DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · II- CRIME DE ABANDONO DE INCAPAZ Dispõe o...

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1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA CRIME DE ABANDONO DE INCAPAZ CONTRA IDOSO Por: SÉRGIO LUIZ PEREIRA DE OLIVEIRA Orientador Prof. Francis Rajzman Rio de Janeiro 2013 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

CRIME DE ABANDONO DE INCAPAZ CONTRA IDOSO

Por: SÉRGIO LUIZ PEREIRA DE OLIVEIRA

Orientador

Prof. Francis Rajzman

Rio de Janeiro

2013

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

CRIME DE ABANDONO DE INCAPAZ CONTRA IDOSO

Apresentação de monografia à AVM Faculdade Integrada como

requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Direito e

Processo Penal.

Por: Sérgio Luiz Pereira de Oliveira.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO___________________________________________________04

1 PRECEDENTES HISTÓRICOS_________________________________05

1.1 Da importância do idoso ________________________________05

1.2 Do envelhecimento populacional _________________________ 06

2 CRIME DE ABANDONO DE INCAPAZ____________________________10

2.1 Sujeito ativo e passivo___________________________________11

2.2 Elemento subjetivo______________________________________13

2.3 Consumação do delito e tentativa__________________________ 14

2.4 Formas_______________________________________________15

2.5 Causas de aumento de pena______________________________16

2.6 Da ação penal_________________________________________ 18

3 DIREITO DO IDOSO_________________________________________19

3.1 O abandono de idosos__________________________________22

3.2 Projeto de lei nº 2.681 de 2007___________________________ 24

3.3 Da deserdação________________________________________26

CONCLUSÃO____________________________________________________29

BIBLIOGRAFIA______________________________________________30

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INTRODUÇÃO

Esta monografia versará sobre o crime abandono de incapaz previsto no

artigo 133 do Código Penal, tratando de tema importante uma vez que nosso país

está se tornando cada vez mais idoso, e devido ao avanço da medicina, a

longevidade está cada vez maior e a sociedade precisa estar preparada para o

envelhecimento populacional, começando por tratar bem que os idosos que têm

em casa.

Será feito um paralelo entre o Código Penal e o Estatuto do Idoso (Lei nº

10.741 de 01o de outubro de 2003), visto que ambos andam de mãos dadas

quando o assunto é proteger o idoso, um dos incapazes a quem o Código Penal

protege.

Serão apresentados conceitos de direito penal para melhor entendimento

do tema, assim como a evolução histórica tanto do crime abandono de incapaz

quando da situação do idoso.

Será detalhadamente explicado o crime abandono de incapaz, mostrando

seus sujeitos ativos, passivos, formas qualificadas, assim como a penalidade,

dentre outros itens.

Também serão apresentado casos reais de abandono de incapaz

mostrando a grande revolta que causa o assunto, ainda mais quando os primeiros

que abandonam seus incapazes, no caso, os idosos, são aqueles que primeiro

deveriam protegê-los, seja por amor, seja por gratidão ou simplesmente por

questão moral e de caráter, que são os filhos desses idosos.

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I- PRECEDENTES HISTÓRICOS

Não consta das legislações antigas a criminalização da conduta de

abandonar incapaz. Limitaram-se elas tão somente a sancionar a conduta de

expor infante, e, ainda, com algumas restrições, como a legislação Esparta, por

exemplo, em que se autorizava o abandono de crianças débeis ou aleijadas,

incapazes para o serviço de armas.

O Direito Romano, ao tempo da Lei das XII Tábuas, proibia ao paterfamilias

expor o filho recém-nascido, contudo, tal proibição somente dizia respeito aos

filhos varões e às filhas primogênitas desde que não fossem débeis, monstruosos

ou desformes; caso contrário, a exposição era legitimada.

Com o Direito Canônico, além do recém-nascido, passou a constituir objeto

da tutela penal toda pessoa incapaz de valer-se a si mesma. Houve, portanto, uma

ampliação daquela criminalização. É certo que, com isso, não somente os pais

passaram a ser autores desse crime, mas também qualquer pessoa que

expusesse um incapaz.

Na legislação brasileira, o Código Penal de 1830 não contemplou qualquer

figura nesses moldes, e o Código de 1890 limitou-se a punir o abandono de

infante menor de 7 anos. A atual legislação penal brasileira não se limitou à

proteção dos menores, e, conforme a Exposição de Motivos, “atendendo ao ubi

eadem ratio, ibi eadem dispositio, amplia-a aos incapazes em geral, aos enfermos,

inválidos e feridos.”

1.1- Da importância do idoso

Através da sociedade pós-industrial foi-se retirando a importância do idoso

na sociedade moderna. Durante anos, a velhice nas mais variadas culturas foi

reverenciada como símbolo de conhecimento.

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O idoso, para determinadas culturas, representa a continuidade da história,

pois o idoso representaria o binômio memória/continuidade dos valores almejados

pelo grupo social. “Pode-se afirmar que esta adequação não se restringe a povos

considerados por muitos como de pouco conhecimento racional (terminologia

usada em uma visão eurocêntrica de conhecimento)”. Nas sociedades indígenas,

o papel do idoso é de extrema importância para a manutenção e transmissão dos

conhecimentos da tribo. Nas sociedades milenares da Ásia, como o Japão, há

uma relação de extremo respeito pela população idosa.

Partindo para outro extremo, Ecléa Bosi afirma que “na sociedade industrial,

a velhice é maléfica, porque nela todo sentimento de continuidade é destroçado. O

que foi produzido no passado não tem interesse hoje e possivelmente estará

destruído amanhã1”; desta forma, a perda da continuidade é fato marcante da

sociedade industrial e de serviços. Há, nos dias de hoje, uma crescente disfunção

da velhice devido ao traço marcante da sociedade produtivista e consumista e à

perda da função social da memória, exercida pela velhice. Assiste-se até mesmo à

degradação e o acuamento do antigo.

E é nesta cultura consumerista em que o idoso não apenas está sendo visto

como um “peso” para o mercado de produção, mas também em suas próprias

casas, onde filhos o expulsam para livrar-se de um peso, cometendo, desta forma,

o crime de abandono de incapaz.

1.2- Do envelhecimento populacional

Em 1830, a espécie humana atingiu a marca de um bilhão de pessoas, o

que demorou milhões de anos para acontecer. Em 1927, este número dobrou. Em

1960, a população chegou aos três bilhões. Em 1999, alcançou-se o sexto bilhão.

Paralelo a este incremento populacional, a longevidade humana estendeu-

se a limites até então inimagináveis, colocando a questão do envelhecimento da

população como um dos maiores desafios das agendas políticas contemporâneas.

1 BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembrança de velhos. 3a ed. São Paulo: Cia das Letras, 1994, p. 203.

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A atual sociedade vem se caracterizando por imensas transformações e a

expectativa de vida cresceu mundialmente cerca de 30 anos neste último século

que passou.

O crescimento da população de idosos, em números absolutos e relativos

está ocorrendo em uma velocidade sem precedentes. Em 1950, eram cerca de

204 milhões o número de idosos no mundo. Em 1998, quase cinco décadas

depois, o número chegou a 579 milhões, o que significou um crescimento de

quase 8 milhões de idosos por ano.

Sem dúvida, um dos maiores feitos da humanidade foi a ampliação do

tempo de vida, que se fez acompanhar de uma melhora substancial dos

parâmetros de saúde das populações. Viver mais é uma aspiração natural de

qualquer sociedade, mas é importante que se consiga agregar qualidade de vida a

estes anos adicionais de vida.

No âmbito familiar, esse envelhecimento populacional também tem sua

repercussão..

O indivíduo idoso perde a posição de comando e decisão que estava

acostumado a exercer e as relações entre pais e filhos modificam-se.

Conseqüentemente as pessoas idosas tornam-se cada vez mais dependentes e

uma reversão de papéis estabelece-se. Os filhos geralmente passam a ter

responsabilidade pelos pais, mas muitas vezes esquece-se de uma das mais

importantes necessidades: a de serem ouvidos. Os pais, muitas vezes, quando

manifestam a vontade de conversar, percebem que os filhos não têm tempo de

escutar as suas preocupações.

O ambiente familiar pode determinar as características e o comportamento

do idoso. Assim, na família suficientemente sadia, onde se predomina uma

atmosfera saudável e harmoniosa entre as pessoas, possibilita o crescimento de

todos, incluindo o idoso, pois todos possuem funções, papéis, lugares e posições

e as diferenças de cada um são respeitadas e levadas em consideração.

Em famílias onde há desarmonia, falta de respeito e não reconhecimento de

limites, o relacionamento é carregado de frustrações, com indivíduos deprimidos e

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agressivos. Essas características promovem retrocesso na vida das pessoas. O

idoso torna-se isolado socialmente e com medo de cometer erros e ser punido.

Nas famílias onde existe o excesso de zelo, o idoso torna-se

progressivamente dependente, sobrecarregando a própria família, com tarefas

executadas para o idoso, onde na maioria das vezes ele mesmo poderia estar

realizando. Esse processo gera um ciclo vicioso e o idoso torna-se mais

dependente.

Reconhece-se que para cada família o envelhecimento assume diferentes

valores que, dentro de suas peculiaridades, pode apresentar tanto aspectos de

satisfação como de pesadelo.

A tendência do Brasil é valorizar aquilo que é novo e desprezar o que é

velho. A própria educação faz o velho se sentir um objeto fora de uso.

Nesta diapasão, na qual há tanto famílias que respeitam seus idosos e

outras que não respeitam é que surge, em 2003, o Estatuto do Idoso que precisa

cada vez mais ter sua importância ressaltada e serem exaltados os instrumentos

ali dispostos.

Sérgio Cabral foi um político de influência para a garantia de respeito e

outros direitos fundamentais ao idoso, através dele é que a História dos Direitos

Especiais aos Idosos no Brasil começou, pois foi autor do Estatuto do Idoso- Lei nº

10.741 de 2003, que entrou em vigor em janeiro de 2004.

Antes do Estatuto, existia uma tutela específica para o idoso, qual seja, a

Política Nacional do Idoso (lei nº 8.842 de 1994), em razão de várias

reivindicações feitas pela sociedade em meados da década de 70 e

principalmente em razão do documento Políticas para a Terceira Idade nos anos

90, produzida pela Associação Nacional de Gerontologia, estabelecendo um rol de

recomendações sobre a questão dos idosos. A referida Lei foi promulgada a fim

de assegurar os direitos sociais do idoso possibilitando condições para a

promoção da autonomia, integração e participação na sociedade.

No que tange à educação, a lei trata da inclusão da Gerontologia e Geriatria

como disciplinas curriculares nos cursos superiores e, nos currículos mínimos, nos

diversos níveis de ensino formal, inserindo conteúdos voltados para o processo de

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envelhecimento, bem como o desenvolvimento de programas educativos,

especialmente nos meios de comunicação, a fim de produzir conhecimentos

informando sobre o assunto de forma a eliminar preconceitos.

Se a sociedade proporcionasse aos mais velhos o tratamento e consideração dispensada aos adultos eliminar-se-ia os estatutos especiais para os idosos. Sabe-se que as leis existem para regular o comportamento dos indivíduos dentro de uma sociedade estabelecendo seus direitos e deveres; porém, necessário se faz uma legislação específica para idosos em razão da própria exclusão destes da sociedade produtiva. Desse modo, tornou-se necessária a criação do Estatuto do Idoso em 2003, que veio resgatar, os princípios constitucionais que garantem aos cidadãos idosos direitos que preservem a dignidade da pessoa humana, sem discriminação de origem, raça, sexo, cor e idade.2

Vale salientar que é o Estatuto do Idoso, de 2003, é muito mais abrangente

do que a Política Nacional do Idoso, pois, o novo estatuto determina inúmeros

benefícios e garantias à terceira idade, além de instituir penas severas para quem

desrespeitar ou abandonar cidadãos idosos, sejam masculinos ou femininos. Tal

Lei veio resgatar os princípios constitucionais que garantem aos cidadãos os

direitos que preservem a dignidade da pessoa humana, sem discriminação,

conforme o artigo 3o, IV da Constituição da República Federativa do Brasil de

19883.

2 OLIVEIRA, Rita de Cássia da Silva. O processo histórico do estatuto do idoso e a inserção pedagógica na universidade aberta. Disponível em: www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/edicoes/ 28/art18_28.Pdf +historia + dos+direitos+do+idoso. Acesso em 16 de dezembro de 2012. 3Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

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II- CRIME DE ABANDONO DE INCAPAZ

Dispõe o artigo 133 do Código Penal:

Abandono de incapaz Art. 133 - Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono: Pena - detenção, de seis meses a três anos. § 1º - Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de um a cinco anos. § 2º - Se resulta a morte: Pena - reclusão, de quatro a doze anos. Aumento de pena § 3º - As penas cominadas neste artigo aumentam-se de um terço: I - se o abandono ocorre em lugar ermo; II - se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima. III - se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos

O crime de abandono de incapaz é um crime de perigo concreto em

decorrência do próprio verbo empregado na figura criminosa, qual seja,

abandonar, o que exige um risco efetivo, real.

A conduta típica é abandonar, que significa deixar a vítima sem assistência,

ao desamparo, largar. O crime pode realizar-se mediante conduta comissiva, por

exemplo, conduzir um incapaz até uma floresta, abandonando-o, deixando-o sem

meios de proteção; com por conduta omissiva, por exemplo, babá que abandona o

emprego, deixando as crianças à sua própria sorte.

Não basta para a configuração do crime o simples abandono do incapaz; o

abandono deve criar uma situação de perigo concreto para a vítima, incumbindo

ao juiz analisar em cada caso a efetiva situação de perigo, não se podendo

presumir a ocorrência do risco. De acordo com Noronha, a essência do abandono

está na presença de uma situação perigosa para o sujeito passivo. Não há

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abandono (expressão ampla) quando o sujeito ativo deixa o ofendido em lugar

onde, sem risco para sua vida ou saúde, terá assistência de pessoa certa ou

indeterminada.”4

Conforme entendimento de Mirabete, “é necessário uma separação no

espaço, ou seja, uma separação física entre os sujeitos do crime.” 5

Da mesma forma, inexiste o crime na hipótese em que o agente fique na

espreita, ou disfarçadamente, vigiando a vítima, aguardando que terceiros a

recolham, afinal, não ocorre, neste caso, perigo concreto. Também não constitui

abandono a situação em que o assistido se furta aos cuidados daquele que tem o

dever de prestar assistência.

A duração do abandono pode ser temporário ou definitivo. Sua duração é

indiferente, desde que seja por espaço de tempo juridicamente relevante, ou seja,

capaz de pôr em risco o bem jurídico tutelado.6

Protege-se no dispositivo apenas o direito aos cuidados materiais e não os

morais. O abandono material ou moral poderá caracterizar, porém, outro delito

9artigos 244 a 247 do Código Penal).

2.1- Sujeito ativo e passivo

O sujeito ativo do crime é aquele que tem o dever de zelar pela vítima.

Trata-se, desta forma, de delito próprio, exigindo-se uma relação de dependência

entre o sujeito ativo e a vítima do abandono. “Esse crime só pode ser cometido por

aquele que tenha o indivíduo sob o seu cuidado, guarda, vigilância ou

autoridade.”7 Aquele assume a posição de garantidor em decorrência da lei

(Código Civil Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto do Idoso), de

contrato ou convenção (enfermeiros, diretores de colégio, etc.) e de qualquer fato

4 NORONHA. E. Magalhães. Direito penal: dos crimes contra a pessoa. 26a ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 87. 5 Júlio Fabbrini. Manual de direito penal – parte especial. São Paulo: Atlas, 2007, p. 132. 6 CAPEZ. Op. cit., p. 192. 7 Ibidem, p. 195.

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lícito ou ilícito (recolhimento de pessoa abandonada, condução do incapaz em

viagem, etc.).

Se inexiste o dever de assistência, ou seja, se a vítima não se encontrava

sob o cuidado, guarda, vigilância ou autoridade do agente, não há que se falar no

crime de abandono de incapaz, podendo o agente responder por outro delito,

como, por exemplo, omissão de socorro, previsto no artigo 135 do Código Penal.

Ao ver de Mirabete, “ocorre o crime ainda que o dever de guarda seja por tempo

breve, como o exemplo de se conduzir uma criança à escola ou levá-la à casa de

um parente.”8

A respeito do sujeito passivo, a lei se refere ao incapaz, mas não trata

exclusivamente da incapacidade de Direito Civil, prevista nos artigos 3o e 4o da lei

10.406.9 são sujeitos passivos do delito de abandono de incapaz aqueles que, por

qualquer motivo (idade, doença, situação especial), não tem condições de cuidar

de si próprios, de se defenderem dos riscos resultantes do abandono. São vítimas

os menores, doentes físicos e mentais, idosos escolares, paralíticos, cegos,

ébrios, etc. Essa incapacidade pode ser, portanto, absoluta, quando inerente à

condição da vítima (crianças de tenta idade, um ancião, um alucinado, por

exemplo), ou relativa ou acidental (pelo modo, lugar ou tempo de abandono, como

o exemplo de deixar abandonada a vítima enquanto embriagada, enferma,

amarrada). Pode ser ainda durável (menores, paralíticos, etc) ou temporária

(enfermidade aguda, ebriedade, etc).

8 MIRABETE. Op cit., p. 132. 9 Artigo 3o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I - os menores de dezesseis anos; II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. Artigo 4o São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV - os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.

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É indiferente à composição do crime o consentimento da vítima ao ser

abandonada pelo sujeito ativo, já que são protegidos bens indisponíveis.

Não haverá abandono, no sentido jurídico penal, porém, “se é o próprio

beneficiário da assistência que se subtrai a esta, de sua espontânea iniciativa,

pouco importando que o obrigado à assistência não vá ao se encalço.10” inexiste

crime, também, se a pessoa abandonada é, apesar de menor de idade, por

exemplo, capaz de se defender dos riscos do abandono. Saber se está a pessoa

em condições de cuidar de si é questão relativa e circunstancial a ser apreciada

pelo juiz no caso concreto.

2.2- Elemento subjetivo

O elemento subjetivo é o dolo, que consiste na vontade livre e consciente

de abandonar a vítima, de modo a expor a perigo sua vida ou saúde, ciente de

que é responsável pela pessoa. O erro a tal respeito exclui o crime. O abandono

de incapaz é um crime exclusivamente doloso. Não há que se exigir o dolo

específico. Nada impede, contudo, que o sujeito ativo proceda com dolo eventual,

quer por estar em dúvida quanto a seu dever de cuidar da vítima, quer por assumir

o risco de causar-lhe o perigo.

Admite-se o dolo tanto na modalidade direta quanto na eventual. Se com o abandono o que se deseja é a morte da vítima, a presença do animus necandi determinará o deslocamento do tratamento típico para aquele do homicídio tentado (ou na ocorrência da morte, consumado). Assim, se o abandono é realizado em local absolutamente deserto, pode haver o dolo eventual de homicídio.11

10 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal : Decreto lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. v.1 t.2. 6.ed. Rio de Janeiro: Companhia Editora Forense, 1983, p. 429. 11 CAPEZ. Op. cit., p. 196.

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Caso o sujeito deseje a morte da vítima, responderá por fato mais grave,

como tentativa de homicídio ou infanticídio.

Vale ressaltar que todos os elementos (normativos, objetivos, subjetivos)

que integram o tipo penal devem ser abrangidos pelo dolo. Assim, o

desconhecimento justificável do sujeito ativo no tocante ao seu dever de

assistência (que é elemento constitutivo do tipo penal) para com o sujeito passivo

exclui o dolo e, portanto, o crime em tela, incidindo na hipótese as regras do erro

de tipo (artigo 20 do Código Penal12).

2.3- Consumação do delito e tentativa

Como crime de perigo concreto, o abandono de incapaz está consumado

com o risco corrido pelo ofendido, sendo assim, o delito é consumado com o

abandono do incapaz, desde que haja perigo concreto para a vida ou saúde da

vítima.

“Trata-se de crime instantâneo de efeitos permanentes e, se após o

abandono e consequente exposição do perigo, o agente reassume o dever de

assistência, não fica excluída a infração penal de perigo, uma vez já atingida a

fase de consumação.”13 Apesar disso, nada impede, contudo, que no caso incida o

instituto do arrependimento posterior.14

12 Artigo 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. Descriminantes putativas § 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo. Erro determinado por terceiro § 2º - Responde pelo crime o terceiro que determina o erro. Erro sobre a pessoa § 3º - O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime 13 MIRABETE. Op. cit., p. 133. 14 Artigo 16 - Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.

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O fato do delito ser crime instantâneo de efeitos permanentes significa que

o crime de abandono de incapaz consuma-se em um dado instante (com o

abandono), mas seus efeitos perduram no tempo, independentemente da vontade

do agente, já que o resultado por ele produzido pela conduta subsiste sem

precisar ser sustentado por ele. De acordo com Capez, “cumpre não confundir

com o crime permanente, pois neste há a manutenção da conduta criminosa, por

vontade do próprio agente, por exemplo, delito de sequestro.”15

Quanto a tentativa, esta é admissível nos crimes de perigo desde que o

delito seja praticado na modalidade comissiva, de modo a haver um iter criminis a

ser fracionado.

Dessa forma, apensar de na doutrina estrangeira existirem posicionamentos em sentido contrário, não há como negar a forma tentada do delito de abandono de incapaz na forma comissiva, pois se o agente é surpreendido no ato do depósito ou quando já está se distanciando da vítima, mas antes que esta corra perigo, é inegável o conatus... há um iter a percorrer, uma execução progressiva, em cujo curso o agente pode ser detido ou voluntariamente deter-se, o que vale dizer: há uma fase da tentativa.16

2.4- Formas

A simples é a figura descrita no caput do artigo 133. A forma qualificada

encontra-se nos parágrafos do artigo em estudo.

São as figuras descritas nos §§ 1o e 2º o legislador previu a majoração da

pena em duas hipóteses: a) se o abandono resulta lesão corporal de natureza

grave (pena – reclusão, de 1 a 5 anos); b) se do abandono resulta morte (pena-

reclusão, de 4 a 12 anos). Ambas são formas preterdolosas. O resultado

agravador não é querido pelo agente, nem mesmo eventualmente, mas lhe é

imputado a título de culpa, se previsível. A falta de previsibilidade quanto ao

resultado danoso exclui a qualificadora.

15 CAPEZ. Op. cit., p.196. 16 HUNGRIA, Nelson. In.: CAPEZ. Op. cit., p. 197.

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Lembre-se que estamos tratando de um crime de perigo em que o agente age com dolo de perigo quanto ao abandono de incapaz, de modo que o evento danoso (morte ou lesão corporal), apesar de ser previsto pelo agente, não é por ele querido, nem mesmo eventualmente. Presente a intenção de causar a morte ou lesão corporal (dolo de dano), deverá o fato ser enquadrado em outros dispositivos legais (artigos 121 e 129 c/c artigo 14), estando aqui configurado um crime de dano.17

Não há previsão da modalidade culposa do delito em estudo, no entanto, se

o agente abandonar culposamente o incapaz e sobrevier a sua morte ou a

ocorrência de lesões corporais, deverá ele responder pelos delitos de homicídio ou

lesão corporal na modalidade culposa.

Quanto ao estado de necessidade, este é causa excludente da ilicitude,

desde que preenchidos os requisitos constantes no artigo 24 do Código Penal.

2.5- Causas de aumento de pena

O §3o prevê três circunstâncias que agravam a pena (aumento de 1/3). São

elas:

a) Se o abandono ocorre em lugar ermo (inciso I)

Lugar ermo é aquele que não é frequentado, é solitário, isolado, o que

representa um perigo maior para o incapaz que é nessas circunstâncias

abandonado, ante a maior dificuldade de ser socorrido. Para a incidência dessa

causa de aumento exige a doutrina que o lugar seja habitualmente, e não

acidentalmente, solitário. Desse modo, se o local é muito frequentado por

pessoas, mas, no momento da realização do crime de abandono de incapaz,

estava ermo, não incide a majorante em tela (por exemplo, uma rua no centro

urbano a certas horas da noite). Da mesma forma, afasta-se a majorante se o

local habitualmente ermo encontrava-se com frequentadores (por exemplo, um

17 CAPEZ. Op cit., p. 197.

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bosque pode ser lugar ermo, mas se m menor for nele abandonado quando ali se

realiza uma quermesse, não existirá a agravante em apreço).

b) Se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou

curador da vítima (inciso II)

A majorante em tela visa sancionar de forma mais gravosa a conduta

daquele que tem para com a vítima um dever maior de assistência. A doutrina

sustenta a taxatividade deste rol legal, não se admitindo a analogia de incluir para

outros entes, tais como, sogro, genro, primo. Ressalte-se que a expressão

“descendente” abrange igualmente todos os filhos, havidos ou não da relação do

casamento ou por adoção, em face do comando constitucional inserto no artigo

227, §6º . Observe-se que a incidência desta majorante afasta a incidência da

agravante genérica prevista no artigo 61, II, “e” (ter o agente cometido crime

contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge), sob pena de ocorrência de

bis in idem.

c) se a vítima é maior de 60 anos (inciso III)

O artigo 110 da Lei nº 10.741, de 01o de outubro de 2003 (Estatuto do

Idoso), acrescentou uma nova causa especial de aumento de pena ao §3o do

artigo 133, qual seja, a pena do abandono de incapaz é aumentada de 1/3 se o

crime é praticado contra pessoa maior de 60 anos.

Antes da vigência da referida lei, a circunstância de o crime ser praticado

contra pessoa idosa funcionava apenas como agravante (Código Penal, artigo 61,

II, “h”). com a inovação legislativa, tal circunstância foi erigida, no crime de

abandono de incapaz, em causa especial de aumento de pena. Obviamente que a

incidência desta afasta a circunstância agravante genérica prevista no artigo 61, II,

“h”, do Código Penal (delito cometido contra maior de 60 anos), sob pena de

ocorrência de bis in idem.

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2.6- Da ação penal

Trata-se de crime de ação penal pública incondicionada, que independe de

representação da vítima ou de seu representante legal. A figura prevista no caput

segue o procedimento sumário (Código de Processo Penal, artigos 531 a 540), já

as figuras previstas nos §§ 1o e 2o seguem o procedimento comum ordinário

(Código de Processo Penal, artigos 394 a 405 e 498 a 502).

Caberá suspensão condicional do processo (artigo 89 da Lei nº 9.099 de

1995) nas seguintes hipóteses, em que a pena mínima prevista para o delito é

igual ou inferior a 1 ano:

a) Caput do artigo 133 (pena- detenção, de 3 meses a 3 anos); ainda que

incida causa de aumento do § 3o (aumento de 1/3), é cabível o sursis processual,

visto que a pena não ultrapassará o patamar mínimo de um ano.

b) § 1o do artigo 133 (pena- reclusão, de 1 a 5 anos); nesta hipótese, se

incidir a causa de aumento de pena prevista no §3o, não caberá sursis processual,

na medida em que a pena mínima prevista ultrapassará o patamar mínimo de um

ano.

O sursis processual não será aplicado no caso do §2o em face de a pena

mínima prevista ser superior a um ano (pena- reclusão, de 4 a 12 anos).

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III- DIREITO DO IDOSO

O idoso, de acordo com o disque-denúncia é alvo principal dos crimes de

maus tratos e abandono de incapaz e geralmente existe algum membro da família

envolvido ou acusado da autoria destes crimes, desta forma, o Estatuto do Idoso

acrescentou o citado inciso III ao §3o do artigo 133 do Código Penal, colocando

como causa de aumento de pena quando o sujeito passivo tiver idade igual ou

superior a 60 anos, assim como o fes com outros tipos penais.

Pode-se sustentar, pois, que com o advento da lei que instituiu o Estatuto

do Idoso, passamos a ter um critério não mais biológico para determinar maior

apenação quando a vítima se encontra em certa faixa etária avançada, mas um

critério legal pela vez primeira em nossa legislação penal comum e especial. E

mais , estabeleceu o referido Estatuto que é também idoso o que tem 60 anos

completos, não, apenas, o que tem mais dessa idade, gozando de todos os

direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção

integral de que trata a lei especial, bem como tornando obrigatório ao Poder

Público lhe assegurar a efetivação do direito de liberdade.

Ressalta-se que o artigo 230, caput, da Constituição Federal de 1988

dispõe que tanto a família, como a sociedade e o Estado têm o dever de amparar

as pessoas idosas, assegurando a participação destes na comunidade,

defendendo a sua dignidade, bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. De

forma a amparar a pessoa idosa, e trazer eficácia ao artigo constitucional 230, o

Estatuto do Idoso adotou a doutrina da proteção integral.

Devido à proteção integral, carreou-se especificamente ao Estado, à

família, à comunidade e à sociedade a obrigação de dar materialização aos

direitos dos idosos, pois com esta especificação, ainda que genérica, rompendo,

desta forma, com a tradição jurídica de tratar do problema do idoso sob a ótica

privatista do direito civil. Esta especificação de obrigação à sociedade e à

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comunidade bem espelha uma visão solidarista do Direito que deve nortear o

intérprete-aplicador.

Idoso, de acordo com a Lei nº 10.741 de 01o de outubro de 2003, é a

pessoa com idade igual ou superior a 60 anos.

De acordo com o artigo 2o, o idoso goza de todos os direitos fundamentais

inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata a Lei,

assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e

facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento

moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.

O artigo 3o dispõe que é obrigação da família, da comunidade, da

sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a

efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao

esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e

à convivência familiar e comunitária.

O Estatuto do Idoso buscou positivar o respeito e outros direitos ao idoso,

buscando, inclusive, promover a sua convivência com a família, em detrimento de

outros lugares, dispondo no inciso V do parágrafo único que a absoluta prioridade

compreende, também, a priorização do atendimento do idoso por sua própria

família, em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam ou

careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência. Todavia, o que

ocorre é que famílias ricas, porém sem paciência, abandonam seus idosos em

asilos, ou pior, simplesmente saírem de casa deixando o idoso à própria sorte.

O artigo 4o dispõe que Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de

negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos

seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei e que é dever de

todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos do idoso.

Ao idoso foi reiterado todos os direitos fundamentais constitucionais, tais

como: direito à vida, ao respeito, à liberdade, à dignidade, como pessoa humana e

sujeito de direitos civis, políticos, sociais e individuais garantidos na Constituição

Federal.

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Quanto ao direito ao respeito, este consiste na inviolabilidade da integridade

física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da

autonomia, de valores, idéias e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais.

O Estatuto também dispõe que é dever de todos zelar pela dignidade do

idoso, colocando-o a salvo de qualquer tratamento desumano, violento,

aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

Vale ressaltar que no crime abandono de incapaz, o idoso (assim como os

demais sujeitos passivos do referido crime) sofrem com o terror da solidão, da

desumanidade de se verem tão dependentes e sem ter a quem recorrer para

atender às suas necessidades, tamanha a condição peculiar em que os idosos se

encontram, sendo certo a todos os idosos, a fragilidade.

Também tem o idoso direito à alimentos, podendo inclusive, no caso de

impossibilidade de se sustentar e seus parentes também tiverem essa dificuldade,

reclamar no poder público, no âmbito da assistência social, as condições para se

alimentar (artigo 14).

Frisa-se também o direito à habitação, assegurado no Estatuto do Idoso,

em seu artigo 37, que dispõe que: “o idoso tem direito a moradia digna, no seio da

família natural ou substituta, ou desacompanhado de seus familiares, quando

assim o desejar, ou, ainda, em instituição pública ou privada.”

Todavia, como nos casos relatados a seguir, percebe-se que este artigo

está longe de ser cumprido, visto que muitas famílias simplesmente expulsam seu

idoso de casa ou o abandonam em condições degradantes dentro de casa,

deixando-o sem dinheiro. Idosos abandonados, inclusive, são encontrados, as

vezes, dormindo com mendigos.

Reiterando que o crime abandono de incapaz é ação penal pública,

podendo ser denunciado por qualquer pessoa, o artigo 57 dispõe que é infração

administrativa deixar o profissional de saúde ou o responsável por

estabelecimento de saúde ou instituição de longa permanência de comunicar à

autoridade competente os casos de crimes contra idoso de que tiver

conhecimento. Ou seja, este artigo cabe para os hospitais ou asilos em que idosos

são abandonados por suas famílias. A pena, neste caso, é de multa de R$ 500,00

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(quinhentos reais) a R$ 3.000,00 (três mil reais), aplicada em dobro no caso de

reincidência

O crime de abandono de incapaz também encontra-se previsto no Estatuto

do Idoso. A conduta consiste em abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde,

entidades de longa permanência, ou congêneres, ou não prover suas

necessidades básicas, quando obrigado por lei ou mandado, configura crime

previsto no artigo 98 do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741 de 2003), punido com

pena de detenção, de 6 meses a 3 anos e multa..

Trata-se de crime de ação penal pública incondicionada, não se lhe

aplicando os artigos 181 e 182 do Código penal18 (conforme artigo 95 do

Estatuto19).

3.1- O abandono de idosos

As situações que levam ao abandono são provocadas pela condição de

fragilidade do idoso, que pode passar a depender de outras pessoas, pela perda

da autonomia e da independência, pelo esfriamento dos vínculos afetivos e pela

conduta do grupo de relações ou ausência dele.

O abandono de idosos é situação frequente. Em São Gonçalo, em 06 de

março de 2007, policiais procuram três filhos de um senhor de 76 anos, que foi

abandonado dentro de uma casa, sem comida.

Hamilton Vasconcelos Nascimento, aparentava estar sem se alimentar há

vários dias e foi levado para o Hospital Geral do município, onde foi medicado.

18 Artigo 181 - É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo: I - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal; II - de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural. Artigo 182 - Somente se procede mediante representação, se o crime previsto neste título é cometido em prejuízo: I - do cônjuge desquitado ou judicialmente separado; II - de irmão, legítimo ou ilegítimo; III - de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita. 19 Artigo 95. Os crimes definidos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada, não se lhes aplicando os arts. 181 e 182 do Código Penal.

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Segundo a polícia, os filhos conseguiram uma procuração para receber

duas pensões do idoso no valor de 5 mil reais e simplesmente o abandonaram. O

estado do idoso abandonado pelos filhos chocou os policiais. O delegado

considerou que a residência estava sem condições mínimas de higiene e disse

que “o idoso estava em pele e osso. O local era fétido e não tinha passagem de

ar”20

Em 28 de abril de 2009, no bairro do Catete, policiais da 9ª DP, recolheram

Vinícius Gomes Azambuja, de 81 anos de idade, no Catete. Militar aposentado da

Aeronáutica e empresário, o idoso foi posto para fora da própria casa e

abandonado pela filha, Helena Margarida Azambuja, que é curadora dos seus

bens e salário de militar aposentado.

De acordo com a titular da unidade, delegada Renata Teixeira, o idoso foi

socorrido bastante machucado. Na ocasião, estava dormindo com mendigos na

Rua Santo Amaro, na altura do número 134. O aposentado foi encaminhado para

assistência médica. A filha, Helena, vai responder pelo crime de abandono de

incapaz e também por deixar de prestar assistência a idoso e perderá a curadoria

sobre o pai.21

De acordo com o site Correio da Manhã, duzentos idosos são abandonados

por ano em hospitais que recusam dar alta a pacientes que ninguém reclama. Os

pacientes têm alta da clínica, mas não têm alta social, isto porque os familiares

não os vão buscar. Manoel Delgado, administrador do Hospital Curry Cabral

reconhece que o número de doentes abandonados pela família é preocupante e

que o número de doentes abandonados pelos familiares que não os visitam nem

vão buscá-los representa dois a três por cento dos doentes internados por ano, ou

seja, algo em torno de duzentos e sessenta a trezentos e noventa.22

20 TRÊS FILHOS ABANDONAM PAI IDOSO DENTRO DE CASA EM SÃO GONÇALO. Disponível em: http://portaldoenvelhecimento.org.br/noticias/violencias/tres-filhos-abandonam-pai-idoso-dentro -de-casa-em-sao-goncalo.html. Acesso em 25 de dezembro de 2012. 21 POLICIA RECOLHE IDOSO ABANDONADO PELA FILHA. Disponível em: http://www.policiacivil .rj.gov.br/exibir.asp?id=6596. Acesso em 25 de dezembro de 2012. 22 DUZENTOS IDOSOS SÃO ABANDONADOS POR ANO. Disponível em: www.cmjornal.xl.pt. Acesso em 25 de dezembro de 2012.

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24

Em Curitiba, 40% dos moradores de asilos estão abandonados. Quando o

estudo se limita às 11 instituições públicas ou mantidas por fundações e

organizações não-governamentais, a situação piora: 70% dos internos foram

abandonados pelas famílias. 23

Em São Paulo, abandono é a forma de agressão contra idoso mais comum

no estado de São Paulo. Apesar da constatação do Conselho do Idoso do estado,

estatísticas sobre as agressões sofridas pelas pessoas que têm mais de 60 anos

ainda são muito raras.24

3.2- Projeto de lei nº 2.681 de 2007

O Projeto de lei nº 2.681 de 2007 tramita na Câmara Legislativa e visa torna

crime hediondo o abandono de incapaz seguido de morte.

Atualmente, são considerados como crimes hediondos o homicídio, quando

praticado em atividade de grupo de extermínio; homicídio qualificado; latrocínio;

extorsão qualificada pela morte e mediante seqüestro; estupro; atentado violento

ao pudor; epidemia resultando em morte; falsificação, corrupção, adulteração ou

alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais; e o genocídio.

A proposta, do deputado Cristiano Matheus (PMDB-AL), muda o artigo 1º

da Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072 de 1990), pois de acordo com Cristiano

Matheus, a Lei de Crimes Hediondos é omissa quanto às mortes de crianças

provocadas por abandono. Para o deputado, trata-se do crime que causa mais

perplexidade. Para ele, “em matéria de homicídio, a impossibilidade de defesa da

vítima consiste em agravante, exatamente pelo maior grau de reprovação da

23 40% DOS MORADORES DE ASILOS EM CURITIBA ESTÃO ABANDONADOS. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=700740&tit=40-dos-moradores-de-asilos-em-Curitiba-estao-abandonados. Acesso em 25 de dezembro de 2012. 24 ABANDONO É AGRESSÃO MAIS COMUM CONTRA IDOSOS, DIZ PRESIDENTE DE CONSELHO. Disponível em: http://diariodonordeste.globo.com/noticia.asp?codigo=234969&modul o=966. Acesso em 26 de dezembro de 2012.

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conduta criminosa. Além disso, há de merecer atenção à expectativa de proteção

que deve ser dada à criança”.25

O deputado elaborou este projeto de lei, de acordo com a justificativa

apresentada à Comissão de Constituição e Justiça e de cidadania, foi a de que

“fatos noticiados pela imprensa, de abandono de incapaz em locais onde

provavelmente ocorrerá a morte, exige uma resposta da sociedade, por meio de

seus representantes. Eis as razões pelas quais proponho este projeto de lei e

conclamo aos Pares sua aprovação.”

O relator do projeto de lei admirou a proposta do Deputado, louvou sua

iniciativa, que, com o objetivo de tornar a sociedade mais humana, busca solução

para esta relevante questão. Disse o relator:

Indiscutivelmente, o crime de abandono de incapaz é grave e precisa ser punido com severidade, porque atinge pessoas desprotegidas, que estão impossibilitadas de se defender. Apesar de concordar que o crime de abandono de incapaz é extremamente grave, defendo opinião que tal ilícito não pode receber o tratamento previsto para os crimes hediondos, porque tal medida viola o princípio da proporcionalidade. O princípio da proporcionalidade consiste na existência de equilíbrio entre as medidas adotadas pelo Poder Judiciário e a gravidade da conduta do criminoso. Tal mandamento tem especial relevância por ocasião da aplicação da pena, porquanto determina que a reação do Estado tem que ser equivalente à dimensão da falta praticada pelo autor do crime. O legislador estabeleceu um tratamento bastante severo aos autores dos crimes hediondos. O art. 2º, da Lei nº 8.072/1990, determina que os crimes hediondos são insuscetíveis de anistia, graça e indulto; fiança e liberdade provisória. A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes hediondos ocorre somente após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente.26

25 ABANDONO DE INCAPAZ PODE TORNAR-SE CRIME HEDIONDO. Disponível em: http://infodireito.blogspot.com/2008/04/abandono-de-incapaz-pode-tornar-se.html. Acesso em 24 de dezembro de 2012. 26 VOTO AO PROJETO DE LEI. Disponível em: http://www.camara.gov.br/Internet/ordemdodia/ integras/610756.htm. Acesso em 25 de dezembro de 2012.

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Ao ver do Relator, o crime de abandono de incapaz, é infração que possui

natureza distinta das condutas inseridas na relação dos crimes hediondos. Em

outras palavras, a nocividade do crime de abandono de incapaz não atinge a

gravidade dos comportamentos considerados atualmente como crimes hediondos.

Por uma questão de eqüidade e justiça, os autores desses ilícitos precisam ser

punidos exemplarmente, mas não podem receber o mesmo tratamento previsto

para as pessoas que praticam crimes hediondos.

O Relator Régis de Oliveira terminou seu voto, em 04 de novembro de

2008, expondo o seguinte:

a referida proposta contraria a gradação sistêmica das punições estabelecida pelo ordenamento jurídico vigente. À luz de todo o exposto, voto, com o devido respeito, pela constitucionalidade, juridicidade, adequada técnica legislativa e, no mérito, pela rejeição do projeto de lei nº. 2.681/2007.

Trata-se o acórdão acima de de recurso de apelação na ação penal pública

incondicionada, visando à absolvição da apelante, ou, subsidiariamente a redução

da pena, já que condenado a pena de 01 ano e 04 meses de detenção em regime

semiaberto.

Sendo assim, o crime abandono de incapaz não foi elevado à condição de

crime hediondo.

3.3- Da deserdação

O idoso abandonado, assim como os demais sujeitos passivos do crime de

abandono de incapaz, pode deserdar o filho que o abandonou através de

testamento.

Tendo em vista que muitos idosos que são abandonados sofrem de algum

problema mental ou está doente, enquadra-se a deserdação no artigo 1.962 do

Novo Código Civil.

Importante frisar que o abandono de incapaz muitas vezes é acompanhado

do crime de injúria, que, de acordo com Capez, “é a manifestação, por qualquer

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meio, de conceito ou pensamento que importe ultraje, menoscabo ou vilipêndio

contra alguém.”27

Dispõe o artigo 1.962 do Novo Código Civil:

Artigo 1.962. Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes: I - ofensa física; II - injúria grave; III - relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto; IV - desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade. (Grifo meu).

Importante salientar que a deserdação só pode ocorrer quanto á herdeiros

necessários, e é o que se enquadra com maior frequência no abandono de

incapaz, idosos sendo abandonados por seus próprios filhos.

No caso de deserdação, Silvio Venosa esclarece que “o testador deve

descrever a causa e a disposição deve ser fundamentada. Quanto mais detalhado

o fato, mais fácil tornará a missão do herdeiro ou interessado que propuser a

ação.28”

Não é necessário que o testamento indique ou localize as provas do fato

descrito, todavia, só haverá exclusão do herdeiro necessário por deserdação com

a prova da existência da causa determinante em juízo, em ação movida pelos

interessados, contra o herdeiro indigitado. Somente a declaração no testamento é

insuficiente para a exclusão.

Há necessidade de uma sentença acolhendo a prova da deserdação e o

direito de provar a causa da deserdação extingue-se no prazo de quatro anos, a

contar da abertura do testamento (artigo 1.965 do Código Civil vigente).

Não provada a sua causa em juízo, a disposição testamentária será ineficaz

por falta de operosidade.

Se existe cláusula de deserdação, não deve o herdeiro apontado ficar na

posse dos bens da herança e nem poderá ele ser inventariante. Como uma porção

27 CAPEZ. Op. cit., p.264. 28 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito das sucessões. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 292.

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da herança é duvidosa, não se faz a partilha até a decisão final da causa. Os bens

deverão ficar com o inventariante, pela natureza de seu cargo ou, se for o caso,

com terceiro, herdeiro ou não, mediante fiel depósito, dependendo das

circunstâncias e do critério do juiz.

Quanto ao inciso IV do artigo 1.962 ( referente ao objeto desta monografia),

discorre Silvio Venosa:

Este inciso fala do desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade. Tais atos demonstram o desprezo pelo ascendente, o desamor, a falta de carinho. Se, porém, o ascendente estiver em estado de alienação mental, não poderia validamente testar. A questão report-ase à reqauisição da capacidade mental. O desamparo é eminentemente econômico, na medida do que podia o descendente amparar. Todavia, não se descarta o desamparo moral e intelectual, da dicção legal. O caso concreto e o prudente exame das circunstâncias pelo juiz ditarão a procedência da causa de deserdação. O testador deve descrever a enfermidade e a forma do desamparo, ainda que sucintamente.29

O efeito fundamental da deserdação é excluir o herdeiro necessário da

herança, tolhendo-lhe a legítima. Seus efeitos são apenas pessoais, não

passando da pessoa do deserdado. Considera-se o deserdado como se morto

fosse.

29 Ibidem, p. 300.

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CONCLUSÃO

Concluí que o crime abandono de incapaz não abrange apenas as crianças,

mas também todos aqueles que, por alguma peculiaridade, tem dificuldade de por

si só subsistir.

Os idosos são as maiores vítimas deste crime, visto que, apesar de criança

também ser sujeito passivo do crime, é mais fácil uma criança encontrar um novo

lar do que um idoso. Com o advento do Estatuto do Idoso, tornou-se causa de

aumento de pena o abandono de incapazes contra idosos, visando amparar

aqueles que as próprias famílias muitas vezes condenam á solidão, abandonam

em asilos, ou até mesmo em suas próprias casas, largando-os à sua própria sorte.

O crime abandono de incapaz gera clamor público e repercussão social,

mas infelizmente, não o suficiente para torná-lo crime hediondo, como foi proposta

do Deputado Cristiano Matheus, com o Projeto de Lei nº 2.681 de 2007, afinal,

colocá-lo no rol dos crimes hediondos seria uma afronta ao princípio da

proporcionalidade.

Sabendo-se que o abandono de incapaz é um crime de perigo, deveria ser

este crime, quando doloso, ser encaixado no rol dos crimes hediondos, pois não

se sabe o que pode acontecer com o sujeito passivo que é deixado ao abandono e

ao desespero de se ver abandonado.

O que apavora neste crime não é apenas a condição degradante em que o

idoso abandonado se encontra, mas o motivo egoístico que faz um filho largar um

pai ou mãe em uma rua ou deixá-lo em casa sozinho. É um atentado à diva, à

dignidade da pessoa humana, ao e respeito e a todos os direitos constitucionais

inerentes à pessoa humana e com o Estatuto do Idoso esses direitos foram

exaltados de tal forma que o problema tornou-se público, a ponto de ser também

dever do Estado e de toda a sociedade o amparo ao idoso nestas tristes

condições e não apenas da própria família.

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BIBLIOGRAFIA

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Page 31: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · II- CRIME DE ABANDONO DE INCAPAZ Dispõe o artigo 133 do Código Penal: Abandono de incapaz Art. 133 - Abandonar pessoa que está

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