35 anos, não e a que está submetida e As mudanças no

aro, professora da quisa em Comunicação dia Nonato, dos fundadores da

il do jornalista

onentes do Grupo A abordou os alistas contratados de ostra utilizou como

que os jornalistas mais de 35 anos. Nos

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outros grupos de amostragem, destacaram-se mulheres jovens não sindicalizadas. Houve, portanto, uma mudança do perfil dos jornalista por gênero e também a constatação de que os jovens se sindicalizam menos.

Roseli conta que, durante a análise qualitativa, surgiram questões dos jornalistas relacionadas ao engajamento e descrédito na organização enquanto categoria. “Acredito que isso se dê pela atual situação de empregabilidade e pela precarização desses laços, que tornam a questão da sindicalização e da organização muito frágeis”, afirma.

Uma das perguntas do questionário queria saber se o profissional encontrava tempo para planejar sua vida – se tem conseguido planejar para curto, médio ou longo prazo, ou não tem conseguido planejar. Os resultados apontaram que os mais jovens e os profissionais freelancers são os que menos têm conseguido planejar. “Isso quer dizer trabalhar hoje, para consumir hoje e não saber como será seu trabalho no ano que vem”, explica a professora. Ela aponta que essas pessoas, com instabilidade e dificuldade em se relacionar com o mundo do trabalho, não vislumbram soluções coletivas – como sindicalizar-se ou organizar-se para pleitear melhores condições de trabalho –, mas sempre saídas individuais como, por exemplo, arranjar mais um emprego. “A solução de classe jornalística parece que se esvai”,acrescenta Rafael Grohmann.

Clique para ampliar | Foto: Divulgação

O doutorando considera que os jornalistas mais jovens têm uma perspectiva “ajustada às prescrições do sistema econômico capitalista” no sentido, por exemplo, da valorização do empreendedorismo. Ele avalia que pouquíssimos entrevistados iam contra o pensamento contra hegemônico.

Roseli relata falas daquele profissional que não se encontra nas grandes mídias e que procura trabalho em mídias alternativas para se realizar enquanto jornalista. “Ele não se via respondendo aos paradigmas da profissão, como a aspiração do jornalista como mediador social, seu comprometimento com as causas da verdade, da democracia, da cidadania nas grandes mídias”, aponta Roseli. Ela ressalta que esse tipo de profissional só conseguia suprir seus anseios quando ele mesmo se patrocinava, trabalhava de graça ou batalhava para publicar material próprio e independente em sites e revistas alternativas. Quando esse profissional conseguia colocar pautas alternativas na grande imprensa, Grohmann relembra que o termo utilizado era “contrabandear informação”.

Grohmann questiona também até que ponto os jornalistas estão discutindo política na sua formação. Ele relembra dois relatos. Um, de uma menina que dizia fugir da aula de política na faculdade. Outro, de uma pessoa que afirmava não saber a diferença entre PMDB e PSDB e que também não demonstrava interesse

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em aprender, pois não se interessava pelo assunto e preferia que Paulo Maluf escrevesse uma matéria sobre política do que ela.

Foto: Divulgação

No livro, enquanto Cláudia Nonato focaliza o segmento dos jornalistas sindicalizados em São Paulo, Grohmann trabalha o jornalista como receptor, buscando compreender quais os produtos culturais preferidos pela categoria.

Ele percebeu que, embora o jornalista acesse mídias alternativas, o que ele mais segue ainda é a mídia tradicional e grandes veículos de comunicação. E a busca, geralmente, está mais ligada ao seu trabalho do que à obtenção de informação em si. “Ele assiste à televisão para criticar o trabalho dos outros ou então para melhorar seu próprio desempenho. O jornalista nunca desliga, mesmo quando está no sofá de casa”, aponta Grohmann. O pesquisador retoma a questão do ajustamento às prescrições do sistema econômico capitalista, afirmando que o jornalista chega, em sua crítica, no máximo a “que off ruim, essa manchete não está boa, essa passagem não ficou legal”, e não consegue atingir críticas ideológicas mais profundas.

O doutorando critica também a existência esporádica, dentro das faculdades de jornalismo, do debate do jornalista enquanto profissional, justamente em um momento em que a categoria presencia uma séria de

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demissões. “O jornalista poucas vezes se pensa enquanto trabalhador, ele é o super-herói, o salvador da pátria”, explica. “Mais do que os dados quantitativos, acho que o maior crédito do nosso livro é provocar essa discussão. A classe dos jornalistas está trabalhando muito e não está olhando direito para essas questões tão fundamentais”, afirma Grohmann.

Serviço As mudanças no mundo do trabalho do jornalista (E-book) Roseli Figaro (Org.), Cláudia Nonato e Rafael Grohmann

Lançamento: 15 de agosto, na Livraria Martins Fontes (Av. Paulista, 509, São Paulo)

Preço sugerido: R$ 47,00. Promoção de lançamento: desconto de 30% para professores e de 20% para o público em geral.

O livro está disponível para aquisição no site da Editora Atlas.

Mais informações: [email protected]

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 02

AGRADECIMENTO 03

DEDICATÓRIA 04

RESUMO 05

METODOLOGIA 06

SUMÁRIO 09

INTRODUÇÃO 10

CAPÍTULO I

O Jornalismo Brasileiro na Academia 13

1.1. O Jornalismo e as diferentes formações em Comunicação Social 13

1.2. Debates sobre as necessidades da formação superior específica

em Jornalismo 17

CAPÍTULO II

O Ensino de Práticas Jornalísticas nos Cursos de Graduação 22

2.1. Cadeiras de práticas jornalísticas: exigências de mercado

versus mais tempo para o ensino 22

2.2. As instituições privadas e suas chamadas de mercado 25

2.3. O fim da exigência do diploma e seus diferentes impactos 27

2.4. O ensino do jornalismo e o domínio de técnicas da profissão:

gêneros jornalísticos 29

CAPÍTULO III

Embates entre Instituições Públicas e Privadas, Academia e Mercado 31

3.1. Comunicação Social: abismos entre teoria e prática, academia

e mercado 31

3.2. O docente na balança: exigências acadêmicas, de mercado

ou ambas? 33

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CONCLUSÃO 40

BIBLIOGRAFIA 42

WEBGRAFIA 44

ÍNDICE DE ANEXOS 45

ANEXO 01 INTERNET 46

ANEXO 02 INTERNET 51

ÍNDICE 54