DODDS, E.R. - Os Gregos e o Irracional

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OS GREGOS  E O IRRACIONAL § escuta

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OS GREGOS E O IRRACIONAL

§escuta

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Oi $re$oi e o irracional   foi pu-

 blicado pela Califórnia University

Press, em 1 9 5 0  e, a partir daí, se

tornou um texto he lenista clássi-

co de grand e im portâ ncia nã o só

 para os e s tud iosos da Grécia

Antiga, mas também para todo

aquele que se interessa pelos

mistérios da alma (patine) do

humano.

Os gregos eram realmentetão cegos assim para a importân-

cia de fatores não racionais na

experiência e no comportam ento

humanos , como admi tem nor -malmente tanto seus defensores

quanto seus crí t icos? Eis a

questão a partir da qual este

livro foi desenvolvido. Aquilo a

que se propõe é lançar luz sobre

o problema, atra vé s de um reexa

me de certos aspecto s relevantesda experiência religiosa grega

aprese ntand o os fatos em termos

inteligíveis ao não especialista.

 No primeiro capítulo discute

a in terpre tação homér ica dos

elementos irracionais presentes

no compor tamento humano,entendidos como “intervenção

 psíquica” —um a interferência na

vida huma na por meio de agentes

não humanos que int roduzem

algo no homem e, deste modo,

influenciam seu pensamento e

conduta. No segundo, trata de

a lgumas das novas formas

assumidas por e s sas mesmas

idéias homé ricas ao longo da era

arcaica, utilizand o as expressões

“cultura da vergonha" e “cultura

da culpa" como rótulos para

descrever as duas atitudes em

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OS GREGOSE O I R RA C I O N A L

~ |E.R.D o d d s

T r a d u ç ã o   d e  

P a u l o   D o m e n e c h   O  n e t o

d >

escuta

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© by Editora Es tula para ediç ão em língua portuguesa

Titu lo original: The Greeks and lhe Irrational '

University of California Press 

Ia edição: junho de 2002

E d i t o k í í s  

Manoel Tosta Berlinde 

Maria Cristina Rios Magalhães

Capa

Daniel Trench e Renato Almeida Prado, a partir de Torse d'homme, 440 a.C. 

(do acervo do Museu do Louvre}

Produção Editor ¡alAraide Sanches

Catalogação na Fonte do Dcpto. Nacional do Livro

D6 42 g Dodds, E.R.

Os gregos e o irracional / E.R. Dodds: tradução de Paulo 

Do m enech Oneío - São Paulo : Escuta, 2002.

336 p. ; 14x21 cm.

ISBN 85-7137-199-7

1. Psican álise. 2. Gregos. 1. O neto, Paulo D omenech

CDD-150.195

Editora Escuta Llda.

Rua Dr. Homem de Mello, 351 05007-001 São Paulo, SP 

Telefax: ( 11 ) 3865-8950 / 3675-1190 / 3672-8345  

e-mail: [email protected]

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S umár io

Prefácio........................................................................................................... 5

I A apologia de A gam enón...................................................................9

II Da cultura da vergonha à cultura da c u lp a .................................. 3 5

III As bênçãos da lo uc ur a ..................................................................... 7  ¡

IV Padrão de sonhos e padrão de c u l tu ra .....................................   107

V Os xamãs gregos c a origem do pu ri ta ni sm o ..........................   139

VI Rac ionalismo e reação na Idade C láss ica ................................ 181

VII Platão, a alma irracional e a “herança cong lomerada ” ........ 209

VIII O medo da lib erd ad e .................................................................... 237

Apêndice I: M enadismo........................................................................271

Apêndice II: Teurgia ......................................................................... .  285

índice remissivo.....................................................................................^315

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 P  r e f á c io

/T^lc livro e baseado em uma série de conferências que tive

 X—j   a honra de proferir em Berkeley, no oulono de 1949. Elas

se encontram aqui reproduzidas substancialmente como foram com-

 postas, embora de uma forma ligeiramente mais satisfatória do que

aquela na qual foram apresentadas. Meu público original incluía mui-

t o s a n t r opó l ogos c d i ve r s os e s t ud i o s os que nã o pos s u í a m

conhecimento especializado a respeito da antiga Grccia, e minha es-

 perança é de que, no formato atual, ta is lições possam interessar a

um grupo semelhante de leitores. Para tanto, todas as citações gre-

gas fo ram v i r tua lmente t r aduz idas , e p rocure i ope ra r uma

translileração dos mais importantes termos gregos sem equivalente

na língua inglesa. Abstiveme ainda, tanto quan to possível, de sobre-

carregar o texto com argumentos controversos sobre detalhes, o que

 poderia significar pouco para leitores não familiarizados com os pon-tos de controvérsia. Também procurei não complicar o tema principal

com uma investigação em torno de questões paralelas, o que parece

ser uma tentação para o pesquisador profissional. Uma seleção des-

ses assuntos pode ser encontrada nas notas de pé de página, nas quais

indico, de maneira breve, os fundamentos das idéias que tento pro-

 por sempre que possível através de uma referência a fontes antigas

ou discussões modernas e, quando necessário, por meio de argumen-tação detalhada.

Ao leitor sem formação clássica, cabeme advertir para que nãotrate o livro como uma história da religião grega, ou mesmo como

uma história de suas idéias e sentimentos religiosos. Caso contrário

ele estará cometendo um grave equívoco. A obra é um estudo das

sucessivas interpretações que as mentes gregas deram a um tipo par

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6 Os GRHCiOS EO IRRACIONAL

ticular de experiencia humana urna experiencia pela qua! o racio-

nalismo do século XIX se interessou pouco, mas cujo significado

cultural c em nossos dias amplamente reconhecido. Os fatos aqui tra-

zidos à luz ilustram um importante, e de certo modo desconhecido,aspecto do mundo mental da Grécia antiga. Mas um aspecto não deveser confundido com o todo.

Aos meus colegas de profissão eu talvez deva alguma satisfa-

ção pelo uso que fiz, cm vários momentos, de teorias e trabalhos dc

 psicologia e antropologia. Em um mundo de especialistas, sei que

tais empréstimos vindos de outras disciplinas são geralmente recebi-

dos com apreensão e desagrado. Sei que os entendidos no assunto

me lembrarão, em primeiro lugar, que “os gregos não eram selva-gens”; e em segundo que neste, até certo ponto, novo campo de

estudos, as verdades aceitas hoje podem se tomar erros a serem des-

cartados amanhã. Ambas as afirmações são corretas. Porem, em

resposta à primeira delas, basta talvez citar a opinião de LévyBruhl

de que “em todo espírito humano, qualquer que seja seu desenvol-

vimento intelectual, subsiste um fundo inextirpável de mentalidade

 pr imitiva". Ou ainda, no caso de antropólogos sem formaçã o clássi-

ca serem considerados suspeitos, resta a opinião do professor Nilsson

de que o termo “mentalidade primitiva e uma fiel descrição do com-

 po rtamento da maior parte da população de hoje em dia, exc eto em

atividades técnicas e conscientemente intelectuais.” Por que então

deveríamos atribuir uma espécie de imunidade aos gregos amigos comrelação a tais modos “primitivos” de pensamento?

Quanto ao segundo ponto, cabe dizer que muitas das teorias às

quais me refiro são assumidamente provisórias e incertas. Mas se es-tamos tentando atingir alguma compreensão das mentes gregas sem

nos contentarmos em descrever seu comportamento aparente ou em

traçar uma lista dc suas “crenças” devem os utilizar toda a luz dis-

 ponível. E uma luz incer ta é melhor do que nenhuma. O animismo

de Tylor, o “mágicovegetativo” de Mannhardl, os “espíritos anuais”

de Frazer, os “mana” de Codrington, todos serviram em seus dias para

iluminar pontos obscuros de Leoria. É certo que eles também estimu-

laram muitas considerações apressadas. Mas podemos confiar notempo e nos críticos para lidar com tais considerações a luz per-manece. E se vejo aqui uma boa razão para ser cuidadoso ao aplicar

aos gregos generalizações baseadas em fatos não gregos, nada vejo

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PRBFÁCII) 7

que me leve a isolar o estudo da Grecia do resto. Beni menos passí-

vel de justificação é  o fato de que alguns estudiosos clássicos

continuam a trabalhar com conceitos antropológicos obsoletos, ig-

norando as direções novas que estes estudos têm tomado nos últimostrinta anos como, por exemplo, a aliança recente e promissora que

se estabeleceu entre antropologia e psicologia social. Se a verdade

está além de nosso alcance, devemos ainda preferir os erros de ama-

nhã aos erros de ontem. Porque o erro nas ciências é apenas um outro

nome para a aproximação da verdade.

Resta, enfim, expressar minha gratidão àqueles que ajudaram

na confecção deste livro: em primeiro lugar à University of Califor-

nia  por ter me levado a escrevêlo; a Ludwig Edelstein, W. C. Guthrie,I. M. Linforth e A. D. Nock que leram partes ou a íntegra do texto

datilografado, dandome valiosas sugestões; e finalmente a Harold

A. Small, W. H. Alexander e outros na University o f California Press 

que se deram tanto trabalho na preparação do texto para impressão.

Devo também agradecer ao professor Nock e ao Council of the 

 Roman Socie ty   pela permissão de reimprimir, sob a forma dc apên-

d i ces , do i s a r t i gos pub l i cados r e s pec t i vamente na  H a rv a rd  Theological Review  e no  Journal o f Roman Stu die s, alcm do Council  o f the H ellenic S ociety  pela permissão de reproduzir algumas pági-

nas de um artigo publicado no  Journal o f H ellenic Studies.

E. R. Dodds 

Oxford, Agosto de 1950

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 A  a p o lo g ia   d e  A g am e n ó n  

I

Os reflii.vox do sentimen to, as m ais o bs c ti m s e enc obe rnis vainadas  

do ca ráter - e i s os únicos lugares do inundo etn que podem os  

cap tar o faro rea! no seu pr oc esso de consti tuição.

William James

Testava eu, há alguns anos. no Museu Britânico, observando

 J J jf  as esculturas do Partenon, quando um jovem se aproximou

dc mim C disse com ar preocupado: “Sei que é algo horrível de cun

Iessai; mas cslas coisas gregas não me comovcm nem um pouco.”

Retruquei que aquilo era mesmo mui 1 0   interessante e se afinal de

contas ele poderia explicar as razões de sua indiferença. Ele refletiu por um ou dois minutos e respondeu: “Bem. não sei se o senhor me

entende, mas tudo é tão extremamente racional...”

Creio que o entendia. O que o jovem rapaz estava dizendo eraapenas algo que já havia sido dito antes, de modo mais articulado,

 por Roger F ry 'c outros. Para uma geração cuja sensibilidade havia

sido treinada nas artes africana e asteca, c através dc obras de ho-

mens co mo Modigliani e Henry Moo re, a arte dos gregos c a

cultu ra grega em geral é mesmo propícia a se mostrar destituída"dc certa consciência do mistério, e de uma capacidade para pene-

trarem níveis mais profundos e inconscientes da experiência Humana.O fragmento de conversação acima acabou se fixando cm mi-

nha mente c me pôs a refletir. Os gregos eram realmente tão cegos

assim para a importância_,dc latores~11 ao racion ais na ç xpcrLcji^iiTc

1 10   comportamento humanos, como admitem normalmciUcUinto seus

defensores quanto seus críticos? Eis a questão a partir da qual eslc"

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1 0 Os OREOOS H ü IRRACIONAL

livro foi desenvolvido. Respondêla por completo envolvería, evi-

dentemente, um levantamento de todo o empreendim ento cultural da

antiga Grecia. Mas aquilo a que me proponho é bem mais modesto:

tentarei simplesmente lançar luz sobre o problema, através de umreexame de certos aspectos relevantes da experiencia religiosa gre-

 ga.  Espero que o resultado possa ser de algum interesse, não apenas

 pa ra os estudiosos da Grécia, como também para antropólogos e psi-

cólogos sociais, mas, na verdade, para qualquer pessoa preocupada

cm eomprcciidcr as evoluções do comportamento humano. Tentarei

 po rtanto, na medida do possível, apresentar os fatos em termos in-

teligíveis ao não especialista.

Começ arei por uma consideração a respeito de um aspecto par-ticular da religião dc Homero. Para os estudiosos clássicos, os

 poemas homéricos parecerão um mau lugar para procurar algum tipo

de experiência religiosa. “A verdade é”, diz por exemplo o profes-

sor Mazon, em um livro recente, “que nunca houve um poema menos

religioso do que a ¡liada."2  isto pode ser visto como um exagero;

mas reflete uma opinião que parece amplamente aceita. O professor

Murray pensa, por sua vez, que a chamada religião homérica “não é

absolutamente uma religião"; já que de seu ponto de vista “a verda-deira adoração religiosa grega antes do século IV a.C. quase nunca

esteve l igada àquelas luminosas formas olímpicas . ” 3  Do mesmo

modo, o professor doutor Bowra salienta que “este completo siste-

ma antropomórfico obviamente não possui nenhuma relação com

religião ou moralidade. Semelhantes deuses são uma encantadora e

alegre invenção de poetas . ' ’11

Tudo isso está claro sc a expressão “verdadeira religião” sig-nificar esse tipo dc coisa que os europeus e americanos esclarecidos

de hoje reconhecem como sendo religião. Mas se nós restringirmos

o significado da palavra de tal maneira, não corremos o risco de su-

 bestimar, ou mesm o de negligenciar totalmente, certos tipos de

experiência que nós não mais interpretamos em sentido religioso mas

que, não'obstante, podem. 1 er estado carregadas de pesada significa-

ção rcHgiosa cm seu tempo? Meu propósito com esle capítulo não é

entrar cm querela com os distintos estudiosos citados por mim, maschamar a atenção para um tipo determinado de experiência na obrade Hom ero a qual é  prima facie   religiosa examinando, em se-

guida. a psicologia por detrás dela.

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A a p o l o g i a   u t ; A g a m e n ó n

Tomemos, com o ponto dc partida, a experiencia da tentarão di-vina ou louca paixão {ate)  que levou Agamenón a compensar a simesmo pela perda dc sua concubina, através do roubo da concubi-na dc Aquiles. “Não fui eu’\ declarava ele mais adiante, “a causa

de um tal ato, mas sim Zeus e o quinhão que me cabe, e a Erínia quecaminha na escuridão: foram eles que em assembléia colocaram umaselvagem ate  em meu entendimento, naquele dia em que eu arbitra-

riamente tomei dc Aquiles a sua cativa. Ora, o que eu poderia fazer?

A divindade terá sempre seus artifícios . ” 5Por influência de leitores modernos impacientes, essas palavras

de Agamenón foram às vezes desconsideradas, tomadas como uma

mera desculpa esfarrapada ou como uma fuga de responsabilidade.Mas não, no meu modo de ver, para aqueles que lêem a passagemcom cuidado. As palavras em questão não são certamente uma fugade responsabilidade no sentido jurídico, pois ao final de sua falaAgamenón oferece compensação exatamente nessas bases: “Mas uma

vez que fui cegado pela ate   e que Zeus levou para longe meu dis-cernimento, estou disposto a fazer minha paz e conceder abundantecompensação.”' ' Tivesse ele agido por vontade própria, não seria

nada fácil admitir o erro; nías tal como a situação se apresenta, ele pagará por seus atos. Ju rid icamente sua posição seria a mesma emambos os casos, pois a justiça grega dos primordios não se interes-sava em nada pelas intenções era o ato que importava. Tampoucoo herói está fabricando dc maneira desonesta um álibi moral, postoque a própria vítima de sua ação adota a mesma visão que ele: “Zeus pai, verdadeir amente grandes foram as atai  que Vós impusestes aoshomens. Se não fosse assim, o filho de Atrcu nunca teria persistido

em despertar o tiutmos  [sopro vital, alma] cm meu peito, nem obs-tinadamente teria ele tomado a jovem contra a minha vontade . ” 7

O leitor poderá pensar que Aquiles está aqui aceit ando polida-

mente uma ficção a fim de com isso salvar a imagem do alto rei.Mas não sc trata disso. Pois já 1 10   livro I, quando Aquiles explica a

situação a Tétis, ele faia do comportamento de Agamenón como desua a t e f    e no livro VI ele exclama: “Deixe o filho de Atreu seguirrumo à sua surte sem me perturbar, pois Zeus conselheiro o tirou deseu discerní men to !’ ’ 9  Tratase da visão de Aquiles tanto quanto a deAgamenón; c nas palavras célebres que inlroduzem a história da  Ira "O plano de Zeus real izado” 1" temos a forte impressão de queessa e também a visão do poeta.

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hO S CJRF.GOS B O IRRACIONAL

Si; h incidente relatado fosse o único interpretado de modo tão

Peculiar pdos personagens dc Homero, nós poderíamos hesitar quan-

ti aos motivos do poeta poderíamos, por exemplo, supor que eletsejasse impedir que a simpatia dos ouvintes do poema por Aga-

menón desaparecesse inteiramente, ou que ele estivesse tentando

| ransmitir alguma significação profunda diante da já indigna quereentre os dois líderes, como se ela fosse um passo para a realização

 plano divino. Mas tais explicações não se aplicam a outras pas

S;tgcns era que “os deuses”, “algum deus”, ou o próprio Zeus são^PresenLados como tendo momentaneamente “tomado”, “destruído”

enfeitiçado a cap ac idade dc disc ern imento do ser humano,xualqueruma dessas situações poderia, na verdade, ser aplicada ao‘'•Iso dc Helena, que acaba uma de suas falas mais comoventes c sin-

glas coma afirmação de que Zeus pôs sobre ela e Alexandras umaPredestinação má, “de tal maneira que daqui em diante podemos ser

^ina de canção para os homens do futuro.”" Quando, porém, so'^os informados de que Zeus “enfeitiçou a mente dos aqueus” dc

loi maque eles lutaram mal, nenhum a consideração a propósito pessoas está cm questão, menos ainda na afirmação geral de que

deuses podem tornar o mais sensível dos homens cm insensível^ tr az er o homem dc mente fraca de volta ao bom senso .” 13 E o que

 y ZCT'   por exemplo, de Glauco, cu jo discernimento foi retirado porcus de tal maneira que ele fez o que os gregos quase nunca tazem

aceitou uma pechincha ruim, arrematando uma armadura dc ouro

Por bronze?IJOu ainda, o que dizer de Automedon, cuja loucura dccntai representar os papéis de cocheiro e de lançador levaram um

^nigo a perguntar “qual dos deuses havia introduzido cm seu peito

s eu coração) plano tão po uc o proveitoso c lhe tomado o excelenteCl'i tendi incuto? ” 14 Está c laro que esses dois casos não têm nenhuma

c^nexãocom qualquer propósito divino mais profundo; mas eles nem

^ q u e r podem ser enc ara dos com o uma tentativa de reter a simpatiaQs ouvintes do poema já qu e neles não há nenhum a implicação

,T>oral.

A esta altura entretanto, e natural que o leitor possa se pergunJ r se nós estamos li da ndo com algo mais do que um a simples./áfofj

^ pculer O poeta pretende mesmo algo mais do que mostrar que

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A a p o l o g i a   d e  A g a m e n ó n

foram artigos de primeir a necess idade dos antigos poetas cii in‘)’.i

ramse facilmente a um tipo de degeneração semiológica que ac.iha

 por criar uma certa façon de parler. E podemos observar que nem o

episódio de Glauco nem a 1'úlil aristeia   [heroísmo, valentia) de Automedon são par tes in tegran tes do cen t ro da t rama, mesmo

considerando uma litada  “expandida”, ou seja, tais episódios podem

muito bem ser adições de última hora.ls Nossa meta, entretanto, é

compreender a experiência origina! que jaz na raiz dessas fórmulas

estereotipadas pois mesmo uma simples façon de parler   deve ter

uma origem. Para tanto, pode ser útil aproximarmos um pouco mais

o olhar da natureza da ate  e de seus poderes, conforme atribuídos

 por Agamenón; e desse modo estender a visao a outros tipos de al iimação que os poetas épicos fazem sobre o comportamento humano.

Há um cerlo número de passagens de Homero em que a ação

sem sabedoria e justificação é atribuída à ate , ou descrita pelo ver-

 bo cognato aasasthai.  sem referência explícita a qualquer interven-

ção divina. Mas cm Homero 1 '1 a ate   não é um agente pessoal as

duas passagens que a designam em termos pessoais são claramente

 peças de alegoria. Nem sequer, dc qualquer modo que seja. a pala-vra pode significar, no texto da  Iliada,  um dcsasLrc objetivo . 17  como

é hábito nas tragédias. Sempre, ou quase sempre. a t e n c  um estado

mental bloqueio temporário ou conlusão em nosso eslado normal

de consciência. Tratase, de fato, de uma situaçao dc insanidade par-

cial e temporária; e, como toda insanidade, ela c atribuída nao a cau-

sas lisiológicas ou psicológicas, mas a uma inlcivenção exlctna e

“demoníaca”. Já na Odisséia,'  é bem verdade, o excessivo consu-

mo dc vinho é apontado como causa da ate.  Fica todavia implícita a

idcia de que ela não pode ser gerada “naturalmente", mas que, ao

contrário, há algo de sobrenatural ou dc demoníaco no vinho. Ex-

cetuando neste caso, os agentes geradores da ate , que quando sur-

gem especificados, sempre se assemelham a seres sobrenaturais .30Podemos assim, classificar todas as instâncias não alcoólicas da ate  

em Homero sob um mesmo título, que proponho chamar “interven-

ção psíquica”,Sc procedermos a uma revisão dessas instâncias, observa remos

que a ate  não pode. cm hipótese alguma, ser reduzida obrigatoria-

mente a um sinônimo de perversidade, nem é mesmo o resultado de

um ato perverso. A asserção de Lidell e Scou de que a ate é “envia

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14 Os GREGOS E O IRRACIONAL

da sobretudo como uma punição por atos irrefletidos c culpados” é

um lanío quanto inverídica no caso dc Homero, Assim, por exem-

 plo, a ate   que surpreende Pátroclo depois de atingido por Apoio31(aqui identificada a uma espécie de confusão e embriaguez) pode-

ria ser reivindicada como uma dessas instâncias, pois af'irmase de

fato que o personagem tinha conseguido aniquilar os troianos imep

aiCTCCV. 22 Mas pouco antes, na mesma cena, o ato intempestivo é atri-

 buído à von tad e de Zeus c ca ra c ter iz ad o pelo verb o a a a 0 T |

[debilitar ] . 3-1  Em outro momento, a ate  de alguém como Agástrofo ,2’1que se distancia para longe demais dc sua carroça e acaba sendo as-

sassinado, não é uma “punição” por atos irrefletidos, pois é a própria

irreflexão que é ate.  Ou então ela é o resultado da ate,  mas sem en-volver ne nhum a culpa no sentido moral tratase apenas de um

inexplicável erro, como a negociação feita por Glauco. Da mesma

forma, Ulisses não foi culpado ou desastrado ao adormecer em mo-

mento inoportuno, dando aos seus companheiros a chance de abater

os bois sagrados. Tudo não passou daquilo que denominamos aci-

dente. Mas para Homero, e para o pensamento dos primordios em

geral , 35  não existe acidente Ulisses sabe que seu cochi lo foi en via -

do pelos deuses etç airjV, “para enganálo”.126 Tais passagens dão aentender que a ale  não possuía originalmente nenh uma conexão com

a idéia de culpa. No sentido dc punição, a noção parece ser ou um

desenvolv imento tardio (jônio) ou uma importação dc fora da cultu-

ra grega. Em Homero, o único lugar onde isto aparece de maneira

explícita é em uma passagem da litada17em que sc sugere que a idéia

 pode ser co nt inental, der iva da , juntamente com a hi stória de Meléa

gro, de um épico composto na região da mãe do poeta.Mais algumas palavras sobre o que age pela ate.  Agamenón

menciona não apenas um, mas três de seus responsáveis: Zeus, a

tnoira  (destino) e a Erfnia que caminha na escuridão (ou de acordo

com uma outra leitura, possivelmente anterior: “a Erínia que bebe

sangue”). Destes tres. Zeus é o agente mitológico que o poeta con-

cebe no caso como o primeiro motor “O plano de Zeus realizado” .

É talvez bastante significativo o fato de que. a não ser que atribua-

mos a ate   de Pátroclo a Apolo, Zeus seja a única das figurasolímpicas ã qual se credita a ate   ao longo da Ufada  ela é alegóri-cam ente descrita com o sua irmã mais velha,2'* E no que concern e à

 M oira,  creio que ela é mencionada porque as pessoas, diante dc al

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A APOLOGIA DL AGAMENON 15

gum desastre inexplicável, o tomavam como parte dc uni "lote” ou

de um “quinhão” que llics cabia, sem buscar um significado milis

 profundo do que o de não poder compreender o que ocorria. Porém,

uma vez que o fato aconteceu, ele evidentemente “tinha que ser".Muitas pessoas ainda falam dessa maneira, sobretudo em se tratan-

do da morte, para a qual a palavra grega moderna ^ttpa se tornou

sinônimo, como o ^topoç no grego clássico. Quanto a mim, estou

certo de que e errado escrever Moira com “M” maiúsculo, como se

significasse alguma deusa que ditaria o destino a Zeus, ou um “Des-

tino Cósmico” como no termo helenístico  Heim annene.  Enquanto

deusas, as  Moircti  aparecem sempre no plural, tanto cm culto quan-

to na literatura, e com um a duvidosa exceção' elas não comparecem

na Ufada.  O máximo que podemos dizer é que tratando a “porção”

que lhe cabe como um agente por considerála como responsável

 pelo que acontece Agamenón está dando o primeiro passo na d i-

reção de sua per sonificação .1" E ainda aqui, ao responsabilizar a sua

moira  pelo que ocorre, Agamenón não se mostra mais sistematica-

mente determinista do que os gregos modernos que utilizam uma

linguagem semelhante. Perguntar se as pessoas são deterministas oudefendem a liberdade dentro da obra de Homero 6 , aliás, um fantás-tico anacron ismo a questão jamais lhe ocorreria, e se lhe fosse

apresentada seria muito difícil fazêlo entender do que se trata .-11  O

que se reconhece é a distinção entre ações normais e ações executa-

das cm estado de ate.  Com relação às ações deste último tipo,

 podese indifere ntemente vinculálas à moira  ou à vontade de um

deus. de acordo com o modo pelo qual as olham os de um ponto

de vista subjetivo ou objetivo. Da mesma forma, Pátroclo atribui sua

morte diretamente a um agente próximo, Euforbo; c indiretamente

a um agente mitológico, Apolo (mas de um ponto de vista subjetivo

a uma moira malévola), Como dizem os psicólogos, trata se de ai go“sobredeterminado” . 12

Partindo dessa mesma analogia, a Erínia deve ser o agente ime-diato no caso de Agamenón, Que ela deva figurar em tal contexto

 pode muito bem surpreender aqueles que vêem as Erínias essencial-mente como um espírito de vingança, e mais ainda aqueles que

crêem, como R o hd e .Vl que elas eram or iginalm ente o próprio mortocm ato de vingança. Mas tal passagem não pode ser tomada isola-

damente. Lemos então, na Odisséia.** que existe uma “ate pesada que

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I fi Os GRIGOS HO IRRACIONAL

a implacável deusa Erínia pôs no entendimento dc Mel ampo.” Em

 parte alguma tralasc dc vingança ou punição. A explicação se en-

contra, Lalvc/,, no fato dc a Erínia ser o agente pessoal que assegura

a realização da moira.  Eis por que elas interrompem bruscamente afala dos cavalos de Aquiles, pois, “segundo a moira".  cavalos não

falam .-15  Eis também a razão pela qual elas seriam, dc acordo com

Heráclito ,-16  capazes até mesmo de punir o soi, caso ele “transgre-

disse as normas” por um exagero na execução de sua tarefa. Creio

que provavelmente a função moral das Erínias como ministras da

vingança derive dc sua tarefa inicial, que consistia em reforçar um

destino (moira)  o que era em princípio moralm ente neutro, ou me -

lhor ainda, que continha tanto a noção de “dever moral” quanto ade “dever ligado à probabilidade” , sem estabelecer entre eles nen hu-

ma distinção clara (como é, aliás, típico do pensamento antigo).

Assim, em Homero encontramos as Erínias reforçando reivin-

dicações familiares ou sociais, como se elas fossem partes de umamoira   pessoal37  um dos pais,3lt o irmão mais ve lho .-15 ou mesmo um

mendigo4'1  podem invocar “sua” Erínia a fim de proteger o que lhe é

devido. Elas também são convocadas para prestar jurame nto o ju -

ramento em si sendo capaz dc designar um destino (moira).  Aconexão entre Erínia c moira   é também atestada por .Esquilo , 4  em -

 bora aí as moirai  já tenham se tornado quase pessoais. As Erínias

são ainda, para o mesmo Esquilo, dispensadoras de ate*   apesar

de tanto umas quanto a outra terem já sido “moralizadas”. E como

se o complexo moira\innldafe  tivesse profundas raízes e fosse aindaanterior à vinculação da ate   a uma intervenção de Zeus .43  Dentro de

toda esta conexão, também vale a pena lembrar que Erínia e ais a (sinônimo de moira)  remetem à talvez mais antiga forma de discur-

so helénico de que temos conhecim ento o dialeto arcadocipriota . 44Deixemos por um momento de lado, tanto a ate   quanto os ter-

mos a ela associados, e consideremos brevemente outro tipo de

“intervenção psíquica”, não menos freqüente na obra de Homero; a

saber, a que consiste na comunicação dc poder de deus ao homem.

 Na litada   o caso típico ocorre na transmissão de um menos  [ardor,

 paixão]45dura nte a batalha, como qu ando Atena põe uma tripla por-ção deste elemento no coração de seu protegido Diomcdcs, ou

quando Apolo o introduz no thunws  dc Glauco lendo ,46  Não se tra-

ta dc força física; nem mesmo dc um órgão (uma faculdade)

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A a p o l o g i a   o r   A g a m e n ó n 17

 permanente de nossa vida mental com et o i fuimos  on o nous  | inU'li

gêneia, entendimento, consciência] , E muito antes uni estado

mental ,47  como a ate.  Quando uni homem experimenta menos  cm

seu peito, ou sente "'inflar pungentemente as narinas” ,411 eie eslá cônscio dc um misterioso acesso de energia; a vida nele se torna forte, cele pleno de confiança e impetuosidade. A conexão do menos   com

a esfera do querer (volição) aparccc claramente em palavras corre-

latas como (jevoivav (“estar ansioso”) e SOCTjtEvec, (“desejar

doentiamente algo”). E bastante significativo que, freqüentemente,

embora nem sempre, o envio de menos surja em resposta a uma pre-

ce. Mas tratase, enfim, de algo muito mais espontâneo e instintivo

do que o que cham amos dc “resolução” . Animais podem recebêlo.4‘J

e o termo é  empregado, por analogia, para descrever a devastadora

energia do íbgo.MNo homem, ela é a energia vital, a “vivacidade”,

que nem sempre vem ao nosso chamado, mas que oscila misteriosa-

mente, e caprichosamente (como costumamos dizer) em todos nós.

Mas para Homero, não sc trata dc um capricho, e sim, do ato de um

deus que “au men ta e diminui conforme sua vontade a a relê  dc um

homem (sua potência de luta)”.5i Na realidade, às vezes o menos podeser despertado por exortação verbal; outras vezes seu desencadearsó pode ser explicado pela afirmação de que um deus “soprou den-

tro do herói”, ou dc que “introduziu algo em seu peito”. Ou ainda,

como lemos em uma passagem, que ele foi transmitido por um bas-

tão mágico.5’

Creio, enfim, que não devemos descartar essas afirmações es-

tranhas como simples “invenção poética” ou “maquinação divina”.

 Não há dúvida de que certas instâncias part iculares são freqüente-

mente criadas pelo poeta por uma questão de conveniência cm face

da trama elaborada. Certamente também, a intervenção psíquica en-

contrase, às vezes, ligada a uma intervenção física ou a uma cena

do Olimpo. Mas pode mos estar certos de que a idéia que está subja-

cente a tudo isso não c u m a pura invenção poética, e que ela é mesmo

anterior à concepção de deuses antropomórficos, tomando parte nas

 batalhas de modo físico c visível, A possessão temporária dc um ele-vado menos é , como no caso da ate,  um estado anormal que exige

 por tanto uma explicação também para alem do normal. Os homens

de Homero podem então reconhecer o momento em que tudo sc ini-cia, mareado por uma certa sensação peculiar nos membros. “Meus

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18 O s GREGOS E O IRRACIONAL

 pés abaixo e minhas mãos acima sentem um ímpe to (iioufiaxocn.)”

afirma um dos recebedores desse poder. Isto porque, como diz o

 poeta, os deuses o tomaram ágil (e^acppa ) .53 Esta sensação, que aqui

é compartilhada por um segundo personagem, confirma a origem di-vina do m e n o s .Tratase de uma experiência fora do normal. E os

homens em condições divinas de menos  mujto elevado se compor-

iam até ceito ponto de manei ra anormal. Eles podem realizar os feitos

mais dificcis com facilidade (pea),5í o que é um marca tradicional

do poder divino .56  Eles podem até mesmo, como Diomedes, lutar

imp unem ente contra os deuse s57 uma ação que para homens cm

estado normal é extremamente perigosa.5s Na verdade, eles estão,

naquele exato instante, sendo um pouco mais, ou talvez um poucomenos, humanos. Assim, os homens que receberam o menos são vá-

rias vezes c omparados a leões voraz es,5ÿ mas a mais impress ionante

descrição dc um tal estado encontrase no livro XV da litada,  quan-

do Heitor fica furioso (¡uaiverai) e espuma pela boca, os olhos

 brilhando/’1’ Daí para a idéia dc um a possessão real (Scu^iovav) é

apenas um passo, mas tratase de um passo que Homero não chega

a dar. Ele realmente diz que, depois que Heitor vestiu a armadura

dc Aquiles, “Ares penetrou nele e seus membros foram enchidos de

força e dc coragem ’ ’ ;61  mas Ares aqui não é provavelmente mais do

que um sinônimo para espírito marcial, e a comunicação de poder é

 produ zida fina lme nte pela vontade de Zeus , auxi liada talvez pe lo fato

dc a armadura ser em si mesma divina. É claro que os deuses, para

fins de disfarce, assumem formas e aparências de seres humanos in-

dividuais, mas a questão aí é outra. Os deuses podem aparecer, por

vezes, sob formas humanas e os homens podem compartilhar, porvezes, o atributo divino do poder, mas nem por isso há em Homero

qualquer confusão quanto à clara linha que separa a humanidade da

divindade.

 Na Odisséia,  onde as questões dc luta são menos importantes,

a comunicação dc poder a ssume ou t ras fo rmas . O poe ta da

“Telemáquia” imila a  I liada  fazendo Aten a pôr um menos  sobre Te

lêmaco/ 2  mas o menos  aqui é a coragem moral   que habilitará o

menino a enfrentar a arrogância de outros pretendentes. Tratase deuma adaptação literária. Mais amiga e autêntica é a repelida afirma-

ção de que os menestréis retiram seu poder criativo de Deus. “Sou

autodidata" diz Fêmios, “foi um deus que implantou em minha mente

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A a p o l o g i a   d r   A g a m e n ó n 19

todo tipo de canção ” .63  Os dois períodos nessa declaração não são

vistos com o contraditórios a meu ver ele apenas quer dizer quenão memorizou as canções de outros menestréis, mas que é um poe-

t a c r i a t i vo que s e bas e i a nas f r a s es hexamét r i cas j o r r andoespontaneamente de alguma fonte desconhecida e incontrolável, con-

forme sua necessidade. Ele canta “a partir dos deuses”, como sempre

fizeram os melhores menestréis . 64  Mas devo ainda retornar a este

 ponto na parte finai de meu capítulo IÏI (“As bênçãos da lo ucura”).

Porém, o traço mais característico da Odisséia é  o modo pelo

qual seus personagens vinculam toda espécie de fato mental (ou fí-

sico) à intervenção de um daemon , 65  de um deus (ou de deuses )66anônimo e indeterminado. Tais seres, concebidos de maneira vaga,

 podem inspirar coragem diante de uma crise67 ou arrancar o homem

de sua capacidade de d iscerni men to ,6Sco mo os deuses na  I liada.  Mas

a eles também c creditado um amplo espectro daquilo que podemos

denominar livremente “advertências” (avisos). Quando um persona-

gem tem uma idéia especialmente brilhanteí,,Jou tola ; 70  quando ele

se torna capaz de repentinamente reconhecer a identidade de uma

 pessoa , 71  ou percebe, num lampejo, o significado de uma profecia ;72quando recorda o que seria fácil de esquecer ,73  ou esquece o que de-

veria lemb rar74 6   certo que ele ou alguém verá nisso literalmente

uma intervenção psíquica promovida po r um desses seres anônimos

e sobrenaturais .75  Não resta dúvida de que eles nem sempre espe-

ram ser tomados ao pé da letra Ulisses, por exemplo, não parece

falar sério ao imputar às maquinações de um daemon   o fato de ter

saído sem seu manto n um a noite fria. Mas não estamos lidando aqui

com uma simples “convenção épica”. Afinal de contas, são os per-

sonagens do poeta76e não o próprio poeta que falam deste modo.

Seu uso do termo é outro ele trabalha, como no caso da Ufada, 

com deuses antropomórficos claramente esboçados, como Atena e

Poseidon, e não com daemons  anônimos. Se ele faz seus persona-

gens adotarem outro linguajar é, supostamente, porque as pessoas

falavam daquela maneira. Em suma, Homero está sendo “realista”.

 Na verdade, é assim que devemos esperar que falem as pessoasque acreditam (ou cujos ancestrais acreditavam) em constantes avi-

sos do além. O reconhecimento, a intuição, a memória, a idéia perversa ou brilhante, possuem isso em comum: eles chegam repen-

tinamente “à cabeça de um homem”. Freqüentemente ele não tem

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2 0 Os GRRGOS li O IRRACIONAL

consciência de nenhuma observação ou raciocínio que o tenha leva-

do a tais conclusões. Mas se é esse o caso, como ele pôde designálas

como “suas”? Há um instante atrás elas não estavam na sua mente

c agora estão. Alguma coisa as colocou ali. e este algo é diferentede si próprio. Ele nada sabe além disso, e portanto, fala do que ocorre

de maneira reservada, como da ação dc “deuses” ou da ação de “al-

gum deus”, ou ainda, mais freqüentemente, (sobretudo quando

acontece de seu efeito ser ruim) como da ação de um da em on .11  E.

 por an alogia, ele utiliza a mesma explicação para as idé ias c ações

dc outras pessoas, sempre que as acha difíceis de entender ou fora

de contexto. Um bom exem plo disso se encontra no discurso de An -

tinous na Odisséia  II quand o, após elogiar a excepcional inteligênciae retidão de caráter de Pénélope, ele prossegue dizendo que a idéia

de não casar oulra vez é absolutamente imprópria e conclui que “os

deuses a estão introduzindo cm seu peito ” .711 Dc modo similar, quan-do Telêmaco extravasa ousadamente, pela primeira vez contra os

 pretendentes, o me smo Ant inous infere, não sem ironia, que “os deu-

ses o estão e nsinando a falar gra ndiosamente” .71' No caso, sua mestra

seria Atcna, como sabem 811 tanto o poeta quan to o leitor. Mas Anli

nous desconhece o fato, c por isso fala em “deuses”.

Semelhante distinção entre o que sabem os personagens c o

 poeta também pode ser observada na litada.  Assim, quando a corda

do arco de Teucro se rompe, ele grita, com um estremecimento de

medo, que um daemon  está se opondo a ele, mas foi na realidade

Zeus que o causou, como o poeta afirma um pouco antes .111  Tem se

sugerido que, nessas passagens, o ponto de vista do poeta sc baseia

na idéia de uma maquinação divina, como é Lípico do período micênico, enquanto seus personagens ignoram tal linguagem e utilizam

algo mais vago. a exemplo dos conte mporâne os jônios do poeta, que

 já estavam (ao que tudo indica ) perdendo sua fé nos velhos deuses

anlropomórficos.* A meu ver. como mostraremos em breve, isto é

quase o reverso exalo da verdadeira relação que se estabelece. E fica

claro que a falta dc precisão na linguagem de Teucro nada tem a

ver com ceticismo. Ela e o simples resultado da sua própria igno-

rância. Ao empregar o lenno daemon,  ele procura “expressar o latodc que um poder mais elevado fez algo acontecer ” 83  e isto é tudo

o que ele sabe. Como observou Ehnmark . 84  uma linguagem tão vaga

 para designar o sobrenatural foi usada do mesmo modo por gregos

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A a p o l o g í a   [j e   A g a m e n ó n 21

cie todos os períodos, não em virtude de ceticismo, mas simplesmente

 porque ele eram in capazes dc identif icar o deus específico que esta-

va envolvido no acontecimento. Tal linguagem é utilizada do mesmo

modo por povos primitivos, pela mesma razão ou senão pela faltada idéia de deuses personificados .* 5 Que a utilização pelos gregos é

 bas tan te an tiga fica claro pela idade do adjetivo em questão

(daemonios).  A palavra deve ter significado, na sua origem, “agir

sob os auspícios de um daemon”, mas já na litada   o sentido primi-

tivo se enfraqueceu a tal ponto que Zeus já pode aplicálo à deusa

Hera .116  Tal expressão verbal bizarra ainda permaneceria válida por

um longo período dc tempo.

Acabamos de examinar os tipos mais comuns de intervenção psíquica na obra de Homero. Podemos resumir nosso s resultados di-

zendo que todas as atitudes normais do comportamento humano,

cujas causas não são percebidas dc modo imedia to117 nem pela prcí

pna consciência do sujeito em questão e nem tampouco por outras

 pessoas , são im putadas a uma ação sobrenatura l, exatamente como

no caso, por exemplo, cias mudanças climáticas ou dos movimentos

de um arco. EsLa descoberta não surpreenderá o antropólogo não ini-ciado no classicismo ele imediatamente apresentará inúmerosexemplos paralelos, retirados da cultura dc Bornéu ou cia África Cen-

tral, Mas o que cer tamente causa estranheza é encon trar tais crenças

c tal sentido de depen dênc ia constante c diária face ao sobrenatural,

tão firmemente enraizadas em poemas supostamente “irreligiosos”,

como a litada   e a Odisséia. E podemos ainda nos perguntar por que

um povo tão civilizado, esclarecido e racional como os jôniosnão

eliminou dc seus épicos nacionais esses vínculos com a cultura deBornéu e o passado primitivo, do mesmo modo como eles elimina-

ram o medo da morte, o medo de ser conspurcado c outros temores

 primit ivos que, originalm ente, faziam parte de sua saga. O que du-

vido c que a literatura antiga dc algum outro p ovo da Eur op a

mesmo no caso de meus próprios conterrâneos e supersticiosos ir-

landeses postule a existência de uma interferência sobrenatural

sobre o comportamen to humano com tanta freqüência e alcan ce.^Creio que foi Nilsson o primeiro estudioso a tentar encontrar

seriamente uma explicação para tudo isso em termos psicológicos.

Em um traba lho pub licado cm 1924,m que se tornou um cláss ico nos

nossos dias, ele defendeu que os heróis homéricos são particular-

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22 Os OREOOS E O IRRA CIONAL

mente sujeitos a rápidas c violentas mudanças de humor —eles so-

frem, enfim, de instabilidade mental. E o autor prossegue observando

que. mesmo hoje. uma pessoa com semelhante temperamento está

apta, ao sofrer uma alteração de humor, a olhar para aquilo que fez

com horror c exclamar “eu não pretendia fazêlo!” um pequeno

 passo para dizer “não fui realmente eu que o fiz” . Como afirma Nils-

son. “seu comportamento tomouse estranho para si mesmo. Ele não

consegue entendêlo. Para ele é alguma coisa que não faz parte de

seu ego.” Esta observação é absolutamente verdadeira, e não resta

dúvida quanto à sua relevância para a análise de alguns dos fenô-

menos que vimos considerando ate aqui. Creio que Nilsson também

está certo ao defender a idéia de que experiências desse tipo desem- penharam ju m a m e n te com ou tros elementos, como a proteção das

deusas da tradição minóica um papel na formação do mecanismo

de intervenção f ísica   ao qual Homero fará alusão tão constantemen-

te e de maneira tão supérflua. Digo “de maneira supérflua” porque

o mecanismo divino parece muitas vezes não servir para nada mais

a não se r dupli car a idéia de uma causa ção natural e psico lógica .,JI'

Mas não devemos talvez dizer que é a maquinação divina que apre-

senta a intervenção psíquic a sob uma forma pictórica concreta? Isso

não seria então supérfluo, pois somente desse modo a imagem po-

deria se tornar vivida para os ouvintes do poema.

Os poetas homéricos não possuíam os refinamentos dc lingua-

gem que teriam sido necessários para transpor adequadamente a idéia

de um milagre puramente psicológico. O que seria então mais natu-

ral do que suplementar, e em seguida substituir, uma fórmula gasta

como (ievoç £p.pa^E 0 "ü|i(tí [a paixão introduzida na alma vital], fa-zendo o deus aparecer como presença física e depois exortando seu

 protegido com uma palavra?'" Quão mais vivida é a famosa cena da

Uíada  I em que Atena puxa Aquiles pelos cabelos e o adverte para

não atacar Agamenón, se comparada a uma simples advertência in-

terior? Mas a deusa só é visível aos olhos de Aquiles ninguém

mais a viu’\ ^ O que é, enfim, uma clara indicação de que ela é uma

 projeção _ou .a expressão pi ctór ica de um áadvertência interior 113  ad'

venencia que Aquiles pode ter descrito de modo impreciso porEVE7tV£iK7E <t>p£ai 5at|acov [um poder divino soprado em seu dis-curso]. E sugiro ainda que a advertência interna, assim como o

inexplicável e repentino sentimento de potência e perda da capaci

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24 Os GREGOS KO IRRACIONAL

() primeiro ponió é uma peculiaridade negativa: o homem ho-

mérico não possui um conceito unificado para aquilo que chamamos

“alma” ou “personalidade” (fato cujas implicações foram muito bem

ressaltadas por Bruno SnelT5). Todos sabem que Homero credita uma

 psiq ue   ao homem apenas após a sua morte, ou, então, quando ele

está desmaiando, morrendo, ou ameaçado de morte só há registro

de relação da  psique   com o homem vivo quando ela já está para

deixálo, Homero não possui sequer outra palavra para designar uma

 personalidade viva. O thumos  pode ter sido, em algum momento,

um primitivo “sopro” ou “alma vital”, mas em Homero ele não é

nem uma alma (como em Platão) nem uma parte da alma. Ele pode

ser definido, grosso modo, e em termos genéricos como um órgãode sentimento. Porém cie goza de uma independência que a palavra

“órgão” não sugere, influenciado que somos pelos conceitos poste-

riores de “organ ism o" c “unidade orgânica” . O Unimos dc um homem

lhe diz, por exemplo, se ele deve comer, heber ou assassinar um ini-

migo, Ele o aconselh a durante a ação, põe palavras em sua boca

9\)^ç avwyei ou keAetoi Se |U£ Bu^oç [ordenado ou exorlado por

outro tltumos\.  O homem pode conversar com ele, com seu “cora-

ção" ou “barriga", quase de homem para homem. As vezes elerepreende tais entidades à parte (KpaôtT|v T)v i r a n t [ídBü) |sacudir

os mitos com violência)%); normalmente ele aceita seus conselhos,

mas pode tamb ém rejeitálos para agir por conta própria, como Zeus

age, em uma ocasião, sem o consentimento de seu iluimos"!’1  No

últ imo caso, nós dir íamos, como Platão, que o homem estava

KpEiTTtuv g a m o u (ele havia controlado a si mesmo). Mas para o

homem homérico, othumos  não tende a ser sentido como uma par-te do nosso “e u” ele aparece, de hábito, como um a voz interna e

independente. Um homem pode até mesmo ouvir duas dessas vo-

zes, como quando Ulisses “planeja em seu t h u m o s ”    mata r os Ciclopes

sem mais delongas, mas c retido por uma segunda vozi;s (£T£poç

Ôu|woç [outro t h u m o s ] ) .   Este costumc dc (diríamos) “objetivar as for-

ças pu is ion ais ” , trata ndoas com o um “n ão cu” , deve ter aberto

amplo caminho para a idéia religiosa de intervenção psíquica, que,

segundo se diz, atua não sobre o homem mas sobre scu t lu imos'”  ousobre o espaço físico que ele ocupa, na altura do peito (coração) ou

do ventre . 11" 1  Vemos tal conexão surgir muito claramente na obser-

vação dc Diomedes de que Aquiles lutará “quando o ihumos  cm scu

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A a p o l o g í a   DL A g a m e n ó n 25

 peito o indicar e quando um deus o despertar ” 1" 1  (novamente a ques-tão da sobredeterminação).

Uma segunda peculiariciadc que parece estar intimamente re-

lacionada à primeira, deve ter funcionado na mesma direção. Traiasedo costume dc explicar o caráter ou o comportamento em termos dc

conheci men lo . 1112  O exemplo mais familiar é o muito disseminado

uso do verbo oi§oc [represento, imagino] “eu sei”, com um objeio

neutro no plural, a fim de expressar não apenas a possessão de utna

habilidade técnica (oiSev 7toA£|ar|ia epya [conhecer o trabalho ini-

migo]) mas também o que denominar íamos cará ter moral ou

sentimentos pessoais Aquiles “sabe de coisas selvagens, com o umleão”, Polifcmos “sabe de coisas sem lei”, Nestor e Agamenón “sa-

 bem coisas amigáveis um com relação ao outro ” . 110  Isto não é

simplesmente um “ idioma” homérico semelhante transposição de

sentimento cm lermos intelectuais está implicada quando nos dizem,

 por exemplo, que Aquiles lem “um impiedoso entendimento  ( v o o y ”

ou que os troianos “recordaram  a fuga e esqueceram   a resistência” .104Esta abordagem intelectualisla para explicar o comportamento im-

 prim iu uma marca duradoura nas mentes gregas os chamados paradoxos socráticos de que “virtude é conheci men Lo”, e de que “nin-

guém age erradamente de maneira proposital”, não eram novidades,

mas uma formulação generalizada e explícita daquilo que por mui-

to tempo havia sido um arraigado hábito de pensamento . 11)5 Tal hábito

deve 1er encorajado a crença em uma intervenção psíquica. Se o ca-

ráter é uma questão de conhecimento, o que não é conhecimento não

faz parte do caráter, mas vem do exter ior até 0   homem. Assim, quan-do ele age de modo contrário às suas disposições conscientes (tudo

aquilo que nos é dito que ele “sabe”), a ação não é propriamente

sua, mas lhe foi ditada dc fora. Em outras palavras, impulsos não

sistemáticos c não racionais, assim como os atos resultantes, tendema ser excluídos do “eu” e imputados a uma origem externa.

Tudo isso é evidentemente mais comum quando os atos em

questão são tais, que chegam a causar profunda vergonha em seu

autor. Sabemos bem como, cm nossa sociedade, pesados sentimen-tos de culpa são superados por uma fantasiosa “projeção” sobre os

outros. E podemos supor que a noção dc ate  desempenhou um pa- pei similar para os homens homéricos, tornandoos capazes , com toda

 boa fé, de projetar sobre um poder externo seus in sustentáveis sen

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26 O s GREGOS E O IRRACIONAL

timemos de vergonha. Falo aqui em “vergonha” e não em “culpa",

 já que certos antropólogos nort eamericanos nos ensinaram rece n-

temente a distinguir entre “culturas de vergonha” e “culturas de cul-

 pa”,106 e porque a sociedade descrita por Homero entr a dc modo bas-tante claro no primeiro grupo. O sumo bem do homem homérico não

é a fruição de urna consciencia tranqüila,. ma~s~sim a fruição úc üme 

(estima pública): “por que devo lutar”, pergunta Aquiles, “se o bom

lutador não recebe mais Ttjrn do que o mau lutador ? ” " 17  Além dis-

so, a mais potente força morai que o hom en i homéric o conhecc não

e o medo dc um deus , 11,8  mas o respeito à opinião pública, aidos. 

“atôejica Tpoaç” [sinto vergonha dos Troianosj, diz Heitor duran-

te a crise que se abate sobre seu destino, encaminhandose de olhosabertos para a morte.™ O. tipo dc situação para a qual a noção de

ate   é uma resposta nasce, portanto, não apenas da impulsividade do

homem homérico, mas também da tensão entre impulsos indivi-

duais e pressão de adaptação social, característica de uma cultura

 baseada na vergonha . 1111 Em uma sociedade como essa, qualquer coisa

que exponha o homem ao desprezo ou ao ridículo perante seus com-

 panheiros, ou que o leve a “estragar sua imagem”, é experimentado

como algo insustentável . 111  Isso talvez explique corno não apenas em

casos de fracasso moral, como quando Agamenón perde o autocon-

trole, mas tambem no episódio da mã negociação de Glauco, ou ainda

quando Automedon desconsidera os preceitos táticos adequados, haja

uma “ projeção ” dos eventos sob re um agente divino. Por o utro lado,

foi o crescente sentido de culpabilidade, característico de um perío-

do posterior, que acabou^por transformar a ate  em punição, as Erí-

nias em m inistro da vingança e Zeus em uma encarnaç ão da justiç adivina.

Tratarei dessa evolução no próximo capítulo. Até aqui o que

tentei foi mostrar, pela análise de um tipo especial de experiência

religiosa, que por detrás do termo “religião homérica” há algo mais

do que uma parafernália artificial de deuses e deusas mais ou me-

nos sérios e cômicos; e que não estaremos sendo justos com eles se

os descartarmos como um mero interlúdio de agradável e luminosa

 bufonaria en tre a supostamente profunda re ligião ter restre dos egeus(sobre a qual sabemos pouco) e as profundidades órficas dos pri-

mordios (sobre as quais sabemos ainda menos).

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A a p o l o g i a   d e  A g a m e n ó n 2 7

 N o t a s   d o   c a p í t u l o   1

]. Roger Fry,  Last Lectu res,   182 sg.

2. Mazon,  In trod uc tion à t ’Il ia de,  294,3. Murray,  R ise o f the Creek Epic1,  265.

4. Bowra, Tradition and Design in the Iliad, 222   (itálicos dc minha autoria). 

Da mesma forma, Wilhelm Sclimid crê que a concepção que Homero sc  

faz dos deuses “não pode ser chamada de rel ig iosa.” (Gr,  

 Litera tu rg esc hichte ,  1,1. 112 sg.).

5. Homero, litada,   19.86 sg.

6. Ibid., 137sg. Cf. 9.1 19 sg.

7. Ibid., 19.270 sg.8. Ibid., 1.412.

9. ibid., 9.37 6.

10. Ibid., 1.5.

11. Ibid., 6,357. E tambem 3.164, onde Príamo diz que não é Helena, mas sim  

os deuses que merecem ser culpados ( « m o l - aitioi) pela guerra. Na Odis

séia   4.261, também de Homero, a personagem fala explicitamente de sua  

air|.

12. Ibid., 12.254 sg.; Odisséia,   23.11 sg.13. Ibid., 6.234 sg.

14. Ibid., 17.469 sg.

15. Cl. Wilamowitz,  D ie ¡l ia s un d Homer,  304 sg., 145.

16. Para esta análise da axn, cf. W. Havers, “Zur Semasiologie von griech. cm}, 

 Ztschr. F. vgl. Sp ra ch forschim g,  43 ( 1910), 225 sg.

17. A transição para esse novo significado encontra-se na Odisséia,  10.68, 

12.372 e 21.302. Ouira possibilidade é que sc trate de um significado pós-  

hom érico. Li deli e Sco it ainda citam a ¡liada   24.480, mas penso que  erradamente: ver Leaf e Amei s-Hentze ad. loc.

18. O plural parece ter sido utilizado duas vezes para ações que indicam esta

do mental na litada,   9.115 e (se o ponto de vista adotado na n. 20 for  

correto), na  / liada   10.391), em uma extensão simples e natural dc seu sig

nificado original,

19. litada,   11.61 e 21.297 sg.

20. No caso da exceção mencionada (exemplo do vinho; lliada,  10.391), o sig

nificado pode ainda ser, não que a falta dc sabedoria de Heitor ao aconselhar 

Dólon na lliada   tenha origem na cnr|, mas que sua própria condição seja  

de alguém “divinamente inspirado”. Neste caso, cctcci será ainda utilizado  

no sentido de “estados mentais” (9.115), ao passo que a interpretação mais 

comum postula não apenas a existência de uma psicologia única para os  

personagens da obra, como também um mesmo uso do termo, para desig-

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28 Os CiltlÜOS ILO IRRACIONAL

nar os "alus producidos por louca paixão". Na Odisséia,  10.68 os compa

nheiros de Ulisses são nomeados agentes induzidos por tiJtvoç c por  

axeTÂioç21. 1 líenla,  16.805.

22. ibid., 780.

23. ibid., 684-691,

24. Ibid., 11.340.

25 . Cf . L évy -Br uh l ,  P r im it iv e M e n ta lity ,   43 sg.;  P r im it iv e s a n d th e  

 Super natu ral,   57 sg. (citados da edição em língua inglesa),

26. Odisséia,   12.371 sg. Cf. 10.68.

27. ¡Hada, 9 .51 2. i n aG3T| v a fi s it sa ô m iv a p^aijiBeic, cí.reolcni -

28. ibid., 19.91. Em 18.311 é Alena quem, na função de “deusa conselheira”, 

bloqueia nos troianos sua capacidade de discernimento, dc tal modo que eles acabam por aprovar a má decisão de Heitor, Mas essa ação ainda não  

recebe o nome de 0£TT|. Em contrapartida, na Odisséia,  4.261 Helena atri

bui a sua extri à deusa Afrodite.

29. Ibid., 24.49 onde o plural pode sc referir apenas a “quinhões” dc indiví

duos distintos (Wilamowitz, Giauhe,  ¡,360). Na Odisséia,  7.197 porem, as 

“poderosas fiadoras do destino" já aparecem algo personalizadas, de modo 

semelhante às Nornas encontradas no mito teutónico (Chadwick. Growth 

o f Literature,  1.646).30. Cf. Nilsson,  H is to ry o f G reek Relig ion,  169. A visão de que tal |iOipa, equ i

vale a um ordenamento povincial do mundo, e dc que a noção de algo que  

cabe individualmente a cada um, como um destino, vem depois c não an

tes na ordem de evolução (Cornford, From Religion to Philosophy,  15 sg.) 

parece-me dificilmente aceitável, e certamente sem fundamento na obra de  

Hom ero, onde a po ip a é empregada de modo bastante concreto, por exem

plo, para designar uma '‘porção de carne” (Odisséia , 20.260). Também não 

estou convencido da idéia de que as jiOipcti têm sua origem em símbolos  

dc certas funções econômicas e sociais de um comunismo primitivo, ou que 

surgiram das deusas-mãe do período neolítico (Thomson, The Prehistoric 

 Aegean,  339).

31. Snell.  Phi loi.  85 ( 1929-1930), 141 sg. e de modo mais elaborado Chr, Voigt, 

Üeb erlegun g mut lintscheidung... bei H orner,  tem procurado salientar que 

Homero não possui nenhuma palavra para designar decisão ou ato dc es

colha, Mas a conclusão dc que nele o homem ainda não tem consciência  

da liberdade individual ou de algo como decisão pessoal me parece equi

vocada (Voigt, op. cit., 103), O que eu diria c que o homem homérico não  possui o con ceito de arbítrio - “vonta de” (que curiosamen te se dese nv ol

veu tarde na Grécia) - c que, portanto, não pode haver tampou co o conc eito  

de “livre-arbítrio”. O que não impede o poeta de distinguir, na prática, as  

ações originadas no ego daquelas às quais ele atribui intervenção psíquica

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A a p o l o g i a   n i A g a m e n ó n 29

- Agamenón pode até mesmo di/.er £yf¡5 S'chik cc m oç a p i a X X a   Zeuç. E 

parece um pouco artificial querer negar os trechos da ¡Hada  11.403 sg, ou 

da Odisséia   5,355 sg. cm que são descritas decisões tomadas após razoá

vel consideração das possibilidades.

32. lliada,   16,849 sg. Cf. 18.119, 19,410, 21.82 sg., 22.297-303. A propósito  

da “sobredeter mi nação” , cap. H.

33.  Rh. Mus,  50 (1895), 6 sg. (=  Kl. Sc hr ¡fien,  11.229), Cf, Nilsson, Gesch. d. 

 gr. Re!.  1.91 sg.; e contra esta opinião, W ilamow itz na introdução de sua 

tradução do lùimènides,   e Rose,  Handbook o f Greek M yth ology,   84.

34. litada,   15.233 sg.

35. Ibid., 19.418. Cf. 2B ad. loe.,  etu gk ot io i y ap e ic iv xffiv rca p a <)>uciv.

36. Diels, frag. 94.

37. Em todos os casos, exceto em um (Odissé ia ,  11.279 seg,), trata-se de pes

soas viva s- o que parece ir pesadamente contra a teoría (criada no apogeu 

do animismo) de que spiVDEÇ são mortos vingativos. Em primeiro lugar, 

Homero nunca pune os crimes; e em segundo, tanto os deuses quanto os  

homens têm suas próprias epivuEç. As E p iv ye o de Hera, por exem plo {i l ia

da,  21.412), tem as mesmas funções das dc Penelope (Odisséia,  2.135) -  

proteger o status  da mãe pela punição do filho indigno. Podemos dizer que  

as Erínias são a raiva materna projetada em manifestações pessoais. O 0E(OV

ep tvu ç t|ue nas Tehanas  (Kinkel, frag. 2) ouviu a maldição de Edipo (ainda vivo) incorpora a raiva dos deuses so b a forma pessoa l - assim a Erínia 

e a maldição são igualadas em Esquilo, Deste ponto de vista, Sófocles não  

eslava inovando, mas apenas seguindo a tradição, ao fazer Tirésias amea

çar Creonte com AiSou rat Otíúvrie eptvugç na  A m ig on a ,  1075. Sua 

lunção é   punir a violação da ¡loipo. por Creonte, pela qual Polinice per

tence ao Hades c Amigona ao avü) teot (1068-1073), Para (.totpa, como  

status  de acordo com o pretensão de Poseidon de ser loopopoç Kai o^Tf  

TiËTtpCûpsvoç raiari com Zeus, lliada,   15.209. A partir desse texto, encontrei uma íntima conexão dc Eptvuç com potpa também enfatizado por 

George Thomson (The Prehistoric Aegean,  345) e por Eduard Fraenkcl em  

 Agamen ón,  1535 sg.)

38. lliada,   9.454, 571; 21.412; Odisséia,  2.135.

39. litada,   15.204.

40. Odisséia,  17,475.

4L Ésquilo,  P.V.  516, Moipou Tpipop(|ioi pvrçpoveç  x   Epivueç e  Hum ênides  

333 sg. e 961, Moipcti ptrcpiK 0tciYvr|TC«. Euripides, cm uma peça perdi

da, faz uma Erínia declarar que seus outros nomes são; t t jxê .  

V£JJ£piç, Uüiptt, (xva-’/Kil (frag. 1022). Cf. também Esquilo,  Sept.   975-977.

42. Ésquilo,  Euniênides.  372 sg., etc.

43. Sobre o problema da relação entre deuses e puipa (insolúvel em termos 

lógicos), ver especialmente E. Leilzke,  M oira und. Got th a t ini alten gr iech .

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30 OS GREGOS E O IRRACIONAL

 E pos , que analisa todo o material a respeito; E. Ehnmark, The ¡dea o f God  

in Homer,  74 sg.; Nilsson, Gesch. d. gr. R e I.  1.338 sg.; W. C. Greene,  Mo t

ra,  22 sg.

44. O Epivuç (Erynus) de Deméter e o verbo Epiviiav em Arcadia, Paus. 8.25.4  

sg. ociott) em arcáde, 1G V.2.265, 269; em cipriota, GD I   1.73.

45. Cf. E. Elinmark, The ¡dea o f G od in Homer,  6 sg. E sobre o significado da 

palavra fiEVOÇ J. Bõhme,  D ie Seete   h. das Ich im Homerischen Epos,  11

sg., 84 sg,

46.  IHada,   5.125 sg., 136; 16.529.

47. Que os reis foram vistos a urn tempo como possuidores de um (levoc, espe

cial que lhes era comunicado para sua tarefa, parece implícito no uso da  

expressão lepov pevoç (cf. lEpri iç), embora sua aplicação em Homero (para  

Alcinous, Od. 7.167 etc., para Antinous, Od. 18.34) seja governada meramente por uma questão de conveniência métrica. Cf. Pfister, P.-W., s.v.  

“Kultus”, 2125 sg.; Snell,  D ie Enideckung des G eis tes,  35 sg.

48. Odisséia,  24.318.

49. Cavalos, ¡liada,  23 .468; ( íooç pevoç Odisséia,  3.450. Em  II.  17,456, os 

cavalos de Aquiles recebem uma comunicação de ^evoç

50. lliada,  6.182 e 17.565. Assim também, por exemplo, médicos como Hipó

crates falam em sua época do ¡jevoç do vinho e da fome para significar o  

poder imánente mostrado por seus efeitos no organismo humano.

51. Ibid., 20.242. E do mesmo modo, o “espírito do Senhor” que torna Sansão 

capaz de feitos sobre-humanos (“Juizes”, 14: 6, 15: 14,  A Bíb lia Sagrada).

52.  Ibid., 13.59 sg. A transmissão física de poder divino é, no entanto, rara em  

Homero, assim como na crença grega em gera), em contraste com a impor

tância dada pelo cristianismo e por certas culturas primitivas ao gesto  

sacerdotal de comunicação.

53. ¡liada,  13.61, 75. yvicc 5 £0T[K£V e^o^pa á  a fórmula recorrente para des

crever a transmissão dcjJEVOÇ (5.12 2,23 .772); cf. também 17.211 sg.

54. Cf. a nota de Leaf 13.73. Na Odisséia,   1.323, Telêmaco reconhece uma comunicação de poder, mas não sabemos exatamente como isso ocorre.

55. !Itada , 12.449. Odisséia,  13.387-391.

56. l l iada,   3.381: peía jiotX, coûte 0eoç. Ésquilo.  Sup.  100: rcav caiovov  

Sainovicm), etc.

57. l l iada , 5.330 sg. 850 sg.

58. Ibid., 6.128 sg.

59. Ibid., 5.136; 10.485; e 15.592,

60. Ibid., 15.605 sg.61. Ibid., 17,210.

62. Odisséia,  1,89, 320 sg.; Cf. 3.75 sg,; 6,139 sg.

63. Odisséia,  22,347 sg. Cf. Demodoco, 8.44, 498 e Píndaro,  Nem.  3.9. onde 

o poeta implora à musa a concessão “de um fluxo abundante de poemas,

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 A APOLOGIA DF. AGAMENON 31

proveniente de metis próprios  pensa men tos’’. Com o co loc a Mac Kay; “A 

musa é a fonte da originalidade do poeta, e não exatamente sua imagem  

convencional” (The Wrath of Homer,  50). Chadwick, Growth of Literature 

[II. 182 cita, de Radloff, um enríese paralelo primitivo, o mencstrel Kirghiz  

que declarou: “Eu posso cantar uma canção qualquer, pois Deus implan

tou este dom musical em meu coração. Ele coloca as palavras cm minha 

boca sem que eu precise solicitá-las. Eu não aprendi nenhuma de minhas 

canções. Todas brotam de meu íntimo”.

64. Odisséia,  17.518 sg. Hesíodo, Teogonia,  94 sg. (= H. Hymn 25.2 sg.). Cf. 

cap. 111.

65. No uso do termo SaincüV e seu correlato para 9ëoç (que não discutire

mos aquí), ver Nilsson cm  Arch. f. Reí.  22 (1924) 363 sg., e Gesch. d. gr. 

 Reí.  1.201 sg.; Wilamowitz, Glaube , 1.362 sg.; E. Leitzke, op. ctt., 42 sg. Segundo Nilsson o 5ai|i(i)V era originariamente não apenas indetermina

do, mas também impessoal, urna mera “manifestação de poder” (o renda). 

Mas quanto a isso, estou inclinado a compartilhar as dúvidas de Rose,  H ar

vard Theoi. Rev.  28 (1935) 243 sg. Tal evidencia, como temos sugerido,  

enquanto (.tovpO', desen volve u de uma “parcela” impessoal para um destino  

pessoal, õaijitúv evoluiu em direção oposta, de um pessoal “Apportioner” 

(c l. S a ia), Sa tj io v i]) para uma impesso al “sorte” . Há um ponto cm que os 

dois desenvolvimentos se cruzam eas palavras são virtualmente sinônimas.66. Ocasionalmente, também, a uma intervenção de Zeus (Odisséia,   14.273), 

que cm tais frases é, talvez, não tanto um deus individual quanto represen

tante de um desejo divino generalizado (Nilsson, Greek Piety,  59).

67. Odisséia,  9.381.

68. Ibid., 14.168. Cf. 23.11.

69. Ibid., 19.10. Cf. 138 sg.; 9.339.

70. Ibid., 2.124 sg.; 4.274 sg.; 12.295.

71. Ibid., 19.485. Cf. 23.11 onde um erro de identificação é explicado.

72. ibid.,  15.172.

73. Ibid., 12.38,

74. Ibid., 14.488.

75. Se a intervenção é nociva, ela é normalmente chamada Satpíüv e não 0EOç.

76. Essa distinção foi primeiro observada por O. Jorgensen,  H erm es 39 ( 1904) 

357 sg, Para as exceções à regra de Jorgensen, ver Calhoun,  AFP  6 1 ( 1 9 4 0 )  

270 sg.

77. C f o Sat^ w v que traz visitas desagradáveis e indesejadas (Odisséia   10.64, 

24.149, 4.274 sg., 17.446) denominado koíkoç nas duas primeiras passa

gens citadas. Em 5.396 ele aparece como um causador de doenças,  

OTUYtûpoç ocüjicúv. Ao menos essas passagens são exceções à generaliza

ção de Ehnmark (Anthropomorphism and Miracle,  64) de que os Saifitaveç  

são deuses olímpicos não identificados.

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32 Os GR KGOS E Oll<RACIONAL

78. Ibid.. 2.122 sg.

79. Ibid., 1.384 sg.

SO. Ibid., 1.320 sg.

81.  Iliada,  15.461 sg,

82. E. Héden,  Hotner isch e Gotter studien.83. Nilsson,  Arch. F. Rei.  22.379.

84. Ehnmark, The Idea o f Go il in Hom er,  cap. V. Cl'. lambém Linforth, “Named  

and unnamed Gods in Herodotus", University of California Publications  

in Classical Philology   ¡X.7 ( 1928).

85. Cí,, por exemplo, as passagens citadas por Levy-Bmill.  Prim it ives and the 

 Super natu ral,   22 sg.

86. l l iada , 4.31. Cf. Paul Caucr,  Kun.il derÜ bersetzw tg,   27.

87. Um bom exemplo, porque particularmente irivial, do significado aLribufdo  

ao inexplicável e o fato de que espinar é lomado como um sinal de profe

cia por mui los povos, incluindo o s greg os homéricos (Odisséia,  17.541) e 

os da Grécia clássica (Xenoíonte,  Anah.  3.3.9) e nos tempos romanos (Plu- 

lareo,  gen. Soer. 581 s . ). Cf. Halliday, Greek Divination,  174 sg.; e Tylor, 

 Prim it iv e Culture,  1.97 sg,

88. Alguma coisa análoga à arr| talvez possa ser encontrada no estado mental  

que os Celtas cbaniam fev   (ladaòo) ou  fa ir y-str uck   (encantado) que cliega  

até as pessoas repentinamente c as fazem agirde modo muiio diferente do  

que de liábilo (Kirk, Robert. The Secret Comonwealth).89. "Gotlcr und Psychologic bei Homer”,  Arch. F. Rei.  22.303 sg. As conclu

sões foram resumidas no seu livro  H is to ry o f G reek Religion ,  122 sg,

90. Como rcssalla Snel! (Die Entdeckung d es Ge isles),  o caráter “supérfluo’' 

de ümtas intervenções divinas mostra que elas não   foram inventadas ape

nas com o intuito de tirar o poeta de uma dificuldade (afinal, o curso dos  

acontecimentos seria o mesmo sem eles), mas que pertencem a alguma an

tiga crença. Caucr achava, por sua vez (Grundf iagen   1.401), que a 

“naturalidade” de muitos miíagres homéricos era um refinamento incons

ciente datando de uma era em que os poetas já haviam começado a não  

mais acreditar em milagres, Mas o milagre desnecessário é, na verdade, ti

picam ente primitivo (C f E.E. Evans-Prilchard, Witchcraft, Oracles and  

 M agic among the Aza nde,   77, 508). Sobre a crítica a Caucr, Ehnmark,  

 Anth ro pom orp hism and M iracle ,  cap. IV.

91. diada,   16.712 sg. No livro 13,43 sg. as intervenções física (60) e psíquica  

encontram-se lado a lado. Não há dúvida de que as epifanías dos deuses 

durante a batalha tinham também alguma base na crença popular; a mesma  

crença que criou os anjos dc Mons, embora, como observa Nilsson, em tempos tardios são os heróis, e não os deuses, que aparecem deste modo.

92. ibid., 1.198.

93. Mais freqüentemente a advertência é feita por um deus “disfarçado" de al-

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, I- -■ o -w i tl, Atiui o “cao C ulcntüicado a pn m uid w 9K. Odissetu,  9.299 su. Aqm o c B a , V07CS s e m e l h a n t e a esta, com

, a d v e r te n c ia segunda. Urna em uma tliriosa pas-

similar alteração de idenüdat l , parcLc ' ‘ y ^ persona-

s a g . m d a / , W « . 11* > M » 0 . <Cf. ^ n m u ;L en tre

gens de Dos loicvsUL em ¿   s e s u d o eg o c

e u e n ã o e u de m o d o in ic íe se c. - r iC i0na l enquan to o oulro

t ives se  junto dc alguém; um é um ser sens, ei ^ „ l re_  

é que estam os ansiosos por fazer

r s s K ï u a ^ ,   r ; ^ “ —  

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K ' ;' “ 5 " 6; ; S 8 m V72A . I I * * » » P a X l o » , . Por t oo i v a v i i K e : í J í K í w i . L V !; ¿ ; h 2 , K ( C r _ Aes;l; h. P e r s .

o e u , 0 Ç é o órgão da as tragédias de

,0; KaKOHavTii; ... t o ç 224 < c E u, fpides 1073:Esquilo miScúv 5 0 m o q   fcV ^ 6v ev8o6evW a v T tç 6 W e Tm*. hag. 176. u n™ h' ’

 jio vrcueT at). T O io tneeaai u e v o ç - - tito.100. Ibid., 16.805: ca n (t-pevc^EtÂt- x l2 5 . ev ya p i i

A a p o l o g i a   d u   A g a m e n ó n

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34 O s GREGOS E O IRRACIONAL

101. ¡liada,   9.702. Cf. Odisséia,  8.44: "um deus” deu a D e mod oc us o dom de 

cantar quando seu 0V|iüÇ o impede.

102. Cf. Marg, op. cil. 69 sg.,' W. Nestlé, Vont Mythos ziim Logos,  33 sg.

103. i liada,  24.41. Odisséia,  9.189 e 3.277.104. ¡liada,  16.35, 356 sg.105. A mesma consideração foi teíla por W, Nestle NFbb 1922, 137 sg., que  

acha os paradoxos socráticos echt griechisch   c observa que eles já estão 

implícitos na psicologia ingênua de Homero. Mas devemos lomar cuida

do ao enxergar este “intclectualismo" habitual como uma atitude adotada  

con scien tem ente p elos poria -vozes de um povo ‘‘intelectual . Tralu-se, na 

verdade, simplesmente dc um resultado inevitável da ausência do concei

to de vontade l d ‘. L. Gernet,  Pensé e ju rid iq ue et m ora le ,  3 12).

106. Uma explicação simples desses termos será encontrada na obra de Ruth  

Benedict, The Chrysanthemum and the Sword, 222   sg. Nós próprios so

mos herdeiros dc uma poderosa e antiga (apesar de declinante nos dias  

de hoje) cultura de culpa, fato que pode explicar, lalvez, porque tantos  

estudiosos têm dificuldade em reconhecer a religião homérica como sen

do efetivamente uma “religião”.

107. lliada,  9.31 5 sg. Sobre a importância de em Hom ero, ver Jaeger, 

W.  Paid ela ,  1.7 sg.

108. Cf. cap, 11.109. iliada,  22.105. Cf. 6.442; 15.561 sg., 17.91 sg.; Odisséia,  16.75, 21.323  

Sg.; Wilamowitz, Glatibe,  1.353 Sg.; W.J. Verdenius,  Mnem .  12 (1944) 47 

sg. A sanção dc atStflç é ve^teotç, desaprovação pública: ¡liada,  6.351, 

13.121 sg.; e O dis sé ia , 2.136 sg. A aplicação dos termos icodov c  

nttoxpov parece também ser típica de uma cultura da vergonha. Estes ter

mos denotam não que o ato seja em si benel ico ou no civ o para o agente, 

cerlo ou errado aos olhos da divindade, mas que parcce “belo ou feio 

aos olhos da opinião pública.110. Ao formar raí/.es a idéia de intervenção psíquica encoraja oh vi amen te, um 

comportamento impulsivo. Exatamente como pensam alguns antropólo

gos modernos que, ao contrário de diferem, como Frazer, que os homens  

primitivos crêem em magia por raciocinar erradamente, preterem dizer que  

eles raciocinam erradamente porque são socialmente condicionados a acre

ditar em magia. Assim, em vez de repetir o que diz Nilsson dizendo que 

o homem homérico crê em intervenção psíquica por ser impulsivo, dire

mos lalvez que ele dá vazão a seus impulsos por sei socialmente  

condicionado a crerem uma intervenção psíquica.111. Sobre a importância do medo do ridículo como motivo social, ver Paul  

Radin,  Prim it iv e Man as Philosopher,   50.

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 D  a   cultura   da   vergonha   à cultura   da   culpa

II

 É horrenda cois a ca ir nas m ãos do D eas vivo .

Hebreus 10: 31

*m meu primeiro capítulo, discuti a interpretação homéri

humano , entendidos como “intervenção psíquica” uma interferên-

cia na vida humana através de agentes não humanos que introduzem

algo no homem e, deste modo, influenciam seu pensamento e con-

duta. Neste capitulo, tratarei de algumas das novas formas assumidas

 por essas mesm as idéias homéricas ao iongo da era arcaica. Mas se

0 que tenho a di/,er pretende ser inteligível também ao não especia-

lista, devo começar colocando sobre um mesmo plano, ao menos a

lílulo dc esboço, algumas das dilcrcnças que separam a atitude reli-

giosa deste período arcaico daquelas pressupostas na obra de Homero.Ao final do meu primeiro capítulo, utilizei as expressões “cultura da

vergonha” e “cultura da culpa” como rótulos para descrever as duas

¡liiludes em questão. Estou ciente de que tais termos nccessilam a ex-

 plicação de que eles são provavelm ente novos para a maio r parte dos

estudiosos do elassicismo, e dc que sc presiam facilmente a equívo-

cos. lispero, porém, que aquilo que pretendo com eles se torne claro

.i medida em que avançamos. Devo esclarecer, desde logo, dois ponlos , Primeiramente, que os utilizo apenas a título de descrição, sem

ciu aiiipar junto com eles nenhuma teoria sobre mudanças culturais.

1 ni segundo lugar, que reconheço a relatividade da dislinção, pois

li ni ilos modos dc comportamentos característicos das “cul turas da

ca dos elementos irracionais presentes no comportamento

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36 O S GRLXÏOS K O IRRAC IONAL

vergonha”, na realidade persistiram através dos períodos arcaico e

clássico. Há uma transição, mas cía é gradual c incompleta.Quando voltamos nossos olhares de Homero para a literatura

fragmentária da Grécia arcaica, e para aqueles escritores do períodoclássico que ainda preservam uma perspectiva arcaica 1 como Pín

daro, Sófocles, e, em grande parte, He ródo to , uma das^ pr imei ras

 _coisas que chamam nossa atenção é  a percepção aguda da insegu-

rança e do desamparo humanos (a|ar |XOCVia3  ); percepção que

encontra seu correlato religioso no sentimento de uma hostilidade di-

vina não que a divindade seja encarada como algo malévolo, mas

no sentido de que seu poder e sabedoria superiores sempre impedem

o homem de se superar e de se elevar acima dc sua esfera própria. Éesse sentimento que Heródoto exprime ao dizer que a divindade está

sempre <t>0ovepov te m t Tapa%cü5£ç/ “Ciumenta c pronta a inter-

ferir”, pode ríamos traduzir, mas a tradução não é boa afinal de

contas, como tal poder dominante poderia sentir ciúmes de algo tão

 pobre quanto o homem? Se ria melh or dizer que a idéia que está em

 jogo é a dc que os deuses ressentem cm nós algum sucesso ou felici-

dade capa/, de cicvar nossa mortalidade acima do seu  sta tus  normal,

usurpando, dessa maneira, algo que seria prerrogativa das divindades.É claro que tais idéias não eram inteiramente novas. Na ¡liada 

XXIV. por exemplo, Aquiles, finalmente sensibilizado pelo espetá-

culo de seu inimigo Príamo derrotado, pronuncia a moral trágica dc

todo o poema: “Pois assim os deuses fiaram o destino da pobre hu-

manidade: a vida do homem deve ser triste, e eles próprios isentos

de cuidado.” E o personagem prossegue com a famosa imagem dos

dois potes, dos quais Zeus retira presentes bons c maus. A algunshomens ele concede uma mescla dos dois; para outros, o mal em es-

tado puro, de tal modo que eles vagam atormentados sobre a face da

terra, “descuidados de deuses c de homens ” .4  Quanto ao bem em es-

tado puro, ele parece ser uma porção reservada aos deuses.Os potes nada têm a ver com a idéia de justiça. Do contrário, a

moral seria falsa, pois na ¡liada  o heroísmo não traz felicidade. A

única e suficiente recompensa para o heroísmo é a fama. No entan-

to. os príncipes de Homero atravessam o mundo com ousadia; elestemem os deuses, mas apenas como temem seus líderes. Eles sequer

se sentem oprimidos pelo futuro. Nem mesmo quando sabem, como

Aquiles, que estão próximos da perdição.

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D a   c u l t u r a   d a   v k r o o n h a   à   c u l t u r a   d a   cu i . i 'A

O que encontramos até aqui a respeito da era arcaica nao e nina

crença diferente, mas uma reação emocional diferente em compara-

ção com um período a inda mais antigo. Ouçam os, por exemplo.

Se mon ides de Amorgos: “Zeus con trola a realização de tudo que é,e dispõe disso conforme a sua vontade. Mas a capacidade de intuir

não pertence aos homens vivemos como bestas, sempre a mercê

daquilo que o dia pode nos trazer, nada sabendo do resultado daqui-

lo que os deuses impuseram sobre os nossos atos ” . 5  Ou então

ouçamos Teógnis: “Nenhum homem, Cirnos, e responsável por sua

 própria ruína ou sucesso as duas coisas são concedidas pelos deu-

ses. Nenhum homem pode realizar uma ação e saber se seu resultadoserá bom ou ruim... A humanidade segue seus hábitos fúteis em com-

 p le ta c eg ue ira ; mas os deuses en ca m in ha m tudo para o fim

 planejado”/ ’ A doutrina de que somos inevitavelmente dependentes

de um poder arbitrário não é nova, mas aqui se ressalta ainda mais

seu aspecto inexorável, cnfati/.asc de modo novo e mais amargo a

futilidade dos objetivos humanos. Estamos mais próximos do mun-

do do  Edipo Rei  do que do mundo da lliada .

Aliás, este é bem o caso da idéia de  phthonos  [inveja, ciúme],ou de ciúme divino. Ésquilo estava certo ao chamála “veneráveldoutr ina profer ida há muito tempo alrás ” . 1  A noção de que o

excessivo sucesso traz consigo um perigo sobrenatural, sobretudo se

fazemos alarde sobre tal êxito, surgiu de maneira independente em

diferentes culturas* (nós próprios o admitimos quando, por exemplo,

“batemos na madeira”). A lliada  o ignora, como também ignora

outras superstições populares, mas na Odisséia  o poela sempre maistolerante com modos de pensamento contemporâneos permite a

Calipso exclamar que os deuses são os seres mais ciumentos do

mundo eles invejam a felicidade dc qualquer um, por mais pequena

que e la sc ja. 'J É evid ente pore m , a ju lg ar pe lo de s in ib ido

exibicionismo que o homem homérico adota, que ele não leva os

 perigos do  phth onos  muito a sério tais escrúpulos são, na verdade,

estranhos para uma cultura baseada na vergonha. É apenas no período

arcaico tardio, e nos primordios dos tempos clássicos, que a idéia de

 ph thonos   sc torna uma am eaça opressiva, um a fonte ou uma

expressão de ansiedade religiosa. Assim é em Sólon, em Ésquilo,

e sobre tudo em Heródo to . Pa ra e s t e ú l t imo a h i s tó r i a é 

sobredeterminada enquanto aparece ahertameme como resultado dc

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3 8 O s GRHGOS K O IRRACIONAL

 p ro p ó s i to s h u m a no s , tam b ém d e ixa ao o lh a r p e n e t ra n te a

 possibi lid ade de de lectar por toda a par te o dissimulado trabalho do

 phih onos,  Dentro deste mesmo espirito, o Mensageiro, na tragedia

Os persas,  atribui a falla de sabedoria tática de Xerxes em Salaminaà astucia dos gregos que o enganaram, e ao mesmo lempo ao

 phth onos   dos deuses, Irabalhando por meio de um alasto>M   ou de

um mau d a emo n ~   o acontec imento é , por tan to , duplamente

determinado, sobre um plano natural e sobre outro sobrenatural.

Através dos escritores desse período, o  phth onos  divino surgi-

rá, às vezes," mas nem sempre , 12  como moralizado uma nemesis 

[vingança dos deuses, por oposição ao orgulho dos homensl ou uma

“justa indignação”. Entre o crime primitivo dc sucesso demasiado esua punição pela divindade enciumada, introduzse um li ame moral:

dizse que o sucesso produz koros  [saciedade, orgulho| a compla-

cência do homem que cumpre um feito bem demais, gerando cm

resposta uma hubris  [excesso, insolência, violência divina], palavras,

feitos ou pensamentos arrogantes. Assim interpretada, a velha cren-

ça parece algo mais racional, mas não deixa de ser, por isso, menos

opressiva. Vemos assim, a partir da ccna da relva no  Agamenón,  de

que maneira toda manifestação de triunfo termina por despertar senlimemos ansiosos dc culpa a hubris  tornouse o “mal primordial”,

o pecado retribuído com morte, que é porém tão universal que che-

ga a ser chamado em um hino homérico de ihemis  Ijusliça, direito,

decre to antigo com relação à SiKT|] (algo que se estabeleceu como

um costume de toda a humanidade, e que o poeta Arquíloco atribui

alé mesmo aos animais). Os homens sabiam o quão perigoso era ser

feliz . 13  Mas tal obstáculo tinha também, sem dúvida, um lado salu-

tar. É significativo a esse respeito que quando Eurípcdcs, dentro de

uma nova era de ceticismo, faz o coro de sua tragédia lamentar o

fim dos critérios morais, os homens vejam a prova cabal de tal co-

lapso no falo de que “os homens já não visam mais escapar ao

 phth onos dos deuses ” . 14A moralização do  phth onos nos conduz a um segundo traço ca-

rac ter í s t ico do pensam ento re l ig ioso arca ico a tendência a

transformar o sobrenatural em geral, e Zeus em particular, cm algocomo um agente da justiça. É quase desnecessário dizer que religião

e moral não erain interdependentes no início da civilização, gregaou humana em geral. Suas raízes eram separadas. Falando de um

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D a   c u l t u r a   d a   v i î r c i ü n h a   à   c u l t u r a   d a   c u l p a 39

modo bastante genérico, suponho que a religião nasceu da relação

do homem com seu meio ambiente, c, a moral, da sua relaçao coin

outros homens. Mas cedo ou tarde, na maior parte das culturas, vcio

um tempo de sofrimento tal que a maior parte das pessoas começoua não mais se contentar com a visão dc Aquiles de que “Deus está

nos céus, e tudo está errado no mundo”. O homem passa _a projetar

no cosmos sua própria e nascente dem anda por justiça social, e quan-

do de universos distantes retoma o magnífico eco de sua voz, com a

 punição prometida dos culpados, nesse momento ele sc enche dc co-

ragem c segurança.

 Nos épicos gregos tal estágio ainda não loi atingido, mas já po-demos observar crescentes indícios dc que cie se aproxima. Os deuses

da lliada   estão preocupados primeiro com sua própria honra (tijíti).

Falar levianamente dc um deus, negligenciar seu culto, tratar mal seu

 prelado, é compreensível que tudo isso leve a divindade a se zangar.

Em uma cultura baseada na vergonha, os deuses, a exemplo dos ho-

mens, se ofendem rapidamente. O perjúrio lhes chega sob a mesma

rubrica os deuses nada têm contra a mentira direta, mas não po-

dem deixar de objetar quando seus nomes são tomados cm vão.

Entretanto, por toda a parte recebemos indicações de que há aindaalgo mais a considerar. Ofensas aos pais constituem crime tão mons-

truoso quanto exigir tratamento especial os poderes do submundo

são do mesmo modo obrigados a intervirls{reiornarei a este ponto

mais adiante). Por uma vez contase que Zeus está zangado com oshomens que chegam a julgamentos desonestos"'(tomo no entanto esta

 passagem muito mais por um reflexo dc condições que surgirão pos-teriormente c que, por uma distração comum da parte de Homero

acabaram se transformando em um especie dc metáfora 17  afinal dc

contas não vejo na lliada  nenhuma indicação dc que Zeus esteja en-

volvido com a questão da justiça dessa mane ira). 1* Na Odisséia os interesses de Zeus são mais amplos. Não apenas

ele protege os que suplicam a sua ajudaiy (c que na lliada   não gozam

dc nenhuma segurança desse t ipo) , como também “ todos osestrangeiros e mendigos são obra de Zeus”.20Na realidade, o vingador

dos pobres e oprimidos que surgirá cm Hesíodo começa a se tornar

visível. O Zeus da Odisséia  está, além de tudo. prestes a se tornar

sensível à crítica moral os homens, ele reclama, estão sempre

censurando os deuses, “afirmam que seus problemas vêm de nós, ao

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40 Os (îRiifios i o irracional

 passo que, na verdade , são eles que por seus atos vis atraem para si

 próprios mais problemas do que o necessário ” .21 Tal observ ação,

co locada no in íc io do poema soa , como d i r iam os a lemães ,

“programática”, c o programa é levado a cabo. Os pretendentesatraem de struição por seus alos vis,2 en qu an to Ul iss es , atento às

advertências divinas, triunfa contra todas as expectativas justiçar

div ina é feita.

Os estágios posteriores da educação moral de Zeus podem ser

estudados cm Hcsíodo, Sólon c Ésquilo, mas não posso aqui seguir

esta evolução em detalhe. Devo, porém, mencionar uma complica-

ção de grandes conseqüências históricas. Os gregos não eram tão ir-

realistas a ponto de não querer ver o horror que não parava dcflorescer. Hesíodo, Sólon e Píndaro são escritores profundamente in-

comodados com este fato banal, e Teógnis chega a julgar necessário

ter uma conversa direta com Zeus a esse respeito .23  Era bastante fá-

cil reclamar a justiça divina em uma obra de ficção como a Odisséia

 —  pois como observou Aris tóteles, “os poetas contam tal tipo de his-

tórias para satisfazer os desejos do público” .-4 Mas as coisas não eram

tão fáceis na vida real. No período arcaico os “moinhos de Deus”

trabalhavam tão lentamente que seu movimento era praticamente im-

 perceptível, exce to para aquele dc olhar crédulo. Para manter a crença

de que eles realmente sc moviam, foi necessário se libertar dos limi-

tes temporais fixados pela morte. Enfim, se alguém olhasse para além

daqueles limites, seria possível afirmar uma (ou ambas) das duas al-

ternativas seguintes: ou o bemsucedido pecador seria punido na fi-

gura dc seus descendentes, ou pagaria sua dívida pessoalmente cm

outra vida.A segunda dessas soluções acabou emergindo como uma dou-

trina de aplicação geral, mas apenas ao final do período arcaico. Ela

acabou confinada a limites bastante estreitos. Adiarei minhas consi-

derações a seu respeito para um outro capítulo. Quanto à primeira

solução, tratase da própria doutrina arcaica os ensinamentos de

Hcsíodo, Sólon. Teógnis, Esquilo e Heródoto. O fato de implicar o

sofrimento de pessoas moralmente inocentes era algo claro para to-

dos. Sólon, por exemplo, fala das vítimas hereditárias da nemesis como dc avotmoi (“não responsáveis”). Teógnis reclama da injusti-

ça de um sistema pelo qual "o criminoso c bemsucedido, enquanto

outra pessoa sol rc a punição depois". Esquilo, sc com pree ndo bem .

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D a   c u l t u r a   d a   v e r g o n h a   à   c u l t u r a   d a   c u l p a

acabaria por diminuir o aspecto de injustiça admitindo que uma mal-

dição herdada pode ser quebrada . 25  Que tais homens aceitassem, ape-

sar de tudo, a idéia dc uma culpa herdada e de uma punição adiada,

eis algo que se deve à crença na solidariedade familiar, compartilha-da pela Grécia arcaica com outras sociedades dos primordios ,!Í1 e tam-

 bém com muitas culturas primitivas dc hoje ." 7 Tudo isso pode parecer

injusto, mas estas eram leis da natureza que deveriam ser aceitas. Afi-

nal, a familia era uma unidade moral; a vida do filho era um prolon-

gamento da vida do pai,2* e ele herdava a divida moral dos pais

exatamente como herdava suas dívidas comerciais. Cedo ou tarde a

dívida vinha cob rar seu pagamento.  Como dizia Pitia a Creso, o nexo

causal entre crime e castigo era a moira   algo que nem mesmo um

deus p oderia quebrar (Creso t inha que completar ou realizar

eicJiXecai o que havia começado com o crime de um ancestral cinco

gerações antes).2’Foi uma infelicidade para os gregos que a idéia dc justiça cós-

mica que representava um avanço com relação à noção anterior de

 poderes divinos puramente arbitrários, e que conferiu uma sanção para

a nova moralidade cívica acabasse sendo associada à concepção primitivíi da famíl ia, pois isso implicou que o peso do sen ti men lo re-

ligioso e da lei decorrente bloqueasse a emergência de uma verdadeira

visão de indivíduo, concebido como uma pessoa com direitos c res-

 ponsabilidades próprios. Tal visão individual veio emergir durante a

lei secular ática. Como mostrou Glot/. , na sua grande obra  La 

 solid arité de la fa m ille em Grèce*1 a liberaçã .0  do indivíduo, dos gri_

lhões do clã c da famíl ia , é uma das maiores real izações.doracionalismo grego, e algo que deve ser creditado à democracia ate-

niense. Mas as mentes religiosas eram ainda assombradas pelo

fantasma da velha solidariedade, mesmo bem depois da liberação

completa no campo das leis. Através de Platão, vemos que no sécu-

lo IV a.C. tudo ainda apontava para um homem encoberto pela culpa

hereditária, devendo ainda pagar uma cat hurte  [pagar uma x a 0 apTT|C,

obter purificação] para obter uma libertação ritual desse peso / 1  O

 próprio Platão, embora aceitasse a revolução da lei secular , admiteuma herança religiosa de culpa em alguns casos .32  Um século depois,

Bion de Borístenes ainda achava necessário observar que. ao punir

o filho pelo crime do pai. Deus se comportava como um médico que

deve cuidar da criança a fim de curar o adulto; e o devoto Plutarco,

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42 Os GREGOS [i O IRRACIONAL

que cita o dito espirituoso tenta, apesar de tudo, encontra r uma dc le-

sa para a ve lha dout r ina ape lando para ce r tos la tos da

hereditariedade.’''Voltando à era arcaica, foi também uma infelicidade que as fun-

ções atribuídas a esta instância sobrenatural moralizada fossem

 predominantemente, senão exclusivamente, de ordem penal. Ouvi-mos muito falar de culpa herdada, mas pouco dc inocência herdada;

muito sobre os sofrimentos do pecador no Inferno ou no Purgatório,

mas relativamente pouco sobre as recompensas tardias concedidas poratos dc virtude a ênfase é dada sempre às sanções. Sem dúvida,

isso reflete as idéias jurídicas daquele tempo a lei crimina! prece-

dia a lei civil, a função básica do Estado era coercitiva. Além de tudo,a lei divina, a exemplo da lei humana dos primordios, não leva emconta os motivos da ação, e tampouco considera a fraqueza humana.

Ela é destituída daquilo que os gregos chamavam ËTCieiiœia ou([>iAav0 p a m a [medida, indulgência , filantropia). O provérbio popular

daqueie período, de que “toda virtude é compreendida na justiça ” ,34aplicase não menos aos deuses do que aos homens em ambos oscasos havia pouco espaço para a piedade. Não era assim na ¡líetela:

Zeus ali sc apieda dos desgraçados Hcilor c Sarpédon, c dc Aquilesque vela o falecido Pátroclo, e mesmo dos cavalos de Aquiles que

velam seu cocheiro .-15  [istaruat not üâãu|_ievoi jiep, ele afirma na¡liada  XXI “eu mc preocupo com cies, embora eles acabem pcrc

cend o” . Mas, ao tornarse a encarnação da jus tiç a cósmica, Zeus perdeu sua humanidade . Por isso, o “Olimpianismo moralizado” ten-

deu a tornarse uma religião do medo, em uma tendência que sc

refletiu sobre o vocabulário religioso. Não há nenhuma palavra para

“temente a deus” na ¡liada,  mas na Odisséia  ser 0eouoi]Ç já consti-tui uma virtude importante, e a prosa equivalente (oeiGiùCüfKûV

[medo dos deuses]), seria utilizada como um termo elogioso até aépoca de Aristóteles .1(1 Por outro lado. o amor a deus está ausente do

vocabulário grego mais antigo37  <|nXo0 eoç aparece pela primeiravez cm Aristóteles. De falo, dos deuses olímpicos maiores, talvez ape-

nas Alena lenha inspirado uma emoção que poderia ser descrita comfacilidade como sendo amor. “Seria esquisito”, dizse na  M agna  

 M anilla ,  “a lguém clamar seu am or a Zeus” .1*

Isto mc faz retomar ao último aspecío geral que pretendo res-

saltar o medo universal da “conspurcação” (miasma  [ | i i a a j j a mancha, mácula, nódoa]) e seu correlato, a ânsia também universal

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D a   CUI.TURA d a   v e r g o n h a   à   c u l t u r a   d a   c u l p a 4.1

 por purificação através dc riluais (catharsis).  Aqui, mais uma ve/., a

diferença entre Homero c o periodo arcaico é relativa c não absolu-

ta, pois seria um erro negar que há um mínimo de catarse cm ambos

os épicos.w Mas das simples purificações homéricas, praticadas porleigos, até as cathartai  do período arcaico, com seus rituais confu-

sos e elaborados, realizase um grande passo. E é um passo aindamaior o que vai da tranqüila aceitação de Telêmaco, face a um cri-

minoso conícsso, companheiro dc embarcação, às suposições que permit ir iam, já no final do século V a.C.. alegar inocência por um talcrime simplesmente porque o navio chegou ao porto são e salvo .4*1Conseguiremos avaliar melhor a diferença entre as duas atitudes sc

compararmos a versão homérica da saga de Edipo com aquela maisconhecida de todos nós, de Sófocles. Nesta ultima, Edipo sc tornaum pária conspurcado por seu crime, encurralado entre o peso da cul-

 pa “que nem a terra, nem a chuva sagrada ou o sol podem aceitar.”

Mas já na história conhecida de Homero, cie continua a reinar emTebas mesmo depois dc descoberta sua culpa, para, em seguida,morrer durante uma batalha, sendo enterrado com honras reservadasaos reis .41  Aparentemente foi através de um épico continental c pos-

terior, as Tebanas,  que se criou a imagem sofocleana de um “homemdesgraçado ” .42

 Não há cm Homero nenhum traço da crença de que essa “cons pureação” fosse infecciosa ou hereditária. Na visão arcaica, porémela era tanto uma co isa quanto a outra , 43  e c nisso que reside seu ter-ror, Afinal dc contas, como um homem poderia ter certeza de nãoter contraído o mal por meio de um contato acidental, ou mesmo her-dado o mal de um crime esquecido, cometido por algum ancestralremoto? Tais ansiedades eram ainda mais angustiantes por seu cará-

ter completamente vago a impossibilidade de vinculálas a umacausa que pudesse ser reconhecida c enfrentada. Enxergar nessascrenças a origem   da culpa no sentido arcaico é, provavelmente, uma

exagerada simplificação, mas certamente havia algo disso nelas, damesma forma como a culpa em sentido cristão pode encontrar sua

expressão no medo de cair em pecado mortal. A distinção entre as

duas situações é, evidentemente, que o pecado condiciona a vonta-de, ele c uma doença na íntima consciência do homem, enquanto a

conspurcação é a conseqüência automática dc uma ação; ela perten-ce ao mundo exterior dos eventos, e opera com a mesma crua

indiferença aos motivos de um germe liióidc.J,) Hm um sentido esíri

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44 O S GRHGOS K O IRRACIONAL

to, a culpa no sentido arcaico, tornase pecado apenas como resulta-

do daquilo que Kardincr4’ chama “intern al ização” da consciência

um fenômeno que surge tarde e dc modo incerto no mundo heléni-

co. e não se toma comum senão após o reconhecimento dos motivos pela Ici se cu la r , 46  Da mesma maneira, a transferencia da noção de

 pureza, da esfera mágica para a esfera moral, foi um desenvolv imento

tardio até os últimos anos do século V a.C. ainda não encontramos

afirmações explícitas de que não basta ter as mão limpas, mas que o

coração também deve estar limpo.4'Devemos, porém, desconfiar de linhas cronológicas rígidas. Cer-

tas idéias atuam freqüentemente de modo obscuro no comportamento

religioso, muito antes dc chegarem a receber uma formulação explí-cita. Creio que Pfister está provavelmente certo ao observar que as

idéias de conspureação, maldição e pecado já se encontram fundi-

das desde o início48 na antiga palavra grega ayoç (termo que descreve

o pior tipo de miasma)  Enquanto no período arcaico a catarse não passava do cumprimento mecânico de um ritual obrigatór io , a noção

de uma purificação automática c quase lísica podia atravessar diver-

sas gradações imperceptíveis até atingir o sentido profundo de

“inden ização por pecado cometido” .41' Segundo alguns registros, res-tam poucas dúvidas dc que tal modo de pensar sc encontrava ligado,

 por exemplo, ao extraordinário caso do tributo lócrida .3" As pessoas

que estavam dispostas a compensar os crimes dc algum ancestral re-

moto, através de anos c dc séculos, por meio do envio das filhas para

serem mortas ou para tornaremse escravas em algum país distante

estas pessoas devem ter vivido não apenas sob o medo de uma peri-

gosa conspurcação, mas também sób o signo dc um horrível pecadoancestral a scr indenizado.Voltarei ao tema da catarse 1 10   último capítulo. Agora, porém,

c hora de retornarmos à noção de intervenção psíquica que já estu-

damos em Homero e nos perguntarmos que papel ela desempenhou

nos contextos religiosos completamente distintos da era arcaica. O

caminho mais simples para responder a isso é através da observação

de alguns usos póshoméricos da palavras ate   (ou de seu equivalen-

te 0£oP^a(3 t;ia) c daemon. Ao procedermos desse modo veremos quecm alguns aspectos a tradição épica aparece reproduzida com impres-

sionante fidelidade.  A le   ainda serve para expressar o irracional,

distinto do com portamento cujos fins seriam racionais. Por exemplo.

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D a c u l t u r a d a VKRGONHA k   CULTURA d a c u l p a

ao ou vir que Fedra não comerá nada, o coro pergunta se a at i lude se

de ve à ate  ou a algum propósito suic ida .51  O lugar eiri que ela se ma-nifesta é ainda o llutmos  ou  phrenes  Itypevrtç alma ou raz ão ] ,53  e

os agentes causadores são os mesmos de Homero na maior partedas vez.es um daemon  não i den ti tic ado, um deus ou deuses, muito

raramente um deus olímpico específico , 53  ocasionalmente, como em

Homero, urna Erírua5ilou moirei,55  uma única vez, como na Odisséia, 

o v inho .5*Mas há tamhém out ros impor tantes desenvolvimentos a

considerar. Em primeiro lugar, a ate   e freqüentemente, embora nemsempre, moralizada, ao ser representada como um castigo. Isto

aparece apenas uma vez em Homero (na  Huida  IX) e posteriormenteem Hesíodo, que faz da ate  uma punição da hubris, observando comentusiasmo que "nem mesmo um nobre” pode escapar dela . 57  Como

outros castigos sobrenaturais, ela cairá sobre os descendentes dos

 pecadores se a “dívida má" não lor paga durante a vida destes.^ A

 partir desta concepção da ate   como castigo o uso da palavra scexpande. Ela é aplicada não apenas ao estado mental do pecadoi. mas

também aos desastres objetivos que resultam dali assim porexemplo, os persas cm Salami na experimentam “atai  marinhas”, eas ovelhas abatidas são a ate   dc Ajax w A ate   adquire, assim, osentido geral de “ruína” , por contraste com KEpÔoç, ou G í o u p t a

[conservação, saúde ] ,60  ainda que na literatura o termo mantenhasempre a conotação dc ruína determinada de modo sobrenatural. Edentro de um espectro ainda mais amplo, a ate   e por vezes aplicadatambém aos instrumentos ou encarnações da iva divin a o Cavalo

dc Tróia é uma ate , e Antígona, juntamente com Ismênia, são “um par dc atai"   para Creonte .*’ 1  Tais empregos do termo encontram sua

raiz no sentimento c não na lógica*, o que eles expressam é aconsciência de um nexo dinâmico e misterioso o [íevoç ociTjç [uma

louca paixão de natureza divina] dc Ésquilo unindo crime e castigo,com todos os elementos da unidade sinistra sendo, cm um sentido

geral, vistos como a te 61Diferente deste desenvolvimento um tanto vago, é a interpreta-

ção teológica mais precisa que faz da ate   não simplesmente uma punição conduzindo a desastres físicos, mas um truque deliberado para induzir a vítima ao erro mais crasso, moral ou intelectual, masatravés do qual ele acaba por precipitar a própria ruína. E a severadoutrina latina que quem deus vali perdere, priits dementat   [primei

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46 Os G R E G O S E O I R R A C I O N A L

ro sc enlouquece para então perder a imagem dc deusj. Há uma alu-

são a is so na ¡liada  IX na qual Agamenón chama sua are  de "man

engano ” (a rc an ] ) arranjado por Zeus, mas não há nenhum a afirma-

ção geral da doutrina em Homero ou em Hesíodo. O orador Licurgo6-1a atribui a “certos antigos poetas” que não são porém especificados,

c cita de um deles uma passagem cm versos iámbicos: “quando o

odio dos daemons está ferindo um homem, a primeira coisa que acon-

tece é que ele retira dele a capacidade de bem discernir e o conduz

ao pior dos juízos, de maneira que cie não consegue mais se cons-

cientizar de seus próprios erros.” Dc modo similar, TeógnisMdeclara

que um homem que persegue a “virtude” e o “lucro” está sendo de-

liberadamente enganado por um daemon , que provoca .sobre ele umaconfusão entre bem e mal, bom (proveitoso, lucrativo) c ruim. Aqui

a ação do daemon   não é de modo algum mo ralizada ele parece um

simples espírito mau, tentando o homem à danação.

Que tais espíritos maus fossem realmente temidos durante o pe-

ríodo arcaico também é algo atestado pelas palavras do Mensageiro,

em Os persas, já citado em outro contexto Xerxes foi tentado por

um “alastor’’ ou “mau daemon” (demônio). Mas Ésquilo sabe me-

lhor do que o personage m com o explica o fantasma de Dario pos te rio rment e, a tentação foi um cas tigo da hubris.**  O que na vi-

são parcial dos vivos surge como o ato dc um demônio, será percebido

na intuição mais vasta dos mortos como uma manifestação de justi-

ça cósmica . No  A gam en ón   encon t ramos novamen te a mesma

interpretação em dois níveis. Onde o poeta, falando através do coro,

é capaz de detectar a vontade dominadora de Zeus ( r a v a m o v ,

TtavEpYETa)'’6  agindo através de uma inexorável lei moral, seus per-

sonagens vêem unicamente um mundo demoníaco, assombrado por

forças malignas. Somos aqui lembrados da distinção, já observada

nos épicos, entre o ponto de vista do poeta e o de seus personagens.

Cassandra vê as Erínias como um bando dc demônios embriagados

de sangue humano; para a excitada imaginação de Clitemnestra, não

apenas as Erínias, mas a própria ate  c um demônio pessoal a quem

ela olereccu seu marido em sacrifício. Há até mesmo um momento

em que cia sente sua personalidade desaparecida e submersa na deum alastor   do qual seria a agente c o instrumento / ’7 Este último caso

me parecc mais um exemplo do que LévyBruhl chama de “partici- pação (o senti mento de que, em cerlas situações, uma pessoa ou

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Da c u l t u r a d a v e r g o n h a a  c u l t u r a d a c u l p a 47

coi sa não é apenas si mesmo mas algo mais) do que exatamente de

“possessão" no sentido usual. Eu comparada ainda o “astuto grego”da tragedia de Ésquilo (Os  persas)  (ele próprio um alasior)  à sacer-

dotisa Timo em Heródoto imüher que tentou Milu'ades ao sacrilégioe da qua! Apolo declarava não ser a causadora dus eventos, “mas

que Míltíades eslava destinado a l’icar doente pois algo lhe surgiu c

o conduziu ao mal ” .611  Timo teria agido, nao como uma pessoa, mas

como urna agente cumpri dora de um designio sobrenatural.

Esta atmosfera assombrada e opressiva na quai circulam os per-

sonagens de Ésquilo nos parece infinitamente mais antiga do que o

ar claro respirado pelos homens e deuses da Ufada.  Glotz chamou

Ésquilo de “aquele que retorna de Micenas” (apesar dc acrescentar

que ele também era um homem dc scu tempo); eis por que um escri-

tor alemão atual afirma que ele “reavivou o mundo dos daemons. 

especialmente dos maus daemons"   Mas falar desse modo é, a meu

ver, falhar completamente na compreensão dos objetivos dc Esquilo

e do clima religioso de sua época, Ésquilo não precisava reavivar o

mundo dos daemons',  este era o mundo em que ele havia nascido. E

scu objetivo não é conduzir seus companheiros e conterrâneos dc vol-ta a um tai mundo, mas ao contrario, guiálos através e para lora dele.

E ele procurou fazelo, não como Eurípides, lançando dúvidas sobre

a realidade deste mundo através dc argumentos intelectuais c morais,

mas mostrando que cic poderia ser interpretado de um modo mais

elevado e, no  Eumenid es.  apresentando este mundo, transformado

 pela ação dc Alena, em um mundo de justiça racional .

Concebido como algo distinto do divino, o demoníaco desem- penhou (e continua a desempenhar) um papel importante em todos

os periodos da crença popular grega. Como vemos no livro I da Odis-

 séia ,  as pessoas atribuem o que oeorre cm suas vidas, tanto no plano

mental como no físico, à ação dc daemons  anônimos. Ficamos, en-

tretanto, com a impressão dc que elas nem sempre falam sério. Porém,

no período que se estende entre a Odisséia   e a trilogia da O réstia, 

os daemons  parecem chegar ainda mais perto dos homens; eles se

tornam mais persistentes, mais insidiosos, mais sinistros. Teógnis e

seus contemporâneos levavam a sério o daemon   que impulsiona o

homem à ate.  como nas passagens que acabei dc citar. A crença sc

manteve na mentalidade popular mtiiLo depois dc Ésquilo. A ama de Médeia   sabe que a ate  é obra de um daemon   irado, e o vincula à

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Os ( ilii;(JOS E O !KRACIONAI.

vclha idcia dc  phrhonos  —quanto maior o trabalho doméstico rnaior

a ate\ apenas os que vivem na obscuridade estão livres dela .711 E mes-

mo tão distante no tempo como no ano 330, o orador Esquines

sugeria, ainda que de modo cuidadoso (com um “lalvez”), que o ca-

marada rude que in 1er rompeu seu discurso pode ter sido levado a um

com portamen to tão impróprio por "algo de demoníaco" (ôaif iovuyu

t tv o ç m p a y o n e v o u ) .71intim ame nte ligado a este agente de ate  são os impulsos irracio-

nais que brotam no homem para lentálo conlra a sua vontade. Assim,

quando Teógnis chama a esperança e o medo de “per igosos

daemons",  ou quando Sófocles fala de Eros como dc um poder que

“tra ma para seduzir a menie justa, com vistas à sua destruição ” , 72 nãodevemos desqualificar as passagens como uma mera “personificação”.

Por detrás disso eslá ainda o velho sentimento homérico de que es-

sas coisas não pertencem realmente ao “eu”, já que elas não estão

sob o controle da consciência humana. Elas são dotadas de tuna vi-

talidade c energia próprias, c por isso podem forçar o homem a uma

conduta estranha. Veremos nos capítulos finais, que traços marcan-tes deste tipo dc interpretação das paixões sobrevivem mesmo na obra

dc autores como Eurípides c Platão.De tipo diferente são os daemons  projetados em meio a uma

situação particular. Como disse o professor Frankfort a respeito de

outros povos antigos, “os espíritos maus são, freqüentemente, nada

mais do que o mal ele próprio concebido como algo substancial, equi-

 pado com algum pod er ” .73  Assim, os gregos falavam dc fome e da

 pes te como se fossem “deuses ” .74  Desse mesmo modo, o ateniense

moderno acredita que uma fenda na colina das ninfas é habitada por

três demônios cujos nomes são Cólera, Praga e Catapora. São forças poderosa s em cujas garras a hu manid ade sc encontr a sem saída, mas

 pa ra as quais a divin dade é poderosa. O persis ten te poder e pressão

dc uma eonspureação hereditária pode, assim, tomar forma como oñai|acov yevvr|Ç [produto do daemon]  dc Esquilo. Em caso mais es-

 pecíf ico , a situação de culpa consanguín ea é proje tada na figura de

uma Erínia .75  Como vimos anteriormente, tais seres não são totalmen-

te externos às ações humanas e suas vítimas Sófocles pode, por

exemplo, falar dc “uma Erínia no cérebro” .76 No en tanto elas agem ob je tivamente, pois representam a nor-

ma objetiva de que ó preciso limpar e reparar o sangue dc uma

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Da c u l t u r a   d a   v e r g o n h a   à c u l i u u a   d a   culpa

linhagem. Só mesm o Euríp ides e T.S Elio t:!: para psicologi/.álas.como pesos da consciência .?7

Um tcrcciro tipo de daemon  e que faz sua primeira aparição

no período arcaico eneonirase ligado a um individuo particular,normalmente desde o seu nascimento, determinando total ou parcial-

mente o scu destino. Encontramos este indivíduo primeiro em

Hcsíodo c Fóclidcs.7* Ele representa a moira  individual ou a “por-

ção” de que fala Homero,™ mas de urna forma pessoal capaz de airair

a imaginação no seu lempo. Freqüentemente ele parece ser nada mais

do que a “sorte” de um homem,™ mas lai sorte não é concebida como

um acidente sem explicação ela pertence ao homem tanto quanto

sua beleza ou scu talento para algo. Teógnis, aliás, lamenta que tudo

na vida dependa mais do daemon do que de caráter sc o seu daemon 

é  pobre, um bom julgamento de nada serve pois, dc qualquer modo,

suas ações não serão bemsucedidas .111  Heráclilo protesta em vão que

“o caráter é o destino” (r|0 oç avQpomco ôaípcov); mas na verdade

ele não consegue vencer a superstição. Na realidade, parece que as

 palavras mKoSaijJCOv c ôuaôaijiiúv | desgraça, perdição causada por

um daemon]  foram cunhadas no século V a.C. (já EuSmjiüJV é umtermo tão antigo quanto Hcsíodo). Heródoto não vê na fatalidade quese abate sobre grandes reis e generais (como Candaulo e Mi It fades)

nenhum acidente externo e ncin mesmo a conseqüência dc um cará-

ter, mas aquilo que “ tem que ser” Xpi"lv 7« P KavôccuXp T sv ea õaitcaKXOÇ.*2  Píndaro reconcilia de maneira piedosa esse fatalismo po-

 pular com a vontade dc Deus: “c o grande propósito de Zeus que

dirige o daemon  dos homens a quem ele ama ” / 1 Enfim há Platão querecolheria e transformaria completamente a idéia, como aliás faria

com muitos outros elementos da crença popular o daemon   torna-

se uma especie dc guia superior do espírito (um superego freudiano*4)

que no Timen é  identificado como o elemento da pura razão no ho-

mem.ss Sob este manto glorioso, tornado respeitável, tanto do pontode vista moral quanto do ponto dc vista filosófico, o daemon   goza-

ria de uma renovada imagem nas páginas dos pensadores estoicos e

neoplatônicos, e até mesmo de alguns escritores cristãos medievais .1**

* T.S. Eliot, poeta, crítico c  dramaturgo britânico Je origem no rtc-americana

cujos principais lemas são a pciiilência c a redenção (N da T.)

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50 Os (i RHO OS li o IRRACIONAL

Eis então alguns dos daemons  que (i/.cram parte da herança re-

ligiosa do século V a.C. Não procurei traçar aqui um amplo painel

desta herança. Outros aspectos só aparecerão nos capítulos subse-

qüentes. Mas não podemos prosseguir sem perguntar algo que já deveter ocorrido ao leitor: como devemos conceber a relação entre a “cul-

tura da culpa” que descrevi acima c a “cultura da vergonha” tratada

no primeiro capítulo? Que forças históricas determinam a diferença

entre elas? Tenlci indicar que tal contraste é menos absoluto do que

 pensam alguns estudiosos. Seguim os várias linhas de raciocínio le-

vando dc Homero até a confusão do período arcaico, c ainda mais

longe, até o século V a.C. Não se trata aqui de uma total desconli-

li u idade. Entretanto, uma verdadeira d iferença de perspectiva religiosasepara o inundo de Homero, mesmo daquele que encontramos em

Sófocles, que é chamado de “o mais homérico dos poetas”. Seria pos-

sível adivinhar as causas subjacentes de uma tal mudança?

Para esta questão não podemos esperar uma resposta única c

simples. Por uma razão: não estamos lidando com uma evolução his-

tórica contínua, pela qual passamos gradualmente dc um tipo de

 perspectiva relig iosa para outra. Não precisamos, na verdade, adotar

a posição extrema que vê a religião homérica como nada mais do

que uma invenção poética, “distante da realidade e da vida. assim

como a sua linguagem artificial” / 7  Mas há uma boa razão para su-

 por que os poetas épicos ignoravam ou minimizavam muitas crenças

e práticas que existiam em seus dias, sem no entanto elogiar a si pró-

 prios por isso diante de seus pa tronos. Por exemplo, a velha magia

catártica do bode expiatório foi praticada na Jônia no século VI a.C,.

tendo sido presumivelmente levada até lã pelos primeiros coloniza-dores, já que o mesmo ritual foi observado na A t i c a . Os poetas da

lliada  e da Odisséia  devem tclo visto com freqüência, mas excluí-

ram a prática dc seus poemas, como aliás excluíram muitas outras

coisas que lhes pareciam bárbaras, tanto a eies quanto ao público de

alta classe. Dãonos algo que não é completamente dissociado da

crença tradicional, mas que é fruto de uma  sele ção  de alguns aspec-

tos desta crença uma seleção que caía bem para uma cultura militar

aristocrática, do mesmo modo como Ilesíodo nos dá uma seleção queera apropriada à cultura camponesa, A não ser que admitamos tais

fatos, ficará s empre a exagerada impressão dc desconti nu idade his-

tórica.

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D a   c u l t u r a   d a   v í -r g o n h a   à   c u l t u r a   d a   c u l p a 51

 No entanto. mesmo quando adin ilimos ludo isso, rosta uin im-

 portante residuo dc difere nças que parecem represe mar não maisseleções de uma cultura comum, mas mudanças culturais genuínas.

Apesar da escassez de fontes, podemos traçar o desenvolvimento dealgumas destas mudanças dentro da era arcaica. Até mesmo Pfistcr,

 por exemplo, reconhece “um inegável crescimento nos sentimentos

de ansiedade e pavor na evolução da religião grega”.*1*É verdade que

as noções de conspurcação, dc purificação e dc  phth onos  divino po-

dem muito bem ser partes de uma herança original indoeuropeia. Mas

c a era arcaica que relança os relatos de Édipo c Orestes como estó-

rias de horror sobre culpa consanguínea. Isto fez da idéia dc

 purificação uma das preocu pações centrais da maior instituição reli-

giosa da época (o Oráculo de Dellos) que magnificou a importância

do  phthonos  até um ponto em que ele se torna na obra de Heródotoo padrão subjacente de toda a história.

Este é o tipo dc falo que temos que explicar, mas confesso des-

de já que não possuo uma resposta completa para fornecer. Posso

apenas arriscar algumas respostas parciais. Sem dúvida as condições

sociais gerais lêm aí um papei de destaque .1'11  Na Grécia continental(e estamos preocupados aqui exatamente com esta tradição continen-tal) o período arcaico foi uma época de extrema insegurança pessoal.

Os pequenos estados superpovoados estavam apenas começando alula para sair da situação de miséria c pobreza deixada pelas inva-

sões dóricas, quando surgiram novos distúrbios todas as ciasses

sociais (oram arruinadas pela grande crise econômica do século VII

a.C., seguida, por sua vez, pelos grandes conflitos políticos do sécu-lo VI a.C. que Iraduziram a crise em termos dc uma criminosa luta

entre classes. E bem provável que ao lomar proeminentes alguns ele-

mentos ocultos da mescla da população, o levante social tenha

encorajado o ressurgimento dc velhos padrões dc cultura não com-

 pletamente esquecidos do povo .91  Além disso, as condições de vida

marcadas pela insegurança podem, por si próprias, ter favorecido o

desenvolvimento da crença nos daemons,  com base na idéia dc uma

inelulávcl dependência do homem com relação a um poder capricho-so. Isto pode ainda encorajar um insistente recurso a procedimentos

mágicos, sc assumirmos a Lese de Malinowski de que a função bio-

lógica da magia é aliviarnos de sentimentos frustrados e reprimidos

 para os quais não encontramos uma saída racional.11 É também pos

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52 O s C R E O O S K O I RR A C I O N A L

sível. como sugerí anteriormente, que para algumas mentes a expe-

riência contínua de injustiça sobre os homens possa ter dado margem

à crença compensatória de que deve haver justiça 1 10   paraíso. Não é,

sem dúvida, por acaso que Hesíodo é o primeiro grego a pregar uma justiça divina “o poeta dos he lólas”, como o chamava o rei Clco

m enes ,” homem que hav ia so f r ido por “ju ízos deso nes lo s” .

Tampouco é por acaso que neste período a figura de ricos e podero-

sos sofrendo de perdição se torne um lema tão popular entre os

 poetas '-’4  em violento contraste com Homero para quem, como o b-

servou o professor Murray.1* os homens ricos são especialmente aptos

à virtude.Estudiosos mais prudentes do que eu ficarão certamente con-

tentes com tais conclusões genéricas c seguras. Creio mesmo que elas

são válidas com relação ao tratado ate aqui. Mas como explicação

 para evoluções mais específicas sofr idas pelo sentimento rel igioso

arcaico em particular para o crescente sentimento de culpa estas

conclusõ es não me con vencem inteiramente. Bu alé arriscaria uma

sugestão de que elas devem ser suplementadas (mas nao substituí-

das) por um outro tipo dc abordagem, tomando seu ponto de partidanão na sociedade como um todo, mas sim na família. A família era a

 pedra fundamental da estrutura social arcaica, a primeira unidade or-

ganizada, o primeiro domínio da lei. Sua organização, como cm todas

as socie dad es in doeu ropé ias, era patriarcal a lei era  pa tr ia  

 potesta s*   [chefe da casa], O chefe da casa é scu rei, oikoio ava£,[o poder da pátria]; e sua posição é ainda descrita por Aristóteles

como análoga a de um rei .97  Sua autoridade sobre as crianças é ili-

mitada nestes tempos pr imordiais cie é livre para expôlas durantea infância, e para, na idade adulta, expulsar da comunidade um filho

errante ou rebelde como Tcseu expulsou Hipólito e Eneu fez com

Ti deu, ou Eslrófio com Pilades, ou como o próprio Zeus ao banir

Hefaístos do Olimpo por este ter se colocado do lado da mãe.‘‘x Em

relação ao pai, o filho tinha devores mas não direitos; enquanto o pai vivesse ele era um menor pe rpétuo um estado de coisas que

durou em Alenas até o século VI a.C,, quando Sólon introduziu cer-

tas salvaguardas.” Na verdade, mais de dois séculos depois de Sólon,a tradição da jurisdição familiar ainda era tão forte que mesmo Pla-tão que certamente não era um admirador da idéia de família teve

que abordai a questão na sua legislação . 11" 1

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Da  c u l t u r a d a v i î k g o n h a à c u l t u r a d a c u l p a 53

Enquanto o velho sentido de solidariedade familiar não fosse

abalado, presumi asc que o sistema funcionaria. O filho da va ao pai

a mesma obediencia sem questionamentos que ele deveria reccbcr,

 por sua vez, de seus próprios filhos. Mas com o relaxamento dos la-ços familiares, com a crescente reivindicação de direitos individuais

e de responsabilidade da pessoa, desenvolvemse aquelas Lcnsões in-

ternas que vir iam caracter izar a vida famil iar das sociedades

ocidentais. Que elas tivessem de fato começado a aparecer claramente

no scculo VI a.C., é algo que podemos inferir da intervenção legisla-

tiva dc Sólon. Mas há também uma grande parte de testeniunho

indireto para este tipo de influência velada. O horror característico

com que os gregos viam as ofensas ao pai e as sanções religiosas às

quais acreditava estar se expondo aquele que ofendia, tudo isso su-

gere um clima dc repressões fortes . 11' 1  Assim também as muitas

estórias nas quais uma maldição paterna produz terríveis conse-

qüências estórias com o a de Fênix, Hipólito, Pclopes e seus filhos,

Edipo e seus filhos; todas seriam resultado de um período relativa-

mente tard io 102  em que a posição do pai já não era mais inteiramente

segura. Também sugestiva, cm sentido algo distinto, é o bárbaro contode Cronos e Urano que a Grécia arcaica pode ter ido buscar em fon-

tes hititas. Nelas, o projeto mitológico dc desejos inconsc ientes surge

dc forma muito transparente como talvez tenha sido sentido por

Platão, ao declarar que a estória em questão era feita para scr comu-

nicada unicamente aos poucos que se encontrassem cm estado de

[lUGTTipiov [mistério, enigma], e deveria ser mantida longe do al-

cance dos jovens, a qualquer preço. 11,3

 Mas para o olhar do psicólogo,

o fato mais significativo é fornecido por certas passagens de escrito-

res da Idade Clássica. O típico exemplo está nos prazeres da vida

ilustrados por Aristófanes na “terra dos pássaros das nuven s” um

verdadeiro país dos sonhos no que concerne à realização de nossos

desejos. Ali é dito que se alguém for capaz dc sobrepujar o próprio

 pai, o povo irá admirá lo tratase de  kol X qv   e não de av e^ po v [be-

leza e feiúra] . 11'4  E quando Platão quer ilustrar o que ocorre quando

controles racionais não funcionam, seu exemplo é o sonho dc Édi po, O testemunho é confirmado por Sófocles que faz Jocasta declararque tais sonhos são comuns; e por Heródoto que cita um destes so-

nhos,1"' Não parece absurdo deduzir uma mesma causa d e sintomas

idénticos, e nem tampouco concluir que a situação familiar da Gré

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54 Os GREGOS K O IRRACIONAL

cia an Liga, a exemplo da siLuação familiar nos di as de hoje, leu ha feito

nascer conflitos infantis cujos ecos deixariam Lraços no inconsciente

das mentes adultas. Com o advenlo do movimento sofístico, o con-

flito tornouse algo completamenie conscienie cm muitos lares  jovens começaram a reiv indicar “um direito natu ral" de desobedece r

os pais."* Ma s é justo supor que tais conflitos já existiam inconscien-

temente desde uma data muito anterior; e que, na verdade, eles

remetem aos mais primordiais e inconfessos arroubos individualis

las dc uma sociedade ainda baseada na solidariedade familiar.

Talvez os leilores vejam para onde Ludo isso aponta. Psicólo-

gos nos ensinaram como a pressão de desejos não assumidos pode

ser uma poderosa fonte de sentimentos dc culpa. Estes desejos aca- bam excluídos da consciência, mas não de sonho s e devaneios, Ainda

assim eles são capazes de produzir no “eu” um sentido profundo de

desconforto moral. Nos dias de hoje, tal desconforLO assume freqüentemente uma forma religiosa, e se o senlimcnlo existisse na Grécia

arcaica, esta seria também a forma que assumiria, pois o pai tinha,

desde tempos primordiais, sua contrapartida celeste: Zeus  pate r  per-

tence à herança indoeuropcia, com o indicam seus equivalentes latino

e sánscrito. Como mostrou Calhoun, o  sta tu s  e a conduta do pai defamília homérico 1"7  (otKOto avaçj estão bem próximos do  status  e

da conduta de Zeus, que serve aliás de modelo para a primeira. No

momento do culto, Zeus também aparece como um chefe de família

sobrenatural como Pairos ele protege a família, como Herqueios

ele protege sua moradia, como Cies ios e)e prolcge suas posses, Era

natural projetar sobre o pai celeste os sentimentos mistos e estranhos

que sc nutria peio pai humano e que os filhos não ousavam reconhe-

cer. Isto poderia explicar muito bem  porque na era arca ica Zeus surge,

 por vezes, como uma fonte imperscrutável de bem c de mal (conce-

dendoos em igual medida); ou como um deus ciumento, capaz de

invejar seus filhos pelo desejo a paixonado 1”* que esles possuem no

coração; e ainda como um horrendo juiz, justo porém severo, punin-

do de modo inexorável o pecado capital de autoafirmação (pecado

dc hubris).  Enfim, cabe dizer que a herança cultural que a Grécia

arcaica partilhou com a Itália e a índia ,ltw por exemplo, incluía umconjunto dc idéias sobre rituais impuros que forneceram uma expli-

cação natural para os sentimentos de culpa gerados por repressão dc

desejos. Um grego dos tempos arcaicos que sofresse deste tipo de

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D a  c u l t u r a d a v e r g o n h a à c u l t u r a d a c u lp a 55

sentimento (de culpa) poderia lhe dar urna forma concreta dizendo

 para si mesmo que ele ha vi a, provavelmente, estado cm com alo com

um miasma,  ou que seu fardo lia vi a sido herdado de alguma ofensa

ancestral. Mais importante do que isso: ele podía conseguir um ali-vio deste sentimento, bastando su bine terse a um ritual de catarse.

 Não estaríamos aqui diante de urna pista sobre o papei desempenha-

do pela idéia de catarse na cultura grega? Por um lado, poderíamos

compreender o desenvolvimento gradual das noções de culpa e de

expiação da culpa a partir da catarse; por outro, compreenderíamos

também o desenvolv imento da idéia confo rme el a ressurge em Aris-

tóteles isto é, como uma purgação psicológica que nos alivia de

sentimentos indesejáveis por meio de uma projeção em obras deart e. "1’

 Não prosseguirei com tais especulações uma vez que elas não

 podem ser provadas. Quando muito elas podem receber uma confir-

mação indireta a través da psicologia social , caso eia consiga

estabelecer analogias com outras culturas mais passíveis de estudo

detalhado. Trabalhos deste gênero têm sido realizados , 111  mas seria

 prematuro generalizar seus resultados. Enlrementes, devo dizer quenão seria mau se os estudiosos clássicos se abstivessem de certas ob-servações, e para evitar algum malentendido, gostaria de concluir

enfatizando dois pontos. Não espero, cm primeiro lugar, que uma cha -

ve interpretativa abra todas as portas para a compreensão. A evolução

de uma cultura é por demais complexa para ser explicada sem resí-

duos por meio de fórmulas, sejam cias econômicas ou psicoiógicas^

engendradas por Marx ou Freud. De vemo s resistir à tentação de sim- plificar o que não é simples. Em segundo lugar, cabe dizer que

explicar as origens não é explicar valores ausentes. Devemos, por-

tanto, tomar cu idado pa ra não subestimar a significação religiosa das

idéias aqui discutidas, mesmo no caso da doutrina da tentação divi-

na em que tais idéias nos parecem moralmente repugnantes . 112Tampouco devemos esquecer que desta primeira e arcaica cultura da

culpa nasceram algumas das mais profundas poesias trágicas que o

homem produziu, Foi sobretudo Sófocles, último grande expoente de

uma visão de mundo arcaica, que expressou a mais ampla significa-

ção da tragicidade dos temas religiosos em sua forma mais dura eimoral a esmagad ora impressão de impotência humana diante do

mistério divino, e diante da are  que se serve de toda realização hu

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56 Os G R I i G O S ti O I R R A C I O N A L

mana , c que lez desse modo de pensar uma parle da herança cultu-

ral do homem ocidental. Terminarei, então, este capítulo com a citação

de um verso da  Antígona, que transmite muito melhor do que eu pude

fazelo, a heleza e o terror das antigas crenças :113

 Felizes são aqueles cuja vida transcorre isenta de todos os males, 

 pois os mortais que um dia têm os lares desarvorados pelas divindades 

 ja mais se livrarão dos infortúnios  por todas as seguidas gerações.

 Da mesma fo rma a vaga intumescida,  soprada pelo vento impetuoso da Trácia, quando varre o mar profundo  revolve em turbilhões a areia negra e a leva às praias onde afaz bramir  entre gemidos, estrondosamente.

Vejo às antigas infelicidades 

da casa dos labdácidas juntaremse as novas desventuras dos defuntos, e as gerações mais novas não resgatam  as gerações passadas. Um dos deuses agarrase insaciável a elas todas e as aniquila; não há salvação.O pálido lampejo de esperança que sobre o último rebento de Edipo  surgira, esvaise agora na poeira  dos deuses infernais, ensangüentada  pelo arrebatamento das palavras e por corações cheios de furor 

Que orgulho humano. Zeus, será capaz de opor limites ao poder só teu, que nem o Sono precursor do fim  de todos vence, nem o perpassar  infatigável do tempo divino ?Governas o fu lgo r maravilhoso do Olimpo como soberana único, imune ao tempo que envelhece tudo.

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Da c u l t u r a   d a   v e r g o n h a   à   c u l t u r a   d a   c u l p a 57

 E no p o rv ir , ta l co m o no p a s s a d o  

a l eí p a r a o s m o r t a is s e r á m a n tid a : 

n a d a h a v e r á d e r e a lm e n t e g r a n d e  

e m s u a s v i d a s s em d e s g r a ç a s j u n ta s .

 E um c o n fo rto p a r a m u ito s h om en s

a ins táve l e sperança; para ou tros

é u ma i lu s ã o d e s e u s d e s e j o s f r í v o l o s

ins inua ndo-se jun to ao s ingênuos

a t é q u e a o s p é s l h es c h e g u e o f o g o a r d en t e.

 P o is com s a b e d o r ia a lg u ém fa lo u

as cé lebres pa lavras : “cedo ou tarde,o ma ! p a r e c e r á u m b e m à q u e l e

q u e o s d e u s e s r e so l ve r am d e s g r a ç a r ”.

 E sã o m o m en to s p o u c o s e fu g a z e s  

os que e le v ive l ivre de desdi ta .

N o t a s   d o   c a p í t u l o   II1. Normalm ente considera-se que a era arcaica termina com as Guerras Persas, 

e para fins de história política isso é uma linha divisória evidente. Mas do 

ponto de vista da história do pensamento, a verdadeira clivagem se dá pos

teriormente, com a ascensão do movimento sofístico. E mesmo aí, a linha 

de demarcação é cronologicamente desigual. Em termos de pensamento, em

bora nao no que tange à técnica literária, Sófocles (exceto talvez em suas  

ultimas peças) ainda pertence inteiramente ao período mais antigo, assim  

como seu amigo Heródoto (cf. Wilamowitz,  Hermes,  34 [1899]; E. Meyer, 

Forschungen z. alt. Gesch.  11.252 sg.; F. Jacoby, P.-W., Supp.-Band. 11, 479  

sg.). Ésquilo por outro lado, esforçando-se para interpretar e racionalizar o  

legado da era arcaica, anuncia já um novo período.

2. O sentimento de a( .tr |xa via é bem ilustrado na antiga poesia lírica, por Snell, 

 Die hntdecku ng des Geistes ,  68 sg. Devo as páginas seguintes, sobretudo à 

brilhante monografia de Latte “Schuld u. Siinde i. d. gr. Religion”,  Arch. f.   Rei.  20 (1920 -192 1) 254 sg. "

3. Todos os homens sábios de Heródoto sabem disto: Sólon, 1.32; Amasis, 3.40; Artabanus, 7.1 Oe. Sobre o significado da palavra (¡>0ovoç, cf. Snell,  Aischylos

u. da s Han de In im D ram a,   72, n. 108; Cornford, From Religion to 

 Philosophy,  118, e para a associação disso com xap axn , Píndaro,  Isthm.  7.39:

o 5 aeavatrov |ir| GpaaaeTco (|)0ovoç. Tapaaaeiv é muito utilizado para 

interferência sobrenatural (Ésquilo, Coéforas  289; Platão,  Leis  865E.),

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58 Os GREGOS H O IRRACIONAL

4. litada,   24.525-533.

5. Sem onides dc Amorgos, 1. I sg. Bcrgk. Sobre o significado de e^t^ iepo i 

ver H. Frankel, T A P A   77 (1946) 131 sg.; sobre teâoç F. Wehrli, Acc0e 

Pitûcaç, 8, n. 4.6. Teógnis, 133 -136, 141-142. Para a falla dc intuição do homem da sua pró

pria situação, cf. Hcráclito, frag. 78 Diels: 7i0oç  f x  p ccvGpctntÊiov ]ie v ou te 

£jf£i yvojjiaç, 0etov & e%El , e para a falta de controle sobre ele,  H. Apoll.  

192 sg.; Semonides, frag. 61, 62 Bcrgk; para ambos, Sólon, 13,63 sg. Este é  

também o ensinamento de Sófocles para quem iodas as gerações dc homens 

nada representam - i c a tcai t o jiT|5ev Çùxraç, O.T.  1186, quando vem os a 

sua vida como o tempo e os deuses a vêem; assim vistos, os homens nada  

mais são do que fantasmas ou sombras (Ajax   125),

7. Ésquilo,  Agam en ón 750.

8. A crença sem moral é comum entre os povos primitivos de lioje (Lévy-Bruhl, 

 Primit ives and the Supe matura !,   45). Sob sua forma moralizada ela surge 

na China clássica ( Tao Te Ching).  “Se você for rico e dc posição social ele

vada”, diz Tao Te Ching (século 4 a.C.?) “você se torna orgulhoso e, 

conseqüentemente, abandona-se numa inevitável ruína. Quando tudo vai bem, 

é sensato colocar-se em segundo plano”. Tal crença deixou também sua marca  

no Velho Testamento: por exem plo , Isaías 10: 12 sg., “fará justiça [.„1 pela 

sua altivez arrogante, pois disse: ‘Com a força da minha mão fiz tudo isto e  com a minha sagacidade’ [...] Por acaso o machado se vangloriará contra os  

que cortam com ele?”. Para a noção de Kopoç cf. Provérbios 30: 8 sg., “Não  

mc deis nem probreza nem riqueza, mas sustentai-me com a minha ração de 

pão, porque temo que, saciado, eu vo s renegue e diga: ‘Quem é o Senhor'?'.”

9. Odisséia,  5.118 sg. Cf. 4.181sg.; 8.565 sg.; 13.173 sg.; 23.210 sg. Existe 

tudo em discurso. Os exemplos que alguns defendem na litada , por exem

plo, 17.71 são de outro tipo, e dificilmente constituem verdadeiros casos de  

<t>0OO5OÇ.

10. Ésquilo, Os persas,  353 sg., 362. Em termos estritos não se trata de um novo 

desenvo lvimento. O bservamos uma similar “sobredeterminação” em H ome

ro (cap. 1, p. 15, 24). E is algo comum entre os povos primitivos de hoje. 

Evans-Pritchard, por exemplo, conta-nos que entre os Azande “a crença na  

morte por causas naturais e por feitiçaria não são excludentes uma da outra 

(Witchcrafts, Oracles and Magic,  73).

11. Sólon, frag. 13 Bergk (cf. Wilamowitz,  Sap pho ti. Sim.  257 sg.; Wehrii, op. 

cit. 11 sg. e R. Lattimore,  AJP   68 [1947] 161 sg.). Ésquilo,  Agamen ón   751 

sg., quando isto é contrastado com o ponto de vista comum; Heródoto, 1.34.1.12. Heródoto 7.10. Sófocles não parece moralizar a idéia em nenhuma parte de 

sua obra em  El.  1466; F il   776 e é declarado como uma doutrina geral (se  

TtanJloXu y for certo) na  Ant,  613 sg. E cf. Aristófanes,  Plut.   97-92 onde 

argumenta-se que Zeus deve ter uma pendência contra xprioioi.

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D a   c u  i .t u r a   (j a   v e r g o n h a   à   c m t u r  a   h a   c u l p a 59

13. Para a Tjfipiç tom o TTpCûTOV KOCKOV ver Teógnis 151 sg .; para sua universa

lidade,  H. Apoit,   541: vpp içO, nÔEM'Ç E0 "11 m ia f iv r iu v avOpœïïCûv, e 

Archilochus, frag. 88: ft> Zeu [...J oo i Se 6i]puijv u ppiç te m i Sikti jieXei. 

Cf. também Herácliio, frag. 43D.: uPpiv ^pTl cflevvuai (KxAAov tj TtlipKaiT|v, Sobre os perigos da felicidade, há a observação dc Murray de 

que “ser visto como um homem feliz era uma má imagem para qualquer um  

na poesia grega.” (Esquito,  193).

14. Eurípides.  Ifigên ia em Áulis,   1089-1097.

15. ¡liada,  9.456 sg., 571 sg.; Odisséia,  2.134 sg.; 11.280. Vale notar que tres 

dessas passagens ocorrem cm narrativas que podemos supor terem sido ex

traídas de épicos continentais, enquanto a quarta pertence a ‘Telemaquia".

16. ¡liada,  16.385 sg. Na marca dc hesiódica de 387-388, ver Leaf ad loe,  mas 

não precisamos chamar as linhas uma “interpolado” (Cf. Latte,  Arch. f. Rei.  

20.259).

17. Ver Arthur Platt. “Homer’s Similes”,  J. Phil   24 (1896) 28 sg.

18. Aqueles que pensam dc outro modo parecem confundir punição de perjúrio 

como ofensa contra a divina Tipr| (4.158 sg.) c punição de ofensas contra a 

hospitalidade de Zeus Xe inios( 13.623 sg.) com uma preocupação de justiça.

19. Odisséia, 1. ! 64 sg.; 9.270 sg.; 14.283 sg. Contrastar com o destino dc Licaon, 

eí. lliada,  21,74 sg.

20. Odisséia,  6.207 sg.

21. Odisséia,  1.32 sg. Sobre a significação desta passagem muilo discutida ver 

mais recentemente K. Deichgraber, Gol!. Nacltr.  1940, e W. Nestle, Von i 

 My titos ztiti t Logos,  24. Ainda que o m i cm 1,33 dev a ser tratado com o “lam- 

bém”, não possa concordar com Wilanowilz (Glattbe, 11.118) que L‘der Dicliter 

des a  hat nielits nenes gesagt.”

22. Odisséia,  23.67: Si ctracOaXicxç; ETiafiov kcxkov, a mesma palavra que Zeus 

usa em 1.34, E d aro que devem os ainda lembrar que a Odisséia,  difere lile

mente da lliada , possui uma grande dose de como de íadas, c que o herói  está fadado a vencer no fim. Mas o poeta que deu à história scu formato  

final deve ter tido também a oportunidade de dar enfase à lição da justiça 

divina.

23. Teógnis, 373-380, 733 sg. Cf. Hesíodo,  Erga,  270 sg.; Sólon, 13.25 sg.; Pin

dar o, frag. 201 B (213 S.). A autenticidade das passagens de Teógnis tem 

sido negada, mas não com bases suficientemente fortes (cf. W.C. Greene, 

 Moira,  App. 8; Pfeiffer , Pliilol,  84 [1929] 149).

24. Aristóteles,  Poét ica,  1453a34.25. Sólon, 13.31, Teógnis, 731-742, Cf. também Sófocles,  Édipo em Colona,  964 

sg. (onde Webster, introduction to Soph ocles, 3 1, certamente se equivoca ao 

dizer que Édipo rejeita  a explicação da culpa lierdada). Para a alitude de Es

quilo ver mais à frente. Heródoto ve urna tal punição postergada como urna 

0£tv peculiar, em contraste com ajustiça humana (to Sikcuov), 7.137.2.

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6 0 O s (.¡REGOS K O IRRACION AL

26. Cf., por exemplo, o caso de Acan (Josué, 7: 14 seg.) no qual todos os habi

tantes da casa, incluindo os animais, são destruidos por motivo de ofensa  

religiosa praticada por um de seus membros. Mas tais execuções cm massa  

foram posteriormente condenadas e a doutrina da culpa herdada é condena

da explicitamente por Jeremias (31: 29 sg.) e por Ezcquiet (18: 20, “o filho 

nao expiará a iniqüidade do pai”, e o capítulo inteiro). Ela aparece, no en

tanto, como uma crença popular cm João, 9: 2, onde os discípulos perguntam: 

“Quem pecou, ele ou os pais,  para que nascesse cego?”

27. Alguns exemplos podem ser encontrados no capítulo 11 de The "Soit!" of  

the Primitive Man,  e cm  Primit ives and ¡he Supernatura l,   212 sg. de Levy- 

Bru111 (edições cm inglês).

28. Cf. Kaibel,  Epigr. grae c.   402. Anti l'on, Tetra!.  11.2.10 e Plutarco, sei: viiu!.

16, 559D.29. Heródoto, 1.91. Cf. Cornet,  Recherch es su r le dévelo ppem ent de ta p a n é e  

 ju rid iq ue et mora le em Grèce, 313, que cunha a palavra “coisismo” para des-  

erever sua con ccp çâo de a ¡i (xp Tint.

30. Ver sobretudo as paginas 403 sg, e 604 sg.

31. Theaet,  I73D,  Rep.  364BC. Cf. Lambém [Lys.] 6,20; Dcm. 57.27; e o criti

cismo indicado cm Isocrates,  Busil is  25.

32. Platão,  L eis.  S56C, Jtaipoç oveiSq kou Tt[icopL(ï<; Ttcuôuv priSevi  

rroveJtEoOat. Isto está entretanto sujeito a exceçõcs (K56D). e a herança de 

culpa religiosa  é reconhecida em conexão com o compromisso dos padres (759C) c com o sacrilégio (854B, onde eu tomo a culpa como sendo a dos  

Titans, cf. infra, eap, V, n. 133).

33. Plutarco, serv. vind.  19,561C sg. Se acreditarmos cm D iog enes Laércio (4.46), 

Bion tinha toda razão para ser amargo quanto à doutrina da culpa herdada:  

ele e toda a sua família foram vendidos como escravos por uma ofensa co

metida por seu pai. Sua reduetio ad absurd um  da família possui paralelos 

cm práticas atuais (The “Soul" o f the Primitive Man,  87. C em  Primitives  

and the Supernatural,  417 de Lévy-Bruhl).

34. Teógnis. 147; Phocyl. 17. A justiça é a filha de Zeus (Hesíodo,  Erga,  256; 

Ésquilo,  Sept.   662) ou seu Ttccpsôoç (Píndaro, OI.  8.21; Ésquilo,  Edipo em  

Colona   1382). Cf. a interpretação pré-socrálica da lei natural como Sitct], 

que tem sido estudada por H. Kelsen  [S ocie ty and Nature,  cap. V) c por G. 

Vlastos em CP   42 (1947) 156 sg. Esta ênfase na justiça humana, natural ou  

sobrenatural, parece ser urna marca distintiva das culturas dc culpa. A natu

reza da conexão psicológica em curso foi indicada por Margaret Mead no  

Congresso Internacional de Doença Mental dc 1948. A lei criminal que re

parte a devida punição aos crimes comprovados c a contrapartida  governamental do tipo de autoridade paternal que desenvolve uma espécie  

dc imagem do pai interiorizada eonduzente ao sentimento de culpa.

É significativo, provavelmente, que ôim to ço co rr a apenas três vezes na ¡lia

da  e talvez somen te uma com o significado de “justo”.

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Da  cultura da vergonha  à cultura da culpa 61

35. Ufada,  15.12; 16.431 sg.; 19,340 sg,; 17.441 sg.

36. Cf. Rolicle,  Kl. Sdir íf ien.  11.324; RJ. Kocts, áeiatôcanovia. 6 sg. ÀEiaiâeoç  

ocorre na Attica como um nome próprio do século V) em diante (Kircbncr,  

 Prosopograpli ia A ttica).   nr(iÀOTr|£O0   não é atestado antes do século ¡V 

(Hesperia, 9  [1940) 62).

37. Lidcil c Scott (c Campbell Bonner,  Harv. TheoL Ver.  30 [1937) 122) estão 

errados em atribuir um sentido ativo a 0£Oi}>lÂ<úç cm Isocrates 4.29. O con

texto mostra que a referenda é para o amor de Demetrio por Atena, Jtpoç  

to u ç n po yo vo uç niKúv eii^evcoç Sk xteS eioiiç (28).

3K. Cf.  Magna Mo m íia .  1208h30: axonov yapav Eir| Et xtç <|>a\r| iJhàeiv t o v  

Ata. A possibilidade de <|>iXio( entre o homem e Deus foi negada também  

por Aristóteles na sua  Etica a Nicômaco   1159“ 5 sg. Mas é difícil duvidar 

do amor que os atenienses devotavam às suas deusas - Esquilo,  Eumênides, 

999: 7tap0£VO\j ((hàcíç (JuXüi e Sólon 4.3 sg. A mesma relação de confiança  

absoluta existe na Odisséia   entre Atcna c Ulisses (ver especialmente Odis

séia,  13,287 sg.). Sem dúvida isto deriva, cm última instância, de sua função 

original de protetora dos reis micênicos (Nilsson,  Religião Minóica-micên ica,  

491 sg.).

39. Que Homero soube sse algo sobre m O a p o iç mãgiea é negado por Stengel 

(Hcrines,  41,241 ) c por outros. Mas que as purificações descritas na l l iada , 

1.314 e na Odisséia,   22.480 sg. são vistas como catárticas, no sentido mágico tio termo, parece bastante claro, cm um caso, pela disposição dos ^ v p a m ,  

e, em outro, pela descrição de enxofre como raiccov « k o ç Cl. Nilsson, Gesc/i. 

1.82 sg.

40, Odisséia,  15.256 sg.; Antilon, de cade Herodis 82 sg.  Para a atitude mais 

antiga, ef. também Hcsíodo, frag, 144.

41, Odisséia,  11.275 sg. lliada,  23.679 sg. Cf. Aristarco, EA cm lliada   13.426 

c 16.822; Hcsíodo,  Erga  161 sg.; Robert, Oidiptts,  1.115,

42 . Cf. Dcubncr, “Ocdipusproblcm c”,  Abh. Akad . Iierl.   1942, n. 4.43. O caráter infeccioso do [iicca¡iü. é atestado primeiramente por Hesíodo,  Erga  

240. As leges sacrae   de Cirene (Solmsen,  Inscr. Gr. dail .4,  n. 39) incluem  

prescrições detalhadas sobre sua extensão em casos individuais. Para a lei 

ática, cf.  Deni. 20.158. Que se trata de algo comumenie aceito na Idade Ctás- 

siea é o que aparece cm passagens de Esquilo,  Sept.  597 sg,; Sófocles, O.C. 

1482 sg.; Eurípides, l.T   1229; Antifon Tetr.  1.1.3 e Lisias 13.79. Eurípides 

protestou contra isso (Hei:  1233 sg.;  Ifigên ia em Taurin  380 sg.), mas Pla

tão afastaria dc todas as atividades religiosas ou civis os indivíduos que  tiveram contato voluntário,  ainda que leve, com uma pessoa conspurcada, 

até que cia fosse purificada (f-cis, 881 DE),

44, A distinção foi esclarecida pela primeira ve?, por Rohde,  Psych e,   294 sg, A 

natureza mecânica do |aiaoj.ia é evidente não simplesmente quanto a scu ca

ráter infeccioso, mas íamhém quanto aos artificios pueris pelos quais ele pode

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6 2 Os (¡RKCrOS E O IRRACIONAL

ser evitado; ct:. Sol'. Ant, 773 e sg., com a nota de Jebh e com a prática ate

niense de condenar os criminosos à morte atiro-adininistrada, por cicuta.

45. The Psych ological Frontiers o f Society,  439.

46. Ver a interessante conferência dc F, Zucker,  Syneid es is -C onsç ieniia   (Jenacr 

Akademische Reden, Hci't 6,1928). A meu ver é significativo lado a lado com  

as velhas palavras objetivas de culpa religiosa (ctyoç, |ito!aLlcO encontrar

m os n o f inai do sécu lo V, um term o para consciência   de culpa (como  

escrúpulo ou remorso). O termo é Ev0\ipiov (ou £V0U|iia, Tliuc. 5.16.1),  

palavra há muito tempo em uso para descrever algo “pesando sobre o espí

rito”, mas utilizada por Heródoto, Tucídides. Antifon, Sófocles c Eurípides  

com referência específica ao sentimento de culpa religiosa (Wilamowitz em  

 H eracle s   722; Hatch,  Harv. Stud, in Class. Phil.  19.172 sg .). Demó cn to usa 

e y m p S io v no mesmo sentido (frag. 262), O uso espec ífico c praticamente confinado a este período em particular. Ele desaparece, segundo Wilamowitz, 

com o declínio das antigas crcnças, das quais era o correlato psicológico.

47. Eurípides. Oréstia  1602-1604. Aristófanes,  Rãs   355. E a velha conhecida  

inscrição epidáurica (início do século IV?) citada por Teofrasto, apud Porfi

rio, abst.  2 .19, que define o.yvEKX com o Opovetv oo u x Om ito Epicarmo, 

frag. 26 Diels, que não acredito ser genuíno. Como Rohde observou ( Psy che, 

ix, li, 80), a mudança de ponto de vista e bem ilustrada por Euripides,  Hip. 

316-318, onde por merecia <|>pevoç Fedra designa pensamentos impuros, nías  

a Ama entende a frase com o referência a tim ataque mágico ([i t a c li a pode 

ser imposto por blasfêmia, p. ex.. Solmsen,  Insci: G r Dia l.4  6.29). A antíte

se entre mão e coração pode ter envolvido incialmentc apenas o contraste 

entre órgão físico externo e interno, mas desde que o úliimo era um veículo 

de consciencia, a sua poluição física tornou-se também uma poluição moral 

(Festugière,  La Sain te té ,  19 sg.).

48. An. ícaOrepcriç, P.-W., Supp.-Band. VI (este artigo fornece a melhor análise 

que eu já vi sobre as idéias relig iosas associadas à puri 11cação}. Sobre a fu

são original entre os aspectos “subjetivo” e “objetivo” e a distinção entre o  primeiro e o segundo, ver também Gemet, Pensée jurid ique et mora le ,  323 sg.

49. Veja, por exemplo, o sacrifício catártico a Zeus Meilichios na Diásias, que, 

nos foi dito, era oferecido ¡jeto tivoç dTvyvoTr|TOÇ (£ Luciano,  Icarom en, 

24) - nao exatamente “num espírito de contrição”, mas “numa atmosfera dc 

luto” criada pelo sentimento dc hostilidade divina.

50. Os fatos a respeito do tributo lócrida e referencias às suas primeiras discus

sões, podem ser encontrados em Farnell,  Hero Cults ,  294 sg. Cf. também 

Parke, H is to ry o f lhe Delphic Ora cle,   331 sg. A um contexto similar de idéias 

pertence a prática dc “dedicar” (ôetíateueTv) pessoas culpadas a Apoio. IsLo 

significava escravizá-las e dominar suas terras; isto foi levado a cabo no caso  

dc Crisa, no século VI, e ameaçado contra os Medizantes em 479 e contra 

Atenas cm 404. (cf. Parke,  Hermailieiia,  72 [1948) 82 sg.).

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Da cultura  da  vkrcjonha  à cultura da culpa 6 3

51. Eurípides,  Hipól ito,   276.

52. 0U[joç, Ésquilo, Sept.  686,  Sup.  Sófocles,  Amigona  1097; <t>pT|v, (Jipeveç, És

quilo,  Sup/ 1. 850, Sófocles,  Antigona  623,

53. Ésquilo, Coéforas   372 sg. (Zeus); Sóiocies,  Ajax   363, 979 (a loucura envia

da por A ten a é chamada cxtt|).

54. Ésquilo,  Euménides 372 sg. Cf. Sófocles,  Antigona 603 e Epivueç r¡A.i6i(i)vou 

(isto é, r|Xi9to\)<; Tioiovoat), no Attic deftxio (Wtinscli, Defix. Tab. Au.  108).

55. A ssim talvez em Sói ocles . Trac.  849 sg. E cf. Heródoto dc decisões desas

trosas como predeterminadas pelo destino da pessoa que as toma; 9.109.2:  

n i Se kcxkíüç yexp eÔei fcavoiKU] y ev eo ôca , repoç xau ic t etJte E£pE,r| xxA~, 

1.8.2, 2.161.3, 6.135.3.

56. Panyassis, frag. 13.8 Kinkcl.

57. Ilesíodo,  Erga 2 14 sg.58. Teógnis, 205 sg,

59. Ésquilo, Os persa s   1037; Sófocles,  Ajax  307.

60. Teógnis, 133; Ésquilo, Coéforas  825 sg; Sófocles,  Édipo em Colona  92 e 

 Antigona  185 sg. Na lei dórica, will parece ter sido completamente secula

rizada como um termo para qualquer penalidade legal: leg. Gortyn.  11.34 (GDI  4991). "

61. Euripides, Trokmas  530 (Cf. Teógnis, 119); Sófocles,  Amigona  533 e  Édipo  

em Colona 532 é diferente; lá Édipo chama suas filhas arai como sendo os  frutos de seu próprio yotpcüv axa (526).

62. Comparar a extensão do uso pelo qual as palavras tó.iTr|pioç, JioAapvatoç,  

JtpoaxpüJiaioç foram aplicadas não só ao culpado, mas também ao ser so

brenatural que o pune. (Cf. W.H.P. Hatch,  Harv. Stud, in Class . Phil.  19 

[ 19 08 1 157 sg.) - ptü voç ccTTiç, Ésquilo, Cocforas 1076.

63. Licurgo, In  Leocra tein   92, Cf. o similar anônimo yveopr] citado por Sófo

cles,  Antigona 620 sg.

64. Teógnis, 402 sg.

65. Ésquilo, Os Persas  354. (cf. 472, 724 sg.); contraste 808, 821 sg, A divina 

COTCC0r| c, assim , para Ésq uilo S í m ia (frag. 301). Em sua conden ação da

queles que fazem dos deuses a causa do mal, Platão incluiu Ésquilo, na 

intensidade das palavras de Niobc: 0eoç pev atxtav ijmei Ppoxoiç, otov  

raKuXíai Ôüipa tkxhjcti&iv Ôeàïi (frag. 156, apud Platão,  República , 380A). 

Mas esquece u-se de citar a proposição Se, que continha - co m o sabemos  

agora do papiro de Niobe, D.L. Page, Creek Literary Papyri,  1,1, p. 8 - um 

aviso a \)[3piç, uri ep o m io io p iv , A quí, com o cm outras passagens, Ésquilo 

reconhece com cuidado a contribuição do homem para o scu próprio destino.

66. Ésquilo,  Agam enón   I486; cf. 160 sg., 1563sg,

67. Ibid., 1188 sg., 1433, 1497 sg. ^

08. Heródoto, 6.135.3.

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6 4 Os CIRKGOS UO IKKAC'IONA L

69. G ¡oí/,,  ím   solidarité, 408; K. Dc i eligí a her, Gott. Nada:  1940,

70. Eurípedes,  M edéia ,  122-130. Fedra também airihui scu es lado a 5cíif.iOVüÇ 

ccTt| iHipp.  241,). E sabemos através de um ira lado do corpu s hipocraticum  

(Wijí 1, V il! .466 L.) que o disturbio mental freqüentemente surgia cm so

nhos ou visões dc deuses irados.7 1. Esquines, in Cíes  117. Esquines sabia estar vivendo uma época estranha e  

revolucionária, quando velhos centros de poder cedem espaço aos novos  

(ibid., 132), e isto o deixava inclinado a ver a mão dc Deus em toda parle,  

com o Heródoto. Então ele falou de Tebas com o i q v ye GeopÀapeicxv r a i  

rqv œJipoauvT]v o w a.vOpaMivcoç aXXn   ScajaovKoç KTT|aa[i£VOÍ (ibid., 

133).

72. Teógnis, 637 sg,; Sófocles, Amigona 791 sg. Sobre EXtuç  ver Wehrli. AC/.0S

pU'KÎCXÇ, 6 sg.73. H. c H.A. Frankfort, The Intellectual Adventure o f Ancient Man.  17.

74. Semonides de Amorgos, 7.102; Sófocles, O.T.  28. Cf, também cap. Ill, nola

14, e sobre crenças indianas similares, Keith.  R e i and Phil, o f Veda and  

Upanishads,  240.

75. Para uraa visão dos atenienses modernos ver Lawson,  Modern Greek Folklore 

and Ancien! Greek Religion,  21 sg Quanto à culpa de homicida projetada 

como uma Erínia cf. Esquilo, C.oéforas  283: JipOüfSoXaç Epivuaw EK TCúV

rorupaxov aij.iomúv lEÀoupevaç» com Verrai 1 ad he . ;   ibid., 402; e Amifon, 

Tetra!.  3 .1.4.76. Sófocles,  Antigo na  603. Cf. o verbo Scí(|iOVOV, utilizado tamo para locáis  

“assombrados’’ (Coéf.  566) quanlo para pessoas “possuídas" (Sept,  1001, Fen. 

8K8).77. Eurípides, O réstia  395 sg. Sc as caitas Vil e VIH forem genuínas, até Pla

tão acreditava em seres objetivos que puniam a culpa homicida: Vil.33613: 

q itou t i ç ¡ícajaoiv ri t i c cAixripioç epjteawv (cf. 326E): V1I1.357A: Çevikch  

Eptimieç EKtòÀuODLv.

7S. Hesíodo,  Erga  314: Srxtuovi 5 otoç ET)a0a, t o epya^EaOat apavov, c  Phoc ytides ,  frag. 15.

79, Cf. cap. I, supra.  A noção homérica de uma (.lotpcx individual lambém con-  

Linuou a exisilir ao lado do SaijitüV mais pessoal, e é bastante comum na 

tragédia. Cf. Archilochu s, frag. 16: ira v i a n> xn Kca jio ip a , FlepiKXeeç, 

avSpi StSaxjiŒ, Esquilo.  Agamenón   1025 sg., Coéforas  102 sg, etc.; Sófo

cles, O.T.  376, 713 etc.; Píndaro  Nem.  5.40: 7[ot|íoç Se KptvEi cuyysvqç  

ecrycúv heoi tioivtúv e Platão, Gorg.  5 12E: m otE tipa vm toliç yuvotiÇiv 

o u TT|tí5 sipotppE vqv ou S a v etc, EKBiiyot. A frase hom érica O a v a io o  

(--oto) uoipa reaparece em Esquilo, Fers.  917,  Agam en ón   1462, Algumas vezes ¡.lüipa e Sotipíov estão combinados: Ar. Thestn, 1047: uotpaç, aieyK'TE 

fioíipov (trágica paródia);  Lys.  2.7K: o Scaptov o Trçv í^ETEpav poipo.v  

EIÀIIXCDÇ,

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Da cultura da vhrgonha  Acultura da culpa 65

80. Saip cov (a interpretação religiosa) e (a opinião profana c sem com - 

promeli mentó) não são vistos com o duas (endónelas mutua men le ex eluden les 

e estão muitas vezes ligados: Aristófanes, /lu 544: team em p o v a r a í (t iv a)  

a iiv tu x ta v aXoí0r|v, Lys. 13.63: Tu;(T| m i u Sa ijiwv , [Dein.] 48,24 , Es

quines in Ch's.  1i 5, Ansióle les, IVag. 44, Eurípides, porém, as distingue como 

alternativas {frag. 901,2), No conceito dc Seine to/J] (Sófocles, Fil.,  e lie- 

q Ci enie mente em Plalão) o acaso re loma o valor religioso que o pensamento  

primitivo llie atribuía (cap. I, n. 25).

81. Teógnis, 161-166.

82. Heródoio 1.8.2. Cf. nota 55 aeima

83. Píndaro,  P iu cas   5.122 sg. Mas nem sempre ele moraliza deste modo a cren

ça popular. Cf. OI.  13.105, em que a "sorte" do yt'.voç é projetada como 

Saiptnv84. O Sa.iuoú) estoico está ainda mais próximo da concepção Ireudiana do que  

da platónica: ele é,  como coloca Boniióffer ( Epikiet,  84) “o ideal contrasta

do com a personalidade empírica”; c uma de suas principais funções é punir

o ego por seus pecados carnais (cf. Hcinze,  Xenokrutes,  130 sg.; Norden, 

Virgil's Acne ni VI,  p. 32 sg.). A pulei o (d. Soer.  16) faz o daemon   residir in 

ipsis p en i li.win tis men libas vice conscienliae

85. Platão, F é é m ,  107D;  República  617DE, 620DE (onde Platão evita o fata

lism o da visão popular, fazendo a alma escolher seu próprio guia); Ti meu, 

90A-C (analisado a seguir no capílulo VII).

86. Cf. M. Anl. 2.13, com a ñola de Farquharson; Plutarco,  Soer.  592BC,- 

Plotino 2.4; Rohde.  Psyche   XIV, ii. 44; J. Kroll,  Leh ren (les H erm es 

Trímegistos,  82 sg. Norden, lac. cit..  mostra como a idéia foi retomada por 

escritores cristãos.

87. Fr. Pfister, P.-W., Supp. Band. VI, 159 Sg. Cf. scu  Religion d. fírie chen   ». 

 Riinter   (Bursian’s Jahreshericht. 229 [ 1930]), 219.

88. A prova acerca dos Oapua.K'Oi é convenienlemenle reunida em Murray,  Rise 

o f the G reek Epic.  Ao encarar o rilo com o primordial mente catártico cu sigo  Deuhner,  A ttische Fesie,  193 sg,, e os próprios gregos. Para um resumo dc  

ouïras opiniões, ver Nilsson, Gesch., 1. 98 sg.

89. P.-W. Su pp.-Band VI, 162.

90. Cf. Nilsson, Geschkhte   1.570 sg.; e Diels, “Epimcnides von Krcla",  Red. 

 Silzb.  1891, 387 sg.

91. Alguns estudiosos atribuiriam as peculiaridades do período arcaico compa

radas à religião lio mélica a um ressurgimento de idéias "minóieas” pré-gregas. 

Isto pode ser verdade cm alguns casos. Mas a maior parte dos lraeos que salientei neste capítulo indica que ele deve 1er raízes indo-européias. Por isso  

creio que elevemos evitar a invocação de unia "religião minóica" neste con

texto.

92 . Com o co loca Malinowski, quando o homem se seule impotente diante dc tuna 

situação prática, ‘‘seja ele se lvagem ou c ivilizado, esLeja em posse da m agia .

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66 O s G REGOS ¡ i O IRRAC IONAL

ou com pletamente ignórame da sua existência, na indecisão passiva, a úni

ca coisa dilada pela razão é a última com que ele pode concordar. O scu  

sistema nervoso e todo o organismo levam-no a uma atividade de substi

tuição A ação substituta em que a paixão encontra a sua saída c que 

sc eleve à impotencia tem subjetivamente toda a virtude dc uma ação real e  a que a emoção, se não a impedissem, teria naturalmente conduzido” ( M a

 gic, Scien ce and Relig ion) .  Há provas de que o mesmo princípio vale para 

as sociedades: Linton (in A. Kardmer, The Individual and H is Society,  287  

sg.) relata que entre os efeitos produzidos por uma grave crise econômica  

entre algumas tribos Tanala, em Madagascar, estava um aumento dos te

mores supersticiosos e da emergencia cie uma crença em espíritos maus,  

de que não havia anteriormente sinais.

93. Plutarco,  Apopht. Lac.  223A.94. Hesíodo,  Erga  5 sg .; A rq uii oco, frag. 56; S ólon, frag. 8 e 13, 75; Ésqu ilo, 

 Sept.  769 sg., e  Agam.  462 sg.

95. Murray, Rise o f the Greek Epic., 90 ;  cf. litada  5.9, i 3.664 c Odisséia  18.126 

sg. Eis a atitude esperada de uma cultura dc culpa; a riqueza traz (Odis

séia  1.392, 14.205 sg.). Era assim ainda no tempo dc Hesíodo e (embora  

consciente dos perigos que o esperavam) ele usou o fato para reforçar o 

seu evangelho do trabalho: Erga 313: tiXoutcú 8 otpeTii rat ícuôoç onSei.

96. Para comprovação, ver Glotz,  La so li darité , 31 sg.

97. Aristóteles,  Polí tica,  1.2, 12521’ 20: m o a yap o ita a paotXeueTat m o  

to d TipsopuTCcTOU. Cf. EN.  1161a 18: <t>uaei apxiKO v no m ip m ow ... kcci 

pü(GiÀ£Dç paotXeuopvtüv. Platão emprega termos mais Ibrtes; ele fala do  

staitis   apropriado aos jov en s com o inferior Ttcrtpoç kcci ^ T p o ç kcci 

TipEGpUTEpcúv ôodXsiccv (Leis,  701B),

98. Eurípides,  H ipóli to   971 sg„ 1042 sg, (Hipólito prefere a morte do que ser 

banido).  Alcniaeonis,  frag. 4. Eurípides Kinkcl (apud [Apollod.] liihi.  1.8,5); 

Eur. O réstia  765 sg., l i tada , 1.590 sg. Os mitos sugerem que em tempos  

primordiais o ato dc banir era a conseqüência necessária de oiitOKripu^lç, uma regra que Platão propunha restaurar (Leis,  928E).

99.  Cf. Glotz, op. cit., 35 0 sg.

100. Platão,  Lets,  878DE, 92 9A-C.

101. Honrar os pais vem em segundo lugar na escala de valores, após a ordem 

dc temer os deuses: Píndaro,  Pit.   6,23 sg. e £ a d loe,',  Eurípides, frag. 853; 

Isócrates 1.16 e Xenólanes  Mem.  4.4.19 sg.). Para as sanções sobrenatu

rais ligadas às ofensas contra os pais, ver l l iada,  9.456 sg.; Esquilo, 

 Ewnên ides  269 sg. ; Eurípides, frag, 82, 852; Xcnofonte,  Mem.  4.4.21 ; Pla

tão, Em if ron,  15 D, Fédon,  114A,  República , 615C, e  Leis. 872E e sobretudo 

880E sg . E também Paus. 10.28 .4; c Orí', frag, 337 Kern. Para os sent i

mentos de parricídio involuntário, cf. a história dc Altaimenes, Diod. 5.59  

(deve-se notar que, como Édipo, termina eventualmente como herói).

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D a   c u l t u r a   d a   v l r g o n h a   A c u l t u r a   d a   c u m >a 6 7

102. A historia dc Fénix em tlíada  9 (43 2-605 ), parece refletir condições con ti

nentais tardias. Cf. cap. 1, supra.  As demais hisuirias são pó s-hum cri cas (a 

maldição de Édipo mis Tebanas,  frag. 2 c 3K; cf. Robert, Oidipus,  1.169 

sg.), Platão ainda professa a crença na eficacia da maldição de um pai.  Leis 931C, E.

103. Platão,  República,  377E-378B. O mito de Cronos possui, como devemos  

esperar, paralelos em militas culturas; mas um paralelo como o épico huirira- 

hitita de Kumarbi é tão próximo e tão dela Miado que sugere um empréstimo  

(E. Forrer,  Méi. Cwiumí,  690 sg.; R.D. Barnetl,  JHS  65 [1945] 100 s.; H.G. 

Gütterbock,  Kumarb i   |Zurich, 1946], 100 sg.). Isto não diminui seu signi

ficado; devemos perguntar, neste caso, que sentimentos induziram os gregos 

a darem a esta monstruosa fantasia oriental um lugar central cm sua mito

logia. D iz-s e com freqüência - e talvez com razão - que a “separação" de 

Urano e Gaia milologiza uma separação física imaginada do céu c da terra 

(cl. Nilsson,  Histo ry o f Greek Religion.  73). Mas o tema da castração do 

pai é dificilmente um elemento natural, c certamente não uma necessidade  

no mito. Creio que e difícil explicar a presença desta história nas teogo

nias hitita c grega de outro modo a não ser como um reflexo dc desejos 

humanos inconscientes. Uma confirmação desta visão pode ser encontrada  

no nascimento de Alroditc (Hcsíodo, Teogonia,  188 sg.) que pode ser in

terpretado como simbolizando a conquista dc liberdade sexual pelo filho 

através da retirada do pais. O certo é que na Idade Clássica as histórias dc  

Cronos cram freqüente ni en te referidas com o um precedente para compor

tamento não-filial: Ésquilo,  Earn en ules   640 sg,; Aristófanes,  Nnv.  904 sg., 

Av. 755 sg. ; Platão,  Hunfron  5E-6A.

104. A figura da TUrupoAoiaç parece ter fascinado a imaginação da Idade Clás

sica, Aristófanes a co loc a no palco (Au. 1337 sg.,  Nuv  1399 sg.) e mostra-a 

a defender o seu caso 1.Y: í.\ 1399 sg.). Para Platão ele é o exem plo típico 

dc perversidade iGórgias,  456D; Fédon , I13E). É tentador ver nisto algo  mais do que um reflex o de controvérsias sofísticas, ou um tipo particular 

de "conHito dc gerações” específico no século V tardio, embora isto aju

dasse, sem dúvida nenhuma, a lançar a írct-cpoAoiaç para a preeminencia.

105. Platão,  República , 571C; Sófocles,  fí.T.  981 s; Heródoto 6.107.1. A desa

gradavelmente detalhada discussão de Ar temi doro em torno dos sonh os de 

Edipo mostra o quão comuns eles eram na antigüidade tardia, Podc-se pen

sar que isto implica uma repressão menos profunda e rigorosa dos desejos  

incestuosos comparando à nossa sociedade, Platão, entretanto, prova não apenas o contrário disto como também que muitas pessoas eram completa

mente inconscientes de qualquer impulso do tipo (Leis,  838R). Parece que 

devemos dizer antes que o disfarce necessário do impulso proibido era rea

lizado não no interior do sonho, mas no subseqüente proccsso de 

interpretação que lhe conferia um significado simbólico inócuo. Escritores

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6 8 Os GRK iOS E O I RRAC IONAL

amigos mencionam, entretanto, o que poderíamos chamar sonhos edipia-  

nos disfarçados (Hipólito Ttept Sicaïqç 4.90, VI.658 Lillré).

106. Cf. S. Luria, “Valer und Síihne in den neucn literarischen Papyri”, Aeg yp tus.  

7 (1926) 243 sg., um texto que eonlem uma interessante coleção de provas  

sobre as relações familiares na época clássica, mas que me parece exagerar a importância da influência intelectual c, cm particular, a do sofista AntiTon.

107. G.M. Calhoun, “Zeus the Father in Homer”, TAPA  66 (1935) 1 sg. Inver

samente, gregos tardios acharam correio tratar o pai de um deles “como  

um deus”: 0eo<; (ir/iOToc, toiç <t>povoi>mv oi yoveiç (Dicaegencs, frag. 5 

Nauck); v o jí o ç y o v e w tv tooéeoDÇ Tij.iaç vc|j£rv (Menander, frag. 805 K.).

108. A doutrina do ph thonos divino tem sido freqüentemente encarada como uma 

simples projeção do ressentimento experimentado por pessoas sem suces

so diante de cidadãos eminentes da sociedade (cf. d elaborado, mas  

monomaniaco, livro de Rantilf). Não há dúvida quanto a certa dose de verdade na sua teoria. Certamente, o (JiÔovoç divino c o humano tem muito 

cm comum: por exemplo, ambos trabalham por intermédio do Olho do Mal.  

Mas passagens como a de íldt 7.46.4: 5 oe 0eoç yÀi)K''|/v yeuccíç xov  

auüvcx (j)0üvepoç sv auTCü EupiaxETrat eojv, indicam, u meu ver, para uma 

direção diferente. Lembram a observação dc Piaget de que “por ve/.es as  

crianças pensam o oposto do que querem, como se a realidade estivesse  

apostada cm não saiislazcr os seas desejos” (citado por A.R. Burn, The  

World of Hesiod, 93, que confirma esta afirmação pela sua própria expe

riência). Tal estado mental c um típico subproduto de urna cultura da culpa  em que a disciplina dom estica é severa e repressiva. Isto pode persisitir na 

vida adulta e encontrar expressão em termos quase religiosos.

109. Rolide chamou a atenção para a similar idade entre as idéias gregas a res

peito da conspureação c da purificação e as idéias da antiga India (Psyche,  

cap, IX, ti. 78). C!'. Keith.  R e li g io n and P h ilo so p h y o f Veda an d  

Upanishads,  382 sg., 419 sgs. Sobre a Itália, H.J. Rose,  Primitive Culture  

in Italy,  96 sg., Ill sg, c  II. Wagcnvoorl,  Rom an Dynamism,  cap. V.

110. Sou tentado a sugerir também que a preferencia de Aristóteles dentre os 

lemas trágicos recai sobre façanhas de horror cometidas £V tcüc, ((afocaç  (Poética,  1453h 19), c entre este s por histórias em que o ato criminoso é 

evitado no último momento por uma avocyvcúpicfiç ( 1454a4) é determina

da inconscientemente pela sua grande eficácia, como uma reação contra  

sentimentos dc culpa - sobretudo quando a segunda des lus preferências per

manece em llagrante contradição com a visão geral da tragédia. Sobre a 

calarse como ab-reação, veja capítulo III, infra.

111. Ver esp ecialm ente os livros de Kardmer, The Individual and his Society  e 

The Psych olog ical F rontiers o f Society;  também Clyde Kluckhohn, “Myths 

and rituals: a general theory”,  H arv ard TheoL Rev,   35 (1942), 74 sg, c S. de G razia. The Political Community (Chicago, ] 948) .

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D a   c u l t u r a   d a   v r r g o n h a   à   c u l t u r a   d a   c u l p a 69

112. Ver as observações excelentes de Latte,  Arch, f Reí.  20.275 sg. Como ele 

observa, a consciência religiosa não é apenas sujeita a paradoxos morais, 

mas freqüentemente percebe neles a revelação mais profunda do sentido  

trágico da vida. E podemos recordar que este paradoxo particular desempenhou um papel importante no Cristianismo: Paulo acreditava que “Ele 

endurece aquele que quer" (Rom. 9, 18), e o padre nosso inclui a súplica 

“Não nos deixe cair em tentação" (|ir| EtoeveyKTiç r||j.otç eiç 7tetpao|aov) 

Cf. a observação de Rudolph Otto sobre a ira de Deus como sua expressão  

natural (The Idea of the Holy,  18). Creio que isto é igualmente verdadeiro 

em homens como Sófocles, E a mesma “santidade” pode ser vista na arte 

dos deuses arcaicos e da primeira fase da Idade Clássica. Como disse o 

Prof. C.M. Robertson numa recente conferência inaugural (Londres, 1949), 

“são realmente concebidos com uma força humana, mas a sua divindade é  

humanidade com uma terrível diferença. Para estas criaturas sem idade e  

mortais, os vulgares humanos são como moscas para jovens travessos e esta 

qualidade é transmitida nas suas estátuas, em todo o caso até o século V".

113. Sófocles,  Am igona   583 sg. A versão que sc segue procura reproduzir a co

locação significativa da palavra-chave recorrente, atr|, e também alguns 

dos efeitos métricos, mas pode reproduzir a magnificência sombria origi

nal.

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fo j ^o<n #ííf 4<rf trt'/iBS ■VJactMsu^isfc  ío M  m    • *$¡0*1 fa  «sirínetorttaotoiaítfi# ítfejríi»bttT®íi» i  <Uítlt^^fl^'É<hi^tiwíirtS:'ii a nnüç ^ iftínniifcft V *'JW‘ *'"’'

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I l l

 A S B Ê N Ç Ã O S DA LO U CU RA

 N o estado de criação o ha ïtien i é arrancado para f o ra d e si tnesmo. 

 E le se de ix a d cscer a le o subconscie nte com o am bald e, c (¡uando é iç ado  

traz consigo algo que em con dições norm ais estaria além do sett alcance.

E, M. Forsler

í í   À bossas maiores bênçãos”, diz Sócrates no F e d r o ,   “vêm

1  V a nós através cia loucura”: Ta jieyi(Tta TC3V ayaflaw v)jitv yiYveiai Sia (auvuxç.1Eis aí um paradoxo consciente que, sem

dúvida, surpreendia o ateniense do século IV a.C. tanto quanto nos

surpreende hoje, pois sabemos que nos lempos de Platão a maioriadas pessoas via a loucura com descrédito, como uma ov£iÔoç, [inju-

riai.2 Mas o pai do racionalismo ocidental não é representado como

alguém que mantenha a proposição geral de que é melhor scr loucodo que mentalmente são, doente do que sadio. Ele completa seu pa-

radoxo com as palavras 0 e i a ¡ j e v t ü i Ôoaet 5i5o¡J£:vt |c , , “desde quea loucura seja inculcada por uma dádiva divina”, e prossegue distin-

guindo quatro t ipos de “loucura divina”, que são produzidas ,

conforme ele diz, “por uma mudança em nossas costumeiras normas

sociais, forjada de maneira divina” (tmo 0£iaç, eçaXXayriç itüv

EIG30OTCOV VO|il|iOJV).3Os quatro tipos são:1) Loucura profética, cujo deus responsável é Apoio.

2 ) Loucura ritual, cujo deus responsável é Dioniso.3 ) Loucura poética, inspirada pelas Musas.

4 ) Loucur a erótica, inspirada por Afrodit c e Eros.'1A respeito da última destas loucuras terei algo a dizer em outro

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72 Os GRIXiOS ]■O IRRACIONAL

capítulo,5 por isso não ine proponho a discutir a questão aqui. Mas

vale a pena dirigir novamente o olhar para as três primeiras, não com

o intuito dc tentar uma análise exaustiva dos latos, mas procurando

nos concent rar naquilo que pode ajudar a fornecer respostas para duasquestões específicas. Uma delas é histórica: como os gregos chega-

ram às crenças pressupostas na classificação de Platão e quanto cies

as alteraram por influencia dessa tendência racionalista? A outra ques-

tão é psicológica: ate que ponto os estados mentais denominados

como “loucura profética” e “ritual” podem ser identificados a esta-

dos reconhecidos por nossa psicologia c antropologia modernas?

Ain has as questões são difíceis, c sob muitos aspectos talvez deva -

mos nos concentrar com um veredicto do tipo nao evidente. Mas crcioque vale a pena colocar tais questões. Ao tentar lidar com elas, esta-

rei mc apoiando com toda a certeza em Rohdc, como todos nós aliás.

Foi Rohdc quem atravessou meticulo samente a maior parte do terre-no aqui percorrido, em seu grande livro  Psyche. Uma vez que o livro

se encontra facilmente disponível, tanto em alemão quanto cm in-

glês, não irei recapitular seus argumentos. Indicarei, entretanto, doisou 1res pontos de discordância.

Ames dc abordar os quatro tipos de loucura “divina” mencio-

nadas por Platão, devo dize r ai go sobre a distinção geral que ele

estabelece entre a loucura divina e a comum, causada por doença. A

distinção é, evidentemente, anterior a Platão. De Heródoto ficamos

sabendo que a loucura de Cleomencs, na quai muitas pessoas viram

unia punição por sacrilégio enviada pelos deuses, foi atribuída por

seus próprios conterrâneos aos efeitos da bebida/' Embora Heródoto

sc recuse a aceitar esta explicação prosaica no caso dc Clcomenes,ele está inclinado a explicar a loucura de Cambiscs por uma epilep-

sia congênita, acrescentando a ajuizada observação dc que quando o

corpo é seriamente afetado, não é dc admirar que a mcnie também o

seja .7 ’Panto assim que cie reconhece, por sua vez, dois tipos de lou-

cura, uma delas de origem sobrenatural (apesar dc não benéfica) e

outra ligada a causas naturais. Afinnasc que Empédocles e sua es-

cola também dis t inguí ram t ipos dc loucura, u ma brotand o ex  

 purgumento anim a  e outra causada por indisposições do corpo.8Bntretanto, isto já é uma idéia relativamente avançada. Pode-

mos, na verdade, levantar dúvidas sobre se uma tal distinção foiestabelecida ení épocas anteriores. É crença com um de povos primi

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AS BÊNÇÃOS DA LOUCURA 7 3

livos do mundo inteiro, que todos  os tipos de disturbio mental são

causados por interferência sobrenatural. A universalidade dessa cren-

ça li ao é na da s urp reen dente . Sup onh o que ela sc orig inou nas

 própr ias declarações dos vit imados por esses distúrbios, e foi manti -da por eles. Hoje em dia, entre os sintomas mais comuns dcinsanidade ilusória está a crença, por parle do paciente, de que ele

está em contato (ou se identifica) com seres ou forças sobrenaturais.

Podemos presumir que não era diferente na antigüidade. Na realida-de, um caso como o do médico Menécrates do século IV a.C., que

 pensava ser Zeus, Ibi registrado em detalhe e é tema de um bri lhante

estudo dc Otto Weinreich.'J Epilépticos têm também, c muito freqüen-

temente, a sensação de estarem sendo batidos com um porrete poralgum ser invisível. () fenômeno epiléptico, em si mesmo surpreen-

dente, dc queda repentina seguida de contorções musculares, o

rangido de dentes c a projeção da língua para a frente, tudo isso cer-tamen le desem penhou um papel na formação da idéia popular de

 pos sessão."1Não é então de admirar que, para os gregos, a epilepsi aIbsse a  “doença sagrada”  pur excellence.  Ou o que eles chamavam

Ë7TiA,TH|/ic, que, a exempío dc nossas palavras “derrame”, “acesso” e

“ataque”, sugere a intervenção de um daemon ." Devo supor, enlretanto, que a idéia dc verdadeira possessão, diferentemente da mera

interferência psíquica, derivou finalmente de casos de personalidade

alterada ou duplicada, como a famosa Miss Beauchamp que MorionPrice estudo u,13 porque, nesse caso, uma nova personalidade, nor-

malmente bastante diferente da anterior em caráter, conhecimento, e

mesmo na voz e na expressão facial, surge repentinamente para to-

mar posse do organismo, Talando de si na primeira pessoa, e da ouïra personalidade na terceira. Tais casos, relat ivamente raros na Europac nos Estados Unidos, parecem ser mais freqüentes entre povos me-

nos a v an ça d o s,1’ c tam bém podem ter sido mais co m un s na

antigüidade do que são hoje. Retornarei a eles mais adiante. Mas en-fim, a partir desse ponto a noção dc possessão iria facilmente sc

estender a epilépticos c paranóicos. Todos os tipos de distúrbio men-

tal, incluindo sonambul ismo e delírio de febre alta,11seriam atr ibuídos

a agentes demoníacos. A crença, uma vez aceita, acabou por criarnaturalmente novos fatos que a confirmariam, cm uma operação dc

aulosuges lão .15Tem sido observado muitas vezes que a idéia de possessão eslá

ausente dos escritos de Homero, e a inferência que daí sc extrai c de

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7 4 O s OREOOS E O ¡RR ACION A l .

que tai noção era estranha à cultura grega mais antiga. Podemos, en-

tretanto, encontrar na Oc/ixséia  traços de uma crença de que a doença

menta] possui origem sobrenatural. O poeta não faz referência a isso

ele próprio, mas uma ou duas vezes ele concede aos seus persona-

gens o uso de uma linguagem que trai a existência desta crença.

Quando Melanio, em forma de troça, diz a um Ulisses disfarçado que

ele es tá EKTiEJiaTCcyjJEVOÇ (“ fora do juízo” ).1* isto é. louco, ele es táusando uma frase cuja origem provavelmente implicava uma inter-

venção demoníaca , embora nos seu l áb ios possa t r a ta r se

simplesmente daquilo que descrevemos como “um pouco afetado”.Pouco mais adiante, um dos pretendentes aparece zombando de Ulis-

ses, c o chama Êjiifjaaxov cóVr|Tr[V. ETUjjacrroç (de 67U|ia io[ ia i )não é  eneonlratio em nenhum outro lugar e scu significado é objeto

de disputa; mas o sentido dc “alelado” (isto e, louco) dado por al-

guns estudiosos amigos é o mais natural c que melhor se adapta aocontex to .11 Aqui, a tncu ver c mais uma vez. a idéia de uma influên-

cia sobrenatural está implícita. Finalmente, quando Polifcmos começaa gritar, c os demais Ciclopes após perguntarem do que se trata — 

são informados de que “ninguém está tentando matálos", só lhes resta

a observação de que “a doença do grande Zeus não pode ser impe-dida", e a recomen dação de um a o ração.1" Creio que os Ciclopes

concluíram que Polilcmos é louco. Ris por que cies o abandonam aoseu deslino, A luz dessas passagens, parece bastante seguro dizer que

a origem sobrenatural da doença mental era um lugarcomum do pen-samento popular no tempo de Homero e provavelmente muito antes,

embora os poetas épicos não livessem nenhum ¡nieressc especial so- bre isso e não quisessem se comprometer em corrig ir tal ve rsão.

Podese ainda acrescentar que isso permaneceu um lugarcomum no pensamento popula r grego até os nossos dias,1*'

 Na Idade Clássica os inte lectuais podi am limiiar o espectro da

“loucura div ina” a certos li pos específicos. Uns poucos, como o autordo tardio traia do d? morbo sacro  do século V a.C., podia até chegarao ponto de negar que uma doença fosse mais “divina” do quequalquer outra, sustentando que todo distúrbio tem também causas

naturais que a razão humana pode descobrir" (7tav"ta 0£ ia r a t

TtavTCX avBpcojtiva). Mas não parece que a crença popular fossemuito afetada por tudo isso. pelo menos não lora dos poucos grandes

centros culturais de en iã o r1 Mesmo em Atenas, os que sofri am dc problemas mentais eram ainda evitados por muita geme, vistos

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A S BÊNÇÃOS DA LOUCURA 7 5

como pessoas sujeitas à maldição divina, com quem o contatoera perigoso era c o i n u m aurai pedras nessas pessoas a fim demantêlas afastadas, ou em casos mais brandos, simplesmente cuspir

nelas.32 No entanto, se os insanos eram mantidos afastados, eles tam- bém eram vistos com um respeito que beirava o medo (como ainda

hoje na Grécia),25 porque, afinai, eles estavam em contato com o mun-do sobrenatural e podiam, quando surgisse a ocasião, dispor dc

 poderes negados aos homens comuns. Ajax na sua loucura fala umalinguagem sinistra “que nenhum mortal lhe ensinou, mas sim um

d a e m o n ' f 14  Édipo, em estado de frenesi, é guiado por um d a e m o n  

ao local em que o cadáver de Jocas la o aguarda.25 Vemos, assim, por-que Platão no Timen   menciona if distúrbio como uma das eondiçoescapazes dc favorecer a emergência de poderes sobrenaturais,26 A li-nha divisória entre a insanidade comum c a loucura profética é, naverdade, difícil de traçar. E é então a essa loucura prol ética que re-

tornaremos.Platão (e a tradição grega em geral) faz de Apoio seu patrono;

e dos três exemplos de profecia que ele nos dá, a inspiração dc dois

deles (a Pitia e a Sibila) c apolínea27 (a terceira inslância ficando acargo das sacerdotisas de Zeus cm Dodona). Se porém acreditarmos

em Rohdc3* quanto a esta questão c muitos ainda ac re dit an rJ ,

Platão estava inteir amente equivocado: a loucura pro [ética era des-conhecida na Grécia antes da chegada de Dioniso era este que

impelia Pi tia ao oráculo cm Del Ins. Até então a religião apolínea,

segundo Rohde, havia sido “hostil a qualquer coisa de natureza ex-

tática” . Roll de tinha duas razões para rejeitar dessa maneira a trad iç aogrega. Uma delas era a ausência em Homero de qualquer referênciaà profecia de inspiração; a outra, a impressionante antítese que seuamigo Nietzsche havia estabelecido entre a religião “racional” dc

Apoio e a religião “irracional” dc Dioniso. Mas creio que nisso Rohdc

estava errado.Em primeiro lugar, ele confundiu duas coisas que Platão cui-

dad osame nte d istinguiu a mediação apolínea que objetiva o

conhecimento, seja do futuro ou do passado oculto; e a experiênciadionisíaca que é buscada por si mesma ou como um meio dc cura da

mente o elemento medi único estando no caso ausente ou subordi-

nado a outro elem ento .511 A mediunidade é  um raro dom de algunsindivíduos escolhidos, ao passo que a experiência dionisíaca é es

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78 O S Cl R E G O S 1 1 0 I R R A C IO N A L

ma noce ri a através da antigü idade nem mesm o os primeiros p rega-dores cristãos da patrística o questionar iam.114

A possessão profética não esteve sequer confinada aos orácu-

los oficiais. Não foram apenas figuras legendárias como Cassandra,

Báquis e a Sihila que acreditaram ter profetizado em estado dc pos

sessão"15. Pla tão ta mb ém sc refere fre qü en tem en te a profetas

inspirados, como um tipo familiar nos seus próprios tempos.4'1Cabe

destacar uma especie de ação mediúnica privada que era praticada

na idade clássica, c mesmo depois, por pessoas conhecidas como

b e i l y - f a l k e r s , e cm seguida com o “p itons” .47 Gos taria de saber mais

sobre estes b e l l y - t a l k e r s ,   um dos quais (um certo Enrieles) foi tão

famoso que chega a ser mencionado por Aristófanes c por Platão.4*Mas nossa informação mais direta remonta somente a isso: eles pos-

suíam uma segunda voz dentro deles, com a qual se podia manter

um diálogo411e predizer o futuro, que se ac reditava pertencer a um

d a e m o n .   Eles certamente não eram ventríloquos no sentido moder-

no do termo, como freqüentemente sc sugere.511 Uma referencia dc

Plutarco parece insinuar que a voz do d a e m o n   —supostamente uma

voz rouca dc b e l l y - t a l k c r    era ouvida através dos lábios destes. Por

outro lado, um comentador de Platão fala da voz como sc fosse sim- p lesm ente uma prem onição in te rna .51 Alguns es tud iosos tem,

entretanto, passado por cima dc uma pista importante qtie não ape-

nas exclui a hipótese de ventriloquismo, como sugere enfaticamente

que o que ocorre é uma situação de transe. Um estudo de caso feito

 por um médico da tradição dc Hipócrates, as  E p id c m ia e , compara a

respiração ruidosa de um paciente cardíaco a de "mulheres chama-

das b e l l y - i a l k r r s " .  Ora, ventríloquos não respiram estrepitosamente,

ao contrário dos “médiuns m odernos” que o fazem freqüentemen te.53

Mesmo sobre o estado psicológico da Pitia, nossa informação

c bastante escassa. Seria bom, em primeiro lugar, saber como ela era

escolhida c como era preparada para seu alto ofício, mas praticamente

não sabemos de nada alem do lato de que a Pitia dos dias de Plutar-

co era filha de um pobre fazendeiro, mulher dc educação honesta e

vida respeitável, mas de pouca educação formal e pouca experiência

do mundo.51 Seria bom, também, saber se ao sair do estado de transeela lembrava do que havia dito; cm outras palavras, se sua "posses-

são" ocorria em situação de sonambulismo ou de lucidez.54 Quanto

às sacerdotisas de Zeus cm Dodona. está claramente documentado

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As iïlnc / à o s   lia   l o u c u r a 7 9

que elas não eram capazes dc recordar o que haviam dito. mas no

caso da PÍLÍa não possuímos nenhuma afirmação conclusiva.55 Sabe-

mos entretanto, por Plutarco, que cia nem sempre era afetada da

mesma maneira,56 e que por vezes tudo funcionava errado, comoacontece em algumas sessões mediúnicas modernas. Plutarco relata

o caso de uma Pitia que havia entrado em estado de transe após rvuiiia

relutância, ficando deprimida com presságios desfavoráveis. Ela fa-

lava desde o começo com voz rouca, como se estivesse angustiada e

 parecia tomada por um “espíri to mau e estúpido”.57 Finalmente, cia

se precipitou para a porta gritando c caiu por terra, diante do quê

todos os presentes, e mesmo os  profetas,  fugiram em pânico. Quan-

do enfim retornaram para recolhêla, encontraram seus sentidos

recobrados .5* Mas Pitia morreria dias depois. Não há nenhum a ra-

zão para duvidar da verdade da estória, que encontra paralelos em

outras di lu irá s.5’ Plutarco provavelm ente a havia recebido cm pri-

meira mão do profeta Nicandro, seu amigo pessoal, que havia estado

 presente no momento da horrorosa cena. E importante perceber que

o transe era algo genuíno nos dias de Plutarco e que a experiência

 podia ser testemunhada não apenas pelos profetas e por alguns Uosioi ¡santos], mas também por inquisid ores /’" Em outra passagem, Plu-

tarco menciona a mudança dc voz como um traço característico do

fenômeno do “entusiasmo". Isto lambem c bastante comum em re-

gistros tardios de possessão, e cm modernas sessões de espiritismo/'1

Tomo por algo bastante seguro a visão de que o transe da Pitia

era induzido por auiosugeslão, assim como o transe mediúnico de

hoje em dia. Ele era precedido por uma serie de atos rituais: a Pitiaera banhada, provavelmente em Castalia; talvez bebesse dc alguma

fonte sagrada; estabelecia contato com o deus através de uma árvore

também sagrada (um loureiro), segurando uni galho de louro (como

Têm is é retratado em vaso do século V a.C.), ou se incensando com

folhas de louro queimadas (como narra Plutarco), ou ainda às vezes

airavcs da mastigação das folhas (como conta Luciano). Enfim, ela

sc sentava no tripe divino, criando desse modo um contato mais ex-

tenso com o deu s/’2 Todas estas práticas são procedimentos comunsdc magia c podiam muito bem auxiliar o processo de autosugestão,

mas nenhuma delas poderia 1er qualquer efeito fisiológico sobre a

 pessoa/’1 O mesmo sc aplica ao que sabemos sobre procedim ento s

em outros oráculos apolíneos beber dc uma fonte sagrada em Cia

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80 O s C .R HG OS E 0  I R R A C I O N A L

ros e possivelmente cm Brânquida, beber o sangue da vítima cm Ar-

gos/'*1No que concerne aos lamosos “vapores” aos quais esteve

imputada a inspiração da Pitia, cies são uma invenção helenística,

como observou Wilamowitz (a mcu ver antes de todos)/ ’3 Plutarco,que cunhccia os latos, percebeu as dificuldades da “teoria do vapor”e parece , ení ’iin, tela reje itado por inteiro; mas a cx emplo _dos filó-

sofos estoicos, os estudiosos do séçuk) XlX aproveitaram para erguer,

a partir daí, urna sólida explicação de caráter materialista. Tem se fa-lado menos da teoria, depois que escavações francesas mostraram quenão há tais vapores, e nem tampouco um hiante dc onde eles pode-

r iam b ro tar /’6 Ex plica çõe s desse t ipo são rea lme nte bastante

desnecessárias se um ou dois estudiosos vivos ainda as mantêm67c simplesmente porque ignoram certos dados levantados pela antro- pologia c pela psicologia.

Estudiosos que atribuíram o transe da Pitia à inalação de gases

mefíticos concluíram naturalmente que os “delírios” produzidos guar-davam pouca relação com a resposta apresentada ao inquisidor. Taisreações devem, portanto, ser produtos de uma fraude consciente edeliberada, e a reputação do oráculo deve ter se sustentado, em par-

te, sobre um excelente “serviço de inteligência” e, por outro lado,em uma vasta gama de casos forjados  p a s t e v e n t a m .  Entretanto, nãoliá nenhuma prova que sugira de modo válido que as respostas detempos anteriores fossem realmente baseadas nas palavras da Pitia

quando Cleomenes subornou o oráculo para darlhe a resposta queele queria, scu agente aproximou não o profeta ou um  Hoxioi,  mas a

 próp ria Pitia, seguindose o resulta do de sejado (sc puderm os quantoa isso confia r na palavra dc Heródoto611). Assim também, sc tempos

depois c como insinua Plutarco, os inquisidores já podiam, ao me-nos em alguns casos, ouvir as palavras da Pitia em transe, ê  que asdeclarações desta já não podiam mais scr falsificadas tão facilmente pelo profeta. No entanto, só nos rest a concordar com o professor

Parkc quando ele afirma que “a história dc Dclfos oferece mostrassuficientes dc uma política consistente para nos convencer de que ainteligência humana podia desempenhar, em algum momento, um pa- pel decisivo no processo dc trans e”/ ’0 A necessidade dc reduzir as

 palavras da Pitia a uma ordem, ligandoas ao ato de inquisição, c àsvezes (mas nem sempre)7'1colocálas cm forma de verso, eviden te-mente deu uma maior margem de ação à intervenção da inteligênciahumana. Não podemos enxergar dentro das mentes dos sacerdotes

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As H Í N C A O S D A L O U C U R A

deíficos, mas suspeito que imputaran gcral tais manipulações a urnafraude cínica e consciente é simplificar por demais o quadro. Qual-

quer pessoa familiarizada com a historia do espiritismo moderno

notará a incrível quantidade de engodo que pode ser realizada em boa fé por crentes convictos.

Seja como for, os raros casos dc claro ceticismo a respeito de

Delfos, antes do período romano, são algo muito impr essionante.71

O prestigio do oráculo deve ter estado firmemente enraizado para ter

sobrevivido ao escandaloso comportamento das guerras médicas.

 Nesta ocasião Apolo não demonstrou nem presciencia, nem patrio-

tismo, mas mesmo assim scu povo não lhe virou as costas com des-

gosto. Ao contrário, suas tentativas desastradas para ocultar seu rastro

e ingerir suas palavras parecem 1er sido aceitas sem questionamen-

to.7 A meu ver. a explicação para isto deve ser buscada nas condi -

ções soeiais e religiosas descritas no capítulo precedente. Em uma

cultura da.cujpa. a necessidade de se assegurar pelo sohrenalural, de

t*m» autoridade transccn_dente._parecc sc extremamente Ibrte. Mas a

Grécia não possuía nem uma Bíhlia. nem uma igreja71 eis por que

Apoio, vigário do pai celeste sobre a te rr a,74 surgiu para preencher ovazio. Sem Dellbs a sociedade grega mal teria conseguido suportai

as tensões às quais estava sujeita a era arcaica. A esmagadora atmos-

fera dc ignorância c de insegurança humanas, o horror do  ph/hoiios 

divino e do miasma — o peso acumulado de tudo isso teria sido insu

 porlávcl sem a segurança que um conselheiro divino onisciente po-

dia oferecer, segurança de que por detrás do caos aparente havia

conhecimento c finalidade. “Sei a conta dos grãos dc areia e as me-didas do mar"; ou como diria um outro deus a outro povo: “cada ca-

 belo dc sua cabeça está numerado”. Do alto de seu conhecimento

divino, Apolo seria capaz de dizer o que fazer quando alguém se

sentia ansioso ou temeroso; ele conhecia as regras do jogo com-

 plicado que os deuses jogam com a hu man idade; ele era o supremo

aÀ£^iK(XKOÇ (“aquele que adverte sobre o mal”). Os gregos acre-

ditavam no seu oráculo, não por serem tolos supersticiosos, mas

 porque não podiam viver sem acreditar. E j;u s pgit_o_a_inda que a ra-

zão pmicipaldad&felHWuilcJjcljos, ocorrido, no período helenístico,

ccaj)^^>!i»^™osurgijnenLo dc outras formas de asseguramento re-

ligioso.

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SÍ2 Os GR1ÏÜ0S H O IRRACIONAL

Tudo isso vale para a loucura profética. Q uan io aos ou iros ti-

 pos de loucura descri tos por Platão, creio poder abordá los de maneira

 breve. No que tange àquilo que Platão chama de loucura ritual, L i m a

grande luz foi lançada a partir de dois textos recentes do professorLinforlh.™ Não será necessário repetir aqui o que ele já disse melhor

do que eu. Nem sequer repetirei o que eu próprio disse, cm artigo

 publicado ante riormente,77 a respeito daqui lo que assumo ser o pro-

tótipo da loucura ritual a dionisíaca ope iPa otc c. a “dança da

montanha”. Gostaria entretanto de fazer algumas observações dc ca-

ráter mais genérico.

Sc minha compreensão do ritual dionisíaco dos primordios está

correta , a função social deste era essencialmente ca tárti ca,7* em sen-tido psicológico tratavase de purgar o indivídu o de impulsos

irracionais infecciosos que, uma vez invocados, davam margem, como

em outras culturas, a efusões dc dança ininterrupta c a outras mani-

festações de histeria coletiva. O ritual proporcionava assim uma

descarga c um alívio. Se isso é verdade, Dioniso representava uma

necessidade social tão grande quanto Apolo para o período arcaico.Cada um deles cuidava, a scu modo, das ansiedades características

de uina cultura baseada na culpa. Apoio prometia segurança; “En-tenda sua condição humana, faça como lhe diz o Pai c você estará

seguro no dia de amanhã.” Dioniso oferecia liberdade: “Esqueça a

diferença c você encontrará a identidade, unasc ao títaaoç [grupo

de pessoas alegres, celcbradores do deus Dioniso] e você será feliz

no dia de hoje.” Hste último deus era essencialmente um deus de ale-

gria. 7coX,uyr|0T|Ç como Hesíodo o denomina; j({xp[j(x [3 pOTOtatv

como diz Hom ero .71' E sua alegrias eram acessíveis a todos, incluin-do escravos e homens livres afastados dos cultos dc pessoas idosas.*1'

Apolo, por sua vez, circulava apenas em meio à alta sociedade, dos

dias em que ele era patrono de Heitor até quando ele passou a cano-

nizar atletas aristocráticos. Mas Dioniso foi por todos os períodos

ÔT|(J.OTtKOÇ, isto é. um deus do povo.

As alegrias dc Dioniso eram de espectro extremamente varia-do: dos prazeres simples do homem rústico no campo, dançando sua

 jiga com peles dc bode ensebadas, ao œjiocpayoc, x a Pl Ç Icharme an-tropofagia)] do êxtase bacanal. Nos dois níveis, bem como nos níveis

intermediários, Dioniso é Lusios, "o libertador”* deus que, por nicios

mais ou menos_simples, confere ao homem o poder de deixar dc ser

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A s BÊNÇÃOS DA LOUCURA

glevnesmo por um curio perfodo jJ e te m p o , tornandoo assim livre.

Este foi, na minha opinião, o principal segredo de seu poder de se-

dução na era arcaica; não apenas porque a vida neste período era

freqüentemente algo do que os homens queriam se livrar, mas demodo mais específico, porque o indivíduo, tal qual o mundo moder-

no conhece hoje, já começava a emergir pela primeira vez nessa

época, a partir do ideal dc solidariedade familiar,*1encontrando no

 peso da respons abilidade individual algo difícil de suportar. Dioniso

 podia relirar tal peso por sei afinal de coulas o mestre das ilusões

mágicas, capaz de lazer a vinha nascer da prancha de uma embarca-

ção, e de fazer seus devotos enxergarem o mundo como ele não é.S2Como os cítios afirmam na ohra dc Heródoto, “Dioniso leva as pes-

soas a se comportarem loucamente” o que pode significar desde

“deixarse levar” ate “ser possuído”.w O objetivo do culto ao deus

era o êxtase  que ainda aqui poderia significar desde “sair de si”

até uma alteração mais profunda da personalidade.*'1Enfim, sua fun-

ção psicológica era satisfazer e aliviar o impulso dc rejeição da

 personalidade , impulso que existe em todos nós c que pode se to r -

nar. sob certas condições sociais, um desejo de força irresistível.Podemos enxergar o protótipo mítico desta espécie dc cura homeo-

 pática na estória dc Melairtpo, que cura a loucura de uma mulher

argiva “com o auxílio dc gritos rituais e uma dança de possessão .”*5

Com a incorporação do culto dionisíaco à religião civil grega,

a função supracitada seria gradualmente recoberta por outras.*6 A tra-

dição catártica parece ter sido continuada, dentro dc certos limites,

 por as sociações dionisíacas particulares,*7 mas, no essenc ial , a curados atormentados passa na Idade Clássica para outras formas de cul-

to. Há du as listas dc poderes que o pensamento popular do final do

século V a.C. vincula a distúrbios mentais c psicofísicos, c é bastan-

te significativo que Dioniso não figure em nenhuma delas. Uma delas

aparece no  H ipóli to , a outra no ele morbo sacro.u   Ambas as listas

incluem Hécate c a “mãe dos deuses” ou “mãe da montanha” (Cibe-

le). Eurípides acrescen ta o deus Pans‘J c os coribante s; Hipócrates

inclui Poseidon, Apolo, Nômios e Ares, assim como os “heróis” quesão simplesmente os mortos indómitos ligados à figura de Hécate.

Todos são mencionados como divindades que causam   problemas

mentais. Supunhase que todos podiam curar o que haviam causado,

sc sua ira fosse convenientemente apaziguada. Mas em torno do sé

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84 O s CîRKCîOS K O IRRACIONAL

culo V a.C. os coribantes haviam desenvolvido, a seu modo, um ri-

tual especial para o tratamento da loucura. Parece que a “mãe dos

deuses” havia agido da mesma maneira (se é verdade que seu culto

era na época distinto do culto dos coribantes),™ e lalvez Hécale tam - bém,1,1 Porém, a respeito dcsies cultos não possuímos nenhuma

informação detalhada. Do tratamento coribântico sabemos alguma

coisa. Como a análise paciente dc Linforth veio dissipar muito da

névoa que encobria o assunio, conteníarmeei em salienlar alguns

 poucos pomos que ajuda rão a re sp onder cer tas pe rgun tas que lenho

em mente.1) Podemos notar inicialmente uma semelhança essencial cnlre

a cura coribânlica e a cura dionisíaca. Ambas afirmam operar umacatarse por meio de uma dança “orgiástica" infecciosa, acompanha-

da por música do mesmo gênero melodias à maneira frigia, tocadas

com flauta c tambo r especial .02 Parcce correta a inferência dc que os

dois cultos alrafam lipos psicológicos semelhantes, e produziam rea-

ções psicológicas lambem similares. Destas reações não possuímos

infclizinciile nenhuma descrição precisa, mas elas são certamente sur

 precndcnlcs. Segundo o testemunho de Plalão , os sintomas de oi

KOPUIÍOCVTUOVTEÇ I transporte coribânticol incluíam ainda acessos dcchoro e violenta taquicardia,0' esta acompanhada de distúrbios men-

tais. Os dançarinos ficavam “fora dc si” a exemplo dos dançarinos

dc Dioniso, e aparentemente entravam numa especie de transe.'’4Aqui

devemos lembrar a observação dc Teolrasto de que a audição é o maisemotivo (TUxOtTiKüra/.riiv} de Lodos os sentidos, e também os efei-

tos mora is singulares que Platão atribui à música.05

2 ) Diz Platão que a doença que os coribantos afirmavam seremcapazes de curar consistia em “fobias e sentimentos de ansiedade

( Seiji œrex) brotando de condições mentais dc t ipo mórbido” .06 A des-

crição é bastante vaga e Linforlh está, sem dúvida, cerlo ao dizer que

a antigüidade não conhecia nenhuma doença específica ligada ao

“C oribantismo”.1" Sc pudermos confiar no que diz Aristides Qui lili-

lí ano. ou em sua fonte peripatética, veremos que os sintomas que

encontraram relevância dentro do ritual dionisíaco cram dc mesma

natureza.0* É bem verdade que certas pessoas tentara m distinguir en-tre diferentes tipos dc “possessão", alravcs dc suas manifestações de

extravaso, como em uma passagem do dc morbo  sacro"9 Mas o les-

te real parece 1er sido a resposta do paciente a urna forma particular 

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A S BRNÇÀOS DA LOUCURA 85

de riiual: se os ritos de um deus X eram eapaz.es de eslimulálo e

 produzir calarse, isso deixava claro que seu problema era devido ao

mesmo X;ltKI se por outro lado ele não reagia, a cura devia estar em

outro lugar. Como os velhos senhores da paródia de Aristófanes, se0 homem não respondesse a Coribantes, poderseia tentar Hécate ou

retornar ao clínico geral Asclép ios.11,1 Platão nos conta no  Ion  que

01 tcopupavTicovTtx “têm o ouvido apurado para apenas um tipo dc

melodia, exatamente aquele tipo que pertence ao deus através do qual

eles são possuídos, e a esta melodia eles reagetn livremente por meio

de gestos c de falas, ignorando todas as outras melodias”, Não tenho

certeza sc ot Kopi ipaviuovTEÇ está sendo usado aqui sem rigor, como

um lermo geral para designar “pessoas em estado dc ansiedade” que

tentam um ritual atrás do outro, ou se a expressão significa “aqueles

que tomam parte no ritual coribântico”. No segundo caso, o desem-

 penho coribântico deve ter incluído tipos diferentes dc música

religiosa, introduzidos com objetivos de fornecer um diagnóstico.

Mas de qualquer maneira a passagem mostra que o diagnóstico era

 baseado na resposta do paciente ã música. E o diagnóst ico era o pro-

 blema essencia l, como cm todos os casos dc “possessão” —uma vezque o paciente soubesse que deus estava lhe causando incômodo, ele

estaria apto a apaziguálo através dos sacrifícios apropria dos.1111

3 ) O procedimento completo, e os pressupostos sobre os quais

ele sc baseava, são altamente primitivos. Mas não podemos descartá

los (este é o último ponto que eu gostaria dc ressaltar) nem como

uma banal forma dc atavismo nem como um capricho mórbido dc

alguns neuróticos. Uma frase fortuita de PlatãoIIMparece, por exem-

 plo, sugerir que Sócrates havia tomado parte em ritos coribânticos.

Isto mostra com certeza, e como observou Linforth, que joven??inte-

ligentes e dc boa família podiam perfei tamente participar de tais ritos.

Se o próprio Platão aceitava todas as implicações religiosas do ritual

é uma questão aberta a ser considerada mais adiante,1115mas tanto ele

quanto Aristóteles a encaravam pelo menos como um instrumento

útil dc higiene social eles acreditavam que a prática  funcio nava,  c

funcionava para o bem dos que p artic ipavam.1"6 Na verdade, méto -dos análogos parecem 1er sido util izados por leigos, na época

helenística e romana, para o tratamento dc certos distúrbios mentais.

Algumas formas de catarse musical haviam sido praticadas por pita-górico s no século IV a.C. e talvez antes m esmo ,"17 mas a esc ola

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86 O s G R H i O S E O IR RA CION A L

 peripatét ica parece ter sido a primeira a es tudála à luz da lísiolog ia

e de uma psicologia das em oç õe s.11"4Como Platão, Teofrasio acicdi

tava que a música era boa para estados de ansiedade.llwNo sccuio I a.C.

encontramos Asclepiades, médico romano da moda, tratando doen-tes mentais por meio de “sinfonia” ; e já na era dos Antoninos, Sorano

menciona a músic a de flauta entre os métodos utilizados em seus dias

 pa ra o tratamento de depressão ou daquilo que chamaríamos hoje de

histeria .11" Assim, a velha catarse mágicorelig iosa foi atinai desta-

cada de scu contexto religioso e aplicada ao campo da psiquiatria

laica a fim de suplementar o tratamento puramente físico que os mé-

dicos hipocráticos usavam.

Resta o terceiro tipo de loucura “divina” mencionado por Pla-tão, que ele define como “possessão (m TO iao xn) através das musas”,

e declara ser indispensável para a produção do melhor gênero de poe-

sia. Quão antiga é esta noção, e qual a conexão original enüc os

 poetas e as musas?Uma das conexões remete, como sabemos, de volta à tradição

épica. Foi uma musa que tomou dc Demodocus sua visão corporal,

dandolhe em troca por amor, algo melhor o dom da canção.’" E

também pela graça das musas, como diz Hesíodo, que alguns homenssão poetas; assim com o é pela graça de Zeus que outros são reis .113

Podemos garantir que isto não traduz ainda uma linguagem oca. ser-

vindo apenas de cumprimento formal aos poetas, como será o caso

 posteriormente, mas que se trat a de uma linguagem com conotaçõe s

religiosas. Até certo ponto o significado disso é bastante simples:

como todas as realizações que não dependem totalmente da vontade

humana, a criação poética contém um elemento que não é “escolhi-do” , mas sim “concedido” .111 Parao grego antigo, dizer que a piedade

é “conc edida” quer dizer que ela é “divinamente concedida” .114 Não

fica muito claro cm que consiste este elemento “concedido”, mas se

considerarmos as ocasiões em que o poeta da ilíada   apela às musas

 para ob ter ajuda, veremos que o elemento em ques tão concerne ao

conteúdo e não à forma. O poeta sempre pergunta às musas o que

ele deve dizer, nunca como deve dizêlo c as questões são sempre

de fato. Inúmeras vezes ele pede informação sobre batalhas impor-ta nt es .11* Nu ma delas ele invoca as musas de mod o bastante

elaborado, suplicando por inspiração a respeito de uma lista para a

formação do exército —“porque vocês são deusas, assistindo a todas

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A s BÊNÇÃOS DA LOUCURA 8 7

as coisas, sabendo todas as coisas, enquanto sabemos apenas por ouvir

Talar, sem verdadeiro conhecimento de causa”."6 Estas palavras ávi-

das por ajuda possuem o halo da sinceridade; o primeiro homem a

usálas sabia da falibilidade da tradição e se semia incomodado porisso. Ele queria provas diretas das verdades transmitidas. Mas numa

época sem documentos escritos, onde encontrar tais provas diretas?

Assim como a verdade sobre o futuro só seria atingida se o homem

entrasse em conlato com um conhecimento mais amplo, a verdade

sobre o passado também só poderia ser preservada em condições si-

milares. Os repositórios humanos de tais verdades (os poetas)

 possuíam (a exemplo dos videntes) recursos técnicos próprios , certotreinamento profissional, Mas a visão do passado, como a intuição

quanto ao futuro, permanecia uma faculdade misteriosa, apenas par-

cialmente sob seu controle, dependente, em última instância, da graça

divina. Através dessa graça, poeta e vidente podiam ambos usufruir

de um conhecimento,17que era vedado a outros homens. Em Home-

ro as duas profissões são bastante distintas, mas temos boas razões

 para crer que certa vez elas haviam es Lado unidas, "* pois a analogia

entre as duas profissões continuava ainda a ser sentida.

Portanto, o dom das musas (ou um dos seus dons) é o poder

da fala verdadeira. E exatamente o que elas diziam a Hesíodo quan-

do este ouvia suas vozes no Helicon, embora elas afim i tis sem poder

contar também uma série de mentiras j¡mitandjj_a_ verd ad eJ19 confor-

me a ocasião. Não sabemos que mentiras específicas as musas tinham

cm mente, mas elas talvez quisessem insinuar que a verdadeira ins-

 piração da saga estava fadada ao fracasso como uma mera invenção o tipo de invenção que podemos ver nos trechos mais recentes da

Odisséia.  Seja como for, era uma verdade detalhada e factual que

Hesíodo buscava; fatos de tipo novo, que lhe permitiriam reunir as

diversas tradições sobre os deuses e preencher a história com os no-

mes c relações necessárias. Hcsíodo tinha paixão por nomes, e quando

 pensava em um novo, não o encarava como algo inventado, mas como

algo que a musa havia lhe concedido. Ele sabia ou esperava que aqui-lo fosse “verdadeiro”. Na realidade ele interpretava um sentimento

 par ti lhado por muitos outros escriloresl3I1(o sentimento de que a cria-

tividade não c um trabalho emanando do ego)  em termos de um

modelo tradicional de crença.

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88 Os GfŒGOSfi

  O [RRACIONAI,

Tamtiém Pin d aro pedia à musa: “Dême um oráculo e eu serei

scti portavoz (Ttpo^axewco)” .121 Aqui, as palavras utilizadas são ter-mos técnicos dc Delfos. Nelas está implícita a velha analogia entre

 poesia e adivinhação. Mas é preciso observar que é  a musa e não o poeta que desempenha o papel dc Pitia. O poeta não pede para ser

“possuído” mas apenas para agir como intérprete da m us a12 encan-

tada. Isto p arece refletir uma relação original. A tradiçã o épie a

representava o poeta como capaz dc retirar das musas um conheci-

mento acima do normal, porém não como alguém em estado de êxtase

ou mesmo possuído pelas musas.

 Não há indícios da noção dc poeta “enlouquecido”, compondo

em estado de êxtase, antes do século V a.C. E claro que ela pode serate mesm o anterior, já que Platão, por exemplo, chamaa dc uma ve-

lha estór ia, Tta Xatoç (JuQoç.123 Da min ha parte eu diria que se trata

dc um subproduto do movimento dionisíaco, enfatizando, por sua vez,a importância de estados mentais anormais, que não seriam meros

caminhos para « conhecimento, mas sim algo válido por si m esm o.1M

Mas o primeiro escritor de quem temos conhecimento a falar sobre

êxtase poético é Demócrito, que defendia a tese de que os melhores

 p o e m a s e ram co m p o s to s | . l e t ’ e v ô o u a i a o ^ o u ç Koa i c p o u

TweuiuaTOÇ isto e, “por inspiração e num sagrado murmúrio” ,

negando ainda que alguém pudesse ser grande poeta  sine furore . 125

Como enfa tizaram alguns estudos mais recentes,12'’ e mais a Dcmó

crito do que a Platão que devemos atribuir o crédito duvidoso de ter

introduzido na teoria literária esta concepção do poeta como um ho-mem à parte da hu ma nid ade ,127 devido a uma exper iência interior

anormal, e esta outra concepção, da poesia como revelação para aleme acima da razão. A atitude de Platão diante de tais afirmações foi,

na verdade, bastante crítica mas isso e assunto para outro capítulo.

N o t a s   d o   c a p í t u l o   III

1. Platão,  M r o ,   244A.2. (h id., 244KS: tcov n a k a i t í i v   o i t a o v o ^ c a a t i S s ^ e v o i o u k o t o x p o v  

tiyo uv to üdSe ov ëiS oç [.u m av , implicando que, ¿mifílmente, o povo o con

sidera otKïxpov. Hipócrates, morh. sacr.  12. tala da a io ^ w ii

3. Ibid.. 26 5A.

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As BÊNÇÃOS DA LOUCUkA 89

4. I hid., 265 B. Cf. A descr ição completa dos três primeiros tipos, 244 A-24 5 A.5. Cf. cap. V il lidiante.

Ci. ! leródoto 6.84 (cf. 6.75.3).

7. Ibid., 3.33, Cf. também Xenofonte ,  Mein.  3.12.6.

8. Cae] i us Aurelianus, de t norms citron te is   1.5 = Diles, Vorsokr.  31A 98, Cf.

A. Düiattc,  L es co n cep tion s de l'e n th o u siasm e chez tes p h ilo so p h es  

 présocra tiques, 2 1 sg. Mas é impossíve l ter certeza de que a doutrina remeta ao próprio Empedocles.

9. O. Weinreich,  M enekrate s Zeu s uncí Salm oneus  (Tiib inger Bel trago zur 

Altertumswissenschalï, 18).

10. Sobre a confusão entre epilepsia c possessão no pensamento popular, cm di

versos períodos, ver a monografia história extensiva dc O. Temkin, The 

Falling Sickness  (Baltimore, 1945), 15 sg., 84 sg., 138 sg. Muitas descrições medievais e renascentistas al lamente vividas dos "demônios" são repletas 

de sintomas característicos dc epilepsia, por exemplo, a língua projetada 

“com o uma tromba de elefante", "prodigiosamente grande, longa e pendura- ÚCl 

da para fora da boca"; o corpo “totalmente tenso e rígido, com scu pé próximo | ;

à cabeça”, “inclinado para trás como um arco’’; c uma involuntária liberação '  

de urina ao final (T.K. Oe st errei eh,  Possessio n Demoniaca l and Other. Tra

dução inglesa, 1930, p. 18, 22, 179, ¡81, 183). Tudo isso era conhecido dos 

médicos racionalistas gregos como sintomas de epilepsia: ver Aretaeus, de  q S  causis el sigttis acularían morhorum.  1 sg. Kiilin (que também menciona o f-—  sentimento de ser sovado). « è í 

11. Heródoto 4,79.4: o 0e oç á « u ¡3o:v e t   c   o s   adjetivos 05\j(i(JioÂt]jiToç, 

9iLÛÀi)TtTOÇ. Cuniont,  L ’Egypte des astro logues ,  169, n. 2. Mas Ë7tiXi)HTOÇ

 ja era conhecid o no de morbo sacro  sem qualquer implicação religiosa, g  

Aretaeus, op. cit., 73 K, dá quatro razões do porquê da epilepsia ser chama-  Ll j  

da tE.pcí V0C70Ç: a) ñoiceET l o t a i eç Ti)v cjeA.r|vr|v aX tx p ota t^ —  

retJuk-VEiatai T| vo u a o ç (uma teoria helenística, cf. Tem kin, op. cil., 9 sg ._ ~ ?

90 sg,); b) r| f.i£y£0oç xou koikoi) tEpov yap to jieya; c) r| iqoioç  avepcomvriç o.XXa ÔEtriç (cf. morh. sacr.  1, Ví.352,8 Littré); d) r\  Saij.i7t v o S  

5o^r|ç eç Tov avepcoreov e oo So u. A última era, povave 1mente, a razão or?"*  

ginal, porém o pensamento popular sobre (ais assuntos tem sido sempre vago  

c confuso. Platão, que não acreditava no caráter sobrenatural da epilepsia, 

defendeu porém o termo ie p a v o croc, por ela afetar a cabeça que é a parle 

“sagrada” do homem (Timen, 85AB). Ela lambcm é chamada “heiliges Weh” na Alsácia,

12. Morton Price, The Dissociation o f a Personality.  Cf, também P, Janet,  L'automatism e psycholo giq ue; A. Binet,  Les altérations de la personalize;

Sidis e Good hart.  Multip le Personality;  F.W.H. Myers,  Human Personality. 

cap. II. A significação destes casos para a compreensão das idéias antigas  

de possessão foi enfatizado por E. Be van,  Sybils and See rs ,  135 sg., e era 

também apreciada por E. Rohdc (Psyche,  App. VIH).

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9 0 O s GREGOS E O IRRACIONAL

13. Cf. Se l i g man,  JR Ai   54 (1924) 261: “entre os povos mais primitivos de que 

tenho conhecimento pessoal ... observei mais ou menos por toda a parte a 

tendência a uma pronta dissociação da personalidade”.

14. O de m orbo saciv   se refere a sonambulismo (c. 1, VI.354.7 Littré) e diz-se 

que c causado, na opinião de curandeiros mágicos, por Hécate e pelos mor

tos (ibid., 362.3), Os fantasmas tomam possessão do corpo vivo que seu 

ocupante deixa vago durante o sono. Cf. trag. adesp.  375: Evimvov (j>av- 

Tacrjia i|>oJ3r| xOovictç 6 Ekoíttiç kíú|1ov e&Çtt}. Sobre a origem sobrenatural 

da febre, cf. as divindades da febre HjiioAt|Ç, Tiífmç, Evotocç (Didymus apud  

£ Ar, Vesp.  1037); o Tem plo da Febre em Roma, Cic.  N.D. 3.63, Plinio,  N.H.  

2.15 e supra, cap. II, nota 74.

15. Cf. Osterreich, op. cit., 124 sg.

16. Odisséia,  18.327. Na lliada,  por outro lado, tais expressões como ek Se ui  

riv io x oç 7t T]Yn (bpevocç (13.3 94 ) não implicam nada de sobrenatural: a con

dição temporária de condutor do terror estupefato tem uma causa normal. 

Na litada, 6. 20 0 sg ,, Bel ero fon te é visto com o mentalmente atingido peios  

deuses, mas a linguagem empregada é vaga.

17. Odisséia,  20.377. Apoll. Soph,  Lex. Horn. 73.30 Bekker explica srupacTOÇ  

como EJtinXiiKTOç, Hesychius co m o Cf. W. Havers,  Indo -germ. 

Forschungen, 25  ( 1909) 377 Sg.

18. Odisséia,  9.41Osg. Cf. 5.396: aTu-ytúpoç Sê o i  expae Sai^tCDv; aí, contudo, a doença parece ser física.

19. Ver B. Schmidt, Volksleben dei Neugriechen, 97 sg.

20. Hip.,  De m orbo sa cro   18 (V1.394. 9 sg. Littré). Cf. aer. aq. ioc.  22 (II. 76. 

16 sg!  L.), que talvez seja um trabalho do mesmo autor (Wilamowitz, Berl.  

 Sitzb ,  1901, 8, 16), ñ fla t.   14 (VI. 110L,). Mas mesmo as opiniões médicas  

não eram unânimes sobre este problema, O autor do hipocrático  Prognosiikon 

parece crer que certas doenças têm “algo de divino” (c, 1, II. 112.5 L.). Ape

sar do que afirma Nestle, Gríech, Studien,  522 sg. isto parece ser uma visão 

diferente com relação ao de morbo sacro',  doenças “divinas” são um grupo  

especial que é importante que os médicos detectem (pois são incuráveis por 

meios humanos). E o tratamento mágico da epilepsia nunca desapareceu de  

fato. Na antigüidade tardia, Alexandre de Traies conta que amuletos e recei

tas mágicas são utilizadas por “alguns”, sem sucesso, no tratamento desta  

doença (1.557 Puschmann).

21. Sobre a qtiestão do escravo Aristófanes, Vespas 8; (X^A ti Jtapa<j)Oveiç ereov  

ri KOpupavTiaç; talvez implique a distinção entre loucura “natural" e “div i

na”. Mas a diferença entre Jtap œfipov eiv e KOpufkmuxv pode ser apenas de grau, sendo a perturbação mental mais leve atribuída aos Coribantes (infra).

22. Aristófanes,  Aves  524 sg. (cf. Plauto,  Poenulus  527); Teofrasto, Caráleres 

16 (28 J.) 14; Plínio,  N.H.  28.4.35 “despuimus comitiales morbos, hoc est, 

contagia regerimus” e Plauto, Captivi  550 sg.

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A s BÊNÇÃOS DA LOUCURA 91

23. “A perturbação mental, que me parece ser ex ces si vam eme comum entre os  

camponeses gregos, coloca o paciente não apenas à parte dos seus semelhan

tes, mas, em certo sentido, acima deles. As suas afirmações são recebidas 

com um certo temor e, mal são compreendidas, são tomadas como profe

cias" (Lawson,  M odem Greek Foíkore and Ancien t Religion,   299). Sobre 

os dons proféticos atribuídos aos epilépt icos, ver Temkin, o p. cit., 149 sg.

24. Sófocles,  Ajax   243 sg, É uma crença difundida entre povos primitivos que  

pessoas em estados mentais alterados falam de uma linguagem “divina'’ es

pecial; cf. Oesterreich, op. cit., 232, 272; N.K. Chadwick,  P o etry and  

 Prophecy,  18 sg., 37 sg. Comparar também com as pseudo-línguas faladas 

por certos automalistas e entusiastas de religião, dos quais diz-se freqüente

mente que, como Ajax, eles aprenderam “dos espíritos” {E. Lombard,  De Ia 

 glo ssola lie chez le s prem iers chrétiens et le s phénom ènes similaires, 25  sg,).25. Sóf ocles,  Édip o em Colon a  1258: Xuaocov t t 8 a ux f f i Saijiovûw Se i k v u c i  

t i ç   O mensage i ro p rossegue e d iz que Éd ipo foi  “ le vado ” ao lugar certo

( 1260, iûç txf i r iYr imu Ttvoç). Em outras palavras, ele recebe o crédito por

uma c lar iv id ên c ia tem porár ia de or igem sobrenatura l.

26. Platão, Time i t ,   71E, Aristóteles, div. p. somn.  464' 24: e v i o d ç t í ú v

EKOTOlTLKtOV TCpOOpOCU.

27. Heráclito, frag. 92 D: SipuXXa Se [ionvoevw CTTO|icm c/.YsXaoxa kou  

otmAAawuara kcu ajauptaxa <(i0£yyon£vr| x^lcúv etüív e^tKveiiai xr| 

<ti(üvri õiot Tov 0eov, O contexto do fragmento de Plutarco (Pit. or.  6, 397A) 

deixa praticamente certo que as palavras ôtct t o v  ôeov são parte da citação 

e que o deus em questão é Apoio (cf. Delatte, Conceptions de ('enthousiasme,

6, n. 1).

28. Rohde,  Psyche .  260, 289 sg.

29. A visão dc Rohde e assumida, por exemplo, por Hopfner em P.-W. s.v.  

H(Xvtikt|; E. Faschcr, I) poi^Triç, 66; W. Nestle, Worn Myihos zuni Logos, 

50; Oesterreich,  P ossess ion ,  311. Contra'.  Farnell, Cults,  IV, 190 sg.; 

Wilamowitz, Claube (1er Hellenen,  11.30; Nilsson, Geschichte,  1,515 sg.; Latte, ‘The Coming of Pythia’\  Hcirv. Theot. Rev.  33 (1940) 9 sg. O profes

sor Parke (History of the Delphic Oracle,  14) se inclina para a opinião de 

que Apolo assumiu o controle da Pitia cm Delfos em virtude de seu sexo  

(esperaríamos que Apolo tivesse um sacerdote), mas creio que este argumento  

é adequadamente revisto por Latte.

30. Eurípides faz Tircsias afumar que Dioniso é, entre outras coisas, o deus da  

profecia extática (Bacantes,  298 sg.) e por Heródoto 7.111 sabemos que o 

transe medí único da femea foi realmente praticado no oráculo trácio, em  

Satrae (cf. Eurípides,  Hec. 1267, onde ele é chamado 5 0pr|ïji paviiç). Mas 

na Grécia ele encontrou um deus mântico já em possessão e parece, assim, 

ter-se demitido desta função ou, de qualquer forma, permitiu-lhe que ficasse 

em segundo plano. Na era romana havia um oráculo extático com sacerdote

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92 Os g r i î g o s   r: o i r r a c i o n a l

masculina  em Fócis (Pausânias 10.33.11, 1G   IX. 1.218) 0  o culto apresenta 

traços orientais (Latte, loe. cit.,  11).

31. Phoenicia: Gressmann,  A ltorienta lische Texte u. BUder zum A. T.,  1,225 sg. 

Hittites: A. Gotze,  Kle in asia ti sche Farschungen,   1.219, Ü,R, Gumcy, “Hittite 

Prayers of Mursili II”,  Liv erpool Annals,   XXVII, CI". C.J. G add,  M eas of  

 Div in e Rule in the Ancien t Fas!  (Schweieb Lectures, 1945), 20 sg. Há ainda 

uma série dc oráculos assírios, datando do reinado de Esarhaddon nos quais 

a deusa Ishtar fala através da bota de uma sacerdotisa (em transe?) cujo nome 

é dado; ver Guillaume,  Prophecy and Div ination among she Hebrews and  

Other Semites, 42 sg, Como o 0EopavT£lç cm Platão, Apol. 22C, diz-se que  

lais profetas “produzem aquilo que não sahem” (A. Haidar,  Associa tions o f  

Culi P roph ets among the Ancien! Se miles,  25). Gadd crê que a profecia ex

tática e cm geral mais antiga do que a adivinhação como arte ("os oráculos  e a profecía tendem a solidificar-sc com práticas de adivinhação formal”); e  

Hal Ii day é da mesma opinião (Greek Divination,  55 sg.).

32. Nilsson, Greek Po pular Religion,  79, seguindo B. Hrozny,  Ach Or.H   (1936) 

171 sg. Infelizm ente a leitura de “Apulunas" que Hroztiy afirma ter decifra

do de uma inscrição hieroglífica hitita é contradita por outros estudiosos  

competentes; ver R.D. Barnett,  J tlS   70 ( 1950) 104.

33. Cf. Wilamowitz, “Apollon”,  Hermes  38 ( 1903) 575 sg.: Glatibe, 1. 324 sg. e 

[para os que não lêem alemão), sua versão inglesa de Apoio ( 1908), traduzida por Murray.

34. Claros, Paus. 7.3.1; Branchidae (Didyma), ibid., 7.2.4. Cf. C. Picard,  Eph'ese 

et Clams,  109 sg.

35. Cf. a discussão de Farnell Cuits,  IV. 224. A antiga c videncia é coletada ibid., 

403 sg.

36. Heródoto I .i 82. Cf. A.B. Cook,  Zeus,  11. 207 sg. e Latte, loe. cit.

37. Assim Curti us, M eillel, Boisacq, Hofmann. Cf. PlaiQo, Fedro,  244C. Euri

pides,  Bacante s 299.

38. Odisséia,  20.351. Não posso concordar com Nilsson, Gesch.  1. 154 e com o 

que ele alïrma da ccna (“clichterisches Schaucn, nichl das sogenannte zweite  

Gersicht”). O paralelo com o simbolismo da visão céltica, referido por Monro 

ad loe.,  parece muito provavelmente acidental. Cf. também Bsquilo,  Etanê- 

nides 378 sg.: toiov em kvei}i«ç rxvSpi p uoo\)ç-irETtOTcaca, kcci Stootjispa.v 

Tiv t x / X w   m m Sfflpcaoç « u S a x a u n o X v a i o v o q   (ficraç e para simbólica  

visão de sangue, Heródoto 7. 140.3 e a passagem de Plutarco mencionada  

na próxima nota, bem como  Nja ts Saga,  c, 126.

39. Plutarco,  Pirr.  31: sv tt¡ toXei. t(0V ApyeuüV r| to \) A lim o u TtpO(|)T|TiC, AtioAAwvoç e£,ESpaps potoca vetcpwv opetv rat ijiovou raranXeM ipv  

HoXiv

40. Isto poderia estar disponível tanto em horas dc poente simplesmente pelo  

uso de mecanismos análogos ao da “bola de cristal’' medieval. Isto foi feilo,

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9 4 O s l ¡ REGOS E 0 IRRACIONAL

l e s l 'a la d e Z r p u à Á m k c u p f f .K t S e ç m i 01  e v O e o i î i a v x e ç [Prohi  9 3 4 a 3 6 ] ,

e P l u t a r c o d c I x f S i i / U a i a m a i ktcxi B o í k iS e ç [Pyih. or.  1 0 , _ W A | , q u e r ia m

 p r o v a v e l m e n t e d i z e r “ p e s s o a s c o m o a S i b i l a c R a q u i s ” . O t e r m o E u p r t i i X e i ç

e r a u s a d o d c m a n e i ra s e m e l h a n t e [ P lu t , def omc.  9 , 4 1 4 E ; i l P l a t ã o , S o i ,

2 5 2 C | , m a s E u r y c l e s e r a c e r t a m e n t e u m a p e r s o n a g e m h i s t ó r ic a . E q u a n d o

P h i l c t a s , a p u d Z  Ai: Pax  1 0 7 1 , d i s t i n g u e t r ê s B o l k i o e ç d i í e r c n t e s , e s t á a p e -

n a s u s a n d o u m e x p e d i e n t e c o m u m a o s e s t u d i o s o s a l e x a n d r i n o s p a r a

r e c o n c i l i a r a f i r m a ç õ e s i n c o n s i s te n t e s s o h r e a m e s m a p e r s o n a g e m . E m q u a l -

q u e r o u t r o l u g a r , R a q u i s s u r g e c o m o u m p r o f e t a i n d i v id u a l } .

4 ft. P l a t ã o o s d e n o m i n a Q e p r /. v x e i ç c x p q c r ^ í ú S o i (Apología de Sócrates.  2 2 C ,

 Mênon.  9 9 C } , o u a i n d a % p r |G | i a i 5 o t e u a v í e t e , O e i o i (Ion,  5 3 4 C ) . C a e m n o

e v O o D C T i a a ia ô o ç e d i z e m ( e m e s ta d o d c t r a n s e ? ) v e r d a d e s s o b r e a s q u a i s n a d a

s a b e m , c e n t ã o s ã o c l a r a m e n l e d i s t i n t o s t a n t o d o s ^ . a i m ç q u e “ c o n f ia m n o s

 p á s s a r o s ” (Phil.  6 7 B ) . c o m o d o s x p l i a y o X o y o t q u e a p e n a s c i t a m o u c o m e n -

t a m o r á c u l o s a n t ig o s . P l a t ã o n a d a d i z q u e i n d i q u e q u e e l e s p o s s u e m  status o f i c i a l . V e r F a s e l ie r , n p o < t > rix r |Ç . 6 6 s g .

4 7 . P l u t a r c o , def. omc. 9,  4 I 4 E , x o v ç E y / C t a i p i p u S o u ç , E D p U K Í £ a ç n c i t e t , v u v t

n u O d J v a ç T c p o c a y o p E D u e v o u ç H e s y e b ., s . v. e y y a o T p i p u O o ç x o m o v t iŒ e ç

E ^ Â a a i p í p c x v n v , o i f ie a x e p v o p a v i i v X e y o u o i ... x o u x o v r m e t ç lT u f t u v o :

v u v m / U n j p E V . O m a is n o b r e t e r m o o x E p v o p a v i t ^ v e m d o A i ^ p a / U ü x i õ e ç

d e S ó f o c l e s , I r a g . S 9 P . S o b r e a m e d i u n i d a d e p r iv a d a n a a n t i g ü i d a d e l a r d i a .c f . A p ê n d i c e I I , infra.

4 8 . A r i s t ó f a n e s , Vesp.  1 0 1 9 ; P l a t ã o , Sofista,  2 5 2 C ,

4 9 . e v t o ç u j t o ( | ) 0 e y / o p e v o v , P l a tã o , loc. cit.  L . S . t o m a iu to < ( i0 E y y o | .( e v o v p a r a

s i g n i f i c a r " f a l a r a m e ia v o z ” , m a s o s e n t id o a d o l a d o p o r C o r n f o r d é m u i t o

m a is a d e q u a d o a o c o n t e x t o .

5 0 . C o m o S t a r k i e s a l i e n t a ad ioc..  A r . Ve.sp.  1 0 1 9 n ã o p r e c i s a im p l i c a r o v e n t r i -

l o q u i s m o c o m o m e s m o s e n t i d o q u e a p a l a v r a p o s s u i p a r a n ó s , e n q u a n t o

a l g u m a s o u t r a s o b s e r v a ç õ e s o e x c l u e m d e f in i l i v a m e n t e , C f . P e a r s o n o n S ó -

f o c l e s , f r a g , S 9 .

5 1 . P l u t a r c o , def oruc. ¡oc. cit.  o n d e s c u e s ta d o d e p o s s e s s ã o c c o m p a r a d o à q u e l e

n o r m a l m e n t e a t r i b u í d o à P i t i a , e m b o r a n ã o e s t e j a c l a r o a t é o n d e a c o m p a r a -

ç ã o s e e s te n d e . S c h o l . P l a tã o , lot:, cit.,  o c u p o v a .. . x o v e y K s l e w p e v o v c c u x w

T te p t t( ü v | í e A À ü v x ( ú v A e y e iv . A a f i r m a ç ã o d e S u i d a s d e q u e s e c o n v o c a v a a

a l m a d o s m o r i o s n ã o d e v e m e r e c e r c r é d i to : l i r o u a d e I S a m . 2 8 ( a b r u x a d c

E n d o r ) e n ã o , c o m o a f i r m a l i a l ii d a y , d e F i l ó c o r o .

5 2 . H i p . .  Epid.  5 . 6 3 ( = 7 . 2 8 ) , « v e j i v e e v c ü ç e k i o u p ep o .T tx to Ô C H a v a n v e o w t ,

t e a t e K i o \ ) a x q O E o ç D T tE \|/o <|)e e v , ( u o r c e p a t E y y a a x p r p u O o i X e y o p e v a i . A

r e s p e i t o d o t r a n s e d c u m a f a m o s a m é d i u m M r s . P i p e r , a f i r m a q u e , n o t r a n s e

c o m p l e to , “ a r e s p i r a ç ã o é  m a i s le n t a d o q u e a n o r m a l e c o m m u i to e s t e r to r ”

e c o n t i n u a s u g e r in d o q u e “ e s ta v a r i a ç ã o p r o f u n d a d a r e s p i r a ç ã o , c o m a d i -

m i n u i ç ã o d a o x i g e n a ç ã o d o s a n g u e [ ,. . | é p r o v a v e l m e n t e a p o t ê n c i a p o r m e io

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As B Ê N f à OS DA L OU C U RA 95

da qua! é impedido o funcionamento da consciência normal” (Amy Tanner,  

 Stu dies in Spiritualism ,  14. 18).

53. Plutarco,  Pyth. orac.   22, 405C. Aelius Aristides, ora;, 45.11 Dind., dizque  

as Pitias não tem, na sua condição normal, nenhum conhecimento específi

co EJiiGiimq, e quando cm transe não fazem nenhum uso dc tal conhecimento. Tácito afirma que o profeta inspirado em Claros era ignaras 

 plentm qite litíeraru m et carm in um (A nais  2.54).

54. Ambos os tipos ocorriam cm casos de possessão teúrgica (cf, Apêndice ¡1, 

infra).  Ambos eram conhecidos por João Cassiano no século IV: ‘‘Alguns  

demônios", observa, “estão tão excitados que não tomam conta do dizer ou 

fazei', mas outros o sabem e o recordam mais tarde” (Collation es pa i rum, 

7.12). Ambos apareciam cm possessões selvagens e em casos de rnediunida- 

dc espírita.

55. Sobre as sacerdotisas de Dodona, o testemunho dc Aelius Aristides é bas

tante claro e sem ambigüidades: noiepov o u û ë v   cdv  eutov iccxoiv (ora/, 

45.11). O que ele diz sobre a Pitia e menos explícito: ele fala referindo a  

elas Tivct E7UCTTaviai Sri nox>  le ^ vri v t o t e (sc, etceiòccv EKOXO)aiCi 

mmiúGí), ai ye od% oico. te tien ^uXai-ceiv ouSe iiEpWrioOai; (45.10). 

Estritamente falando, isto não precisa implicar mais do que eles não se lem

brarem  porque   disseram o que fizeram. A linguagem usada por outros  

escritores sobre as Pitias e muito vaga para retirar qualquer inferência segura,

56. Plutarco, def. orar.  51, 438C: ovte yup navracç om e to uç ccupouç a s i  5itm9r|cnv ©crcanox; ti tov rcVf-upaToç Suvaptç (a alirmagão c geral, mas 

deve incluir a Pitia, com o mostra o contexto).

57. Ibid., 43KB: «Â aX ou kxü kcíkou íiveupo.T üç o w o i TiX-qpriç. "Dumb” esp í

ritos são aqueles que recusam c lia mar seus nomes (Lagrange on Mark 9:17; 

Campbell Bonner, “Tlic technique of exorcism”, ttarv. Theol. Rev.  36 [19431 

43 sg.). “Uma exalação muda” (Flacclicre) é sentida com dificuldade.

58. OÍVEIXOVTO ... ej.i<t>pov«. Esta é a leitura dc todos os manuscritos existentes  

e tem um sentido razoável, Ao citar formalmente a passagem (Greek Poetry 

and Life: Essays Presented to Gilbert Murray.  377), fui descuidado a ponto de aceitar £K<|>povo: de Wytienbaeh.

59. Eu próprio vi um médium amador enirar em transe de modo similar, embora 

sem os mesmos resultados fatais. Para casos de possessão resultando em mor

te, ver Oesterreich, op. cil .r 93, 118 sg., 222 sg., 238. É desn ecessário  

concordar com Flacelière que a morte das Pitias deve ter ocorrido por inala

ção de vapores mefíticos (que provavelmente matariam imediatamente se 

realmente matassem, e deviam ter afetado, em qualquer caso, as outras pes

soas presentes). O quadro imaginário de Lucano da morte dc uma Pitia mais  antiga {Phan.  5. 161 sg .) talvez lo sse sugerido pelo incidente que Plutarco 

recorda, que pode ser datado dos anos 57 -6 2 d. C. (J. Bay et,  M éla nges G rat, 

 I.  53 sg.).

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% Os ü R K o o s i: o i r r a c i o n a l

60. Pod s ser duo eslri mínente que o texto apenas prova que os sacerdotes e in

quisidores estavam lora de si indinos (R. Flacelière, “Le Fonctionnement 

de I’Oracle de Delphes au temps dc Plutarque”,  Annale s ele l ’École des  

 M ames Eludes ¿i G and\ E tudes d'a rchéolo gie grecque], 2  [1938] 69 sg.). Mas 

não apresenta nenhum suporte positivo ;l opinião de Flaeelière de que a Pitia eslava separada deles por unía porta ou cortina. E a expressão ò lKT| v   v eüjç  

£Jt£iyopevr|ç sugere unia impressão visual; ela estremecia como um barco 

numa tempestade. Sobre o procedimento cm Dc lfos em épocas mais antigas 

não elicgo a uma opinião concreta: a prova literária c tão descspciadoramente  

vaga como impossível de reconciliar com os achados arqueológicos. Em Cia

tos, Tacitus stigere (Ann.  2,54) e lâinblieo definitivamente afirma (d e in vs t.

3, 11) que o profeta inspirado não era visível. Mas no oráculo de Ap olo de 

Ploan, na lieócia, os próprios indagadores ouvem o 7tpo( . i avTiç inpirado falar e apontam as suas palavras (Ndi. K, 135).

61. Plutarco,  L Conv.  1.5.2, 623B: ¡.taXtoTa Se o £V 0o i)ot ao uo ç eÇicm iot m i  

vapciTEJtei t o tê a m i a m i tr¡v <¡Kúvr]v to v ai )v i]0 o\) ç m i tcotâcari] k o to ç

O torn da voz com que o “possuíd o” falava era um dos sintomas a pari ir dos 

quais os K'«(J)o:pTa.t tiravam conclusões acerca do espírito possuidor {Hipó

crates. in orb. saci:  1. VI. 360, 15 L.). No mundo todo os "possuídos" são 

descritos como lalando mima voz diferente: ver Oesterreich, op. cit. 10. 19

21. 133, 137, 20K. 247 sg., 252, 254, 277. Também a famosa Mrs. Piper,  

quando “ixjssuída" por um "controle" masculino, falaria “com uma voz mas

ut lina incon Itindivel, mas apagada" (Proc. Soc iety fo r Psychical Heneare hH. 127). ' ' ’

62. Cf. Parke,  H is to ry o f the Delp hic Oracle.  24 sg. c Amandry, op. cit., cap.  

xi-xnj onde a questão é discutida, O contato com a árvore sagrada dc um 

deus como tonna de obier a sua epil'ânia pode recuar até aos lempos minói-  

cos (li. Al,  M nem osyne,  Ser. 111, 12 [1944| 215). Sobre as técnicas usadas 

para induzir o transe na antigüidade tardia, ver apêndice il.

63. O professor Osterrcicli certa vez mastigou uma grande quanüdade de folhas  de louro com objetivos científicos, e ficou hastame desapontado ao nolar que 

não llcou mais inspirado do que de hábito (Osterrcich. op. cit.. 319, n. 3).

64. Sobre Claros ver Maximus Tyrius, 8.IC, Tácito. A««m\ 2.54, Plinio, N.H. 

2,232. A observação dc Plínio de que beber água encurtava a vida do bebe

dor é piovnvclmenlc uma mera racionalização da crença bastante difundida 

de que pessoas em contato com o sobrenatural morrem jovens. O procedi

mento nas Urânqmda é incerto, mas a existência dc lonles possuindo  

propriedades proféticas c confirmada por uma inscrição (Wiegand,  Ahh. Herí.  Akad.  1924), I, p. 22). A respeito de outras fontes capazes de causar insani

dade el. Hailiday, Greek Divination,  124 sg, A respeito do procedimento 

altamente primitivo de Argos ver Paus, 2.24.1; luí paralelos selvagens  

(Oesterreich. op. cit., 137, 143 se ; Frazer,  M agic Ari,  1.383).

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A s BÍ-NÇÃOS DA I.OlJCliKA 97

65. Wilamowitz,  Hennes.   3H (1904) 579; A.P. Oppé, "The Chasm at Delphi”, 

 JHS   24 (1904) 214 sg.

66. Oppé, loe. cit.  Courby, Fouilles de Depthes,  11,59 sg. Mas suspeilo que a 

crença na existência de algum tipo de crátera sob o templo é muito mais an

tiga do que a teoria dos vapores, e provavelmente sugerida a racionalistas  

em busca de explicação. Coéforas. 953, Aeschylus’ Chorus endereça Apolo  

como ¡jeyav e^íov ¡jd^üv xftovoç, e a frase correspondente a 807, 0) j-tEyct 

v a i i ù v O T O j ii o v pode lambém, a meu ver, se referir a Apolo. Isto parece lima 

forma pouco natural de l'alar, sc o poela apenas tem em mente a garganta dc  

Plistos: o templo não está na garganta, mas sobre eia. Parecc a fraseologia  

tradicional até à época do O ráculo-Terra; sobre as suas imp licações c f. líe s.,  

Theog.  119: T a p ia p a i iiEpotvTO puxü) xO ov oç Acsch.  RV.  433: AtSoç  

. . . y ac , , Find.,  I'yth.  4.44: xâovtov AtSut a i o p a . O o to p io v que mais larde foi interpretado como um canal para vapores (Sirabo, 9.3.5,  p . 419: 

U T C E p K e i a O o u 5 e   t o d   G T O j.i to u T p i J t o Ô H \ ) i ¡ / r i ^ o v . s((i o v t i - |v   I lu B i r a v

a v c x f i a i v o v o a v Ô E X o p E v q v to 7 tV £ V ].ia c m ü O E c m Ç E i v ) originalmente t i -

n h a sido concebido, acredito, com o unía avenida para os son líos.

67 . Leicester B. Holland, “The Mantic Mcchanism o f Delphi", ,47.4 1933, 201 

sg.: R. Flaeelière,  Annules dc ¡ l ie ole de.s Hau tes Etudes à (k ind   2 ( 193S)

105 sg. Ver, contra,  F. Will,  Hull. Con: [M l.  66-67 (1942-1943) 161 sg. e 

agora Amandry, op. cit., cap. xix.

6K. Heródoto 6.66. Cf. Pausânias 3.4.3. De modo similar, foi a Pitia que  

Pleisloanax loi acusado de subornar (Tucídides 5,16,2). T u e id i d e s pode es- 

lar falando dc maneira livre, mas Heródoto não. No entanto, fica aberta ao  

cético a possibilidade de dizer que ele está apenas reproduzindo uma versão  

deifica '‘censurada" do que ocorreu. (Amandry negligencia esta passagem c  

faz de Pília um mero acessór io. Op. cit.. 120 sg, ),

(i9. Parke, op, cil,, 37. Fascher, contrastando a profeeia grcgacoin a judia, duvi

da “que a profeeia fosse possível dentro do quadro de uma instituição” (op,  

cit., 59}, e coin relação a respostas sobre preocupações públicas a dúvida  parece proceder. As respostas a indagadores privados - que devem ter sido 

a maioria em todas as épocas, embora muito poucos exemplos genuínos te

nham sido preservados - devem 1er sido menos influenciados pela política 

institucional.

70. A resposta em forma de verso, que havia sido abandonada nos tempos dc 

Plutarco, era quase certamente a mais antiga. Alguns até mesmo sustenta

ram que o hexámetro foi inventado em Dclfos (Plutarco. Fyth. orac.  17, 

402D; Plínio,  N.H.  7.205 etc.). Strabo afirma que a própria Pília falava  

E[!H£Tpci (9.3,5. p. 419) e Tácito diz o mesmo do profeta inspirado em Cla

ros {Anais   2.54). Tais afirmações têm sido postas em dúvida (mais  

recentemente por Amandry, op. cit.. 168), mas não são absolutamente incrí

veis. Lawson sabia de um profeta grego moderno “louco sem dúvida”, que

*

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9 8 Os Ci REGOS K O IRRA CION AL

possuía “um extraordinário poder para guiar sua conversação pela forma mé

trica e mesmo al tamente poética” (op. ci t . , 300} . E o missionário  

norte-americano Nevius ouviu uma mulher “possuída” na China dizer ver

sos durante uma hora: “Tudo o que ela dizia eslava em versos medidos e era  

recitado num tom invariável [...]. As expressões rápidas, perfeitamente uni

formes e longas pareciam-nos tais que possivelmente não podiam ser 

falsificadas ou premeditadas” (J.L. Nevius,  Dem on Possessio n and A ll ie d  

Themes.  37 sg.). Entre os antigos povos semíticos “a recitação de versos c 

de versos irregulares era a marca de alguém que conversara com espíritos"  

(A. Guillaume,  Prophecy and D iv in ation among the H ebrews and Other  

 Sem ites ,  245). De fato, a fala automática ou de inspiração tende em toda a  

parte a recair sob a forma métrica (E. Lombard,  De la glo ssolalie ,  207 sg.). 

Mas normalmente as falas da Pitia tinham de ser versificadas por outros.  

Strabo (op. cit.) fala de poetas mantidos com este propósito e Plutarco (Pvth. 

orac.  25, 407B) menciona a suspeita de que em tempos mais antigos eles 

lalvez fizessem alé mais do que sua obrigação. Em Brânquida, a existencia, 

no século 11 a.C. dc um xpria|.iOYpa<fnov (ofício de redigir, ou registrar, res

postas?) é atestada cm inscrições  [Rev. de Phil.  44 [19201 249, 251); e, em  

Claros, as funções de rcpo<(>r[Tr[ç (médium?) e BecmcoScnv (versificador?)  

eram distintas, pelo menos na época romana (Dittenberger, OG!  II, n. 530). 

lima interessante discussão em torno do problema pode ser encontrada cm  Ewyn Bevan (Dublin Review .  1931).

7 1. Os gregos eram bastante sensíveis para a possibilidade de fraude em instân

cias particulares. Os instrumentos dos deuses eram passíveis de falha, mas  

isto não abalava sua fé na inspiração divina. Até mesmo Heráclito a aceita

va (frag, 93), embora desprezando os elementos de superstição na religião  

contemporânea. E Sócrates é apresentado como um crente profundamente  

sincero. Sobre a atilude dc Platão, ver abaixo (cap. VII, infra).  Aristóteles e 

sua escola rejeitavam a adivinhação por indução, mas sustentavam o  

evSouGiocopoç, a exemplo dos eslóicos; a teoria que isso era ep.(|njTOç, ou 

provocado por vapores, não invalida scu caráter divino.

72. Foi assim desde o início; prometia-se uma parte das mullas pagas por cola

boradores a Dclfos (Heródoto 7.132.2), que também recebia um dízimo do  

saque de Plataca (ibid., 9.81.1); os fornos poluídos pela presença de um in

vasor eram reavivados sob o comando do oráculo pelo próprio Apoio  

(Plutarco, A lis t id es 20).73. Vale notar que a abordagem mais próxima de uma organização eclesiástica  

transcendendo a cidade-esiado individual era o sistema de E^riynicu   jruOojçprioTOi que expunha a lei sagrada apolínea (N ilsson, Gesch,  1.603 sg. ).

74. Ésquilo,  Emnênides   616 sg,: ouhümot eittov ^o.VTtKOtaiv ev epovotç ... 5  

[.ni KeXewat Zeuç OA.up7tiü)v iraxiip.75. Cícero, de divinatione   2.117: “quando ista vis autem evanuit? an postquam

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As B Ê N Ç Ã O S D A L O U C U R A 99

homines minus credtili esse eoeperunt”. Sobre a base social das mudanças 

nas crenças religiosas, ver Kardiner,  Psycholo gic al Frontiers o f Society, 426  

sg. É significativo que o crescimento das ten sões sociais e o au men lo das 

ansiedades neuróticas no imperio tardio tenham sido acompanhadas por um 

novo imeresse em oráculos: ver Eitrem, Orakel mut Mysterien am Atisgang  de r An tike.

76. Ivan M. Linforth, “The Corybantic Rites in Plato”, University o f California 

 Pub. in Class. Philolo gy , Vol. 13 (1946), n. 5; “Tclcstic Madness in Plato, Phaedro 244DE”, ibid., n. 6.

77. "Menadismo ñas Bacantes”,  Han- Then! Rev.  33 (1940) 155 sg. [ver Apêndice I).

78. Cf. Eurípides,  Bacantes 77 e Van o, apuil  Serv, ad Virg. Georg, j .166: “Liberi 

patris sacra ad purgationem animae pertinebant”. Devemos tal ve/, ligar isto 

com o culto do A io v u a o ç tea pu ç que diz ter sido recomendado aos atenienses por Delfos (A then,  22E, cf. 36B).

79. Hesíodo,  Erga  614; Teogonia  941; Homero, ¡Hada,  14.325. Cf. lambém Pín- 

daro, frag. 9.4 Bow ra (29S.): ia v Ak ovijctou itoAuy aQea Ttjiotv, e a 

definição das lunçôes de Dioniso em Eur. Bac. 379 sg., cjioioeueiv te / mih>ic, 

^ er a T cmXou yeXofoai oiirojraw ca te ^Ep tpvaç, ktA..

80. Eurípides,  Bacante s  421 sg. e a minha nota ad. loe.  Daí o apoio que oculto  

dc Dioniso recebeu de Pcriandro e dos Pisistrátidas; daí, talvez, o ponen in

teresse que Homero tem por ele (embora estivesse familiarizado com  ménades.  II.  22 ,46 0) e o desprero com que H eráclito o viu (frag. 14 lorna a 

sua atitude suticientcmentc clara, qualquer que soja o sentido do frag. 15).

81. Cf. eap. Il, supra,  c para A w t o ç Ap. 1. A relação da histeria “dionisíaca” 

de massas com as condições sociais intoleráveis é bem ilustrada no artigo  

de E.H. Norman, “Mass hysteria in Japan”, Far Eastern Survey,  14 (1945), 65 sg. ' ’

82. Cf.  H. Him.  7.34 sg. A meu ver loi como mestre das ilusões que Dioniso  

veio a sei o pationo de uma nova arte, a arte do teatro. Vestir a máscara é o  

caminho mais fácil para deixar de ser si mesmo (cf. Lévy-Bruhl,  Primit iv es  and the Supernatural,  123 sg.). O uso teatral da máscara presumidamente 

brotou dc seu uso mágico. Dioniso se tornou no século VI a.C. o deus do 

teatro, pois cie havia sido por muito tempo o deus das máscaras.

83. Heródoto, 4.79.3. Para o significado dc p at ve aO ai, cf. Linforth, “Corybantic Rites”, 127 sg.

84. Plister apresentou bases para pensar que eifOTOLOiç, e^ictcxocci não envol

viam (conforme supunha Rohde) a idéia de abandono do corpo pela alma. 

Os termos são bastante usados pelos autores clássicos para uma mudança 

abrupia do espírito ou do temperamento (“Eksiasis”,  Pisciculi F J. D oelg er  

dargeboten,   178 sg,). o a m o ç e im m i OVK lO T ajia i, disse Périelcs para 

os atenienses (Yhuc. 2,61.2); t o pi] Se TipoaSotcmpev ek o to o iv <|>epEi. dis-

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100 Os O R E O O S E O I R R A C I O N A L

se Menander (frag. 149): e na cpoca de Piulare o, uma pessoa podia se tratar 

com o eKGTomKttW s^ w v. indicando apenas que sc senti u, como nós d ize

mos, “fora de si" ou “não cia mesma" (Plut.,  g en. Soer.  588A). Cf. (ambém 

Jeanne Croissant,  Ansíale et le s mys tères,   41 sg.

85. [Apollod.] iïihl. 2.2.2.  Cf. Rohde,  Psyché.  287; Boyancc,  Le cu lte des Muses 

chez les philosophes grecs.  64 sg. Tem sido opinião vulgar entre os estudio

sos, desde Rohdc, que no Fedro  244DE Plalão tem a historia dc Mclampo  

cm inertie, mas ver, contra,  Linforth, “Telestic Madness”, 169.

86. Boyancc, op. cil., 66 sg., lenta achar sobreviventes da função catártica origi

nal dos d cuscs (cuja importância e le córrela mente salienta), mesmo nos seus 

festivais áticos. Mas seus argumentos são altamente especulativos.

87. Platão,  Leis, 815CD, onde ele descreve e rejeita como “não-civilizadas" (ou  

TiO/Utk'OV). ccrias danças báquicas c mi m élica s, imitando Ninfas , Pans, Si leños e Sátiros, que foram realizadas nepi ra flixp jiou ç Te m i teA eta ç  

Tiva.ç Cf. também Aristides Quintiliano, de musica  3.25, p. 93 Jahn: pac; 

Ba K ^tm c TsXeraç kr i ooexi ra m a iç wap « 71X^0101  Aoyou n u o ç g / s o t a i  

i}>racíiv otimç av q tcov   wj-iafleatecaiv jruotqaiç Sia piov q Ii ixnv m o  

ifflv ev la u ia iç jie^íúSuúv t s m i opxiiosfflv « n a irai Stniç EKKaOai pr|iat  

(citado por Jeanne Croissam,  A nsió te et le s m ystère s,  121 ). Em outras pas

sagens, que são por veze.s citadas a este propósito, o lermo [ïatc^eia pode  

ser usado metafórica mente para qualquer eslado de excitação: por exemplo  

Platão,  Leis 790E (cf. Linforth, “Corybantic Rites”, 132); Ésquilo, Cha  698, 

que acredito se referir ao K(ü|joçdo Epivueç (Agam., 1186 sg., cf.  Eumêni-  

des  500).

88. Eurípides,  Hipólito.  141 sg.; Hip. de morbo saem  1, VI. 360, 13 sg. L.

89. Acrcdilava-se que Pan causava não somente pânico (flotviKOV SEi|ia), mas 

também desmaios e colapsos (Eurípides,  Med éia   1171 e l ) . É uma razoável 

suposição pensar que pastores arcádios atribuíam doenças causadas peto sol 

ao deus pastor; c que ele causava pânico infectando os rebanhos (Tamborino, 

op. cit., 66 sg,). C f a defin ição da Suda do pânico com o ocorrendo T|ViKa cü<|>vi8lüv oi te iTtTioi m i 01  av0pü)7un EKTapaxÔcûcn, c a observação de 

Philodemus, 71. fleíüv, co l. 13 (Sco ll, Frapn. Here.  26), de que os animais 

estão sujeitos a xapaxai piores do que os homens. A associação de Apoio  

Nojitoç com uo.vic/. pode 1er uma origem similar.

90. Eurípides,  Hip óli to   143 sg. fala como se os dois fossem distintos, como faz 

Dion. Hal,  Dem osth, 22.  Mas os Coribantes foram originariamente o séqui

to dc Cibele; ela, tal como eles, linha uma função curativa (Pind.,  Pit.   3. 137 

sg,; Diog. trag. 1.5, p. 776 N.2; Diodoro, 3.58.2); e esla função incluía a 

cura da potvtct (o próprio Dioniso é “purgado” de sua loucura por Rhea-  

Cybclc, [Apollod.I  fí ib l.   3.5.1). E acredito que é razoável imaginar que, na 

época de Píndaro, os ritos eram semelhantes, senão idênticos, uma vc7. que  

Píndaro cscrevcu £v<|>povtcïpoi (Suidas, s.v. fltvStxpoç), que é natural rela-

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As B Ê N Ç Ã O S D A L O U C U R A 101

cioriar, por um lado, com o rito coribântico do ôpovcoaiç ou Opcmopoç,  

descrito por Platão,  Euthyd.  277D, e Dion Cris. Or.  12.33, 387 R., e, por 

outro, com o culto da mãe, que o próprio Píndaro estabeleceu (Z Pind.  Pyth.

3. 137; Paus, 9.25 .3). Sendo assim, podemos supor que o rito coribântico é 

um renovar do culto de Cibele, que ultrapassou a função curativa da deusa e 

desenvolveu gradualmente uma existência independente (cf. Linforth, 

“Corybantic Rites”, 157).

91. A T8À£TT| anual de Hécate em Aegina, embora atestada apenas por escrito

res tardios (testemunhos em Farnell, Cults,  11.597, n. 7) é sem dúvida bastante 

antiga: reclama ter sido fundada por Orfeu (Paus. 2.30.2). As suas funções  

foram presumivelmente catárticas e apotropaicas (Dion Cris. Or.  4. 90). Mas 

a opinião de que estavam especificamente dirigidas para a cura da (xavioc  

parece se encontrar apenas na interpretação de Lobeck de Ar. Vesp.  122  StEJiXewev eiç A iytv av , com o se se referisse a esta xeXerri (Aglaophamus, 

242), o que seria pouco mais do que um palpite plausível.

92. Aristófanes, Vespas,  119; Plutarco,  A m atA b ,  758F; Longinus, Subi.  39.2 Cf. 

Croissant, op. cit., 59 sg.; Linforth, “Corybantic Rites”, 125 sg.; e Apêndice

I. A similaridade essencial dos dois ritos explica como Platão pôde usar 

GvyKOGUpav-uav e auppSaKxeueTV como sinônimos (Symp.  228B, 234D), 

e falar de at t c üv   £K(|)povcüv paK^eitov tcxaotç referindo-se ao que ele jus

tamente descreveu como t c í   t c üv   K07XD(3avtCüv t a p a t a (Leis,  790DE).

93. Platão,  Banquete ,  215E: n o X v   jaoi pcx^ov r] t c ov   KOpt>[:SavTtcüVTCOV r) teKapSm 7iT|§a m i ôcxKpua E m ét ica . C oncordo com Linforth que a refe-

rência ocorre por efeitos dos ritos, apesar de efeitos similares serem obtidos

em possessões espontâneas (cf. Menandro, Theophoroumene   1628 K.).

94. Platão,  Ion,   553E: oi KopxjpavTuovxeç o d k e|.u|)poveç o v t e ç opxouvTai; 

Plínio,  N.H.  11.147; “Quin et patentibus dormiunt (oculis) lepores mullique  

hominun, Buog KopupccvTiav Graeci dicunt". A última passagem dificil

mente pode se referir ao sono vulgar, como Linforth supõe (“Corybantic  

Rites”, 128 sg.), porque: a) a afirmação pode ser falsa, como PI i ni o deve ter 

sabido; b) é dilícil ver por que o hábito de dormir com os olhos abertos seria tomado como prova de possessão. Concordo com Rohde (Psyche,  ix, n. 

18) que o que Plinio quer dizer é “a relativa condição para a hipnose”; a 

dança ritual estática pode muito bem induzir tal estado nos susceptíveis.  

Lucian,  Fup. Trag.  30, menciona K t V T | p a . Kopi)(3avTCo5EÇ entre sintomas do 

incipiente transe mântico. Para efeito de comparação do ritual dionisíaco, ver  

Plut.  Mui. Virt.  13, 249E (Apêndice I).

95. Teolrasto, frag. 91 W; Platão,  Repúbli ca , 398C-401A. Cf. Croissant, op. cit. 

cap. Ill; Boyancé, op. cit. I, cap. VI. O significado emocional da música de 

flauta é ilustrado de forma bizarra por dois casos curiosamente patológicos  que chegaram até nós. Em um deles, relatado por Galeno (VII.60 sg. Ktihn), 

um paciente são era assombrado por flautistas alucinatórios (cf. Aetius,  

IcapiKa 6.8, e Platão, Crito  54D). Em outro, relatado por Hipócrates (Epid.

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102 O s G R E G O S E O I R R A C I O N A L

5.81, V.250 L). o paciente era dominado por pânico sempre que ouvia unia  

flauta durante uma Testa.96. Platão. Leis, 790E: SetiioiTO St eçtv <J>cnjXr)v -criç\|/u%T|çuva. Cf.  H. Orph. 

39.1 sg., em que o coribântico daemon  é chamado (poPfúv rmoTtauaTOcra 8siv<ov.

97. “Corybantic RiLes", 148 sg.

98. Ver a nola 87 acima. A ristid es diz-n os cm algum lugar que os 

ev0o i )o ior,oj.iot, em geral, estão aptos, por falta dc tratamento apropriado, 

a produzir SeioiScti(.iovia<; -te kcu a io y o u ç <j>opovc, (de musica,  p, 42  

Jalin), Mlle, Croissant mostrou 1er razão cm pensar que estas afirmações 

vieram de uma boa fonte peripatética, provavelmente Teofrasto (op. cit..

117 sg.). Pode-se observar que esta “ansiedade” (i|>povuç) é reconhecida 

como um tipo especial do estado patológico no tratado hipocrátieo dc morbis  (2.72, Vi), 108 sg. L.); e as ansiedades religiosas, especialmente o 

receio dc Scujjoveç, encontra-se em descrições clínicas, por exem plo, Hip, 

vii-g.  1 (VIU. 466 L.) e |Ga!eno] XIX, 702. Também se conheceram fanta

sias dc responsabilidade exagerada; por exem plo. Galeno (VIII. 190) cila 

melancólicos que se identificaram com Atlas e Alexandre de Traies des

creve uma sua paciente que receava que o mundo sucumbisse sc ela  

dobrasse o dedo médio (1. 605 Puschmann). Há aqui um interessante cam

po de estudos para o psicólogo ou psicolcrapeuta com conhecimento do  mundo antigo e compreensão das im plicações socia is do tema.

99.  Loc .  c/f. supra,  nota 88.

100. Como ressalta Linforth (op. cit., 152). em lugar nenhum é afirmado ex

pressamente que a perturbação que os Coribantes curavam havia sido  

causada por eles mesmos. Mas é um princípio geral da medicina, na Gré

cia e outros lugares, que somente aquele que cattsa uma doença sabe como  

curá-la (o iGtoaotç r a t la a E ia t ); portanto a importância atribuída para des

cobrir a identidade do poder possessor. Para o efeito catártico, cl.  

interessante relato de Aretacus sobre EV0EOÇ f.l«raia (inorb. clnvn.  1.6 fin.) 

no qual os pacientes mutilavam os próprios membros, 0EO1Ç tfiiotç wç 

coiotiun xji xapiÇoj-iEvot e w e P e i i^av iacm i Após esta experiência eles 

são o[kt)Seeç, üx; iiAea0£VTEÇ itu 0ew.

101. Aristófanes, Vespas  I 18 sg. Veja nola 91.

102. Platão,  Ion.  536C. Das duas visões aprcscnladas no texto, a primeira cor

responde amplamente à dc Linforih (op. cit. 139 sg.}, apesar de ele poder 

não aceitar o termo “estado de ansiedade”, enquanto a segunda remete a 

Jahn (NJbb.  Supp.-Band. X 11844], 231). É, como disse Linforth. “difícil  aceitar a noção dc uma lealdade dividida em uma simples cerimônia reli

giosa”. A teoria de Jahn ainda é mantida, não apenas pelo uso dc  

tcopúpcr.VTiciv cm outro lugar em Platão, mas, lambém, cu acho, pelas  Leis 

791 A , onde, numa aparente referenda a i a xcov K opu pa vtíúv la jio .m

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A s BÊNÇÃOS DA LOUCURA 1 0 3

(790D ), Platão (ala dos pac i en les curados com o op xoujj.rvouc; t e kcíi 

cnAou[iEvoou<; jae-co flecoro o iç a v ra A A iep ou vieç e m o r o i 0\)o)oi. 

Linforth argumenta que há aqui uma transição "do particular para o geral,  

do rito coribântico ao começo, a toda classe de ritos que envolve a loucu

ra’' (op. cit., 133). Mas a interpretação mais natural das duas passagens, 

tomadas em conjunto, é a de que o rito coribântico inclui; 1) um diagnós

tico musical; 2) o sacrifício de cada pac i en Le ao deus a cuja música e le liavia 

respondido e uma observação dos prodígios; 3} uma dança daqueles cujos  

sacrifícios eram aceitos, na qual se acreditava que tomavam parte as divin

dades apaziguadas (talvez personificadas pelos sacerdotes?). Tal  

interpretação daria um sentido mais preciso à curiosa frase usada no  Sim p. 

215C, em que nos é dito que as cantigas atribuídas a Olimpo ou Mãrsias  

"estão aptas por si próprias |ou seja, sem o acompanhamento de uma dan

ça, cf. Linforth, op. cit., 1420] a causar a possessão e a revelar aqueles que  

precisam dos deuses e tios ritos (ioi>ç tcov Oeiav të kou têXetcüv  

Ssopevouç, aparentemente as mesmas pessoas que são referidas como tü)v 

Kopu¡3avtuúvtíúv cm 2I5E)". Na opinião sugerida, este seria o tipo dc 

pessoas que são chamadas oi KopufSavTtcovxeç em  Ion 536C, e a ref erên

cia nos dois lugares seria ao primeiro ou o estádio diagnóstico do rito  

coribântico.

103. Nos tempos helenístico e cristão, a diagn ose (forçando o espírito intruso a 

revelar a sua identidade) era um pre-requisilo similar para o exorcismo bem-  

suced ido. Ver B ouner,  Harv. Thcol. Rev.  36 (1943) 44 sg. Para sacrifícios 

de cura de doença, cf. Plant.  Men.  288 sg., e Varro,  R.R.  2.4.26.

104. Platão,  Eutidem o.  277D: Koti Aap e m x^ p eta Tia eoxt koü m tô ta , ei 

a p a ra.i tstc Ae cích (discutido por Linlbih, op. cit., 124 sg.). Para mim, 

isto parece que o apelo para a experiência do t£teA.oth£S5oç e dificilmen

te natural, a não ser nos lábios daquele que é o próprio têtêàeo(.iêvoç.

105. Cf. cap. Vil, infra.

106. Platão,  Leis,   791 A. Aristóteles,  Política,  1342117 sg. Cf. Croissant, op. cit.

106 s. Linforth, op. cit., 162.

107. Aristoxeno, frag, 26 Wehrli. Cf. Boy aneé , op. eií„ 103 sg.

108. Teolrasto, frag, 88 Wimmer (= Aristoxeno, frag. 6), parece descrever uma  

cura por música (flauta) feita por Aristoxeno, embora o sentido seja obs

curecido dev ido à corrupção do texto. Cf. também Aristoxeno, frag. ! 17, e 

Martianus Capella, 9, p. 493 Dick: “ad affcctiones animi tibias Theophrastus  

adhibebat... Xenocrates organicis modulis lymphaticos liberabat.”

109. Teofrasto, loe. ci!.  Ele também afirmava que a música era boa para des

maios, perda prolongada da razão, ciática (!) e epilepsia.

110. Censorinus, de die nataU.  12 (cf. Celsus, (11.18); Caelius Aurelianus (i.e.,S ora n us), de mo i bis chmn icis  1,5, As antigas teorias médicas sobre insa

nidade e o modo dc tratá-la são resumidas dc modo útil por Heiberg, Ge isles 

krankheiien im ktass, Aheriitm.

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1 0 4 Os C j R l X i O S K O I R R A C I O N A L

111. Odisséia, 8.63. As musas são lomadas incapazes por Tamiris (litada,  2.594  

sg.}. Ü perigo de um en coi uro com elas é com preensível se os e studiosos  

estiverem correios cm concelar a (.louca com jjíoii.í, encarando-as origi

nalmente como ninfas das montanhas, pois sempre foi perigoso o encontro  

com ninfas.

I12. Hcsíodo, Teogonia,  94 sg.

113. lliada,  3.65 s.: ou t o i   o.|iofRr|T e a o n Geaiv E p i k U ò E a Stop a / oacra k s v  

œ u i o i 8 ( i k j i v   t K t o v 8 o u k    r e v t i ç e À o i m

I 14. Cf . W, Marg.  D er Charc alcr in dey Sprache der frühg riechisch en Dit lining, 

60 sg.

115. litada,  11,218; 16.112; 14.508 . A última dessas passagens lem sido vista 

como um complemento tardio, tanto por críticos alexandrinos quanto pe

los modernos; c todos eles empregam uma fórmula convencional. Mas  mesmo se o apelo é convencional, a sua colocação fica como uma pista  

significante sobre Osentido original de “inspiração". De modo similar. Pe

rnios afirmava ter recebido dos deuses não simplesmente seu talento poético, 

mas lambem suas histórias (Odisséia, 22.  347; cf. cap, I, supra). Como Marg 

corretamente disse (op. e il., 63), "die Gabe der Golllieit bleibt nocli auf das 

Geleislete. das dinghafle epyov ausgcrichlcl." Islo corresponde ao que Ber

nard lierenscon chamou "o elemento grafómetro na canela, que muitas vezes  

sabe mais e melhor do que a pessoa que a usa”.

116. lliada,  2.484 sg. As musas eram as filhas da Memória, e em alguns luga

res eram chamadas Mveirei (Plutarco,  L. Con v.  743D). Mas entendo que o 

que o poela def ende aqui não é apenas unia memória acurada - poique isso, 

apesar dc muito ncccssãrio, seria apenas a memória dc um KÀeoç imper

feito -, mas uma visão atual do passado para suprimir k^eoç Tais visões,  

vindo das profundezas desconhecidas da mente, devem 1er sido sentidas 

outrora como imediatamente “concedidas" e, devido a seu caráter imedia

to, mais confiáveis do que a tradição oral. Assim, quando Ulisses observa  

que Dcmodocus pode cantar sobre a Guerra dc Tróia “como se estivesse  estado lá ou ouvido dc uma lesíeinunlia". ele conclui que a musa ou Apoio  

devem ter “ensinado" isto a ele (Odisséia.  K.4JÍ7 sg,),

Havia também um KÀeoç nesse assumo (H.74), mas isso não era, evidente

mente, suficiente para explicar o perfeito domínio do detalhe de Dcmodocus. 

Cf. Latte, ‘‘Hesiods D ichierw eihe” , Aniike n. Abtm dlantl   II (1946), 159. So

bre a inspiração dos poetas em outras culturas, N.K. Chadwick,  Poetr y and  

 Proph ecw   41 sg,

I 17. Conhecimento especial não menos do que habilidade técnica é a marca dis

tintiva do poeta para Homero. Trata-se de um homem que “canta pela graça  

dos deuses, sabendo deleitar com contos épicos" (Odisséia,  17.5)8 sg.). 

Cf. a descrição do poela feita por Sólon. frag. 13, 51 sg B., como ipepiriç  

ooíJjuiç CKxlmiç p e ip o v em errap evoç.

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AS B Ê N Ç Ã O S D A L O U C U R A 105

118. Várias línguas indoeuropéias possuem um termo comum para “poeta e

vidente" ( vates  em latim, Jili  em irlandês e tlmlr  islandés). “E ev idente que,

através das antigas línguas da Europa do Norte, as idéias de poesia, elo-

qüência, informação (principalmente estudo do passado) e profecia estãointimamente relacionadas” (H.ML e N.K. Chadwick, The Growth o f   

 Litera ture,  1. 637). Hesíodo parece preservar um traço desta unidade origi-

nal quando atribui ¿is musas o conhecimento de “coisas presentes, passadas

e futuras" que Homero atribui a Calcas ( l l iada , 1.70); a fórmula é sem dú-

vida, como Chadwich diz (op. cit., 625), “uma descrição estética de um

vidente".

119. Hesíodo, Teogonia  22 sg. Cf. cap. IV, infra.  E a monografia interessante

de Latte referida acima (n. 116).

120. “As canções mc fizeram e não eu a elas", afirmou Goethe. “Nao sou eu

que penso, mas minhas idéias que pensam por mim", disse Lamartine. “A

mente criadora”, disse Shelley, “é um carvão incandescente que uma in-

fluência invisível qualquer, como o vento inconstante, desperta para um

 brilho transitório."

121. Pínd aro, frag. 150 (137 B): pcxvteD eo, M o io a , 7ipo<|>aT£uaa> § £\|/m. Cf.

 Paean   6.6 (frag. 40B), onde ele próprio chama aoiStpov II iepi .5(0V

7tpo(|)arav, e Fascher, npo^Tixriç, 12. Sobre a visão de Píndaro de verda-

de ver Norwood,  Pindar.,   166. Uma concepção semelhante da musa comoreveladora da verdade escondida está implícita na prece de Empédoeles dc

que ela lhe comunica cov 0E|itç eotiv £(|)ii|i£pioaiv aKouEiv (frag. 4; cf.

Pindar,  Paea n   6.51 sg.). Virgílio é fiel a esta tradição quando pede às mu-

sas que lhe revelem os segredos da natureza, Geo.  2.475 sg.

122. A mesm a relação está implícita nas  Pit ia s 4.279: oruÇeTOi m t Moiacx 5i

ayyEÀiaç opGaç: o poeta é o “mensageiro" das musas (cl. Teógnis, 769).

 N ão c o n fu n d a m o s is to com a c o n c e p ç ã o p la tô n ic a de p o e ta s

evG oucnaÇ ovtEç (OGTtEp oi 0£op avT £iç Kai oi x p 'W m S o i (Apol.  22C).

Para Platão, a musa está dentro do poeta: Crátilo,  428C: aAÃT| Tiç M o u o anaXo .1 0 £ Evouvaa eXeTuiOei.

123. Platão,  Leis, 7 19C.

124. A leoria poética de inspiração está diretamente ligada a Dioniso e à tradi-

cional visão de que os m elhores poetas buscavam e encon travam inspiração

na bebida. A clássica declaração disto é atribuída a Cratinus: oiD3oç TOI

X«pi£vxi tieXei xctx'uç inrcoç aoiSco, uôcop 5e tuvcov odõev av tekoi

ao(|)ov (fragm ento 199K). Ela reaparece em Horácio (Episl.  1.19.1 sg.) que

a tornou um lugar comum na tradição literária.

125. Dem óc rito , frag. 17 e 18. Ele parece citar Homero em uma instância ( frag. 21).

126. Ver o cuidado so estudo de De lalte.  Les conceptions de l'enth ousia sm e,  28

sg., que faz uma engenhosa tentativa de relacionar as visões de Demócrilo

sobre a inspiração com o restante de sua psicologia. F. Wehrli, “Der 

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106 O s G R Ë G O S b O I R R A C IO N A L

erhat>enc und der schlichtc Siil ¡n der poetiscb-rhetorisclien Theorie der 

Antíke",  Phyllobolia fü r P ete r von der Müht, 9  sg.

127. A respel (o dos ares que os poetas se dão, ver Horacio,  Ars Po ét ica,  195 

sg. A visão dc que excentricidade poética é uma qualidade mais importan- 

íe do que a competencia técnica é, obviamente, uma distorção da teoría de 

Demócriio (cf, Wchrli, op. cit., 23}, mas fatalmente fácil dc ser feita.

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 P  a d r ã o   d e  s o nho s    e   p adrão   d e  cultura

IV

 Se fo sse (lado aos nossos olh os carnais a capacidade  

de ver dentro da consciência de outrem,  

 ju lg aría m os um homem com muito mais certe za  

a pa rtir do que ele sonha do que a 

 p artir do que ele pensa .

Victor Hugo

Oser humano divide com alguns outros poucos mamíferos

o privi légio de possuir cidadania em dois mundos

distintos. Ele goza, em diária alternância, de dois Lipos de

experiênc ia - \ma.p e ova p [“ visão da realidade” e “ sonho” ], como

os gregos as chamavam -, cada qual com sua lógica c limitações

próprias. Não há obviamente nenhuma razão para achar que uma

delas c mais significativa do que a outra. Se o mundo da vigília tem

as vantagens de solidez e de continuidade, suas oportunidades sociais

são, por outro lado, terrivelmente restritas. Dentro dele só podemos,

 via de regra, encontrar nossos vizinhos; ao passo que o mundo dos

sonhos oferece a possibilidade de um relacionamento, ainda que

fugidio, com amigos distantes, com mortos e deuses. Para homens

normais é a única experiência pela qual eles podem escapai' dos

ofensivos e incompreensíveis grilhões do tempo e do espaço. Não éportanto de surpreender a lentidão do homem em confinar a realidade

a apenas um desses dois mundos, descartando o outro como pura

ilusão. Tal estágio foi atingido nos tempos antigos apenas por um

reduzido número de intelectuais; e há, ainda hoje, muitos povos

primitivos que conferem igual valor a alguns tipos de experiência

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108 Os G R E G O S l i O I R R A C I O N A L

onírica e à vida despena, apesar da distinção clara entre elas , 1 Uma

tal s impl ic idade provocava sorr isos piedosos por parte dos

missionários do século XIX. mas em nossos lempos foi descoberto

que os primitivos estavam cm princípio mais próximos da verdade

do que os missionários. Afinal de contas, como vemos agora, os

sonhos são altamente significativos. A arte antiga de oneirocritke 

continua a gerar homens engenhosos, dc grande vivacidade, c os mais

eruditos de nossos contemporáneos se apressam a relatar seus sonhos

a um especialista, de modo tão sério e ansioso quanto o homem

supersticioso de Teofraslo .3

Contra este pano dc fundo histórico, parece-me válido tentarum novo exame da atitude dos gregos face à experiencia do sonho.

E a este assunto que proponho dedicar o presente capítulo. Há dois

modos de ver a experiência de sonho de uma cultura passada: pode

mos tentar enxergá-la através dos olhos dos próprios sonhadores e

assim reconstruir, lanto quanlo possível, o que ela significava para

sua consciência desperta; ou podemos tenlar, aplicando princípios

derivados da análise moderna dos sonhos, ir tie seu contciido mani-

leslo ao scu cometido latente. Este l i l i imo procedimento éIrancamenle aleatório - ele consiste em uma supo sição (destituída

de provas) a respeito da universalidade dc símbolos oníricos; sím

bolos que não podem ser controlados por meio de associações. De

minha parte, cslou disposto a acreditar que as associações podem

render resultados interessantes em mãos cuidadosas e criteriosas, mas

não devo mc enganar tentando eu próprio lazê-lo. Minha preocupa

ção principal não ó com a experiência de sonho dos gregos, mas com

a atitude grega diante dessa experiência.

 Ao definir assim o nosso tema, de vemos ainda ter cm mente a

idéia de que as diferenças entre o homem grego e a atitude moder

na talvez reflitam, não apenas modos diferentes de interpretar o

mesmo tipo de experiência, mas variações no próprio caráter da ex

periência. Análises recentes a propósito dos sonhos dc povos

primitivos contemporâneos sugerem que. lado a lado com sonhos co

muns dc ansieda de e de realiza ção dc de sejos , há oui ros cujosconteúdos manifestos são determinados pelo padrão de cultura lo

c a l .1 Com isso não quero apenas dizer que, por exemplo, um

americano de hoje sonhe com uma viagem de avião, enquanto o pri

mitivo sonhará com um vôo dc águia conduzindo ao paraíso; mas

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1 ' A i m  O D l i S O N H O S 11P A D R A O !)]■ C U L T U R A 1 0 9

que cm nui iLas sociedades primitivas lia estruturas de sonho que de

pendem de um tipo de crença que ó socialmente4 transmitido, c que

cias já não ocorrem quando a crença pára dc scr alimentada. Não é

apenas a escolha deste ou daquele símbolo, mas a própria naturezado sonho que parece conformar-se com um padrão rígido imposto

peía tradição. É evidente que tais sonhos estão intimamente relacio

nados ao mito, do qual se tem falado, com razão, tratar-se do

pensamento onírico de um povo, assim como o sonho seria o mito

do indivíduo.sTendo isso cm mente, tratemos dc considerar que espécie dc

sonhos são descritos por Homero, e como o poeta os apresenta. O

professor H.J. Rose em seu excelente, mas pequeno livro  Primitive 

Culture in Greece,  distingue tres maneiras pré-científicas dc enca

rar o sonho, a saber: 1 ) "tomar a visão do sonho como um fato

objetivo"; 2 ) “ supor que sc trata de uma visão da alma, ou dc uma

 visão de uma dc nossas almas, quando temporariamente lora do cor

po - um acontecimento cuja cena seria o mundo do espírito ou algo

semelhante” ; 3 ) “ interpretá-lo como uirta forma mais ou menos com

plicada de simbolis mo” /’ O professor R ose considera que estes sãoos “ três estágios sucess ivos dc um progresso” , c não resta dúvida

quanlo a isso. Porém, em tais assuntos, o desenvolvimento dc nos

sas idéias raramente segue um caminho lógico. Se olharmos para

Homero, veremos que o primeiro e o terceiro “ estágios ” do profes

sor Rose coexistem em ambos os poemas, sem nenhuma consciência

aparente de alguma incongruência. Quanlo ao segundo "estágio , ele

está inteiramente ausente (c continuará ausente da literatura grega

ate o século V a.C, quando surge, dc maneira sensacional e pela primeira vez, cm um conhecido fragmento de Píndaro ) .7

Na maior parte de suas descrições dc sonhos, os poetas homé

ricos tratam o que é visto como se fosse "lato objetivo"/ O sonho

normalmente c apresentado como uma visita feita por uma figura

onírica a um homem ou mulher adormecid o - a própria palavra

oneirox   em Homero quase sempre significa figura onírica e não ex

periência onírica,IJ Esta figura onírica pode ser um deus, um fantasma,

um mensageiro dc sonhos preexistente, ou ainda uma "imagem’{eidolon)  criada especialmente para a ocasião.11’ Porém, o que quel

que seja, cia existe de maneira objetiva no espaço, independente

mente do sonhador. Ela encontra passagem pelo buraco da ¡echadura

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I i o Os G R R f ï O S  E O I R R A C IO N A L

(urna vez que os quartos, em Homero, não possuem nem janelas nem

chaminés); se coloca à cabeceira da cama para transmitir sua men

sagem, e enlim, quando o trabalho está leito, se afasta pelo mesmo

caminho. 11  Enquamo isso, o sonhador permanece quase completa

mente passivo: ele vê mna figura, ouve uma voz e ponto final. É

bem verdade que às vezes ele responde em sonho, e que uma vez

ele estica os braços para abraçar a figura em questão . 12  Mas estes

atos sao físicos, trata-se apenas daquilo que observamos nos homens

durante « sono. 0   sonhador não crê estar em outro lugar, a não ser

a sua própria cama; e na verdade sabe que está adormecido, pois a

figura onírica se esíorça para lhe indicar isso: “ você está adormecido, Aquiles”, diz o fantasma de Pátroclo; “você está adormecida

Pénélope”, diz a imagem de sombras na Odisséia.™ 

Tudo isso guarda pouca semelhança com nossa própria expe

riência de sonhos, e por isso muitos estudiosos têm estado inclinados

a descartá-lo - juntamente com muitas outras coisas na obra de Ho

mero, tomando-o como “ conve nção po ética” ou “ parafernál ia

épica” .M De qualquer maneira, trata-se de algo altamente estilizado,

como vemos pelas lórmtilas recorrentes. Voltarei em breve a esteponto. Mas, por enquanto, podemos notar que a linguagem utiliza

da pelos gregos, em todos os períodos, para descrever todos os tipos

de sonho, parece 1er sido sugerida por um tipo específico de sonho

110 qual o sonhador é o passivo receptáculo dc uma visão objetiva.

Os gregos nunca lalavam, como nós, dc te r   um sonho, mas sempre

dc ver   um sonho - o v a p lü a v , evujtviov toei v. A frase é apropria

da apenas para sonhos do tipo passivo, mas a encontramos mesmo

quando o sonhador é. ele mesmo, a figura central da ação do so-

nho. 15  Diz-sc aqui novamente que o sonho não c apenas uma “visita”

ao sonhador (tfKnrav, emoKOTteiv, mpocrelUteiv etc . ) 16  mas também

que ele “o vigia” (emoTr|vai). Este ultimo uso do termo e especial

mente comum em Heródoto, tomado por uma lembrança do oto  §'

ocp’ UTiep KEcpavriç (“ele permaneceu à sua cabeceira” ) 17  homéri

co. Mas sua ocorrência nos registros de templo lidio e epidáurico e

cm inúmeros autores tardios, de Isócrates aos apóstolos,'* dificilmente poderia ser explicada deste mesmo modo. É como se o sonho

 visionário e ob jetivo tive sse fi rmado raízes profundas, não apenas

na tradição literária como também na imaginação popular. Essa con

clusão e fortalecida, ate certo ponto, pelo retorno do mesmo termo

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P a d r ã o   d h   s o n h o s   r   p a d r ã o   d e   c u l t u r a Ml

no mito e na santa lenda, como capazes de  provar   sua objetividade

por meio de um sinal material deixado - o que nossos espíritas gos

tam de chamar “ aporte” , sendo o exemplo mais conliccido o sonho

incubado dc Bclerofon te em Píndaro, onde o “ aporte” é um arreiode ouro.|lJ

Mas retomemos a Homero. Os sonhos objetivos e estilizados que

estive descrevendo não são apenas aqueles sonhos com os quais os

poetas épicos estavam familiarizados. Que o sonho de ansiedade fos

se tão familiar ao autor da lliada   quanto para nós, sabemos por um

dito metafórico famoso: “como em sonho ele foge, e é inútii persegui-

lo - ele não consegue se mexer para escapar, mas os outros lampou-

co conseguem persegui-lo - assim Aqui les não podia ultrapassar

Heitor na corrida, nem sequer Heitor podia escapar dele” .2(1  O poe

ta não atribui tais pesadelos aos seus heróis mas sabe como são, e faz

um uso brilhante da experiência onírica, no intuito dc expressar sua

frustração. Ainda 110 sonho de Pénélope sobre a águia e os gansos,

na Odisséia  XIX, temos um simples sonho dc realização de desejo

repleto dc simbolismo, e o que Freud chama “condensação” c “des

locamento” : Penélope está chorando a morte de seus belos gan sos21

quando uma águia, repentinamente, fala com voz humana, explicando

ser Ulisses, Trata-se do único sonho homérico interpretado simboli

camente. Devemos crer que estamos aqui diante da obra de um poe

ta tardio que efetuou um salto do estágio primitivo, descrito pelo pro

fessor Rose, para o sofisticado terceiro estágio dc interpretação?

Creio que não. Qualquer teoria razoável sobre a composição da Odis-

 séia   dificilmente permitiria supor ser o livro XIX muito posterior ao

livro IV onde encontramos um sonho do tipo primitivo (“ obje tivo” ). Ale m disso, a prática de interpretação simból ica dos sonhos era co

nhecida do autor da lliada   V, c é geralmente vista como uma das

partes mais antigas do poema - lemos ali que um oneiropolos  [in

térprete dos sonhos] falhou ao tentar interpretar os sonhos de seus

filhos quando eles partiram para a guerra de Tróia .33

Sugiro, enfim, que a verdadeira explicação não reside em ne

nhuma justaposição de tipos de atitude, “primordial” e “tardia",

diante da experiência do sonho, mas sim numa distinção entre diferentes tipos de experiência. Para os gregos, como para outros povos

antigos, 3  a distinção fundamental se estabelecia entre sonhos signi

ficativos e não-significaiivos. Isto aparece cm Homero, na passagem

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112 Os t i R K G O S H O I R R A C I O N A L

sobre os portões de marfim e made ira. e será manlido através da an

tigüidade.2'1 Mas dentro da classe dos sonhos significativos, varios

tipos distintos também eram reconhecidos. Segundo uma classifica

ção transmitida por Artemidoro, Macrobio e outros escritores tardios

(mas cuja origem pode datar de mui to antes), distinguem-sc 1res ti

pos de experiência .25  Uma c a do sonho simbólico, que “se disfarça

sob metáforas, como um conjunto dc enigmas, com um significado

que não pode ser entendido sem o exercício da interpretação.” Um

segundo tipo c o  floraina  ou “ vis ão” que e tima antecipação direta

dc um evento futuro, como os sonhos descritos no livro do enge

nhoso J.W. Dunne. O terceiro tipo é chamado chrcinatisinos  ou“ orá culo’ c é reconhecido “ quando, durante o sono, o pai do sonha

dor ou algum outro impressionante c respeitado personagem, talvez

um padre ou mesmo um deus, revela, sem simbolismo, o que acon

tecerá ou não acontecerá, ou ainda o que deve ou não ser feito.”

Rslc último tipo não c, creio eu. nada comum cm nossa expe

riencia onírica. Mas há provas consideráveis de que sonhos deste

tipo eram comuns 11a antigüidade. Bles figuram em outras antigas

classificações. Calcídio. que segue um esquema diferente com rela

ção a outros sistematizadores.-'’ chama esse sonho de “ admonilio”

(“quando somos guiados e admoestados por conselhos de deusas an

gel ica is” ) e cita como exem plos os sonhos dc Sócrates 110 Crítias   e

no  Féd a n 21 O velho escri tor medico H eró filos (início do século 111

a.C.) tinha provavelmente este mesmo tipo em mente, ao distinguir

sonhos "enviados por deus ’, de sonhos que devem sua origem a uma

clar ividência “ natural’’ da mente, ao acaso ou à realização de um desejo. A literatura antiga está che ia destes sonhos “en viad os por

deuses” , nos quais uma única figura onírica se apresenta, como cm

Homero, ao sonhador e lhe passa uma profecia, um conselho ou um

aviso. Assim, um unciros  “velava” por Creso c o avisou de desas

tres vindo uros ; Hip arco viu “ um alio e belo hom em ” que lhe

transmitiu um verso de oráculo, assim como a “ bela e justa mulher”

que revelou a Sócrates o dia de sua morte, alravés dc citação dc Ho

mero. Alexandr e, o Grande, viu “ um homem cinzento e de aspecto venerável’ que também citava Homero, c que segundo o imperador

era. na verdade, o próprio Homero em pessoa.21'

Nao dependemos todavia deste gênero de prova literária, cuja

impressionante unilonnidade pode. aliás, ser facilmente atribuída ao

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I ’  a DUAO  »(; SONHOS l î PA DR À 0 D H Ç! H U IR A i 13

conservadorismo da tradição literária grega. Um tipo comum de so-nho “enviado por denses”, tanto na Grécia como em outras regiões,c o sonho que prcscrcve a «lerenda ou algum outro ato capaz de

manifestar religiosidade.3'1A prova concreta dc que isto ocorria estãem numerosas inscrições afirmando que a oferenda se faz “dc acor-do com um sonho" ou “após uma visão oníri ca” .11 Raramente sãolornecidos detalhes sohre o que se passa, mas há uma inscrição em

que se diz a um padre (cm sonho conta do por Sara pis) que ele deve

construir uma casa, pois a divindade está cansada dc viver em alo- jamentos temporá rios. E há um outro sonho, do qual se conta 1ersido enviado por Zeu s,12 dando instruções deta lhadas sobre como

deve funcionar a casa dc um devoto. Quase Iodas as provas encon-tradas nas inscrições datam dos períodos helenístico ou romano, masisto sc deve provavelmente ao acaso, já que Platão fala nas  Lcix  deatos de olerendas por lorça de sonhos ou visões, “sobretudo por partedc mulheres dc todos os tipos, e por homens doentes, cm situação

dc perigo ou diliculdadc, ou ainda que tiveram algum golpe de sor-te na vida”. Contase ainda na  Epinomis  que “muitos cultos de muitosdeuses foram fundados c continuarão a ser fundados graças a en-

contros oníricos com seres sobrenaturais, adivinhos, oráculos c visõesdo leito dc mor te’ . O testemunho de Platão sobre a IVcqiicncia detais ocorrências c ainda mais convincente se considerarmos que ele

 própr io tinha pouca le 110 caráter sobrena tural dos eventos.

A luz destes latos, creio que devemos reconhecer que a estilização do “sonho divino" ou chventaifsmos  não é puramente literária.Tratasc de um sonho perlcnccnle a um “padrão cultural”, no senti-do del ¡nido no início deste capítulo, pertencendo então à experiência

religiosa do povo, apesar de poetas como Homero e os que o segui-ram teremno adaptado a seus propósitos, utilizandoo como motivoliterário. Rstes sonhos desempenharam um papel importante na vidadc outros povos antigos, assim como na vida de muitas raças de hoje

em dia, A maior parte dos sonhos registrados pela literatura assíria,hitita e do antigo Egito e composta de “sonhos divinos” nos quaisum deus aparece deixando àquele que dorme uma mensagem que pod e ser uma pre di ção de futuro ou uma exigencia de culto,’4 Comoé de sc esperar de sociedades monárquicas, os sonhadores privilegia-

dos são normalmente reis (ideia que também comparece na lliada '1')', 

 plebeus deviam se contentar com sonhos simbólic os de tipo comum,que eram interpretados com o auxílio dc livros de sonhos.'1’ Algo

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114 O S ORÜGOS K O IRRACIONAL,

correspondente ao chrematismos  grego aparece, igualmente, em so-

nhos dc primitivos contemporáneos, mas normalmente eles nãoconferem nenhuma importancia especial a isto. Se a figura onírica é

identificada a um deus ou a um ancestral é algo que depende do pa-

drão de cultura local. As vezes tratase apenas de urna voz, como

quando o Senhor fala a Samuel, às vezes é um “homem de grande

esta tura” e anônimo, con form e vemos nos sonhos gregos.37 Em al-

gumas sociedades a figura é reconhecida como sendo o pai falecidodo próprio sonhador,33 e em outros casos o psicólogo pode estar in-

clinado a ver nele um substituto do pai, dispensando as funções

 paternas dc admoestação e orientação.39 Se tal visão está correta, tal -vez possamos encontrar um significado especial para o dito de

Macrobio, “um  pai  ou outro personagem capaz de impressionar e

impor respeito”. Podemos ainda supor que, enquanto persistisse a

velha solidariedade familiar, a manutenção de um contato onírico

com a imagem do pai teria uma significação emocional mais pro-

funda do que aquela dc uma sociedade individualizada como a nossa

 —a autoridade pa terna permanecendo ah inques tionada .

 No entanto , parece que o pe rsonagem “divino” de um sonhogrego não depende inteiramente de sua identidade com a figura oní-

rica. O aspecto evidente e direto (enargeia) de sua mensagem era

igualmente importante. Em vários sonhos homéricos o deus ou

eidolon   surge diante do sonhador sob o disfarce de um amigo vivo.4t)

É possível que na vida real os sonhos com pessoas conhecidas fos-

sem interpretados desse modo. Assim, quando Aelius Aristides

 procurava tratamento no templo de Asciépios em Pérgamo, scu ca -

mareiro sonhou com outro paciente (o cônsul Salvius), que no sonho

falava das obras literárias de scu patrão. Isto foi bom o bastante para

Aristides ter certeza de que a figura onírica era o próprio deus, “dis-

farçado de Salv ius".41 E claro que fez diferença o fato de ter sido o

sonho “procurado”, mesmo se a pessoa a quem ele apareceu não era

aquela m esm a que o procurava. Em todo caso acreditavase que qual-

quer sonho experimentado no templo de Asciépios deveria vir do

deus em questão.Técnicas para provocar o tão desejado sonho “divino” foram,

e ainda são, adotadas em muitas sociedades. Elas incluem o isola-

mento, a oração, o jejum, a automutilação, dormir sobre a pele dc

algum animal sacrificado ou próximo um objeto sagrado e, finalmen

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P  a d r ã o   d e   s o n h o s   e   p a d r ã o   d e   c u l t u r a   115

le, a incubação (isto é, dormir cm local sagrado), ou ainda uma com-

 bi nação disso tudo. O mundo antigo con tava pr incipalmente com a

incubação, como os camponeses gregos de hoje ainda fazem, mas

não faltam traços de outras práticas. Assim, por exempio, o jejum

era exigido em certos oráculos como a “caverna de Charon” na Ásia

menor e o santuário de Anfiaraos em Oropus.41 Neste últ imo local

era também comum dormir sobre a pele de um carneiro.41 O hábito

de se retirar para uma caverna sagrada em busca de sabedoria visio-

nária figura em lenda s con tada s por Epim ên ide s e Pitá go ra s.114

Mesmo a prática do índio americano, de cortar a junta do dedo no

intuito de provocar sonhos, nos fornece um paralelo estranho e par-cial face a isto.45 Na an tigüidade tardia existiam ainda meios menos

dolorosos de se chegar a um sonho oracular os livros de sonhos

recomendavam dormir com um ramo de louro sob o travesseiro; os

 papi ros mágicos es tão cheios de fórmulas encantadas e mencio nam

rituais privados com o mesmo propósito; e em Roma havia judeus

que vendiam qualquer sonho que se poderia imaginar, em troca dealgumas poucas moedas,46

 Nenhuma destas técnicas é mencionada por Homero. Nem mes-mo a incub ação apar ece m encio nad a.47 Porém , como vimos ,

argumentos extraídos do silêncio do autor são especialmente peri-

gosos. A incuhação havia sido praticada no Egito desde pelo menos

o século V a.C. e duvido que os minóicos o ignorassem.4*Quando a

vemos surgir na Grécia, ela parece normalmente associada aos cul-

tos da Terra e dos mortos, cultos que possuem um ar préhelênico.

A tradição diz, provavelmente dc maneira acertada, que o oráculo

original da Terra em Delfos havia sido um oráculo onírico.*' Em tem- pos histór icos a in cubação era praticada nos santuários de heróis

fossem eles homens mortos ou demônios clónicos e em certos abis-

mos tidos como entradas para o mundo dos mortos (necyonumteia). 

Os olímpicos não tinham o hábito de freqüentálos (o que pode per-

feitamente explicar o silêncio de Homero): Atena, na estória de

Belofonte, é uma ex ceção,511mas nela pode estar um vest ígio dc seu passado préolímpico.

Tenha ou não sido mais amplamente praticada na Grécia, a in-cubação parece utilizada sobretudo com dois objetivos: ou para obter

sonhos mânticos dos mortos ou para fins médicos. O exemplo mais

conhecido do primeiro caso é a consulta que Periandro faz a sua es

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1 1 6 Os gr kg os r: o i r r a c i o n a l

 posa mona, Melissa, cm um necyomanteion  a respeito dc um assunto

envolvendo negócios, quando uma “imagem” cia mulher morta sur-

ge e estabelece sua identidade, prescrevendo culto e insistindo na

necessidade de satisfação dc suas exigências, antes dc responder a

sua questão.?l Não há nada de realmente incrível nesta estória, e seja

ela verdadeira ou falsa, ainda assim parece refletir um padrão de cul-

tura mais velho, a partir do qual pôde se desenvolver um tipo de

espiritualismo comum em algumas sociedades. Mas na Grécia, a

crença homérica do Hades, bem como o ceticismo dos tempos clás-

s icos , devem te r co laborado no sen t ido de imped i r t a l

desenvolvimento. Na verdade, parece que os sonhos mânticos dosmortos desempenharam apenas um papel muito reduzido na Idade

Clássi ca.'2 Eles podem ter ganho maior importância cm alguns cír-

culos helenísticos, depois que pitagóricos e estoicos trouxeram os

mortos para mais perto dos vivos, transferindo o Hades para os céus.

De qualquer tnodo. lemos cm Alexandre Polislor que “o ar todo está

cheio de almas, idolatradas como daemons  e heróis, e são estes en-

tes que enviam sonhos e profecias à humanidade” (encontramos uma

teoria semelhante atribuída a lJosidôniov1). Mas aqueles que susten-

tavam uma tal visão não tinham motivo para procurar sonhos cm

lugares especiais, pois os mortos estavam em toda parte em suma.

não havia futuro para a necyoimnteia  no mundo antigo.A incubação médica, por outro lado. gozou de um brilhante re-

nascimento quando, ao final do século V, o culto de Asciépios

repentinamente assumiu importância panhclênica —posição que loi

mantida até o final dos tempos pagaos. Sobre as amplas implicaçõesdisto terei algo a dizer em capítulo mais adiante.54 Por enquanto es-

tamos preocupados apenas com os sonhos que o deus enviava aos

seus pacientes. Desde a publicação dos registros do templo de Epi

dauro cm 1K 8 3 .S5  tais sonhos têm sido muito discutidos, c uma

mudança gradual dc nossa atitude lace aos latores naoracionais daexperiência humana tem sc relletido nas opiniões dos estudiosos. Os

comentadores mais antigos sc contentavam em descartar os regis-

tros como uma falsificação deliberada da parte dos sacerdotes, ousugeriam, dc modo não convincente, que os pacientes eram droga-

dos, hipnotizados ou confundiam estados de vigília com momentos

de sono, e sacerdotes paramentados pelo curador divino.*6 Talvez,

 poucos ficassem satisfeitos com es tas cruas explicações nos dias de

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P  a d h â o   p i - s o n h o s   r   p a d r ã o   dl î  c u l t u r a   I 17

hoje. Nas 1res maiores contribu ições lei las pela atual geração (as de

Wemrcich, Herzog e Edelstein57) podemos observar uma crescente

ênfase no caráter genuinamente religioso da experiência. Eis uma

visão que me parece inteiramente justificada. Mas há ainda diferen-ças dc opinião quanlo à origem dos registros. Herzog crê que eles

se baseiam, de um lado, cm placas comemorativas genuínas, dedi-

cadas a parentes e contendo votos religiosos tais placas poderiam

entretanto ser elaboradas e expandidas durante o processo de incor-

 poração. Por outro lado, eles se fundariam na tradição do templo,

tendo absorvido para si estórias de milagre de diversas fontes. Em

contrapartida, Edelstein aceita as inscrições como uma fiei reprodu-ção da experiência dos pacientes.

E dilícil de atingir qualquer certeza quanto ao assunto. Mas o

conceito de sonho ou visão pertencente a um padrão de cultura tal-

vez possa nos aproximar de uma compreensão da gênese de

documentos como os registros de Epidauro. Experiências deste tipo

refletem um padrão de crença que é  aceito, não apenas pelo sonha-

dor, mas normalmente por iodos à sua voita: sua forma é determinada

 pela crença as qu ais reciprocamente vêm conlïrmâla. Elas sc lornain por conseguinte cada vez mais estilizadas. Como salientou Tylor

há muito tempo, “lralase de um círculo vicioso: aquilo em que o

sonhador crê ele acaba por ver. e ele acredita no que vê”.5*Mas o

que acontece caso ele não consiga ver? Eis aliás algo que deve ter

acontecido com freqüência cm Epidauro como dizia Diógenes das

 placas de voto religioso de uma oulra divindade: “haveria muilo mais

delas se aqueles que ncio  foram resgatados lambem tivessem feito

dedicatór ias” .5!í Mas os casos fracassados não imporlavam, a não ser para o indivíduo, pois a vontade de um deus era ine scrutável —“Ele

tem misericórdia daqueles sobre quem Ele será misericordioso”. Ou

ainda: “eslou delerminado a deixar o templo imediatamente”, diz o

fofoqueiro doente de Plauto, “pois observo a decisão de Asciépios

e l e nem cuida de mim nem quer me s a lv a r" /’I)MuiUis homens

doentes devem lêlo dilo. Mas o verdadeiro crente era sem dúvida

dc uma paciência infinita: sabemos quão pacientemente os primiti-

vos esperam por uma visão plena dc significado;1’ c com o as pessoascontinuam a visitar Lourdes, por exemplo. Freqüentemente o sofre-

dor linha dc se contentar com uma revelação indireia, para dizer omínimo. Vimos, assim, como o sonho de uma pessoa estranha sobre

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118 O s GRI iGOS F. O IRRACION AL

um cônsul podia ser útil se necessário. Mas Aristides havia também

ex pen men lado, segu ndo sua própria crença, a presença de um deus

 pessoal e a desc reveu em termos que vale a pena citar:62 “Era como

se fosse possível tocáio”, diz ele, “a noção de que ele está ali em

 pessoa. Queremos abri r os olhos, ali mesmo, entre son o e vigflia, e

no entanto, tememos que ele se afaste rápido; escutamos e ouvimos

coisas, às vezes como num sonho, outras vezes como se estivésse-

mos acordados; nosso cabelo sc levanta ao f inal; gr i tamos e

sentimonos felizes; o coração se incha mas sem se vangloriar.63 Ora,

que ser humano seria capaz dc pôr esta experiência em palavras?

Mas qualquer pessoa que tenha passado por isso dividirá comigo oconhecimento e reconhecerá o estado mental em questão”. O que

aqui é descrito é a condição de transe autoinduzido, dentro da qual

o paciente adquire um forte sentido interno da presença divina, ou-

vindo ao final a voz divina, externada apenas pela metade. E possível

cjuc muitas prescrições divinas mais cheias dc detalhes lossem rece-

 bidas por pacientes cm estado semelhante a este, e não prop riamente

cm sonhos.

A experiência dc Aristides é  simples e subjetiva, mas ocasio-nalmente um fator objetivo pode entrar em jogo. Lcmo s nos registros

dc Epidauro que um homem adormeceu durante o dia (ora do tem-

 plo, quando uma das cobras domesticadas do deus se aproximou e

lambeu scu dedo dolorido. O homem acordou “curado”, e disse ter

sonhado que um belo jovem pôs uma atadura cm scu dedo. Isto lem-

 bra a cena do  Plu tus  de Aristófanes cm que as cobras ministram

tratamento curativo após uma visão do deus. Também lemos a res-

 peito dc curas praticadas por caes que se aproximam c lambem a

 pa rte afetada do pacient e quando este se encontra completamente

acordado .6' Não há nada dc incrível aqui basta não insistirmos na

 permanência da idéia de “cura” . A constituição lísica do cão e as

virtudes terapêuticas da saliva são bem conhecidas dc todos. Tanto

cães quanto cobras eram, no caso, bastante reais. Uma insciiçao ate-

niense do scculo IV ordena, por exemplo, uma o lerenda de bolos a

cães considerados sagrados e temos ainda a estória de Plutarco a res- pei to do esperto cão do templo, que descobriu um ladrão rou band o

os votos religiosos, sendo premiado com jantares bancados pela po-

 pulação, pa ra o resto dc sua vida.M Por sua vez, a cobra do templo

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P a d r à o   d e   s o n h o s   e   p a d r ã o   d e   c u l t u r a 119

figura no espetáculo de pantomima de Herodes: senhoras lembram

de derramar um pouco de mingau no seu casulo.66

De manhã cedo, aqueles que tinham sido brindados com a vi-

sita noturna do deus contavam suas experiências. Aqui devemos

tomar generosamente em consideração o que Freud chamou de “ela-

 boração secundária” , algo cujo efeito é “que o sonho perde a

aparência absurda e incoerente ganhando a forma de uma experiên-

cia inteligível”.67Neste caso a elaboração se cundária terá agido, sem

engano da consciência, para trazer o sonho ou visão para mais per-

to de uma conformidade com o padrão de cultura tradicional. Por

exemplo, no sonho do homem com o dedo dolorido, a belezadeiforme da figura onír ica é o tipo de traço tradicional68 que poderia

ser facilmente acrescentado ao estágio inconsciente. Mais ainda: creio

que devemos considerar como certo, em muitos casos, uma elabo-

ração terciária61' contribuição dos sacerdotes, ou talvez com a inda

mais freqüência, de pessoas próximas dos pacientes. Todo rumor a

respeito de uma cura que trouxesse (como de fato trazia) esperança

aos desesperados seria apro priada e magni ficen te na esperançosa co-

munidade dos sofredores, que foi unificada, segundo Aristides,

graças a um sentido cada vez mais forte de camaradagem .711Aristó-

fanes capta de maneira correta a psicologia do momento ao descrever

os pacientes excitados demais para dormir e se aglomerando em tomo

de Plutus para parabenizálo por recuperar sua visão.71 Para com -

 preender esta espécie de meio, devemos remeter aos elementos

folclóricos dos registros de Epidauro, e também às estórias de ope-

rações cirúrgicas praticadas pelo deus sobre pacientes adormecidos.E significativo que Aristides não saiba de nenhuma cura por meio

de cirurgia em sua própria época, mas acredite que tais curas eram

freqüentes “no tempo dos avós dos atuais sacerdo tes” .72 Me sm o em

Epidauro ou Pérgamo era necessário dar tempo ao tempo para que

uma estória como essa pudesse florescer.

Finalmente cabe uma palavra a respeito do aspecto médico de

todas estas atividades. Nos registros, as curas são representadas so-

 bretudo como instantâneas.73 Algumas talvez o fossem. É porémirrelevante perguntar pela duração da melhora do paciente. Basta que

“ele parta de lá curado” ("uyniç auri^Ge). Não há necessidade que

tais curas tenham sido numerosas como vimos no caso de Lour-

des, um santuário pode manter esta reputação mesmo a partir de uma

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120 Os GKEGOS K O IRRACIONAL

 ba ixa ta xa dc sucesso, desde que alguns casos de cura tenham sido

sensacionais. No que concerne às prescrições de sonho, sua quali-

dade variava naturalmente não apenas de acordo com o conhecimento

médico do sonhador, mas com sua atitude inconsciente diante dadoença.711 Há uns poucos exemplos cm que as prescr ições parecem

 bastante racionais, embora não propriamente originai s, como quan-

do a sabedoria divina prescreve gargarejo para garganta inflamada

e vegetais para casos de constipação. “Pleno de gratidão”, diz o re-

ceptáculo da revelação, “parti curado”.” Na maior parle dos casos

a farmacopéia divina é puramente mágica. O deus faz seus pacien-

tes engolirem veneno de cobra ou cinzas do altar, ou então manchar

seus olhos com sangue de galo branco .7''' Edel ste in ressaltou, cor re-

tamente, que estes remédios ainda desempenhavam um grande papel

também na medicina profana.77 Porém, permane ce a importante di-

ferença de que nas escolas médicas eles estavam sujeitos, pelo menos

cm princípio, a receberem críticas racionais, ao passo que cm so-

nhos o elemento do juízo ( t o   ejuicpivov) está ausente, como afirmou

Aristóteles.7*A influencia da atitude inconsciente do sonhador pode ser vis

la nas prescrições de sonhos dc Aristides, muitas das quais ele

 procurou registrar. Como ele ali rma; “Elas são o exa to oposto do

que poderíamos esperar; são. na verdade, o tipo dc coisas que natu-ralmente procuramos evitar." Sua característica comum é a extrema

simplicidade, variando dos vômitos com fins medicinais, banho de

rio duraiiLe o inverno e hábito de correr sobre o gelo até o naulrágio

voluntário c o sacrifício de um dos dedos™ símb olo cujo signifi-

cado seria explicado por Freud. Estes sonhos parecem ser a expressão

de um desejo bem assentado de aulopuniçâo. Aristides sempre foi

obediente a eles (apesar de que, com relação aos dedos, scu incons-ciente cedeu a ponto dc deixálo dedicar um anel como substituto

no sacrifício em questão). Entretanto, de algum modo ele soube so- breviver aos eleitos de suas próprias prescrições. Como disse o

 professor Campbell Bonner , Aristides provavelm ente tinha a consLituição icrrea de nm inválido crônico.1,11Na verdade, a obediência a

estes sonhos pode lambém 1er proporcionado lima redução de seus

sintomas neuróticos. Mas de modo bem simples e geral, há pouco adizer sobre um sistema que colocava o paciente à mercê de seus pró-

 pr ios impulsos inconsciente s, dis larçados de advertênc ias divinas.

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P a d r ã o   d f . s o n h o s   f   p a d r ã o   d l ; c u l t u r a 1 2 1

Podemos também aceitar o IVio juízo de Cícero, para quem “poucos

 pacientes devem suas vidas a Asciépios mais do que a Hipócra te s” ;*1

e não devemos permitir que a moderna reação ao racionalismo oculte

a real dívida que a humanidade tem para com os médicos gregosdos primordios, que apostavam nos principios da terapia racional

contra superstições da idade de ouro, como esta que estivemos con-

siderando até aqui.

Já que menc ionei as visões au loinduzi das em conexão com o

culto a Asciépios, posso acrescentar mais algumas observações ge-

rais a propósito das visões em eslado de vigília c das alucinações. E

 provável que estas experiências fossem mais comuns cm tempos an-

tigos do que são hoje em dia, pois parecem relativamente freqüentes

entre povos primitivos. Mesmo entre nós elas são menos raras do

que freqüentemente se supõe.1* Em geral elas têm a mesma origem

e estrutura psicológica dos sonhos, e coino sonhos, tendem a refle-

tir padrões dc cultura tradicionais. Enlre os gregos, o tipo mais

comum c a aparição de um deus ou a escuta dc uma voz divina que

ordena ou proíbe a execução dc certos atos. Este tipo figura, sob o

nome dc “spcclaculum" na classificação que Calcídio laz dos so-nhos c visões. Seu exemplo é o daemoiiiitm  de Sócrates,*1Quando

tivermos assumido toda a influência que a tradição literária tem na

criação de formas estereotipadas, poderemos concluir que experiên-

cias deste tipo foram bastante freqüentes na época, e que continuaram

a ocorrcr mesmo posteriormente.

Concordo com o professor Latte,*5 que quando H csíodo nos

conta sobre a musa e como ela lhe falou no Helicón,** não se trata

dc alegoria nem de ornamento poético, mas de uma tentativa dc ex-

 pressar uma experiência real em te rm os li terários. Também podemos

aceitar como razoável a visão que Filípidcs tem do deus Pan, diante

dc Maratona, como sendo histórica, resultando, enfim, no estabele-cimento dc um culto a Pan em Atenas.*7 Aceitamos ainda a visão

que Píndaro tem da mãe dos deuses, sob a forma de uma estátua de pedra, que também teria levado ao estabelecim ento de um culto, em-

 bora aqui a autoridade não se ja contemporânea ao fato.11* Estas trêsexperiências têm um interessante ponto em comum: todas ocorre-

ram em lugares solitários c montanhosos a de Hesíodo no Helicon,

a de Fi lipides na passagem selvagem do monte Parlhenion, a de Pín-

daro durante uma tempestade nas montanhas. Isto provavelmente não

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122 O S GR KG OS E 0 IRRACIONAL,

é acidcnlal. Exploradores, montanhistas e aviadores têm às vezes ex-

 periênc ias est ranhas mesmo nos dias de hoje —um exemplo bastan teconhecido é a presença de algo que teria assustado Shack le ton e seus

companheiros na Antártida.** Uin dos médicos gregos mais velhosde fato descreve um estado patológico, no interior do qual um ho-

mem pode vir a cair “se estiver viajando numa estrada solitária e o

terror o apanhar”.*' Precisamos lembrar aqui que a maior parte da

Grécia era, e ainda é, um país dc pequenas colônias espalhadas, se-

 pa radas por vastas extensões de montanhas so litárias e deso ladas,

q u e r ed u z e m à i n s i g n i f i c â n c i a as p o u c a s f a z e n d a s e p y a

(xv0 pGWio)v. A influência psicológica da solidão não deve ser sub es-

timada. _ Resta ainda traçar brevemente os passos através dos quais um

 punhado de intelectuais grego s conseguiram atingir uma ati tude mais

racional face à experiência onírica. Ate aqui, e seguindo nosso co-

nhecimento fragmentário, o primeiro homem q ue explicitamente pôs

o sonho cm scu devido lugar toi Heráclito, com a observação de que

durante o sono cada um de nós se retira para um mundo próprio.

Isto não apenas exclui a idéia de sonho objetivo , como parece im-

 pl icar uma negação da validade da exp eriência onírica em geral, jáque a regra de Heráclito c “seguir o que temos de comum ",''2 E tudo

indica que Xenófanes também negaria tal validade, já que dele se

diz ter rejeitado iodas as formas de adivinhação, incluindo prova-

velmente o sonho verídico*1Mas estes primeiros céticos não se

 propunham explicar, ao que nos consta, como ou por que os sonhos

ocorriam. Sua visão das coisas necessitava de tempo para ganhar

aceitação. Dois exemplos servirão para mostrar como certos velhos

modos de pensamento ou de expressão persistiram ao final do sécu-lo V a.C. O cético Ar tabanus. na obra dc Heródoto, observa a Xcrxes

que a maior parte dos sonhos são sugeridos por preocupações da vida

desperta, apesar de ainda falar delas de modo “objetivo” , como “ va-

gando entre os home ns” .M E a teoria atomística de Dem óciito a

respeito dos sonhos considerados como eidola,  que emanam conti-

nuamente de pessoas e objetos, e aíclam a consciência do sonhador penetrando os poros do corpo, não passa de uma tentativa dc fo rne-

cer uma base mecanic ista para a idéia de sonho objetivo. Ela preserva

mesmo a palavra de Homero de uma imagem onírica objetiva.Jí Esta

teoria assegura explicitamente a existencia dc sonhos telepáticos,

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P a d r ã o   d f . s o n h o s   f . p a d r ã o   d e   c u l t u r a 123

declarando que os eidola   carregam representações (e^otasiç) de

ativ idades mentais de seres dos quais clcs se originam .1*

Deveríamos esperar, entretanto, que ao finai do século V a.C.

o tipo tradicional de “sonho divino”, não mais nutrido por uma féviva nos deuses t radicionais ,1 declinasse em freqüência e im por tân-

cia o culto popular a Asciépios constituindo por bons motivos uma

execção. Há, de falo, indicações dc que outros modos dc encarar os

sonhos estavam ficando mais em voga nesta época. As mentes reli-

giosas estavam agora inclinadas a ver no sonho uma prova dos

 poderes inatos da alma, passíveis de ser exercidos quando liberados

dos vulgares incômodos do corpo através do sono. Tal desenvolvi-

mento pertence ao contexto de idéias chamadas “órficas”, comoanalisarei no próximo capítulo.^

Ao mesmo tempo, há provas dc um vivido interesse na

oneirocritice   arte de interpretar o sonho privado de modo sim bó-

lico. Assim, em Aristófanes, um escravo fala da contratação de um

 prat icante desta ar te , traba lhando mediante o pagamento dc peque-nas quantias; contase também que um neto dc Aristides, o Justo,

teria vivido disso, ajudado por uma táb ua de corre s pon dcn ciasTO(nivCïKiov). Foi a partir dcslcs ra v ir a .a que sc desenvolveu o pri-

meiro livro dc sonhos grego, o mais antigo devendo datar do final

do século V a.C.""’

O tratado hipocrálico On Regimen  (tiepi 5 iaiTT)ç) que Jaeger

datou dc mea dos do século IV a.C.1'11con tem uma in teressan te ten-

tativa de racionalizar a oneirocritice  estabelecendo uma relação entre

grandes classes de sonhos c o estado fisiológico do sonhador, tra-

tandoos com o sin tomas importantes para o méd ico.103 Este autoradmite sonhos “divinos” précognitivos e da mesma maneira, reco-

nhece, sã o realizações dc desejo sem qua lquer di sfa rce.11,5 Mas os

sonhos que interessam a ele enquanto medico são os que expressam

estados fisiológicos mórbidos, de forma simbólica. Ele os atribui a

clarividência médica da alma quando durante o sono ela se “torna

mestre de si mesma" c capaz dc examinar a morada corporal sem

dis tração11,4(aqui a inf luência da visão “órfi ca” é evidente). A parti r

deste ponto dc vista, ele procede a uma justificativa das várias in-

terpretações tradicionais de analogias mais ou menos imaginárias

entre o mundo externo e o corpo humano, macrocosmo e microcos-

mo. Assim, por exemplo, a terra faz as vezes da carne, o rio equivale

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124 Ok gregos  li o irracional

ao sangue, uma árvore pelo sistema reprodutivo; sonhar com um ter-

remoto é um sintoma de mudança fisiológica, enquanto sonhos sobre

os mortos dc referem à comida que se ingeriu, “pois dos mortos vêm

a nutrição, o crescimento e a semente” .105Ele antecipa assim o pr in-cípio freud iano de que o sonho c sempre egocêntrico,"16 emb ora sua

aplicação fique restrita demas iadamente ao plano fisiológico. Ele não

reivindica nenhuma originalidade para a sua interpretação, alguns

dc seus aspec tos sendo sab idam ente bem ant igos;1”7 mas af irma que

faltava uma hase racional aos intérpretes anteriores que não pres-

creviam tratamento aos pacientes, com exceção de rezas, o que, na

sua opinião, não é o bastante.l(W

 No Timeu,  Platão oferece uma curiosa explicação sobre os so-nhos mânticos; eles se originariam dc uma intuição da alma racional,

mas seriam percebidos pela alma irracional como imagens relleti

das na superfície suave do fígado daí scu caráter ob scuro e

simbólico que torna necessária a interpretação.Assim ele permite

estabclcccr uma relação indireta entre a experiência onírica e a rea-

lidade, ainda que aparentemente não a tenha cm alia conta. Umacontribuição muito mais importante foi feita por Aristóteles em seus

dois curtos ensaios Sobre os sonhos  e Sobre o adivinhação nos so-nhos,  Sua abordagem do problema c friamente racional, sem ser

superficial, c ele nos exibe, por vezes, uma brilhante intuição, como

ao reconhecer uma origem comum para os sonhos, as alucinações

dos doentes c as ilusões do homem sadio (por exemplo, quando to-

mamo s um estranho pela pessoa que queríamos ver).1111 Ele nega que

alguns sonho s sejam enviados por deuses ( 0EO7i£|iTrra) se os deu -

ses desejassem transmitir algum conhecimento aos homens, cies o

fariam durante o dia, c escolheriam os receptáculos de modo mais

cu ida doso.11' No entanto, mesmo não sendo divinos, os sonhos po -

dem scr chamados daemon icos, “pois a natureza é daemonicd — uma

observação que, como dizia Ercud, contém um profundo significa-

do se co rreta m ente int er pr eta da .112 Com respeito aos sonho s

verídicos, Aristóteles adota nos ensaios, e a exemplo de Freud, uma

atitude não comprometedora. Ele já não íala dos poderes inatos dc

adivinhação da alma como em sua romântica juventude,ll3e rejeita

a teoria dos eidola  atômicos de Dcm ócril o.1N Ele aceita dois tipos

de sonhos como inteligivelmente précognitivos; sonhos conduzin-do a um conhecimento prévio do estado de saúde do sonhador,

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P a d r ã o   d e   s o n h o s   k   p a d k m .i  dh   c u l t u r a 125

razoaveimente explicados pela penetração na consciência de sinto-

mas ignorados durante as lloras dc vigilia; c aqueles que se realizam pela sugestão de Lima trajetória de ação para o sonhador.115 Para ele,

se alguns sonhos não incluídos nessas classes se mostrarem verídi-cos, deve ser coincidênc ia (at>|i7rt cotia). Ele sugere ainda, como

alternativa, uma teoria dc estímulos por onda, em analogia com dis-

túrbio s pro pa ga do s na água e no ar .Ufi Sua a b o rd a g em écompletamente científica, não religiosa, e é   duvidoso que a ciência

moderna tenha avançado muito quanto a esta questão.A antigüidade tardia certamente não avançou com relação a

Aristóteles. A visão religiosa dos sonhos foi revivida pelos estoicos,

e ainda aceita até mesmo por peripatéticos, como um amigo de Cí-cero, Crát ipo."7 Na opinião avalizada dc Cícero, os filósofos desta

“clientela dc sonhos" haviam feito muitos esforços para manter viva

uma superstição cujo único efeito era aumentar o peso dos medos cansiedades humanas .11* Mas scu protesto não recebeu a devida aten-

ção os livros de sonhos continuaram a se multiplicar; o imperado r

Marco Aurélio agradecia aos deuses pelo conselho médico que lheera outorgado durante o sono; Plutarco sc absteve de comer ovos

devido a ccrlos sonhos; Dio Cássio foi inspirado por um sonho aescrever livros de história; e mesmo um cirurgião, tão iluminado

quanto Galeno, estava sempre prestes a executar uma operação ins-

tado por um sonho.IWFosse por causa de uma intuitiva noção de queos sonhos estão afinal relacionados à vida humana na sua intimida-

de, ou por razões mais simples, como as que mencionei no iníciodeste capítulo, o fato c que a antigüidade não sc contentava com o

Portão dc Marfim, insistindo que deveria haver, por vezes c de al-

gum modo, um Portão de Ferro.

N o t a s   d o   c a p í t u l o   IV

!. Sobre a atitude dos povo s primitivo s diante da exp eriên cia onírica ver L. 

L ev y- ti ru hi,  Primit ive M enta li ty ,  cap. Ill .e  L'expér ience M ystique,  cap. III.

2. Teolrasto, Camteres  16 (28 J,).3, Ver M alinow ski, Sex and Repression in Sava ge Society,  92 sg. e especial

mente J.S. Lincoln, The Dream in Primitive Cultures   (Londres, 1935). Cf. 

também Georgia Felehner,  D ream s in O ld N orse L itera tu re a n d their  

 A ff init ie s in Folk lo re  (Cambridge, 1935), 75 sg.

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1 2 6 Os GRECOS E O IRRACIONAL

4. C.G. Jung veria tais son lios com o baseados em “imagens arquetípicas” trans

mitidas por uma suposta memoria racial. Mas, como observou Lincoln (op. 

cit., 24), seu desaparecimento durante o colapso dc urna cultura indica que 

as im agens são transmitidas cultural mente. O próprio Jung (Psychology and  

 Religio n,  20) relata o reconhecimento sintomático de um curandeiro que  

“confessou que não linlia mais sonhos, pois havia em seu lugar o comissá

rio do distrito. ‘Desde que os ingleses aqui chegaram não temos mais 

son hos’, ele disse. ‘O comissário do distrito conhece tudo a respeito de guer

ras e doenças, e sobre onde devemos morar’.”

5. Jane Harrison,  Epilegom ena to the Stu dy o f G reek Religio n,  32. Sobre a 

relação entre sonho e mito, ver também W,H.R. Rivers, “Dreams and  

Primitive Culture”,  Bulletin o f Jo hn Ry lands Lib rary,  1918, 26; Lêvy-Bruhl, 

 L ’expérie nce mys tique' ,  Clyde Kluckhohii, “Myths and Rituals; A General Theory",  H arvard Theolo gic al Revie w   35 (1942) 45 Sg.

6.  P ri m it iv e Culture in Gree ce ,  151,

7. Píndaro, frag. 116B (131 S.). Cf. cap. V, infra.

8. O mais recente e m eticuloso estudo dos sonhos em H omero é o de Joa

chim Hundt,  D er Traum glaubc be i H om er   {Greiíswald, 1935) de onde 

aprendi bastante. So nh os “ob jetiv os'’ são, segun do sua termin ologia = 

"Ausseiilraume”, em contraste com “Innentraume" que são encarados como 

experiências puramente mentais, ainda que possam ser provocados por cau

sas externas.

9. o ve tp oç com o “experiência de sonho” parece ocorrer cm Homero apenas 

na frase ev ove i pro ( l i tada , 22.199; Odisséia , 19,541, 581 = 21.79).

10. l i tada,   23.65 sg. Odisséia , 6.20 sg, em que Zeus envia o oveipoç como 

antes havia enviado ísis; êlSúAov criado ad hoc ,  Odisséia 4.795 sg. Na 

l l iada,  e nos dois sonhos da Odisséia,  a figura onírica é disfarçada  de pes

soa viva; mas não vejo razão para supor, como Hundt, que é realmente o  

“Bildseele” ou a sombra da alma que está dc visita ao “Bildseele” do so

nhador (cf. a crítica de Bíihtne, Gnomon,  11 11935]).11. Entrada e saída por um buraco da fechadura, Oilisséia,  4.802, 838; oiri 5 

ccp UTcep Ke^aXliç, i l tada 2.20,  23.68, Odisséia   4.803, 6.21. Cf. também  

 fi la da ,  10.496 onde um sonho atual está certamente em jogo.

12. l l iada,  23.99.

13. l l i ada ,  2 ,23, 23.69. Odissé ia ,  4,804, Cf. Píndaro, OI.  13.67: euôeiç, 

A 10 .1 Scc PoíciA êih Ésquilo,  Eumênides,   94; euSoiT ctv.

14. Cf. Hundt, op. cit. 42 sg,, e G. Bjórck, “ovap iSetv: de la perception de la  

rêve chez les anciens”,  E ranos  44 (1946) 309.

15. Heródoto 6.1 0 7 .1 e outros exem plos citados por Bjorck, toc. cit.,  311.

16. (fionotv, Safo,  P. Oxy.  1787; Ésquilo  P. V.,  657 (?); Eurípides,  Ale .  355; He

ródoto 7.16(3; Platão,  Féd on   60E; Parrhasios apud Atena, 543F. EmoKOJieiv.

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P a d r ã o   d e   s o n h o s   e   p a d r ã o   d e   c u l t u r a 1 2 7

Ésquilo,  Agamenón   13; 7ttoÁEia0cxi, Ésquilo  P.V.  645; 7tpoaeX0eiv, Pla

tão, Crítias 44A.

17. Heródoto, 1.34.1; 2.139.1, 141.3; 5.56; 7.12; cf. Hundt, op. cit., 42 sg.

18. icc |ioa a, 4, 7 (veja n. 55);  Lindian Chronic le , ed. Blinkenberg, D 14,

68, 98; Isócrates, 10.65; Acts 23; 11. Mu itos outros exe mplo s deste uso 

aparecem em L. Deubner, de incubatione , p. 11 e 71.

19. Píndaro, 01.  23.65 sg. Cf. também Paus. 10.38.13, onde a figura onírica  

de Asciépios deixa uma carta. A incubação dos sonhos nórdicos procede  

de modo similar, cf. Kelchner, op. cit. 138. As operações de sonhos  

epidáuricas (n. 72 ) são uma variação do mesmo tema. Sobre “aportes” na 

teurgia, ver Apêndice II, nota 126.

20.  Ilíada , 22.199 sg. Aristarco parece ter rejeitado essas linhas; mas os argu

mentos dados nos esco lios - que são “banais em estilo e pensamento” e que “desfazem a imagem veloz de Aq uiles” - são tolos, e mesmo as obje- 

ções de comentaristas modernos não são melhores. Leaf, que acha o verso  

200 “tautológico e esquisito”, errou ao observar o valor expressivo das re

petições como significando frustração. Cf. H. Frãnkel,  D ie hom erischen  

Cleichnisse,  78 e Hundt, op. cit. 81 sg. Wilamowitz encontrou uma metá

fora admirável, mas unertrãglich  no presente contexto (Die ¡lias u. Homer,

100); a sua análise parece-me hipercrítica.

21. Odisséia,  19.541 sg. Estudiosos viram um defeito neste sonho no fato de 

Penélope lamentar a morte dos gansos ao passo que acordada ela não la

menta a morte dos pretendentes que os animais simbolizam. Mas tal  

“inversão do afeto” é comum em sonhos reais (Freud,  A in te rpreta ção dos 

sonhos).

22.  Ilíada,  5.148 sg. O oveipo7tolÁ.oç pode ser apenas um intérprete (eKpivoa  

ovetpouç). Mas somente em outra passagem homérica que a palavra apa

rece,  I lía da   1.63, pode significar um sonhador   especialmente favorecido 

(cf. Hundt, op. cit., 102 sg.), o que atesta a antigüidade, na Grécia, do so

nho “de busca”.23. Cf. Sirach 31 (34); 1 sg.;  Laxdaela Saga,  31.15. Como Bjõrck observa (lo c . 

cit.  307), sem a distinção entre sonhos significativos e não-significativos,  

a arte de interpretação não poderia jamais ter se mantido. Se houve um pe

ríodo, antes de Freud, em que os homens acharam que todos   os sonhos 

possuíam algum significado, ele reside há muito tempo. “Os homens pri

mitivos não crêem em todos os sonhos, de modo indiscriminado. Alguns  

sonhos merecem crédito, outros não.” (Lévy-Bruhl,  Prim it iv e M enta li ty ,

101 ).24. Odisséia,  19.560 sg.; cf. Heródoto 7.16; Galeno, 7tepo tt|ç e£, £VU7m(0V 

SiaYVCüoecoç (VI. 832 sg. R.). A distinção é sugerida em Ésquilo, Coéforas  

534, onde, acredito, deveríamos pontuar, com Verrall, om o i ( la x a io v  

avôpoç o\|/avov TteA.£i: “Isto não é um mero pesadelo; é uma visão sim-

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i2 a Os (.'.nucios liO IRRACIONAL

bél ica   do l iomem". Ar tcmidoro e Macrob io reconhecem o Evunvtov

á.oiipavT üV e também ouíro t ipo de sonho nao significativo, cham ado f a n -

tasma,  que inclui, dc acordo com Macrobio: a) o pesadelo (HfHaÃTpç), c

 b) a lupiwpôiiipica  visão que a contece para algum as pessoas em rc a vigilia

c o sono e foi primeiramente descrita por Aristóteles ( Inxomn.  4 62 1' 1 1).

25. Artcmidoro 1.2, p. 5 Hercher; Macrobio, in Son ni. S d p .   1.3.2: ¡Aug.] tie  

 sp ir itu cl anim a,  25 (PL .  XL.798); Joann. Saresb.  Poly crai.   2.15 (P.L. 

CX CI X.429 A ); N iceph oros G rego ras, in Synesiiim de insoinn. {P.O. 

CX LIX.6Ü8A ), As passage n s foram coligidas c o seu relacionam ento d is-

cutido, por Dcubncr. (le incuhaliane,  l sg. As definições do texto são de

Macrobio.

26. Isto loi visto por J. H. Waszink,  M nemasin e,  9 ( 1941) 65 sg. A classifica-

ção de Calcidio combina idéias platônicas e judaicas: Waszink levanta a

hipótese de que ele pode tclo feito a partir de Numenius por meio de Por

Tirio. Co nve rsa di reta com algum deus a parece tam bém na classificação dc

Posidônio (Cícero, div.  1.64).

27. Caleídio, in Tim.  256, citando o Crílias 44 R e o  Fcdon   60E.

28. Aclius,  P ia d la  5,2,3: Hp o^iX oç iújv ov eipw v ra u ç pev Geotieiitctouç kcxt

rv(/7kT|v yiveaOai iouç Se ^dolkouç ü.VËiStûA.o7toiou|i£VTiç 'j/nxnç tooup<|) i'pov oiu tp r a t to íicxvtojç eooj. ievov tu u ç Se «uyK paptxr iKm jç ek

to ï) a i iT o p a io u k « t e iShAíov TïpocmTCOcriv . .. o r a v o: fkmXopeOo:P^.E.rai)).ii:v, oiç em xaw r a ç ep to p E v aç opojvT<úv êv UTtvo) y iv etoü . A úl-

tima parte desla declara ção deu m uito trabalho (ve r Die Is ad loe.. Dox fír. 

416). Creio que sonhos ''mesclados" (aUYKpanoCTtKOVÇ) são sonhos dc

monstros ((ftavxrtapcíia) que, na teoria dc Dcmóeriio, brotam dc uma for-

tuita conjunção tie EiõcúÁü., ubi equi alqitc liomiiiis casit convenii imago  

(Lucrécio 5.741). Mas um sonho com a pessoa amada não eabc neste tipo

dc sonho. Galeno tem cuY tcpi |jcmK oi)ç, que Wellmann e xplica como “or-

gânico" (A ich. f . f í e se la ! . M a l    16 119251 70 sg.). M as isto não se aju stacom kcxt etõcoÀcov jipoo ítTttxriv. Su giro que otcxv a [iotAopE ÒR ktX ilus-

tra um quarto tipa, o sonho crescendo de ijtux^IÇ £JI10V)¡.UCC (cf. Hipócrates,

r e p i ÔiütiTiiç, 4.93 ), cuja m enção caiu liiii desuso.

29. Heródoto E.34.1., 5.56; cf. Platão, Crílias, 44A; Plutarco,  Ale x.  26 (sobre a

au torid ad e dos I leraclidas). A un iform idad e da tradiçã o literária foi notada

 por D cubncr (de inctibaúone   13) que cita muitos outros exemplos. O tipo

é tão comum na literatura cristã dos primordios quanto na literatura pagã

(Festugière,  L ’Astrologie ci le s sciences occultes,  5 1).30. Paus. 3.14.4, a m ulher de um rci espartano dos primordios constrói um tem -

 plo dc T étis dev id o a um sonho I r a r a oip iv ovetpcxTOÇ). S obic sonhos

envolvendo estátuas de culto, ibid., 3.16.1, 7,20.4, ti.42.7; Parrasios aptid  

Allien. 543R Sófocles dedica um santuário como resultado do sonho, Vil. 

Sph.  12, Cícero . d iv .   1.54.

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P a d r ã o   d i- s o n h o s   e  p a d r ã o  d i-; c u l t u r a 129

3!. Diuenbcrger. Syltoge'    oferece diferentes traduções: koít ovap, 1147, 1148, 

! 149; Kocxa ov eip ov . 1ISO; kt/.9 uj iv ou ç, 1151; oijnv iS o to o i ap ci riv xrjç 

6eo u (Alena), 1152. Provavelmente 1128 k'a0 o p a ^ ia e 1153 r a í £7urayr|v  

tamhcm se refere ao sonho; 557, siti^aveia de Artemis, talvez uma visão  

cm vigília. Cf. também Edelstein,  A sd ép io ,  1, tesl. 432, 439-442, e sobre os cultos originados por visões em vigília. Chron.  Luu l.   A 3: zo lEpojv  

tcxç A t o c í a ç t o ç A i v íh a ç ... k o ^ o i ç K [a i r a ^ o i ç a G5 a6 Ep aa t e^ 

(T.pxaioxJãiüjv xpovcov k£kogh t|tc<i 5 ia m v ra ç (Jeou ejii^ av eia v

32. Ibid., 663; 985. Cf, lambem P. Cair, Zenon 1.59034, e os sonhos de Zoilos  

(que teria sido um empreileiro dc construções e linha, assim, todos os mo

tivos para sonhar que Sarapis requerera um novo templo). Muitos dos  

sonhos de Arisíicies prescrevem sacrifícios e outros atos de culto.

33. Plalão,  Leis,  990R-91ÜA,  Epin.  985C. As inscrições tendem a confirmar o 

 julgam en to de Platão sobre o tipo de pesso a que 1’ez uma dedicatória sob o 

impulso dc um sonho. A maioria inclui dedicatórias a mulheres ou a divin

dades curadoras (Asciépios, Higieia, Sarapis).

34. G add,  Id eas o f Div in a Rifle,  24 sg.

35.  Il ía da, 2.KO sg. parece sugerir que a exp eriencia onír ica dc um grande rei é 

mais confiável do que a do homem comum (cf. 1lundi, op. cit., 55 sg.). A 

última concepção grega era que critouSucioç era privilegiada para receber  

apenas sonhos significantes (Artcmidoro, 4 ¡mtej'.\  cf. Plutarco, ¡•en. Soer. 

20, 589B), o qtie corresponde ao estatuto especial de sonhador concedido  

pelos primitivos ao feiticeiro e que pode se basear em idéias pitagóricas  

(ef. Cic. div, 2,119).

36. Gadd, op. cil., 73 sg.

37. Lincoln, op. cit., 198, cf. I Samuel 3; 4 sg.; Lincoln , op. cit., 24, cf. Dcubncr. 

op. cil,. 12. Alguns dos pacientes de Jung lambém relalaram sonhos nos 

quais nina voz oracular era ouvida, desencarnada ou procedendo “de uma  

figura de autoridade"; ele o chama dc “fenômeno religioso básico” 

(P syd w lagy and Religion,  45 sg.).

38. Cl. Scligman,  JRAi   54 (1924) 35 sg,, Lincoln, op. cil., 94.

39. Lincoln, op. cit., 96 sg.

40. ¡liada.  2.20 sg. (Nestor, o substituto ideal do pai). Odisséia . 4.796 sg., 6,22  

sg. (mas di li cil men te substitutos da figura materna, porque eslã o ü).ir|^itceç com o sonhador).

41. Aristides, oral.  48 .9 ti 1.396.24 Kcil); Cf. Deuhner, op. cil., 9, c os exe m

plos cristãos, ibid., 73. 84. Alguns primitivos ficam menos facilmente  

satisfeitos. Ver, por exemplo. Lincoln, op, cit., 255 sg., 271 sg.

42. Sirabo, 14.1.44. Filostraio, vir A poli.  2.37. Outros exemplos em Dcubncr,  

op. cit., 14 sg,

43. Paus. 1.34-5. Oulros exemplos em Dcubner, op. cil., 27 sg. Cf. lambém llal

li day, Greek Divination,  13 1 sg. que cila o curioso rito gaé lieo de incubação 

(“Taghainn"), em que o indagador era enrolado numa pele de louro.

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1 3 0 Os GRIX10S E ü IRRACIONAL

44. Cf, cap. V, infra.

45. Ver nota 79.

46. Ramo de loureiro. Fulgentius,  M yih olo giae,  1.14. (so bre a autoridade dc 

Anrifon e outros), Spells, Artcmidoro, 4.2, pp. 205 sg, H. Venda de so

nhos, Juv. 6.546 sg. Sobre a o v E tp a m it a nos papiros, ver Deubncr, op. 

cit., 30 sg.

47. Tem-se dito que a incubação era praticada em Dodona (Hicul a,  16.233 sg.), 

mas sera que H omero sabia d isso?

48. Cf. Gadd, op. cíl. 26 (a incubação no templo dc Amenófis II e Tulniés IV  

para obter a aprovação dos denses pela ocupação do trono). A respeito dos 

minóicos não possuímos nenhuma prova direta, mas as terracotas encon

tradas em Petsofa (Creta [BSA  9.356 sg.|) representando membros humanos 

per turados para serem suspensos, parecem votos dedic ados a curas. Para um provável caso dc incubação na Mesopotamia, ver  Z tschi: f Asa yr.   29 

(1915) 158 sg. e 30 (1916) 101 sg.

49. Eurípides,  Ifigênia em Tãnris ,  1259 sg. (cf.  Hec.   70 sg.: CDJtOTVicc xOtuv, 

[ieXavoTrrepu ytò v jjiixsp ov sipw v). A autoridade da tradição tem sid o posta 

cm dúvida, mas algum outro método oracular não está sujeito à dúvida?  

Nem a prolecia inspirada e nem sequer a adivinhação são apropriadas, até  

onde sabemos, para o oráculo da terra, O autor da Odisséia,  por seu turno, 

(24.12) parece encarar os sonhos como clónicos (cf. Hundí, op. cit., 74 sg.).

50. Píndaro, Olímpicas,  13.75 sg. Cf. uma inscrição na acropole, Syll.f   1151: 

A0f|vc/.c/.... oyiv iSouoa apetiiv "trtç 0eo\) c a epifânia de Atcna em seu  

sonho (provavelmen te fictício), RIin ken berg, ¡Jiulische Tem pdc hnm ik, 34 sg.

51. Heródoto 5.92tv  Melissa era uma piaïoOavaoç que pode ter tomado seu 

EiûcùXov mais acessível para consultas. Sua queixa pode ser comparada à 

dos nórdicos cm que um homem aparece durante um sonho para redamar  

de pés fri os, Lima vex que os dedo s dos pés do cadáver foram deixa dos d es

cobertos ( Keldincr, op. cit., 70).

52. O sonho (não procurado) de Pelia cm que a alma de Frixos pede para ser  

levada para casa (Píndaro,  P in ças,  4.159 sg.) provavelmente reflete a 

ansidedade do filial da era arcaica face á tradução dc reliquias, e pode ser, 

portanto, classificado como um sonho dc “padrão de cultura”. Outros so

nhos nos quais os monos aparecem ilustram sobretudo os casos especiais 

do Morto Vingativo (o sonho das Erínias no  E um ênid es   94 sg., dc Esqui

lo, ou o dc Pausânias (Plutarco, Cimon 6, Paus. 3.17.8 sg.) ou ainda o morto 

agradecido no sonho de Semonides (Cícero, div.  1.56). Aparições em so

nhos de mortos rcccntes são ocasionalmente registradas em seus epitáfios como prova dc sua existência (ver Rohde,  Psy che,  576 sg.; Cumont,  A ft er  

 L if e in Roman Paganism ,  61 sg.). Tais sonhos são obviamente naturais cm  

todas as sociedades, mas com exceção do sonho de Aquiles na obra de Ho

mero, os exemplos dados são principalmente pós período clássico.

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P a d r ã o   d e   s o n h o s   e   p a d r ã o   d e - c u l t u r a 131

53. Alexandre Polislor apud   Di ó gen es Laércio. 8.32 (= Diels, Vorsokr?.  58 8 

la}; Posidóiiio apud   Cicero, div.  1.64, O reíalo de Alexandre foi analisado  

por Wellman (Hermes  54 [1919] 225 sg.) como remeiendo a uma tonic do  

século IV que refletia visões pós-pilagóricas, mas Festugière moslra que  

as ionics datam do século III e reíala o documento pertencendo às visões  du velha academia e a Diodes dc Carislus (REG   58 [ 19451).

54. Cf. cap. VI, in fm.

55. tcxpoiTa tou AjtoÀ.Xcuvoç kcu pou Agk^couou, ¡G   1V:, i. I 21 -124 . 

Edelsiem,  Asc lepiu s,  l, lest. 423, Há uma edição separada de R. Herzog, 

 Die Wuiuierhei! ungen von lip id aitn ts iP hilol.   Supl. Ill), e as partes menos 

mutiladas são reproduzidas e traduzidas por Bcielsiein, A sdcp iu s,  1, tcxl. 423.

56. A cenu do  Piulo,   de Aristófanes, lem sido cilada como argumento para a  

segunda visão. Duvido porem que o poeta pretendesse sugerir que o sacer

dote fosse idêntico ao “deus" que aparece posteriormente. A narrativa tie Cário parece representai1não o que Aristófanes pensava 1er realmente ocor

rido, mas, antes, o hahilual quadro imaginário do paciente do que aconteceu 

enquanto dormia.

57. O. Weinreich,  Antike H ei lu ngsw under OiG VV   Vlll), 1909; R, Herzog, op. 

cil,, 1931. E.J. e L. Edelstein,  Asc lepii ts : A Collection and In terp re ta tion  

o f llieTestimonies  (2 vo ls., 1945), E o livro dc Mary Hamilton,  In cuba tion 

( 1906) fornece um bom material para o não especialista.

58. E,B, Tylor,  Prim it iv e Culture,   11, 49, Cf. G.W. Morgan, “Navalio Dreams”, 

 Amer ican Anth ro pologis t,   34 ( 1932), 400: “Os mitos influenciam os sonhos  e estes, por sua vez, ajudam a manter a eficácia das cerimônias.”

59. Diógcnes Laércio, 6.59.

60. Plaulo, Curculia,  216 sg. (= test, 430 Edelstein). Posteriormente, a visão 

pia vai representar um fracasso que é um sina! cia desaprovação moral do  

deus, como nos casos dc Alexandre Severo (Dio Cass. 78,15.6 sg. = test, 

395) c da bebedeira dos jovens cm Filostrato {vil. Apollad.  1.9 = test. 397).  

Mas existiram também outras lendas de templos para encorajar o desapon

tado (t0C[ACCT0í 25). Edelstein (op. cit., 11.163) ere que estes devem ser  

exceções, mas a história de Lourdes e de outros santuários dc cura suge

rem que não. “Se nada acontecer", diz Lawson, falando da incubação nas  

igrejas atuais gregas, “regressam à casa com a esperança diminuida, mas a 

crença firme” (Lawson.  M odem Greek Folklore and Ancient Greek Relig ion, 

302).

61. Cf. Lincoln, op. cil., 271 sg. e sobre as estadas cm Epidauro, Herzog, op.  

cit., 67. Em algumas narrativas de incubação medieval o paciente espera 

um ano (Dcubncr, op. cit.. 84), e Lawson fala de camponeses que, hoje,  

esperam semanas c meses,62. Aristides, orai. 48.31 sg. (= test. 417). Máximo de Tiro allrma 1er tido uma  

visão de Asciépios quando acordado (9.7: eiSov t o v  A0KÀ.i]7u o v , oAA. o u ç i

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132 Os GREGOS E O IRRACIONAL

ovotp). E lambí ico (m ysí.   3.2, p. 104 P, ) encara o e s lado enire sono c a 

vigilia com o particularmente favorável a visõ es d ivinas.

63. Xvcupriç oXk oç ctvejrax& riç oyKoq era normalmente um si nal dc orgulho  

e, ponan 10, ofensivo (encr/éiiç) aos deuses,

64. iccjjcxtcc 17; Ar.  Plu t.  733 sg., nxp.o£Tc¡ 20, 26. Sobre as virtudes das lambidas caninas, ver H. Scholz,  D er Hund in dergr.- ront. M agie and Religion,

13. Um relevo do século IV, no Museu Nacional de Atenas, n. 3369, foi 

interpretado por Herzog (op. ciL. 88 sg.) com o um paralelo do la b ia m 17, 

Dedicado por um incubante agradecido ao herói curador Anfiarau, mostra, 

lado a lado: a) a cura de um ombro ferido por Anfiarau em pessoa (o so

nho?); b) uma cobra lambcndo-o (o acontecimento objetivo?).

65.  IC   !I\ 4962 (= test. 515); Plutarco,  so lí, auini.  13, 969E; Aeliano,  N.A.. 

7.13 (= test. 731 A, 731 ). Sobre a oferenda a cães e aos seus possuidores (icuvriYETcaç) ver Parnell,  Hero Cults.  261 sg.; Scholz, op. ciL 49; Edelstein, 

op. cit., II. 186, 11. 9. O cômico Platão adapta a frase a um doub le entendre  

indecente (frag. 174. 16 K.), que indica, possivelmente, que alguns atenien

ses consideravam a oferta tão estranha como nós. Serão os “possuidores” 

ou “chefes dos cães”, espíritos que guiam o cão ao respectivo paciente?  

De qualquer modo não são, acredito, “caçadores” humanos ou divinos: Xen.  

Cynerg.  1.2 não é prova de que A selép io era caçador.

66. He rod es, 4 .90 sg, (= test, 4 82) . E le é certamente uma serpente viva e não 

uma serpente dc bronze. Serpentes de bronze não ficam em buracos, nem  

o termo TpwyX.ii significa boca (como Edelstein, loc. cit.  e 11.188, ao repro

duzir um engano de Knox); c nem a interpretação do termo como caixa con

tendo dinheiro parece servir Tp(oy/,r| (Herzog,  Arch. f . Rei  10 [19071 205 

sg.). A interpretação natural é confirmada por Paus. 2.11.8 (= test. 700a).

67. Freud,  A in terpreta ção dos sonhos, 391.

68. Cf. taj.taTct, 31, e os muitos exemplos em Dcubner, op. cit., 12.

69. ta^CíTCt é um claro exemplo disto, como mostrou Herzog. Cf, também  

G.VIastos, “Religion and Medicine in the Cult of Aselcpius”,  R eview o f   Religion,  1949, 278 sg.

70. Aristides, oral.  23 .1 6 (= test. 402 ): o d te x u P^ u cr'uA.A.oyoç jcpotyjaa 

TOOOUTO® 0\)T£ TtXoi) KOlVfflVlW. 0\JTE ôlSCMJKCCÀCÛV TDÙV OCDttÙV TU%EIV, 

OGOV m i KËpSoç e iç A 0 KA.T171LO11   x t   GDjJ-^otTTiaai kqi

T£À£aôt|VD:i TO! TlpOOTH TC0V lEpom

71. A r.  Phil.  742 sg.

72. Aristides, oral .   50.64 (= test. 412). Operações cirúrgicas em pacientes  

adormecidos aparecem também em um fragmento do registro de um templo de A selépio a Lebena em Creta (Inscr. Cret.  I.XVII.9 = test. 426), sendo  

atribuídos a São Cosme c São Damião (Deubner. op. cit., 74). Para uma  

velha operação nórdica do tipo, ver Kelchner, op, cil,, 110.

73. Curas instantâneas aparecem lambém na incubação crislã (Deubner. op, cit..

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1’AIHÍÀO 11H SONHOS K PADRÃO Uh CULTURA 1 3 3

72, 82} e são características de medicinas primitivas (Lévy-Bruhl,  PnmUve  Mentality,  419 sg.).

74. Edelsieín salienta corretamente o primeiro ponto (op. cit., II. 167); “nos so

nhos os homens fazem com que os deuses confiem naquilo em que eles  

próprios confiaram”), mas passa pelo segundo sem notá-lo, A visão antiga  

que atribui as curas a habilidade médica dos sacerdotes, tentando ainda ra

cionalizar os Asclepiea como sanatórios (cf. Farnell.  Hero Cults,  273 sg. 

e Herzog, op. cit., 154 sg. ) é abandonada com razão por Edelstein. Com o 

ele observa, não há muita prova de que cm Epidauro e cm outras localida

des, mcdicos e sacerdotes treinados aluassem nos templos (op, cit., 11.158). 

O Asclepieum de Cos tem sido apresentado como exceção, mas os instru

mentos médicos ali encontrados podem ser votos dedicados a médicos (ver  

Aristides, oral.  49,21 sg., onde Aristides sonha com um ungüento e o 

VELúKupoç o proporciona; c uma inscrição no  JHS   15 [ 18951, 121, cm que  

o paciente agradece ao seu médico tanto como ao deus).

75. 1C   ÍV!.[. 126 (= test. 432). Cf. Aristides, orar.  49.30 (= test. 410): pa (.iev 

(tcov fappaiítóv) canoç cuvTtQetç, pet Se tcúv ev jaeaoi kbi koivwv  

eôtS ou (o 0s oç ), c o estudo dc Zingcrlc sobre as prescrições dadas a Grânio 

Rufo (Continent. Viiut.  3 [1937] 85 ff.).

76. Veneno dc cobra. Galeno,  Subfig. Emp.  10, p. 78. Deichgráher (= lest. 436);  

cinzas,  Inscr. Cret.  1.XV11,17 (= test. 439); galo, ¡G XIV. 966 (= tcsl. 438), 

Cf, Deubner, op. cil., 44 sg.

77. Cf. Edelstein, op. cit., 11.171 sg. E contra sua opinião, Vlastos, toe. cii.  

282 sg. Em sua admiração pelos  princípio s   racionais da mediei na grega, 

historiadores e filósofos estiveram inclinados a ignorar ou fazer vista gros

sa para o caráter irracional de muitos remédios empregados por seus médicos  

(c por médicos atuando até nossos tempos). Sobre a dificuldade dc testar  

drogas antes do desenvolvimento da análise química, ver Temkin, The  

balling Sickness,  23 sg. Entretanto, devemos concordar com Vlastos quanto  

ao lato de a medicina hipocrálica c as curas de Asciépios representarem,  

em princípio , extremos op ostos.”

78. Aristóteles, insomn.  4 6 l b 6 .

79. Aiislides, orai.  36.124; 47.46-50, 65; 48,18 sg., 27, 74 sg. O obsessivo sen

timento de culpa dc Aristides se Irai ainda cm duas outras passagens (oral. 

48.44 e 51.25) onde ele vê a morte dc um amigo como uma preparação 

para a sua própria morte; tais pensamentos são sintomáticos não lanto de  

um egoísmo insensível, mas de uma fone neurose. Para o sonho do dedo  

sacrificado (orat.  48.27 = test. 504) ver Arlcmidoro, 1.42. O sacrifício do  

dedo é praticado por primitivos com vários propósitos (Frazer sobre Paus.

8.34.2). Um objetivo é provocar sonhos ou visões significativos: ver Lin

coln, op. cil. 147, 156, em que a prãlica é explicada como uma diminuição

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134 Os GREGOS H O IRRACIONAL

da importancia da figura paterna, cuja aparição é desejada como símbolo  

de auloeast ração.

ÍÍO. Campbell Bonner, "Some Phases of Religious Feeling in Later Paganism”, 

 H a ivard Then!. Ver.  30 (1937) 126.

81. Cícero,  N.D.   3.91 (= test. 416a). Cf. Cicero, eliv.  2.123 (= test. 416). Parao mal causado por confiança em sonhos médicos, cf. o pedido de Soranus 

de que a enfermeira não seja supersticiosa '‘para que sonhos, presságios ou  

fé nos rituais tradicionais não levem-na a neg ligen ciar r> tratamento ade

quado” (1.2.4.4., Corp. Med. Graec.  IV. 5.28 ).

82. Um “censo de alucinações" dirigido pela Sociedade Inglesa dc Pesquisa  

Psíquica {Proc. S.PR.  10 11894| 25 sg.) pareceu indicar que mais ou me

nos uma pessoa em de/ experimenta, cm algum momento de sua vida, uma  

alucinação que não se deve a doença menial o l í física. Uma investigação  mais rcccnlc confirmou íslo {Joiirn. S.P.R.  34 [1948] 187 sg.).

83. Caleídio.  In Tini.  256: spectaculum, ut cum vigilantibus offert se videndam  

caelestis potestas clare iubens aliquid aut prohibens forma cl voce mirabih. 

A questão sobre se tais epifânias realmente ocorreram foi objeto de caloro

sas controvérsias nos tempos helénicos (Dion. Hal.  Ant. Ram .  2.68). Para 

uma análise detalhada de uma experiência cm que um deus foi percebido  

ao mesmo tempo por uma pessoa no sonho e outra cm vigília, ver  P. Oxy . 

XI.1381.91 sg.

84. Cf. Wilamowitz, GUutbc  1.23; Pfisicr in P.-W., Supp. IV, s.v. “Epiphanie”, 

3.41. Como afirma Plis 1er, não podemos duvidar de que a massa de histó

rias dc epifânias antigas corresponda a algo na experiên cia religiosa antiga, 

mesmo que exlejamos raramente, ou nunca, certos quanto a utna historia  

particular.

85. K. Latlc, “Hesiods Dichterweihe”,  A nti ke n.  A b end lan d , II (1946} 154 sg.

86. Hesíodo, Teogonia, 22   sg. (cf. cap. 111). Hesíodo não afirma 1er visto as 

musas, mas apenas 1er ouvido suas vozes: elas eram presumivelmente  

K£KraX\J|-lf-lEV(XL iiep i 7[üáXt| {Teog.  9). Alguns MSS e citações, ao lerem Spe\]/aam no verso 31, fazem com que as musas lirem um ramo de lourei

ro e o dêem, o que faz com que coloquemos a visão na classe das histórias 

de apport    (acima, nola 19). Porém deveríamos, provavelmente, preferir a 

leimra menos óbvia de 5pE\|/cccT0oci, “permílem-me que arranque por mim  

próprio” um ramo da árvore sagrada - o ato sim bó lico expressa íi aceita

ção da “chamada”.

87. Heródoto, 6.105, Aqui lambém a experiência pode ter sido puramente au

ditiva, embora 4>avri voa seja usada cm c. 106.88. Arislodemtts, Apnd   Schol. Pmd, Pitic as.  3.79 (137}; ei'. Paus. 9.25.3, e cap.

ill. nola 90.

89. Sir Ernest Shackleton, South,  209,

90. Hipócrates, int .  48 (VII .286 L. ): cunr| r] vovaoç 7tpoamitTei

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P a d r ã o  d e  s o n h o s   e   p a d r ã o   ut, c u l t u r a ¡35

ëv aM.oStii.uvi, m i ko\j epiin nv o 5o v PaSiÇq kt« o (>oPoç erutov Aa|ji] 

Etc (|)C(CïpaToç Àa|ij5aroei Se kcci ctAAcoç. A influência do meio selvagem  

nas idéias religiosas gregas tem sido ressaltada com eloqüência por 

Wilamowitz {Glaube   1.155, 177 sg.), mas esta passagem parece ter passado desapercebida.

91. Heráclito, frag. 89D ; cf. frag. 73 e Sext . Empírico, adv. dugm.  1.129 sg. 

(= H eráclito, A 16). 0 Iragmento 26 também parece se referir a uma ex pe

riência onírica, mas está corrompido e obscuro demais para servir de base 

para qualquer afirmação (cf. O Gigon, Untersuchtingeu zu Herakl.il.  95 

sg.). Também não posso confiar muito na afirmação de Calcídio sobre a 

visão de "Heráclito e dos estoicos” sobre profecia {in Tim.  251 = Heráclito, A 20).

92 . Ibid., frag. 2.

93. Cicero, div.  1.5; Aetius, 5,1.1. (= Xenophanes, A 52).

94. Heródoto 7.16fi, e vu ti v ia i a eç; avOpcoranx; ren X av im eva , Cf. Lucre

cio 5.724, “remiu simulacra vagari” (de Demócrito?). Para sonhos  

refletindo pensamento diurnos, cf. Empedocles, l'rag. 108.

95 . Esta observação foi feita por Bjürek {Eranos,  44 j 19 4 6 1 313 ) que vê na 

teoria de Demócrito um exemplo da sisicmatização das idéias populares 

por intelectuais. Mas trata-se lambém dc urna tentativa de naturalizar o  

sonho “sobrenatural” dando-lhe uma explicação mecanicista (Vlastos, op. cil. 284).

96 . Fragmento 166. Plutarco,  L Conv.  8.10.2. 734 F (= Demócrito, A 11). 

Cl. Del at te.  Enth ousiasm e,   46 sg., e minha monografia no livro Greek  

 Poetr y and Life; Essays Prese nted to G ilb ert M urr ay, 369 sg.

97. Com o uso popular, termos com o 6eo7iE|.i7tTOÇ foram bastante esvaziados 

de seu conteúdo religioso. Artemidoro diz que em seus dias nada de ines

perado era coloquialmente chamado de Oeorapjrcov ( 1.6).

98 . Cf. cap. V, infra.99. Aristófanes, Vespas,  52 sg. Demetrio dc Falero apud   Plutarco,  A ris tides

27. Cf. também Xen.  Anab,  7.8.1, onde u leitura to: e v m v ia ev àa>keuú 

■yeypa(|)0 T0 Ç c pro va velm en te r azo áve l (Wilamow itz, Hermes, 54 [191] 

65 sg.) . ovEipopotvTEiç foram referidos pelo antigo poeta cínico  

Magnes (frag. 4 K) e parecem 1er sido satirizados nas Tehnéssias.  de Aris

tófanes. S. Luria (“Studien zur Gcschichte der antiken Traumdeutung”. 

 Bull, Acad. des Sciences de l'U RSS   1927, 1041 sg.) está provavelmente  

certo cm distinguir duas escolas dc interpretação dos sonhos na Idade Clássica, uma conservadora e religiosa e outra pseudocientífiea, embora não  

possamos acompanhá-lo em suas conclusões. A fé na arte não esteve con- 

í ínada às massas ; tanto Esqui lo quanto Só loc les reconhecem a 

interpretação de sonhos como um importante ramo da potvimi {P. A.  485 sg. ;  Electro ,  497 sg. ).

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1 36 Os G RUG OS E O IRRA CION AL

100. Presum e-se que Anti l'on o i e p a to cr kotioc, seja o auior dc um livro de s o

nhos citado por Cícero e Artemidoro (cf. Hcmiógenes, des ¡deis,  2.11.7 

= Varsokv.  87 A 2, o kou TepoíTOCKOTioç kcü oveipOKpiniç XeyonEvoç 

Y£va0ai), e contemporâneo de Sócrates (Dióg. Lacrc. 2.46 Aristóteles, 

frag. 75 R = Vorsokr.  87 A 5), É freqüentemente identificado por  Hermógenes. loc. cit.,  c pela Suidas com o sofista Anlífon. mas não é fá

cil aceitar isto. a) Fí difícil atribuir nm respeito profundo aos sonhos e 

presságios ao autor dc rtept ücXr|0£ia<;, pois cie não acreditava na provi

dência ( Vorsokr.  87 B 12; cf. Nestle, Vont Mvthos zttm Logos,  389); b) 

Artcmidoro e Suidas chamam o autor de o ateniense (Vorsokr.  80 IÎ 78, 

A I}, enquanto Sócrates usa n a p   qjJtv na obra de Xcnofontc (Mein.

1.6.13) parece, a mcu ver, talar do sofista como de um estrangeiro (o que 

tamhcm proibiria a identificação do sofista com o orador).101. Jaeger,  Paideia .  III.33 sg. Estudiosos anteriores atribuíram a irept Sicatqç  

ao final do século V.

102. Que os sonhos podem ser sintomas significativos de doença é algo reco

nhecido em outro texto do corpus  hipocrático (li/iidein.  1.10, II 670 L.; 

 Hum A ,  V.480;  He hit.  45, IX,460). Em particular, os sonhos de ansiedade  

são considerados sintomas importantes de perturbação mental.  Morh. 2

72, VU. 110; lin   48 . VII. 286. Aristóteles al Irma que os médicos mais 

perfeitos acreditavam em levar os sonhos a sério, div. p. somn.  463a 4. 

Mas o autor de itr.pt SiatTiiç leva este princípio essencialmente correto a alturas fantásticas.

103. rep i S ta m iç, 4.87 (V 1,640 L.): oicoa a pev o vv t o j v e v u t iv k o v Oeui ca t i

k c x i Jtpoo i ipaivn u v a ou n( ir |aon eva ... e i c t i v ot k o i v o d o i  jtea i nnv 

Totomwv (xicpifhi T£ X VT |V e x ü v t e ç , ' h i d . , 93: o k o o o : 5 e ô o k g e i ü

«vGpiojTOÇ 0e(úp ee iv t í j o v ow riõtov , fu /J ls Em(hj|.n í] v a)]( iu tva .

1 0 4 . b d., 8 6 : OKomv 5 e   to o tuna íicruxaÇri, ' 1 k i v ê u ^ e v i i s a i  

EjteíjKprtot aa to peqv to v aœurrroç S o Kee tov scúutt c, o kov kt\. 

Cf. cap.

V,p. 1 4 3 c a observação de Galeno de que no “ sono a alma pa-

rece mergulhar nas profundezas do corpo, afastandose dos objetos 

sensíve s externos e. ass m, tornase c ente da cond ção corpórea" (rcept 

TrtçsÇ ev mvuov S ayv tx eMÇ,

VI. 834Kühn).

Anfluenc a dc dé as 

“ órf cas” na obra em questão fo observada por

A.Palm,

 Siudicn zar  

 H ip pocm iixchcn Sc h ri f t  t. S caxqç,

62sg.

105. [bid ., 90, 9 2. Para uma detalhada correspondência entre macro e micro

cosmo, cf.  Hchd.   6 (IX.436 L.).

106. Freud,  A in te rpreta ção dos so nhos;  "todo sonho se refere à própria pes

soa que sonha”.107. Sobre a árvore como símbolo de reprodução, ver Heródoto 1, 108 e Sófo

cles, lite c tea,  419 sg. Simbolismo semelhante é encontrado cm alguns 

velhos sonhos nórdicos (Kelchner, op. cit., 56). Similaridades com livros

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OS í iHKOOS I- O IRRACIONAL

íúç uri jtTueiv a \ \ ia   Ka\ un iX.tyyiav (1.17.9). Cf. também Fronlo,  Epis i.

3.9.1 sg. Sobre a confiança dc Plutarco cum relação nos sonhos, ver Q. 

Ccmv.  2.3.1, 635E. Para a confiança de Galeno, ver seu comentário na 

obra de Hipócrates JiEpt 2 2 (X V (.219 sg. K.), Dio Cassius é ins

truido por seu 5 m |io v o v em sonho a escrever historia, 72.23.

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Os XA MÁS GRECOS E A ORIGEM DO PURITANISMO

V

Um tal homem sería tan crivo p ara a lm as imortais!

Herman Mcl vi lie

A To  capítulo precedente vimos que, ao lado da velha crença

1  V cm mensageiros divinos que sc comunicam com us ho

mens através dc sonhos c visões, surge lambem, em alguns escritoresdo período clássico, uma nova crença, relacionada a experiências de

um poder humano, oculto e inato, “ Cada corpo humano'’, alirma Pín

daro, “ segue o cham ado da dominadora morte; mas ainda permanece

acesa uma imagem de vida (aiü)voç eiôüjIo), c c apenas isto que

nos vem dos deuses. Esta imagem adormece quando nossos mem

bros estão ativos, mas quando é  o homem que dorme, ela lhe indica

em sonho que algo alegre ou adverso está a caminho” . ‘ Xen ofonlc

apresenta esta mesma doutrina cm prosa simples, e nos fornece os

liâmes ló gicos que a poesia tem o direito dc omitir: “ É durante o

sono que a alma {psyche)  exibe melhor sua natureza divina. É du

rante o sono que ela atinge uma certa intuição do futuro, e isto porque

c  no sonho que ela se encontra aparentemente mais livre.” Então

prossegue argumentando que na morte podemos esperar uma  psyche ainda mais livre, pois o sono é o que há de mais próximo da morte

durante a vida .2  Afirmações deste tipo aparecem cm Platão, e também em um fragmento de uma das primeiras obras dc Aristóteles.'1

Opiniões do gênero têm sido apontadas como indícios de um

novo padrão de cultura, como expressões de um novo modo de ver

a natureza e o destino da humanidade, bastante distinto da visão que

tinham os escritores gregos dos primordios. Um debate sobre a ori-

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1 4 0 Os G RILOOS H O IRR AC ION AL

gem e a história deste novo padrão e de sua influência sobre a cul

tura antiga poderia fácilmente ser objeto de um ciclo inteiro de

palestras, ou enchcr um único livro. Mas o que posso fazer aqui c

tão-somente considerar, dc maneira breve, alguns aspectos da questão - aqueles que afetaram de forma marcante a interpretação grega

sobre fatores não racionais da experiencia humana. Mas mesmo isso

exigirá atravessar um terreno que, pisoteado por muitos estudiosos,

se tornou bastante pantanoso c escorregadio. Trata-se ainda dc um

terreno que os mais apressados estão sujeitos a atravessar esbarran

do nos destroços de teorias ultrapassadas. Mas seremos bastante

ajuizados aqui, deslocando-nos lentamente, dando passos cuidadosos em meio a toda esta conlusão.

Comecemos pela pergunta sobre o que aconteceu exatamente

dc novo no já novo padrão de crenças gregas. Certamente não loi a

ideia dc sobrevivência. Na Grécia, como na maior parte das cultu

ra s,4  tal idéia é, na verdade, bem antiga. Se podemos julgar pelo

aspecto de seus túmulos, está claro que os habitantes da região do

Eiieu sentiram, desde os tempos neolíticos, que nossa necessidade

de comida, bebida e vestuário, bem como nosso desejo por serviçose diversão, não acabava com a morte .5  Digo “sentiram” e não “acre

ditaram” , pois tais atos de alimentação dos mortos parecem mesmo

uma resposta direta a pul soes que nao eram necessariam ente media

das por nenhuma teoria. Assumo que o homem alimenta seus mortos

pela mesma razão que uma criança alimenta sua boneca, hic sc abs-

lém de matar sua fantasia por meio da aplicação de um certo critério

de realidade. Quando o grego arcaico derramava líquidos por um

tubo nas mandíbulas lívidas dc cadáveres decrépitos, o que pode

mos dizer é que ele se abstmha, por boas razões, dc saber exatamente

o porquê de tal ação. Dito dc maneira mais abstrata: ele ignorava a

distinção entre cadáver e espírito, vendo-os como consubslanciais/’

Ter formulado lal distinção com precisão e clareza, ter desfei

to o emaranhado entre cadáver e espírito —cis a realização dos poetas

homéricos. Hm ambos os poemas há passagens que sugerem que eles

tinham orgulho do resultado atingido, e que estavam completamente conscientes de sua novidade e importância .7  Na verdade eles

tinham direito de ser orgulhosos, pois alinal não há nenhum domí

nio em que o pensamento encontre resistência inconsciente mais forte

do que quando procuramos pensar na morte. Não devemos, coniu-

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( )s XA MAS GRI-GOS K A ORIÜ EM [JO PURITANIS MO 141

ilo. adiar que urna vez estabelecida a distinção, ela foi universal

mente aceita. Como nos mostram indícios arqueológicos, os cuidados

com os mortos - implicando tuna identidade entre cadáver e espiri

to - prosseguiram calmamente, pelo menos na Grcc ia continental.Bles persistiram através (c alguns diriam apesar) da moda passagei

ra da cremação dos corpos.* Na Ali ca isso tornou-se tão extravagante,

que uma legislação para controlar o hábito foi introduzida primeiro

por Sólon, e depois por Demetrio de Fale ro .IJ

Não se tratou, portanto, dc “estabelecer” uma idéia de sobre

 vivência , pois cia estava im plícita no antigo costume por aquilo que

 jazia na tumba como cadáver e esp írito; e explícito, cm Homero, portuna sombra no Hades que é unicamente espírito. Em segundo lu

gar, nem mesmo a idéia de recompensas e punições após a morte

era algo novo. No meu modo de ver, a punição postmoriem  por cer

tos crimes contra os deuses, reccbc alusão na ¡liada  e é descrita

de modo evidente na Odisséia — enquanto Eleusis prometia aos seus

iniciados, desde o início, um tratamento especial após a vida (tanto

quanto podemos retraçai- seus ensinamentos, isto é, 110 século VII

a.C . 11  ). Suponho que ninguém atualmente acredite que os “ grandes

pecadores” da Odisséia  sejam uma “inlerpolação óifica”,1- ou que

as promessas de Eleusis sejam o resultado dc uma “ reforma órfica ''.

Em Ésquilo mais uma vez, a punição  post inortem   para certos cri

minosos es tá tão in l imamenle l igada às l e i s t rad ic iona i s

“não-escrilas” e às funções tradicionais da Erínia e do Alaslor, que

hesito bastante em esmiuçar sua estrutura e nomear um de seus ele

mentos como sendo “ ó r fi c o " 1-’ São caso s especiais, mas a idéia jáestá ali presente. Tudo se passa como se o novo movimento apenas

a generalizasse, c dentro dc uma nova formulação, podemos por ve

zes vislumbrar eeos de coisas inuilo mais velhas. Por exemplo,

quando Píndaro consola um homem de luto com uma descrição de

 vida le liz após a morte, ele o assegu ra de que haverá cavalo s ou tá

buas para desenho no paraíso.NNão se trata dc uma promessa nova:

havia cavalos na pira funeral de Pátroclo e tábuas para desenho nas

tumbas dos reis micênicos. A mobília do paraíso mudou pouco ao

longo dos séculos - ela continua uma réplica idealizada do único

mundo que conhecemos.

Enfim, a contribuição do novo movimento nem sequer consis

tiu cm uma equalizaçao da  psyche  (ou alma) com a personalidade.

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142 O s Gl íf rXIOS E   O IRRACIONAL

Isto acabaria sendo fcilo, aparentemente pela primeira vez. na JÔ-

nia. Na verdade Hoinero não atribui nenhuma função à  psyche, 

exceto a função de abandonar o homem em vida - seu “ esse” pare

ce ser um “ super-esse” [“ ser” e “ aciina do ser” | e nada além disso.M as An aereo nte pode, por su a vez, dizer a seu amado: “ Você é o

mestre dc minha  psyche   Sem onides pode Calar em “ agradar a sua

 psyche” ; um epitáfio do século VI a.C. 11a Erétr ia pode reclamar que

o chamado de um marujo “ proporciona pouca satisfação à psyche”.>s 

 Aqui a psyche 6   vista como um eu vivo, c mais especificam ente como

o eu ap etitivo - ela assumiu ;is funções do thumos  homérico mas

não as do nous  homérico. Entre a  psyche   compreendida neste sentido c o  som a   (corpo) não há qualquer antagonismo fundamental; a

 psyche é  apenas o correlato mental do  soma.  No grego ático, ambos

os termos podem significar “ vid a” : os atenienses diziam dc maneira

indiferente aXcOvi^eaQcü ítepi tovi CTO)]jaTOÇ. E segundo a conve

niência do contexto, cada um dos termos pode também significar

“pessoa” 1'1- assim Só foc les pode fazer Édipo se referir a si mesmo,

cm certa passagem, como “minha  psyche",  e em outra, como “ meu

 som a”.  Em ambos os lugares eie poderia ter dito “eu" . 17  Até mesmoa distin ção homérica entre ca dá ver e fantasma tende a se anular -

não apenas há uma inscrição ática dos primordios, que laia de uma

 psyche   à morte, como Píndaro. de modo ainda mais surpreendente,

fala de Hades, que com seu cetro conduz à “cidade cavernosa” os

 somata   dos que vão morrer. Aqui, cadáver e fantasma foram rever

tidos à sua antiga consubstancialidadc . 111 Creio ainda que devemos

admitir que o vocabulário psicológico do homem comum sc encontrava no século V a.C. cm si lu ação dc grande con fusão, com o dc

costume.

Mas dessa confusão vocabular emerge um fato importante para

nossa investigação. Trata-se de algo já demonstrado por Burnet cm

sua famosa conferência sobre “ A doutrina socrática da alma” ,19 c que

por isso não neeessiLa que nos detenhamos por muito tempo. Em es

critores áticos do século V a.C., assim como em seus prcdcccssores

 jôn io s, o "eu ” designado pela palavra  psyche   c normalmente maisemocional do que racional. Fala-se dela como da sede da coragem,

da paixão, da piedade, da ansiedade, do apetite animal. Mas anlcs

de Platão, raramente, ou quase nunca, ela é citada como sede da ra

zão - sua exLensão sendo tão ampla quanto a do thumos  homérico.

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Os X AM AS GR KG OS E A O RIΠM UO PURITANISMO 143

Quando Sófocles fala de testar \|n>XT|v te koíi (ppovripa Kon

 yvcopev ,211 ele eslá classifican do os elementos de caráter segundo uma

escala que vai do emocional {psyche)  ao intelectual (gnome)  atra

 vés de um meio termo, phronem a , que envolve os dois extremos. Aquestão levantada por Burnet de que a psyche   “permanece algo mis

terioso e estranho, bem à parte de nossa consciência normal” é, como

generalização, bem mais aberta à discussão. Podemos notar, entre

tanto, que a  psyche   aparece ali como o órgão da consciência,

sendo-lhe ainda creditada uma espécie dc intuição não-racional,JI

Uma criança pode absorver algo cm sua  psyche   sem conhecê-lo in

telectualmente. ’ 3

  Heleno possui uma “psyche  divina1’ não por sermais esperto ou mais virtuoso do que outros homens, mas por ser

um vidente.23  A  psyche   é imaginada como habitando algum lugar

nas prolundezas do organismo,24  c saindo dessas profundezas ela

pode falar com o possuidor com voz própria.5  Com respeito à maio

ria desses casos ela surge ainda uma vez como uma sucessora dothumos  homérico.

Seja ou não verdade o lato do termo  psyche   causar um senti

mento tênue de estranheza para o cidadão ateniense do século V a.C.,uma coisa é certa: a palavra não possuía nenhum sabor de purita

nismo, e nem sequer gozava de qualquer  sta tus   metafísico .16  A

alma não era nenhuma prisioneira reluiaiUc do corpo, mas sim a

 vid a ou o espírito do corp o,’7  sentindo-se perfeitamente à vontade

ali. Foi nesse momento que o novo padrão religioso fez sua fatídica

contribuirão —ao creditar ao homem um ‘‘eu'’ oculto, de origem di

 vina, e por conseguinte colo car em desacordo corpo e alma, este padrão introduziu em meio à cultura européia uma nova interpretação

da existência humana. Trata-se da interpretação que chamamos dc

puritana. De onde veio tal noção? Desde que Rohd c a chamou “ uma

gota de sangue estranho nas veias dos gregos” ,21*estudiosos têm rea

lizado suas pesquisas cm busca desta gota. A maior parte deles têm

olhado na direção leste, para a Ásia menor ou mais longe ainda.29

Eu pessoalmente estaria inclinado a procurar em outros iccantos.

 As passagens de Píndaro e dc Xenofonte , pelas quais inic iamos nossa argumentação, sugerem que uma fonte da antítese puritana

pode ser a observação de que a atividade “psíquica” e corporal va

riam de lorma inversa: a  psyche   é mais ativa quando o corpo está

adormecido ou, como acrescenta Aristóteles, quando ele se encon-

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144 Os GR EGO S IL U IRR ACIO NAL

tra près Les a marrer. E is o que quero dizer ao cham á-la de “ eu ocul-

Lo” . Uni a crcnça des le tipo con si 1 Lu: um elemento essencial da cultura

xamâniea que ainda existe na Sibéria por exemplo, e que deixou tra

ços de existência passada sobre uma vasia área. estendendo-se doimenso arco da Escandinávia e alravessando a Eurásia, até a Indo

nésia .311  A extensão de sua difusão é prova de antigüidade.

Um xamã pode ser descrito como uma pessoa psiquicamente

instável que recebeu um chamado para a vida religiosa. Como re

sultado disso ele sc submete a um período dc rigoroso treinamento,

que normalmente envolve solidão e jejum, podendo lambém envol

 ver uma mudança psico ló g ica do sexo . A partir desle “ re cuo ’7

religioso , cie ressurge com o poder, real ou assumi do ,11  de passarde acordo com a sua vontade a um eslado de dissociação mental.

Sob tais condições ele não é mais visto, como a Pitia ou o médium

moderno, como alguém possuído por um espirito. É sua própria almaque é encarada como tendo deixado o corpo e viajado para locais

distantes, mais freqüentemente para o mundo do espírito. De lato,uni xamã pode ser visio cm dilerenles lugares simultaneamente. Ele

tem o poder da ubiqüidade. A pari ir destas expe riências, narradas

por ele através de canções extemporâneas, ele vai extraindo a habi

lidade para a adivinhação, para a poesia religiosa c para a medicina

mágica que acaba por torná-lo socialmente importante. Ele se torna

o repositório da sabedoria sobrenatural.Na Cília, c provavelmente na Trácia também, os gregos ha

 viam entrado em contato com povos que. como mostrou o estudioso

suíço Meuli, estiveram sob influência da cultura xamânica. Quanto

a esta questão, bastará tuna referência ao seu artigo publicado na Hermes  em 1 9 3 5 . Mculi sugere que os frutos deste contato devem

ser vistos através do surgimento, no tinal da era arcaica, de uma sé

rie de la T p o fi a v m ç [médicos mágicos], videntes, curandeiros, e

professores religiosos; alguns deles ligados dentro da tradição gre

ga ao norte, e todos exibindo traços xamaníslicos .'2  Do norte veio

 Aháris. cavalgando, segundo se di/., sobre uma 1lecha3-' —como a in

da ocorre com algumas almas, na Sibéria54 por exem plo. Abáris havia

feito tanto progresso na arte dc jejuar que passava muito lempo completamente sem comida . ' 5  Foi capa/, dc banir pestes, prever

terremotos, compor poemas religiosos, e ensinou a  louvar o deus do

norte, que os gregos cham avam de “ Ap olo H iperbóreo” . ’ Um gre

go do mar de M arm ora, de nome Ari sicas, rumou para o norte, a

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Os XA M ÃS GK l it lOS R A OR IŒ M ¡JO PURITANISMO 145

convite do mesmo deus Apoto, retornando para conlav suas estranhas

experiências num poema que leve possivelmente como modelo as

excursões psíquicas dos xamãs da região. Se a viagem dc Aristeas

foi realizada dc corpo ou de espírito não está claro, mas de um modoou dc outro, como moslrou Alfõldi, criações de sua autoria, como o

ente de um só olho (Arimáspios) c os grifos vigias do tesouro se

tornariam peças genuínas do folclore da Ásia central.37  Uma tradi

ção posterior credita-lhe poderes xamanísticos de transe e de

ubiqüidade. Sua alma, cuja forma era como a dc um pássaro,’* tinha

a capacidade dc deixar o corpo por um ato de vontade. Entim, ele

acabaria morrendo e caindo em transe cm sua própria terra, embora

tenha sido visto em Cisico. Muitos anos depois ele surgiria nova

mente 110 McLaponto, no extremo ocidente. O mesmo dom aparece

em outro grego asiático, Hermótimo de Clazomenes, cuja alma via

 ja v a muito e para muito lo nge, observando acontecim ento s em

lugares distantes, enquanto seu corpo permanecia inanimado. Tais

contos a propósito da aparição e desaparição dos xamãs eram bas

tante familiares em Atenas, a ponto dc Sófocles referir-se a eles na

 Elect rei  sem precisar sequer citar mimes.'11’ A respeito destes homens não restaram senão lendas, mas a lor-

ma que estas lendas assumem pode ser de bastante significado. A

forma aparece repelida em alguns dos contos sobre Epimcnides, vi

dente de Creta que purificou Atenas da perigosa mácula causada pela

 vio lação do santuário. Mas desde a datação efetuada por Die ls41' e

as cinco páginas de fragmentos fornecidas por este mesmo pesqui

sador, Epimcnides ganhou o aspecto de uma pessoa dc carne e osso

- ainda que todos os seus fragmentos tenham sido compostos, se

gundo Diels, por outras pessoas - incluindo aquele citado na epístola

a Tito. Epimcnides veio dc Cnossos. e em razão disto pode 1er con

quistado um grande prestígio, Um homem que havia crescido à

sombra do palácio do rei Minos pode muito bem atingir uma sabe

doria mais antiga, sobretudo depois dc 1er permanecido dormindo

por cinqüenta e sete anos na caverna do deus misterioso de Creta.41

Entretanto, a tradição o assimilou ao típico xamã do norte. Afinal,ele também era um especialista cm excursões psíquicas; e como Abã-

ris foi um grande jejuador. vivendo principalmente de um preparado

de vegetais cujo segredo havia aprendido das ninlas, e que soube

guardar por razões próprias dentro do casco de um boi.4- Uma outra

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146 Os GREGOS E O IRRACIONAL

característica singular dcsta leuda é que, após a morte, sen coipo lo:

coberto de tatuagens.43  Trata-se de algo singular pois os gregos usa

 vam a agulha de tatuar apenas para marcar escravos. Isto pode ter

sido o sinal de uma dedicação ao  servas dei,  mas de qualquer modo,para um grego arcaico, poderia também indicar a Trácia onde toda

a nata da população era tatuada, particularmente os xamãs .4"1 Quan

to ao período de “ longo sono” , trata-se evidentemente de um conto

folclórico "15  que foi amplamente difundido - pois Rip Van Winkle,

por exemplo, não era nenhum xamã. Mas o lugar deste episódio do

início da saga dc Epimênides sugere que os gregos haviam ouvido

falar do grande “recuo” que constituía a iniciação do xamã, algo que

às vezes era vivido em condições de sono ou transe.

Disso tudo parece razoável concluir que a abertura do Mar Ne

gro para o comércio e a colon ização gregas durante o século VII a.C.

—responsável pelo primeiro contato47  do povo grego com o xama

nism o - acabou por enr iquecer com no vos t raços a imagem

tradicional grega do “ homem dc deus1’ (0 Eioç avrip). Creio que es

tes novos elementos eram dignos de aceitação para a mentalidade

grega por responderem as necessidades da época, assim como a religião dionisíaca havia feito anteriormente. A experiência de tipo

xamanístico é individual c não coletiva e precisou do individualis

mo crescente de uma era para a qual os êxtases coletivos dc Dioniso

 já não bastavam completamente. É razoável supor que estes novos

traços exerceram alguma influencia na também nova e revolucioná

ria concepção sobre a relação entre corpo e alma que surgirá ao final

do período arcai co.'ts Lembremos que o diálogo intitulado Sobre o 

 sono , de autoria de Clcarco, c capaz dc convencer Aristóteles dc que

“ a alm a é separável do corpo” , foi precisamente o resultado de uma

experiência dc excursão psíquica.,|VTratava-se, no entanto, dc uma

obra de ficção, e relativamente tardia neste gênero de considerações.

Temos motivos para duvidar de que qualquer dos “ homens dc deus”

mencionados acima fosse capaz dc chegar a tais conclusões teóri

cas e gerais a partir de experiências pessoais. Aristóteles via razões

para crer que Hcrmótimo havia antecipado a doutrina do nous  deseu lamoso conterrâneo Anaxágoras. ísio porém pode apenas signi

f icar , como suger iu Die l s , que Anaxágoras se baseou nas

experiências dc um velho xamã local para erigir sua teoria a respei

to da separabilidade do noas .w  Coma-se ainda, a propósito de

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Os XAMÃS GREGOS H A ORIGEM [30 PURITANISMO 1 4 7

Epimênides, que ele afirmava ser a reencarnação de Eacus, tendo

 viv id o muitas vezes aqui. sobre a terrasl - o que explicaria a decla

ração de Aristóteles de que as adivinhações deste diziam respeito a

um passado desconhecido e não ao futuro.53 Diels acreditava que estatradição deve provir de uma fome órfica. Ele a atribui a um poema

órfico falsificado, como sendo de autoria de Epimênides, mas escri

to por Onomácrito ou por um de seus amigos .33  Por uma razão que

apresentarei agora, não estou tão convencido disto quanto Dicis, mas

qualquer que seja o ponto de vista adotado, não seria aconselhável

construir uma Leoria sobre isso.

Há entretanto um outro xamã mais conhecido que sem dúvida

soube retirar conseqüências teóricas dc suas experiências pessoais,

acreditando inclusive na possibilidade dc voltar à vida. Refiro-me a

Pitãgoras. Não é necessário supor que ele tenha reivindicado a série

de reencarnações a ele atribuída por Hcráelides Pun tic us .5'1 Mas não

há por que questionar as afirmações dos especialistas dc que Pitá-

goras c  o mesmo homem a quem Empedocles atribuiu a sabedoria

de dez ou vinte vidas humanas, c de quem Xenófanes zombava por

acreditar que a alma humana pode habitar o corpo dc um cão .'’5 ComoPitágoras chegou a formar estas opiniões? A resposta mais comum

é: "e le a extraiu dos ensinamentos ór ficos ” . Ora, se esta resposta for

 verdadeira, ela apenas nos faz retornar um passo atrás. Mas é possí

 vel também que, quanto a este ponto capital, ele não estivesse dire

tamente ligado a nenhuma fonte “ó rfic a” , e que tanto ele quanto

Epimênides antes dele, tivessem ouvido falar da crença setentrional

dc que a “ alma” ou o “ espírito” de um xam ã morto podem penetrar

um xamã vivo para reforçar seu poder e conhecimento .56  Nada disso envolve qualquer doutrina  g era!  a respeito da trans migração das

almas, c vale a pena observar que não creditamos normalmente ne

nhuma doutrina geral deste tipo a Epimênides. Ele reivindicava ter

 vivido uma outra vid a antes, identificando-se a Eacus, um antigo

Homem de Deus .57  Dc modo similar, Pitágoras é representado como

reivindicando para si uma identidade com o antigo xamã citado, Her-

mólimo.5* Mas ao que tudo indica, Pitãgoras estendeu a doutrina

muito além dos limites estreitos estabelecidos. Talvez tenha sido uma

contribuição puramente pessoal, já que seu enorme prestígio nos obri

ga a vê-lo com certo poder criativo para tanto.

Sabemos de lodo modo que Pitágoras fundou uma espécie de

ordem religiosa, uma comunidade formada por homens e mulheres,™

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148Os GREGO S l:. O IR RA CIO NA L

cuja re g va dp vida era delerminada pela expectat iva das vidas poste

riores. Houve. provavelmente, precedentes mesmo para este caso:

podem os, por exem plo, lembrar do trac i o Z alm oxis na obra dc He

ródoto, que reunia “os melhores cidadãos” para anunciar que a alma

humana nelo  era imortal, mas que ele e seus descendentes   inam vi

 ver para sempre - aparentemente eles seriam pessoas escolhidas, uma

espécie de elite espiritual.® Que existia alguma analogia entre Zal

moxis e Pitágoras, c algo que deve ter ocorrido ans colonizadores

gregos da Trácia, de quem Heródoto ouviu a estória, tanto assim que

fizeram de Zalmoxis um escravo de Pitágoras. Isto c um absurdo,

como percebeu Heródoto, pois o verdadeiro Zalmoxis era umdaemon,  lalvez um xamã do passado transformado em heiói. M as

a analogia não era assim de todo absurda: afinal de conlas, Pitágo

ras não" ha via prom etido aos seus seguido res que eles viveria m

novamente, tornando-se finalmente daemons  ou mesmo deuses?'1' A

tradição posterior aproximou Pitágoras do outro homem scienliio-

11 a I mencionado, Ab áris. atribuind o-lhe os poderes x am anisticos

habituais, como o dom da profecia, da ubiqüidade e da cuia mági

ca. além de narrar seu processo de iniciação em Pieria, sua visiia ao

mundo do espírito c sua identidade misteriosa com o “ Apolo Hiper

bóreo” . ' ' 1  Parle disso pode ter ocorrido tardiamente, mas o início da

lenda pitagórica dala de muito antes, do século V a.C. pelo menos/ ’1

Estou disposto, aliás, a acreditar que o próprio Pitágoras lez esloi-

ços para manter a lenda,Rsiou ainda mais disposto a acreditar nessa hipótese pelo lato

de que podemos ver tudo isso acontecendo cm Empedocles. A lenda se compõe ali de bordados reivindicando a autoria dos poemas.

Pouco mais de um século após sua morte, circulavam estórias sobre

como ele havia escorado os ventos por meio de mágica, sobre como

ele havia dado vida a uma mulher que já não conseguia respirar, e

sobre como ele desapareceu do mundo mortal tornando-se um deus.6-

Por sorte conhecemos a última íonlc destas estórias: temos as pala

 vras do próprio Bm pédocles afirm ando que ele pode ensinar seus

pupilos a deler os ventos e fazer reviver os mortos, e ainda que eleé um deus encarnado (pelo mentis é o que sc ere que ele seja) - eyco

Ô^iuiv 0 e.oç anlïpOTüç. o'UKE'ti evriTOç.66  Empedocles é assim, cm

certo sentido, criador de sua própria lenda; e se podemos confiar na

descrição que ele faz das massas em busca de conhecimento do oeul-

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Os X A M Ã S G REGO S [■: A OR IGI-M IX ) PU RITAN ISMO 149

to e dc cura mágica, os comcços desta dcvem datar da época em que

ainda era vivo .*'1  Diante disso. parece-me precipitado sustentar que

as lendas dc Pitágoras e de Epimênides não estão enraizadas na tra

dição genuína, lendo sido inventadas dc ponta a ponta porromancistas dc épocas posteriores.

Seja como for. os fragmentos de Empédocles são uma das fon

tes diretas de que ainda dispomos para termos uma noção de como

realmente era o xamã grego. Trata-se de um exemplo tardio e derra

deiro de uma espécie que sc extinguiría do mundo grego com a sua

morte, embora ainda continue a florescer em ouiros lugares. Os es

tudiosos tem se admirado de c¡uc um homem capaz de agudo sensodc observação e de pensamento elaborado, como o Empédocles do

poema Sobre a natureza,  tenha escrito também um texto como  Pu-

rificações,  representando a si mesmo como um mago divino. Alguns

estudiosos tentaram explicá-lo dizendo que os dois poemas perten

cem a diferentes períodos da vida de Empédocles: ou ele começou

como um mago. perdeu seu ímpeto e tomou o caminho da ciencia

natural: ou como sustentam ouiros, começou como cientista e se con

 verteu posteriormente ao “ Orfism o” ou ao "Pitagorism o” , c no seusolitário exílio dos anos dc decadência, confortou-se com ilusões de

grandeza - ele seria finalmente um deus c re lorn aria um dia. não a

 Ac ragas, mas ao para íso/ ’14 O problema com eslas explicações c que

elas. na realidade, não funcionam. O fragmento no qual Empedo

cles reivindica o poder dc deler os venios, provocar ou impedir a

chuva c ressuscitar os mortos parece pertencer não às  Purificações 

mas ao poema Sobre a natureza.  Assim lambem o fragmento 2 3 . noqual o poela convida seu pupilo a escutar “ a palavra de um deus”

(acho difícil acreditar que a passagem se refira apenas à convencio

nal inspiração da musa).f|lJ Assim ainda, o fragmento 15   que parece

conlraslar “o que as pessoas chamam vida” com uma existência mais

 verdadeira, dc antes do nascimento e de depois da morte.711  Tudo isso

desencoraja qualquer tentativa dc explicar as inconsistências de Em

pédocles cm termos “ gen éticos". Também não 6   fácil aceitar a

descrição recente de Jaeger segundo a qual Empédocles seria “umnovo tipo sintclizador de personalidade filosófica” ,71  pois o que lhe

falla precisamente é a ten lati va dc sintetizar suas opiniões cie ntífi

cas e religiosas. Sc eslou cerlo, Empédocles representa não um novo,

mas um tipo dc personalidade mais velho —o xamã que combina as

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150 O s GR ECOS H O IRRACIONAL

funções ainda indistintas cio mago e do naturalista, do poeta e do

filóso lo , pregador, curador e conselheiro .72  Depois dele estas tunções

sofreram uma desintegração; dali cm diante os filósofos não mais

seriam nem poetas nem magos. Na verdade, um homem como Empé-do clcs já era um anacronismo mesmo no século V a.C. Mas homens,

como Epimênides e Pitágoras ,73  também podem ter exercido as fun

ções que acabei de nomear. Enfim, não se tratava de uma questão

de “ sintetizar” os dom ínios de conhecimento prático e teórico, pois

na qualidade dc homens de deus, eles agiam com confiança em to

dos os domínios - a “ síntese” era, portanto, pessoal e não lógica.

O que sugeri até aqui é a existência de uma linha de descendência espiritual que vai da Cítia até a Grécia asiática, atravessando

o Helesponto. Tal linha se encontra articulada com alguns resíduos

de tradição minóica sobrevivendo em Creta. Ela emigra com Pitá

goras c tem seu último representante no siciliano Empédocles. Estes

homens difundiram a crença dc uma alma ou “eu” passível dc ser

separada do corpo ainda cm vida, através dc técnicas adequadas. Este

“eu” seria mais velho do que o corpo e sobreviveria a ele. Mas a

esta altura uma questão inevitável se coloca: como um Lal desenvol vimento sc encontra relacionado à pessoa mitológica tie Orfcu e à

teologia conhecida como órfica? Devo tentar aqui uma resposta curta.

Com respeito ao próprio Orfcu posso dar um palpite, arriscan

do-me a ser chamado dc panxamanista. Seu lar (ica na Trácia, onde

ele é o adorador e companheiro dc um deus que os gregos identifi

cavam a A po lo .7,1  Ele combina as profissões dc poela, mago,

professor de religião e visionário. Como certos xamãs lendários da

Sibéria ,75  ele consegue reunir pássaros c outros animais para escu

tarem sua música. Como xamãs dc toda e qualquer parte, ele

freqüenta o submundo por um motivo muito comum entre xamãs7f’

- recuperar uma alma capturada. Enfim , seu “ eu” mágico vive às

custas do canto de uma cabeça solta, que continuará a lazer previ

sões muito depois de sua morte .77  Isto remete à Europa setentrional

mais uma vez, pois tais cabcças mânticas aparecem na mitologia nór

dica e na tradição irlandesa.™ Concluo, então, que Orfcu é uma figuratrácia de tipo muito similar a Za lm ox is - um xamã m ítico, ou um

protótipo dos xamãs.Orleu entretanto c uma coisa, o Oriismo é outra bem diferen

te, Mas devo logo confessar que sei, na verdade, inuilo pouco sobre

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OS XAMÃS GREGOS E A ORIGEM DO PURITANISMO 151

o Orfismo dos primordios. Quanto mais leio a respeito, mais meu

conhecimento diminui. Há vinte anos atrás cu poderia dizer bastan

te sobre o assunto (todos aliás poderíamos). Desde então perdi um

tanto de meu conhecimento, c devo esta perda a Wilamowitz, Fes-tugière, Thomas c não menos ao distinto membro da University of  

California , professor Linforth ,79 Deixem -me ilustrar minha ignorân

cia atual por meio de uma lista do que eu outrora soube.

Houve um tempo cm que eu sabia:

. Que havia uma seita ou comunidade órfica na Idade Clássica.1*"

. Que Empédocles*1 e Eurípides1*2  1er am a “ teogonia” órfica e que

esta acabou parodiada por Aristófanes nos  Pássaros.**

* Que o poema do qual encontramos fragmentos cm placas de ouro

dc localidades como Thurii se refere a um apocalipse órfico .*4

. Que Platão pegou os detalhes dos mitos que cita deste mesm o apo

calipse órfico .1*5

. Que o Hipólito de Eurípides é uma figura órfica.186

. Que o<u|Lia-(jri|ja (“ o corpo c igual a uma tumba” ) é uma doutri

na órfica .1*7

Quando digo que não mais possuo este itens de informação nãopretendo afirmar que tudo o que mencionei acima seja falso. Os dois

últimos itens são certamenIc falsos - realmente não devem os trans

formar um caçador manchado de sangue cm figura órfica, e nem

tampouco chamar dc “ órfica” uma doutrina que o próprio Piatão nega

que tenha esta origem. Mas algumas outras podem muito bem ser

 verdadeiras. O que quero dizer é que já não posso, atualmente, es

tar plenamente convencido da veracidade das afirmações acima; e

que enquanto eu não puder, o edifício erguido por algum engenho

so estudioso do assunto sobre tais fundações permanecerá para mim

uma casa dos sonhos. Estou tentado inclusive a chamá-lo dc proje

ção inconsciente de certos desejos religiosos insatisfeitos, típicos do

final do século passado e do início deste século, sobre a antigii idade.**

 Ass im , se eu decid ir dispensar estas pedras do caminho para

seguir cuidadosamente as regras de arquitetura enunciadas por Fes-

tugièrc c Linforth,S'J quanto da estrutura restará ainda? Temo que nãoreste muita coisa, a não ser que eu esteja preparado para remendar

o edifício com material derivado das fantásticas teogonias lidas por

Proclus e Damasdus, a um tempo em que Pitágoras já estava morto

há quase um milênio. Isto eu não ousarei fazer, exceto nos casos ra-

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1 5 2 Os C1RKGOS K O IRRA CIO NA L

ros em cine tanto a antigüidade do material quanto a sua origem ór

fica estejam provadas .* 1 Mencionarei, posteriormente, o que creio

corresponder a este caso, embora a questão seja controversa. Mas

deixem-me primeiramente reunir o conhecimento sem controversiaque ainda possuo sobre o Orfisino. e examinar o que ele inclui que

pos sa ser relevante para o tema deste capítulo. Ainda sei, por ex em

plo, que nos séculos V e IV a.C. circulava um bom número de poemas

religiosos, que eram convencionalmente atribuídos ao Orfeu míti

co, mas que as mentes críticas sabiam ser (ou imaginavam ser) dc

origem muito mais recente.1,1  A autoria dos poemas pode ser diver

sa. e não tenho razões para supor que eles manifestem qualquer

doutrina sistemática ou uniforme. Uma palavra dc Platão a respeito,piplffiv OfiaôOV (“uma confusão dc livros”1’2) sugere aliás o con

trário. Dc seus conteúdos sei também muito pouco. Mas sei com

bastante autoridade de pelo menos três coisas ensinadas por eles, a

saber: que o corpo é a prisão da alma; que o vegetarianismo é uma

regra essencial de vida; que as conseqüências desagradáveis do pe

cado. neste c no mundo do além, podem ser eliminadas por meio de

rituais.*1-' Nenhum autor da idade clássica afirma diretamente que os

poemas ensinavam a mais famosa das chamadas doutrinas “ ói ficas ”

(a doutrina da t rans migração das alm as); mas creio que isto pode

scr deduzido, sem precipitação, da concepção do corpo como uma

prisão onde a alma é punida por seus pecados.* 1 Mesmo com este

acréscimo dc informação, a soma não e das maiores, e não me lor-

nece nenhuma base segura para distinguir uma psicologia “órlica”

dc outra “ pitagórica” , pois diz-se dos pitagóricos que eles também

evitavam a ingestão de carne, praticavam a catarse e encaravam ocorpo com o um a prisão.M O próprio Pitágoras. com o vim os anterior

mente. experimentou a transinigração. Na realidade não pode ter

havido uma distinção clara entre o ensinamento órfico, cm qualquer

uma de suas formas, e o Pitagorismo. Basta notar que Ion dc Quios.

uma autoridade do século V a.C., pensava que Pitágoras havia com

posto poemas sob o nome de Orfcu, e que Epigencs (que era um

especialista 110 assunto) atribuiu quatro poemas “órlíeos” aos pila-

góricos.IJÍ’ Se houve algum poema órfico antes dc Pitágoras ou sc elesensinavam ou não a transmigração, eis algo que permanece inteira

mente incerto. Utilizarei então, de acordo com tudo isso. o termo

“ psico logia puritana” para cobrir ambas as crenças - órlica c pita

górica - a respeito da alma humana.

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Os XA M Ã S G RKf iOS H A ORKJEM DO PURI TANISMO 153

 Vim os - pelo menos espero que lenham os visto - como o con

tato com crenças c práticas xamaníslicas podiam sugerir a um povo

sensato como o grego, alguns rudimentos de psicologia puritana;

como a noção de excursão psíquica durante o sono, ou transe, podia aguçar ainda inais a antítese corpo-alma; como o “ recuo” xam a

nístico podia fornecer um modelo para uma deliberada askesis - o

treinamento consciente dos poderes psíquicos através de abstinen

cias e exercícios espirituais; como contos sobre a aparição e desa-

parição dos xamãs podiam encorajar a crença 110 “eu” indestrutível,

mágico ou demoníaco; c enlim, como a migração do poder mágico

do espírito de xamãs mortos para xamãs vivos podia ser generaliza

da como uma doutrina sobre a reencarnação.‘J7  Mas devo enfatizarque estas são apenas possibilidades, lógicas ou psicológicas. Se elas

 ío ram atu alizadas por certo s gregos, deve ser porq ue, segundo

Rohdc. elas “ correspondiam às necessidades espirituais g regas” .1'” Se

considerarmos a situação ao linal da era arcaica, conforme descrevi

em meu segundo capítulo, creio que veremos que elas realmente cor

responderam a certas necessidades lógicas, morais e psicológicas.

O professor Nilsson ere que a doutrina sobre a possibilidadedc renascer c um produto de “ lógica pura” , c que os gregos a inven

taram por serein “ lógicos por natureza” .1” Podemos concordar com

ele que. uma vez aceita a idéia de que o homem possui uma “ alma”

dislima do corpo, era natural perguntar dc onde ela provinha. E era

também natural responder que ela provinha do grande reservatório

dc almas do Hades. Má indicações de uma semelhante linha dc ar

gum entação cm Heráclito, assim com o também no Fédo n."K>Duvido

entretanto, que crenças religiosas sejam freqüentemente adotadas,mesmo por filóso fos, com base cm lógica pura - a lógica é, no me

lhor dos casos, sua anciUa fa le i   [escrava fiel|. No caso desta crença

em particular, houve receptividade por parte dc muitos povos que

não eram. de modo algum, lógicos natos. " 11  Estou por isso inclina

do a atribuir mais importância a considerações de outro tipo.

Em termos morais, a recncarnação ofcrcccu uma solução mais

satisfatória ao problema da justiça divina, surgido no final do perío

do arcaico, do que a idéia de culpa herdada ou dc puniçãopost-mortem em outro mundo. Com a cresceme emancipação do in

divíduo face à velha solidariedade familiar, e direitos jurídicos cada

 vez maiores, a noção dc pagamento dos pecados em lugar de ou

trem começou a se tornar inaceitável. Uma vez que a lei humana

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154O s GREGOS E 0 IRRACIONAL

havia reconhecido o homem como responsável por seus próprios

atos, era hora cia lei divina agir em conformidade com isso. No que

concerne à idéia de punição  postmortem,  ela vinha explicar porque

os deuses pareciam tolerar o sucesso terreno dos perversos. Os no vos ensinamentos de fato cxploravam -n a plenam ente, utilizando o

recurso da “ viagem ao submundo” a fim de tornarem os horroies

du inferno mais vividos e reais para nossa im aginação.1® Mas a pu

nição post-mortem não explicava porque os deuses toleravam tanto

sofrimento humano, especialmente o sofrimento imerecido do ino

cente. 103  A rcencarnação, porém, explicava. Segundo ela, nenhuma

alma humana era inocente - todas pagavam , em graus variados, porcrimes atrozes cometidos em vidas passadas. Toda a massa esquah-

da de sofrimento ocorrida neste mundo ou em outro não seria, enlim,

senão um capítulo da longa educação das alm as - educaçao que cul

minaria na redenção do ciclo de nascimento e no retorno a sua

origem divina. Somente deste modo, e dentro desta escala cósmica,

poderia cada alma obter justiça, no sentido arcaico profundo do ter

mo - dentro da lei segundo a qual o “ autor dos atos sotrera .

Platão vc esta interpretação moral do renascer como um mitoou doutrina” ensinada por “ antigos sacerdotes" . 11'4  Esta e certamen

te uma velha interpretação, mas não creio que seja a mais antiga.

Para o xamã siberiano, a experiência dc vidas passadas não é uma

fonte dc culpa, mas uma intensificação do poder. Este tambem c, a

meu ver, o ponto de vista grego original. Foi um aumento do poder

que Empédocles percebeu cm Pitágoras, c que Epimcnides tena íci-

 vindicado antes. Somente quando o renascimento toi admitido paiatodas as almas que ele se tornou um peso em vez de um privilégio,

sendo utilizado para explicar as desigualdades da vida terrena e mos

trar que, nas palavras de um poeta pitagórico, os sofrimentos

humanos são auto-inflingidos (ixuBccipEtcc). ■ Abaix o desta exigência de so lução para o que cham am os pio-

blema do mal”, podemos crer que jaz uma necessidade psicológica

mais profunda. Trata-se da necessidade de racionalizar sentimentos

inexplicáveis de culpa que, como vimos, prevaleciam no período arcaico . 106 Os homens eram então, segundo suponho, p o u c o conscientes

- e segundo Freud corretamenLe conscientes - de que tais sentimen

tos estavam enraizados numa experiência passada submersa e

esquecida. O que seria mais natural do que interpretar esta intuição

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O K XA M ÃS GRIfGOS 1; A ORIGBM DO PURITANISMO 1 5 5

(que é de falo, ainda segundo Freud, uma percepção enfraquecida

de traumas infantis) como uma percepção enfraquecida de algum

pecado cometido em vidas passadas? Esbarramos aqui, talvez, com

uma fonte psicológica para a importância atribuída pela cscoia pita

górica à “ recordação” —não no sentido platônico da rem iniscencia

dc um mundo dc Formas conhecidas anteriormente por uma alma

incorporal, mas no sentido mais primitivo de uma memória treinada

para recordar as façanhas e sofrimentos de uma vida progressa naterra . 1(17

Isto entretanto c pura especulação. O que é certo é que estas

crenças promoveram, nos que a cias aderiram, um horror do corpo

e uma repulsa contra a vida dos sentidos que eram bastante novaspara a Grécia. Suponho que qualquer cultura da culpa é capaz de

fornecer um solo favorável para o crescimento do puritanismo, pois

eia cria uma necessidade inconsciente de autopunição que o purita

nismo vem gratificar. Mas na Grécia, foi aparentemente o impacto

das crenças xamanísticas que pôs tudo em funcionamento. Tais cren

ças (oram interpretadas pelas mentes gregas cm sentido morai; c

quando isto ocorreu o mundo da experiencia corporal surgiu inevi

tavelmente como um lugar obscuro de penitência, a cam e sendo vista

como uma “ túnica estranha à alm a” . “ O prazer” , diz o velho cate

cismo pitagórico, “é sob todas as circunstâncias ruim, pois viemos

aqui para sermos punidos e devem os scr punidos” . I(,!i So b esta for

ma, que Platão atribui à escola órfica, o corpo era apresentado como

a prisão dentro da qual os deuses guardavam trancada a alma ate

que ela fosse purgada de sua culpa. Sob uma outra forma, também

mencionada por Platão, o puritanismo encontrou uma expressão ainda mais violenta: o corpo era concebido como uma tumba na quai a

 psyche  jazia morta, aguardando a ressurreição para a verdadeira vida,

que seria a vida sem o corpo. Esta última forma pode ser retraçada

até o tempo de Heráclito, que talvez a tenha utilizado para ilustrar a

eterna alternância dos opostos, “ o cam inho que sobe e o que desce

são o mesmo” .1"9

Para as pessoas que igualavam a  psyche   à personalidade em

pírica, como ocorria no século V a.C., tal asserção não faz qualquer

sentido. Tratava-se dc um paradoxo fantástico, cujas possibilidades

cósmicas não escaparam, por exemplo, ao olho de Aristófanes.111’

Nem faz muito sentido igualar “ alm a” à razão. D evo supor que, para

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156 O S GREGOS K O IRRACIONAL

as pessoas que tomavam ludo isso a sério, o que ja/.ia “ morlo” no

corpo não era nem a razão nem o homem com suas experiências de

 vida, mas um “ eu” oculto, a “ imagem da vid a” de Píndaro , indes

trutível trias capaz de funcionar apenas nas condições excepcionaisde sono ou de transe. Que o homem possui duas almas, uma divina

e ouïra de origem terrena, é algo que já havia sido ensinado antes

(se podemos con fiar nos estudos recentes) por Ferécidcs de Si ros.

É significativo que Empédocles, dc quem depende nosso conheci-

me nlo do puritanismo grego dos primordios, evite o uso do termo

 psyche  para falar do “eu” indestrutível.1" Parece que Empédocles

 via a psyche   como sendo um calor vital que no momento da morte c

reabsorvido pelo elemento ígneo de onde ela se originou (uma vi

são bastante comum no século V a.C.11"). O “eu” oculto que persista

através de sucessivas encarnações foi chamado por ele, não de

“psyche",  mas de “daemon".  Este daemon  aparentemente nada tem

a ver com a percepção ou com o pensamento, que Empédocles acre

ditava serem determinados mecanicamente. A lunçao do daemon  

seria a dc carregar a porção divina que existiria potencialmente 110

homem , 113  e lambém sua culpa uiualmenie existente. O daemon  estaria mais próximo, cm certo sentido, do espirito interno que o xamã

herda dc outros xamãs, do que da “alma” racional na qual Sócrates

acreditava, mas ele acabaria finalmente morali/.ado, transi orinándo

se no carregador da culpa. O mundo dos sentidos tornou-se o Hades

no qual esta alma racional sofro seus tormentos " 1 - tormentos des

critos por Empédocles em algumas das passagens mais estranhas e

comoventes de poesia religiosa que nos chegaram da antigüidade. " 5

O aspecto complementar da doutrina era o ensinamento a res

peito da catarse —os meios pelos quais o “ eu” oculto poderia evolu ir

no caminho do ser e apressar sua liberação, A julgar polo título, este

era o tema central do poema de Empédocles, embora as partes cm

que elo tratava do assunto estejam quase totalmente perdidas. A no

ção de catarse não era novidade; como vimos anteriormente, 116  ela

ora uma das principais preocupações das mentes religiosas ao lon

go da era arcaica. Mas dentro do novo padrão de crenças, ela adquiiiuum novo conteúdo e uma nova urgência; o homem deve ser purifi

cado não apenas de tipos específicos de conspurcação, mas tanto

quanto possível de todo traço de carnalidade —eis a condição de sua

redenção, “ Da com panhia do que há de mais puro eu venho, rainha

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O.S XAMÃS GRKGOS K A ORIOKM DO PURITANISMO 1 5 7

pura dos que vivem aba ixo do mundo” - assim fala a alma para Per-

séfone no poema das placas de ouro . 117  Pureza, mais do que justiça,

tornou o ponto capital da salvação, e como é um “cu" mágico c não

racional que deve ser purificado, as técnicas de catarse também não

podem ser racionais, mas devem ser mágicas. Elas deviam consistir

únicamente de rituais, como nos livros órficos que Platão denunciou

por seus efeitos desmoralizantes,liS Mas elas também podiam se va

ler do poder cncanlatório da música, como na catarse atribuida aos

pitagóricos, que parece ter sido desenvolvida a partir de cantos pri

m itivos (ETicoêat).11*’ En fim , elas também podiam e nv olv er uma

prática especial de vida (askesis).

 Vim os que a necessidade dc askesis estava implícita, desde oinício, na tradição xamaníslica. Mas a cultura da culpa do período

arcaico dotou-lhe de um sentido peculiar. O vegetarianismo, que é

um   traço central da askesis  órfica e, em parte, também du pitagóri

ca, c normalmente tratado como um simples corolario para a questão

da Lransmigração: o animal que você mala para comer pode ser a

morada de um “eu" ou dc uma alma humana. Isto é como Empedo

cles explicava a questão. Mas ele não está sendo lógico aqui, pois

do contrario de ven a sentir a m esma repulsa diante da idéia de co mer vegetáis já que, segundo ele próprio, seu “eu” oculto já havia

habitado lambém um arbusto. 1211  Por detrás desta racionalização im

perfeita está, com o suspeito, algo mais antigo - o horror de sangue

derramado. Para mentes escrupulosas, o medo de urna conspurca-

ção pode ter se estendido para outros domínios, ate incluir o

derramamento de sangue, tanto animal quanto humano. Como con

ta Aristófanes, a regra dc Orfcu era (povtov (“ não verter

sangue”). Diz-se que Pitágoras evitava contato com açougueiros e

caçadores - presumivelmente porque eles seriam não apenas perver

sos, mas lambem perigosamente maculados, portadores de uma

conspurcação infecciosa . 121  Alem de tabus sobre comida, a socieda

de pitagórica parecia 1er imposto outras fórmulas austeras aos seus

membros, como por exemplo, a regra dc silencio para os noviços, e

certas restrições sexuais . 122  Mas foi lalvez apenas Empédocles quem

tenha dado o passo da lógica final cm direção ao maniqueísmo. Não vejo razões para duvidar, por exemplo , da afirmação de que ele de

nunciava o casamento e todas as relações sexuais,l2? embora os

 versos nos quais ele o fazia não tenham sido preservados. Se a Ira-

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158 Os GREGOS E O IRRACION AL

dição está correia quanto a esie ponto, o puritanismo não apenas se

originou na Grécia , como lambém i o i levado pela m entalidade gre

ga até o seu extremo limite teórico.

Uma questão permanece. Qual seria a origem de toda esta per versid ade? Com o um “ eu” divin o pode pecar e sofrer dentro de

corpos mortais? Como escreveu um poeta pitagórico: “De onde veio

a humanidade, e de onde veio tanto mal? ” . 124 A esta pergunta ineon-

torná vel a poesia orí ica - pelo m enos a poesia ó rfica tardia —

forneceu um resposta mitológica. Tudo começou com os Titãs per

 versos que capturaram o infante Dio niso e o cortaram em pedaços,

ferveram, assaram e comeram, sendo imediatamente queimados por

um raio de Zeus. Da fumaça de seus restos brolou a raça humana,

herdando, assim, as horríveis tendências titánicas, temperadas por

uma pequena porção de alma divina, que seria a substância do deus

Dioniso ainda operando ali, com o um “ eu oculto. Pausânias conla

que esla estória —ou melhor, a parle referente aos Titãs da estória -

foi inventada por Onomácrilo no século VI (ele sugere que a parte

sobre Dioniso e mais antiga ) . 125  Todos, até Wilamowitz,, acreditaram

cm Pausânias; e não encontrando qualquer alusão ciara e ceria aomito dos Tilãs cm nenhum escritor de antes do século III a.C., infe

riram que se iralava de uma invenção helenística . 1211  A dedução toi

aceita por um ou dois estudiosos cujo juízo considero aceilável . 127  c

é com grande hesitação que discordo deles e da opinião de

 W ilamowitz, Há, na verdade, razões para desconfiar das declarações

de Pausânias sobre Onomácrito,lís Todavia, várias considcraçoes se

combinam para me persuadir de que o milo é, apesar de ludo, antigo. Primeiramente há seu caráter arcaico: o mito é lundado nos rituais

dionisíacos antigos de Sparagmos e Omophagia [desmembramento

e antropofagia ] ,1211  e imp lica a crença arcaica na culpa herdada - o

que no período helenístico havia começado a ser descartado como

mera superstição . 1311 O segundo ponto está na citação de Píndaro, que

está no  M ênon   dc Platão, segundo a qual “ o castigo por um antigo

revés” é explicado como sendo de responsabilidade humana, pelo

assassinato de Dioniso .131 Em terceiro lugar, há a consideração a res

peito de uma passagem das  Luis   dc Platão, referindo-se a pessoas

que “exibem a natureza do velho Titã’ ;i:i2  e de uma outra passagem

em que se fala dos impulsos sacrílegos que não pertencem “ nem a

um homem e nem a um deu s” , mas que derivam de “ más ações an-

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O s XA M ÃS GREGOS E A OR]OEM DO PURITANISMO 159

Ligas incapazes dc serem purgadas pelo homem ” . 133  Em quarto lu

gar . conta-se que o pupi lo de Platão, Xenócrates , procurou

estabelecer uma conexão entre a compreensão do corpo como “pri

são” , D ioni so c os T i t ãs . 134  Tomadas individualmente, estas

referências aparentes ao mito podem ser explicadas completa e sa

tisfatoriamente, mas analisadas em conjunto fica difícil resistir à

con clusão de que a estória inteira já era conhecida de Platão e dcseu público . 135

Se é assim, tanto o puritanismo moderno como o antigo tive

ram sua doutrina do pecado original, o que, aliás, explicava a

universalidade dos sentimentos de culpa. Verdadeira, a transmissão

de culpa por meio de herança corporal era, no entanto, inconsistente com a visão que Iiavia feito do “eu” oculto um veículo desta culpa.

Mas esta inconsistência não nos surpreende muito. De maneira algo

similar, os upanichades indianos conseguiram combinar a crença an

t iga de uma conspurcação heredi tár ia com a doutr ina da

recnca rnaçao ;1M e a teologia cristã acha possíve l conciliar a heran

ça pecaminosa de Adão com a responsabilidade moral do indivíduo.

O mito titánico explicava claramente ao puritano grego porque ele

se sentia, ao mesmo tempo, um deus c um criminoso; o sentimento"apolíneo” de distância do elemento divino, juntamente com o sen

timento “ dionisíaco” de identidade com este mesmo elemento foram

ambos responsáveis por isto. E eis aí algo mais profundo do que qualquer lógica.

N o t a s   d o   c a p í t u l o   V

1. Píndaro, frag. J16B. (131 S.). Rohdc eníaliza corretamente a importância 

deste fragmento (Psyche. 415) embora estivesse errado ao ver algumas des

tas idéias em Homero (ibid., 7); cf. Jaeger, Theology of lhe Early Greek  

 Philosophers ,  75 sg. A visão de que o sujeito experienLe dos sonhos é um  

“cu profundo” e imutável é sugerida pela forma na qual um passado morto  

c esquecido pode ser revelado cm sonho. Como afirma um escritor moder

no, N os sonhos não apenas esiam os livres das limitações comuns do tempo, 

e do espaço, não apenas retornamos ao nosso passado e provavelmente avançam os para o futuro, mas o ‘eu ’ que aparentemente exp erim enta estas 

estranhas aventuras é um 'eu' ma is essência!, sem idad e esp ecífica ” (J,B, 

Priestley.  Johnson over Jo rdan ).

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O s C iRKGOS E O IRRACION AL

Xe no fon te, C im pedía.  8.7.21.

Platão,  República,  57 ID sg.: quand o o X-oyurnicov no sano c a u to m 0  

a m o |io u o u KC/.enpov {que não é aínda o caso), pode perceber alguma 

coisa não conhecida antes, no passado, 110  presente ou no futuro, e tr|Ç 

reXr|0Ëiaç ev tco to i ou tco po T itora a m e r a t. A ristóteles, frag. 10 = Sexi. 

Emp. aelv. Phys.  1 .21: o iav yao ev tw v n v o v v   kcî9 canqv ylyvetcu q 

grujen, "cote ti ]v lô io v co to n a pou 0 a (Jivotv 7ipo(iavTev>STC(i te KCtt 

rtpoaYopeDEi tcx [íeA ào v tk . Toictutri 5e eg t i kcü ev tco kctccx to v  

0OIVoitov xwpiÇfofiHi Tcov CTiD^arav, cf. Jaeger,  Aristóteles.  162 sg. Ver 

(amhem 1lipócrales Ttepiôianqç 4. 86, citado anieriormente, cap. IV, nola

104, e Ésquilo,  Enm ênidex   104 sg,, cm que o poela combina a vcllio sonho  

“objetivo” com a idéia dc que o próprio espirito é dotado dc um poder de  

prcscicncia durante o sono, o que parece derivar dc um diferente padrão  

de crença. Sobre a importância dada aos sonhos pelos pitagóricos, cf. Cí

cero, div.  1.62; Plutarco,  gen. Soer.  5R5E; Diógenes Laércio 8.24.

“A questão sobre sc a personalidade consciente de alguém sobrevive após  

a morte tem sido respondida, afirmativamente, por quase (odas as raças de  

homens. Nesie ponto, célicos e agnósticos são quase totalmente desconhe

cidos." Frazer, The R elief in Im mo rtality.  I. 33.

A prova arqueológica é convenientemente reunida e coligida por Joseph 

Wiesncr. drab and .Icnseits  ( 1'MK). embora alguma dúvida possa ex istir quanlo à validade dc algumas inferências retiradas pelo autor.

Ver Lévy-Bruhl, The "Soul" o f lhe Primitive.  202 sg., 238 sg. e  L'expér ience  

mystique,  151 sg, Muitos antropólogo s manlêni que a crença 11a sobrevi

vência da alma não se deveu a nenhum processo lógico (como Tylor c Fra/.er 

defenderam), mas muito mais por uma recusa a pensar, o inc onscien te cr ian

do um ponto ceg o diante da prova indesejada, é o que susteiam agora muitos 

antropólogos; cf. Klliol Sniilh, The E volution o f the D ragon.  145 sg.; Ma

l inowski ,  M agic, S cien ce an d R elig ion ,  32 sg,; K. M cu li. G riech. Oplerbraiiehe”, in  Phyilobolia f iir Pete r von d er Mithll   (1946); Nilsson, 

 H arvard Tltcol. Rev.  42 ( 1949) 85 sg.

 Ilitttia ,  23,103 sg.; Odisxéta,   11.2i6-224. O significado destas passagens, 

com sua implicação de novidade, foi ressaltado corretamente por Zielinski 

(“La Guerre à i’ouire lomhc", in  M éla nges liIdez   11.1021 sg., 1934), em

bora ele vã um pouco longe demais ao ver os podas homéricos como  

reformadores religiosos, comparáveis em severidade aos profetas hebreus.  

Não apenas oferendas dc objetos, mas alé mesmo tubos de alimentação são 

encontrados em cerimônias dc cremação (Noc k.  H ar v. The a i Re v.  25 11932] 

332). Em Olinlus, onde cerca de 600 enterros do século VI ao IV a.C. fo

ram examinados, oferendas de objetos são de lato mais comuns em  

cremações (D.M Robinson,  Excava tions a! Ohnth us XI. 176). Islo pode sig

nificar uma das duas hipóteses: ou a cremação era, afinal de contas, sem

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Os XA M ÁS ÜRfX iOS K A OK IŒ M DO PURITANISMO   16 !

vi sa i, como pensa Rohde, separar o íanLasma dos cadáveres por urna aboli

ção deste, ou, então, os amigos hábitos eram demasiadamente enraizados 

para serem perturbados por tais medidas. Mculi, he. c t t    observa que na 

época de Tertuliano as pessoas continuavam a alimentar os corpos crema

dos (cam. resiin:  ] : fvu lgu s| defin idos arocissime exurit, q uos po st modmn  g idosissim e ntiir it):   e que, apesar da desaprovação inicial da ¡groja. o uso 

de tubos alimentares persistiu nos Baleas até quase os nossos dias. Cf. lam

bem Lawsom.  Mod. Gi: Folklore,  528 sg., e sobre a questão como um todo, 

Cu mont.  Lux Perpetu a,  387 sg.

9. Plu laico ,  Só lon 21 ; Cicero, de tegg.  2.64-66. Cf. Lambem o protesto de Pla

tão contra os desperdícios com gaslos em funerais  [Leis ,  959e) e a lei dc 

Lahiadae que pro the inter alia   as vestimentas muito caras nos cadáveres 

(Diltenberger,  SvlI ~ 11.438.134). Mas a fantasia do fantasma do cadáver- espirito c obviamente apenas um dos senil me utos que encontram satisfação  

cm lu lierais caros [Cf. Nock,  JRS  3 H j 1948] 155).

10.  Htada ,  3.278 sg.: 19.259 sg, É muito pouco sábio impor cons istencia esea- 

lológíea sobre os escritos dc Homero ion sobre qualquer outro) à custa de  

emendas, excisões ou distorções do significado. Ksta forma confessional 

da litada   preserva uma crença que era mais antiga do que o Hades neutro  

dc Homero (pois tais fórmulas tornam arcaico e não inovam) e tiveram muito  

maior vitalidade.

11.  II. De tu.  480 sg. Sobre a provável data do hino, que exclui qualquer plau- 

sibilidade de influências "orticas". ver Mien c Hailiday, The Homeric   Hym ns'.  111 sg.

12. E algo sustentado por Wilamowit/. no início dc sua carreira \H anw r   

Uniersticltungen,  199 sg .), mas retrahalhado posteriorme nte {Gtauhe,11.2 0 0 ),

13. Ésquilo,  Eumèm des  267 sg., 339 sg.;  Sup.  414 sg, Cf. Wehrli, ACC0£ [íittxraç.

90. Parece imp lícito em Dem ócrito (frag. 199 e 297; e Platão.  República, 

330D) que na Idade Clássica o medo da punição pós-morte não era confinado a círculos “órficos" ou pitagóricos, mas poderia assombrar qualquer  

consciência culpada.

14. Píndaro. frag. í 14B. (1 30 S.). Para a questão dos cavalo s, cf.  Il íada ,  23.171 

e Wiesner, op. cit., 136\ 152", 160 etc.; para o tiegooi, Wiesner, 146.

15 Anacreonie, IVag. 4; Sem onides de Am orgos, frag. 29.I 4D . (= Sim onides  

de Ce os, Irag. 85 B ), !G   XII 9.287 (Fnedlangler, Fpigranunata,  79). 

Hipponax tem um uso sim ilar dc f U%11, frag. 42 D. (43B ).

16. G.R. Hir/el, "Die Person”,  M tine h. S'uzb.  19 14, Abli. 10.17. Sófocles.  Edip o cm Colo na   64 sg., 643. Mas embora cada frase pudesse  

ser substituída pelo pronome pessoal, elas não são (como Hirzel sugeriu)

i nterca mhiáveis; p(i)j.lo. não pode ser usado no 64, nem \|n>Ejr| no 643.

IN. 1G   Is. 1920 (= Friedlander, F,pigraminaia.  59), '|/u£,[i]¡üÀEt e|v 5«i] (r«.

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162 O s GREGOS F. O IRRACIONAL

500 a.C.); cf. Eur. Hei. 52 sg.,  y v t , a \   5e jc o U a i Si Epe ... eOcxvov e Tro. 

1214 sg., ae0£V e ic m v e. Píndaro. OI.  9 .33 sg . : ou5 AiSaç

(XKivriiav  zx z   papôov , ppcnea otupae a  K a ta y a  kox  I o .v  rcpoç cxyuiav 

0vaOKOVXO)v (cf. Virg, Georg.   4.475 - Aen.  6.306),

19. A Conferenaa Hertz, 1916, Proc. Brit. Acadc. VII L.-S., s v.  psy che,  não 

soube tirar proveito da investigação de Burnei. Sobre tragédia, o material 

lexicográfico foi reunido por Martha Assmann,  M ens et Anim us, 1 (Ams

terdam, 1917).20. Sófocles,  Antigona,  176. Cf. 707 sg., onde \|/i>xv contrasta com (ppovetv, 

e Euripides,  Ate.  108.

2 1. Antifon, 5.93; Sófo cles,  El extra.  902 sg.22. Estoti propenso a concordar coin Burnet dc que este deve ser o sentido ñas 

Trotonas de Eurípides, 1171 sg.; é poueo natural construir a q y u x n de outra forma que não com ■yvouç.

23. Eurípides,  Héc uba,  87.24. Cf. frases c om o 8 ia P l o u g h S ó fo cle s. FU.  1013, e Ttpoç 

aKpov [ru£\ov y\)E,Tiç, Eurípides,  H ipólito  255.

25. Sófocles,  Antigona   227.26. Que a palavra não carrega uma asso ciaçã o puritana é eviden te poi 

IVascs com o ko v aya Q uv xapiÇ onE voç (Sem. Amorg. 29.14),  y v fy }  

Sif iovteç 116o v ilV iip^ pa v (Ésquilo, Os persas.  841) , popaç  íinXilpo'DES (Eurípides,  Ion  1169). Quão remota a palavra era na 

mais comum quanto às suas implicações religiosas e metafísicas é muito  

hem mostrado por uma passagem do devoto Xenofonte (se e que ela llie  

pertence); quando ele fornece algo sem imaginação o termo TdCT em uma 

lista de nomes para cães {Cvneg.  7.5),

27. Com o í)u|.ioç em II. Ap oll. 361 sg„ às vez es é considerada com o 

residindo no sangue: Sófocles,  Eíectra .  785 xoupov ektuvouO C(£t í]A)XT|Ç 

aKpatov aij ia e Aristófanes ,  Nuvens,   712 "cqCB ^ u x ^ v ek juv od oiv (ot 

Kopeiç). Este é um uso popular, não uma especulação filosófica como em  

Empédocles (frag. 105). Mas os escritores médicos também tendem, como  

devemos naturalmente esperar, a salientar a íntima interdependência entre  

corpo e mente, e a importância de elementos afetivos na vida dc ambos. 

Ver W. Muri, “Bem crkungen /,ur Hippokratisclien Psych olo gie , Festschrift 

Tice fu3 (Bern, 1947).

28. E. Rohde, “Die Religion dor Gricchen”, 27 (Kl. Schriften  11.338).

29. A tese de Gruppe sobre a origem do orfismo na Ásia Menor foi recente

mente reafirmada por Ziegler, P.-W., s.v. “Orpliische Dichtung’*, 1385. Mas  o problema é que as figuras divinas do orfismo tardio têm certamente ori- 

aem asiática - En kep aios, Misa, Hipta e o Cronos de asas polimórticas -  

não têm sua existência demonstrada na literatura órlica dos primordios e  

podem fácilmente ser empréstimos de uma idade posterior. A denvaçao que

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Os XAMÃS GREGOS B A OR1GI3M DO PURITANISMO ¡ 6 3

Heródoto faz da teoria do renas d mem o cg fpcio é imposs ível porque os eg íp

cios na verdade não possuem lal teoria (ver Mercer.  Relig ion o f Ancien t  

 Egypt,  323 e as autoridades citadas por Rathmann, Quaest. Pyth.  48}. Uma 

derivação da India não é algo provado e é intrínsecamente improvável  

(Keith,  Rei. and Phil, o f Veda and Upatu sh ads,   601 sg.). Parece possível, 

entretanto, que as erenças indiana e grega tenham a mesma fonte (ver nota 97).

30. Sobre o caráter e a difusão da cultura xamanística, ver K. Meuli, “Scythiea”, 

 Mermes   70 (1935) 137 sg., uma brilhante monografia a qual devo a idéia  

deste capítulo. G. Nioradze,  D er Schamanisnius bei den Sibirischen Volkern 

(Stuttgart, 1925), e o interessante, porém especulativo, livro de Mrs.  

Chadwick,  Poetry and Pro phecy  (Cambridge, 1942). Para descrições deta

lhadas dos xamãs, ver W. Radloff,  A m Sib ir ie n   (1885). V.M. Mikhailovski, 

./& 4 /24 (188 5) 62 sg., 126 Sg.; W. Sierosz ew ski,  Rev. de l'h is to ire des rei. 46 (1902) 204 sg., 299 sg.; M.A. Czaplicka,  Aborig in al Siberia ( 1914), que 

fornece uma bibliografia completa; LM. Kasanovicz,  Sm ithso nian Inst. 

 Annual Report,  1924; U. Holm berg, Finno-U gric and Siberian M ythology 

(1927). A conexao entre as idéias religiosas citicas e tirais-altaieas foi no

tada pelo estudioso húngaro Nagy e é aceita por Minns ( Scyn th ians and  Greeks . 85).

31. Parece que em algumas lormas modernas dc xamanismo a dissociação é  

mera ficção; cm outras há provas dc que ela e bastante real (cf. Niorazde, op. cit., 91 sg. , 100 sg.; Chadwick, op, cit., 18 sg.). O último tipo é presu

mivelmente o mais antigo, que o outro imita de modo convencional. A.  

Oh Imarks.  Arch.  /.  Rei.  36 ( 1939) 17 1 sg.. afirma que o genu íno transe xa

manístico é confinado à região ártica e se deve à “histeria do Ártico", Ver, 

porém, as críticas de Mireea Eliade,  Re v. de l'hist. des rei.  131 (1946) 5 

sg. A alma pode lambém deixar o corpo na doença (Niorad/.e, o p. cit.  95; 

Mikhailovski, loc. cit., 128) e durante o sono mais comum (Nioradze, op.  

cit. 21 sg.; Czaplicka, op. cit., 287; Holmberg, op. cit., 472 sa.).

32. Sobre estes “xamãs gregos" ver também Rohde,  Psych e,   299 sg. e 327 sg.; 

onde foram reunidas e discutidas muitas das evidencias sobre cies; 11. Diels,  

 P arm enid es' Leh rged icht,  14 sg.; e Nilsson , Cesch.  1.582 sg, que aceita a 

visão de Meuli sobre eles, Pode talvez ser argumentado que o comporta

mento xamanístico está enraizado em construções humanas psicofísicas, e  

que algo do tipo pode, portanto, ter surgido entre os gregos independente

mente de influências estrangeiras. Mas contra isso há três coisas a serem  

ditas. I) tal com portam ento com eça a ser verificado entre os gregos tão logo 

o mar Negro é aberto para a colonização grega, e não antes; 2) dos mais  antigos xamãs registrados, um é cilio (Abaris) e outro um grego que visi

tou a Cína (Aristeas); 3) há coincidência o bastante entre o xamanismo  

gieco-cítio e o siberiano moderno lomando a hipótese de mera ‘'conver

gência" parecer antes improvável: exemplos são a mudança de sexo do xamã

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164 Os GRl iüOS H O IRRACIONAL

na Cilia e na Siberia (Meuli, loe. cit..  127 sg.} , a importância relig iosa da 

flecha {ver nota 34 abaixo); o recuo religioso (noLa 46); o status  (Ja mulher 

(nota 59); o poder sobre bestas e pássaros (nota 75}; a viagem ao submun

do para recuperar a alma (nota 76), as duas almas (nota 111); e a semelhança 

com mclodos catárticos (notas 118 e 119). Algumas dessas coisas são 

coincidências bastante plausíveis; tomadas separadamente nenhuma delas  

é decisiva, mas seu peso conjunto parece considerável.

33. Esta tradição, embora preservada apenas por escritores tardios, parece mais  

amiga do que a versão racionalizada de Heródoto (4.36) na qual Abaris car

rega   a flecha (o motivo dislo não é explicado). Cf. Corssen.  Rh. Mus.  67 

(1912); c Meuli, loe. cit.,  159 sg.

34. IsLo parece-me estar implícito no uso de flechas pelo sama Buryat para trazer 

a alma dos doentes de volta, c lambém em funerais (MikhailoVski, lac. cit., 

128, 135). Os xamãs Lambém adivinham a partir do vôo das flechas (ibid.,

69, 99), e diz-se que “alma exterior" do xamã Talar por vezes mora numa  

flecha (N. K. Chadwick,  JR Al   66 [19361, 311), Outras xamãs podem ca

valgar no ar, como hruxas cm suas vassouras (G. Sandshcjcw,  An ih ropos 

23 [19281980).

35. Heródoto 4.36.

36. Sobre o “Apolo Hiperbóreo" cf. Alcaeus, frag, 72 Lobel (2 R); Píndaro,  

 Piln-as  10.28 sg.; Hacchyl. 3.58 sg.: Sófocles, frag. 870 N.; A.13. Cook,  Zeus.  11.459 sg, A.H. Krappe. (T h   37 (1942) 353 sg., mostrou que as ori

gen s deslc deus devem scr procuradas no norte da Europa; ele é assoeiado  

a um produlo do norte (âmbar) e a um pássaro (o cisne “whooper"); c seu  

“aniigo jardim" réside por detrás do venlo do norte (pois a óbvia etimolo

gia de “hiperbóreo” é provavelmente a certa). Parece que os gregos, tendo 

ou vid» falar dele por m issionários com o Abaris, identificaram-no com Ap o

lo (possivelmente por uma similaridade de lióme, se Krappe eslá ceno cm  

supor que ele é o deus de Abalus, “ilha de maçã"  [a pple is la nd],  o Avalon medieval), e provaram sua identidade dando-lhe um lugar na lenda do tem

plo de Delos (Heródoto 4.32 sg.).

37. Aristeas, frag. 4 e 7 Kindol; Allo ldi, (liionioti   9 (1933) 567 sg. Posso acres

centar que as “servas em forma de cisne" que nunca vêem o sol ( /J. V.  794  

sg., talvez dc Aristeas) possuem um paralelo com as “servas-cisne" da crença 

asiãliea central que vivem no escuro e lêm olhos de chumbo (N.K.  

Chadwick.  .IRAI   66 ¡19361 313, 316). Quanto à viagem de Aristeas, o re

lato de Heródoto (4.13 sg.) é ambíguo c pode refletir uma tentativa de  racionalizara história (Meuli, ¡oc. cit..  157 sg.). Em Máximo dc Tiro, 38.3, é 

claramente a alma   de Aristeas que visita os hiperbóreos à maneira xamanís-  

tiea. Os detalhes dados cm Heródoto 4.16 sugerem, porém, uma viagem real.

38. Heródoto, 4.15.2: Plínio,  N.H.  7,174. Compare os pássaros de alma das tri

bos Yakut e Tungus (Holmberg, op. cit.. 473, 481), e também as vestimentas

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O s X A M Ã S G R E G O S H A. O R Í O E M D O P U R I T AN I S M O 1 6 5

de pássaros dos xamãs siberianos (Chadiek,  P o e try a n d Prophecy,   5 S c 

tig. 2); e a crença de que os primeiros xamãs eram pássaros (Nioradzc.  

op. cit., 2). Pássaros de alma são amplamente difundidos, mas não é ceno  

que os gr egos dos primordios os conhec essem (Nilsson, Gesch.  1.182 sg}.

39. Sófocles,  Electro .  62 sg, O lom é racionalista, sugerindo urna influencia  

de seu amigo Heródoio. Sófocles tem em mente, sem dúvida, histórias como  

a que Heródoto eonla de Zalmoxis (4.95), que racionaliza o xamanismo trá- 

cio. Os lapões costumavam acreditar que seus xamãs “caminhavam” após  

a morte (Mikliailovski, loe. cit.,  150 sg.); e cm 1556 o viajanie inglés Ri

chard Johnson viu um xamã do norte da Sibéria “morrer” e em seguida  

reaparecer vivo (Hakluyt, 1,317 sg.).

40. H. Diels, “Über Epimcnides von Krcia”,  Berl in Sitzb .  1891, 1.387 sg. Os 

fragmentos agora são Vorsokr.  3 B (formalmente 68 B). Cf. lambém H, Demoulin, liptméiude de Crète   (Bibliothèque de la Fac. dc Phil, et Lettres 

Liège, fasc. 12). O ceticismo de Wilamowitz (Hippolytos,  224, 243 sg.) pa

rece excessivo, apesar dc alguns oráculos serem certamente forjados.

41. O prestígio das Kü-tiapiat cretenses na era arcaica é atestado pela lenda  

de que Apoio foi purificado, depois do assassinato de Píton, por Carmanor,

o cretense (Paus. 2.30.3); cf. lambém o cretense Talelas que expulsou uma  

peste de Esparta no século VII a.C. (Pratinas, frag. 8 R.). Sobre o culto da 

caverna cretense, ver Nilsson.  Minoan-M yc. Religio n1,  458 sg. Epimênides era chamado veoç Koupi^ (Plutarco,  Sol.  12, Diógcncs Laércio, 1.115),

42. A iradiçfio da excursão psíquica foi possivelmente transferida a Epimcni

des por Aristeas; Suidas atribui o poder a cada um deles em termos muito  

parecidos. De modo similar, a aparição  post-m orte m   dc Epimcnides (Pro- 

clus, in Remp   II. 113 Kr.) pode ser imilada daquela de A risteas. Mas a 

tradição dos alimentos encamados parece mais antiga, pelo menos por causa  

da pala de boi. Isto pode ser traçado ate o lempo de Herodorus (frag. 1 J.), 

que Jaco by data de mais ou m enos 400 a .C., e parece ser mencionada por 

Platão (Leis  677E), É lentaclor relacionar islo com: a) a tradição da mira

culosa vida longa de Epimcnides, c b) a “rcccita Irácia para escapar da 

moric” (nola 60 adiante).

43. t o   Sepj.ict euppoO ui -yp rep paru tcaxaaiiK Tov , Suidas s.v. (= Epim ênides  

A 2), A fonte pode vir do historiador espartano Sosibius, mais ou menos  

300 a.C. (cl . Diógenes Laércio, 1 .115). Suidas acrescenta que t o  

EítijieviSeiov Ssppo: era um provérbio para qualquer coisa escondida (ejii 

t (ov  aito0ET(üv}. Mas não posso aceitar a curiosa teoria de Diels (op, cit.,  

399) e Demoulin (op. cil.. 69) de que esta frase se referia originalmente a um vellum MS   das obras de Epimênides, e f'oi posteriormente mal com

preendida com o referindo-se ã sua pele tatuada. Compare, lalvez, I Lucian, 

p. 124 Rabe, e^e ye io ya p o riueocyopaç EVT £iimœo0ai tcú SeÇiw remo u  

¡.lripa) to v   Ooi|3ov. Isio é a racionalização do misterioso  gold en ih igh l  Ou

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1 6 6 O S GRHÜOS l i O IRRACIONAL

seria o núcleo histórico do conto dc unia tatuagem sagrada ou uma marca  

natural de nascimento'?44. Heródoto 5.6.2: to ¡aev ecrcixâm euyevEç ^Expirai, to   Se ccotlictov  

ccyevVÊÇ. O sama trácio '‘Zalm ox is’’ possuía urna marca dc tatuagem em su a 

fronte que escritores g re go s, sem saber de scu sign ificad o religioso, e xp li

caram dizendo que ele havia sido capturado por piratas, que o destinaram  

ao mercado dc escravos (Dionisófanes apud  Porfirio, vil Pyih.  15, em que 

De latte,  Poli tique   . 22 8, está absolutamen te errado ao identificar os  

ficticios Xr|CT0ti com insurreições anti-pitagóricos locais). Sabemos pelos 

pintores dc vasos gregos que os tráeios l'a/.iam tatuagens sagradas: as mé

nades tráeias se lattiavam dc amarelo castanho como se ve em varios vasos  

iJHS  9 11888]; P. Wolíers,  Her mes  38 [1903] 268; Furlwanglcr-Rcichhold,

III, Ta fe 1 178, em que algu ns apareciam tatuados com uma cobra). Para a 

laluagem como marca de devoção a um deus, cl. lambém Mcródoio 2.113,  

c os exemplos de varias fontes discutidas por Dólger,  Sp in agis.  41sg. A 

tatuagem foi igualm ente praticada por s arma ci os e dá cios (Plínio,  N. H.

22.2), ilfrios (Strabo 7.3,4), os “picti Agatbyrsi” na Transilvâma, que Vir

gílio representa como idolatrando Apolo (o Hiperbóreo) (Eneida),  c outros 

povos dos Bálcãs C do Danúbio (Cook.  Zeus) .  Mas os gregos pensam  

õaCTXpov taxi œuftov (Sextus Empiricus,  P yn h . Hyp .  3.202; cf. Diels,

yf> 183] 2.13).45. Frazer,  Paast in ias,  II, 121 sg.

46. Cf. Rohdc,  P sy che , cap IX, n. I 17; Hailiday, Greek Divination,  91, n, 5; e 

para os longos sonos dos xamãs, Czaplicka, op. cit. 179. Holmberg, op.  

cit., 496, cita o caso de um xamã que se deitou “imóvel c inconsciente"  

por mais de dois meses no tempo de seu "chamado". Compare o longo re

tiro no subsolo dc Zalmoxis (nota 60 adiante). Diels pensava (toc. cit.. 402) 

que o “Longo Sono” linha sido inventado para conciliar discrepancias cro

nológicas cm vários contos de Epimcnides. Mas sc este tosse o único  motivo, “Longos Sonos” seriam muito comuns na história grega dos pri

mordios,

47. Deixo de lora da queslão as ousadas especulações de Meuli a respeito dos  

elementos xamanísticos do épico grego (loc. cit.,  164 sg.). Sobre a tardia 

ti cs coberta dc acesso ao mar N egro e a razão para isto, ver Rliys Carpen- 

ler,  AJA 52   (1948) I sg.

48. Isto foi claramente reconhecido por Rohdc,  Psyche,  301 sg.

49. Proel us, in Rentp.  11.122.22 sg. Kr. (- Clearchus, frag, 7 Wehrli). A histo

ria não pode, infelizmente, ser tratada como histórica (el. Wilamowitz, 

Gtuube , 11.256; e H. Lewy,  H an\ Theol. Rev,  31 (1938) 205 Sg ).

50. Aristóteles,  M eta fís ic a , 9841’ 19. Cf. D iels sobre Anaxágoras A 58, Zeller- 

Nesile, 1.1269, n. 1, descartaria a afirmação de Aristóteles como inteiramente

-desprovida de fundamento. Mas lâmblico  Pm tr epi.   48.16 (- Ar. frag. 61)

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O s X A M Ã S G R EG OSE

  A ORIGEM DO PURITANISMO I 67

sustenta a idcia de que Anaxágoras apelou e fe h v amen le para a autoridade 

de Herniotimo. _ 

51. Diógenes Laércio 1.114 ( Vorsàkr   3 A I): A-eyerat 8e coç kou Jîpfflxot; 

(TtpfüTov Casaubon, ccutoç cj. Dicls) autov Aicxkov A,eyoi . . .  

7tpocnioir|0r|vcü të jtoAAccKtç «vafSefiicoicevcd. As palavras conov  

Aicïkov A.syi mostram que ava(k)ÍKi)k'Evat não pode se referir meramen

te à excursão física, como sugeriu Rolide {Psyche,  331 ).

52. Aristóteles,  R etó ric a ,  1418" 24: ekeivoç yap rcepi t£jûv eaofj.evwv out; 

Efiavieueio , a k \ a  Ttept imv yeyovoKov, aôriÂcov 5ë. Para uma explicação  

diferente desta afirmação ver Boudié-Leclercq,  Hist. de la divina tion,  li. 100.

53. H, Diels, loc. cit.  (nota 40 acima), 395.

54.  Apud   Diógenes Laércio 8.4. Cl'. Rohdc,  Psyche,  App. X c A. Dclatte,  La 

Vie d e Pytha gore de Dio gèn e Lue rc e,  154 sg. Outros lhe atribuíram uma 

série diferente de vidas (Dicaerchus, fr. 36 W.).

55. Empédocles, lïag. 129 D. (cf. liidez,  La B io graphie d 'H m pédode   122 sg.; 

Wilamowit/, "Die KaGapliOi des Empcdokles”,  fieri. Sitzh.  1929, 651); 

Xenófanes, frag. 7 D. Acho muito pouco convincente a tentativa de 

Ralhm ann de descrecí it ar am bas as tr ad içõ es em seu Qi t a e s i i o n e s 

 Pyth agoriae, Orphicae, E m pedadae   (Halle, 1933). Xenófanes parece 1er 

zombado lambém das histórias a respeito dc Epimcnides [frag. 20). O modo  

pelo qual Burnell traduz o fragmento, “embora tivesse vivido há dez, sim, vinte g eraçõ es” (F,GPh\  236 ) - que excluiria qualquer referência a Pitágo

ras - é lingüisiicamcnle im possível.

56. Mikhailovski, loc. cil.  (nota 30 acima), 85, 133; Sieroszewski, loc. cii.  314; 

Czaplicka, op. cit., 213, 280. O último deles atribui uma crença  geral   na 

reencarnaban a um ccrto número dc povos da Sibéria (130, 136, 287, 290).

57. Eacus parece ser uma velha figura sagrada, la lvez minóiea - cm vida ele 

era um mago fazedor de cluiva (Isócralcs,  Evang.,   14) e após a morte loi 

promovido a porteiro do Inferno (ps, Apollod. 3.12.6; cf, Eur.  Peir ithous fr. 591, Ar,  Ran.  464 sg.) ou até mesmo juiz dos mortos (Platão,  Apolo gia  

de Sócrates, 41 A; Górgias,  524A; cf, Isoer.  Evag .  15).

58. D iógen es Laércio, 8.4. Fcrccides de Si ros afirma que um outro dos avata- 

res de Pitágoras, Adalides, reccbeu o poder de renascer como um privilégio  

especial (E Apoll. Rhod. 1.645 = Phereeydes frag. 8). Concordo com  

Wilamowitz {Pioion,  1.251, n, 1) que tais histórias não são produtos dc te o

rias filosóficas, mas, ao contrário, que a teoria c uma generalização sugerida 

(pelo menos cm parte) pelas histórias. Sobre a reencarnação como privilé

gio reservado aos xamãs, ver P. Radin,  Prim it iv e Relig ion,  274 sg.

59. O status  concedido às mulheres na comunidade pitagórica é algo excepcio

nal para a sociedade grega da Idade Clássica. Mas vale notar que hoje, em  

muitas sociedades siberianas, as mulheres podem se tornar xamãs tanto 

quanlo os homens. .

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168 Os G R H G O S l:. 0 I R R A CI O N A L

60. H eródoto, 4.95. Cf. 4.93; Te tac; to iiç aQ av rm Ç ov ra ç, 5,4: T et cu oi  

«OravaTiÇovTeç e PI a Lira, Chu na.  I56D: KùvOpr/.KOW t (üv  ZaÀfJOÎ iûOÇ 

laiptov, oí Xeyovxà.L Kai oaraÔavcmÇeiv. Estas frases significam não que 

os Gelais “acreditavam lia imortalidade da alma”, mas que possuem a re

ceita para escapar da morte (Linfonh, Cph  [ 191 S| 23 sg .}. A natureza  

da luga que '‘Zalmoxis’' prometen aos seus seguidores eslá, entretanto, longe  

de ser algo claro. Parece possível que os informantes de Heródoto tenham  

fundido cm uma só história várias idéias distintas, como por exemplo: a) a 

do paraíso lerrcsire de "Apolo 1liperbóreo", para o qual, como para o Elíseo  

Egcu, alguns homens são transportados corporalmente sem morrer (atei  

itËptËOVTeç cf. B ace by I. 3 .5 8 sg. e Krappe, CPI:  37 [1942J 353 sg.): por 

isso a identificação de Zalmoxis com Cronos (Mnaseas, FUG   III, frag. 23); 

cf. Czaplicka, op. cil,, 176: “Existem tradições sobre xamãs que forain irans- 

porlados vivos da Terra para o Céu”; h) o xamã desaparecido que se oculla 

por longos períodos de lempo em uma caverna sagrada: Hdi. m ta y a to v

o i terina e avTpcüôeç t %(opiov cip aïo v xo iç uXko iç  (7.3.5) de Sirabo pa

recem versões que não morrem,  Rhesus,   970 sg., cf. Rohdc,  Psych e,  279; 

e) talvez   lamhém uma crença na tr ans migração (Roh dc. loc. cit.);  cf. a ex

plicita afirmativa dc Mela de que alguns trácios “redituras pulam animas  

oheuntium’' (2.18) e Phol., Suid..  EM,  s.v. ZcíjdO^iç, mas não existe nada 

a respeito de “almas" na narrativa de I leródolo,61.1 leródolo sabe que Zalmoxis é um Sai|.Küv (4.94.1), mas deixa cm aberlo 

a questão se c ie loi anlcs um homem (96.2). O reíalo de St rabo (7.3 .5) su

gere íorlem enlc que ele era um xamã tornado herói - iodos os xamãs se 

tornam Üor. heróis, após a morte (cf. .Sieroszewski, loc. cil.,  228 sg.) - ou 

um proiólipo divino dos xamãs (cf. Nock, CR   40 11926| 185 sg. c Meuli.  

loc. cil..  163). Podemos comparar o status  que, segundo Aristóteles (frag. 

192 R, = lâmblico, vil. Pylh.  31 ). os pitagóricos reivindicavam para scu 

fundador: tou XoytKtn» Çoxm t o   ptv t a u 0eoç, to St «vGpawroç, to Se oiov 1luBiryopaç O falo de Zalmoxis 1er dado o scu nome a um tipo par

ticular dc canlo c de dança (1 lesych. s.v) parece confirmar sua conexão com  

as atuações dc xamã. As similaridades entre a lenda de Zalmoxis e as de  

Epimênides e Aristeas foram corretamente enfatizadas pelo professor Rliys 

Carpenter {Folktale, Fiction, and Saga in the Homeric Epics,   Salhcr 

Classical Lectures, 1946, 132 sg., 161 sg.), embora eu não possa aceitar sua 

engenhosa identificação dos 1res com ursos hibernando (seria Pitágoras um 

urso também'.'). Minar, que tema extrair um núcleo histórico das histórias  

de Zalmoxis, ignora seu passado religioso.

62. C f Delatlc,  Etudes sur la li ttératu re pyth .,   77 sg.

63. Pitágoras c Abaris, lâmblico. Vil. Pyth.  90-93, 140, 147, que laz. de Abaris  

um pupilo de Pilâgoras (Suidas, s.v. IloQayopCCÇ, inverte a relação na sua 

obra sobre Pitágoras). Sobre sua iniciação, ver a mesma obra. Sobre profe-

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( ) s XA MÃ S GR KG OS I A OHIG iiM 1)0 PURITA NISMO 169

cia, d cs loc a men lo no espaço e a identidade com o Apoio Hiperbóreo, Aris

tóteles, frag. 19IR {= Vorsokr.,  Pyth. A 7), Sobre cura, Aeliano, VJi.  4.17; 

Diógenes Laércio 8,21, ele. Sobre a visita ao submundo, Hieronymus de 

Rhodes apud   Diógenes, 8,21, cf. 41. Contra a visão de que a lenda pitagó

rica pode ser descartada em sua totalidade como tuna invenção de  

romancistas posteriores, ver O. Wcinreich.  NJbb   1926, 6,18; e Cigon, 

Urspnmg d. gr. Philosophie,  131; e sohre o caráter irracional de grande 

parle do pensamento pitagórico, L. Robin,  La pensée hellénique.   31 sg. Não 

sugiro, obviamente, que o pitagorismo possa ser explicado inteiramente 

como um desenvolvimento do xamanismo; outros elementos, tais como o 

misticismo envolvendo os números e as especulações sobre harmonia cós

mica, eram também importantes desde unia época anterior.

64. Com o Reinhardt diz, as referencias mais antigas a Pitágoras - em Xenó fa

nes. líeráclilo, Empédocles, lon (c poder-se-ia acrescentar Heródoto) -  

"pressupõem a tradição popular que o via como um Alhcrlus Magnus” (Par

menides,   2 3 fi). Cl. I. Levy,  Recherches sur íes so w ces de la lé gende de  

 Pyl lu igore .  6 sg. e 19.

65. A magia do vento remonta a Tinieu {frag. 94M em Diógenes Laércio. H.60). 

As dem ais histórias a Heraclides Ponticus (frag. 72, 75 e 76 Voss = Dio a. 

L. 8.60 sg., 67 sg.). Bidez.  Lu B io graphie d ‘E m pédode,  35 sg. argumen

tou de maneira convincente que a lend a do deslocam ento espacial corporal 

em Empédocles é anterior à de sua morte na cratera do vulcão Etna, e não 

loi inventada por Heraclides. De modo similar, a tradição siberiana conta  

como os graneles xamãs do passado tiveram seus corpos transportados 

(Czaplicka, op, cit., 176), e como e les ressuscitaram os mortos (Nioradze, op. cit., 102).

fió, Empédocles, frag. 111.3, 9; 112.4.

67. Ibid., frag. 112.7. Cf. liidez, op. cit., 135 sg.

68. A primeira destas opin iões loi sustentada por Bidez, op, ei t., 159 sg, e por 

Kranz (Hermes  70 [ 1935 [ 115 sg.); a segunda por W ilam ow iu (B eri Silzb. 

1929, 655), após Diels (lierl. Silzb.  1898, 1.39 sg.) e outros. Contra este s 

últimos, ver W. Nestle,  P li ilo l.   65 (1906) 545 sg.; A. Dies,  Le cyc le  

mystique,  87 sg.; Wcinreich.  NJhb   1926, 641, c Cornl'ord. CAH,  1V.568 sg. 

As tentativas de Burnet e outros visando distinguir em Lima geração an

terior um pitagorismo “científico” e outro “religioso” ilustra a mesma  

tendencia a impor dicotomías modernas sobre um mundo que ainda não ha

via secjucr sentido a necessidade de definir “ciência” ou “religião".69. Esta explicaçao (de Karsten) loi aceita por Burnet e Wilamowitz. Ver con

tra isto Bidez, op. cit.. 166 e Nestle, loe. cit..  549, n. 14.

70. A descrição dc Wilamowitz do poema  Sobre a nam reza   com o “(lurch au s 

maierialislisch" (loe cit..  651) é decididamente enganadora, embora não

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1 7 0 O s GRKÍ10.S E O IRRAC ION AL

liaja dúvida d e que E m pédo cles. com o ou iros hom ens de seu tempo, visse  

el'cli vam ente o pen sámenlo em termos de força material.

71. Jaeger, Theology,  132.

72. Cf. Rolide,  Psych e,   378. Sobre o ampio espectro das funções do xamã, ver 

Chadwick, Growth o f Literature,  t.637 sg.; c  P oetry and Porphecy,  capítu

los 1c 111. A sociedade homérica é mais avançada: nela a |i(xvxiç, o üïipoç  

c o œolôoç são membros de prolissões distintas. Os xamãs gregos do pe

ríodo arcaico são um retorno a um tipo anterior.

73. A tradição posterior, enfatizando o segredo dos en sinam entos d e Pila go

las, negó u que ele tives se deixado algo por escrito; cf. entretanto Gigon , 

Uliters, z. ííeraklit,  126. Parece que não se estabeleceu nenhuma tradição 

do tipo durante o século V a,C., uma vez. que Ion de Quios pôde até mes

mo atribuir poemas órficos a Pitágoras (ver nota 96 adiante),

74. Cf, W. K. C. Guthrie, Orpheus an d Greek Religion,  cap. III.

75. Chadwick,  .IRAI   66 (1936) 300. Xamãs modernos perderam sea poder, mas 

ainda matem algo deste poder quando, por exemplo, xamanizam com ima

gens de madeira com pássaros e ouiros animais, ou sobre suas peles, visando  

assegurar ajuda oriunda dc espíritos animais (Meuli, loc. cit.,  147). Eles 

também imitam os grilos dos animais que os auxiliam (Mikbailovski. loc. 

cit..  74- 94). A mesma tradição aparece na lenda de Pitágoras em que "se 

crê que ele domou uma águia por meio de alguns grilos trazendo-a de seu  vôo para o solo” (Plutarco,  Ntmui   8). Islo pode ser comparado com a cren

ça lonisseana de que "as águias são ajudantes dos xamãs" (Nioradze, op. 

cil., 70). lile também doma oulro animal muito importante para os xamãs

- o urso (lâmblico, vith. Pyth.  60).

76. Chawick. ibid., 305 (a viagem ao submundo de Kan Margan para ver sua  

irmã) e  P o e try and P roph ecy , 93; Mikhailovski, loc. cit.  63, 69 sg.; 

Czaplicka. op. cil., 260, 269; Meuli, loc. cit..  149.

77. Cl. Guthrie, op. cit., 35 sg.78. Por ex em plo, a cabeça man lie a de Miniir na Ynglinga saga,  capítulos IV e  

VII. Na Irlanda, "cabeças que falam lém sido um fenómeno bem compro

vado por mais de mil anos” (G. L. Kiüredgc,  A Stu dy o f Garntin and the 

Green Knight.  177, onde muitos exemplos são fornecidos). Cf. lambém W. 

Deónna,  REG   38 (1925) 44 sg.

79. Wilamowilz, Glauhe   11.193 sg. (1932); Feslugière,  Revu e Bib lique,  44

(1935 ) 372 sg.; H. W. Thomas, E jte m vo . (1938 ); Ivan M. Linforlh, The 

 Arts o f Orpheus  (1941). Um conlra-aiaquc espirituoso a este ceticismo  

“reacionário" foi desferido em 1942 por Ziegler, representando a velha guar

da de pan-orfisias, sob forma de artigo em uma obra de referencia (P.-W., 

s.v. "Orpbische Üiehtung'’). Mas enquanio por um lado ele não linha dili- 

culdade ctn marcar alguns pon los conira scu adversário imediato (Th omas), 

por oulro não pude sentir que Ziegler tivesse levantado minhas duvidas

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O s X A M Ã S G R HC iO S E A O R IO K M [TO P U R I T A N I S M O 171

quanlo às hases sobre a qual a interpretação tradicional do “orfisino” sc  

erguc, ni es ni o na lorma modificada cm que é apresentada por escritores lão 

cuidadosos quanto Nilsson (“Early Orphism”,  Harv. Theoi. Rev.  28 [1935J) 

e Guthrie (op. cil.).

80. Ver contra a hipótese, Wilamowitz, II. 199. Face à sua generalização de que 

nenhum escritor da Idade Clássica fala cm Op<|>iKOi, Heródoto 2.81 pode 

ser visto como uma possível exceção apenas se adotarmos o “texto curto” 

da passagem em questão. Mas uma omissão acidental causada por 

“homoioiclcuton" e conduzindo a uma mudança subseqüente quanlo ao nú

mero no verbo conjugado, parece mais provável do que uma intcrpolação  

em DRSV, e não posso resistir à convicção dc que a palavra opyiov tia pró

xima Irasc foi determinada pela palavra BaK^iiíoiot no "texto longo" deste  

(cf. Nock,  Stu dies presenteei to R L Griff ith,  248; e Boyancé, Culte des   Muses,   94, n. I).

81. Ver contra a hipótese, Bidcz, op. cit., 141 sg. Há, segundo o mcu jufzo,  

um motivo ainda mais forte para ligar Empédocles à tradição pitagórica  

(Bidcz, 122 sg.; Wilamowitz,  Herí. Silzb.  1929, 655; Thom as, 115 sg.) do 

que para conectá-lo de natureza distinta c demonstrad amen te órfica (Kcrn, 

Franz ele,). Mas é provavelmente um erro vê-lo como um metnhro de qual

quer “es c o la ’ - ele era um xamã independente que possuía sua própria 

maneira de agir.82. I:m l!\'psi¡)\'if,  frag. .If Hunt (= Kern, O .F   2), o adjetivo mais comum  

 ïtpûiTOYOVoç não tem nenhuma ligação com provada com a literatura órfica 

mais antiga, enquanto Epox, e Nuç têm sido importados por conjectura. Nem

o Iragmenio 472 das Cretenses   possui alguma conexão demonslrávcl com

o “orfismo" (Festtigièrc,  RFC  49.309),

83. Ver contra a hipótese, Thomas, 43 sg,

84. Ver contra a hipótese, Wilamowitz 11.202 sg,; Festitgiicre. iiev. llihl.  44.381 

sg.; Thomas, 1.14 sg.

85. Que tal hipótese 6   supérflua e improvável, é a tese central do livro de Tho

mas.

86. Ver contra n hipótese. Linforth, 5(5 sg.; D.W. Lucas. "Hyppolitus”, CL 40  

(1946) 65 sg. Pode-se ainda acrescentar que a tradição pitagórica colocava  

lado a lado, dc modo explícito, caçadores c açougueiros como pessoas im

puras (Eudoxo, Irag. 36 Gisingcr = Porfirio, vit. Pyth.  7). A visão órfica 

difici luiente pode ser diferente dcsla.

87. Erro que continua sendo defendido. Ver R. Harder, Üeb er C iceros Somniiun 

 Se ip irmis ,  121, n. 4; Wilamowitz, 11.199; Tilomas, 51 sg,; Linforth, 147 sg. Etilrelanio, como ela ainda é repetida por estudiosos extremamente respei

tados, parece que vale a pena dizer algo mais: a) que o que é atribuido por  

Platão (Cráitto , 400C) a ora).li|> Opifieo. c tima forma derivada de cüipot  

ITOwo to ovopot) de CTíoÇeiv, iva o(oÇv[Tca (r| ij/dx'I): isto é posto fora

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f 72 O s g r k g o s   i: o i r r a c i o n a l .

dc dúvida pelas palavras m i oufiev ô eiv jrctpotYetv ouS ev yp a p p a , que  

contrasta acopa-ctoÇo) com aa)p«-ai inc( e aíüna-cr ipatva); b) que  

ac op a- crm a é atribuido na mesma passagem a Tiveç, sem maiores esp eci

ficações; c) que quando um autor diz “Algumas pessoas ligam acopa a  

011 fia, mas creio que foram provavelmente os poetas órficos que cunha

ram o lermo derivando-o de GcúÇfti", não podemos supor que "poetas  

órficos" sejam o mesmo que “algumas pessoas” ou que estejam incluídos  

ali. (Estou inclinado a pensar que é assim mesm o que p a X id ia c entendi

do como qualificando «X SiKT|V SiSougtiç ktX)

88. Como colocou o senhor D. W. Lucas (C L   40.67), “o leitor moderno, con

fuso e desanimado pela dureza aparente dc muita re l igião grega  

convencional, está inclinado a procurar por toda a parte sinais dc orfismo,  

pois sente que ele nos dá niais do que o que sc espera normalmente da religião, c abomina a idéia de que os gregos lambém o exigissem”. Cf. também  

Jaeger, Theology,  61. Não posso evitar a suspeita de que a “histórica Igreja 

Órfica” como aparece por exemplo em Toynbee,  Stu dy o f History.  V.84 sg. 

será um dia citada como um exemplo clássico do tipo de miragem históri

ca que ocorre quando os homens projetam sem saber suas próprias 

preocupações sobre um passado disunite.

89. Fcslugiere,  RKG   49.307; Linl'orth, XIII sg.

90. Paralelos entre Plalão ou llinpédocles c estas compilações não constituem, a meu ver, nenhuma garantia, a não ser que possamos excluir a possibili

dade de que o aulor da compilação tenha retirado a frase ou a idéia dos  

mestres de pensamenlo místico aceitos então.

9 1. Os c ético s parecem ter incluído Ileródolo. Ion de Quios e Hpigenes (nota lJ6 

adiante), ass imeomo Aristóteles. Vera admirável análise de Liniorlh, 155 sg.

92. Platão, íicpúhiica.  364IÍ. A etimologia e o uso da palavra opaSoç suge

rem que o que Plalão linha em menie não era tanto o ruído confuso do  

excesso de palavras sendo recitadas, quanlo o ruído confuso de uma gran

de quantidade dc livros cada qual propondo seu próprio nostrum',  é preciso 

mais do que um para lazer um opotSoç. Uma frase de Euripides (11ip.,  954), 

7toAA(i)vyp|Upretii)v m jt v o u ç também ressalta a multiplicidade de autori

dades órficas, assim como sua futilidade, Como afirma Jaeger (Theology, 

62), é anacrônico postular um "dogma” uniforme para os orfismos na Ida

de Clássica.

93. Platão, Crálito,  400C; Eu r.  Hipp.   952 sg. (cf. Ar, Ran. 1032, Platão,  Leis, 

7820; Plalão,  Rep .  364E-365A.

94.   Ziegler, loc. cit.,  1380 , parece cerio quanto a este ponió, contra o ulira- cctico Thomas. As palavras tic Aristóteles no de tintina  4 IO1’ 19 (= O.T. 

27), longe de excluir a transmigrado do rol das crenças órficas, vai de al

gum modo confirmar sua inclusão ao mostrar que alguns escritores de

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Opijiim acreditavam ainda assim em uma alma separável da corpo e preexistente.

95. Pitagóricos são apresentados na coméd ia fingind o-se de vegetarianos estri

tos (Antifon, frag. 135 K.; Aristolon, Irag. 9 etc.) e ate mesmo vivendo a pão e água (Alexis, frag. 221). Mas a regra pitagórica possuía várias for

mas; a mais amiga delas pode apenas ter proibido a ingestão dc certos  

animais "sagrados” ou de suas partes (Nilsson, “Early Orpliism”, 206 sg.;

Delatte,  Eludes sur la lilt, pylh .,  289 sg.). A idéia de üü)|ia-(|> p ou p a foi 

posta por Clearco (Irag. 38 W.) na boca de um pitagórico real ou imaginá

rio chamado Euxiteos. Platão (Fé/loa.  62b) na minha opinião não sustenta  

a visão de que tal idéia loi ensinada por Filolau; e não confio no fragmen

to 15 de “Filo lau”. Sobre a calarse pitagórica, ver a nota 119 adiante, e sobre a semelhança estreita e gcral entre velhas idéias pitagóricas e órficas, Fï.

Frank,  Platon u. d. sogen annten Pythagoreer,   67 sg., 356 sg., e Guthrie, 

op, cil., 216 sg. As diferenças mais fáceis dc serem reconhecidas não são  

doutrinais, mas concernem ao culto (Apoio é uma figura central para o pi

tagorismo, e D ion iso aparentemente para o orfismo - OpfJnKa); o status  

social (o pitagorismo é aristocrático, enquanto o orfismo - Op ijura - pro

vável m enfe não era): e sobretudo o [;uo de que o pensam ento órfic o  

pei manceia em um nível mitológ ico, enquanto o s pitagóricos numa data amiga, senão do próprio começo, temaram traduzir esle modo de pensa

mento em termos mais ou menos racionais.

96, Diógenes Laércio 8.8 (= Kern, Test.  248). Clemente dc Alexandria,  SI rom.

1.21, 131 (= lest, 222). Acho difícil aceitarmos a identificação deste Epi f Q  

gen es com um membro obscuro do círculo socrático, lei ta por Linforth (op.

cit., 115 sg.); o gênero de interesses lingüísticos atribuídos a ele por Cie- (   1  

mente (ibid., 5.8, 49 O.P.  33) e Ateneu (468 c) sugere uma forte erudição L U  

alexandrina. Mas ele era, de qualquer maneira, um homem que havia con

cluído um estudo especial sobre a poesia órlica, e diante de nossa pobreza 

de inlor m ações parece pouco sábio desean ar suas afirmações de modo ca

valheiresco como faz Delatte {Études sur hi litt. pyth.,  4 sg.). Não sabemos 

em que suas considerações particulares estão baseadas, mas quanto à visão  

geral de que os pitagóricos dos primordios haviam participado na elabora

ção da Op(|>iKa ele poderia 1er apelado para a autoridade do sceulo V a.C.,  

não apenas a Ion cie Quios , mas lambém, cre io eu, a Heródoto - se estou  

<■‘01 icio em compreender a famosa Irase em 2.81 com o “Estas práticas eg ip

cias concordam (opoXoyeei RSV) com práticas chamadas órficas e  

dionisíacas, que realmente tiveram sua origem no Egito e (algumas delas)  

foram trazidas até ali por Pitágoras" (ver nota 80 acima), Como Heródoto  

ainbui mais além (2.49 ) a imporlação da p a r i r a a Mel ampo, as práticas 

importadas por Pitágoras são presumivelmente limitadas ao orfismo -  

Opt]>ira. Cf. outra passagem (2.123) em que Heródoto afirma conhecer, sem

O s X A M Ã S ( ¡R K G O S H A O KIG F.M D o P U R IT A N IS M O 1 7 3

LU

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1 7 4 O s C R K C O S E O I R R A C IO N A L

querer nomear, os plagiadores que importaram a doutrina da transmigra- 

ção do Egito afirmando ser de sua autoria.

97. A lgo do mesm o género pode ter acontecido na India, onde a crença na 

reenea ma ção lambém em erg e relativamente tarde c parece não ser ncm  

indígena e nem sequer uma crença trazida de fora. W. Ruhens,  A cta  

Orientalia  17 [1939] 164 sg., encontra seu ponto de partida em contatos  

com a cultura xamanística da Ásia Centrai. Um fato interessante é que na  

Índia, como na Grécia, a teoria da reencarnação e a interpretação do so

nho como uma excursão psíquica fazem sua primeira aparição ao mesmo 

tempo (Hr. Upanishad   3.3 e 4.3; cf. Ruben, loc. cil.,  200}. Parece que eles  

são elementos de um mesmo padrão de crenças. Se assim for, e se o xa

ma nism o l'or a Ion le do último, é porque ele provavelm ente c a fonte dos  

dois elementos.

98. Rohdc, “Orpheus”,  Kl. Schriften,   ¡1.306.

99. Nilsson,  Era nos 39 (1941) 12. Vga, contra, Gigon, Ursjjrung,  133 sg.

100. Heráclito, frag. 88. Cf. Sexto Empírico.  Pvrrh . Hyp.  (citado abaixo, nola 

109). Platão, Fédon,  70 c - 72 d

101. “Esta doutrina da transmigração ou da reencarnação da alma enco ntra-se 

presente em muitas tribos selvagens”; Frazer, The B elie f in Imm ortality,

1.29. “A crença em urna cena forma de reencarnação está universalmente  

presente em todas as simples civilizações coletoras de caçadores e pescadores", P. Radin,  Prim it ive Religion, 270.

102. Platão, Fédon,  69C;  R epública , 3 63 D ; e para a crença pitagórica no Tár

taro, Aristóteles,  Anal. Post .  941' 33 (= Vorsokr. 5K C I). Uma Viagem ao  

submundo   está entre os poemas atribuidos por Epigenes ao pitagórico  

Ccrcops (nota 96). A imagem específica dc um inferno de lama é nor

malmente chamada de "órfica” na autoridade não tão impressionante de 

Olimpiodoro (in Phat’d.  4K. 20 N.). Aristides, oral.  22. IOK (p. 421 Dind.) 

a atribui a Eleusis (cf. Diogenes Laércio 6. 39). Platão ( R epública , 363D  c Fé don,  69C) é bastante vago. Suspeito tratar-se de uma noção popular  

derivada da consubstanciai idade entre o fantasma e o cadáver com a co n

seqüente confusão de Hades com o túmulo; os estágios desta evolução  

podem ser retrasados no Atôeci) Sufiov eupMevxct em Homero (Odisséia,  

10.512: cf. Sófocles,  Ajax   1166, to<}iov Eiiptoevxa); A,cx(.ina ou  X a n a  de  

Esquilo (Fnmênides,  387, cl’. Blass íid loe,): e |3op[3opov 710AUV m i CïKlüp 

ocEiVfiW de Aristófanes (Rãs  145). Em algum ponto desie desenvolvimento

o inferno foi interpretado com o urna punição apropriada aos não-i ni ciados ou "impuros” (tcüv ctw O ctpr av ); isto pode ser considerado como unía 

contribuição de Eleusis ou do orfismo, ou de ambos.

103. Sobre a questão: ti aXt]0£<TTcaov Áeyt'ifíi, o velho catecismo pitagórico 

tinha uma resposta; oxt itovqpoi oi revfipcnjtoi (Jâmb. vit. Pyth.^2  = 

Vorsokr., 45C4),

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O s XA M ÃS í jREGOS E A ORIGEM [X) PURITANISMO 175

104. Platão,  Leis ,  S72DE. Cf. a visão pitagórica de justiça, Aristóteles.  Ética  

a Nicômaco,  I ! 3 2h 2 1 sg.

105. yvtixjEi Ô'ax0pfflnouç au 0 c a p e ia Jinjictt exo vtccç, citado com o pitagó

rico por Cri sipo apud   Aul. Gel, 7.2.12. Cf. Delatte,  Éludes,   25,106. Cf. cap. II, supra.

107. Contra a atribuição de Burnel da ccvcqjvrioiç platônica aos pitagóricos 

(Thales to Plato, 43) ver Robin, “Sur la doctrine de la réminiscence",  REG  

32 ( 1919), 41 sg. (=  La pensée hellénique,  337 sg.) e Thomas, 78 sg. So

bre o treinamento de memória pitagórica, Diodoro e lâmblico vit. Pvhi. 

164 sg. Estes dois autores não estabelecem uma conexão disto com a me

mória dc vidas passadas, mas parece razoável supor que este era o objetivo  

final. Neste sentido Avoí|ívti<jiç é um feito excepcional, algo que se atinge 

apenas graças a dons ou treinamentos especiais; ¡rata-se de uma realiza

ção espiritual altamente estimada na índia dc lioje. A crença nisio é 

provavelmente ajudada pela ilusão psicológica curiosa a que algumas pes

soas estão sujeitas, conhecida como "déjà vu”,

108. lâmblico, vit. Pyth.  85 (= Vorsokr.  58 C 4). Cl'. Crantor apud   [Plutareol 

cous. ni! Apoli.  27. 25li, que atribui a “muitos homens sábios” a visão de  

que a vida humana é uma Ttpfüpia, e Arist. (frag. 60) onde a mesma vi

são é atribuída a oi m.q   thàetc íc, Àeyov teç (poe tas órf ico s1?),

109. Heráclito, IVag. 62 e 88. Cf. Sexío Empírico,  Pyr rh . Hyp .  3,230; o 5e HspaKAEtTOÇo (Jiiiotv o u m i to Çqv nett to ccwoOavetv v a i £V tiú  Ç-pv 

niaaç e c ti kcü ev ™ te Ova v a i o te }.iev yocp iipetc, Çwpev, toíç 

ílHttiv leOvavoa Kat ev npiv TE0a<ti0ai, ote Se tipêiç oíJToevr|vc>K-o¡i£v, 

raç yuxaç avafkouv Km Çr|v, e Fi lon,  Leg . alleg.  1.108. A citação dc 

Sexto não é, certamen le, verbatim, mas não parece seguro dcsconlá-la com

pletamente, como fazem alguns, por causa da sua linguagem "pitagórica”. 

Para uma opin ião sim ilar, mantida por Em pédocles , ver aba ixo ñola 114; 

e para desenvolvimentos tardios desta linha de raciocínio, Cnmont,  Rev. 

de Pin!.  44 ( 1920), 230 sg.

110. Aristófanes,  R ãs  420, EV TOtç avtu VRK'pOtm e a parodia em Eurípedes, 

ibid., 1477 sg. (Cf. 1082, m i (jracKOuaac, ou Cev to íj] v , cm que a dou

trina e apresentada como um climax de perversidade).

111. Ferec ides. A 5 Diels. Sobre as duas almas em Em pédocles , ver Gompcrz, 

Greek Thinkers,  1, 248 sg. (tradução para o inglés); Rostagni,  I! Verbo di 

-  P ita g ara ,  cap. VI; Wilamowitz,  Her!. Sit zb.  1929, 658 sg.; Delatlc, 

 Enth ousiasm e, 27. A incapacidade de distinguir dc õaijKúV levou 

vários estudiosos a descobrirem uma contradição imaginaria entre as  Purificações  e o poema  Sobre a natu rez a,  no que concerne à questão da 

imortalidade. Contradições aparentes sobre o mesmo tema nos fragmen

tos de Alcmaeon devam lalvez ser explicadas de maneira semelhante 

(Roslagni. loc. cit.).  Uma oulra visão do “eu" oculto persistente, atribuí-

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Os ( . ¡ K l i í l O S !¡ O M í K A C ' I O N A I .

da por Aristóteles a "alguns pitagóricos" ule intima.  404-' 17), apresenia- 

va-o como urna pequeña partícula mataria! (Çuapa), uma noção que possui 

grande quamidade de paralelos primiLivos. Novanicnle. islo é bastante dis

tinto do sopro de alma que é o princípio da vida em um nível empírico  mais comum, A noção de uma pluralidade dc "almas" pode 1er sido to

mada da tradição xamnmslica: a maior parte dos povos da Sibéria lioje  

acredita cm duas ou mais almas (Czaplicka, op. til., cap. Xlll). Mas, como  

Nilsson disse ultimam ente, “o s en sinam enios plural ísti eos sobre a alma 

eslà o Iti miados na nalurc/a das co isas , e apenas nossos liahitos de pensa

mento acham surpreendente que uni homem possua várias ‘almas’" {Han\ 

Titeo!. Rev.  42 [ 19491, 89).

1 12, Emped ocles, A 85 (A écio, 5 .25 .4); ci . frag. 9-1 2. Sobre o retorno da

ou do n ve n ¡.i a para o éter incandescente , Eurípides, Sti/i. 533. Irag, 971. c o 

epiláfio dc Potidaea (Kaibcl,  fipigr. gt:  21). Parece que ele sc encontra ha- 

seado na idéia simples de que a x|A^r| é um sopro ou ar queme (Anaximenes,  

frag. 2) que leude a se volatilizar quando liberado na atmosfera por oca

sião da m one (Em pédo cles, frag. 2, 4, m ii v o io SiKT|V oipOevieç).

113, Um paradoxo similar c atribuido a Herácliio por Clemente,  Piu-chi^  3.2,1 

Mas o que esíá faltando nos fragmentos dc licrúclito é a preocupação  

empedocleana corn a culpa. Como Homero, ele está mais vollado para a tipil

114. A visão de Rohde de que um "lugar incomum” (lrag. 118) c “prados dc  

A le” (frag. 121) são sim plesme nte o inundo dos ho m ens tcm o apoio de 

autoridade anliga e parece ser milito pro va ve! men le córrela. Ela foi desa

fiada por Maass e Wilatnovviiz, mas é aceita por liignone {Empcdode, 

429), Kranz { l i m i t e s   70 11935|, 114, n. I; e Jaeger, The<>logy.  148 sg,, 

238.

115. As qualidades ima ginativa s das  Ih irificcições  forum hom apresenlados por 

Jaeger, Theulofty,  cap. V Iï I, sobretudo 147 sg. E mpéd ocles era um ver

dadeiro poela c não um filósofo escrevendo em versos.IK). Cenas funções eatáriieas são exercidas pelo primilivo xamã da Sibéria  

(Radl o lï , op. ci l.. 11. 52 sg, ); de tal modo que o papel dc K(*0«pTr|<; séria 

natural para o gregos innladores.

117. ().!■.,  3 2 ( c ) e ( d ).

I 18. Plalão,  República.  364: Sitx üuaitóv Km m iô ia ç ptkm ov, Empédocles, 

frag. 143 prescreve a lavagem leita com água reiiiada com uma vasilha  

de bronze, de cin co fontes - o que recorda a "prescrição fútil" oferecida  

por um orador em texio de Menandro (frag, 530, 22K.), nmo Kpcmviüv TpUúV l)5cm ïït'pippavo.t, e a calarse pralicada por xamãs líuryal com 

água exiraída dc três foules (Mikhailovski, loc. cil., 27).

119. Ar isioxeno . lïag, 26 , e a nola de Wehrli; lâmblico. vil. 1’vtlt   64 sg,; 110-

I 14, 163 sg.; Porfirio. \iit. Pxth  33; lîoyancé,  Le a ille ¿les Muses.  Música 

é algo milito usado por xamãs modernos para convocar ou banir espítalos

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Os X A M Ã S G K I Ci OS i ; A O R Í G l ; M D O P U R I T A N I S M O 1 7 7

- trata-se da “língua dos esp íritos” (Chadw ick,  JRAI   66 ( ¡936], 297), E 

parece provável que o uso pitagórico da música derive em parte a o me

nos da tradição xamanística; el', a ETUüSca pela quai se diz, que os  

seguidores trácios de Zalmoxis "curam a alma” (Platão. Carm..  I56D- I57A).

¡20. Empédocles, frag. ¡17.

121. Arisiófanes.  Rãs  1032 (et. Linlorth. 70); Eudoxo apud  Porfirio, vil. Pvih.

7. O vegetarianismo é associado aos mitos dc misterio dos cretenses por  

Eurípides (frag. 47 2) e por Teo Iras to Uipud  Porfirio, deabs t .   2,21), e pode 

ser que o vegetariano cretense Epimênides ten lia (ido um papel nesta di- 

lusao. Mas a outra forma de rcgr.i pitagórica, que proibia apenas a ingestão  

de certas criaturas ‘sagradas'’, tais como o galo hranco tnoLa 95 acima) 

pode derivar perfeitamente do xamanismo, unía vez que lioje em dia '‘ani

mais, espec ial men le pássaros que desem penham algum papel nas crenças 

xamanisticí i s , não podem ser mortos c nem mesmo molestados” 

(Holmberg, op. c it., 500) - apesar de uma proibição geral de com er carne 

remeter a apenas certos clãs enlre os Huryai (ibid,, 499).

122. O ‘‘silêncio pitagórico” lorna-se proverbial de Isóerates ( 11.29) em dian

te. lâmblico fala de um completo silêncio de cinco anos para os noviços  

{vii. Pyih.  6S, 72), mas isto pode ser um exagero posterior. Sobre restri

ções sexuais, Aristoxeno. frag. 39 W; lâmblico, vil. R\tb.  132. 209 sg.; e  ■sobre relações sex uais com o nocivas. D iógen es Laércio, K, 9, Diodoro  

10.9,3 sg. e Plutarco, Q. ( tmv.  3. 6. 3, 654R. O celihado não é um requi

sito para o xamã siberiano de nossos dias. Mas vale notar que, .segundo 

Posidônio, o celibato era praticado por ecrtos homens sagrados (xamãs?) 

entre os trácios (Estrabão, 7. 3. 3 sg.).

123. Hipólito iRej. haer  7.30 = Em pédocles R 110) acusa M arción de emula- 

çao das Kuttapiai de Empédocles ao tentar abolir o casamento; Sioapei 

yctp o yoçpoç r a m EprceõokXso: to ev taxi Ttoiet jtoAAra. Isto é exp licado por uma outra afirmação que ele atribui ao mesm o Em pédocles (ibid., 

7.2 9 - Emp. PI 15), de que a relação sexual ajuda nos con flitos de tipo 

disruptivo. Não fica claro, no entanto, se Empédocles chegou ate o ponto  

de pregar o suicidio étnico.

124. 1lipodamas ctpud   lâmblico, vil. Pyih.  82,

125. Paus. H. 37. 5 (= Kerm.Test. ¡94).

126. Wilamowitz, Glauhc,  II. 193, 37K sg.

127. Em especial Festugiere,  Revu e B ib lique   44 (1935) 372 sg. e  R EG   49

(193 6) 308 sg. Por outro lado, a antigüidade do mito é mantida - tiem 

sempre sobre aquilo que me parece ser a base m ais sólida - por Guthrie 

( 107 sg .), Nilsson (“Early Or p h i s tu ’, 20 2) e Boyancé (“Rem arques sur le 

salut selon l’Orpliisme”.  REA  43 [1941 ], 166), O mais completo e cuida

doso esludo é o de Linlorth, op. cit., cap. V. Ele sc inclina para unía

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O s GR EGOS E O IR R AC IONAL

datação anterior, embora suas conclusões sejam, em alguns aspectos, ne

gativas a este respeito.128. Para o p rovável significado da atribuição de Onom ácrito ver W ilamow itz, 

Gtaube   II. 379, n. 1; Boyancé, Culte des Muses,  19 sg.; Linforth, 350 sg. Hesito também em construir muitas teorias com base nos achados no  

Kabeirion tebano (Guthrie, 123 sg.) que seria uma prova impressionante  

se houvesse algo que os conectasse diretamente com os Titãs ou com  

arcapaonoç Nem sequer recebemos qualquer auxílio da descoberta en

genhosa de S. Rcinach (R e i*.  Arch.  1919, 1. 162 sg.) de uma alusão ao 

mito em uma das  proble m ata   “adicionais” aristotélicas (Didot Aristole,

IV. 331. ¡5), pois a datação permanece incerta. A prova de Aten. 656AB  

não é suficiente para mostrar que este  proble m a  era conhecido pur Filocoro.

129. Ver o Apêndice i; e sobre a conexão entre rito e miLo, Nilsson, “Early 

Orphism”, 203 sg. Aqueles que negam, como Wilamowitz, que o orfismo  

mais antigo tives se qualquer  conexão com Dioniso, devem explicar os fa

tos encontrados em Heródoto 2. 81 (ou eliminá-los adotando uma leitura  

menos provável dos textos transcritos).

130. Ver a dis cu ssã o acima.

¡31. Píndaro, frag. 127B (133 S.) = Platão,  Mênon.  81BC. Esta interpretação 

foi oferecida por Tannery,  Rev. de Phil.  23. 126 sg. O caso tem sido dis

cutido dc modo bastante persuasivo por Rose em Greek P oetry a nd Life: 

 Essavs Presente d to Gilber t Murray,  79 sg. (cf. tambcm sua nota cm  Harv. 

Theol. Rev.  36 [1943], 247 sg.).

132. Platão,  L eis, 701 C. O pensam ento aqui c , in felizmen te, tão elíptico quan

to a sintaxe é truncada; mas todas as explicações que assumem que ir|V  

JiEYopevrjv m iU u a v T irav ticriv (Jiuaiv se referem meramente à guerra 

dos Titãs, os deuses pareccnclo-me sofrer um desastre em uma passagem  

£7t i xa a m a jtcdiv e m v a a^n copevou ç (ou a<|)iKopevotç , Schanz) que 

não parece aplicável aos Titãs e nem mesmo aos homens, exceto se a raça humana for considerada tendo hrotado dos litãs. C om relação à objeção  

dc Linforth (op. cit., 344) de que Platão estaria falando apenas de dege

nerados enquan to o mito teria feito de T u av iicr i uma parte 

permanente de toda   a natureza humana, a resposta que podemos dar é cer

tamente a de que enquanto todos o s homens possuem uma natureza titánica 

cm seus corações, apenas os degenerados “a demonstram e emulam  

( e t u S e ik v u c f i in d i c a q u e e l e s e s t ã o o r g u lh o s o s d i s t o , e n q u a n t o  

|iifi0\)(i£V0iç significa que eles seguem o exemplo de seus ancestrais míticos).

133. Ibid., 854B: a uma pessoa atormentada por impulsos para o sacr i lég io ,

devemos d i z e r : w Sa i i j - i a o i e , o d k   « v B p c om v o v a e k o .k ü v   o u õ e Oe i o v  

K tve.t t o   v v v e m tt |V  l e p o c m X i a v itp o T pe Jto v l e v c ü   o i o i p o ç Ss o e n ç

E ).i< j> oo pEvo ç £ K í ta ^ a t e o v K a i a v a â a p T c o v i o i ç   c c v Op cô i t o i ç

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O s XA M ÃS GREGOS F. A ORIGEM DO PURITANISMO 179

«5iKT|¡iaTwv, íiÊpi(|>epO|iEVOÇ Ci/an ipu oSriv Os aóiKT|jic¡Ta são normal

mente vistos como crimes cometidos pelos ancestrais imediatos da pessoa  

(assim na Inglaterra etc.), ou pela própria pessoa em uma encarnação an

terior (Wilamowitz,  Pla ton   1. 697), Mas a) se a tentação vier de algum  modo de atos humanos passados, por que ela é chamada odk ccvBpítmtvov  

KOíKüv?; b) por que ela é especiReámeme uma tentação de sacrilég io 1.', 

c) por que os atos originais aKCCÔotpTa xotç «vepcojiOLÇ (palavras que  

estão normalmerne juntas e devem de fato ser tomadas deste modo, pois  

evidentemente levam ao conselho na frase seguinte dc buscar purgação a  

 pa rtir dos deuses)'! Não posso resisitir à conclusão (que creio ter sido atin

gida por Rnthmann por outros meios em Quaesit. Pyth,, 67) de que Platão 

está pensando nos Titãs, cuja determinação irracional (otGTpoç) assom

bra os homens infelizes onde quer que eles estejam (Jiepi({i£püjJEVoç),  

lentando-os a cintilar o sacrilégio. Cf, Plutarco, de esn cam.  I, 966C: to  

 yap   ev   í ip iv o^oyov rat otkktov kcí i [ i i caov, ou 0e iov <ov> aX X a  

SottpoviKOV, oi ira X aioi T titxvaç w v o jia c a v (que parece virde Xenó- 

crates), e sobre oitrupoç résultante da herança do mal pelo homem,  

Olimpiodoro, in Phaeci.  87.13 sg. N, {= O.F.  232).

134. Olimpiodoro, in Phcwd.  84. 22 sg.: qe (Jjpüupo: (...) coç EEvoKpaixiç  

T lto v ik ii EOTtv Kat e iç A iovu aov oiTcoKOpu^oviat (= Xenócratcs, frag. 

20}. Cf. Hcinze, ad loc.  ; E. Frank,  Pla tan u. d. sog. Pyth agoreer,  246; e as mais cuidadosas considerações dc Linforlh, 337 sg.

135. Devc -se admitir com Linforlh que nenhum do s antigos escritores cxplict-  

lamenie igualam o elemenio divino, no homem, ao elemento dionisíaco.  

Mas no meu modo de ver é possível mostrar que esla equação não é (como  

Místenla Linlorth, p. 330) a invenção de Olimpiodoro (in Phaed.  3. 2 sg.), 

ou (como poder-se-ia sugerir) de sua íonlc em Porfirio (cf. Olimpiodoro,  

ibid., 85. 3). a) Ela aparece em Olimpiodoro, não meramente “como um 

recurso desesperado para explicar uma passagem intrigante de Platão” 

(Linlorth. p. 359), mas como uma explicação em termos míticos do con

dito moral e da redenção do homeni, in Phaed.  87. I sg.: to v ev r|ptv  

Ai o vu o o v Sto(G7i£ünev [,,.] orno) 5 ’£%ovteç T u a v e ç eo jisv o ia v Se etç  

Ek'eivo aufifkúpEv, Aiovuaot ytvo¡i£0a TeTe^etttfj-ievoi atexvœç. Quan

do Linforth diz (p. 360) que a conexão destas idéias com o mito de Titã  

‘não é sugerida por Olimpiodoro e é meramente uma asserção gratuita  

de estudiosos modernos”, ele parece 1er deixado passar o Irccho mencio

nado. b) lâmblico diz outra coisa dos vcllios píiagóricos, vit. Pvtlt.,  240, 

JtapriyyeAAov yeep B ajía oiXÀnÁoiç pq S ia cr m v to v ev eau T oiç 0e ov . Aparentemente tcm escapado dos estudiosos o lato de que ele está alu

dindo à mesma doutrina que Olimpiodoro (o uso do verbo ôtaojtav  

torna-o bastante claro). Não sabemos qual era a sua fonte; mas mesmo  

lâmblico dilicilmente aprescnlaria com o um velho símbolo pitagórico a lso

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s o OS G l tEGOS E O IRRACIONAL

que lin ha acabado de sc i inven lado por Porfirio. Su a idade verdadeira não  

pode ser determinada ex at ame ule; mas é razoável supor que, com o o pró

prio mi lo dc Titã, Porfirio a teria encontrado cm Xcnócrates . Se assim  

for, Platão dificilmente terá ignorado o litio. Mas Platão possuía uma boa  

razão para não utilizar este elemento do mito: ele podia identificar os impulsos irracionais juntamente com os Tilas, m as igualar o elemento d ivino  

no homem ao elemento dionisíaco, era algo repugnante para uma filoso

fia racionalista.

36. Keith, liel. and Phil, of Veda and Upanishads,   579.

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 R a c io n a l is m o   e   r e a ç ã o   n a   I  d a d e   C  l á s s ic a

Os m aiores avanços de n ina c iv i l ização são processos que fazem  

 Haia, exceto naufragar a s soc ied ad es em que ocorrem .

A. N. Whitehead

N \os capítulos an ter io res , ten lei ilustrar a lenUi formação do

Gilbert Murray chamou, em conferência recentemente publicada, dc “herança conglomerada” .1Uma tal fo rmação foi pos-sível a partir dc sedimentos deixados por sucessivos movimentos

icligiosos, mas dentro dc um quadro bastante especifico. A metáfo-

ra gcologica é aqui bastante profícua, pois o princípio que rege o

desenvolvimento dc uma religião c, dc um modo geral e apesar das

cxceçocs, um princípio de aglomeração   e não de simples substitui-

ção . Mu , to r a r amen te um novo pad rão de c r enças apaea

completamente o padrão anterior: ou o amigo padrão sobrevivecomo um elemento do novo às vezes com o um elemento semiin-

consciente , ou os dois persistem lado a lado, incompatíveis de um

 ponto e vista lógico, mas aceitos ao mesmo tempo por diferentes

indivíduos ou ate por um mesmo indivíduo. Como exemplo da pri-

meira situaçao. vimos como noções homéricas como a dc ate  foram

adotadas c transformadas no quadro da cultura dc culpa arcaica.

Como exemplo da segunda situação vimos como a Idade Clássicaherdou toda uma serie de imagens inconsistentes de “alma” ou de

eu sob a forma dc um defumo vivo cm seu túmulo, como uma

Íiguia sombria do Hades, como um bafo perecível derramado no arou absorvido no cter. ou como um daemon   revivido em outros cor-

 pos. Apesar de variarem na idade e de serem de rivadas de padrões

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182 O s GREGOS I- O IRRACIONAL

culturáis distintos, todas estas imagens persistiram dentro do mes-

mo pano dc fundo lógico do século V a.C.. Era possível levar urna

délas a serio, ou ate mais do que uma, ou mesmo todas desde que

não houvesse nenhuma Igreja estabelecida para assegurar que umaera verdadeira e a outra lalsa. Sohre questões como esta não existia

uma “visão grega” única, mas apenas um a contusão de respostas con-

flitantes. _ Esta loi, então, a herança conglomerada que restou ao hnal do

 período arcaico algo passível de ser compreendido historicamente

como reflexo dc uma mudança nas necessidades humanas ao longo

dc muitas gerações, mas que intelectual men le não passa de um amon-toado confuso. Vimos como Ésquilo tentou organizar esta confusão

 para ret irar dali um sent ido moral.2 Mas no per íodo entre Ésquilo e

Platão esta tentativa não seria renovada. Neste período, o hiato en-tre as crenças do povo c as crenças dos intelectuais, que já estavam

implícitas na obra dc Homero ,1se alarga até formar um abismo, pre- parando o caminho para a dissolução gradual do conglomerado.

Tratarei de algumas conseqüências deste processo c das tentativasdc c omp r e e n d ê - l o nos capítulos restantes.O processo de alargamento em si não Ia / parte de meu teína.

Ele pertence à história do racionalismo grego, sobre a qual se tem

escrito com bastante freqüência.1Mas vale dizer alguma coisa a res-

 peito. Uma co isa que pode ser di ta é que a lase de  Aujklèii'itiig   ou

de I luminismo grego não foi iniciada pelos solistas. Parece bom d izó-

lo, pois há pessoas que ainda falam dc Iluminismo e movimento

sofístico com o se ambos fossem a mesma coisa, en volvendoas sobum mesmo manto dc condenação ou (com menos freqüência) de

aprovação. O Iluminismo grego é evidentemente muito mais antigo

suas raízes são da Jônia do século VI a.C. Ele aparece nas obras

dc Hecateus, Xenófanes e Heráclito, prosseguindo na geração pos-

terior com cientistas especulativos como Anaxágoras e Demócrito.

Hecateus é o primeiro grego a admitir que achava a mitologia grega

“engraçada’? e trabalhar para tornála menos engraçada, por meiodc explicações racionalistas; enquanto seu contemporâneo Xenófa-

nes atacava os mitos de Homero e Hesíodo de uma perspectiva

moral/’ Mais importante para nossos propósitos c a afirmação de que

Xenófanes negava a validade da adivinhação (HaviiKn).7Caso isto

seja verdade, significa que ele c praticamente o único pcnsadoi gre

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R a c i o n a l i s m o   i; r i í a ç ã o   n a   I d a d e   C l á s s i c a 183

go a varrer de scu horizonte, não apenas a pseudociência da leilura

de oráculos proféticos, mas todo um complexo de idéias sobre a no-

ção de “ insp i ração” de que t r a tamos an te r io rmente . Mas a

contribuição decisiva de Xenófanes foi a descoberta da relatividadedas idéias religiosas: “Se o boi pudesse pintar um quadro, seu deus

 pareceria um boi” .*Dito isso, se ria ape nas uma qucslão de tempo

 paia que todo o quadro de crença tradicional começasse a sc afrou-

xar. Xenófanes era porém, ele próprio, um homem profundamente

religioso. Possuía sua fé privada cm um deus “que não é como os

homens, nem na aparência e nem no espírito”.9 Mas ele estava cons-

ciente de que se tratava de fé c não de conhecimento. Nenhum

homem, alirma, teve ou terá algum conhecimento cerlo sobre os deu-ses. Mesmo que ele tenha a sorte de esbarrar na verdade exata a

respeito deles, este homem não tem como saher que atingiu um tal

conhecimento, o que não impede que todos possamos ter opiniões

acerca do a ssunto .111 A distinção honesta entre o que é cognoscível

e o que não é, ressurge repetidas vezes no pensamento do século

seguinte (V a.C.)" e constitui uma de suas glórias c ali que se fundaa humildade científica.

Se nos voltarmos outra vez para os fragmentos dc Heráclito,

encontraremos toda uma série dc ataques ao “conglomerado”, alguns

deles relacionados a tipos de crença, analisados por nós em capítu-

los anteriores. Sua negação da validade da experiência onírica já foi

com ent ada.12 Heráclito fazia piadas sobre a catarse ritual, com pa-

rando a purgação de sangue com sangue, ao homem que tenta se

lavar da sujeira banhandose na l ama.13 Isto era um golpe direto nas

consolações de natureza religiosa. Assim também as suas queixasde que os “mistérios ritualizados” eram conduzidos de modo profa-

no, embora lamentavelmente não saibamos em q ue se baseia a crítica,

e nem exatam ente a que mistérios ele se refere.N Há ainda o pro -

vérbio veicueç KOíipiíOv £Kp^TjT0 TEp0 i (“os mortos são mais

infectos do que o estrume” ) que pode ter sido visto com bons olhos

 por Sóc rates, mas que significava um insulto para o sentimento do

homem grego com um descartase com ele, cm apenas três pala-

vras, toda a bruma que cercava os ritos de sepultamenlo presentes,tanto na tragédia ática quanlo na história militar grega, mas também

todo o emaranhado de sentimentos em torno dos cadáveresfantas-

ma.15 Um a outra máxima de três palavras. q 0oç av0ptü7tto õoajicüv

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184 O s Ci R E G O S H O ¡ R R A C IO N A I

'‘o caráter e o destino”, descarta dc modo  sim ilar o conjunto de eren 

ças arcaicas  a respeito de so rle i nata e tentação d ivina ."’ Finalmente,

há a situação de Heráclito, que teve a coragcm de atacar o que ain-

da era, em seu Lempo, um traço dominante da religião popular grega o culto às imagens que ele via como o mesmo que falar a quem

está na casa, em lugar de falar com o dono da ca sa .'7 Se Heráclito

tosse ateniense, ele certamente teria sido apanhado por blasfemia,

como a firma Wilam ow itz .111

 Não devemos, porém, exagerar a influência destes antigos pio-

neiros. Xenófanes. c mais ainda Heráclito, nos dão a impressão dc

serem figuras isoladas mesmo em se tratando da região da Jônia.|l)

Muito tempo sc passou até que suas idéias encontrassem eco no con-

tinente. O primeiro ateniense dc quem podemos afirmar, com certe-

za, ter lido Xenófanes é Eurípides.3" Ele também é apresen Lado como

tendo introduzido o ensinamento dc Heráclito pela primeira vez ao

 público ateniense.1Mas nos tempos de Eurípides o Ilumin ismo grego

havia sido levado bem mais longe do que então. Foi provavelmente

Anaxágoras que lhe ensinou, por exemplo, a chamar o sol divino

de “torrão doura do”,22 e pode ter sido este mesmo filósofo que ins- pirou suas zombadas lace aos videntes profissionais23 enquanto fo-

ram certamente os sofistas que o fi/.eram. jumamente com toda a sua

geração, pensar as questões morais mais fundamentais em termos

de  Nom os  e  Phyxis   (“Lei”, “Costume” ou “Convenção" versus Na-tureza).

 Não pretendo diz er muita coisa sobre esta celebrada antítese,

cujas origens e ramificações foram cuidadosamente examinadas cmlivro recente por um jovem estudioso suíço. Fclix Hcinimann.MMas

talvez não seja supérfluo observar que pensar nestes termos podia

levar a conclusões muito diferentes, dependendo do significado atri-

 bu íd o às pa la v ra s em jo g o .  N o m o s   pod i a e qu i va l e r a o

“conglomerado”, concebido aqui como uma carga herdada cm vir-

tude de hábitos irracionais; ou podia ser uma regra arbitrária imposta

conscientem ente por certas classes visando seu próprio interesse; ouum sistema racional de lei de Estado, uma realização que distinguía

os gregos dos povos bárbaros. De modo similar,  Physis   podia re-

 presentar uma “lei natural" não escr ita e de validade incondicionalem oposição aos particularismos dos hábitos locais; ou podia indi-

car os “direitos naturais” do indivíduo contra as arbitrariedades do

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R a c i o n a l i s m o   e   r e a ç ã o   n a   Id a d l   C l a s s i c  a1K5

°, o que poderia passar por puro imoralismo anárquico, comoiempic ocorre quando direi lus são conced idos sem correspondente

icconhecimcnto das obrigações enlim, o “direito natural do mais

fone . conforme exposto no Diálogo de Mélos e lambém por Cálilus no Gorgias. Nao é, portanto, de surpreender que uma antítese

cujos te mos sao tao ambíguos, acabasse levando a uma vasta quan-

tidade dc argumentos contraditórios. Mas em meio à névoa de

r i Z r h ' COnhlSaS " fragmentár ias P°demos Percebcr de maneirai ; '1 ° ^ ura a lx,iem ica lwi no cie duas grandes problemáti-

cas. Unia delas e a questão ética sobre a fonte e a validade das

obrigações mora,.s e políticas. A outra é a questão psicológica sobre

as motivaçoes da conduta humana por que os homens sc comporm de uni modo c nao dc oulro, e como cies são induzidos a akerar 

z    parameihor? Aqui-apenas a-»»*Sobre esta problemática, a primeira geração dc sofistas (em es-

 pecial I mta goras) parece 1er defendido uma visão cujo otimismo é

end !lo Um 110IU° dC VÍSU re l ,m p e a m > mas C1L1C Pode se r en-tendido de uma perspectiva histórica “a virtude ou eficácia {aretê)

oduia se. ensinada”. Através de uma crítica às tradições, dc uma

;; ™ 7 dU fo rn o s criado por seus ancestrais e e li min an do os

* VCStlgK; S d.c bárbara”,2' „ homem poderia adquirir uma nova arte dc viver. A vida humana poderia ser elevada a novos

atamares ate então inimagináveis. Uma esperança assim é com-

I censivel em hom ens que haviam teste m unh ado o repen tino

d i c ^ ' m i'' '0 ? Pn ,SPCndadC ma,erÍal dC logo apÓS das p e r r a s mé-

dicas, alem do florescimento inaudito do espíri to grego que 0acompanhou e que culmmaria nas geniais realizações da Alenas dc

críeles. I ara esta geração, a idade dc oum não era o paraíso perdi-

do de um passado obscuro, como Hesíodo acreditava em seu tempo

O para,*, nao eslava atrás, mas à frente, c não muito distante. Como

dcdaiou robustamente Protágoras, para uma comunidade civilizadamesmo o pior dos cidadãos é supostamente melhor do que o maisno ic selvagem.' De falo, cinqüenta anos de Europa são melhores ,\t ........  „ 1 ............   lucifiurcs

.. . um c !cl° Cm CataL Mas a história toma lamenta velmente umI dl fio quando se trata de otimisias. Imagino en tão que se Tennyson

houvesse experimentado os últimos cinqüenta anos de Europa ele

tena reconside rado sua preferência. Prou ígoras lambém , ante’s de

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186O s GREGOS E O IRRACIONAL

morrer, tinha amplo espaço para rever a sua. A fé na inexorabilidad

de do progresso tinha um caminho ainda mais curto a percorrer em

Atenas do que teve na Inglaterra.7 ^

 Naquele que considero um dialogo bem antigo, Pla tão colocaesta visão proiagórica da natureza humana contra a visão socratica.

Aparentemente os dois pensadores têm muito em comum. Ambos

uli li/am a linguagem utilitarista tradicional3* para a qual “bom ” sig-nifica “bom para o indivíduo” , sem se distinguir de “proveitoso ou

“útil”. Ambos lambém adotam a mesma abordagem intelectualista

tradicional*1concordando, contra a opinião comum da época, quese um homem realmente soubesse o que é bom para si, agiria con-

form e este co nh ec im en to. 51’ Ca da um , no enla nto , qu al ih c a seuinteleelualismo com um tipo diferente de reserva. Para Protagoras a

aretê  pode ser ensinada, mas não como uma disciplina teórica nosa aprendemos diretamente, como uma criança aprende sua língua

materna .31 A transmissão não sc faz por meio dc um ensinamentoformal, mas através daquilo que os antropólogos chamam de ‘con-trole social". Para Sócrates cm contrapartida, a aretê é (cm deve ser)

episteme, ou seja, um ramo do conhecimento cienlíUeo. No dialogocm questão, ele chega até mesmo a se expressar como se o métodoapropriado para tal a p r e n d i z a d o fosse o cálculo rcfmado dc nossos pra/cres e dores futuras. Estou disposto a acreditar que ele realmentefalava deste modo.” Mas ele ehegou também a duvidar que a arete 

 pudesse ser ensinada, e estou inclinado a aceitar esta visan como

histórica.’3 porque pa ra Sócrates a aretê  era alguma coisa que bro-tava dc dent ro para fora , não um conjunto dc padrões dc

comportamentos a adquirir por hábito, mas uma atitude mental con-sistente, brotando dc uma firme intuição sobre a natureza c osignificado da vida humana. No que sc refere à sua auloconsislen

cia, a aretê se assemelha à ciencia,34 mas creio que estaríamos errados

cm interpretar esta intuição como puramente lógica ela envolve ohome m de modo integral.35 Sócrates, sem dtivida, acreditava na ídem

de “seguir um argumento até onde ele conduzisse”, mas achava quemuito f r e qü en t emen t e ele levava apenas a novas questões e que caso

falhasse era preciso seguir outros guias. Não devemos esquecer queele tomav a lanío sonhos, quanto oráculos, extre mamen te a serio, ’ c

que freqüentemente ouvia e obedecia a uma voz mlerna que sab,amais do que ele (se pudermos acreditar na palavra de Xenofontc,

ele a chamava muito simplesmente dc “voz de Deus ).

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R acionalismo e reação  na  Id a di: G .ássica

Assim, nem Protagoras c nem Sócrates correspondem exata-

mente à imagem moderna e popular de “racionalista grego”. Mas o

que nos parece estranho é que ambos descartem tão facilmente o pa-

 pel da e m o ção na d e te rm in a ç ão do co m p o r ta m e n to hum anoordinário. Sabemos através de Platão que isto também parecia es-

tranho aos seus contemporâneos. A respei to disso houve uma

clivagem radical entre os intelectuais e o homem comum. “A maior

 parte das pessoas”, diz Sócra tes, “não vê o conhecimento como uma

força (ta^vipov), muito menos como uma Torça diretora ou domi-

nante; elas pensam que um homem pode muitas vezes possuir

conhecimento, sendo, contudo, governado por outra coisa: às vezes

 pela ira, outras vezes pelo prazer ou pela dor; às vezes pelo amor,

muito freqüentemente pelo medo. Elas realmente pintam o conheci-

mento como um escravo de tudo isso” .3* Protagoras c onc orda que

esta c a visão comum, mas considera que ela não merece discussão

“o homem com um sempre dirá algum a coisa” .3,) Sócrates, que de-

cide discutila, termina por invalidála, traduzindoa em termos

intelectuais: a proximidade de um prazer ou dor imediata conduz a

falsos juízos, análogos a erros de perspectiva visual uma aritméti-ca moral permit iria corr igilos.411

E improvável que semelhantes raciocínios tenham impressio-

nado o homem comum. O homem grego havia sempre sentido a

experiência da paixão como algo misterioso e aterrorizante, como a

experiência de uma força que o habitava e o possuía muito mais do

que alguma coisa possuída por ele. A própria palavra  path os   é um

testemunho disso: como o termo latino equivaiente  passio , ela se re-

fere a algo que “acontece” ao homem, algo de que ele é vítima

 passiva. Aristóteles compara o homem em estado de paix ão aos ho-

mens adormecidos, loucos ou embriaga dos a razão de todos cies

está em estado de suspensão,111 Vimos em capítulos anteriores42como

os heróis de Homero c os homens da era arcaica interpretaram esta

experiência em termos religiosos com o ate , como uma comunica-

ção de menos ou como a ação direta dc um daemon  que f az da mente

e do corpo humanos seu instrumento. Esta é a visão que as pessoassimples tinham: “o homem primitivo, sob a influência de uma forte

 paixão, considerase poss uído ou doente, o que aliás é para ele a mes-

ma coisa .‘l3 Este modo de pe nsar não estava morto nem sequer nos

últimos momentos do século V a.C. No final de Medéia, Jasão ex

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1 8 8 O s O R E O O S E O IR R A C I O N A L

 plica a conduta de s u a mulher simplesmente como o ato de um alas 

to r   um daemon   criado por crimes não reparados. Em Hipólito, o

coro pensa que Fcdra pode estar possuída, e ela própria Jala primei-

ramente da ate   de um daemon  para desc rever sua condição.44Mas para o poeta, e para a parte educada de scu público, esta

linguagem não tem apenas a força do simbolismo tradicional. O mun-

do dos d a e m o n s   sc foi, deixando o homem sozinho com suas

 paixões. Isto c o que confere às idéias de Eurípides sobre o crime,

uma com ove nte intensidade ele nos coloca dianlc dc homens c

mulheres desprotegidos, confrontando o mistério do mal; mas não

mais como algo estranho, a investir contra a razão do exterior, e simcomo uma parte do ser dessas pessoas r |0o ç a vô pa m to 5cü|uov.

Porém, não é por deixar de ser sobrenatural que o mal deixa de ser

misterioso e aterrorizante. Medéia sabe que está em poder, não de

um alastor,  mas de seu próprio “eu” irracional (Ihumos).  Ela supli-

ca misericórdia a este “cu”, do mesmo modo como um escravo

implora misericordia a um mestre brutal,45 Mas a súplica é cm vão,

 pois os motivos da ação estão ocultos no thumos,  lá onde nenhumarazão ou piedade pode chegar. “Sei da perversidade que estou pres-

tes a cometer, mas o tinimos é  mais forte do que os meus propósitos

 — thumos,  a raiz dos piores atos h um anos” .'1''C om estas palavras cia

deixa o palco; c quando retorna já condenou a si mesma e às crian-

ças a uma vida de infelicidade jamais vista. Para Medéia não existem

as “ilusões dc perspectiva” socráticas; ela não comete nenhum erro

em sua aritmética moral, assim como não confunde sua paixão com

um espírito maligno. H nisso que reside a qualidade suprema de sua

tragédia.

 Não sei se o poela tinha Sócrates cm menie ao escrever Me-

déia. Mas um a rejeição consciente da teoria socrá tica foi vista,47 c

no meu modo de ver com razão, nas famosas palavras que cie colo-

ca na boca de Fedra três anos depois. A má conduta, afirma cia, não

depende de uma falha de intuição, "pois muita gente possui um bom

entendimento”. Sabemos e reconhecemos nosso bem, mas falhamosao agir sobre este conhecimento —uma espécie de inércia nos obs-

trui, ou então somos distraídos de nossos propósitos por “algum

 prazer” .4S Isto realmente parece remeter a um ponto de contr ovér-

sia, pois vai muito além do que requer ou sugere a si tuação

dramãiica .4‘J Tais passagens não estão sequer isoladas a impotên-

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R   a c i o n a l i s m o   k   r e a ç a o   n a   h  j a   d ü   C l á s s i c a   189

cia moral da razão é  afirmada mais de uma vez em fragmentos dc

 peças pe rdidas.51’ Mas a ju lg a r apenas pe las peças conserva das, a

 preocupação central de Eur ípides, cm sua 1'ase final, não era tanto a

impotência da razão quanto uma dúvida ainda maior sobre se pode-

ríamos enfim vislumbrar algum propósito racional na ordenação da

vida humana e no governo do mun do.51 Esta tendência culmina nas

Bacantes, cujo conteúdo religioso é como disse um crítico recen-

te52 , o r econhecim ento de um “ Além” , exterio r às nossas categor ias

morais e inacessível à nossa razão. Não defendo a tese de que é pos-

sível extrair das peças de Eurípides uma consistente filosofia da vida

(nem devemos exigir tal coisa de um dramaturgo escrevendo duran-

te uma era dc dúvidas), mas se c necessário pôr um rótulo nelas conform e sugeri certa vez” ainda creio que a palavra irracionaiis

ta c a mais adequada.

Isto não implica que Eurípides seja um seguidor da escola da

 Physis.  que fornecia à fraqueza humana uma elegante desculpa com

sua declaração de que as paixões são “naturais” e portanto corretas,

sendo a moralidade por sua vez uma convenção c portanto um gri-

lhão a ser rompido. “Seja natural”, afirma a Injusta Causa das

 N uvens, “divirtase, ria para o mundo, não tenha vergonha dcnada” .54 Alguns perso nagens de Eurípid es realmente seguem este

conselho, ainda que de maneira menos despreocupada. “A natureza

quis assim”, afirma ama jovem transviada, “e a natureza não presta

atenção a regras somos nós, mulheres, que fomos feitas para es-

ta rm os a ten tas ” .55 “N ão prec iso de scu co ns e lh o” , d iz um

homossexual; “posso ver por conta própria, mas a natureza me obriga

a agir assim” .56 Me smo o mais profu ndam ente enra izado dos tabus

hum anos, a pro ibição de incesto, é descartada com 9 oto ser v ação dc

que “nela não há nada dc vergonhoso, mas pensar nisso é que o tor-

na vergonhosa".57 Havia provavelm ente , no círculo dc convívio de

Eurípides, jovens que falavam deste modo (conhecemos, aliás, ti- pos sim ilares na nossa mod ernid ade). Duvido porém que 0 poeta

compartilhasse tais opiniões, pois os coros de sua peças saem repe-

tidamente de sua tri lha para denunciar, sem grande relevânciadramática, certas pessoas que “desconsideram a lei para satisfazer

os impulsos desregrados” cujo objetivo é  zv>  KaKo\jpy¿iv (“agir er-

rado e escapar impune”). São pessoas cujas teoria e prática estão

“acima das leis” c para quem a idos e aretê  são meras palavras.5KEs

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1 9 0 Os ÜRliGOS B O IRRACIONAL

tas pessoas sem nome são certamente os homens da  Physis,  os polí-

ticos “realistas” que encontramos em Tucídides.Eurípides então, se estou certo, reflete não apenas o Iluminis-

mo grego, mas também a reação ao Iluminismo em todo o casoele reagiu contra a psicologia racionalista de alguns de seus expoen-

tes e contra o astuto imoralismo de outros homens do período. Paraa violência da reação pública, existem outros testemunhos. Espera-vase que o público que assistiu às  Nuvens  gostasse do ataque leito

à “loja de idéias”, ligando pouco para saber se Sócrates era ou nãoatacado juntamente com os demais. Mas escritores satíricos são más

testemunhas c com bastante boa vontade é possível crcr que as Nu-

vens não pas sa de uma b r incade i r a amigáve l da pa r t e deAr istó fanes.5lJ Deduções mais seguras podem talvez ser extraídas de

um pequeno fato menos conhecido. U m fragmento de Lisias611 re-

mete à existência dc certo clube de nome curioso e chocante. Seusmembros o cham avam K a ko 8 ca [iO v t OT a i , paródia profana do nome

AYa0 o 6 a i f io v ia m i ¡adoradores do in for túnio , adoradores do bem |que os clubcs sociais às vezes adotavam. Lidell e Scott tradu-zem o termo como "adoradores do diabo”, e este seria o significadoliteral. Mas Lisias está sem dúvida certo ao dizer que eles escolhe-

ram o nom e paia “fazer troça dos deuses e dos costumes de Atenas”.Ele nos conta, alem disso, que os membros decidiram combinar os

 jantares em dias dc azar (r | |J£pai aítOíppaÔeç), o que sugere que o

objetivo do clube era escarnecer da superstição, por uma provoca-

ção deliberada aos deuses, fazendo o máximo de coisas azaradas possível incluindo a adoção dc um nome de azar. Podese achar

isso algo inofensivo. Mas segundo Lisias, os deuses não acharamgraça muitos dos membros do clube morreram jovens, e o único

sobrevivente, o poeta Cinésias/’1foi atingido por uma doença crô-

nica tão dolorosa que era melhor ter morrido. A meu ver, esta estóriasem importância parece ilustrar bastante bem duas coisas. Primeiro,o sentido de liberação no caso uma liberação de uma série de re-

gras sem sentido e dc sentimentos irracionais de culpa , algo queos sofistas trouxeram consigo e que tornou seus ensinamentos tão

atraentes a jovens inteligentes c bemhumorados. Em segundo lu-gar, ilustra o quão forte foi a reação do cidadão médio contra o

racionalismo, já que Lisias contará com o horrível escândalo do clube

citado para descredilar posteriormente o testemunho de Cinésias cm

ação judicial.

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R  a c i o n a l i s m o   e   r e a ç ã o   n a   I d a d e   C l á s s i c a 191

Mas a prova mais surpreendente da reação contra o Iluminis-

mo cncontrase nos processos bemsucedidos movidos contraintelectuais, a propósito de questões de natureza religiosa, ocorri-

dos em Atenas no último terço do século V a.C. Em torno de 432

a.C.,62 senão um ou dois anos depois, a descrença no elemen to so-

 brenatural63 e o ensino da astronomia64 tornaramse ofensas pass íve is

de punição. Os trinta e tantos anos que se seguiram testemunharam

uma série de processos de heresia; algo único na história de Atenas,

As vítimas incluíam a maior parte dos líderes do pensamento pro-

gressista : An ax ág ora s,65 Diágo ras, Sóc rates, quase com cert eza

Pro tágoras66 e lalvez Euripides.67 Em todos os casos, com exceção

do último, a ação judicial teve sucesso Anaxágoras pode ter sidomultado e banido; Diágoras escapou a tempo; Protagoras ao que pa-

rece também; Sócrates, que poderia ter feito o mesmo ou pedid o uma

sentença de expulsão da cidade, escolheu ficar e beber a cicuta. To-

dos eles eram pessoas famosas. Quantos cidadãos obscuros podem

ter sofrido por suas op iniões é algo que não sabemos,68 Mas o que

 possuímos basta para provar que a grande idade do Iluminismo gre-

go foi lambém, como nossos próprios tempos, uma idade de

 perseguiçãocom estudiosos sendo banidos, obscurecí men to do pen-samento e até mesmo {se acreditarmos na tradição a respeito deProtágoras6'1) queima de l ivros.

Tudo isso deixou angustiados e perplexos os professores do sé-

culo XIX, pois eles não estavam familiarizados, como nós, com um

comportamento deste tipo. O embaraço foi ainda maior porque, afi-

nal de contas, tratavase de Atenas, a “escola de Helas”, o “quartel

general da filosofia” e, até onde vai nossa informação, não estavaacon tecendo em nenhum outro lugar.7,) Da í uma tendência a lançar

dúvidas sobre os fatos, sempre que possível; e quando não fosse pos-

sível, explicar que o verdadeiro motivo por detrás das ações judic iais

era político. Até certo ponto isto é sem dúvida correto, pelo menos

 para alguns casos: os acusadores de Anaxágoras atacavam, ao que

se presume e segundo Plutarco, seu protetor Péricles; Sócrates po-

deria 1er escapado da condenação se não estivesse associado a

homens como Crítias e Alcibíades. Mas mesmo admitindo tudo isso,ainda resta explicar porque, durante o período, a acusação de des-

crença era escolhida com tanta freqüência com o o meio mais seguro

de suprimir as vozes dissonantes ou os oponentes políticos perigo

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R  a c i o n a l i s m o   n r h a ç ã o   n a   I d a ij k    C l á s s i c a f 93

elemento?77 Que tais idéias ainda estivessem muito vivas nas m en-

tes da plebe ateniense é algo evidente pela enorme confusão histéricacriada com o episódio da mutilação de Hc nneus.7*

Ci cio que isto constitui parte da explicação —tim terror supe rst i-cioso baseado na solidariedade da cidadeestado. Gostaria de acre-

ditai que esta explicação cobre tudo. Mas seria desonesto não

reconhecer que o novo racionalismo trazia consigo perigos para a

ordem social que eram tanto reais quanto imaginários. Ao descartar

a hei an ça conglomera da” muitas pessoas descar tavam tam bém as

¡esüiçoes religiosas que haviam mantido o egoísmo humano sob con-

trole. Para homens de rígidos princípios morais como Protágoras

ou D emócrito isto não importava: a consciência deles era bastan-

te adulta para sc erguer sem necessidade dc amparo. Com a maioria

de seus pupilos porém era diferente. Para cies, a liberação do indi-

víduo significava uma liberdade ilimitada de auloafirniaçãu; signi-

f icava d i re i tos sem obr igações (a não se r que tomemos a

autoafiiinação como uma obrigação); “aquilo c|ue seus pais deno-

minavam autocontrole era chamado por cies de desculpa por covar

■ Tucidtdcs atrihui isso a mentalidade de üuerra, e não restadúvida de que esta foi a causa imediata do fenómeno. Wilamowitz

observou corretamente que os autores do massacre de Corcira não

 piccisaiam apicndci sobre transvaloração dos valores” num ciclo

dc conferências proferidas por Hípias. O novo racionalismo não ca-

 pacitava os homens a se comportarem como animais os homens

sempre foram capazes de agir violentamente. Mas ele os tornou ca-

 pazes de justificar sua brutalidade para si própr ios, c isto numa época

em que as tentações externas a uma conduta brutal eram particular-mente fortes. Como alguém declarou a respeito dc nossa própria era

dc luzes”, raramente tantas crianças foram jogadas fora jun to com

tão pouca água de banho.811Nisso reside o perigo imediato, um per i-

go que sempre surge quando uma “herança conglomerada” entra em

colapso. Nas palavras do professor Murray: “a antropologia parece

indicar que estas heranças con glo meradas ’ não têm praticamente

nenhuma chance de se mostrarem verdadeiras ou sensatas; por ou-tro lado, que nenhuma sociedade pode existir sem elas ou mesmo

submeteise a qualquer ajuste drástico delas sem incorrer em pe-rigos sociais. 1,1 Há algo desta última verdade nas mentes daqueles

que condenaram Sócrates por corromper os jovens. Seus temores

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194 Os G R E ü O S I-: O I R R A C I O N A L

não eram infundados; mas como procedem as pessoas quando sen-

tem medo, eles acabaram atacando com armas erradas os homens

errados.

O Iluminismo grego lambém afciou o lecido social de uma ma-neira ainda mais perene. O que Jacob Burckhardl disse sobre a

religião do século XIX que se tratava de “raciona lismo para pou-cos e magia para muitos” pode ser dito no geral para a religião

grega do século V a.C, em diante. Devemos agradecer ao lluminis

mo e à ausência dc educação universal, a radicalização do divórcio

entre a crença da maioria e a crença da minoria, com prejuízo para

ambas. Ao que parece, Platão é quase o último intelectual grego a

 possuir verdade iras raízes sociais seus sucessores, com muito pou-

cas exceções, dão a impressão de existirem à margem da sociedade

e não como parle dela. São “sapientes” primeiro, cidadãos depois

fou nem sequer depois). Suas atuações diante dc realidades sociais

do momento são por isso mesmo incertas. Tratase de um lato co-

mum. O que sc nola menos freqüc lilemente é a regressão da religião

 po pular na era do Ilumin is mo grego. Os primeiros sinais desta re -

gressão surgem durante a guerra do Pcloponeso, e sem dúvida,devemse cm parte a propria guerra. Por debaixo das tensões que

ela gerou, as pessoas começaram a se vollar sutilmente para o que

linlia havido antes das difíceis realizações da era de Péri cies. Fen-

das começa ram a su rg i r no t ec ido soc i a l , e e l emen tos

desagradavelmente primitivos eelodiram aqui c ali por entre as fen-

das. Quando isto se deu, já não havia mais qualquer demonstração

efetiva dc crescimento de tais elementos. À medida cm que os inte-

lectuais se enfurnavam num mundo próprio, a mente popular ia

ficando cada vez mais desprotegida, embora devamos lembrar queos poetas cômicos continuariam ainda a agir por várias gerações. O

afrouxamento dos laços de religião civil criou uma situação em que

os homens ficaram livres para escolher seus deuses, cm vez de sim-

 ple smente idolatrálos. Um número crescente de pessoas retornou aos

 prazeres e confortos dos primitivos com um suspiro dc alívio.

Concluirei este capítulo com alguns exemplos do que chamode regressão. Já tivemos ocasião de notar uma primeira ocorrência

a demanda cada vez maior por curas mágicas que, no espaço de

uma ou duas gerações, fez Asciépios passar de herói menor a deusmaior, transformando seu lemplo. em Rpidauros, num local de pc

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1 9 6 Os CREGOS E O IRRACIONAL

movio. Centenas dc “defixiones” (bram encontradas cm escavações

feitas em diversas partes do Mediterráneo.'’'’ Na verdade observamos

 prát icas similares nos dias de hoje também, tanto na Grccia,JI q uan-

to em outras partes da Europa. ” Mas parece significativo que osexemplos mais antigos até aqui descobertos sejam originários da Gré-

cia, a maioria deles da região da Ática; e que enquanto o século V

a.C. apresenta uma quantidade aparentemente pequena de casos, as

ocorrências do século IV a.C. sejam tão numerosas.” Entre as pes-soas amaldiçoadas incluemse figuras públicas bem conhecidas como

Fócio c Dcm ós tenes,54 o que sugere que a prát ica não era confinada

a escravos ou estrangeiros. Na verdade, era bastante comum nos dias

dc Platão achar, como ele, que era necessário legislar contra tais prá-

t icas,” como contra o método análogo de ataque mágico que

consistia em infligir maus tratos a uma imagem de cera tio inimi-

go* Platão deixa claro que as pessoas realmente tinham medo desta

agressão por magia, e prescrevia severas punições legais contra isso

(no caso de magos profissionais ele prescrevia a pena de morte); não

 porque ele acredi tasse em magia negra como aqueles que, segun-

do ele, possuem a mente aberta''7 , mas porque este tipo de magiaexpressa uma vontade malévola e gera efeitos psicológicos igualmen-

te perversos. Isto nem sequer era uma intromissão privada por parte

de um velho moralista. De uma passagem do discurso Contra Aris  

toge ionm po de m os in fe rir que foram feitas, no sé cu lo IV a.C.,

tentativas para reprimir a prática da magia por meio dc leis drásti-

cas. Reunindo todos estes fatos, e em contraste com o quase

com pl et o silencio das lontes do século V a.C.,‘w sou levado a con-

cluir que um dos efeitos do Iluminismo grego foi provocar na geração

seguinte"*1um retorno à magia. Isto não é tão paradoxal quanto pa-

rece o colapso de uma “herança conglomerada” não loi também

seguido de manifestações semelhantes em nossos tempos?

Todos os sintomas que mencionei o retorno da incubaçao, o

gosto pela religião orgiástica, a prevalência do ataque por meio da

magia podem ser vistos com o regressões. Eles foram, em certo sen-

tido, um retorno do passado. Mas foram também, vistos por outroângulo, presságios dc alguma coisa. Como veremos no capítulo fi-

na l , são um prenúnc io de t raços ca rac te r í s t i cos do mundo

g recorom ano. Mas antes dc chegar a isso, devem os ainda conside-

rar a tentativa platônica dc estabilizar a situação.

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R a c i o n a l i s m o   b   r h a ç ã o   n a   Id a d h   C l á s s i c a 1 9 7

N o t a s   d o   c a p í t u l o   V I

L Gilbert Murray, Greek Studies,  66 sg.

2. Cf. cap, [I,  supra .3. Este ponto é levantado com bastante ênfase , mas com algum exagero, por 

Plïster,  Religion d. Gríeschen u. Rõmer,  Bursian’s Jahresbericht, 229 (1930), 

219, Cf. cap. H, supra.

4. Ver, em particular, o recente livro de Wilhelm Nestle, Vom  Aíy thos z imi Lo-

 gos,  cuja meta é exibir “a substituição progressiva do pensamento mitológico 

pelo pensam ento racional entre os gregos".

5. Hecateus, Irag, I ; cf. Nestle , op cit., 134 sg. Hecateus racionalizou os re

manescentes mitológicos como Cerbero (frag. 27), e possivelmente todos  os demais horrores de ra ev A iôou , Do seu con selho aos concidadãos para 

se apropriarem para usos seculares dos tesouros do oráculo de Apoio cm  

Brânquida, podem os inferir que ele era «ó eio tó m ^ íú v (Heródoto). Cl, 

Momigliano,  A t eue e Roma,   12 ( 1931 ), e o modo pelo qual D iodoro e Plu

tarco apresentam a ação similar de Sula (Diodoro, frag, 7; Plutarco,  Sida 

12).

6. Xe nólanes , frag. 11 e 12.

7. Cícero, divinaiione  I. 5; Aécio, 5. 1.1 (= Xenófanes, A 52). Cf. suas ex

plicações naturalistas do arco-íris (irag. 32) e do fogo de Santo Elmo (A  

39), ambas tradicionais.

8. Xenófanes, frag. 15 {cf. I 4 e 16).

9. Idem frag, 23. Cf. Jaeger, Theology,  42 sg. Como afirma Murray (op. cit., 

69), “Esse ‘ou em pensamento’ dá o que pensar. Lembra o árabe místico  

medieval que di z.¡a que chamar Deus de ‘justo’, era tão loucamente antro

pológico, como di/.er que Ele linha barba". CI. o Deus dc Heráclito para o  

qual as distinções humanas de “justo” c “injusto” são sem sentido, pois ele  

percebe ludo com o send o justo (frag. 102 Diels).

1 0 . F r a g , 3 4 ,

11. Heráclito, frag. 28; Almacon, Irag. 1; Hipócrates, vei, mee!.  ¡, juntamente 

com Festugicre, ad loe.;  Górgias, ¡leí.  13; Eurípides, frag. 795.

12. Cf. cap. IV, supra.

13. Heráclito, frag. 5. Se o fragmento 69 merece confiança, Heráclito não dei

xou dc lado o conceilo dc catarse, mas pode tê-lo transposto, como Platão, 

para o plano moral e intelectual,

14. Frag. 14. A referencia anterior a fíatexot e Crivai su gere que e le tin ha es

pecialmente em mente mistérios dionisíacos (e não “órficos”), mas sob a 

forma pela qual ela aparece, sua condenação parece não estar limitada a 

(ais misterios. Se ele queria condenar os misterios enquanio tais, ou ape

nas seus métodos, não pode ser determinado com exatidão a meu ver.

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1 9 8 O s G R E G O S H O l lí R A C I O N A ! ,

embora esieja clara que ele tinha pouca simpatia pelos p u o x a i O frag. 15 

não lança nenhuma luz sobre a questão. mesmo se estivermos certos quan

lo ao seu sentido: os <J>aM,iKa não eram um puairipiüv. Quanto à equação  

muito discutida de Dioniso e Hades no fragmento, tomo como um paradoxo heraclílico, c não uma “doutrina dc mistérios órficos”, c estou inclinado  

a concordar com aqueles que vêem nisto uma condenação dos (jiaXXiKa, e  

não uma desculpa para eles (a vida dos sentidos é a morte da alma, cf. Irag.

77, 117, C Diels.  H erakle itas , 20).

15. Frag. 96. Cl'. Platão,  F édon , 115C; e para os sentimentos adversos, capítu

lo V,  su pra .

16. Frag. 119: cf. capítulo II,  su pra.  O frag. 106 ataca dc modo similar a su

perstição sob re dias “de sorte" e dias “dc azar ".

17. Frag. 5. Sobre o culio moderno a ícones sagrados (estátuas sendo proibi

das), ver B. Schmidl, Volksieben,  49 sg.

18. Wilamowitz, G l a u b e   II. 20 9. O sig n ifica d o de 1-1er u dito com o um 

 A u fk ld u re r   e correi ámem e en fali/a do por G igon, Uiiierstichiftigen ztt  

¡ieraklii,  13 1 sg. (apesar de mc parecer uma iiilcrpreiação question ável do 

frag. 15) e por Nestle, op. c il., 98 sg. Sua doutrina tem obviamente outras 

aspectos menos importâmes, mas cies não concernem ao lema dcsle livro.

19. Cf. Xenófanes, 1'rag. 8; 1leráelilo, frag. 1, 57, 104 etc.

20. A similaridade enlre Eurípides (frag. 282} e Xenófanes (frag. 2) loi notada  por Aleneus e parece grande demais para scr ae¡denial; cf. lambém Eurípi

des,  Her,  1341-1346 com Xenófanes A 32 e B 11 e 12. Por oulro lado, a 

semelhança de Ésquilo, Sup.  100-104 com X enófanes B 25-26, apesar dc 

interessante, e dificilmente específica o bastante para estabelecer que Es

quilo havia lido ou ouvido o ioniaiio.

21. Diógenes Laércio 2. 22. A critica de Heráclito ao ritual irracional exerce  

de fato influências sobre Eurípides (Ncsile,  Hurí pules,  50. II8); embora lal 

inlluência não lenha que ser neecssaiiamenie um empréstimo direto (Gigon, op. cil., 141). Eurípides é descrito com o um nolável colecion ador dc 

livros (Alen, 3A; cf. Eurípides, ira». 369 sobre os pra/.eres da leilura, e Aris

tófanes,  R ãs  943),

22. Eurípides, frag. 783.

23. Cf. P. Decharme,  Huripkie el ¡'esp ri t de son th éâ tre, 96 sg.; L. Radermacher, 

 Rh. Mus.   53 (1898), 501 sg.

24. F. Ileinimann,  Nom os und Phyais   (Basel, 1945), Para uma bibliografia dos  

estudos anteriores, ver W.C. Greene,  M oira,  App. 31.25. Cf. Heródoto I, 60. 3; aïï£Kpi0i] etc TtaXcuiepou tov  [iapjfcípoi) eOveoç 

to  EAAï) viK ov , eov ico:» S e^ iœ iep o v K m ei)r |6 ir |ç -qiUOiou  

ccrcn^iUrflaevov jaoilÂov,26. Platão,  Prolo gara n,  327CD.

27. Uma medida do declínio repentino da confissão é o loin diferente adoiado

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R a c i o n a l i s m o  h kl;a ç ã o   n a   I d a  d i-; C l á s s i c a   199

pelo sofista conhecido como “lâmblico anônimo" ( Vorsokr.  5, 89), que com

partilhava da crença de Proíágoras no vojioç e que era lalvez seu pupilo. 

Podemos supor que escrevendo nos anos fináis da Guerra do Peloponeso,  

ele tale cm tom desesperançoso dc alguém que viu toda a ordem social c moral desabar sobre sua cabeça.

28. Sobre o carãler tradicional da identificação do “bom” com o útil, ver Snell,  

 D ie Enldcckim g des Geis te s,  131 sg. Sobre o utilitarismo socrático, cf. Xe-  

nofonte,  Mem.   3. 9. 4 ele.

29. Cf. cap. l, supra.  Enquanto a aretê.  era concebida de modo positivo como 

eficiência, “ser bom ao realizar coisas”, era naturalmente pensada como de

pendente dc um saber sobre como fazc-las. Mas em torno do século V a.C.  

as massas (a julgar por  Prota gora s,   352B e Górgias, 491 D) eram mais im

pressionadas pelos aspectos negativos da aretê  como controle da paixão, 

em que o fator intelectual c menos obvio.

30.  Pro ta gora s,   352A-E.

31. Ibid., 327E. A comparação é lípiea do século V a.C., e era provavelmente  

tnili/.ada pelo Protágoras histórico, pois surge no mesmo contexto dc Eurí

pides,  Sup.  913 sg. Geralmente estou inclinado, juntamente com Taylor. 

W ilamowiiz ü Nestle a crer que o discurso de Protagoras (320C 32 8D ) pode 

ser [omado com o uma reprodução amplamente l iei das opiniões que ele e fe

tivamente defendia, embora não certamente como um cxcerto ou resumo  dc uma de suas obras.

32. Cf. R. Hackforih, “Hedonism in Plalo’s Protagoras", CQ  22 (1928), 39 sg., 

eujos argumentos parecem difíceis dc ser respondidos.

33.  Pro íá gora s.   319A 320C. Isto c freqüentemente considerado “meramente iró

nico”, com o objetivo dc eliminar a diferença entre o Sócrates célico dcstc  

diálogo e o Sócrates do Górgius,  que descobriu o que 6 o verdadeiro es ta

el i sino. Mas lom á-lo desie modo é destruir o paradoxo com o qual o diá logo  

termina (36IA). Platão deve 1er sentido que havia no ensinamento dc scu  

mestre, quanto a este tema, uma verdadeira inconsistência ou, dc certo  

modo, alguma obscuridade que necessitava de esclarecimento, No Górgias 

ele a esclareceu, mas ao fazê-lo foi além do Sócrates histórico.

34. A implicação recíproca das virtudes está entre as poucas doutrinas que po

demos atribuir com certeza ao Sócrates histórico {Proíágoras ,   329D; 

 Laq ues,   Carin ides, Xen.  Men.  3. 9. 4 seg. etc.).

35. Cf. Festugière, Contem plation el vie contemplative chez Platon,   68 sg.; Jae

ger,  P aid eia , II, 65 sg.

36. Platão,  A p o lo g ia de S ó c ra te s ,   33C : e fj o i 5e t o u t o , coç eyto (|)T|j.ii, 

TtpocTETCCKiai amo t o u 0£ ou T ipa xie iv kcu ëk ^avTei&iv K at ëÇ 

evUTtvttúV, Sabre os sonlws, cf. lambém Criton , 44A; Féclon,  60E; sobre 

oráculos,  Apo l.   2 1B; Xen.  Mem.  1. 4 .1 5  (em que Sócrates acredita em le

p a ra também); Anab.   3. 1.5. Mas Sócrates também advertia seus ouvintes

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2ÍX) O s G R E G O S E O I R R A C IO N A L

corara a idcia de tratar |íccvtlkt| como 11111 substituto para “Mular, medir e 

pesar” (Xcn,,  Mein.  1 .1 . 9); ele era um suplemento e (com o no caso do 

oráculo de Querefonte) um estímulo ao pensamento racional, e não um su

cedáneo para ele.37. Xenolonlc,  Apolo gía de Sócrate s 12,  Óeou jioi <|>C!)vr| <|>aiV£TCU. CI'.  Mein.

4. 8. 6; Platão (?).  Ale.  I, I24C.

38. Platão,  Proíá goras,  352BC.

39. Ibid., 353A,

40. ibid., 356C-357E.

41. Aristóteles,  E tica a N icómaco,  1147'1 1I sg.

42. Cf. caps. 1e 11, supra.

43. Combarieu,  La musique et la m agie   (Éludes de philologie musicale, !I1 [Pa

ris, 1909]), 66 sg., citado por Ëoyaneé, Culte des Muses , 108. Platão lilla 

de animais tomados por desejo sexual como ogou vio. {llanque te,  207A); 

c de lome, sede e paixão sexual como Tpict vociipara {Leis, 782E 7 83A).

44. Eurípides,  M edéia   1333; llip.  141 seg ., 240. M. André Rivier, em seu in

te res sa n l e e original lissai sur le tragique d'liu lipid e   (Lausanne, 1944), 

pensa que é impórtam e tomar estas opiniõ es a sério: Medéia é literalmente  

possuída por um diabo (p. 59), c uma mão sobrenatural está derramando 

um veneno na alma de Fedra. Mas acho isto difícil de aceitar, no que tange  

a Medéia. Ela, que vê mais lundo nas coisas do que o homem de mente  

convencional (Jasão), não utiliza nada desta linguagem religiosa (contraste 

com a Clitemnestra dc Ésquilo,  Ágam.  1433, 1475 sg., 1479 sg.). K Fedra 

também, quando levada a enfrentar sua situação, analisa isio em termos pu

ramente humanos (sobre o significado de Afrodiie ver "Eurípedes lhe  

Irralionalist", CA’ 43 j 19 2 9 1. 102), As Tmades  são dec isiv as para a at ilude 

do poeta; Nelas. Helena culpa a interferência divina (940 sg., 948 sg.) por 

sua má conduta, apenas por sc vincularem á réplica de Hécuba, jar| 

«h(x<|)tieiç iroiei (|)êouç to cTov ra ico v xr oa no uc a, (,tr| o v jtEtaiiç oot fo n ç  (981 sg.)

45.  M edéia ,  1056 sg. Cf. Heráclito, frag. 85: th>|.i(o pot^eaQott xoAejiov o yap  

av covEnat.

40. Ibid., 1078-1080. Wilamowitz desconsidera uma passagem da  M edéia  que, 

do ponto dc vista dc um produtor moderno, diminui a clicáeia do “pano”. 

Mas é mantendo o hábito mental de Eurípides que ele deve fazer Medéia  

generalizar sua auto-analise, como Fedra. Meu caso, ela sugere, não ¿úni

co: há guerra civil em lodo coração humano.  E,   d c fato, es las linhas tornaram-se um exemplo dc texto sobre conflito interior (ver capítulo Vill,  

infra,  nota 16).

47. Wilamowitz.  Einleitung i. d. gi: Tragoedie,   25, nola 44; Decharme,  Euripide 

et ! esprit de sort théâtre,  46 sg.; especialmente Snell,  Plt i lo i agua,  97 ( 1948), 

125 sg. Tenho muito mais dúvidas a respeito da suposição de Wilamowitz

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R  a c i o n a l i s m o   e   r e a ç ã o    n a   I d a d e   C l á s s i c a 201

(loc. cit.)  e dc outros dc que  Pro l.,  352B é a “resposta” de Platão (ou dc 

Sócrates} a Fedra. Por que Platão deveria julgar necessário responder às 

observações casuais de uns personagens e de uma peça escrita há mais de  

30 anos? E se ele julgou deste modo. ou se ele sabia que Sócrates havia  

agido assim, por que não citaria Eurípides nominalmente como fez em ou

tra passagem (Fedra não pode mencionar o nome de Sócrates, mas este pode  

mencionar o de Fedra)? Não vejo nenhuma dificuldade em supor que “os  

muitos” cm  Prol. .  352B são apenas muitos: o homem comum nunca igno

rou o poder da paixão, na Grécia ou em qualquer outro iugar, e no trecho  

isto lhe é creditado sem qualquer sutileza.

48. Euripides,  Hip.,   375 sg.

49. Para uma tentativa de relacionar a passagem como um lodo à situação dra

mática à psicologia de Fedra, ver CR   39 (1925), 102 sg, E cf. Snell,  P h ih lo -   gus, loc. cit .,   127 sg., com quem estou atualmente inclinado a concordar.

50. Cf. frag. 572, 840, 841 c o discurso dc Pasifae em defesa própria. ( lier!. 

 Kl. Texte,  II. 73 = Page, Gk. Líl. Papyri,  I. 74). Nos últimos dois fragmen

tos a linguagem religiosa tradicional c utilizada,

5 1. Cf. W. Sd iade waldt.  M onolog tt. Selbstg espraclt ,  250 sg. a “tragédia da to

lerancia ’ substitui a “tragédia do  pathos" .  Devo supor, entretanto, que o 

Chrys ipp t t s ,  embora uma peça tardia (produzida juntam ente com a 

 Phaenis sae),  era urna tragédia de  pa thos',  tornou-se, como  M edéia ,  um exemplo do conflito entre razão c paixão (ver Nauck sobre frag. 841 ), rc- 

enfalizando a questão sobre a irracionalidade humana.

52. Cf. André Ri vier,  Essai sur le tragitpie d 'E uripide,   96 s g. Cf. minha edição da peça, p. XL sg.

53. Dodds, CR   43 (1929), 97 sg.

54. Aristófanes,  Nuvens,   1078,

55. Citado por Men and m,  Epitrep.  765 s g. Koerie, de  Auge   (parte disto já era 

conhecido, frag. 920 Nauck).

56. Chrysippus,   frag, 840.

57.  A eoln s,  frag. 19, ti 5 'm a x p o v r|v |jr| ratcu xp oip evo iç Sok t|, o sofista 

Hípias argumentou que a proibição dc incesto era convencional, e não "di

vinamente implantada” ou instintiva, pois ela não era observada  

universalmente (Xcn.  Me.m.  4. 4. 20). Mas o trecho dc Eurípides compreen

sível mente gerou um escândalo: ele mostrou onde o r elativism o ético  

ilimitado nos leva. Cf. a paródia de Aristófanes {Rãs  1475); o uso do cor

tesão contra seu autor (Machón a p u d    Alen. 582CD); e as historias  

posteriores que fazem Anlístenes ou Platão responderem a isto (Plutarco, and. poet.  12. 33C: Serenus aptul   Slob. 3. 5. 36H).

58. Eurípides,  H eracle s 778; O ré sita  823;  Bacante s  1890 sg. ; Ifigênia em Ánlis, 

1089 sg. Cf. Murray,  E ttríp edes and his Age .  194; e S licr, “Nom os R asi - 

leus”,  Philot .  83 (1928), 251.

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2 0 2 O s GREGOS B O IRRACIONAL

59. Assim Murray, Aris tophanes,   94 ss.. e mais recentemente Wolfgang Schmid, 

 PhiioL  9 7 ( 1948 ), 2 24 sg . E siou me nos ccrto (Jo que ele s a este respeito.

60. Lisias, frag. 73 Th. (53 Sclicibe), apud   Aten. 251E,

61. Melhor conhecido como o alvo favorito de Aristófanes {Aves  1372-1409 c 

cm outros lugares). Ele foi acusado de insultar um santuario de 1lecale (£  

Ar.  Rãs 366), o que seria manier exatamente o espírito do clube, o ‘Ekcctoicí  

sendo foco dc superstição popular (cf, Nilsson, Gesch.  1. 685 sg.). Platão 

o día como um típico e x e m p l o .do tipo dc poeta que se exibe para as gale

rías em vez. dc tentar tornar sua audiencia homens melhores (Górgicis, 

501L).

62. Esta e a data indicada pelo decreto de Diol'eites por Diod. 12. 38 sg. e Plu

tarco,  Per.  32, Adcock, CAH   V. 478, está inclinado a eoncclá-la em 430 e 

rclaeiona-a com “as emoções evocadas peia peste, signo visível da furia ce

leste”, o que pode ser corrclo.

63. Ta 0£ta un voj-ttÇeiv (Plut,  Per.  32). Sobre o significado desla expressão  

ver R. Hack forth. Com position o f P lato ’s A pology, 60 sg. ; c J. Talc. Clt   50  

( 1936), 3 sg., 51 ( 1937} 3 sg., «(repela no sentido de sacrilégio havia sido 

sempre indubitavelmente uma ofensa; o que era novo era a proibição de 

negligenciar o cullo ou ensinar algo anti-religioso. Nilsson, que sc além à 

velha pretensão de que a “liberdade de pensamento c de expressão cm Ate

nas era absoluta" (Creek Piety,  79), tenta restringir o escopo dos processos  sobre ofensas contra o cullo, Mas a tradição apresenta de modo unânime 

os processos dc Anaxágoras e de Proíágoras como eslando baseados em ques

tões teóricas, c não em suas ações. E uma sociedade que proibia a descrição  

do sol como objelo malcrial e a expressão dc incerteza quanlo à existência  

dos deuses não permitia "liberdade absoluta de pensamento".

64. Xoyoi>ç jtept to )v  laerapaunv S iô a a m v (Pluiarco, ibid.). Isto era, sem  

dúvida, dirigido especialmente a Anaxágoras, mas a desaprovação da me

teorologia era amplamente difundida. Achava-se que não era apenas bobagem  e presunção (Górgias,  Hei.  13; Hipócrates, vet. med.\  Platão,  República, 

48HE), mas lambem algo perigoso para a religião (Euripides, frag. 913; Pla-  

lão,  ApoL,  19B; Plutarco,  N in a s   23}, e era paru a mente popular algo  

associado especialmente aos sofistas (Eupolis, frag, 146; Arisiófnes,  Nu

vens  360; Plalão,  Polí tico,  2991Î). Cf. W. Capelle.  Philol.  71 (1912), 414 sg.

65. A datação que Taylor faz do julgamento de Anaxágoras (450 a.C.) (CQ   11

119171, 81 sg.), faria o Iluminismo grego e a reação conlra ele começarem  

muito ailles do que sugerem os fatos. Seus argumentos parecem-mc dis

postos cm E, Dercnne.  Les Pro cès d'im pié té ,  30 sg., e J.S. Morrison, CR 

35 (1941), 5, nota 2.

66. Burnet (Thales to Plato,  112). c ouiros após ele, descartaram a amplamen

te confirmada tradição do julgamento de Proíágoras como não histórica  

devido a Plalão,  Mênon ,  9 1F.. Mas Plalão eslá ali falando da reputação in-

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R  a c i o n a l i s m o   e   r e a ç ã o    n a   I d a d e   C l á s s i c a 2 0 3

ternacional de Proíágoras como professor  ,  a qual não seria diminuída por 

uma caçada herética ateniense; ele não era acusado de corromper os jovens,  

mas sim de ateísmo. O julgamento não pode ter acontecido tão tardiamen

te quanto 411 a.C., mas a tradição não diz que aconteceu assim (cf. Derenne,  

op. cit., 51 sg).

67. Satyros, vit. Eurip.  frag. 39, col. X (Amim, Suppl. Eur.  6). Cf, Bury, CAH 

V. 383 sg.

68. E arriscado concluir que não houve processos a não ser aqueles dos quais 

ouvimos falar. Os estudiosos não têm prestado muila atenção às palavras  

que Platão atribui a Proíágoras (Proíágoras,   316C-317B) sobre os riscos 

freqüentes do comércio sofístico, que os expõem a “um grande ciúme, e 

outras lormas de desejo doentio e conspiração, de modo que a maioria de

les acha necessário trabalhar sob disfarce". Ele próprio possui suas  salva-guardas (a amizade de Péricles?) que o mantiveram longo tempo fora  de perigo.

69. Diógenes Laércio, 9. 52; Cícero, nal. deor.  1. 63, etc. Sobre os perigos do 

hábito de leitura, cf. Aristófanes, frag. 490: toutov tov ocvSp’ri |3u|3A.iov 

SiE^OopEv ri npoSiKoç r| tcúv aSoÀeaxcov eiç ye tiç.

70. Isto pode muito bem ser uma conclusão que se deve à nossa informação  

deliciente. Caso contrário, ela parece contradizer a afirmação que Platão  

atribui a Sócrates (Górgias,  461E) de que Atenas concede maior liberdade  de expressão do que qualquer outro lugar na Grécia (a data dramática ocorre  

após   o decreto dc Diopeites). Vale notar, entretanto, que Lampsacus hon

rou Anaxágoras com um luneral público depois que Atenas o baniu  

(Alcidamas apud  Aristóteles,  Retó ric a,  13981’ 15).

71. Nilsson, Greek Poptilar Religion,  133 sg.

72. Plutarco,  Péric le s, 6.

73. Platao,  A p o lo g ia de S ó cra te s ,  40A: r) EUúOma |10 U (.lavTiKl] T| to u  

Scunovtou.

74. Xenófanes,  A polo gia ,  14: oi õiKacrrai eOopuPouv, oi |íev cnuGTOWTeç  

Totç Xeyo(.tevotç, o i 5e r a i (IiGovouvteç, et Kai 7tapa Gecov heiÇovw v r| 

can ot TDyxa v ° l - Apesar dos engenhosos argumentos dc Taylor em  

contrário ( Varia Socratica,  10 sg.), acho impossível separar a acusação  

de introduzir raiva 5at)iovia do Sai |aoviov que tanto Platão quanto  

Xenofonte conectam. Cf. A. S. Fe rgu son , C L   7 (1913), 157 sg.; H. 

Gomperz,  N Jbb   1924, 141 sg.; R. Hackforth, Com posi t ion o f P la to ’s 

 Apolo gy,  68 sg.

75. Cf. Tucídides, 5. 103. 2, quando as coisas correm mal, as massas em TaG  a 7iq av £io (eA,7ti5ao) ícaTqioTavTai, pavT ucev t e r a i xilp£C>|iouG. Con

trastar Platão,  Eutifron   3C: OTav ti  X  ejcú  ev ti] £KKA.r|Oia Ttepi tcúv Geuúv, 

TipoXEycúv aDTOiç Ta fiEWiovTa, KaTayE/Uoatv coç paivo|i£vou.

76. R. C raws hay-W illiam s, The C omforts of Unreason,  28.

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204 Os G R E G O S E O I R R A C I O N A L

77. Hesíodo,  Erga  240; cf. Platão.  Leis,   91 Olî, e capítulo II, nola 43. A atitude  

de Lisias é iluminadora. “Nossos ancestrais”, ele di/., “ao executar os sa

crifícios prescritos nos deixaram na cidade mais próspera e magnífica da  

Grécia: certamente devemos oferecer os mesmos sacrifícios que eles, quando  

mais não seja pelo simples fato da fortuna que resultou destes ritos” (30. 

18). Esta visão pragmática da religião deve 1er sido bastante comum na época.

78. Tu e í<] ides, 6. 27 sg ., 60 . O autor natural mon le ressalta os asp ecto s po líti

cos do caso, e na verdade é impossível 1er uma passagem em 6,60 sem se  

lembrar das “purgações” políticas e das “caças às bruxas" dc nossos tem

pos. Mas a raiz causal da excitação popular era a ÓEioióctipiovia: o ato  

era tima ouûvoç tod  ektA ou ,

79. Tucídides, 3. 82, 4.

80. Nigel Balcllin,  Lord, ! was afraid ,  295.

81. Gilbert Murray, Greek Studies,  67. Cf. o juízo de Frazer de que “a socie

dade tem sido construída e cimentada em grande paríe sobre fundamentos 

religiosos, e de que é impossível flexibilizar o cimento e sacudir as bases 

sem pôr cm perigo a superesirutura" {The Relief in Immortality,  I. 4), A 

experiência de outras culturas anligas. sobretudo a chinesa, onde o positi

vismo secular da escola de Fa Hia possuía contrapartida no militarismo cruel 

tío imperio de Ts’in, parece confirmar que liá uma conexão causal real en

tre o colapso de uma tradição religiosa e o crescimento ilimitado da política  de força.

82. Cf. cap. IV, supra.

83. Assim Kern,  Rei. d er G rie cheii   II. 312 e W. S. Ferguson, "'¡'lie Allie  

Oi'geoncs",  Harv. Theol. Rev.  37 (1944), 89, nota 26, Foi por uma razão  

similar que o culto a Aselépios loi levado para Roma em 293 a.C. Na ver

dade foi. segundo as palavras de Nock, “uma religião de emergencias” (CPh  

43 [ 1930], 48). A primeira referencia existente à incubação em um templo  

de Asciépios ocorre nas Vespas,  peça escrita poucos anos após o fim da peste.

84. Tucídides, 2. 53. 4: Kp ivovteç ev opoto) m i aefleiv kcü  j.it|, ek   too 

Ttavrnç opoiv ev tatu oiTiüW.upevüuç.

85.  IG.  11. 2. 4960. Sobre detalhes, ver Ferguson,  Inc. cit .,   88 sg.

86. Wilamowitz, Ghutbe   II. 233. A interpretação mais provável dos fatos pare

ce ser a de que Asciépios apareceu cm um sonho ou visão (Plutarco, non 

 posse sit av it er   22, 1K)3B) e disse: “Tirem-me de Epidauro’', dc onde o re- 

liraram SpüiKOVTi eiKCOT^evov, exatamente como os Siciônios em ocasião  

descrita por Pausânias (2.10.3; cf. 3.23.7).

87. Por exemplo, de vetere medicina,  que Fostugière data de 440-420 a.C.; de 

aeribtts, aqttis, locis   (visto por Wilamowiiz e outros como anterior a 430);  

de morbo sacro   (p rovavelm ente algum lempo dep ois, cf. fiei ni man n.  N o

mos ttrtíi Phvsis.   170 sg.). Dc modo similar, a aparição do primeiro

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R  a c i o n a l i s m o   e   r e a ç ã o   n a   Id a d e   C l á s s i c a   205

conhecido “livro dc sonhos” (capítulo ¡V, supra)  é contemporânea das pri

meiras lenialivas dc explicar os senhos em linhas naturalistas - aqui também 

ocorre uma polarização.

88. A Segunda Guerra Púnica produziria efeitos similares em Roma (cf. Tito  Lívio, 25.1; c J.J. Tierney, Froc. R.!.A.  51 11947], 94).

89.  Han'. Theol. Rev.  33 (1940), 171 sg. Desde então, ver Nilsson, Gesch.  1. 

782 sg., e o impórtame arligo de Ferguson (acima, nola 83), que lança muita  

íuz sobre a naturalização dos cultos frigios e tráeios cm Atenas e sua difu

são entre cidadãos atenienses. O estabelecimento do culto público a líendis  

pode atualmente ser datado do ano da peste 430-429, como Ferguson mos

trou em outro local {Hesperia,   Suppl. 8 [1949], 131 sg.).

90. Mais dc 300 exemplares foram coligidos e estudados por A. Audollent, 

 Defixionu m ta bellae   (1904) c outros foram encontrados desde então. Uma  

lista suplementar da Europa central e do norte é fornecida per Preisendan/., 

 Arch. f. Re!.  11 (1933).

91. Lawson,  Modern Greek Folklore ,  16 sg.

92. Ver Globus, 19   (1901), 109 sg. AudollcnL op. cit., CXXV scg., também 

cita um número de exemplos, incluindo o caso de “um cavalheiro rico c 

cullo" na Normandia que, quando seu pedido dc casamento foi rejeitado,  

espciou um alfinete na fotografia da dama em questão e acrescentou a ins

crição “Deus te amaldiçoe!" Esta anedota indica as raízes psicológicas  simples deste tipo de magia, Guthrie citou um exemplo interessante da Ga

les do século XIX (The Greek.'; and Their Gods,  273).

93. Os exem plos álicos con hec idos antes de 1897 (mais de 200 ) fora ni edita

dos separadamente por R. Wünsch,  IG   111, 3, apêndice.  De fi sio nes  álicas 

adicionais lêm desde enião sido publicadas por Zicbarth, Gol! Nachr.  1899, 

105 sg., e  Herl. Silzb.   1934, 1022 sg. , e outras têm sido encontradas cm 

Kcrameikos (W, Peek.  Kera m eik os, III. 89 sg.) c na Agora. Entre todos es

tes parecem haver apenas dois exemplos (Kcrameikos 3 e 6) que podem  

ser atribuídos com segurança ao século V a.C. ou antes; por oulro lado, 

muitos deles são exibidos por pessoas pertencentes ao século IV, e há mui

tas em que a grafia e o estilo sugerem aquele período (R. Wilhelm. Ò sl 

 J ahreshefte,  7 | I904|, 105 sg.).

94. Wünsch, n. 24; Zicbarth, Gott. Nachr.  1899, n. 2,  Her!. Silzb.   1934. n. 1LÎ.

95. Platão,  Leis,   933A-E. Platão sc refere a KxrruSeapot também na  Repúbli

c a , 363C como executada para seus clientes por meio dc ctYUOTOti 

Kcaj.ictvmç, e nas  Leis,   909B ele se relcre à necromaneia platicada por pes

soas semelhantes. A leiliceira Thcoris (nota 98 abaixo) reivindicava algum  tipo de status  religioso para si: Harpocrácio (s.v.) a chama pavitç; Plutar

co, (Deiii.)  lílpEia, Não havia, portanto, nenhuma linha rigorosa separando  

superstição de “religião". E, de fato, os deuses invocados na Ática antiaa  

como KOttraSÊOEtç são as divindades clónicas da crença grega mais comum.

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2 0 6 O s G R E G O S E O IR R AC IO N A L

mais freqüentemente Hermes e Perséfone. Vale, entretanto, notar que as for

mulas sem sentido (E sc o la y p a u l i c i t a) características d a magia posterior 

 já es tavam entrando em uso , com o aparece em Anaxilas, frag. 18 Kock, e  

com mais certeza ainda em Menardro, frag. 371,

96. Ibid., 933B: xx[piv« pijaripoíTa JcexA-ao^ieva, £ix eju Ôupaiç eiT em  

tp io õ o iç e n ’ejti jjvihucmti yoverav. Até onde sei, a referência existente mais 

amiga a esta técnica é um a inscrição de Ci rene, do iníc io do sécu lo IV a.C., 

cm qu e diz -sc que K'^piva foi usada publicamente com o parte de uma san

ção por um juramento feito no tempo dïi fundação dc Cirenc (Nock,  Arch, 

 f. Reí.  24 11926.1 172). As i mugen s de cera naturalmente pereceram, mas 

pequeñas figuras de materiais mais duráveis feitas com as mãos amarradas 

atrás das costas (literalmente uma líaTCíôeoiçJ ou com outras marcas de  

magia têm sido encontradas com freqüência, ao menos duas delas na Ática: cf. a lista de C. Dugas,  Bul!. Con: Hell.  39 11915], 413.

97, Ibid., 933 A: m u T o ijv irai t ie pi TO tama au ¡a n a v i a orn e pa ôio v ojuûç 

rtoTË 7të(|)\jk‘ev y iy v fflc m v o u i' e t t iç yvotri, n et0 eiv eimeTeç e te p o u ç A 

segunda parle da passagem lalvez aluda ao maior grau dc ceticismo que  

Plalão escolhe expressar, pois o loin na  R epública , 364C (assim como nas 

 L eis , 909B) é definitivamente cético.

98. Demóslenes, 25. 79 sg. O caso cia (]>apj.taiaç de Lemnos, denominada  

Theoris, que foi condenada a morrer em Atenas “com toda sua familia" por  uma informação conseguida com uma criada. Uma referência na mesma fra

se (c cf. lambém Aristófanes,  Nuvens,  749 sg,) moslra que esta ijicíppaKiç  

não era simplesmente uma envenenadora. Segundo Filocoro, apitd   Harpo- 

crácio, s.v. flt.opiç, a acusação formal foi de aoepEia, e isio é provávelmenle  

correto; a selvagem destruição de toda a família implica uma conspurca-  

ção da eomunidade. Plutarco (que fornece um relato diferente sobre a 

acusação) diz. Ücm.  14, que o promotor era D em ósle nes - que foi ele pró

prio, como vimos, mais dc uma ve/,, objeto dc ataques de magia.99, Mitologia à parle, há surpreendentemente poucas referências direlas na li

teratura ática do século V a.C. à magia de lipo agressivo,  além dos filtros 

do amor (Eurípides,  I lip. ; Antifon, i. 9 ele.) e o ETifi}5l] "OpiJjeox, Eurípi

des, C i d .   ()4(í. O autor do morb. sacr.  fala de pessoas supostamente  

7ia|>acT(.[uKeupevouç;, “colocadas sob feiliço” (VI, 362 L,), e a mesma coi

sa pode estar sendo dita em Aristófanes, Thesin,  534. Caso contrario, a 

abordagem mais aproximada pode ser visia na palavra avaXuniç, um "des

facedor" de feitiços, que se coma ter sido usado pelo poeta cómico dos 

primordios Magnes (frag. 4). Magia de proteção ou "branca" era sem dú

vida algo comum: por exemplo, pessoas utilizavam anéis mágicos como  

amuletos (Eupolis, frag. 87; Aristófanes,  Plut.,  883 sg. c  L).   Mas se alguém 

quisesse um feiliço realmente fone teria que comprá-lo na Tessália (Aris

tófanes,  Nuvens.   749 sg.).

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R  a c i o n a l i s m o   h: r e a ç ã o   n a   I i j a d e   C l á s s i c a   2 0 7

100. Houve um intervalo comparável no século XÍX cutre o colapso da cren

ça cristã entre intelectuais c o advento do espiritismo e de movimentos  

similares junto às classes semicultas (algumas das quais se espalliaram  

entre as classes cultas), Mas no caso de Atenas, não se pode excluir a 

possibilidade de que o retorno da magia de tipo agressivo datasse dos úl

timos anos desesperados da Guerra do Pcloponeso. Sobre as razões que  

podem ter contribuído para sua popularidade no século IV, ver Nilsson, 

Gexch.  i. 759 sg, Não posso ac liar que a multiplicação das defixione.y nessa 

época reflita meramente um aumento no número dc alfabetizados, como 

tem sido sugerido, pois eles poderiam ter sido escritos, e provavelmente

o foram (Audollem, op. cit., XLV), por mágicos profissionais emprega

dos com este fim (Platão fala como se este fosse o caso.  República,  364C).

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PlATÂO, A ALMA IRRACIONAL 

E A “ HERANÇA CONGLOMERADA  ”

Urna vez abandonada, não resta nenhuma ex p e rem ça de reto rno a 

nina fé t radicional , po is a con dição essencial pa ra alguém po de r manter   

uma fé t radiciona l é e le não sa ber que é um tradicional is ta .

Al Ghazali

O

capítulo anterior tratou de descrcvcr a decomposição de

unia estrutura dc crenças herdada que sc constituiu du-

rante o século V a.C., c alguns dos primeiros fenômenos dali resul-

tantes. Proponhome agora a considerar a reação dc Platão à situação

criada. O tema é   importante, não apenas devido à posição ocupada

 por Pla tão na história do pe nsamento europeu, inas também porque

ele percebeu, mais claramente do que qualquer um, os perigos ine-

rentes à decadência da “herança conglomerada”; c porque no seu

testamento final ele formulou propostas dc grande interesse para a

estabilização da situação, por meio de uma espécie dc contrarefor-

ma. Esloii bastante cicntc dc que discutir este assunto dc maneira

completa envolveria um exame de toda a filosofia da vida de Pla-

tão; mas a fim dc manter a discussão dentro de limites razoáveis,

 proponhomc a concentrar a análise em torno de duas ques tões :

Primeiro, que importância Platão atribuía a fatores não racio-

nais do comportamento humano, e como ele os interpretava?

Segundo, que concessões ele estava preparado a fazer ao ina-

cionalismo presente 11a crcnça popular, pelo bem da estabilização do“conglomerado”?

E desejável que mantenhamos estas duas questões como dis-tintas ate onde possível, embora, como veremos, nem sempre seja

VII

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210 Os GREGOS F, O IRRACIONAL

fácil estabe lecer onde Platão expressa uma fé pessoal e onde ele ape-

nas se vale da linguagem tradicional. Ao tentar respon der à primeiraquestão, serei obrigado a repelir uma ou duas coisas que já disse

em outro texto,1mas terei também que acrescentar pontos que nãoconsiderei previamente.

Uma afirmação inicial deve ser feita. Penso que a filosofia de

Platão não nasceu totalmente amadurecida, nem como criação sua e

nem como um resultado do pensamento de Sócrates. Tratarei dela

como de um organismo que cresceu e se transmutou, obcdcccndo,

em parte, à sua lei interna de crescimento e sendo, também em par-

te, uma resposta a estímulos externos. E relevante lembrar o leitor

dc que a vida de Piatao. assim como scu pensamento, praticamente

cobrem todo o vasto abismo que separa a morte de Péricles, da acei-

tação da h egemo nia macedónica.2 Apesar de ser provável que todos

os seiis escritos datem do século IV a.C., sua personalidade e con-

 ju n to de pontos de vista foram m oldados no século V, e seus

 primeiros diálogos ainda banham nas lembranças de uma ordem so-

cial desaparecida. Para mim o m elhor exemplo é o  Proíágoras, cuja

ação se passa nos anos dourados de antes da grande guerra. Scu oti-mismo, sua genial mundanidade, seu utilitarismo franco, c enfim a

imagem viva que o diálogo nos dá de Sócrates parecem uma repro-

dução essencialmente fiel do passado.'

O ponto de partida dc Plalão foi, portanto, condicionado his-

toricamente. Como sobrinho de Cãrmidcs e parente dc Crílias, mas

não menos como um dos jovens socráticos, Platão era um filho do

Iluminismo grego. Ele cresceu dentro de um círculo social que não

apenas linha orgulho cm passar todas as questões pelo crivo da ra-

zão, mas que estava acostumada a interpretar o comportamento

humano cm termos de interesses racionais, mantendo ainda a cren-

ça de que a “ virtude” {aretê) consistia essencialmente em uma técnica

de vida racional. Este orgulho, este costume e esta crença permane-

ceram em Platão ale o final. A estrutura de seu pensamento jamais

deixou dc ser racionalista. Mas os conteúdos da estrutura sofreram

estranhas transformações em determinados momentos. Houve boasrazões para isso. A transição do século V para o IV a.C. foi marcada

(como em nosso próprio tempo) por acontecimentos que podem mui-

to bem induzir qualquer racionalista a reconsiderar sua ie. A que

ruína moral e material o princípio de interesse racional poderia con

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P l a i ã o . a a l m a i r r a c i o n a l e a “ h e r a n ç a c o n g l o m e r a d a ” 211

duzir a sociedade, toi aigo que pôde se ver através do destino da

Atenas imperial. A que ele poderia conduzir o indivíduo, ficou pa-

tente com o destino de Crítias, de Cárm ides e de seus companheiros

tiranos. Por outro lado, o julgamento de Sócrates ofereceu o estra-nho espetáculo do homem mais sábio da Grécia, que no momento

mais crítico de sua vida ainda zomba deliberada e gratuitamente dc

tal princípio, pelo menos na forma pela qual ele era encarado pelomundo.

Creio que foram estes acontecimentos que impeliram Platão,

não a abandonar o racionalismo, mas a transformar seu significado,

dandolhe uma extensão metafísica. Isto tomoulhe tempo, talvez uma

década para que ele pudesse digerir os novos problemas surgidos.Durante estes anos ele, sem dúvida, revirou cm sua mente alguns

dos mais significativos ditos de Sócrates, como por exemplo o que

afirma que “a  psyche   humana possui algo dc divino” e que “nosso

 primeiro interesse e cuidar da saúde desta par te divina”.4 Mas con-

cordo com a opinião da maioria dos estudiosos, segundo a qual o

que pôs Platão 110 caminho para expandir estas intui ções e estabele -

cer uma nova psicologia transcendental foi seu contato pessoal comos pitagóricos da Grécia ocidental, ao lhes fazer uma visita por vol-

ta de 390   a.C. Se estou certo cm minha ousada suposição sobre os

antecedentes históricos do movimento pitagórico, Platão efetivamente

fecundou a tradição racionalista grega com idéias mágicorcligiosas,

cujas origens remotas pertencem à cultura xamanística do norte. Mas

no formato em que as encontram os em Platão, estas idéias já passa-

ram por um processo de interpretação e transposição. Uma passagem

hem conhecida do Górgias  nos dá um exemplo concreto de comocertos filósofos homens com o o amigo de Platão, Arquitas to-

maram para si as fantasias míticas sobre o destino da alma, retirando

delas novos significados alegóricos que acabaram por lhes conferir

importância moral e psicológica.5 Tais homens prepararam o cam i-

nho para Platão, mas devo supor que foi o próprio Platão que

transpôs estas idéias de modo definitivo, do plano da revelação ao

 plano do argum ento racional, a través de um ato de verdadeiracriação.

O passo crucial reside na identificação do “eu” oculto e sepa-rável do corpo que carrega nossos sent imentos de culpa e é

 potencialmente divino como a psyche   racional de Sócrates, cuja vir

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2 1 2 Os GREGOS E O IRRAC IONAL

lude consiste; no conhecimento. Es le passo envolveu uma completareinierpretação do velho padrão dc cultura xamanístico. O padrão,

 porém, mantinha sua vitalidade, c seus traços principais ainda po-

dem ser reconhecidos cm Platão. A reencarnação sobrevive semalterações. O transe xamanístico, com a correspondente separação

do “eu” oculto, tornase uma prática mental de reclusão e medita-

ção que purifica a alma racional uma prática para a qual Platão

reivindica a autoridade do logos  tradicional.*' O conhecimento ocul-

to que o xamã adquire durante o transe tornasc uma visão da verdade

metafísica; a “recordação” de vidas passadas7 tornase “reminiscen-

cia” de Formas incorpóreas, consti tuindo a hase de uma novaepistemología. No nível mítico, o “longo sono” c a “viagem ao sub-

mundo” fornecem um modelo direto para as experiencias dc Br, filho

dc Armcnius.* Finalmente, entenderemos melhor os tão criticados

“guardiães” platônicos se os encararmos como um novo tipo de xa-

mãs racionalizados que, como seus predecessores primitivos, são

 preparados para o alto ofício por meio de uma disciplina cujo intui-

to é modi f i ca r sua e s t ru tu ra ps íqu ica g loba l . Como seus

 predecessores, eles devem submeterse a uma devoção que os afas-ia das satisfações comuns da humanidade; devem ainda renovar seus

contatos com fontes profundas de sabedoria, por meio dc “retiros”

(“recuos”)* e serão recompensados após a morte, conquistando um

 status peculiar no mundo espiritual." K provável que uma aproxima-

ção deste t ipo humano altamente especializado já existisse nas

sociedades pitagóricas; mas Plalão sonhava em levar o experimento

muito mais longe, colocando o sobre uma base científica séria, e utilizundoo como instrumento para promover sua contrareforma.

O quadro projetado por Platão, de uma espécie nova de classe

dominante, c freqüentemente citado como prova de uma visão da

natureza humana grosseiramente irrealista. Mas as instituições xa

manísticas não são erguidas com base na natureza humana mais

comum. Sua preocupação global e explorar as possibilidades de um

lipo excepcional de personalidade, e a  República   é dominada por

uma preocupação similar. Plalão admitia de maneira franca que ape-nas uma minúscula fração da população (tpucre.i oXiyiOTov ye.voç)

* "R cl reais" (no origina l) pode ser liadu/ido como utn geslo alivo ( “ reti

radas", “ recuos” ) olí  como um lugar ("reliro") (N. da T.).

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P l .ATÀO . A ALMA IRRACIONAL [ i A "HERANÇA CONGLOMERADA”   2 )3

 po ssu ía os dons natura is que perm itir iam transfo rm álos em

“guardiães” .l() Quanto ao resto isto é, par a a esmaga dora maioria

dos humanos Platão parece reconhecer em todas as fases de seu

 pensamento que, sc não for exposta às tentações do poder, es ta par-cela encontrará o melhor guia prático para uma vida satisfatória na

forma de um hedonismo inteligente.11 Mas nos diálogos do período

intermediário, preocupado como ele estava com naturezas e possi-

 bi lidades excepciona is , Platão mostra escasso interesse na psicologiado homem comum.

 Na fase final dc sua obra, entretanto, depois de ter descar tado

os reisfilósofos como um sonho impossível e ter mudado para a nor-

ma de uma Lei como segunda opção ,11 Platão prestou mais atençãoàs motivações da conduta humana comum, e mesmo o filósofo pas-

sa a ser visto como nãoisento do mesmo tipo de influências. Diante

da questão sobre sc algum dc nós se contentaria com uma vida de

sabedoria, compreensão, conhecimento c uma memória complet a de

tudo o que aconteceu durante a história, sem porém ter experimen-

tado prazer o l l dor, grandes ou pequenos, sua resposta no  F ilebou é 

um enfático “não”. Enfim, estamos ancorados na vida do sentimen-

to, que é uma parte de nossa humanidade, e não podemos deixála

de lado nem mesmo lomandonos “espectadores de todo o tempo ede toda a existência”.Ncomo os reisfilósofos. Nas  Leis   ele nos diz

que a única hase concreta para a moral pública é a crença de que a

honestidade compensa; “porque ninguém, sc pudesse, daria seu con-

seil ti men Lo a urna ação que não lhe trouxesse mais alegria do que

tristeza” .15 Com tal afirmação parecemos voltar ao mundo do  Pro-

tagoras,  c dc Jcremy Bentliam. A pusição do legislador não é, noentanto, idêntica à do homem comum, pois este deseja ser feliz, en-

quanto Platão, que está legislando por ele, deseja que ele seja bom.

Platão trabalha portanto para persuadilo de que bondade e felicida-

de caminham jun tas. Qu e isto constitui uma verdade, é ai go que

Platão chega mesmo a acreditar. Mas ainda que não acreditasse, fin-

giria ser verdade, já que seria “a mais salutar mentira jamais

conta da” .1'’ Não e a posição de Platão que mudou; se algo mudou

foi sua cobrança face à capacidade humana. De qualquer modo, nas Leis, a virtude do homem comum não se baseia no conhecimento e

nem na opinião verdadeira enquanto tal, mas no processo dc condi-

cionam ento ou de hábi to17pelo qual ele é induzido a aceitar e agir 

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214 Os GREGOS E O IRRACIONAL

conforme certas crenças “salutares”. Afinal de contas, como alirma

Platão, isto não é tão difícil: pessoas que conseguem acreditar emCádmos e cm dentes do dragão, acreditarão em qualquer coisa.1" Lon-

ge de supor, como seu mestre, que “a vida sem um exame críticonão c vida para o scr hum ano” ,iS Platão parece sustenta r a hipótese

de que a maioria dos homens pode manter uma saúde moral tolerá-

vel simplesmente com uma dieta de “cncantaçõcs” (£Tta>5c a )2(l

cuidadosamente selecionada. O que significa: por meio da edifica-

ção dc mitos e do reforço a ccrias máximas éticas. Podemos dizer

que, em princípio, ele aceita a dico tomía de Burckhardt raciona-

lismo para poucos, magia para muitos. Vimos, entretanto, que seu

racionalismo é precipitado por idéias que pertenceram em um dado

momento à magia; e veremos mais tarde como tais “encaniações*

vieram servir para fins racionais.Dc outro modo também, o crescente reconhecimento da impor-

tância de elementos afetivos por parte de Platão levouo além do

racionalismo do século V a.C. Isto aparece claramente no desenvol-

vim ento de sua teoria sobre o Mal. É verdade que, ao i i nal de sua

vida.21 ele prosseguia repetindo o dito socrático segundo o qual “nin-guém comete erros sc puder evitálos” ; mas há muilo tempo ele havia

deixado de sc contentar com a opinião socrática de que o erro mo-

ral era um desvio dc perspectiva." Quando Platão tomou para si a

visão mágicoreligiosa da  psyche,  ele primeiro incorporou o dualis-

mo puritano que atribu ía todos os pecados e sol ri montos da  psyche  

a uma cons pu reação surgindo do contato com o corpo mortal. No

 Fédon ele transpôs esta doutrina para uma linguagem filosófica, dan-

dolhe uma formulação que se tornaria clássica: .somente quando o

“eu” racional e purgado pela morte ou por autodisciplina “dos delí-

rios do corpo”23 ele pode retornar à sua verdadeira natureza, divina

e sem pecado. A vida do bem é uma prática dc purgação (peXETrç

Gavaxou}. Tanto na antigüidade quanto nos dias de hoje, os leito-

res têm sido levados a ver este aspecto como a ultima palavra de

Platão sobre o lema. Mas Platão era um pensador arguto e realista

demais para se satisfazer por muilo tempo com a teoria exposta no Fédon.  Assim que sc voltou do “eu" oculto para o homem empíri-

co, ele se viu forçado a reconhecei um fator irracional no próprio

interior da mente humana, passando a pensar o mal moral em ter-

mos de condito psicológico (gtcmtiç).24

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P l a t ã o , a  a l m a   i r r a c i o n a l  i; a   “ h e r a n ç a  c o n g l o m e r a d a ” 215

Já é assim na  República   a mesma passagem de Homero, queno  Fédon  havia servido para ilustrar o diálogo da alma com “as pai-xões do corpo”, Iransl'ormase em um diálogo interno entre duas

“partes" da alm a.35 As paixões já não são vistas com o u ma imper-feição de origem externa, mas como urna parte necessária da vidamental, do modo como a vemos hoje, e até mesmo como urna fonte

de energia, como a libido   de Freud que pode ser “canalizada” para

atividades sensuais ou intelectuais.*’ A teoria do conflito interno, vi-

vidamente ilustrada na  República  através do con to de Leoncio,27 seria

formulada de maneira precisa no Sofista,2*onde tais conflitos apare-cem definidos como um desajuste psicológico resultante de “alguma

espécie de contusão”2‘J um tipo de doença da a lma que seria a causada covardia, da in temperança, da injustiça c (ao que parece) do malmoral cm geral, sendo algo distinto da ignorância ou do fracasso in-telectual. Isto difere bastante, tanto da visão racionalista dos

 primeiros diálogos, quanlo do puritanismo do  Fédon,  indo um tanto

mais longe do que ambas as interpretações. Para mim é nisso quereside a contribuição pessoal dc Plalão.w

Contudo, isto não significa que Platão havia abandonado o “cu”

racional transcendente cuja perfeita unidade seria a garantia da imor-talidade. No Timen, onde ele Lenta reformular sua visão anterior sobreo deslino do homem , cm termos que sejam compatíveis com sua psi-cologia c cosmología tardias, encontramos novamente a alma uniláriado  Fédon.  É significativo que Plalão aplique a ela o velho termo re-

l ig ioso que Empédocles havia ut i l izado para o “eu” ocul to — daemon.*'   No Timen  entretanto, esta alma possui uma outra “calca-

da sobre ela” uma alma ou “eu” de “tipo mortal onde subsistem

 paixões terríveis e indispon sã veis” .Jí Teria então a personalidade hu-mana se partido virtualmente em dois? Certamente não 11 ca claro qualo li ame que une ou poderia unir um daemon  indestrutível habitandoa cabeça do homem, ao conjunto de impulsos racionais instaladosem seu peito ou “amarrados como um animal feroz” a seu ventre.

Devemos lembrar da opinião ingênua do persa que, na obra dc Xenofonte, acha óbvio possui r duas almas, pois como afirma, a mesmaalma não poderia ser boa e má ela não poderia desejar ao mesmo

tempo ações nobres e baixas, se dispor c se indispor a executar de-terminadas ações em certos momentos .13

Mas a rachadura que Platão promove 110 homem empírico, en-

t re uma par te demoníaca e ou l ra an imal , não é la lvez tão

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216 Os c í r i o s h o   i rr ac ion a l

inconseqüente quanto possa parecer ao leitor moderno. Ela reflete

uma rachadura semelhante na visão platônica da natureza huma na

o abismo que separa a alma imortal da alma mortal corresponde ao

abismo entre o que o homem poderia ser e o que eie efetivamente é.Aquiio que Platão veio achar da vida humana tai qual ela aparece é

algo que encontramos nas  Leis.  Nessa obra, por duas vezes ele nos

informa que o homem é como uma marionete. Face à questão de

saber sc os deuses o criaram simplesmente como um joguete ou com

algum propósito mais sério, nada podemos dizer. Tudo o que sabe-

mos é que esta criatura vive dependurada em uma corda, e que suas

esperanças, medos, prazeres c dores são solavancos que o fazem dan-

çar para lã e para cá.?4 Em uma passagem ao final, o ateniense

observa que 6   uma pena que tenhamos que levar a sério os negócios

humanos, ressaltando que o homem é um joguete nas mãos dc Deus

c que “isto é o melhor que pode ser dito a seu respeito”. Homens c

mulheres devem tornar este jogo o mais encantador possível, sacri-

ficandose aos deuses com música e dança “deste modo eles

viverão suas vidas de acordo com a natureza, sendo primordialmen-

te marionetes c guardando apenas uma pequena porção de realidade”.“Você está fazendo dc nossa raça humana unia imagem muito me-

dío cre ’1, diz o espartano. E o ateniense sc desculpa: “ Pensei cm Deus

e fui levado a falar desta maneira. Bem. sc você insiste, digamos

que nossa raça não é medíocre, e que vale a pena tomála um pou-

quinho a sério” (gtiotjStiç t i v o ç u^ io v) .”

Platão sugere aqui uma origem religiosa para este modo de pen-

samento, c nós freqüentemente a encontramos cm pensadoresreligiosos dc épocas posteriores, de Marco Aurélio a T.S. Eliot, que

afirma quase com as mesmas palavras que “a natureza humana só é

capa/, de resistir a uma pequena parcela dc realidade”. Isto está dc

acordo com a tendência geral das  Leis   com a visão dc que os ho -

mens são tão incapazes dc administrar a si próprios quanlo um

rebanho de ovelhas,que Deus. e não o homem, é a medida de to-

das as coisas,37 que o homem é propriedade dos deuses (KTT||ja)I!!e

que, sc deseja ser feliz, deve ser lUJteivoc, (“abjelo”) diante de Deus

palavra que todos os escritores pagãos próximos, assim como o próprio Platão, empregam como um termo para indicar desprezo.39

Devemos por acaso desconsiderar tudo isso como uma aberração se-nil, o pessimismo amargo dc um homem velho e irritadiço? Pode

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P l a t ã o , a  a l m a   i r r a c i o n a l  h  a   “ h e r a n ç a  c o n g l o m e r a d a ” 217

 parecer que sim, pois tratase , afinai, de uma visão que contra sta es-

tranhamente com o radiante quadro da natureza divina da alma e do

nosso destino, que Platão pintou em seus diálogos da fase interme-

diária e que certamcnte jamais renegou. Mas podemos tambémlembrar do l'ilósofo da  República  para quem, assim como ocorre paraa grande alma cm Aristóteles, a vida humana não pode ser assimtão importante (|J£y a Tt).4" Podemos ainda lembra r que no  M ênon  a

massa dos homens é comparada às sombras que se movem no  Ha-

des  homérico, e que a concepção dos seres humanos como escravosde deus já aparece no  Fédon.*1Podemos também pensar cm outra

 passagem desta obra, na qual Platão preve com índisfarçável pra-

zer, o lu turo dc seus companhe iros homens: na próxima encarnaçãoeles serão asnos, lobos e no caso dos |ueTptoi (a burguesia respeitá-vel) podem espera r retornar com o abelhas ou formigas.42 Sem dúvidaque isto é, cm parle, uma brincadeira de Plalão, mas tralase dc um

lipo de brincadeira que teria agradado a alguém como Jonathan

Swift, pois implica a conclusão de que todos, exceto o filósofo, es-tão à beira dc se tomar subhumanos —o que é (como viram osantigos pensadores platônicos43) algo difícil de conciliar com a vi-são de que toda alma humana é essencialmente racional.

A luz desta e dc ou Iras passagens, cre io que devemos reco nhe-cer dois esforços ou tendências do pensamento platônico face àquestão do  sta tus  do homem. Há, dc um lado, a fé e o orgulho dian-te da razão humana, herdado do século V a.C,, c para a qual ele

encontraria uma sanção religiosa ao igualála ao “eu” oculto da tra-dição xamaníslica. E há, por oulro lado, o reconhecimento amargodo lado imprestável da humanidade, que lhe foi incutido por sua ex- pe riência própria, cm Atenas e cm Siracusa . Tsto também pod eria

ser expresso em linguagem religiosa como uma negação de todo va-lor atribuído as atividades c interesses deste mundo em comparação

com “as eoisas do Além”. Um psicólogo poderia dizer que a relaçao entre estas duas tendências não era de simples oposição, mas

que a primeira havia se tornado uma compensação ou supercom pensação pela segunda. Em suma, quanto m enos P la tão se

interessava pela humanidade real, mais ele considerava sua alma no- bre . A tensão entre as duas foi resolvida, por certo tempo, no sonhodc um novo “código santificado" —uma elite de homens purifica-

dos que deveriam unir as virtudes incompatíveis do iogue e do

comissário (ulilizando aqui os termos de Arthur Koestler), salvando

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218 Os GREGOS i: O IRRACIONAL

assim não apenas a si mesmos, mas também a própria sociedade.

Mas quando esta ilusão sc desfez o desespero subliminar de Platão

 pass ou a aflo rar mais e mais à superfície, tr anspondose em termos

religiosos, até encontrar sua expressão lógica nas propostas finaisde um a soc iedade “fechada"44 a ser gerida não por uma razão ilu-

minada, mas pelo costume e pela íei religiosa (sob os auspícios de

Deus). O “iogu e”, com sua fé na possibilidade e necessidade dc um a

conversão intelectual, não desapareceu completamen te, mcsino neste

momento, mas certamente sofreu um rccuo ante a figura do “comis-

sário”, cujo problema 6 a liderança do gado humano. Dc acordo com

esta interpretação, o pessimismo das  Leis   não e uma aberração se-nil, mas o fruto da experiência pessoal de Platão, que trazia consigo

a seme nte de seu pensame nto tard io.‘LSÉ exatamente à luz desta avaliação da natureza humana que de -

vemos considerar as propostas finais de Platão para a estabilização

do “conglomerado”. Mas antes dc passar a isto, devo dizer uma pa-

lavra sobre suas opiniões a respeito de outro aspecto da aima irracio-

nal que nos tem interessado ao longo do iivro; a saber, a importância

tradicionalmente atribuída a ela como fonte ou canal de nossa iaculdade intuitiva. Quanto a esta questão, creio que Platão permane-

ceu, ao longo de sua vida, fiel aos princípios dc seu mestre. O

conhecimento como algo distinto da opinião verdadeira permaneceu

 para ele um problema de inte Icelo, as crenças sendo justificadas por

meio do argumento racional. Para as inluiçõcs do vidente e do poe-

ta, Platão consistentemente recusava o rótulo dc conhecimento, não

 por achálas necessariamente desprovidas dc fundamento, mas por-que não era possível apresentar suas basest Portanto, para ele, o

costume grego de conceder a última palavra de assuntos militares

ao comandanteemchefe c não aos videntes que o acompanhavam

em campanha e s l ava co r r e to . Em ge ra l , e r a uma t a r e f a de

0Cü(J)poa\)VT| (“julgamento racional”) distinguir entre o verdadeiro

vidente e o charlatão .47 Do mesmo modo, os p rodutos da intuição

 poética deviam estar suj eitos à censura moral c racional dc um le-

gislador treinado. Tudo isso estava de acordo com o racionalismosocráti co.4* Não obstante, como notamos.4* Sócrates havia levado a

intuição irracional bastante a sério, fosse ela expressa em sonhos,

 pela voz interna de um daemonium,  ou pela Pitia. Platão dá grandes

mostras dc levála a sério também. Ele sc permite, porém, falar com

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P l a t ã o , a   a l m a   i r r a c i o n a l  k  a   “ h e r a n ç a  c o n g l o m e r a d a ” 219

um desprezo ligeiramente velado das pscudoeiências de profecia edc hepaloscopia*.5" Ma s “a loucura que cliega por dom d ivino” , que

inspira o profeta e o poeta ou que purga os homens nos ritos

corihánticos, como vimos num dos capítulos anteriores, é tratadocomo se fosse uma intrusão verdadeira do sobrenatural na vida hu-mana.

Quão literalmente (au pied de la lettre) Platão pretendía tomar

este modo de falar? Ultimamente a questão tem sido colocada com

freqüência, sendo respondida de modo variado;51 mas nenhuma una-

nimidade foi atingida e nem provavelmente será. Eu me inclinaria adizer três coisas a respeito:

a) que Platão percebia o q ue ele tomava por uma analo gia real

e significativa entre mediunidade, criação poética e manifestações

 pa tológicas dc consciência religiosa, sob a aparência de algo “con-cedido”53 extra   [do exterior];

 b) que as explicações religiosas tradicionais para es tes fenô-

menos eram aceitas por ele, como aliás muitas outras coisas dentro

do “conglo merado” , de modo provisório não porque ele as achas-

se adequadas, mas porque não havia outra linguagem disponível paraexpressar esta miste riosa “doação” (“conce ssão”);51

c) que mesmo aceitando o poeta, o profeta e o “coribântico”

(pouco importando suas reservas irônicas) com o canais de g raça5"1divina ou “demoníaca”,55 ele estimava su as atividades bem abaixo

do “eu” racional,M sustentando que elas deveriam estar sujeitas aocontrole e à crítica da razão, pois, do seu ponto dc vista, a razão

não era um mero joguete dc forças recônditas, mas uma ativa man i-

festação da divindade no homem, um daemon  por direito. Suspeito,aliás, que sc Platão tivesse vivido nos dias de hoje, ele mostraria um

 profundo interesse pela nova psicologia sobre a morte, porém ¡Ica-

ria apavorado com a tendência a reduzir a razão humana a um

instrumento de racionalização dc nossos impulsos inconscientes.

Muito do que acabo de dizer se apiica também ao quarto tipo

dc “loucura divina” mencionado por Platão, a loucura de Eros. Tra

tasc aqui novamente dc um “dado” (“concedido”), algo que acontececom o homem sem que ele o tenha escolhido ou saiba por que

* Exum e dü alma através do fígado (N. da T.).

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2 2 0 Os G R E G O S E O I R R A C IO N A L

lraiase, poríanlo, da obra de um formidável daem on .51  Aqui, mais

uma vez e sobretudo aqui5* Plalão reconhece a operação da gra-

ça divina, e utiliza a velha li nguagem religiosa59 para expressa r este

reconhecimento. Mas Eros lem uma importância especial no pensa-mento de Platão, por traduzir um modo dc experiência que traz

consigo as duas naturezas do homem a do “cu ” divino e a do ani-

mal aprisionado® porque Eros eslá sinceramente enraizado naquilo

que o homem compart ilha com os outros animais:61 o impulso fisio-

lógico do sexo (lato que é,  infel izmente, obscurecido pela má

utilização moderna do termo “amor platônico”). Todavia, Eros Lam-

 bém fornece o impulso di nâmico que encaminha a alma na busca

de uma salisfação que transcenda a experiência terrena. Assim, ele

atravessa lodo o cscopo da personalidade humana, fazendo a jun-

ção empírica entre o homem tal qual ele é e o homem LaI qual poderia

ser. Plalão chega aqui, de fato, bem próximo dos conceitos freudia-

nos de libido   e de sublimação. Mas ao que me parece, ele jamais

inlcgrou completamente csia linha de pensamento ao resto de sua

filosofia. Sc o livesse feito, a noção de intelecto como enlidade auio

suficicnlc c independenlc do corpo poderia 1er sido posia cm perigo,c Plalão não iria arriscar uma coisa dessas.

Voltome agora para as proposias platônicas de reforma e es-

tabilização do “conglomerado” / ’1 Elas são expostas em sua ultima

obra, as  Leis, e podem ser resumidas brevemente dascguin lc maneira:

1 ) Plalão eslaria procurando fundar a fé religiosa logicamente,

com base em cerlas proposições que deveriam  ser provadas.

2 ) Ele fundaria a lé legalmente, incorporando as proposiçõesa um código legal inallcrávcl e impondo penas a qualquer pessoa

que propagasse descrença com relação a elas.

3 ) Ele fundaria a fc em lermos educacionais, lomando as pro-

 posições lema obrig atório dc inst rução para Iodas as cr ianças.

4 ) Ele fundaria a le socialmente, promovendo uma união ínti-

ma entre a vida relig iosa e civil cm Iodos os seus níveis cm ouiros

lermos, por meio dc uma união entre a Igreja c o Estado.

Podemos dizer que muitas destas propostas foram Iraçadas sim- plesmente com o inluilo dc fortalecer c generalizar uma prãlica

ateniense já existente. Mas quando as tomamos em conjunto, vemos

qtie elas representam a primeira leniativa de lidar, de forma siste-

mática, com o problema do controle da crença religiosa. O problema

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P l a t ã o , a  a i .m a   i r r a c i o n a l  e  a   “ h e r a n ç a  c o n g l o m e r a d a ”   221

em si mesmo era novo: em épocas de fe, ninguém pensa em provar

a existencia dos deuses ou em inventar técnicas para induzir a cren-

ça neles. Alguns dos métodos propostos eram aparentemente novos

ninguém antes de Platão parece terse dado conta da importânciado treinamento religioso dos primordios como meio de condiciona

memo do futuro adulto. Além disso, quando olhamos as propostas

mais dc perto, fica evidente que Platão estava tentando não apenas

estabilizar o “conglomerado”, mas também rcformáIo, não somen-

te escorar a estrutura tradicional, mas também descartar muito do

que cia possuía e que estivesse em claro estado de decomposição,

 para substituir por algo mais durável.

Basicamente as proposições de Platão eram:a) Que os deuses existem;

 b) que eles se preocupam com o destino da humanidade;

c) que eles não podem ser adulados;

Os argumentos através dos quais ele procurou provar estas

afirmações não nos interessam aqui eles pertencem à história da

teologia. Mas vale ressaltar alguns dos pontos sobre os quais ele se

viu obrigado a romper com a tradição, c outros diante dos quais ele

 prefer iu es tabelecer um meio termo.

Em primeiro lugar, quem eram os deuses cuja existência Pla-tão procurou provar e cuja adoração ele procurou reforçar? A

resposta a esta questão não é livre dc ambigüidades. No que con-

cerne à adoração aos deuses, uma passagem das  Leis   IV Ibrnece uma

lista completamente tradicional de deuses do Olimpo, da cidade, do

submundo, de daemons  locais e de herói s.M São as figuras co nven-

cionais do público culto, deuses que, como Plalão coloca cm outra passagem das [¿eis,  “existem em função do uso cos tum eiro"/ ’5 Mas

são estes os deuses cuja existência Platão acreditava poder provar?

Temos base para duvidar disso. No Crátilo, por exemplo, ele faz Só-

crates dizer que não sabemos nada sobre estes deuses, nem sequer

seus nomes verdadeiros, e no  Fedro,  que imaginamos   um deus

(jtXam>|J.h'v) sem termos visto ou formado uma idéia adequada dc

como ele e.** Em ambas as passagens a referência é feita aos deuses

mitológicos. A implicação parcce ser a de que o culto a tais deuses

não possui nenhuma base racional, empírica ou metafísica. Seu ní-

vel de validade é, no melhor dos casos, da mesma ordem daqueleque Platão confere às intuíções do poeta ou do vidente.

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2 2 2 O S G RUG OS R O IRRAC IONA L

Assumo que o deus supremo, no que tange a fé pessoal de Pla-

tão, era um ser de natureza bem diferente. Tratavasc dc alguém que

(segundo as palavras do Timen)  “é difícil encontrar e impossível de

desc rever para as massas” /’7 E possível p resumir que Platão sentiaqtie um tal deus não poderia ser introduzido no “conglomerado” sem

causarlhe a destruição; dc qualquer maneira ele se absteve de qual-

quer tentativa nesse sentido. Mas havia um tipo de deus que iodos

 podiam ver; um deus cuja divindade podia ser reconhecida pelas

massas** e sobre o qual os 1'iiósol'os podiam, na opinião de Platão,

lazer afirmações logicamente válidas. Estes “deuses visíveis” eram

corpos celestiais ou, de modo mais exato, mentes divinas através

das quais os corpos eram an imados ou con trotados.119 A grande no-

vidade no projeto de Platão para uma reforma religiosa foi a ênfase

dada, não apenas ao caráter divino do sol, da lua e das eslrelas (pois

isso não era nada novo), mas ao culto a estes astros. Nas  Leis,   não

apenas as estrelas são descritas como “deuses do ccus” e o sol e a

lua como “grandes deuses”, mas Platão insiste que oração c sacrifí-

cio deverão ser feitos a todos eles.711O ponlo focal dc sua nova Igreja

de Estado deve ser um culto conjunto a Apoio e ao deus solar Hélios, ao qual o alto sacerdote oslará vinculado e os mais altos oficiais

da política serão solenemen te devotados.71 Este culto conjunto em

lugar do culto esperado a Zeus expressa a união do velho e do

novo: Apoio valendo pelo tradicionalismo das massas, c Helios pela

nova “ religião natural” dos filósofos.72 Traiase da últ ima tentativa

desesperada da parle de Platão, de construir uma ponte entre os in

lelccluais e o povo, salvando, assim, a unidade da crença e da culturagregas.

Uma mistura semelhante, de necessidade de reforma com um

meio termo não menos necessário, pode ser observada no modo como

Platão opera com as demais proposições fundamentais que ele apre-

senta. Ao lidar com o prob lema tradicional da jus tiç a divina, ele

terminantemente ignora, não apenas a velha crença em deuses “ciu-

m en to s” ,73 mas tam bém (com certas ex ceç ões c on ced idas à lei

religiosa)™ a velha idéia de que o homem perverso é punido na fi-gura de seus descendentes. Que o agente da ação sofre em sua própria pessoa é algo que Platão vê como uma lei demonslrãvel do

cosmos, a ser ensinada como um artigo de fé. O funcionamento de-

talhado desta lei não c,  no enlanlo, passível de demonst ração ele

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P l a t ã o , a   a i .m a   i r r a c i o n a l  k a   “ h e r a n ç a  c o n g l o m e r a d a ” 223

 pertence ao "mito” ou à “encarn ação”.75 Sua crença finai quanto a

esta questão é apresentada numa passagem impressionante das  Leis  Xr7f’ a lei da justiça cósmic a é uma lei de grav itação espiri tual; nesta

vida c na série completa de outras vidas as almas gravitam natural-mente para a companhia das almas de mesmo tipo, e é nisso que

reside seu castigo ou recompensa. Como se sugere, o Hades não é

um lugar mas um estado menta l,77 e a isto Platão ac rescenta uma

outra advertência uma advertência que marca a transição da pers-

 pectiva clássica para a helenística ; se um homem exigir felicidade

 pessoal da vida, deixemolo lembrar que o cosmos não existe para

ele, mas para si própr io.78 Tudo isso estava porém, como Platão bem

sabia, acima da mentalidade do homem comum. Aliás, se o com- preendo corretamente, ele não propunha tornar nada disso parteobrigatória do credo oficial.

Por outro lado, a terceira proposição dc Platão que os deu-

ses não podem ser adulados implicava um a interferência mais

drástica na crença e na prática tradicionais. Ela envolvia uma rejei-

ção da interpretação com um do sacrifício como expressão de gratidão por favores futuros (“do ut des” [conceder a]), uma visão que ele

havia estigmatizado muito antes no  Eutifron,  como sendo a apli-

cação de uma técnica comercial (ejareopi k t| tt ç r e ^ v r |)w à religião.

Mas parece óbvio que a grande ênfase dada a este ponto, na  Repú-

blica   c nas  Leis ,  não se deve simplesmente a considerações de

natureza teorética; ele também está atacando certas práticas bastan-

te difundidas que, a seus olhos, constituem uma ameaça à moralidade

 publ ica. Os “viajantes sacerdotes e ad ivinhos” , juntamente com os

 provedores do ritual catár tico que são denunciados em uma passa-gem bastante discutida da  República   II, e nas  Leis,**3 não são, na

minha opinião, meramente charlatães menores que em todas as so-

ciedades pilham ignorantes e supersticiosos, porque nos dois textos

dizse que eles con fundem cidadcs inteiras*11 uma façanha que char-

latães menores raramente realizam. O escopo da crítica de Platão é,

a meu ver, mais amplo do que alguns estudiosos estão dispostos a

admitir: creio que ele está atacando toda a tradição de purificaçãoritual, enquanto ela permanecer nas mãos privadas, de pessoas “semlicença” .82

Isto não significa que Platão tenha proposto abolir a purifica-

ção ritual por completo. Para ele a única catarse verdadeiramente

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224 O s GREGOS E O IRRACIONAL

eficaz era, sem dúvida, a prática dc retiro c c one en ir ação mentais

que aparece descrita no  Fédan:**  o filósofo treinado podia limpar

sua alma sem a ajuda ritual, mas o homem comum não podia. A fc

na catarse ritual era por demais enraizada na mentalidade popular para Platão propor sua completa eliminação. Ele sentia, entretanto,

a necessidade de algo como uma Igreja, com seu cânone de rituais

autorizados, para que a religião não saísse dos trilhos e se tornasse

um perigo para a moralidade pública. No campo da religião, como

no da moral, o grande inimigo contra o qual era preciso lutar era o

individualismo de antinomias, e ele contava com Dclfos para orga-

nizar sua defesa. Não devemos todavia supor que Platão acreditava

na Pília como fonte dc inspiração verbal. Minha hipótese seria de

que sua atitude com relação a Del ios era mais próx ima da alilude

moderna do “católico político” face ao Vaticano: ele via cm Dclfos

uma grande força conservadora que poderia ser aproveitada nas ta-

refas de estabilização da tradição religiosa grega c de controle tanlo

na difusão do materialismo quanto no crescimento de tendências

aberrantes da própria tradição. Daí sua insistência, tanto na  Repú-

blica   quanlo nas  Leis,   de que a autoridade de Delfos deveria serabsoluta em todas as questões religiosas.*4 Daí também a escolha de

Apolo para dividir com Helios a posição suprema na hierarquia dos

cultos dc Estado: enquanto Helios fornece uma forma relativamente

raciona! dc adoração a algumas poucas pessoas, Apoio passa a dis-

 pensar aos muito s que o exigem, cm doses regulares c inofensivas,

a magia ritual arcaica.*5

As  Leis   fornece muitos exemplos destas magias legalizadas,

sendo que alguns deles são espantosamente primitivos. Assim temos

o caso de um animal ou objeto inanimado que causou a morte de

um homem, devendo ser julga do, condenado e banido além das fron-

teiras do Estado por carregar um “m iasm a” ou uma “consp urcação”.**

 Nesla c em muitas outras questões Platão segue a prática ateniense

e a autoridade deifica. Não é necessário supor que ele próprio tenha

dado algum valor u procedimentos dcslc tipo; eles eram o preço a

 pagar por util izar a tradiç ão de Delfos e mante r a supersti ção den-tro dc certos limites.

Resta algo a dizer sobre as sanções, por meio das quais Platão

 propõe reforçar a aceitação de sua versão reformada da crença tra-dicional. Os que a ofenderem, em discurso ou por ato, devem ser 

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P la tã o , a auvia l r r ac ion a i r   a “ hkkança conc i ,omf,r ad a’ 2 2 5

denunciados aos tribunais, e se forem julgados culpados devem ser

condenados a não menos do que cinco anos de co nfinamento em um

reformatorio, onde serão sujeitos à intensiva propaganda religiosa,

sen dolhes negado qualquer outro tipo dc relação. Se isto falhar, elesserão condenados à morte.**7 Platão deseja de fato reavivar os pro-

cessos de heresia do século V a.C. (ele deixa claro que condenaria

Anaxágoras a não ser que ele corrigisse suas opiniões).1® A única

coisa nova aí é o tratamento psicológico proposto para o condena-

do. Na verdade, pod e parecer estranho c¡uc o destino de Sócrates não

tenha servido como advertência para o perigo inerente a tais medi-

das. Mas ap aren tem ente , P la tão sen t ia que a l ibe rdade de

 pensamento em questões religiosas envolvia uma ameaça tão graveà sociedade que as medidas tinham que ser tomadas. “Heresia” c lal-

vez uma palavra enganosa para ser empregada neste contexto. O

Estado teocrático proposto por Platão cm certos aspectos, realmen-

te antecipa a teocracia medieval. Mas a Inquisição da Idade Média

estava sobretudo preocupada que menos pessoas sofressem cm ou-

tra vida por defender opiniões falsas. De um modo ou de outro, ela

estava abertamente tentando salvar almas à custa do corpo. A preo-cupação dc Platão era algo diferente des la. Ele estava tentando salvar

a sociedade da contaminação com pensamentos perigosos, que na

sua opinião estavam visivelmente destruindo os princípios da con-

duta social.*"1Ele se vê então obrigado a proibir, como an lisocial,

qualquer ensinamento que enfraqueça a convicção de que a hones-

tidade é a melhor política. Os motivos por detrás desta legislação

são, portanto, práticos c seculares. Quanto a isto, a comparação his-

tórica mais próxima não é a Inquisição, mas os processos de“intelectuais subversivos” que se tornaram tão comuns para a nossageração.

Em suma, estas foram as propostas feitas por Platão com o

intuito dc rclbrmar o “conglomerado”. Elas não foram levadas a cabo

e, portanto, o “conglomerado” não foi reformado. Mas espero que

o próximo e úl t imo capí tu lo mostre porque achei importante

descrevê las .

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2 2 6 Os ÜRIÏUOS H O IRRAC IONAL

 N o t a s   d o   c a p í t u l o   V I I

1. D od ds, “Plato and the Irrational’',  JUS   65 (1945), 16 sg. A monografia  

foi escrita antes que esie livro Livesse sido planejado; ela não aborda  alguns dos problemas que (rato aquí, e, por oulro lado, lida com alguns  

aspectos do racionalismo e do irracionalismo platónicos que escapam  

do estopo dcsta obra,

2. Plalão n asceu no ano da morte de Péricles, ou no ano segu inte , e mor

reu em 347 a.C. - um ano antes da paz de Fil ocrâtes e no ve an os antes 

da batalha de Queroneia.

3. Cf, cap. VI, notas 31 -33.

4. Xcnofonle,  Mem.  4.3.14; Platão,  A polog ia de Sócrates,   30AB,  Laques,  185 E.

5. G orgia s,   493AC. A visão de Frank sobre o que está sugerido nesta pas

sagem (Pialan n. die sag. Pythagaivcr,   291 sg.) parece-me mais correta 

no principal, embora eu questione ecrtos detalhes. Platão distingue, como  

4 9 3 B 7 mostra: a) n ç ]au0oA.oy(ûv K on yo ç avr]p, la w ç SiictAoç n ç 11

ItoíAakoç, li lit trecho que tom o com o pertencendo ao autor a nôn imo de  

uma antiga viagem ao submundo (não necessariamente “órfico") corrente  

na parte oesle da Grécia e que pode ter estado de algum modo cunhado  no estilo do poema cUado nas placas de ouro; b) o informante de Só

crates, ii ç k ú v GOíjiwv, que viu no velho poem a um sentid o alegó rico  

(muilo como Teagenes de Régio havia alegorizado Homero). Suponlio  

que este oüfjioç seja pitagórico, uma vez que tais fórmulas são regular

mente utilizadas por Platão ao colocar idéias pitagóricas na boca de  

Sóc rates : 5 0 7 B, <fio.oi 5 ’o t aoifioL sohre a ordem moral do mun do (cf. 

Thompson, ad loc.y, Mènon.   HIA, «Kr|K'oa avòpoiv te kxjü ywaiKd)V  

(JO(fi(i)V sobre a trails migração;  República,   5 8 3 B , Sok íú f.J.01  tüjv aoipaiv Tifjoç cíKqK’OEvai. sobre prazeres físicos ilusórios (cf. Adam, ad Inc.). 

Além disso, a visão de que os mitos do submundo são uma alegoria desla  

vida aparece em Empédocles (cf. capítulo V, supra,   nota 114), e no pi

tagorismo tardio (Macrobio, in Sonin. Scip.   1 .10 .7-17) . Não posso  

concordar com Linforth ("Soul and Sieve in Plato’s Gorgias", Univ. 

Calif. Pttbl. C la ss Plu loi.  12 [ 1944], 17 sg .) de que “o con junto do que 

Sócrates professa ter ouvido dc outros... era de autoria do próprio Pla

lão’’: se fo sse o caso , ele difícilm en te teria feilo S ócra tes descreve r isto como ertteiKtoç uno ti oaoTtot (493C) ou eliamá-lo de um produio de  

cena escola (yuj.ivútcnou, 493D).

ó. Fédon, (i7C,  cf. 80E. 83AC. Para a significado do lermo logas   (“don- 

trina religiosa") cf. 63C, 70C,  Epist.  Vil 335A etc. Interpretando assim  

a velha (radição sobre a importância de estados de dissociação, Platão

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l ’ i . ATÂO , A ALMA IRRACIONAL B A "HERANÇA CONGLOMERADA" 227

estava, sein diívida, influenciado pela prática .socrática de reliro mental  

prolongado, como descrita 110  B anquete ,   174D I75C c 220CD, e (pare

ce) parodiada nas  N u v e n s :   c f . Fes lug icrc , Co mte n ip la t i o n e t v i e  

con templa t ive chez Pa t on , 69 Sg,

7. Cf. cap . V,  supra ,   nola 107.

H. Proclus, in Rentp.  II. 113.22, cila como precedentes Aristeas, Hermóli-  

mo (assim Rohdc com relação a Hermodoro) e Epimcnides.

9. Sob re com o o xamã s iber iano sc lorna um Üõr após a m orie  

(Sieroszewski,  Rev. cie !' histoire des rei.  46 [1902], 228 sg,), assim os  

homens da “linhagem dc ouro” dc Platão receberão cullo  postm or tem  

não apenas com o heróis - o que estaria dentro do espectro do co si ume 

contem poráneo - mas (stijeilo à aprovação deifica) com o Scu^ioveç (Re-

 pública,   46 8E -46 9B ). Na verdade, tais homens já podem ser chamados Sco.p.ov£ç durante sua vida (Crátilo,   398C). Em ambas as passagens, Pla

lão apela para o precedente da “raça dc ouro" de Hesíodo (Erga,   122  

sg. ). Mas ele está qu ase certam cnlc influe nciad o também por algo m e

nos remotamente milico, a saber as tradições pitagóricas que concediam  

 s ta tus   especial ao Oëioç ou ùatuoviuç «vr|p (capítulo V,  supra ,   nola 

61 ). Os pitagóricos, como os xamãs siberianos de hoje, linham um ri

tual fúnebre especial próprio que lhes assegurava (iodccxpiaiov rat  

OiKEiov xeXoç (Plu¡arco,  ge n.  Soci :  16; 585E, cf. Boyancé, Cuite des  

 Muses,   133 sg.; Niorad'/.e, Schainanisntus.  103 sg.) e que pode 1er for

necido o modelo para as regulações pouco costumeiras c elaboradas  

deixadas lias  Leis   para os funerais de EU0UVOI (947BE; cf. Ü. Reverdi 11, 

 La Rel ig ion de la c ité p la ton ic ienne,   125 sg.). Sobre a queslão polémi

ca em torno de saber se Plalão, ele próprio, teria recebido honras divinas  

(ou demoníacas) após a morie, ver Wilamowitz,  Aris tó te les u. A li ten  11. 

413 sg.; Boyancé, op. cil., 250 sg.; Reverdin, op, cit., 139 sg.; e contra  

estas op iniões, Jaeger,  Aristotle ,   108 sg.; Festugíère,  Le Dieu cosmique,  

219 sg.) . “10.  Repúbl ica ,   42KE-429A. Cf.  Fédon,   69C.

11. Fédon,   82A B ; República,   500D; c as passagens citadas abaixo do File-  

ho   c das  Lei s.

12.  Polit ico,   297DEe, 30IDE; c l .  Lei s,   739DE.

13.  Filebo,   2 1DE,

14.  República , 486A.

15 .L e i s ,   663 B, cf. 7 33 A.

16. I b i d . , 663D.

1 7 . I b i d . , 6 5 3 1 3 .

18. Ibid., 664A,

19.  Apo log ia de Sócrates ,  38 A. O pro fesso r Hack forth, CR 59  ( 1945), I sg., 

procurou 110s con veneer de que Platão perm aneceu leal a esta máxim a

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228 Os GREGOS E O IRRACIONAL

ao longo de sua vida. Mas embora ele lenba dado apoio insincero a ela,  

ao final de sua obra, como no  So fi sta  (230CE), não vejo escapatoria para 

a conclusão de que a política educacional da  R epúb lica , e ainda mais 

claramente a das  L eis ,  é na realidade baseada em diferentes considera

ções. Platão nunca pôde confessar para si mesmo que havia abandonado  

qualquer princípio socrático, mas isto nao o impedia de fazê-lo, A “te

rapia m entar ’ de Sócrates certamente im plica respeito pela mente humana 

como tal; as técnicas de sugestão e outros controles recomendados ñas 

 Leis   parcccm implicar o oposto disto.

20. Nas  L e i s , £twûSï| e sens cognates são continuamente usados neste sen

tido metafórico (659E, 6648, 665C, 6 6 6C, 670E, 773D, 8I2C, 903B. 

944B), Cf. o uso pejorativo da palavra em Cálidos, Górgias,   4X4A. Sua 

aplicação no Cánnides  ( 157AC) e significativamente diferente: ali ocorre 

que o “encantamento” se torna nma réplica socrática. Mas em Fédon, 

onde o mito é urna otü)8r[ (114D, cf. 77E-78A) da qual tivemos uma 

noção nas  Lei .i .   Cf. a discussão interessante de Boy aneé, C ti lie de s  

 Muses.   155 sg.

21. Timen.  8 6 DE;  Leis,   731C. KfiOD.

22. Cf. cap. VI, sitpra.

2 3. Fé d o n , 6 1 A .   icocOrapot oiTCfxXÀaTTupevüi tt iç t o u c ííú p a io ç  

on|)pocTUVtiç. Cf. 6 6 C: to awi-ux Kai «i to u to m eniH ujj iat , 94E: otyt',a0Ht u jio Tcov t o v axon a t o ç m ttt'if.ia iow , Crát.  4I4A : m 0 u p a  

m vT to v Tdiv TCf.pi to awj.ux kockcov k « i £7n 0 vj.iuuv. No Fédon,   como  

Festugiere afirmou ultimamente, "o eorpo é o mal, c é todo o mal” (Rev. 

de Phil. 22   [ I9 4 8 |, 101). A qui, o ensin am ento de P lalão e a principal 

ligação entre a tradição “xamaníslica" grega e o gnosticismo.

24. Para uma análise mais completa da alma imitaría e tripartida em Plalão,  

ver G.M.A. Grube.  P l a t o s Tho ught.   129-149, onde a importância do 

conceito de s tas is   “uma das coisas mais incrivelmente modernas da filosof ia de Plalão” é corretamcnic ressaltada, À parte os motivos  

apresentados no texto, a extensão da noção de  psyche  para englobar toda 

a atividade humana está, sem dúvida, conectada à visão final de Plalão  

segundo a qual  psyc he   é a lome de todo movimento, bom ou ruim (cf.  

Time n,  89E: T piO L i p i % r i ç ev i]piv etSii K O ttm ia cT O í i , i i i y x a v E i

5e E K a o T o v icivriaeiç e ^ o v .  Leis.   89 6 D: t w v   t e   0:7a 0ú)v a r a a v et v a i  

H'U X11V KC(l tcov   k c í k x ü v ) , Sohre a atribuição dc uma alma secundária, 

irracional c potencialmente má, nas  Lei s  (896E) ver Wilamowitz,  Platon,  

il 31S sg., e a milito completa c justa discussão desta passagem por Si

mone Pétrement ,  Le d u a l i s m e ch e z P la to n , le s g n o s t i q u e s e t l e s  

manichéens   (1947), 64 sg. Apresemei minha visao de maneira breve em  

 J U S   65 (1945) , 2 1 .

25. Fédon , 94DE;  R epública ,   4 4 I B C

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1'l.ATÃO,  a   A LM A I RRA C ION A L E A “ HK RA N Ç A C ON G LO M ERA DA ’   229

2(>. Ibid.. 485D: w oîtep pEVH« e m c e aTUúxSTrupevov. Grube, loc. cit., 

chamou a atenção para o significado desta passagem, e dc outras na  R e -

 pública ,   como sugerindo que “o objetivo não é reprimir, mas sublimar”. 

Mas os pressupostos de Plalão são, c claro, muito diferentes dos de 

Freud, como Cornford observou em seu ótimo cnsaio sobre o Eros pla

tónico ( The Unwri t ten Phi losophy,   78 sg.).

27. [hid., 439E. Cf. 351E-352A, 554D, 486E, 603D.

28. Sofista,   227D-228E. Cf. tambcm  Fedi o , 237D-238B;  Le is , 863A- 864B.

2 9 . e t c T i v o ç õ t c « | > 6 o p c ( ç 5 ia < | > o p o : v . A s s i m e m B u r n e t a p a r t i r d a t r a d i ç ã o

i n d i r e l a c o m b a s e e m G a l e n o .

30. As primeiras sugestões de uma abordagem desta visão das coisas po

dem ser detectadas em Górgias   (482BC, 493A). Mas não posso acreditar  

que Sócrates ou Platão assumam a posição de Pitãgoras como algo pronto e acabado, como ííunicl e Taylor supõem. A alma unitária do  Fédon  

vein (com um significado algo alterado) da tradição pitagórica; a prova  

de que a alma Iripanida vem dcsla mesma tradição é tardia c IVaca. Cf, 

Jaeger .  N e m e s i a s v on F in e sa ,   63 sg . ; F ie ld ,  P l a t o a n d h i s  

Contemporar ies ,   183 Sg.; Gmhc, op. cil., 133. O reconhecimento dc um  

elemento irracional na alma por parle de Platão foi visto na escola pe

ripatética mareando um avanço impórtame face ao intclcclualismo de  

Sócrates (Magna Moral ia ,   1,1. 1182a 15 sg .); e suas visõ es sobre o Irei- namenio da alma irracional , que reagirão apenas a um £ 0 ia(,io<; 

irracional, l’oram posteriorme nte inv oc ad os por Posidón io em saa p olé

mica contra o inleleclualista Crisipo (Galeno, de placi t ix Hippocrctus  

et Pía ¡ónix,  p. 46 6 sg . K tilín, cf. 42 4 sg ). C f. capítulo V il], infra.

31. Timen.   90A; Cráti lo,   398C. Platão não explica as implicações do ter

mo; sobre o sen provável sentido, ver L. Robin,  La théorie p la to n ic ien , 

107 sg. A alma irracional, sendo mortal, não é liiii ñatpwv; mas as  Leis'  

parecem indicar que o S<?.i|i(ov “paradisíaco” Ictn urna contrapartida de

moníaca malévola na “natureza titánica” que e uma raiz hereditaria da 

fraqueza humana (701C, 854B; cf. capítulo V,  supra ,   notas 132, 133).

32. Timen,   69C. No  P o lí t ico , 309C, Platão já havia se referido aos dois ele-  

m em os no hom cm com o t o a e iY E v e ç o v x n ç V ’W K M £ P°ç e t o

Ç w /e v eç , que sugere que a última delas c mortal. Mas ali elas são “par

tes” da mesma alma. No Timeu   cias são apresenladas usualmente como  

“tipos” distinios de almas, tem origens diferentes, e os “tipos” inferio

res são mantidos afasiados do elemento divino para que não poluam-no  

“além do mínimo inevitável” (69D). Sc formos interpretar esla linguagem literalmente, a unidade da personalidade é virtualmente abandonada.  

Cf., entretanto.  L e i s , 863B, onde a questão se Bupoç é um 71O.0OÇ ou  

um pepoç da alma c deixada em aberto, c Timen.   91E onde o (ermo {J.epT| 

é utilizado.

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230 O S GRBGOS G O IRRACIONAL

33. Xenofonte, Ciropédia,   6.1.41. O persa imaginario de Xcnofonte é, sem  

dúvida, um dualista “mazdeano”. Mas não é necessário supor que a psi

cologia do Timen   (segundo a qual a alma irracional é concebida como  

capa/, de ser educada, c portanio não depravada de modo incurável) é  

tomada emprestada de fontes "mazdeanas”. Ela possui antecedentes gre

gos na doutrina arcaica do Scttpwv interno (capíLulo II, supra),  e na 

distin ção de E m péd ocles entre SmfHúV e (cap itulo V, supra);   e a 

adoção que Plalão faz disto pode ser explicada em termos do desenvol

vimento de seu próprio pensamento. Sobre a questão geral da influencia  

oriental no pensamento tardio de Platão eu disse algo em  JH S   65 (1945). 

Desde então, o problema tem sido amplamente discutido por Jula 

Kerschensteiner,  P lato u. d. Orient   (Diss. Münclien, 1945); por Simo

ne Pétrement,  Le d u a l ism e c he z P laton;   e por Festugière cm uma  importante monografia, “Platon et l’Orient”,  Rev. de Phil .  21 (1947), 5 

sg. Até onde se trata de sugerir uma origem "mazdeana” para o dualis

mo platônico, us conclusões dos tres autores são negativas.

34.  Leis,   644DE. O germe dcsta idéia já pode ser visto no Son,  por onde

sabem os que Deus age sobre as paixões at ravés dos poetas " insp i rados ' ’,

eA,kei ti ]v x|/\)X'lv « v |iouA.iitoei k o v avOp witco v (536 A), ape sar

de a imagem ali encontrada sei a de um ímã. Cf. lambém  Leis.   903D,

onde Deus é “jogador” {TtETTeuTriç) e os homens suas peças.35. Ibid. , 803B804B.

36. Ibid. , 7I3CD.

37. Ibid., 7I6C,

38. Ibid.. 902B, 906A; cf'. Críl ias.   109H.

39. Ibid. , 716A. Sobr e as impl icações de i rercEtvoç cf . , por exem plo, 774C ,

So uXêicí  TOTtEtvi] Kat av£À£\)0epoç. Ser tockeivoç com relação aos deu-

ses era , para Plularco, um indício de superst ição (non posse xuavi ter ,  

1101E), como também para Máximo dc Tiro (14. 7 Hob.) c provavel -

mente para a maioria dos gregos.

40. Ibid., 486A; el, Teeteto.   I73C-E, Aristóleles,  Etica a Nicôm aco,   1123h32.

 A \ .M ê n u n ,   100A;  F édon ,   62B.

42. Ibid., 8 IE 82B.

4 3 . P l o t m o ,  E n c a d a s ,   6.7.6; p£Taà,CC(ÎO\)or|Ç 5 e   0 r | p £ l O V a í ü p a

0ceüp(xÇ£Tai jküç, Xoyoç o u a a ccvQptimou. Cf. ibid., 1.11; Ale x, Aí'rod.

de anima,   p, 27 Br. (Supl. Arísl. 11.1); Porfirio a p u d    Santo Agost inho,

 A C idade de D eus,   10.30; lâmblico a p u d    Nem es; natura horn.  2 (P C  

40, 584A); Procl t i s in Tim.  HI, 294, 22 sg. A noção de reencarnaçãoem animais foi de falo t ransferida do "cu” ocul to do pi tagorismo para a

 p sv eh e   racional a qual ela não correspondia; cf. Rostagni . ¡I verbo di  

 P itagora ,   118.

44.  Leis,   942AB; “O principal é que ninguém, homem ou mulher , possa es

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P l a t ã o , a   a l m a   i r r a c i o n a l   h   a   “ h e r a n ç a   c o n g l o m e r a d a ” 2 3 1

tar alguma vez sem um superintendente e que ninguém tenha o hábito  

mental de tomar uma decisão, a sério ou de brincadeira, que seja da sua  

responsabilidade exclusiva: na paz como na guerra, deve-se viver com  

os olhos postos no oficial superior, seguindo suas ordens e deixando-se  guiar por ele ñas menores ações [...] em unía única palavra, devemos 

treinar o espirito para nem saber considerar a possibilidade de uma ação  

individual.”

45. Sobre desenvolvimentos tardios do tema da pouca importância de xa  

avGpCûiuva, ver Festugière,  E ranos   44 (1946), 376 sg. Sobre os ho

mens como marionetes, cf. M. Ant. 7.3 e Plotino,  E n é a d a s ,   3.2 .15  

(1.244.26 Volk.).

46.  A po log ia de S ó cra tes , 22C para os poetas e videntes inspirados  X e y o v o i  

|.i£v TtoÀÀ,a Kai  K aX a   lüaa iv d’ouSev cov  X ty o v o i .   O mesmo é dito  

com relação a políticos e videntes (Mênon ,  99CD), poetas (Ion,  533E- 

534D;  L e i s , 719C.), videntes (Timen,   72A).

47.  Laques ,   198E; Cármides ,   173C.

48. O ataque à poesia na  República é  normalmente tido como platónico mais 

do que socrático, mas a visão da poesia como irracional, de que depen

de o ataque, já aparece na  A p o log ia de S ócra tes   (nota 46 acima).

49. Cf. cap. VI,  su pra.

50. Fedro,   244CD; Timen,  72B.51. Cf. R.G. Colingwood, “Plato’s Philosophy of Art”,  M ind   N.S. 34 (1925), 

154 sg.; E. Fascher,  Proplie tes,   66   sg.; Jeanne Croissant,  Aris to te et les  

mys tères , 14 sg.; A. Delatte,  Les concep tions de   / ’en thous iasme ,  57 sg.; 

P. Boyancé,  Le Culte des M uses ,   177 sg.; W.J. Verdenius, “L’Ion   de  

Platon”,  Mnem.   1943, 233 sg., e “Platon et la poésie”, ibid. 1944, 118 

sg.; I.M. Linforth, “The Corybantic Rites in Plato”, Univ. Calif. Publ.  

Class. Philol.   13 (1946), 160 sg. Alguns destes críticos separariam a 

linguagem religiosa de Platão de qualquer tipo de sentimento religioso:  “não é nada mais do que uma bela vestimenta com a qual ele reveste  

seu pensamento” (Croissant); “chamar de arte uma força divina ou uma 

inspiração é simplesmente chamá-la um  je ne sais quoi"   (Collingwood). 

Isto me parece perder parte do que Platão quer dizer. Por outro lado,  

aqueles que, como Boyancé, tomam sua linguagem muito ao pé da letra 

parecem perder de vista o tom irônico que é evidente em passagens como  

 M êno n ,   99CD e que pode ser detectado em outras passagens.

52.  Fedro,   244A: | . i av iaç 0e ia Sooe i S i5o | i evr iç .

53. Cf. cap. Ill,  sup ra.

54.  Leis,   719C, o poeta otov Kpr|vr| tiç to etuov pstv £TOi|ícüç ea.

55.  Banquete,   202E: S ia toutou (sc. tou ôcanovtou) Kat r| |iavTiKT| n a c a  

Xcopet Kat r) Tcov tepecúv t e^ vii tcúv te Ttept tocç B u o ia ç k cu te/Vetcxç 

Kat Taç ETicoSaç k c u t t |v | iavT£iav Jtaaav Kai yor |T£iav.

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l ’ l. M ' A O , A A L M A IR R A C I O N A L E A " H B í A N Ç A C O N G L O M E R A D A ” 233

( t i . I hid., 904A, 01  K û t i c t vopov ovtëç 9ëo . Cf. 885B. e s e a passagem é

muilo f o r t e , ver 891E.

0 6 , Crâti lo,  400D; Fedro,  246C; Crílias,   107A B ; lipin.   984D (que soa de

finitivamente pejorativa). Aqueles que, como Reverdin (op. cit., 53),

creditam a Platão uma forte crença pessoal nos deuses da tradição, pois

ele prescreve culto a clos e em nenhum lugar nega expli ci Lamente sua

existência, parecem-me permitir poueo espaço para qualquer esquema

prático de reforma religiosa. Separar as massas completamente de suas

crenças herdadas, se possível lossc, teria sido para Platão algo desas

troso, e nenhum reformador pode abertamente rejeitar para si o que ele

prescreveria para outros. Ver mais à frente minhas observações em  JHS  

65 (1945), 22 sg.

67. Timeu,   28C. Sobre a muito debatida questão em torno do Deus dc Platão, ve r especial mente Dies ,  A utour de P laton,   523 sg.; Festugière,

 L ’Idéal relig ieux des Grecs et ¡’Evangile,   172 sg.'. Hackforth, "Plato’s

Theism” , CQ   30 (1936), 4 sg.; F. Solmsen,  P la to ’s T heology   (Cornell,

1942). Apresentei minha própria proposta de visão em  JHS, loc. 

cit.,  23,

08. Os corpos celestiais são por toda a parle representantes naturais ou sim

bólicos daquilo que Christopher Dawson chama de "o elemento

transcendente da realidade externa” {Religión and Culture,  29). Cf.  A pología de Sócrates,   26 D, onde di/.-sc que "lodos" , i ne lu indo o próprio

Sócrates, acreditam que o Sol e a Lua são deuses; e Cnít i lo ,  397CD,

onde os corpos celestiais são representados como deuses primitivos da

Grecia. Mas no século IV a.C., como ficamos sabendo por  Epii tom is ,  

982D , esta crença estava começando a desaparecer diante da popu lari

zação de explicações mecanicistas (cf.  Leis .   967A;  Epi tt .,  983C) Scu

retorno na época helenística dcveu-sc, cm grande parte, ao próprio

Piatão.

69, Sobre a questão da animação versus   o controle externo, ver  Leis,   898E-

899A;  Epin.,   983C. A animação era sem dúvida a teoria popular, e

deveria prevalecer na era seguinte, mas Platão recusa-se a decidir (as

estrelas tanto são 08Ot como 6eo)v stKoveç coç ayccXpaia, Oecov amcúv

EpvaoctfJEVWV,  Epin.  983E; sobre a última opinião, cf. Timen,  37C).

70,  Leis,   82 IB-D. E m si mesma, a oração ao Sol não era estranha à tradi

ção grega: Sócrates reza para ele ao nascer (Banquete,   220D), e um

falante em um peça perdida de Sófocles lambém reza: rieXtoç,

o K e pe E

pe, I ov oí (JoOotteyo jo

Y£wr[Tr|vOecdv

| Kat  jt c tT E pa

Ttavtaw (cf. 752 P.). Mais adiante nas  Leis   (887D) Platão fala dc

jtpotaA GEtç

cqjtxkcc Jtp0CK\)vr|C£ ç EAAr vtov

i e K a t |5otp|3apíüvao 

nascer e no pôr do Sol c da Lua. Festugière acusou-o dc representar fal

samente os fatos aqui relatados: "Nem o objeto de cullo nem o gesto de

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234 OS GRGf iOS E O IRRACIONAL

adoração são gregos: eles são bárbaros. Trata-se da astrologia ealdcia e

da TipoaicuvtiGiç em uso na Babilônia e entre os persas” (R e it de Phil.  

21 [ 1947], 23). Mas enquanto podemos ace itar que 7tpoKuX.io£i<;, e tal

vez também o culto da Lua, sejam bárbaros e não gregos, a afirmação

de Platão párete suficientemente justificada pela regra de Hesíodo de

oração e oferendas ao nascer e pôr do Sol (Erga,   338 sg.) e por Aristó

fanes,  P im .   771: r a t rcpoaKuvco ye itpcma h e v t o v r|Àiov: k t X. 

Entretanto, as propostas das  Leis   reámenle parecem dar aos corpos ce

lestiais uma importância religiosa que faltava a eles no culto grego mais

comum, embora possam ter lido precedentes parciais no pensamento c

prática pitagóricos (cf. cap ítulo V I 11, infra , nota 68). E no  Epinomis   -

que alualmente me inclina a considerar uma obra de autoria do próprio

Plalão ou como compilada a partir de seu “Nachlass” - encontramos algoque e certamente oriental, e francamente mostrado como tal: a proposta

de idolatrar  publicam ente   os  pl anetas.

71. Ibid., 946BC , 947A, A dedicatória não é meramente formal: as ru G w o i

devem ser na realidade armazenadas no TEpEVOÇ do templo em anexo

(946CD). Dcve-se acrescentar que a proposta de instituir um alio sa

cerdote (ttpxi£p£DÇ) parece ser uma inovação: de qualquer modo, o

lílulo não é em parte alguma confirmado antes da época helenísiica

(Reverdin, op. cil,, 61 sg.). Presume-se que ele reflete a idéia platônicasobre a necessidade de uma organização mais rígida para a vida religio

sa nas comunidades gregas. O alto sacerdote será, entretanto, como

ouiros sacerdotes, um leigo, e se maniera no cargo por apenas um ano;

Platão não concebia a idéia de um clero profissional, c o teria certa

mente desaprovado, creio eu, como lendendo a causar danos à unidade

da “ Igre ja" e do Estado, à vida religiosa e política.

72. Ver Festugière.  Le Dieu cosm ique   (=  La révélation d ' Hermes,  11, Paris,

1949): e capítulo V II I, supra.73. O (¡i0ovoq divino é explicitamente rejeitado no Fedro  (247A), no Timen 

(2lJ E ) , e na  M etafís ica  de Aristóteles (9S3'12).

74. Ver cap. 11, s u p r a , nota 32.

75.  Leis,  903 B , eraofiiav ^(\)6(óv: Cf. S72E, em que a doutrina de compen

sação em futuras vidas terrestres é chamada |i\)0oç i] Xoyoç n o n xpn

rcpocotyopEuEiv otdto, c L. Edelstein, “The Function of the Myth in

Pla lo ’s Philosoph y” , Journal o f the History o f id e a s   10 ( 1949), 463 sg.

76. Ibid., 904C-905D, 728BC e o desenvolvimento de Pkitino desia idéia

(Untadas .  4.3.24).

77. Ibid., 904D: A iô riv xe kou  tu to\jt(úv EX^pevcx t<»v üvo|. oît(ûv 

ÊTCOVOS-iaÇoVTEÇ Cîtjtoôptx (|)OpOl>VT(Xl KCCI 0VElp07I0A.0T)GtV ÇtûVTEÇ

íhoíXuOevtec; te tojv owho tdjv

. A linguagem dc Platão(ovopotTtov, 

ove pono^ ovcî v)

nesta passagem sugere que a crença popular sobreo

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P la tã o , a Ai.ma IRRACIONAL. \i  a   “ h e ra n ç a c o n g l o m e ra d a ” 235

submundo não tern senão valor simbólico. Mas as últimas palavras são

intrigantes: elas d ifícilmente devem querer dizer “ quando em sono ou

transe” (England) pois seriam assim antitéticas com relação ao termo

Çovteç, mas parccc afirmar que o temor do Hades comi nu a após a morte.  

Platão pretende insinuar que para experimentar este temor - fruto de

uma consciência culpada - é preciso já es tar    no Hades? Isto estaria de

acordo com a doutrina geral que ele pregou do Górgias  em diame, de

que errar já é sua própria punição.

78. Ibid., 903CD, 905B. Sobre o significado deste ponto de vista, ver Fes

tugière,  La Sainteté,   60 sg.: e V. Goldschmidt,  La re lig io n de Platon,

10 sg. Isto tornou-se um lugar comum do estoicismo, por exemplo, Cri -

sipo apud   Plutarco,  Sto. rep.   44, I 054F; M. Ant. 6.45, e que reaparece

cm Plolino, por exemplo, l ineadas   3.2.14. Os homens vivem no cos

mos como ralos em um casarão, aproveitando esplendores não destinados

a eles (Cícero, nat. deor. 2 , 17).

79.  Entifmn,   I4E;  Leis,   716E-717A.

80.  República,   364B-365A;  Leis ,  909B (cf., 908D), As similaridades ver

bais das duas passagens são, creio cu, suficientes para mostrar que Platão

linha em visla a mesma classe de pessoas (Thomas, 'Eneiteiva, 30;

Reverdin, op. cit..   226).

81.  República,   364E: tcêi0ovteç  ou |40V0V i Suútoç aXXo.   tcai tíoXelç (Cf.366A B , ou p e y ia ia t TtoXetç);  Leis,   9098: õ cútcíç te Kat oXaç o i k i k ç  

Kat 7toA,Eiç XP TIII a 't<üv X«p iv E J i tx e ip to m v KOd’a i c p a ç e Ç a i p e i v . Pla

lão pode 1er em menie exemplos históricos famosos como a purificação

de Atenas por Epimênides (mencionada nas  Leis ,   642D, onde o lom res-

peiíoso está no personagem cretense) ou de Esparta por Taletas: cf.

Festugifcre,  REG   51 (1938), 197. Boyancc,  REG   55 (1942), 232, obje

tou que Epimênides não eslava interessado no que viria depois. Mas islo

é verdade apenas na visão dc Diels de que os escritos atribuídos a eleeram falsificações "órficas” - uma visão que, correta ou não, Platão pro

vavelmente não teria feilo.

82. Acho difíc il acreditar - como muitos fazem, apoiados em “ Museu e o

filho” (Rep. 363C) - que Platão prclendesse condenar os Mistérios de

Eleusis: cf. Nilsson,  Harv . Theoi. Rev.  28 (1935), 208 sg.; e Feslitgiere,

loc. cit.  Ce ríame ule ele não pode ter querido sugerir nas  Leis   que o sa

cerdocio eleusiano devesse ser levado a julgamenio por ofensa que ele

ve como pior do que o ateísmo (907B). Por outro lado, a passagem da

 República   não justifica lima restrição na condenação platônica a livros

e práticas “ órficos” , embora estes eslejam cena mente incluídos nela. A

passagem paralela nas  Leis   não menciona OiTeu.

83. Ver nota 6 acima.

84  R epública , 427BC:  Lei s,  738BC, 759C.

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2 3 6 O S GR KG OS F. O IRRACIONAL

85. Nao pretendo insinuar que para Platão a religião apolínea ios se simples

mente urna mentira piedosa, uma ficção mantida por sua utilidade social.

Ela reflete muito mais uma verdade religiosa ao nível da imaginação

( a m a i a ) que pode ser assimilada pelo povo, O universo dc Platão era

um universo dc gradação: assim como ele acreditava em graus de ver

dade e realidade, lambém acreditava cm graus de intuição religiosa. Cf.

Reverdin, op, cil., 243 sg.

86.  Leis,   873E. A conspurcação deve ocorrer cm todos os casos de homicí

dio, mesmo involuntário (865CD), ou de suicídio (873D), e requer uma

catars is   que será prescrita pelo E^iiyiixai dêlfico, A infecção de mias

ma   c reconhecida dentro de certos limites (881DE, cf. 9I6C, e capítulo

11, supra,   nota 43).

87. Ibid., 9O7D-909D, Aqueles cujo ensinamento contra a religião é agravado por conduta anti-social devem sofrer eonfinamento solitário por

toda a vida (909B C ) em horríve is locais nos arredores (908A ) - um des

tino que Platão encara corretamente como pior do que a morte (908E).

Ofensas ri tuais  graves, tais como o sacrifício a um deus quando cm es

tado impuro, devem ser punidas com morte (9 I0 C E ), como eram em

Atenas: isto é defendido sobre a vellia base de que tais atos ira/.em a

luria dos deuses sobre toda a cidade (9I0B).

88. Ibid., 967BC. "Certas pessoas” que anteriormente tiveram problemas porafirmarem falsamente que corpos celestiais eram “ um monte dc pedras

e terra" tinham apenas a si mesmos para culpar. Mas a visão dc que a

astronomia c uma ciência perigosa é, graças às descobertas modernas,

uma visão ciesatuali/.ada (967A); algo dela é ainda necessário para a edu

cação religiosa (967D-968A).

89. Cornford traçou um forte paralelo entre a posição de Platão e aquela

do Grande inquisidor cm Os irmãos Karamazov,   de Dosloievski ('¡'he 

Unwrit ten Philosophy , ft6 sg.).90.Lí'f.v, 8851): o\)K e t u   to ¡.h 5p av xa « 5 t r a TpEjraneOot o i it^eioxoi,

SfKxavTtç S'e.ÇaiceiaOtti Jieipto[.ie0c(, e 88KB: tieyioxov 5e | to rcepi

tooç Oi’ouç op0ioç 8 ccvor 0EVTO( Çqv tcaXœç n ^tq. Sobre a ampla di

fusão do materialismo, ver 891B.

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O MEDO DA LIBERDADE 

VIII

,'4j maiores d i f iculdades de um homem  

começa ni quando e le se tom a capaz   

de agir como lhe a praz .

T. H. Huxley

Devo começar es te úl t imo capí tulo por uma conf issão.Quando a idéia geral das palestras, nas quais sc baseia este

livro, sc formou pela primeira vez na minha mente, meu objetivo

era ilustrar a atitude grega diante de certos problemas dentro dc toda

a extensão temporal, que vai de Homero aos últimos neoplatônicos

 pagãos um espaço dc tempo tão grande quanto aquele que nos se-

 para da antigüidade. Mas à medida que o material se acumulava e

as palestras eram redigidas, ficou claro que isto não poderia ser fei-

to, a não ser ao preço de uma desesperançada superficialidade. Até

aqui cobri, de fato, aproximadamente um terço do período em ques-

tão, c mesmo assim deixando muitos hiatos. A maior parle da estó-

ria permanece sem ser contada. Tudo o que posso fazer agora c

examinar uma perspectiva de mais ou menos oito séculos c me per-

guntar, de maneira bem geral, que mudanças ocorreram cm certas

aliludes humanas e por que razões. Não posso esperar chegar a res-

 postas exatas e seguras com L ma análise tão curta. Mas já será al-guma coisa se pudermos traçar um painel dos problemas existentes,

formulandoos dc maneira correta.

 Nosso exame começa numa era em que o racionali smo grego

 parecia est ar à beira do tr iunfo final, a grande cia dc descoberta in

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238 Os ( IR l i t iOS.E O IRRACIONAL

tclcctual que começa com a fundação do Liceu, em torno dc 335 a.C.,

continuando até o fim do século III a.C. Este período lestemunliou a

transformação da ciência grega, que dc um acúmulo desordenado

de observações isoladas mescladas a suposições a priori  passa a umsistema de disciplinas metódicas. No caso das ciências mais abstra-

tas, como a matemática c a astronomia, atingiuse um nível que não

seria alcançado novamente antes do século VI. Foi feita a primeira

tentativa organizada de pesquisa em campos como a botânica, a zoo-

logia. a geografia e a história da linguagem, da literatura e das

instituições. Não foi apenas no domínio da ciência que os tempos

sc mostraram venturosos e criativos. Foi como se a repentina am-

 pli açao do horizonte espacial, resultante das conquistas de Alexandre ,

houvesse ampliado, ao mesmo tempo, os horizontes da mente. Ape-

sar da falta de liberdade política, a sociedade do século III a.C. erade d iversos modos a maior aproximação de uma soc iedade

“aberta ’ ' 1  que o mundo havia conhecido, estando mais próxima do

que qualquer outra, ate mesmo daquilo que veríamos nas socieda-

des modernas. As tradições e inst i tuições da velha sociedade

“ fechada” , é claro, ainda estavam ali e eram influentes a incorpo-ração de uma cidadeestado dentro de outro reino helenístico não

causava uma perda de importância moral do dia para a noite. Mas

embora a cidade estivesse ali, seus muros como alguém afirmou

haviam sido destruídos. Suas instituições estavam expostas acrílica

racional; seus modos dc vida tradicionais eram cada vez mais pene-

trados e modificados por uma cultura cosmopolita. Pela primeira vez

na história grega pouco importava onde um homem havia nascidoou qual era seu ancestral dos homens que dominavam a vida inte-

lectual neste período, Aristóteles e Tcofrasto, Zenão. Cleantes e

Cri sipo eram todos estrange iros; apenas Fpicuro era ateniense, ape-sar de colono de nascimento.

Juntamente com este nivelamento dos fatores determinantes lo-

cais e com esta liberdade de movimento no espaço, houve um

nivelamento análogo dos determinantes temporais, com uma nova

liberdade para a mente viajar de volta no tempo, escolhendo à von-tade os e lementos da exper ienc ia passada que dever iam ser

assimilados e explorados. O indivíduo começou a fazer uso cons-

ciente da tradição, em vez do contrário. Isto c ainda mais óbvio emse tratando dos poetas helenísticos, cuja posição a respeito era como

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I ) M l U O D A L I H H K l JA i J B 2 3 9

¡i dos poetas e artistas de hoje. “Sc Calaínos de tradição hoje”, afir-

ma Anden, “isso não significa mais o que » século XVIII queria dizer

com o termo, isto é, um modo de trabalhar que é passado de uma

geração para outra; queremos dizer, uma consciência da totalidadetio passado existindo no presente. Originalidade não significa mais

uma ligeira modificação pessoal de um imediato predecessor, mas a

capacidade dc encontrar, em qualquer obra, de qualquer época ou

lugar, pistas para tratar um tema próprio”. Que isto vale para a maior

 parte da poesia helenística, senão para toda, é algo que quase não

necessita de provas. E, aliás, o que explica tanto a força quanto a

Iraqueza dc obras como a  Argauchitica,  dc Apolônio, ou a  A et ia,  de

Calimaco. Mas podemos aplicar tal princípio também à filosofia he-lenística: o uso que Epicuro faz de Demócrito e que os estoicos

fazem de Heráclito são alguns casos que ilustram esta tendência.

Como mostraremos agora,’ tudo isso se funda ainda uma vez no cam- po das crenças rel igiosas.

E certamente nesta idade que o orgulho grego da razão huma-

na atinge sua expressão mais confiante. Devemos rejeitar, diz

Aristóteles, a velha regra dc vida que aconselhava humildade, con-

vidando o homem a pensar cm lermos mortais (9v t|toc  (Jipovstv

t o v 0 vi] iov); pois o homem possui dentro de si algo divino o in-

telecto , e até onde ele puder viver desta experiência intelectual,

cie viverá como se não fosse mortal .4  O fundador do estoicisino irá

ainda mais longe na mesma direção: para Zenãoo intelecto humano

não é meramente aparentado ao intelecto divino, mas sim o próprio

Deus, uma porção da substância divina em estado puro ou ativo .5

Embora Epicuro não tenha feito nenhuma afirmação desta natureza,ele ainda assim sustenta que através de uma constante m editação so-

 bre as verdades da filosof ia po dese viver “como um deus entre os

homens” .*’

Mas c claro que a vida humana comum não é assim. Aristóte-

les sabia que nenhum homem pode manter uma vida baseada na pura

razão, senão por períodos muito curtos .7  Ele e os seus pupilos tal-

vez apreciassem mais do que outros gregos a necessidade de estudar

os fatores irracionais do comportamento como condição para atin-

gir uma compreensão realista da natureza humana. Ilustrei de maneira

 breve a lucidez e sutileza de sua ab ordagem ao problema, ao tratar

da influência catártica da música c dos sonhos . 11  Se as circunstân-

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2 4 ( 1 Os ÜIIKGOS F, O IRRA CION AL

cias houvessem permitido eu gostaria de 1er dedicado um capítulo

inteiro ao tratamento dado por Aristóteles à questão do irracional.

Mas minha omissão pode lalvez ser desculpada, urna vez qu ej a exis-

te um excelente pequeno livro que trata do assunto, não de modocompleto, mas abordando seus principais aspectos de uma maneira

meticulosa e original.'’A abordagem feita por Aristóteles do que seria uma psicolo-

gia empírica (e mais particularmente de uma psicologia do irracional)

não foi, infelizmente, continuada pela primeira geração de seus pu-

 pilos. Quando as ciências naturais se destacaram do estudo da

filosofia propriamente dita (como aconteceu no princípio do século

III a.C.) a psicologia foi deixada nas mãos dos filósofos (onde aliás

 permaneceu na minha opinião em scu detrimento até muito re-

centemente). Os racionalistas dogmáticos da era helenística parecem

ter se preocupado pouco com o estudo do homem, tal qual ele c:

concentrando sua atenção no glorioso quadro do homem tal qual ele

 poderia ser sábio ou  sapiens  ideal. No intuito de tornar o quadro possíve l, Zenão c Crisipo recuaram da posição de Aristó te les e Pla -

tão cm direção ao intelectualismo ingênuo do século V a.C. Diziameles que atingir a perfeição moral não dependia de dons naturais c

de hábito, mas unicamente do exercício da razão.,f) Não havia ne-

nhuma “ alma irracional” contra a qual a razão deveria sc debater

as chamadas paixões eram apenas emis de julgamento ou distúrbios

mórbidos, resultantes dc erros de julgamento." Corrija o erro e o

distúrbio cessará automaticamente, deixando a mente isenta dc ale-

gria ou dc tristeza, sem ser perturbada por esperanças ou temores,

“sem paixões, sem penas, perfeita ” . 12Esta psicologia fantástica foi adotada e mantida durante dois

séculos, não cm virtude de seus méritos, mas porque era julg ada n e-

cessária para um sistema moral que visava combinar ação altruística

com desapego completo à vida interior . 1-1  Sabemos que Posidônio se

rebelou conlra lal psicologia, reclamando um retorno a PlatãoNe lam-

 bém ressaltando que a teoria dc Crisipo ia tanto contra a observação

que m ostrava que os elementos do caráter eram inatos, 15 quanto con-tra a experiência moral que revelava que a irracionalidade e o mal

estavam inexlricavelmentc enraizados na naturc/.a humana, só sen-do controlados por algum gênero de '‘catarse ” . 16  Mas seu protesto

não serviu para matar a teoria; estoicos ortodoxos continuaram a Ia

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O MEDO d a   l i b e r d a d e : 241

lar em termos intelectual islas, apesar dc uma diminuição de suas con-

vicções. A atitude dc cpicuristas c céticos não era tampouco muilodiferente quanto ao tema. Ambas as escolas gostariam de 1 er banido

as paixões da vida humana; o ideal de ambas era a ataraxia , a liber-dade diante dc emoções perturbadoras. Isto poderia ser alcançado,

 por um lado, pela manutenção de juízos cor retos sobre o homem e

sobre Deus, c por outro, pela ausência lotai de juízos . 17 Os epicuris

las faziam a mesm a reivindicação arrógame dos estoicos dc que sem

lilosofia não pode haver bondadc,K uma reivindicação que Platãoe Aristóteles jam ais fizeram.

Esta psicologia e esta ética racionalistas iam de par com uma

religião racionalizada. Para o filósofo, a parte essencial da religião já não res ide nos atos dc culto, mas sim na contemplação silenciosa

do elemento divino, e na compreensão da afinidade humana com este

elemento. O estoico contemplava o céu estrelado, e via nele a ex-

 pressão do m esm o propósi to racional c moral que e le havia

descoberto em seu peito. O epicurista, em certos aspectos o maisespiritual das duas correntes de pensamento, contemplava deuses ja-

mais vistos, que habitavam um remoto intennund'utS'   encontrandoaí a força necessária para aproximar suas vidas das deles. Para am-

 bas as escolas a divindade deixou de ser sinônimo de poder arbitrário

 para se tornar, ao contrário, a inco rporação de um ideal racional. Tai

translonnação loi o trabalho dos pensadores gregos clássicos, em

especial de Platão. Como insistiu de forma correta Festugière ,2 '1  a

religião estoica c uma herança direta do Tunca  e das  Leis ,  e mesmo

Epicuro se encontra, às vezes, mais próximo do espírito de Platão

do que ele seria levado a admitir.Ao mesmo tempo, todas as escolas helenísticas talvez até mes-

mo os céticos21  estavam tão ansiosos, quanto Plalão cm seu tempo,

 para evitar uma ruptura radical com as formas trad icionais dc culto.

Zenão, na verdade, chegou a declarar que os templos eram algo su-

 pé rfluo o verdadeiro templo de Deus era o intelecto humano .23Tampouco Crisipo escondia sua opinião de que a representação dos

deuses em tamanho humano era algo infantil.2-1

 O estoicismo criava,

no entanto, haslanle espaço para deuses antropomórficos ao traía-

los como figuras ou símbolos alegóricos ;24  e quando encontramos o

Deus estoico adornado com os mesmos epítetos c atributos do Zeus

de Homero no "Hino” de Cleames. isio a meu ver. significa mais

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2 4 2 Os GREGOS K O IRRACIONAL

do que uina simples formalidade estilística tratasc de uma séria

tentativa de preencher as formas antigas com novos significados.”

Epicuro também tentou manter as formas e purificar seus conteú-

dos. Segundo se coma, ele era bastante escrupuloso em observartodas as manifestações dc culto ,16   mas insistia cm que as formas de-

veriam ser desl igadas de todo temor a uma fúria divina ou à

esperança de benefícios maleriais. Para ele, como para Platão, o lema

“do ut des” da religião é a pior dc iodas as blasfêmias . 27 Não seria nada sábio supor que tais tenta tivas dc purgar a tra-

dição tenham tido muito efeito sobre a crença popular. Como Epicuro

disse: “as coisas que sei a multidão desaprova, e do que a multidão

aprova eu nada sei” .2S Tam bém não é fácil para nós saber o que a

multidão aprovava nos tempos de Epicuro. Naquele tempo, como

hoje cm dia, o homem comum havia se tornado eloqüente para tais

questões, mas somente quando poslo diante dc sua lápide c, às ve-

z e s , n e m m e s m o n e s t a s c i r c u n s t â n c i a s . P e d r a s l u m u l a r e s

remanescentes da era helenística são menos reticentes do que as de

épocas anteriores, e sugerem que a crença tradicional no Hades es-

tava desaparecendo lentamente, começando a ser substituída pelanegação explícita de uma vida após a morte ou por esperanças va-

gas dc que os falecidos rumassem para um mundo melhor “para

as ilhas dos abençoados”, “para junio dos deuses" ou mesmo “para

o cosmos eterno".J Não posso concluir muita coisa a partir desic

último lipo de epitáfio, pois sabemos que os parentes consternados

estão sempre apios a encomendar ‘inscrições condizentes” que nem

sempre correspondem a qualquer crença cm vigor.® Mesmo assim,

tomadas cm conjunto, as pedras tumulares sugerem que a desinte-

gração do “conglomerado” já deu um passo adiante.

Quanlo à religião pública ou civil, deveríamos esperar que ela

sofresse com a perda da autonomia civil afinal, na cidadeestado

religião e vida pública eslavam muito intimamente ligadas para que

uma delas declinasse sem prejuízo para a oulra. Sabemos por inter-

médio do hino de Hermócles a Demetrio Poliorceles 31  que a religião

 pública havia de fato declinad o de manei ra exorbit ante em Alenas,meio século após os acontecimentos de Qucronéia. Em nenhum ou-

tro período anterior um hino cantado para o grande público poderia

declarar que os deuses da cidade eram indiferentes ou que não exis-tiam, e que estas cargas inúteis seriam enfim substituídas por um

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O ML-: DO [JA I.IB [-r u a d e2 4 3

veidadeiro deus —o próprio Dem etrio .-12  Este elogio pode ser in-

sincero. mas o ceticismo que o acompanha evidentemente não é,

devendo 1 er sido compartilhado de um modo geral,  já que se conta

que o hiño era bastante popular . 11  Creio que ninguém que tenha vis-to o constante crescimento na adulação das massas a ditadores, reis

ou mesmo (na falta destes) a atletas / * 1 pensará que os líderes de cul-

to helenísticos eram  sem pre   insinceros íratavase de um gesto

 pol ítico e nada além disso.  Quando os deuses saem de cena os tro-

nos vazios clamam por um sucessor, e com um bom “jogo de cintura”

(ou mesmo sem nenhum “jogo dc cintura ” ) 35  praticamente qualquer

amontoado de ossos pode scr guindado ao posto. Enquanto possuí-

rem algum signilicado religioso para o indivíduo, líderes de cullo e

análogos,w antigos e mode rnos, serão a expressão de uma inevitá-

vel dependência, pois quem trata outro ser humano como divino está

desta maneira, atribuindo a si mesmo o  statu s de uma criança ou de

um animal. Creio que (oi um sentimento do gênero que deu origem

a outro traço característico dos primordios da era helenística a am- pla di lusão do cul to de Tique*, “Sorte" ou “Acaso”. Semelhante cullo

lepiesenta, como afirmou Nilsson, o último estágio de secularização da icligião 17  — 1 1a (alia dc algum objeto positivo o sentimento

de dependência se volta para a idéia puramente negativa do inexpli-cável e do imprevisível que é justamente a Tique.

 Não quero aqui dar uma íalsa impressão, simplificando de mais

uma situação complexa. É claro que a adoração pública dos deuses

da cidade continuou era uma parte aceita da vida pública, uma ex-

 pressão do pa triotismo civil, Mas seria inteiramente verdadeiro di-

zer a scu respeito o que se disse do Cristianismo cm nossos tempos:que ele sc tomou “mais ou menos uma rotina social, sem influência

sob ie nossos objetivos de vida’V1* Por outro lado, a progres siva de-

cadência da tradição deixou o homem livre para escolher seus pró-

 prios deuses,'J exatamente como deixou 0   poeta livre para escolher

seu própi io estilo. Ao mesmo tempo a solidão e o anonimato da vida

nas grandes e novas cidades, onde o indivíduo se sentia uma sim-

 ples ci lra, pode ter estimulado em mui tos o sentimento de necessi

4  (gr.) é 0  Destino em sentido geral, em contraste com a personificação da destino individual (moira) (N. da T.).

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2 4 4 Os OREOOS E O IRRACIONAL

dade de um amigo e ajudante divino. A celebrada observação de

Whitehead de que “a religião é o que faz o indivíduo com sua pró-

 pria solidão” ,411  pouco importa o que se possa pensar déla em ter-

mos de definição geral , descreve de modo bastante acurado, asituação religiosa dos tempos de Alexandre em diante. Algo que o

individuo fez efetivamente com sua solidão no período, foi formar

clubes privados dedicados à adoração de deuses individuais, velhos

ou novos. Inscrições contam das atividades dc certos “Apolonislas”,

“Hcrmistas” ou Baquistas”, ou ainda “Sarapistas”. Mas não pode-

mos enxergar tão longe a ponto de entendermos suas mentes. Tudo

o que podemos dizer realmente é que estas associações serviam a propósito s sociais e religiosos, em proporções que desconhecemos

e que provavelmente variavam. Alguns clubes podem não ter sido

mais do que clubes para jantares; outros; podem ter dado a seus mem-

 bros um sentido real dc comunidade, na figura dc um patrono divi-

no ou de um prote tor de escolha própr ia , para subs t i tu i r a

comunidade local que era uma herança da velha sociedade fecha-

da , 41 Estas eram, dentro de um esboço o mais amplo possível, as re-

lações entre religião e racional ismo no século III a.C.11' Olhando para

o quadro como um lodo, um observador inteligente do ano 200 a.C.

 poderia muito bem prever que dentro dc poucas gerações a desinte-

gração da estrutura herdada estaria completa, e que a perfeita “klade

da Razão” a sucederia. Ble estaria entretanto errado quanto às duas

considerações assim co mo previsões similares Icitas por raciona-

listas do século XIX parecem ter sc mostrado lalsas. Seria uma

surpresa para nosso grego racionalista imaginário saber que, meio

milênio após sua morte, a deusa Atena ainda estaria recebendo a dá-

diva periódica de um novo traje das mãos de seu povo agradecido ;43e que bois ainda estariam sendo sacrificados em Mcgara cm honra

a heróis mortos nas Guerras Médicas oilocenlos anos antes ;"14  e que

tabus amigos relativos à pureza ritual ainda continuariam rigidamente

mantidos cm diversos lugares . 45  Na realidade, nenhum racionalista jamais levou cm consideração a vis incriiae  (força dc inércia|que

mantém este tipo de coisa funcionando aquilo que Matthew A r-

nold cham ou certa vez dc “extrema lentidão das coisas” .4'’ Os deuses

se retiram de cena, mas seus rituais ficam, e ninguém, com exceção

dc uns poucos intelectuais, nota que eles pararam dc signilicar o que

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O MKDO DA L IBERDADE 2 4 5

qucr que seja. Em sentido material a “herança conglomerada” não

 pe receu finalmente por desin tegração grandes porções fo ram dei-

xadas de pé através dos séeulos, como uma fachada familiar, gasta

c bastante simpática, até o dia em que os cristãos puseramna abai-xo e descobriram que não havia virtualmente nada por detrás dela,

senão um patriotismo local algo murcho e um sentimento de anli

quário .47  Foi o que ocorreu, ao menos nas cidades. Para a gente do

campo, os  pagani, parece que certos velhos ritos ainda significavam

algo, como ainda significam hoje, embora de uma maneira obscu re-cida e incompleta.

Uma antecipação desta história teria surpreendido um obser-

vador no século III a.C. Mas seria muito mais dolorosamentesurpreendente saber que a civilização grega estava entrando, não na

Idade da Razão, mas em um período de longo declínio intelectual

que deveria durar, com alguns rcfiuxos ilusórios c algumas brilhan-

tes ações individuais de resguardo, até a captura dc Bizâneio peios

turcos; c que durante todos os seus dezesseis séculos dc existência

o mundo helénico não produziria nenhum poeta tão bom quanto Teó

cri to . nenhum cient is ta tão bom quanto Eralos tenes, nenhum

matemático tão bom quanto Arquimcdes; e enfim que o grande nomeda filosofia no período seria o de um representante de uma corrente

 julgada cx linla o platonismo transcendenta l.

Compreender as razões deste prolongado declínio é um dos pro-

 bl emas maiores da história, li stamos aqui preocupados apena s com

um de seus aspectos, que pode ser chamado, por conveniência, dc

“retorno do irracional”. Mas mesmo este tema é tão vasto que não

 posso ilustra r o que lenho em mente senão por meio dc comentários

 breves a respeito de alguns dc seus desenvo lvimentos .

Vimos cm outro capítulo como o hiato entre as crenças dos in-

telectuais c as crenças do povo, já identificáveis na literatura grega

mais antiga, se ampliaram 1 1 0   final do século V a.C. a ponlo de che-

garem a um completo divórcio, e como o crcscenle racionalismo dos

intelectuais acabou rivalizando com sintomas regressivos de crença

 popular. Na sociedade re lativamente “aberta ” do pe ríodo helení sti -co, embora tal divórcio tenha no seu conjunto se mantido, mudanças

rápidas na estratificação social, juntamente com a abertura da edu-

cação para outras classes, criaram mais oportunidades de interação

entre os dois grupos. Examinamos anteriormente algumas provas de

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246 Os CpRKGOS f. o  i r r a c i o n a l

que na Atenas do século III a.C. um celicismo, antes confinado aos

intelectuais, começou a contagiar a população em geral, e o mesmo

iria acontecer depois em Roma.11* Mas após o século III a.C. um tipo

diferente de interação se faz ver, com o surgimento de uma litera-tura pseudocientíf ica, divulgada sobretudo sob pseudônimos e

que freqüentemente se afirma calcada na revelação divina. Esta li-

teratura adoia as antigas superstições do Oriente ou, ainda, as

fantasias mais recentes das massas, enfeita ndoas co m ma teria l lo-

mado da ciência ou f i losofia gregas. Ela acabaria ganhando a

aceitação dc grande parte da classe instruída. A a ssi m ila çã o funcio-

naria, a partir daí, cm ambas as direções: enquanlo o racionalismo

de tipo negativo e limitado continua a se difundir de cima para bai-

xo, o antiracionalismo se difunde de baixo para cima, eventualmente

triunfando.A astrologia é o exemp lo mais conhecido.'*1' Tem sido dito que

ela “caiu sobre a mentalidade helenística como uma nova doença

que atinge algum povo dc uma ilha remota” . 50  Mas a comparação

não corresponde muito aos fatos, pelo menos não até onde os co-

nhecemos. Inventada na Babilônia, a astrologia sc espalhou peloEgito onde Heródoto parece lêla encontrado . 51  No século IV a.C.

Eudoxo relatou sua existencia na Babilônia, ao lado das realizações

da astronomia bahiIónica, encarandoa, porém, com ceticismo.5 Não

há provas dc que cia tenha sido adotada, embora 1 1 0   mito do  Fedro  

Plalão sc divirta traçando scu próprio percurso a partir de um tema

astrológico , 5-1  Em torno de 280 a.C., uma informação mais detalha-

da se tornou disponível para os leitores gregos, alravés dos escritos

do sacerdote bahilônio Berossus, sem causar no entanto (ao que pa-

rece) grande excitação. A verdadeira moda da astrologia parece

começar no século II a.C., quando uma quantidade de manuais po-

 pulares especialmente um composto sob o nome de um faraó

imaginário, as  Revelações de Nequépso e Petosír is 5,1  começa a cir-

cular amplamente, c praticantes surgem em locais tão distantes

quanto Roma.” Por que isto ocorreu nesla época e não antes? A idéia

não era então nenhuma novidade, e a base intelectual para sua re-cepção havia sido longamente preparada por meio da teologia astral

ensinada tanto pelos platônicos quanto por Aristóteles c pelos es-

toicos, ainda que Epicuro tenha advertido para os seus perigos .56Podese supor que sua difusão tenha sido favorecida por condições

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0 M ED O D A LI BE R D A D E 247

 políticas: na conturbada primeira metade do século que precedeu a

conquista romana da Grécia, era particularmente importante saber o

que iria acontecer. Podese também supor que o grego babilônio, que

ocupava a cadeira de Zen ão 57 durante esta época, encorajou uma es- pécie de “trahison des clercs” (a Stoa já havia utilizado sua influência

 para eliminar a hipótese heliocéntrica de Aristarco que se fosse

aceita teria abalado as fundações da astrologia e da religião estoi-

ca ) . 514  Mas por detrás destas causas imediatas podemos, lalvez,

 perceber algo mais profundo e menos consciente: po r um ou mais

séculos o indivíduo havia fieado face a face com sua liberdade inte-

lectual, e agora ele virava as costas e abandonava as horrendas

 perspectivas o rígido determinismo do Destino as trológico era ain-da melhor do que a aterrorizante carga de responsabilidade diária

existente. Homens racionais como Panécio e Cícero tentaram con-

trolar o retorno por meio de argumentação, do mesmo modo como

P loti no laria pos ter iormente , 551  mas sem nenhum efeito perceptível

certos motivos estão para além da argumentação.

Além da astrologia, o século U a.C. assistiu ainda ao desenvol-

v imen to de uma ou t r a dou t r ina i r r ac iona l que in f luenc iou profundamente o pensamento da antigüidade tardia e ioda a Idade

Média a teoria das propriedades ocultas ou de forças im anentes a

certos animais, plantas e pedras preciosas. Embora seus começos

datem provavelmente dc bem antes, a teoria foi apresentada, pela

 primeira vez de forma sistemática , por Bolus de Mendes, chamado

“dcmocritiano", que parece têla redigido por volta de 200 a.C ,60 Seu

sistema eslava intimamente ligado à medicina mágica e à alquimia,

sendo logo combinado à astrologia, para a qual fornecia um conve-niente suplemento. O que havia permanecido embaraçoso a respeito

das estrelas era a impossibilidade de se ter acesso a elas, tanto para

a oração quanto para a magia .61  Mas se cada planeta tivesse um re-

 presentante nos reinos animal, vegeta l e mineral, estando ligado aele por uma oculta “simpatia" conforme se afirmava, poderíamos ter

acesso mágico a estes astros pela manipulação dc seus correlatos Ier-

res 1 res.® Consistindo em uma concepção primitiva do mundo como

unidade mágica, as idéias dc Bolus eram fatalmente atraentes para

os estoicos, que já concebiam o cosmos como um organismo cujas

 parles gozavam de uma comunidade de experiência (a c f in c íô e ia ) . 63A partir do século V a.C. Bolus começa a ser citado como uma au

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2 4 8 Os (¡RIÍGOS R O IRRA CION AL

toridade científica de  sta tu s   comparável a Aristóteles e Teofrasto,M

e suas doutrinas vão sendo incorporadas ao quadro geral do mundo

tal qual ele é aceito.

Muitos estudiosos do assunto viram no século I a.C. o períododecisivo de Weltende período cm que a onda de racionalismo, que

havia fluído preguiçosamente durante os últimos cem anos, extin-

gue sua força e começa a recuar. Não há dúvida dc que todas as

escolas filosóficas, com exceção dos epicuristas. tomaram uma nova

direção nesta época. O velho dualismo religioso entre espírito e ma-

téria, Deus e Natureza, a alma c os apetites, que o pensamento

racionalista havia se esforçado para superar, se reafirma em formas

vividas e com um novo vigor. Dentro do estoicismo novo e nãoorlodoxo de Posidônio, este dualismo surge como uma tensão de

opostos no interior do cosmos e do homem unificados pela tradição

da antiga Stoa.M Mais ou menos ao mesmo tempo, um a revoluçãointerna na Academia platônica põe fim à fase puramente crítica do

 platonismo, tornandoa novamente uma filosof ia especulativa c pre-

 pa rand o c am inh o que co n d u z irá p o s te r io rm en te a P lo l in o .“

Igualmen te significativo é o renascimento do pitagorismo, após doisséculos dc aparente suspensão, não como uma escola formal, mas

como um culto e uma prática de vida.Mlïlc se haseava, agora, fran-

camente na autoridade e não na lógica Pitágoras era apresentado

como um sábio inspirado, uma contrapartida grega de Zoroastro ou

Ostancs, com muitos textos apócrifos sendo atribuidos a ele c aos

seus discípulos imediatos. O que era ensinado em seu nome era a

velha crença cm um “eu” mágico separável do corpo, a crença nomundo como um lugar obscuro de penitência c na necessidade de

catarse. Mas isto vinha agora junto com idéias derivadas da religião

astral (que tinha de fato certas ligações com o pitagorismo antigo),“

de Plalão (que era apresentado como um pitagórico), do ocultismo

de Bolus® e dc outras formas de tradição mágica.7"

Todos estes desenvolvimentos são lalvez sintomas, mais do que

causas, dc uma mudança geral no clima intelectual do mundo medi-

terrâneo —algo cujo exemplo análogo mais próximo dc nós seria areação romântica contra a “ teologia natural” racionalista que se ins-

taurou no princípio do século XIX, c que ainda exerce uma poderosa

influência nos dias de hoje . 71  A adoração do cosmos visível, junta-

mente com o sentido dc uma unidade com ele que havia encontrado

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O MEDO DA I. IBERDADE 249

expressão no antigo estoicismo começ aram a ser substituídas em

muitas cabeças72 por um sentimento de que o mundo Tísico (pelo m e-

nos a sua parle sublunar) está sob o controle de poderes malignos,

e de que a alma necessita, não de uma unidade com este mundo,mas uma íuga disso. Os pensamentos dos homens passaram a se vol-

tar cada vez mais para técnicas de salvação individual, algumas delas

calcadas em livros sagrados pretensamente descobertos em templos

orientais ou ditados por Deus a algum profeta .73  Outros buscaram

revelação pessoal através de oráculos, sonhos ou visões , 74  e outros

ainda, foram procurar segurança em rituais de iniciação (nos nume-

rosos “mysteria” de então) ou tentaram se valer dos serviços de ummago parlieular .75 Havia uma crescente demanda pela pratica do ocul-

tismo, que não é senão uma tentativa de captura r o “reino dos cé us”

através de meios materiais o que tem sido descrito como “uma for-

ma vulgar de transcendeu tal isino”.71' A filosofia seguia um cam inho

 paralelo em nível mais elevado. A maior parte das escolas já havia

desde muilo deixado dc valorizar a verdade pela verdade . 77  Mas na

era imperial eles abandonam de vez, com algumas poucas exceções,™

qualquer curiosidade desinteressada, apresentando a si mesmos comotécnicos de salvação. Não é que o filósofo simplesmente conceba

scu gabinete dc trabalho corno um lugar para almas doentes,™ pois

ali nal dc contas nada haveria de novo nisso. O fi lósofo não é aqui

um mero psicoterapeuta; ele lamhém é, como coloca Marco Auré-

l io , “um l ipo dc padre c de min is t ro dos deuses ” . 1,(1  Seus

ensinamentos pretendem ter valor mais religioso do que científico.

O “objetivo do platonismo”, como afirma um observador cristão do

século 1 1 , é ver Deus trente a (rente ” . 111  E o conhecimento profano

era valorizado apenas na medida em que contribuísse para isso. Sé-

neca, por exemplo, cita com aprovação a visão dc que não devemos

nos incomodar com a investigação dc coisas que não podemos co-

nhecer, ou coisas cujo conhecimento é inútil, com o a causa das marés

ou o princípio de perspectiva . 82  Em tais ditos já podemos sentir o

clima intelectual da idade Média. Tratase do ambiente onde o Cris-

tianismo se desenvolveu, tornando possível o triunfo dc uma novareligião. Tal clima deixou sua marca sobre os ensinamentos cristãos.1,ímas não foi criado pelos cristãos.

O que então criou um tal clima? Uma dificuldade para respon-dermos a esta questão cm nossos dias reside na falta de um estudo

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2 5 0 Os G RECIOS H o IRRACIONAL

abrangente e equilibrado cie todos os fatos relevantes que permiti-

riam compreender aqui a relação entre as “árvores” e a “floresta”.

Possuímos brilhantes estudos de muitas “árvores”, embora não de

todas; mas da “floresta” temos apenas esboços de impressões. Qu an-do surgiu o volume II dos GeschichteM de Nilsson, quando Nock

 publicou suas tão esperadas conferências Gifforcl  sobre a religião he-

lenística, e quando Festugière completou a importante série dc

estudos sobre a história do pensamento religioso intitulado dc ma-

neira a lgo enganadora ,  La révé la tio n d ’Hermès T r i m e g i s t e *5

estudiosos comuns e não especialistas como eu se encontraram em

melhor situação para decidir a respeito do assunto. Enquanto issonão ocorri a eles tiveram, porém, que se abster de tecer julgamentos.

Gostaria, entretanto, de concluir com uma palavra sobre algumas ex-

 plicações sugeridas pa ra este fracasso do racionalismo grego.

Certas explicações simplesmente recolocam o problema que

 propõem resolver. Não é útil , por exemplo, dizer que os gregos ha-

viam sc tornado um povo decadente, ou que a mentalidade grega

havia sucumbido às influências orientais, a não ser que nos disses-

sem também porque isso ocorreu. Ambas afirmações podem ser

verdadeiras em certo sentido, mas creio que os melhores estudiosos

de hoje hesitariam em concordar com uma aceitação sem nuances

destas teses, com o ocorria no século passado .w’ Mas ainda que se-

 jam verdadeiras, tais afirmações de longo alcance não nos servirão

 para muita coisa enquanto a natureza e as causas da degencração

grega não forem esclarecidas. Nem me contentarei em aceitar o en

Irecruzamcnlo dc raças como explicação suficiente para o fato, atéque seja estabelecido que atitudes culturais se transmitem por con-

tágio ou que origens mestiças são necessariamente inferiores às

“puras ” ." 7Se buscamos respostas mais precisas, devemos, antes de mais

nada, nos certificarmos de que elas realmente se enquadram aos fa-

tos, não sendo ditadas unicamente pelo preconceito. Mas isto nem

sempre é feito. Quando um conhecido estudioso britânico me asse-

gura que “há provavelmente pouca dúvida de que a superespeciali

zação da ciência e o desenvolvimento da educação popular na era

helenística levaram ao declínio da atividade intelectual ” , 1(8  temo que

ele esteja simplesmente projetando sobre o passado seu diagnóstico

 pessoal a respeito de certas doenças contemporâneas. O tipo de espe

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O ¡V i ro» DA I .IRRRPAD!; 251

ci al i/.ação que possuím os hoje era bem desconhecido da ciênc ia gre-

ga de qualquer desses períodos e alguns de seus maiores nomes são

nãoespecialistas, como pode ser visto sc olharmos para uma lisia

das obras de Teofrasto ou Eratóstenes, Posidônio, Galeno ou Ptolomeu. A educação universal era igualmente desconhecida é mais

 provável que o pensamento hclcnfstico tenha sofrido de pouca edu-

cação popular, do que de muita.

Ainda aqui, algumas das favoritas explicações sociológicas pos-

suem o inconveniente de não corresponderem exatamente aos fatos

históricos . 149  Assim por exemplo, a perda da liberdade política pode

ter ajudado a desencorajar o empreendimento intelectual, mas este

dificilmente foi o fator determinante, pois a grande era de raciona-lismo (do final do século IV a.C. ao final do século OI a.C.)

certamente não foi uma era de liberdade política. Nem sequer é fá-

cil atr ibuir toda a culpa da decadência à guerra e à pobreza

econômica, Há, na verdade, provas de que estas condições favore-

cem um acréscimo no desenvolvimento da magia e da adivinhação*'

(exemplos muito recentes são a moda do espiritismo durante e após

a Primeira Guerra Mundial, e da astrologia durante e após a Segu n-da Guerra ),lJI e estou pronto a admilir que as cond ições conturbadas

do século I a.C. ajudaram a dar início a um recuo direto da razão,

enquanto as condições no século III a.C. ajuda ram a pôr f im a isso.

Mas se esta íosse a única lorça em ação, deveríamos esperar que os

duzentos anos intermediários um período, excepc ionalm ente lon-go, de paz doméstica, segurança pessoal e governos geralmente

decentes mostrassem uma reversão da tendência ao invés de sua

acentuação gradual.Outros estudiosos enlatizaram a ruptura interna  do racionalis-

mo grego. “Ele foi se consumindo”, afirma Nilsson, “como um fogo

sc consome a si próprio por falta de combustível. Enquanto a ciên-

cia se encerrava cm logomaquias infrutíferas e áridas compilações,

a vontade religiosa de crer ganhava uma nova vitalidade ” . 92 Como

coloca Festugière: “Havia se discutido demais, as pessoas estavam

cansadas de palavras. Não havia sobrado nada a não ser a técnica” . ,J3Para um ouvido moderno a descrição soa familiare inquietante, mas

há muitas provas para sustentála. Se procerdemos a uma interroga-

ção sobre o por quê da falta dc “combustível”, a resposta de ambos

os autores citados é a velha resposta de que a ciência grega não soube

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2 5 2 Os GREGOS K O IRRACION AL

desenvolver o método experimental ,94  Se perguntarmos o por qué

disso, obteremos a resposta habitual de que a mente dos gregos eradc tendência dedutiva o que não me parece nada esclarecedor. Nes -

te ponto a análise marxista se deparou com uma resposta maisinteligente: a atividade experimental não conseguiu se desenvolver

 po rque não havia tecnologia sér ia para tal; não havia tecno logia por-

que o trabalho humano era barato; o trabalho humano era barato

 porque os escravos eram abundantes .95  Deste modo, através dc uma

nítida cadeia de inferências, o advento dc uma visão de mundo me-

dieval aparece como dependente da inst i tuição da escravidão.

Suspeito que alguns elos da cadeia suposta possam precisar de mais

testes, mas esta é uma tarefa para a qual não estou qualificado. Ar-

riscarmeei, porém, a fazer mais dois comentários bastante óbvios.

Um é o dc que o argumento econômico explica melhor a estagna-

ção da mecânica depois dc Arquimedes, do que a estagnação da

medicina depois de Galeno, ou da astronomia depois dc Ptolomeu.

() outro c o de que a paralisia geral do pensamento científico pode

muilo bem servir para explicar a apatia e o marasmo dos intelec-

tua i s , mas não pa ra exp l i ca r a nova a t i t ude das massas .Evidentemente que para a ampla maioria daqueles que sc voltaram

 para a astrologia ou para a magia, e para a grande maioria dos de-

votos do Mitraísmoou do Cristianismo, a estagnação científica não

era uma preocupação direta c consciente. Acho difícil afirmar, com

certeza, que a perspectiva religiosa destas pessoas pudesse ser fun-

damentalmente diferente disso, mesmo que existissem inventos como

a máquina a vapor, capazes dc alterar suas vidas econômicas.Sc historiadores futuros quiserem obter uma explicação mais

completa acerca do que ocorrcu, creio que cies não deverão ignorar

os fatores econômicos c intelectuais, mas terão que levar cm conta

outro gênero dc motivos, menos conscientes e ordenadamente racio-

nais. Já sugeri que por detrás da aceitação de um determinismo astral

reside, entre outras coisas, o medo da liberdade a fuga inconsc ien-

te dos pesos da escolha individual que uma sociedade aberta coloca

sobre seus membros. Sc tal motivo for aceito como uma vera causa(e há bastante prova para aceitálo nos dias de hoje),% podemos sus-

 peitar que ele atua, de fato, em muitos lugares. Podemos suspeita r

que ele está por detrás do endurecimento da especulação filosófica,

transformando as idéias em dogmas quase religiosos, capazes dc

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O M l iD O DA L I B E R D A D i ; 2 5 3

fornecer urna rcgra de vida imutável aos individuos. Podemos vêlo

¡ 1 0   hor ror pe la pesquisa inconvenien te , expresso mesmo por

Cleantesou por Epicuro, e posteriormente, em nivel mais popular,

na exigência de um profeta ou de urna escritura; e de modo mais

geral, na patética reverência à palavra escrita, que é característica

do final dos lempos romanos c da Idade Méd ia como coloca Nock,

“a disposição de aceitar declarações por elas constarem em livros,

ou mesmo porque dizem que elas constam em livros ” . ‘;7Quando um povo viaja tanto na direção de uma sociedade aber-

ta, como os gregos no século III a.C., o “recuo” não acontece

rapidamente ou de mudu uniforme. Tampouco ocorrc sem dor para

o indivíduo. Há sempre um preço a pagar pela recusa de responsa- bilidade, cm qualquer esfera que seja. Normalmente este preço

assume a forma da neurose. Podemos encontrar provas colaterais de

que o medo da liberdade não é uma mera fase em meio ao aumento

de ansiedades de tipo irracional e às lories manifestações dc culpa

neurótica observáveis nas fases finais'^ do “recuo”. Tais coisas não

eram novas na experiência religiosa dos gregos; podemos encontrá

las ao estudar a Grécia arcaica. Mas os séculos de racionalismo

haviam enfraquecido sua influência sobre a sociedade e assim, indi-

retamente, enfraquecido lam bém scu poder sobre o indivíduo. Agora

elas se mostram sob novas formas e com nova intensidade. Não te-

nho condições dc apresentar provas aqui, mas posso dar uma noção

do impacto da mudança, comparando o “homem supersticioso” dc

Teofraslo (que não é muito mais do que um observador fora de moda

dos labus tradicionais) com a idéia dc homem supersticioso de Plu-

tarco, um homem que “scnla em um lugar público vestido comroupas esfarrapadas ou em andrajos, ou então chafurda nu, em meio

à lama, proclamando pecados”7J O quadro dc neurose religiosa ira

çado por Plutarco pode ser ampliado partindo dc muitas outras

fontes: documentos extraordinários como 0   retrato de Percgrinus, tra-

ç a d o p o r L u c i a n o , q u e a b a n d o n o u s e u s p e c a d o s , p r i m e i r o

convertendose para o cristianismo, adotando em seguida a filoso-

fia pagã c finalmente, após um suicídio espetacular, tornousc um

santo pagão realizador de milagres . l(K1 Há ainda o autoretrato de ou-tro neurótico interessante, Aelius Aristides . 11’ 1  Novamente a presença

de um sentimento difuso de ansiedade entre as massas se mostra de

maneira clara, não apenas no horror revivido das punições  p o s t -

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254 Os GREGOS E O IRRAC IONAL

mortem.™2  mas em terrores mais imediatos, revelados nas orações c

amuletos remanescentes . 11’3  Pagãos e cristãos rezavam da mesma

maneira no final da era imperial, pedindo todos eles proteção con-

tra perigos invisíveis contra o mau olhado e a possessão demoníaca,contra o “demônio enganador” ou contra o “cão sem cabeça " . 11’4 Um

amuleto promete proteção “contra toda a malícia de sonhos aterro-

rizantes ou dc seres presentes no ar”; um segundo amuleto promete

 proteção “contra inimigos, acusadores, ladrões, terrores e apar ições

oníricas”; um terceiro (de origem cristã) pede proteção contra “es-

 pí ritos insalubres” escondidos embaix o da cama, nos tetos ou poços

 próprios para o lixo . 105  O “retorno do irracional” eslava então, como

 podemos ve r por tais exemplos, comple to.

Aqui devo abandonar o problema. Mas não terminarei este li-

vro sem fazer uma última confissão. Estive evitando, de forma

 proposital , o uso de paralelos com a modernidade, pois sei que tais

 pa ralelos tanto podem nos induz ir ao engano quanto servir para es-

clarecer . 1(16 Mas assim com o um homem não pode fugir dc sua própria

sombra, nenhuma geração pode julgar os problemas da história sem

fazer referência, consciente ou inconscientemente, a seus próprios prob lemas. Não posso, portanio, enganar o leitor e esconder que, ao

cscrevcr os capítulos do livro, especialmente este último, tive nossa

 própria situação sempre lembrada. Nós lambém teste munhamos a

lenta desintegração dc uma espécie de “herança conglomerada”, co-

meçando nas classes mais instruídas e afetando as massas quase por

toda a pane, apesar de ainda muito longe de estar completa. Nós

também experimentamos uma grande era de racionalismo, marcada

 por avanços científicos e. além de tudo aquilo que os tempos passa-

dos julgaram possível, pondo a humanidade diante dc perspectivas

de uma sociedade mais aberta do que qualquer outra jamais conhe-

cida. N os últimos quarenta anos experimentam os algo mais os

sintomas inequívocos de um retrocesso face a estas perspectivas.

Parece que, para empregar as palavras usadas rccenlcmenlc por An-

dré Malraux, “a civilização ocidental começou a duvidar dc suas

credenciais” . " 17Qual o significado deste retrocesso, desta dúvida? Tratase da

hesitação que precede o salto, ou do começo de uma fuga em pâni-co? Não sei. Diante desta questão um simples professor de gregonão está em condições de dar uma opinião. Mas há algo que ele pode

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O MEDO D A L IBER D AD E 2 5 5

i'azer. Ble pode lembrar a seus leitores de que houve uma outra vez.

no passado, em que um povo civilizado cam inhou para o salto ca-

minhou para ele e enfim sc recusou a dálo. O professor pode suplicar

aos leitores que exam inem todas as circunstâncias desta recusa.Quem se recusou a saltar foi o “cavalo” ou o “cavaleiro”? Eis

aí verdadeiramente a questão crucial. Pessoa lmen te acredito que foi

o “cavalo” em outras palavras, os elementos irracionais da natu-

reza humana que governam, sem que o saibamos, muito de nosso

comportamento e daquilo que acreditamos pensar, E sc estou certo

quanto a isto, não consigo ver muita base para esperança. Como acre-

dito que estes capítulos mostraram, os homens que criaram o primeiro

racionalismo europeu nunca foram —até o período helenístico “sim- p lesm ente” racionalistas. Ou seja, eles im aginavam e estavam

 profundamente cientes do poder, do encantamento e do perigo do

irracional. Mas eles só puderam descrever o que ocorria abaixo dolimiar de consciência, em uma linguagem mitológica ou simbólica

 pois não possuíam um inst rumento para compreendê lo, e menos ain-

da para controlálo. No período helenístico muitos destes homens

cometeram o erro fatal de pensar que poderiam ignorar o que se pas-

sava. O homem modern o, por oulro lado, está começan do a adquirir

um lal instrumento de compreensão. Ele está longe de ser perfeito,

ou de ser manejado com habilidade. Em muitos campos, incluindo

a área da história , 1,1,1  suas possibilidades e limitações ainda precisam

ser testadas. O instrumento parece, todavia, oferecer uma esperança

dc que, sc utilizado de maneira sábia, poderemos eventualmente com-

 preender melhor nosso “cava lo” ; c que compreendendoo melhor,

seremos também capazes de superar seus temores. Através da supe-ração dos temores, poderemos esperar que “cavalo” e “cavaleiro”

dêem um dia o salto decisivo e que o façam com sucesso.

N o t a s   d o   c a p í t u l o   V I I I

1. Uma sociedade completamente “aberta” se m , no meu entendimento, aquela cujos modos de comportam ento tossem inteiramente determinados por uma 

escolha racional a partir de alternativas possíveis, e na qual as adaptações  

lossem iodas conscientes e deliberadas [em contraste com uma sociedade 

completamente “techada’', em que toda adaptação seria inconsciente e onde

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256 Os (IR KG OS E 0 IRRAC ION AL

ninguém estaría cien Le de suas esc olha s). Tal socied ade nunca existiu e nun

ca existirá; mas pode ser úül talar em sociedades relativamente abertas ou 

fechadas, e pensar em termos amplos na história da civilização, como 11a 

história do movimento que conduz do primeiro ao segundo tipo de socie

dade. Cf. Kiit'I Popper, The Open Societ y and its Enemies   (Londres, 1945), 

e lambém a monografia do poela Auden cilada mais abaixo. Sobre a novi

dade da situação no século III a.C, ver líevan,  St oics and Scepti cs , 23 sg.

2. W. H. Aud en, "Criticism in a Mass S oc iet y” , The M int, 2 (19 48 ), 4. Cf. 

lambém Waller Lipman,  A Pre face to Mo rais,   106 sg., sobre “o peso da 

originalidade”.

3. Ver p. 24 8 sg.

4. Aristóteles,  Et ica a Nicôn iaco,   11771’ 2 4 -1 178-12. Cf. frag. 61: o hom em e  

quasi moví ai is deus.5.  Stoicorum Vetera Fra gment a   (daqui cm diante citado como  S VF),   I. 146: 

Zr|vcov o Kixieiiç 0  Z t î m k o ç   e^ï) [..,] Sëiv [... j e^eiv t o   0eiov ev povoiù 

xco v(ü, (ira.ÀÂov Se 0eov Tyyeioôca tov vouv, Deus ele próprio e "a ra/.âo 

certa que peneira todas as coisas" (Diógenes Laércio 7.8K, et,  SVF   I. 160

161). Desta visão existeni precedentes cm uma especulação anterior (cf. por 

exemplo, Diógenes dc Apolônia, frag, 5); mas cia surgiu como fundação  

dc uma teoria sistemática da vida humana.

6 . Epicuro,  Epist.  3. 135: Çiqaeiç 8e (ü ç   9eoç ev txvôpcojioiç Cf. lambém  Sen - tenças Vaticanas  33; Aeliano. VJÍ.  4.13 (= frag. 602 Usener); e Lucrécio, 

 Da nature-a,  3. 322,

7. Aristóteles.  Met af ísica,   I0 721' 14: ñiay ioy i] S ’ec m v o ira li raptem] ¡.UKpüV 

Xpovov riniv.

8 . Cf. capítulos 111 e IV, supra,

9. Cf. lambém Jaeger,  A /is lóle ies,   159 sg.. 2 40 sg,, 3 96 sg.; Boy aneé, Culte 

des Muses,  185 sg.

10. Cicero,  Acad. post.   1.38 =  SVF  1.199.

11 . S o b r e a u n i d a d e d a  psyche, SVF   1 1 . 82 3 , e tc . Z e n ã o d e f i n i u  pathos   c o m o

“ u n i d i s t ú r b i o i r r a c i o n a l e n ã o n a t u r a l d a m e u l e ” {SVF   1 . 2 0 5 ) . C r i s i p o f o i

a i n d a m a i s a l é m , i d e n t i f i c a n d o n a v e r d a d e o s d i v e r s o s  pathos   c o m j u í z o s

e r r ô n e o s : . VV7: 111. 4 5 6 , 4 6 1 , X p D C i î u t o ç j i e v | . . . ] « 7 t o ô e i K V o v a t j u ' i p r a r a i ,

K p i a e t ç n v rac; e iv r a t t o u / U i y i o n t i o u ca n a O i ) , Z t |V ( û v 5 ’o u r a ç t c p i a e i ç

( x m a ç , aXXa  t a ç e 7 i i y i y v o } . i e v n ( ç r c D T m ç a u a T O Î a ç r a t x u a e i ç ,

E J t a p o e t ç t e r a t T t i o a e i c , T r i ç y u % T | ç e v o p i Ç e v e t v o a t « m t ) r | .

12.  SVF  111 444 : Sloici a flee t us o ilmens , quorum impulsu animus com ni o velu r, 

ex homine tollunl, cupidilatem, laetitiam, melum. macstilian [,..| Haec 

qualttior morbos vocant, non lam natura ínsitos quam prava opiiiionc  

suscep tos; ct idcirco eos e en sent extíropari posse radicitus, si bon o ruin 

maloninu|iie opinio falsa tollatur. A caracterização do Sabio está em Tarn 

(Hellenistic Civilization,   273).

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O M l.-IX) DA UP.KRDADE 2 5 7

13. Cl', a discussão interessante de Bevan, op. cit., 66   sg.

14. Em seu jtEpi itcc0ct>v, no quai Galeno esboçou seus tratados dc  p lací i is 

 H'tpjiocrati s el Platonis.   CT Poblenz.  NJbb   Su pp. 24 ( 1898), 53 7 sg., e  Di e  

 Stoa,   [. 89 sg.; Reinhardl,  Poseidonius,  263 sg.; Edelstein,  AJP  47 (1936), 

305 sg. Parece que a falsa unidade da psicologia zenoniana já havia sido 

modificada por Panécio (Cicero, Off.,  1.10!), mas Posidônio levou a revi

são milito mais longe.

15. Um tratado rcc en temen le descoherio de Galeno, cujo material parece ser 

tomado em grande parle de Posidônio, desenvolve o argumento até ccito  

ponto, citando diferenças de caráter observáveis em crianças e animais. Ver 

Walter, “New Lights on Galen’s Moral Philosophy”, CQ  43 ( ! 949), 82 sg.

16.  Galeno, o t i t c c k ; tod otùpa-coç KpaoEotv ktX.   p 78, 8  sg. Müller: on  

l o t v u v o u S e nocetS(ovto) Soicet i t ] v m t c i a v eçtùBgv E T i e i a t e v a t t o i ç

avepcoTioiç o u 8 e ( j i c ( v e ^ o u c j a v p i Ç a v e v t a i ç t i e w v , o 6 e v

op^wpevn P^Koiavei  ze   i ca i au ^ av e i a i , aXÁ’a u i o tod va vu ov . Kca 

yap ouv rat tx[Ç Kcmaç e v q p i v cm ioiç oTteppa, icm 5e o p e 0o; rnvTEc 

o v x   q o u T O ) t o d 9 e u y e t v t o u ç T i o v i i p o u ç w ç tov   S i o j k e i v t o i í ç

K C ( 0K p t( T o vT O iç t e t e a t k í o A a i c í o v t o ç r i p tu v t t j v T r|Ç Kctiaaç. Cf. 

 plue . Hipp . et Plat .,    p . 436.7 sg. Mtillcr: cm seus tratamentos ( Ô E p a j i e t e t )

das paixões, Posidônio seguiu Plalão c não Crisipo. É interessante que o  

couIlito interno da Medéia de Eurípides, em que o poeta do século V a.C. 

havia expressado seu proles!o conira as crue/.as da psicología racionalista  

(capitulo VI, supra), lambém desempenhou um papel n e s t a controvérsia, 

sendo citado, estranhamente, por ambos os lados da querela (Galeno,  plac. 

 Hipp . el Pial.,   342 Müller, ibid., 3K2 =  SVF   II!, 473 ad fin).

17. Epicuro, lipis!  1.81 sg.; Sexto Empírico,  Pirrh. Hyp..   I. 29.

18. Séneca,  Epist.  89. 8 ; ncc. plii bxo phia sine virlule est ncc sitie piiilosophia  

virais.  Cf. os  Pup. H ere . epicurisms, 1251, col. XIII. 6 : 0iÀoau<|>La<; iVtjÇ 

^ov riç ECTiv opOorcpœyeiv.19. Cf. Filodemus, de dis   III, frag. 84 Diels = Usener,  Ep te urca,  IVag. 386: o 

homem sábio jieipaTOt owevyyi^eiv oaitt) (ou seja, o caráter divino} rai  

KaOomepEi YA,ixrieTat Oiyeiv  ko . i  ouveivrat.

20. Festugière,  Le Di eu cosmique,   XII sg.; e lambém  Ep icure et ses ¿lieux,  95  

sg. Conira a visão dc que o estoicismo antigo representa uma intrusão do

m isticismo oiicntal dentro do pensamento grego, ver  Le Dieu cosmique , 

266, e Bevan, op. cit., 20 sg. A relação geral entre filosofia e religião nesta  

época é bem mostrada por Wend land.  Die heile insüsch-romische Kuttur-, 106 sg.

21. Conla-se que Pirro chegou a ser um alto saeerdole (Diógenes Laércio 9.  64).2 2 .  SVF   I. 146, 264-267.

23.  SVF   IJ, 1076.

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258 O s GREGOS E O IRRACIONAL

24. Crisipo, ibid. Uma alegoria semelhante é atribuída ao platônico Xenócra-  

tes (Aécio 1.7.30 = Xenócrates, frag. 15 Heinze).

25. Cf, W, Schubart, “Die religiose Haltung des frühen Hellenismus”,  D er Al te 

Orient,   35 (1937), 22 sg.; M. Pohlenz, “Kleanthes’ Zeus- hymnus”, Hermes 75 (1940), esp. 122 sg. Festugière deu-nos agora um comentário  

esclarecedor sobre o Hino de Cleantes ( Le Dieu cosmique,   310 sg.).

26. Filodemus, de pietate,   p. 126-128 Gomperz = Usener,  Epi cúrea,  frag. 12,

13, 169, 387. Cf. Festugière,  Ep icure et ses di eux,  86   sg:

27. Avu]7tep(ÍXr|TOV a [oejSei] a v , Filod., ibid ., p. 112. Sobre Platão, ct. ca

pítulo VII, supra.   Epicuro aceitava a primeira e terceira das proposições  

das  Leis , X, mas rejeitava a segunda, crença que lhe parecia uma das prin

cipais fontes da infelicidade humana.

28. Epicuro apud   Séneca  Epis t.  29.10, que acrescenta: idem hoc omnes tibí  

conclamabunt, Peripatetici, Academici, Stoici, Cynici.

29. Até o final do século V os epitáfios gregos raramente incluíam pronuncia

mentos sobre o destino dos mortos, Quando o faziam, quase sempre fala

vam em termos do Hades homérico (sobre a mais impressionante exceção,  

o epitáfio de Polidaea, ver capítulo V, supra).  Esperanças dc imortalidade 

pesso al com eça m a surgir no século IV - quando são expressas em uma lin

guagem sugerindo influencia eleusiana - e tornam-se me nos raras na Idade 

Helenística, mas mosLram poucos traços de terem sido erigidas a partir de  doutrinas religiosas específicas, Não é feila nenhuma referência ù reencar

nação (Cumonl,  Lux Perpetua,  206), Epitáfios explicitamente céticos pa

recem começar com os intelectuais do período alexandrino. Mas um homem 

como Calimaco pôde explorar em algumas oportunidades a visão conven

cional (Epigr.  4 Mein,), otimista (Epigr.  10) ou cética (Epigr.   13). No con

 junto não há nada nos fatos que contradiga a afirmação de Aristóteles de 

que a maior parte das pessoas considera a mortalidade ou imorialidadc da 

alma uma questão em aberto (Soph. Elench.  I761’ 16). A respeito de toda a questão, ver Festugière,  L'Idéal r e i d es grecs ,   parte II, cap. V e R. 

Laitimorc, “Themes in Greek and Latin Epitaphs”,  Illinoi s St udies,   28 

(1942).30. Cf. O cu idad oso veredito dc Schubart ( loc. cit.,  II): “wo in solchcn  

Ãusserungen wirklielier Glaube spricht und wo nur eine sclione Wendung 

klimgt, das entzielit sich jedem sichren Uneil.”

31. Ateneu, 253D = Powell, Collectanea Alexandrina,  p. 173, A data não é 

muito precisa, provavelmente 290 a.C.3 2 . A U o i | i £ v t |  j i c r .K p a v y a p « T t e x n o w i v 0 e o i ,

T| OTJK EXOUOLV CÙTCC,

11 OUK £101V, T| 0"U TtpOOEX Oua iV Tin W e v ,

OÊ 5e TCOlpOVTÔ’ OpWJ ÊV, 

ou ^uA,ivov od8e XiÔivov, aXX’cxXriBivov

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O MEDO ( JA L IBERDADE 2 5 9

Não compreendo por que Rosto vtz off diz na sua conferência Ingcrsoll (“The 

Mentality of the Hellenistic World and the Afterlife”, Harvard Divinity  

School  Bullet in,   19 38 -1939) que “não há nenhuma blasfêmia ou cto ejíet a” 

aqui, se ele utiliza os termos no sentido tradicional grego, E como ele sabe  

que o hino é “uma explosão de sincero sentimento religioso”? Esta não era  

a visão do historiador contemporâneo Dem ócares {apud  Aten, 253A), e não 

consigo encontrar nada nas palavras que o sugira, Prcsume-se que a peça 

tenha sido escrita como uma ordem (sobre a atitude de Demétrio ver Tarn,  

 Antigo/ws Concitas,  90 sg.) e pudesse ter sido composta no espírito de Dé

mostenos aconselhando a assembléia “a reconhecer Alexandre como filho  

de Zeus - ou de Poseidon - se assim ele quiser”. Demétrio é o filho de 

Poseido n e de A trod i te? Certamente - por que não? - desde que ele o pro

ve trazendo a paz e lidando com os aetólios.33. Aten . 25 3F (de Du ris ou de D em óca res? ): TK\)T’r|8 o v o t  

MccpotÔûivofuxxricci ou S iu to a ia i ( io v o v , a Á X a  k c u ra-t’oïKiotv.

34. Não estamos sozinhos aqui. O século V também exaltava e tornava heróis  

atletas e grandes homens, presumivelmente em resposta à demanda popu

lar: não, entretanto, até que estivessem mortos. Uma tendência a este tipo  

de coisa existiu talvez em todas as épocas e lugares, mas um sério super-  

naturalismo o mantém dentro de certos limites. As honras concedidas a 

Brasidas são tracas face àquelas concedidas a qualquer rei dos tempos helénicos, e Hitler chegou mais perto de ser um deus do que qualquer  

conquistador do período cristão.

35. Tudo indica que uma vez que o costume era estabelecido, honras divinas 

passavam a ser oferecidas, com freqüência, até mesmo pelos gregos; e cm  

alguns casos, para o embaraço genuíno dos homenageados, por exemplo  

Antigonos Gonatas, que, ao ouvir ser descrito como um deus, replicou se

camente: “O homem que esvazia meu urinol não o notou" (Plutarco,  Is. et  Os.  24, 360CD).

36. Não apenas reis, mas benfeitores privados também eram idolatrados, às ve

zes até mesmo durante suas vidas (Tarn,  Hellenistic Age,   48 sg.). E a práti

ca epicurista de se referir ao seu fundador como a um deus (Lucrecio, 5.8,  

(leus Ule fuit.   Cíe. Tuse. 1, 48, ettmque ven eiat ur ut deum)  eslava enraizada 

no m esm o hábito mental - Epicuro não era afinal um euepTETTiç maior do 

que qualquer ici? Platão mais uma vez, se realmente não recebeu honras  

divinas após a morte (capítulo VII, nota 9), era visto nos tempos de seu  

sobrinho como um filho de Apoio (Diógenes Laércio, 3.2). Estes fatos me  

parecem ir contra a visão de W, S. Ferguson ( Amei :  Hist. Rev.   18 [19121913], 29 sg.) de que o chefe de culto helenístico era essencialmente um re

curso político e nada mais, o elemento religioso sendo meramente formal,  

No caso destes chefes, reverência pelo euepyeTriç ou pelo otoirip era sem  

dúvida reforçada, consciente ou inconscientemente, pelo sentido antigo de

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260 Os GRl iGOS E O IRRACIONAL

um "mana rea!” (cf. Weinreich,  NJbh   1926. 648 sg.) que, por seu lado, pode 

ser visto como residindo na identificação inconsciente do rei com o pai,

37. Nilsson, Greek Piety   (trad, ingl., 1948), 86 . Sobre a profunda impressão  

deixada na mente humana no finai do século IV pelos acontecimentos re

volucionários imprevisíveis, ver as Tories palavras de Demétrio dc Kalero  

apud   Polibio 29.21, e a observação dc Epicuro de que oi JtoXÀoi acredi

tam que tu Kl] é uma deusa (Episi   3. 134). Um cx em plo anterior de cuito 

verdadeiro c o altar que T imo leão dedica a A m o pera a (Plutarco, TimoL

36, qua quis rai.  II. 542E). Esta especie de poder neutro e moralmente im

pessoal - sobre o quai a N ova Com édia fez tantas brincadeiras, cf. Stob, 

 E d .   1.6 - é algo diferente da “sorte” de um indivíduo ou cidade, que tem 

raízes mais antigas (cf. cap. II, notas 79 e 80). O mellior estudo sobre o  

tema como um todo será encontrado em Wilamowitz, Glaube   II. 298-309.

38. A. Kardiner, The P sycholo gical Frontiers o f Society,  443. Cf. Wilamowitz, 

Glaube II. 271, Das Wort des Euripides, vojitó kcu ôeo-uç riyouuefla. ist 

voile Wahrheit geworden.

39. Sobre as primeiras fases deste processo ver Nilsson, Gesch.  I. 760 sg. So- 

hrc a importância durante o período helenístico, Festugière,  Epicure et ses 

dieux,  19.40. A. N. Whitehead.  Religion in lhe Mak ing , ó.

4 1 .0 livro-padrão para compreender os clubes do período helenístico é Geschichte des grieclitschen Vereinswesens, de F. Poland. Para uma análi

se curta em inglés, ver M.N, Tod,  Sidelights on Greek History,  Lecture III. 

A função psicológica de tais associações em uma sociedade onde liâmes  

tradicionais haviam se rompido c bem apresentado por Grazia, The Political  

Community,   144 sg.42. Neste breve esboço não levei cm conta a região leste recentemente helcni-  

zada, onde os gregos imigrantes encontraram cultos locais firmemente  

estabelecidos dc deuses não-gregos aos quais eles fielmente mantinham respeito, às vezes sob nomes gregos. Sobre as terras de cultura grega antiga, a 

influência oriental era ainda relativamente leve; na região mais a leste lor- 

mas gregas c orientais dc culto viviam lado a lado, sem hostilidade, mas  

aparentemente ainda sem muitas tentativas de sincretismo (cf. Schubart, loc. 

cit.,  5 sg.).

43. Dittetibcrgcr, 6V /.5 894 (A. D. 262-3).

44.  IG   VII 53(século IV).

45. Cf. Festugière et Fabre,  Monde gréco-romain,  II, 86 .46. Matthew Arnold para Grant Duff, 22/8/1879: “Mas cada vez eu descubro  

mais sobre a extrema lentidão das coisas, e que apesar de estarmos todos 

disp os tos a pensar que tu do mudará durante nossa vida, isto nao acontecerá.”

4 7 . Isto não implica negar que tenha havido tuna organizada e amarga oposi

ção ao processo de cristianização do imperio. Mas ela veio dc uma pequena

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O MEDO LM LIBERDADE 261

classe dc intelectuais helenizantes, apoiada por um grupo ativo de senado

res de mentalidade conservadora mais do que das massas. Sobre o tema 

como um todo, ver Geffcken,  Der A its gang des griechisch-rómischen  

 He identums  (Heidelberg, 1920).

48. A respeito da predominancia do ceticismo entre a plebe romana, cf. Cíce

ro, Tusculanas   1. 48; qitae es! anus iam deli ra qttae limen! ista?   Juv. 2 149 

sg.: esse aliquid Manes, e! sub tem inea régna nec piten crcdunt nisi  

qui nondiim aere ! avait! ur.  Séneca, lipis!.  24 . IR: ¡temo ¡am puer est ut  

Cerberum timeat,   etc. Tais passagens retóricas não devem, entretanto, ser  

tomadas nuiito ao pé da letra (cf. W. Kroll, “Die Reiigiositat in der Zeit  

Ciceros",  NJ bb  1928, 514 sg.). Temos, por outro laclo, o testemunho claro 

dc Luciano, de Ittcttt.

49. Devo muito dos parágrafos seguintes a Festugière,  L ’Astrologie et les  

sciences occultes  (=  La Ré vélation d ’Hermes Tr ismégi ste   I [Paris, 1944]), 

que é de longe a melhor introdução ao ocultismo antigo como um todo.  

Sobre a astrologia, ver também Cu mont,  Astrology and Religion amon g the 

Greeks and Ramans,   e a excelente análise curta de H. Gressmann,  Die 

 Hellen istische Gestintreügion.

50. Murray, Five Stage s o f Greek Religion,  cap. IV.

5 I. Heródoto 2.82,1. Não e muilo certo que ele laça ali referência à astrologia.

52. Cicero,  Div.   2.87:  Eudox tts ¡ .. .} sic opinât ur, id quod scr ipl ttm reliquit,  C.hcddaeis in praedi cii one ct in notations cuiitsque vitae ex nalati die minime 

esse credcttdum.  Platão também rejeita a astrologia, ao menos por implica

ção, no Timen,  40CD; a passagem foi compreendida na antigüidade tardia 

como se referindo em especial à astrologia (ver Taylor sobre 40D I), mas 

é bem possível que Platão tivesse em mente apenas a visão tradicional gre

ga dos eclipses como proféticos. De outros escritores do século IV a.C.., é  

provável que Clésias conhecesse algo dc astrologia, e há uma leve indica

ção de que Dem ócrito pode ter sabido algo (W. Capei lc,  Herme s,   60 11925J, 373 sg.).

53. As almas dos ainda não nascidos assumem o caráter dos deuses que elas  

“seguem" (252CD), e estes doze 0£Oi apxovxec; parecem estar localizados 

nos doze signos do Zodíaco (247A) com os quais Eudoxo os havia associa

do, embora Platão não o diga com muitas palavras, Mas Platão, 

diferentemente dos astrólogos, toma cuidado para salvaguardar o livre ar

bítrio. Cf. Bidez,  Eos , 60 sg. e Festugière,  Re v. de Phil.   21 (1947), 24 sg. 

Concordo com este autor de que a “astrologia" desta passagem nada mais 

é do que uma peça de imaginação. É significativo que Teofrasto (apud  Pro- 

elus, in Tim.  111. 151.1 sg.) ainda falasse de astrologia como se fosse uma  

arte totalmente estrangeira (se ele sentia por ela toda a admiração que Pro-  

clus afirma, pode ser posto cm dúvida com alguma dose de certeza.)

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2 6 2 Os GR EGO S I-; O IRR AC IO N AL

54. Festugière,  L 'A s tro lo g ie ,   76 sg. A lgun s (Jos frag m em os da obra de  

"N equep so”, que tem sido chamada “a Biblia dos astrólog os”, for am eoli- 

gidos por Ricss,  Philol og tt s.   Supp.-Band 6  (1892), 327 sg.

55. Cato inclui "caldeus” entre os pobres que não deveriam ser consultados pe

los capatazes dns fazendas (de agri cultura  5.4). Um pouco depois, cm 139 

a.C., eles foram expulsos de Roma pela primeira e. dc modo algum, última 

ve/- (Val. Max. 1.3.3). No século seguinte cíes estavam de volta c, então,  

os senadores, assim como os capatazes, faziam parte de sua clientela.

56. Epicuro,  Epi st .  1. 76 sg„ 2. 85 sg, (cf. Festugière,  Epic ure et ses dieux,  

1Ü2 sg,). Uma das frases da epístola soa como uma advertência específica  

contra astrólogos (Bailey, ad loc.).

57. Diógenes de Seleucia, chamado de “o babilônio", morío mais ou menos cm 

152 a.C, Segundo Cícero (div.  2. 90) ele admitia algumas, mas não todas  as afirmações feitas pela astrologia. Os primeiros estoicos talvez não tives

sem achado necessário expressar nenhuma opinião a respeito, pois Cícero 

diz claramente que Panécio (sucessor imediato dc Diógenes) toi o único  

estoico que rejeitou   a astro log ia (ibid., 2 ,88) , enquanto D ióg en es <■' o unico  

que ele cita cm scu favor. Ver, entretanto,  SVF   II. 954, que parece sugerir 

que Crisipo acreditava cm horóscopos.

58. Cleantcs achava que Aristarco deveria scr condenado (como Anaxágoras  

atites dele e Galileu depois) por aoepeio: (Plutarco, de f a d e  6 . 923A =  SVF 1. 500). No scculo 111 a.C. isto não era mais possível, mas parece provável  

que preconceitos teológicos desempenharam algum papel cm assegurar a 

derrota do lielioccntrismo. Cf. o horror expresso pelo platônico Dercílides, 

apud    Tlieon Smirn., p. 200. 7 Hiller.

59. Cícero, divin. 2.  87-99. PI olmo,  Enéadas,   2.3 c 2.9.13. Os astrólogos ficaram  

deleitados com o triste fim de Plotino, que eles explicaram como castigo me

recido pela sua falta de respeito c blasfemia do filósofo para com os astros.

60. Ver M. Well man, “D ie (¡ruanca des Bolos" , Abh. B e r t Akad. , phtl.-lús t.

  Kl., 1928; W. Kroll, “Bolos und Demokriios",  Hermes  69 (1934), 228 sg.; e  

Festugière,  L'A st rol ogi e,   196 sg., 22 sg.

61. É por este motivo que Epicuro pensava que era ainda melhor seguir a reli

gião popular do que permanecer escravo dc eijiapUfivq astrais (Epist.  3. 

134). A futilidade da oração foi enfatizada por astrólogos ortodoxos: cf. 

VeLlius Valcns, 5. 9; 6  proem.; 6 , 1 Kroll.

62. Cf. Apêndice 11, p, 308 sg.; c também  P GM   1.214 e XI11.612; e A.D. Nock, 

Conversion,  102, 288 sg.

63.  SV F   11. 473 init.  Crisipo sustentou isio cm virtude do nveujia que tudo 

invade, ouprortO eç ecm v a \m o t o rtav. Cf. também 11.912. Isto é obvia

mente algo diferente da doutrina de “simpatias ’ ocultas especificas; mas é 

provavelmente mais fácil para as pessoas educadas aceitar estas últimas.

64. Festugière, op. cit., 199, Daí a observação de Nilsson de que “a amigüida-

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O M E D O l )A L I B E R D A D E2 6 3

de não era capaz de diferenciar entre potências ocultas e naturais” {Greek  

 Piety,  105). Mas os objetivos e métodos de Aristóteles e de sens pupilos 

são tão distintos dos objetivos e métodos dos ocultistas quanto a ciência  

da superstição (cl:. Festugière, 189 sg.).65. Em uma geração antes havia uma tnoda, iniciada por Sclimekel em seu 

 Phi losophie (1er ini it ieren Stoa,  de atribuir a Posidônio quase toda tendên

cia “mística”, “esotérica” ou “orientalizante” existente no pensamento  

greco-romano tardio. Esses exageros foram expostos por R.M. iones em  

uma série dc valiosos artigos em CP (1918, 1923, 1926, 1932). Para uma  

análise mais cuidadosa do sistema de Posidônio, ver Edelstein.  AJV   57  

(1936), 286 sg. Edelstein não encontra nenhuma prova nos fragmentos, con

firmados como sendo dc autoria de Posidônio, de que ele fosse orientalizante  

ou mesmo um homem dc profundo sentimento religioso. Mas permanece  

verdade a idéia de que seu dualismo condizia com as tendências religiosas  da nova era,

6 6 . Sobre a significação desta revolução na Academia, ver O. Gigon, “Zur 

Gcschichte der sog. Neuen Akademie”,  Museum Heleve ti cum   1 (1944), 47 sg.

67. “Seu s sectários formaram mais uma igreja do que uma escola dc pensa

mento, uma ordem religiosa c não uma academia dc ciências” (Cumont, 

 After Lij e it  j  Rom an Pagan ism,   23), Um bom quadro geral do neopitago- rismo pode ser encontrado no artigo de Festugière,  REG   50 (1937), 470  

sg, Ct. lambém seu  L ’Idéal rel igieux d es grecs,   parte I. cap. V). As  

 Recher ch es sur le symbolisme fu n ér a ir e d e s Romain s,   de Cmnonl, atri

buem ao ncopilagorismo uma ampla influência sobre as idéias eseatológicas 

populares, mas cf. as dúvidas expressas na revisão feita por Nock,  AJA  50  

(1946), 140 sg., particularmente 152 sg,

6 8 . Diógenes Laércio 8.27, e uma das questões do catecismo pitagórico, n  

e c m v 0(1  (iccmpcov viTaoi; r|Xioç m i oeArivri (lâm blico, vit. Pyth.  82 = Diels, Vorsokr.   58 C 4), com o comentário de Delatte,  Étud es sur la Un. 

 py th .,   274 sg.; lambém Boyancé,  REG   54 (1941), 146 sg. e Gigon, 

Ürspmng,  146, 149 sg. Não estou satisfeilo com a idéia de que estas ve

lhas crenças pitagóricas se devam necessariamente à influência iraniana. Tais 

fantasias parecem ter sua origem dc modo independente em várias partes do mundo.

69. Isto foi salientado sobretudo por Wcllmann (op. cit., supra, nota 60).  

Wcllmann encarava o próprio Bolus como neopiiagórico (de acordo com  

Suidas), o que parece errado (cf. Kroll, loc. cit.,  231, mas homens como  

Nigidius Figulus foram evidentemente influenciados por ele.

70. Nigidus Figulus, uma figura de ponta do reiorno do pitagorismo, não ape

nas escrevia sobre sonhos (frag. 82) como citava a sabedoria dos magos  

(frag. 67), sendo famoso por ser um ocultista praticante que havia deseo-

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264 Os GlU iGOS E O IRRACIONAL

berto um tesouro escondido, por meio de  j ovens médiuns {A pu leio,  Apo l.  

42).  Vatinius, que "se autodenominava pitagórico’’, e Appius Claudius Pul-  

clicr, que provavelmente pertenci ¡i ao me smo grupo, são con siderad os por 

Cicero como tendo se engajado em necromancia (in Vat.  14; Tusadanas.1. 37; div.,   1. 132). E Vano parece ter creditado ao próprio Pitágoras a ne-  

cromancia ou hidromancia, sem dúvida com base em textos apócrifos  

neo pi i agó ri co s (Santo Agos tinho ,  A cid ade cie D eus , 7. 35). O professor 

[\Jock está inclina do a atribuir aos neo pitagór icos uma parcela substanciai 

na sistematizarão da teoria mágica, assim como na sua prática  [J. Eg. Arch. 

15 11929], 227 sg.).

71. A reação romântica con tia a teolo gia natural foi bem caracterizada por Chris

topher Daw son (Religion and Culture, 10 sg.). Seus traços típicos são: a) a 

insistencia sobre a transcendência, contra uma teologia que, nas palavras  

de B lake, “chama o príncipe deste mundo de ‘D eu s’”; b) a insistência so

bre a realidade do mal e o “sentido trágico da vida”, contra o otimismo  

insensível do século XVIII; c) a insistência de que a religião está enraiza

da no sentimento e na imaginação, e não na ra/.ão, o que abriu caminho  

para uma compreensão mais profunda da experiência religiosa, mas tam

bém para um retorno do ocultismo e um respeito supersticioso pela  

"sabedoria do Oriente”. A nova tendência do pensamento religioso que co

meçou no século I a.C. pode ser descrita exatamente nos mesmos termos,

72. Nos primeiros séculos do império, monismo c dualismo, “otimismo cós

m ico” e "p essim ism o có sm ico ’’ persistiam lado a lado - ambos são  

encontrados, por exemplo, na  Her métic a -   e loi apenas gradualmente que 

o dualismo assumiu maior importância. Plotino criticava agudamente tanto 

o monismo extremo dos estoicos quanto o extremo dualismo de Numenius  

e dos gnósticos, e se esIorçou para construir um sistema que fizesse justiça  

a ambas as tendências. Os céus estrelados ainda são para o imperador Ju

liano um objeto de profunda adoração: cf. oral..   5. 130CD, cm que ele narra como a experiência dc caminhai sob a luz das estrelas levou-o durante a 

adolescência a cair em um estado dc abstração c transe.

73. Cf. Festugière,  L ’Astrologie,   cap. IX.74. Cf. Nock, “A Vision of Mandulis Aion”,  Harv. Theol. Rev. 21  (1934), 53  

sg.; e Festugière. op. cit., 45 sg., em que um número de textos interessan

tes são traduzidos e discutidos

75. A teuigia cia inicialmente uma técnica para atingir salvação por meios má

gicos. Ver Apêndice II. E o mesmo pode ser dito de alguns dos rituais  preservados nos papiros mágicos, tais como a famosa “receita para a imor

talidade” (TGM   IV. 475 sg.). Cf. Nock, "Greek Magical Papyri”,  J. Eg. 

 Ar ch.  15 (1929), 230 sg.; Festugière,  L'Idéal re lig ieux ,  2Si sg.; Nilsson, 

"Die religion in den gr, Zauberpapyri",  Hull. Soc. Roy. des Let tres de Lund, 

1947-1948, 11. 59 sg.

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ü M t it X ) D A I J B t R D A O E2 6 5

76. Nilsson, Greek Piety,   150, O ocultismo, devo acrescentar, deve ser distin

guido d;i magia primitiva descrita por antropólogos, que é pré-denlífico,  

pré-filosóiico e talvez pré-religioso, enquanto o ocultismo é tima pseudo- 

ciêneia ou sistema de pseudociências freqüentemente apoiado por tima filosofia irracional, e sempre explorando as margens desintegradas dc reli

giões preexistentes. O ocultismo deve também, é claro, ser distinguido das 

disciplinas modernas dc pesquisa física que tentam eliminá-lo sujeitando 

fenômenos supostamente "ocultos’*a análise racional, e deste modo esta

belecendo seu caráter subjetivo ou integrando-os no corpo geral do  

conhecimento científico.

77. Epicuro loi particularmente franco ao expressar scu desprezo pela cultura  

(frag. 163 Us., J ta iS a a v m er a v ee-uye, cf. Cíc, ///¡. 1 .71 sg. = Trag. 227) 

c pela ciência que não losse capaz de promover a (xiapoiqicí (Epist.  1. 79,

2. 85; Kvpica AoÍjca, 11}. O professor Farrington parece-me completamente  

equivocado em fazer dc Epicuro um representante do espírito científico, em  

conti aste com os esto icos reacionários”. M aso estoicism o tambeni era ge

ralmente indiferente à pesquisa exceto até onde ela pudesse confirmar os 

dogmas estoicos, c estivesse preparada para suprimir o espírito científico  

onde ele entrasse em conflito com eles (n. 58),

78 . PI ot i no c a exce çã o que mais salta aos o lho s. Ele organizou seu ensina

mento em bases de seminário com espaço aberto para o debate ,  ieconhecendo o valor da música c da matemática como preparação para a 

filosofia (Porfirio, vita Platini,  13; Plotino, linéenlas,  1.3.1,. 1.3.3). E diz- 

se que ele piópiio era versado em tais assuntos, assim como em mecânica  

e ótica, em boi a el e nao os en sinasse (ij;7.  Plot.  14); sobretudo como colo

cou Geffckcn (Ausgang, 42), “ele não fica no topo do sistema e faz sermões:  ele investiga.'”

79. Epiteto,  Diss.   3 ,23 .30: Laipetov ecxiv , avôpeç , to   totj  OiXoao<|io\j 

O^üÀeiov; Séneca,  Epist.  48.4: ad míseros advocates es (...} perditae vitae periutraeque auxiliam aliquad implaran!.  Esta linguagem era comum  

a todas as escolas. Os epicuristas sustentavam que sua questão era Tigpi tt|V 

T|jiov taTpstav (Sem. Vat.  64, d . Epicuro,  Ep is t.   3. 122, Jipoç to   KCíTtt

wu^qv uyiaivov). Filo de Larissa EOtKevca Oqsai t o v  01)LKOOO(J)OV taipta  

(Stob, EcL  2.7.2, p. 39 sg. W), e o próprio Platão é descrito no texto anô

nimo vita,  9.36 sg. como um médico de almas. A fonte definitiva de tudo  

isto c, sem duvida, terapia da mente socrática, mas a freqüência da metáfo

ra médica é, entretanto, significativa. Sobre a função social da filosofia na 

Idade Helenística e posteriormente, ver especialmente Nock, Conversion,  cap. XI,

80. Marco Aurélio, 3,4.3: lepuç tiç  e a u kt/.lw o u p y o ç Óecüv.

8 1 . Justin Martyr,  Dia l.   2.6. Cl. Porlirio, ad Marc el lain  16: 5e coi^oi) 

appoCKTOi npoç 0eov , «Et «£ov o p a, a u ve cm v ae t Geco.

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2 6 6O S GREGOS E O IRRACIONAL

82. Demetrio Cínico (sée. I) apud  Séneca, de heneficiis  7 .1.5 sg.

S3. Como ressalta Wendland ( Die he llenisti sc h- romisc he K u l tu r .   226 sg }, a 

atitude de pagaos como Demétrio coincide com a de alguns escritores cris

tãos, como Arnóbio. que sustentavam que lodo ensinamento secular era desnecessário. E não M urna grande diferença entre a visão do pequeño  

catecismo de que “toda a obrigação do liomcm consiste em glorificar Deus  

e aprecia-lo para sempre” e a visão pagã hermética que escreveu que "a 

filosofía consiste exclusivamente cm buscar o conhecimento de Deus atra

vés da contemplação habitual e da sagrada piedade” {Asdep ius   12).

84. Enquanto isso, ver seu Creek Piety   (trad, ing., 1948), e seus a Higos sobre 

“The New Conception of the Universe in Late Greek Paganism” (Eranos  

44 [1946], 20 sg.) e “The Psychological Background of Laic Greek  

Paganism” (Review o f Religion,  1947. 115 sg.).

85. Vol. I,  L'A str olog ie et les sc iences occu lte s  (Paris, 1944), con lendo Lam

bém uma introdução brilhantemente escrita às séries; vol. 11,  Le Dieu  

cosmique   [Paris, 1949). Dois outros volumes.  Les doctr ines de l 'â me  e  Le  

 Dieu in conn u et la gnose   estão prometidos. O livro póstumo dc Cumonl, 

 Lux Perpetua,   que faz polo mundo greco-romano algo que  Psyché,   de  

Rohdc, fez pelo mundo helénico, surgiu larde demais para que eu pudesse  

utilizar.

8 6 . Bury achava que nenhum mau uso “daquela palavra vaga e fácil ‘decadente'” podia ser mais ílagranie do que sua aplicação aos gregos dos séculos

li e III (The Hellenistic   ,4 ge , 2); e Tarn “m amém dú vidas sobre s e os gre

gos verdadeiros realmente degeneraram” (Hel lenis t ic Civ i l i za t ion,   5) . 

Quanlo à m lluència sobre t> pensam ento grego lardio, a tendencia ¡ilual é 

diminuir a importância dada a ela cm comparaçao com aquela dc pensado

res gregos anteriores, cm especial Plalao (cl. Nilsson, Greek Piety.   136 sg., 

Festugière,  Le Die u cosmique,   XII sg.). Homens como Zenão de Cício, Po

sidônio, Plolino, c mesmo os autores da  Hermetica Ii losó Iica não são mais considerados "orientalizamos” em qualquer senlido fundamental. Ilá  

aluai mente uma reação contra estimativas exageradas da inllu ência de cul- 

los de mistérios orientais: cf. Nock, CAII   XII. 436, 448 sg.; Nilsson, op. 

cil., 161.87. C f as observações dc N. II. Barnes no  JRS   33 {1943}, 33. Vale lembrar 

que os criadores da civilização grega eram eles próprios, ao que tudo indi

ca, produtos de um cruzanici i lo entre legados indo-europeus e  

não-mdo-europeus.8 8 . w. R. Hailiday, The Pagan Background of Early Christianity.   205. Outros, 

com mais razão, culparam a fragilidade da camada superior civilizada e o 

fracasso total da camada m ais educada cm atingir e inf luenciar as m assas 

(assim , por exem plo. Ei trem, Orukel and Mysten en ant Ausgang de r Antike, 

14 sg.).

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O M KD O D A U B B R D A D E 267

89. Cf. Festugière,  L ’Astrologi e, S   sg,

90. Cf. cap. il, supra.

91. Um livro publicado cm 1946 afirma que há atualmente pen o de 25 .00 0  

astiólogos praticantes nos EUA e que cerca de 100 jornais norte-americanos fornecem aos seus leitores a previsão diária do futuro (Bergen Evans,  

The Natural History o f Nonsense, 257). Lamento não possuir nenhum dado 

sobre a Grã-Bretanha e a Alemanha.

92. Nilsson, Greek Piety , 140.

93. Festugière,  L'Astr ologie , 9.

94. Há importantes exce çõ es à regra, em particular na obra de Strato sobre 

física (cf. B. Farrington, Greek Science,  II. 27 sg.), e nos campos da ana

tomia e da fisiologia. Na ótica, Plolomeu elaborou um número de experiências, como A. Lejeune mostrou cm seu  Et tc lide et Ptol om ée .

95 . B. Farrington, op. cil, II. 163 sg. , e Walbank,  Dec line o f the Rom an Empire 

in the West.  67 sg. Simplifiquei o argumento, mas, espero, sem cometer 

uma grave injustiça.

96. Cf. Erich Fromm,  Escape f rom freed om .

97. Nock, Conversion.   241. Cf. a concepção dc Fromm da dependência do

ajudante medico” e o bloqueio resultante da espontaneidade, op. cit., 174

sg-

98. No sso s poucos dados sobre a Idade Helenística se devem à perda quase  

loial da literatura em prosa do período. Mas sua história realmente forne

ce um exemplo muito lorte de uma efervescência maciça dc religião  

irracionalisla, o movimento dionisíaco na Itália que foi suprimido cm 186

a.C. e nos anos seguintes. Ele reivindicava ter muitos seguidores, “quase 

um oulro povo”. Cf. Nock, op. cil.; E. Frucnkcl,  Her mes,   67 (1932), 369  

sg.; cf, mais rcccntcmcmc J.J, Tierney.  Proc. R.LA.   51 (1947), 89 sg.

99. Teofrasto, Ca reiteres  (16 (28 J.); Plutarco, de superstitione   7, 168D. Cf. 

“The Portrait of a Greek Gentleman". Greece and Rome 2  ( 1933), 101 Sg.100. Sc podemos confiar em Luciano, Peregrino lambém costumava manchar  

o ros lo com lama {Peregrimts,  i 7), embora lalvez por outros motivos. Lu

ciano explicou ludo da estranha carreira de Peregrino como estando rela

cionado ao seu desejo ardente dc notoriedade. E pode haver um elemento 

de verdade em seu diagnóstico: o exibicionismo de Pcregino à la Diogenes 

(ibid.), se não c um simples sinal convencionalmente atribuído aos cíni

cos extremistas, parece confirmá-lo melhor do que Luciano poderia sa

ber. Assim mesmo é difícil 1er a narrativa irritada de Luciano sem o sentimento de que o homem era mais do que um charlatão vulgar. Ele era  

certamente neurótico, chegando a um ponto não muito distante da verda

deira insanidade; e ainda assim muitos, cristãos c pagãos, tinham visto  

nele um 0eioç cxvïjp, e ate mesmo uni segundo Sócrates (ibid., 4 sg., 11 

sg.), tendo ele se beneficiado inclusive dc um cullo  post-mortem   (Atená-

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2 6 8 O s G R L:.G O S \¿  O I R R A C I O N A L

goras,  Leg. pr o Christ .  26). Um psicólogo poderia CSLar disposto a achar

o leitmotiv  de sua vida em uma n e c e s s i d a d e i n te r n a de desafiar a au

toridade (cf. K. v. Fritz em P.-W., s.v.). E ele poderia prosseguir e con

 je tu ra r que esta necess i dade e s tava enra i zada em uma situação dc família, lembrando o rumor sinistro de que Peregrino era um parricida,

e lembrando lambém suas inesperadas últimas palavras antes de saltar

na pira - S ca po vE ç pr|TpcDOt KOti n a ip o ío t , SeÇcccSE EUi-iEvpetç 

(Peregr. 36),

101. W ilamow itz. “Der Rhetor Aristides” , Herí. Si tzb.  1925, 333 sg. Campbell 

Bonner, “Some Phases of Religious Feeling in Later Paganism”,  Hcirw 

TheoS. Rev.  30{1937), 124 sg.; e capítulo IV, supra.

102. Cf. Cumont,  After Life,   conferência VII. O Ôeici5ai|.iü)v de Plutarco mostra "a abertura dos portões fundos do inferno”, rios de logo, os gemidos 

dos amaldiçoados, etc. Ule supersi.   4, 167A) - bem ao estilo do  Apoca - 

Up se de São Pedro,   que pode ter sido escrito durante a vida dc Plutarco.

103. Sobre amuletos, ver a importante monografia de Campbell Bonner na 

/-/«it. l'hcol Rev.  39 ( 1946). 25 sg. Fie salienta que do século 1 em diante 

houve, aparentemente, um grande aumento do uso de pedras valiosas gra

vadas (com o que sua monografia sc ocupa principalmente). A compilação  

conhecida com o  Kyremides,  cujas partes mais antigas retrocedem até aque

le século, abundam cm receitas de amuletos contra demônios, fantasmas, 

temores noturnos, etc. Até onde o medo dos demônios havia chegado na  

antigüidade tardia, mesmo na classe letrada, pode ser visto através da opi

nião de Porfirio de que toda casa e corpo animal estavam cheios deles  

(de phiínsopliui c,\ oraculis haurienda,   p. 147 sg. Wolff), e pela afirma

ção de Tertuliano mill um par u e lient in cm cu rere daem on in (ele anim a 57). 

É verdade que tarde nos séculos II e IV houve homens racionais que pro

testaram contra tais crenças (cf. Piolino, linéadax  2,9.14; Filoslórgio,  Hist. 

 E c d .   8,10; c ouiros exemplos citados por Edelstein. "Greek Medicine in  Ils Relation lo religion and Magic”,  Ht dl. Hist. Med.   5 [ 19371, 216 sg,).  

Mas eles constituíam um grupo diminuto. Para os cristãos, a visão de que  

os deuses pagãos cram in a us espíritos real men le existentes aumentou enor

memente o peso de seus temores. Nock vai lão longe a ponto dc dizer  

que "para os apologistas como um lodo, e para Tertuliano em sua obra 

apologética, a operação dc redenção de Cristo consisLe na libertação de  

demônios mais do que na libertação dos pecados”  [Conver si on, 222) .

104.  PGM   V111, 33 sg. (cf. P. Christ. 3); c ïvt iO eo ç jtXotvoôaincúv, VI 1.635; Kucov o.k’£<|)o<Aoç p. Christ. 15B.

105.  PGM   VII. 311 sg.; X, 26 sg.; P. Christ. 10, O medo de sonhos assustado

res e também proeminente no quadro que Plutarco faz do SeicnSoaptúV  

(de supers!  3. 165Ë sg.),

106. Creio que há elcm em os em nossa situação atual que a lornam essencial-

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O M l iDO DA L ll iHKD AD i ; 269

mente diferente de qualquer situaçao humana anterior, invalidando as hi

póteses c íclic as de O swa ld Spenglcr. A q uestão ici i betn afirmada por 

Lippinann,  A Preface to Montis ,  232 sg.

107. A. Malraux,  Psych olo gie de l ’ar t   (Paris. 1949). Cf. a observação de Auden de que “o fracasso da raça lui mana em adquirir os hábitos que urna 

sociedade aberta exige para funcionar tem, está levando um número cada  

vez maior de pessoas à conclusão de que uma sociedade aberta é impos

sível, e que, portanto, a única forma de escapar do desastre econômico c 

espiritual é retornando o mais rápido possível para um tipo de sociedade 

lechada" (loc. cit., supra,   nota 2), Ainda assim, faz menos de trinta anos  

que Edwyn Bevan pôde escrever que "a idéia de alguma causa sendo le

vada a Irente está tão arraigada nos homens modernos que podemos dificilmente imaginar um mundo no qual a esperança dc melhoria e avanço  

esteja ausente” (The Hellenistic Age,  101 ).

108. R,G. Col ling wood defendeu que ‘‘elem entos irracionais [...] atividade s e 

forças que são ceg as em nós, e que são parles da vida humana não 

são parles do processo histórico". Tai afirmação vai no sentido da prática 

dc quase Iodos os historiadores, no passado e no presente. Minha con

vicção, como estes capítulos procuraram ilustrar, e de que nossa  

compreensão do processo histórico depende, em larga medida, da remo

ção desta restrição bastante arbitrária sobre a análise histórica. A mesma  

consideração loi ressaltada repelidas vezes por Corn ford em relação à his

tória do pensamento: ver especialmente The Unwritten Philosophy,   32 sg. 

Quanto à posição geral, devo aceitar a conclusão de L.C. Knights em scu 

 Expií iral ious:  “o que precisamos não é abandonar a razão, mas simples

mente reconhecer que ela nos últimos 1res séculos tem funcionado dentro 

de um campo que não cobre o lodo de nossa experiência, que ela tem fa

lhado em atingir partes desíe lodo, e imposto limites arbitrários a seu  

próprio funcionamento.” (p. Ill)

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A p ê n d ic e I  

 M   e n a d i s m o * 

í < 7 7  m arte como em po es ia, a repre senta ção destes esta-i s / d o s selvagens dc entusiasmo ficava apenas na esfera

da imaginação, pois em literatura e prosa, por exemplo, possuímos poucas provas históricas de mulheres promovendo orgias 1 a céu aber-

to. Esta prática teria sido estranha para o espírito de reclusão que

 permeava a vida feminin a na Grécia .. . Os fest ivais das Tía des eram

confinados principalmente ao Parnaso." Assim escreve Sandys, na

introdução dc sua edição merecidamente e logiada das  Bacan tes. Dio-

doro, por outro lado, nos conta que (4.3) “em muitos estados gregos,

congregações (panceta) de mulheres sc reúnem a cada dois anos,

e que mulheres não casadas têm permissão para carregar o tirso e

compartilhar do êxtase dos mais velhos ( cu ve vú ou tjiaÇ eiv ).” Des-

de Sandys, provas em inscrições, vindas de várias partes do mundo

grego, confirmaram a afirmação de Diodoro, Sabemos agora que tais

festas bienais (Tpurjpiôeç) existiam cm Tebas, Opus, Meios, Pérgamo, Priene e Rodes, atestadas por inscrições cm Aléa na Arcádia,

leilas por Pausânias, em Mitilenc por Aeliano, e cm Creta por Fir

micus Maternus . 2  O caráter das festas pode ter variado bastante de

uma localidade para outra, mas 6  difícil duvidar de que elas normal-

mente incluíam opyta teminina de tipo extático ou quase extático,

confor me descritas por Diodoro, envolvendo freqüentemente se-

* Estas páginas fizeram parle, originalmente, de artigo publicado na  Harv ard  Theological Review,   v, 33 {1940). Aqui elas são reproduzidas com pequenas 

correções e acréscimos. Agradeço ao Prof. A.D, Nock, Dr. Rudolf Pfeiffer e 

outros pelas valiosas críticas.

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 A  p é n d i c e   1 . M i; n a d i s m o 2 7 3

são muito insuficientes e a natureza da mudança operada não c nada

ciara. Há. entretanto, fenômenos paralelos em outras culturas que

 podem nos ajudar a compreender o m p o ô o ç cias  Bacantes  e o cas-

tigo de Agave.Em muitas sociedades, talvez em todas, há pessoas para quem,

como colocou Aidous Huxley, “as danças rituais fornecem uma ex-

 pe riência rel ig iosa que parece mais sat isfatória e convincente do que

qualquer outra... E com os músculos que eles mais facilmente ob-

tem um co nhe cim ento do elemento div ino” .* Huxley pensa que o

Cristianismo cometeu um equívoco quando permitiu que a dança se

tornasse co mple tame nte secularizada,,J pois segundo um sábio mao

melano “aqueie que conhece o po der da dança habita Deus” . Mas o poder da dança é um poder perigoso . Como outr as formas de auto

entrega, é mais fácil começar a dançar do que parar. Na extraordi-

nária loucura dançante que invadiu a Europa periodicamente dos

séculos XIV ao XVII, as pessoas dançavam até cair como um d an-

çarino das  Bacantes  ou um dançarino em um vaso Berlim 1" fican-

do inconscientes, sendo pisoteadas por seus companhciros." A coisa

seria também altamente infecciosa. Como observa Penteu, nas  Ba-

ca m es,  a loucura sc espalha como o fogo, A disposição para a dan-

ça toma posse das pessoas sem u consentimento da parte consciente

da mente. Por exemplo, em Liège em 1374, contase que depois que

algumas pessoas possuídas haviam caminhado seminuas até a cida-

de, com guirlandas de llores à cabeça e dançando cm nome de São

João. “muitas outras pessoas, aparentemente sãs da mente e do cor-

 po, também foram repentinamente possuídas por diabos, ju ntando

se aos demais.” Estas pessoas abandonavam o lar, como as mulheres

tebanas na peça de Eurípides. Mesmo as mulheres mais jovens cor-

tavam laços com a família e com os amigos, vagando com os dan-

çarinos . 12  Contra uma mania semelhante, na Itália do século XVII,  

contase que nem a idade e nem a juve ntud e podiam conferir prote-

ção, de modo que mesmo os homens de mais de noventa anos de

idade jogavam fora suas muletas para dan çar ao som da “tarantella” ,

e como se estivessem sob o efeito de alguma poção mágica, restau-

radora do vigor e da juventude, se uniam aos dançarinos maisextravagantes” , 1-1 A cena de Cadm os e T iré sia s nas  Bacantes  era portanto, ao que parece, freqüentemente reencenada. just if icando

a observação do poeta, de que Dioniso não impõe nenhum limite dc

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274 Os GREGOS e O I R R A C I O N A L

idade. Me smo céticos como Agave eram, às vezes, contaminados por

esta mania contra as suas próprias vontades e contrariamente às cren-

ças professadas por eles . 14  Na Alsácia, nos sécuios XV e XVI, foi

defendida a tese de que a loucura da dança poderia ser imposta auma vítima por meio de uma praga rogada . ' 5  Em alguns casos a

obsessão compulsiva ressurgia a intervalos regulares, crescendo emintensidade até o dia de São João ou de São Vito, quando irrompia,

sendo seguida por um retorno à normalidade . 1(1  Na Itália a “cura”

 periódica dos pacientes em estado de so frim ento , at ravés da mú-

sica e da dança extática, parece ter se desenvolvido cm um festivalanual . 17

Este último fato sugere o caminho pelo qual o ritual daoreibasia   pôde ter se desenvolvido originalmente na Grécia, a par-

tir de ataques espontâneos de histeria coletiva, e a uma data bem

 precisa. Ao canalizar uma tal histeria dentro de um ri to organizado

uma vez a cada dois anos, o culto dionisíaco mantinhao dentro de

limites, fazendoo brotar sem grandes perigos. O que o TtapoSüÇ

[narrador] das  Bacantes '“descreve é uma histeria subjugada a ser-

viço da religião. O que aconteceu no Monte Citeron foi pura histe-ria, o perigoso Baquismo que desce como um castigo sobre os

homens respeitáveis c os devasta contra suas vontades. Dioniso está

 presente em ambos os casos como São João ou São Vito, ele é a

causa e o liberador da loucura, B aK^oç e A v a i o ç 19  Devemos ter

cm mente a ambivalência se quisermos compreender a peça corre-

tamente. Resistir a Dioniso é reprimir o que há de elementar na nossa

 própria natureza, e o castigo é o repentino e completo cola pso das

represas internas, quando o elementar rompe a compulsão fazendodesaparecer a civilização.

Há. além disso, certas semelhanças de detalhe entre a religião

orgiástica das  Bacantes  e a religião orgiástica de outros lugares que

merccem ser notadas, pois tendem a estabelecer que a ménade é uma

figura real, não convencional, que existiu com diferentes nomes e

em épocas e lugares muito diferentes. A primeira semelhança diz

respeito às flautas e tímpanos ou tambores que acompanham a dan-ça ménade nas  Bacantes  e nos vasos gregos .2(1  Para os gregos estes

eram os instrumentos “orgiásticos”  par excellence'.2'   eles eram usa-

dos em todos os grandes cultos de dança, da asiática Cibele e da

cretense Réa, tanto quanto de Dioniso. Tais instrumentos podiam cau-

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A p ê n d i c e   1 . M e n a d i s m o 275

sai' íoucura, e em doses homeopáticas podiam também curála . 32 Dois

mil anos depois, em 1518, quando os dançarinos loucos de São Vito

dançavam através da Alsácia, uma música similar música de per-

cussão e de sopro foi novamente usada com o mesmo propósitoambíguo: provocar e curar a loucura. Ainda possuímos a minuta do

conselho da cidade de Estrasburgo a respeito do assunto . 23  Não se

trata certamente de tradição, e provavelmente também não é uma

coincidência: parece a redescoberta de u ma conexão causai real, so-

 bre a qual apenas o Ministério da Guerra e o Exército da Salvação

 possuem algum tipo de informação.

Um segundo ponto concerne ao movimento de cabeça durante

o êxtase dionisíaco. Isto é  algo que é repetidamente ressajtado nas

 B acantes: “jogando seu longo cabelo para os céus”; “eu pararei de

 puxar seu cabelo para trás” , “lanç ando minha cabeça para frente e para trás como em um bacanal” . De maneira semelhante e em outro

lugar, a possuída Cassandra “sacode seus cachos dourados quando

de Deus sopra o vento imponente de uma segunda visão”. O mes-

mo traço aparece em Aristófanes, na  Lis ís trata ,  e é constante em

outros escritores, apesar de descrito de modo menos vivaz: as mé-nades ainda “sacodem suas cabeças” em Catulo , Ovidio e Tácito.2i|

Vemos este ato de lançar a cabeça para trás e levantar a garganta

em antigas obras de arte, como, por exemplo, nas figuras preciosas

de Sandys ou na ménade em baixorelevo do Museu Br itânico . 25 Mas

o gesto não é uma simples convenção da poesia e da arte gregas;

em todos os tempos e lugares ele caracteriza este tipo particular de

histeria. Tomo, por exemplo, três descrições modernas independen-

tes: o “contínuo m odo abrupto de lançar a cabe ça para trás, fazendo

o longo cabelo negro se retorcer, acrescentava muito à sua aparên-

cia selv ag em ” ;2'’ “ seu longo cabel o foi sacu did o pelos rápi dos

movimentos da cabeça para frente e para trás” ; 27  “a cabeça era sa-

cudida de um lado para o outro ou lançada bem para trás, acima da

garganta inchada e protuberante ” .2*1  A primeira frase é de um relato

missionário sobre uma dança canibal na Columbia Britânica; a se-

gunda descreve uma dança sagrada de devoradores de bode noMarrocos; a terceira é uma descrição clínica de histeria possessiva

feita por um médico francês.

Esta não é a única analogia que liga tais tipos dispersos. Os

dançarinos extáticos de Eurípides “carregavam fogo em suas cabe-

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276 Os G Ri-G O S r-: o i r r a c i o n a l

ças sem se qu eim ar” .21'Ass im ocorre com o dançarino extático de

outras localidades. Na Columbia Britânica, por exemplo, o homem

dança com carvão em brasa nas mãos, brincando sem medo. che-

gando até mesmo a colocálo na boca . 111 O mesmo acontece na Áfri-ca do SulMe em Sumatra . ’ 2  No Si ão ” c na Sibéria14o dan çarin o se

apresenta co mo invulnerável, enquanto o deus estiver com ele exa-

tamente como os dançarinos do Cileron. Nossos médicos europeus

encontraram uma explicação para isso (ou a metade de uma expli-

cação) nos próprios hospitais: durante os ataques o paciente histéri-

co é de fato aneslesiado toda sensibilidade à dor sendo rep rimida . 35

Uma versão interessante do uso espontâneo e curativo da dançae da música de tipo extático (trompete, tambor e flautim) na Abissínia, no início do século XIX, pode ser encontrada em A vida e as 

aven turas de Na thana el Pearce, escrito po r ele próprio duran te sua 

residência na Abissínia de ¡810 a I8Í9.   A versão apresenta vários

 pontos em comum com a descrição dc Eurípides. No momento cul-

minante da dança a paciente “executava o movimento com tal

velocidade que o corredor mais rápido não conseguiria alcançála,

e quando ela havia percorrido uma distância de cerca dc 180 me-tros, caía repentinamente, como que atingida por algo”. (Bacantes), 

A mulher de Pearce, uma nativa dominada pela mania, dançava e

saltava “mais como um veado do que como um ser humano” (Ba-

cantes).  “Durante estes ataques eu os via dançar com uma garrafa

sobre a cabeça, sem no entanto derramar o líquido que ela continha,

ou m esm o deixar cair a garrafa, embo ra scu corpo assumisse as mais

extravagantes poses” [Bacantes,  Nonnus, 45.294 sg.),

Uma descrição completa do ataque das ménades aos vilarejos

tebanos (Bacantes,  748764) nos mostra um comportamento já co-nhecido entre outros grupos. Hm muitos povos, pessoas fora do

estado normal, induzidas ou de modo natural, gozam do privilégio

de pode r saquea r a com unid ade já que interferir em seus alos se-

ria perigúso, visto que elas estão, naquele instante, em contato com

o elemento sobrenatural. Assim por exemplo, na Libéria, os novi-

ços que se submetem a uma iniciação na floresta têm o direito deatacar e saquear os vilarejos vizinhos, levando tudo o que quiserem.

Assim também os membros de sociedades secretas no Senegal, ar-

quipélago Bismarck etc, durante o período ein que os ritos os isolam

da comunidade ,'’1’ Esta sit uação pe rtence, sem dúvida, a um estágio

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 A  p ê n d i c e   1 . M h n a i u s m o 2 7 7

de organização social que a Grécia do século V a.C. já havia deixa-

do para trás, mas a lenda ou ritual podem têla preservado na

memória, e Eurípides pode 1 er encontrado algo disso na Macedo-

nia. A sobrevivência de um ritual de modo atenuado pode, talvez,ser vista mesmo nos dias de hoje, por exemplo, no comportamento

dos Viza: “em geral” , afirma Dawkins, “qualquer coisa ao redor pode

ser encarada como um sinal para se conseguir a redenção, e as

Korilzia (mulheres jovens) tomam as crianças e as levam embora jun-

tamente com o objeto ” .-17  Seriam estas jovens descendentes das

ménades, ladras dc criança, que aparccem nas  Bacantes, 754 (lam-

 bém presentes em Nonnus e em vasos gregos) ? 38Outro elemento primitivo é a manipulação de cobras. Eurípi-

des não compreendia o geslo, embora soubesse que Dioniso podia

aparecer como serpente. E algo que se vê em vasos, e que, segundo

o mesmo Eurípides, já faz pane da imagem convencional e literária

da ménade .3*' Mas na Idade Clássica, aparentemente apenas no cul-

to mais primitivo de Sab ázio4"—e talvez no Baquismo macedónic o41 a serpente era efetivamente manipulada em ritual, com o veículo

da divindade.4í Essa manipulação, mesmo sem deixar subentendidaqualquer crença da divindade da serpente, pode ser um poderoso fa-

tor para a produção dc excitação religiosa e pode ser constatada por

um curioso relato recente43documentado com fotografias do ri-

tual praticado nas igrejas sagradas de vilarejos mineiros e remotos,

de condados no estado do Kentucky. Segundo este relato, a mani-

 pulação das cobras (base adas oste nsivamente em Marcos 16:18: “celes tomarão serpentes”) compõe o serviço religioso e é precedido

e acompanhado de danças extáticas ate a exaustão. As cobras são

retiradas de caixas e passadas de mão cm mão (aparentemente por

 pessoas de ambos os sexos); fotografias mostr am as cobras levanta-

das acima da cabeça do adorador ou próximas ao seu rosto. “Um

homem enfiava uma cobra em sua blusa e a apanhava enquanto se

contorcia, antes que caísse no chão” um estranho paralelo com o

aio ritual dos sab azis Las descritos por Clemente e Arn ób io ,44  e que

 pode nos levar a hesi tar dia nte do que afirma Dieteric h45 (que o atoem questão “pode não significar absolutamente nada, exceto a união

sexual do deus com o iniciado”!).Resta algo a dizer sobre o ato máximo da dança dionisíaca du-

rante o invernó, que era também o ato culminante nas danças cana

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278 O s G R Í iüOS E 0 I RR AC IONAL

denses c marroquinas mencionadas acima o desmem bramento de

um corpo de animal para, em seguida, comêlo cru, cntcípocyfioçe(jû|io<f)aYia. Podemos descontar as descrições de regozijo diante do

alo. feitas por cerlos padres cristãos, mas é difícil saber que valordar aos dados anônimos colhidos por escoliastas e lexicógrafos a res-

 peito do assunto .'" 1  Mas que o ato ainda linha lugar no ritual orgiás-

tico grego durante o período ciássico é algo que pode ser atestado

não apenas pela autoridade dc Plutarco ,47  como também pelas regu-

lações ao cullo dionisíaco cm Miie to, no ano 276 a.C.,4B nas quais

lemos fiT| £ ,a v a i cono<t>aYiov £|u.poA£iv |u.r|6 evi Jipoxepov ti tj

l e p e ia im ep t t iç jrotecoc, E[ipaÂ,T(. A frase ro(j.o<|)ayiov £|i p a t e i vI lançar ao centro para ser devorado] deixou os estudiosos confusos.

 Não creio que queira dizer “lançar ao poço um animal de sacrifí -

cio” (Wiegand) ou “lançar uma porção dc carne cm lugar sagrado"

(Haussoulier). Um quadro mais sangrento e no entanto mais con-

vincente. c sugerido pela análise feita por Emest Thesiger sobre um

rito anual que ele testemunhou cm T ânger no ano de 1907:4'J “Um a

tribo das colinas desce ale a cidade, em estado semifamélico e em

delírio cau sad o por drogas. Após a habitual bati cia dc tambores, o

ruído alto dos instrumentos dc sopro e a dança monótona, uma ove-

lha c lançada ao meio da cena. Os devotos sc atiram a ela, desmem-

 bram o animal c o devoram cru” . O escritor acrescenta que “certo

ano, um mouro de Tânger, que olhava o que era feito, acabou con-

taminado pelo frenesi geral da multidão, lançando seu filho no meio

deles". Seja isio verdade ou não, a passagem nos serve como uma

 pis ta pa ra o signific ado de F.pPaÀí.tv; além de ilus trar os possíveis perigos de uma ü}(iOC|)ayia praticada sem regula mento. A adminis-

tração de Milcto, por exemplo, se engajou na recorrente tarefa dc

colocar Dioniso dentro dc limites estreitos.

 Nas  Bacante s  07iapayp.oç é praticado primeiro sobre o gado

tebano e depois cm Penlcu. Em ambos os casos ele é descrito com

um gosto que o leitor moderno dificilmente compartilharia. Uma des-

c r ição de ta lhad a da se r ia dem ais , mesmo para osestômagos do público ateniense —Eurípides laia disso duas vezes

{Bacantes, Cretenses), mas em cada um dos trechos ele trata do as-

sunto dc modo rápido e discreto, E dif íci l imaginar o estado

 psicológico que ele descreve com as duas palavras CüfiO^aYOV

Xapiv; mas vale notar que os dias indicados para Cü|JO<|)aYia eram

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 A  i ’HNDICF, 1 . M b n a d i s m o 279

“dias negros c sein sorte” .51’D e falo, aquele s que pra ticam um lal

rilo em seu tempo, parecem experimentar uma mistura de exaltação

e repulsão supremas. Tratase de algo a um só tempo sagrado e hor-

rível, realização impura, sacramento c conspurcação o mesmoconflito violento de atitudes cheias de emoção que atravessa as  B a-

cantes  e está na raíz de toda religião de tipo dionis íaco.51

Escritores gregos tardios explicavam a oj^o^aya do mesmo

modo como explicavam a dança, e como explicariam a comunhão

cristã: seria meramente um rito de comemoração em memória ao dia

em que a criança Dioniso havia sido desmembrada, cortada cm pe-

daços e devorada.52 Mas a prática parece, na realidade, consi stir em

um simples argumento dc lógica selvagem: os efeitos homeopáticosde uma dicta à base dc carne são conhecidos no mundo inteiro. Sc

queremos ter um coração de leão, devemos comer um leão; se que-

remos ser sutis, devemos comer cobras; os que comem galinhas e

lebres serão covardes, enquanto aqueles que comem carne dc porco

terão olhos pequenos com o os po rcos .53 Por um raciocínio similar,

se quiserm os ser com o deuses devemos com er um deus (ou algo que

seja fciov). Devemos comêlo rápido e cru, anies que o sangue le-

nha escoado; apenas deste modo acrescenlaremos a vida dele à nossa,

 pois “o sangue é a vida” . Deus não está sempre disponíve l pa ra ser

comido, nem sequer seria seguro comêlo a qualquer hora e sem o

devido preparo durante o recebimento de sacramento. Mas uma vez

a cada dois anos, ele se faz presente aos dançarinos da montanha:

“os be o do s”, afirma Diodoro (4.3), “juntam ente com ouiros gregos

c trácios, acredilam que esta e a época de sua epifanía entre os ho-

mens” exatamente como nas  B acantes.  Ele pode aparecer sobvárias formas, vegetais, animais ou humanas, sendo comido dc di-

versas formas. Na época de Plutarco era a hera que devia ser cortada

cm pedaços e mastig ada54 podemos julgálo primitivo ou subsli

lu í lo po r a lgo ma i s s ang ren to . J á em E ur íp ides , bo i s s ão

sacri ficados55 um bode é cor tado em pedaços e devorado .56 Por fim,

ouvimos falar da C0 ti0 (j)ttya de pequenos veados57e da exibição de

víboras.5*Como cm todos estes casos podemos, com maior ou me-

nor probabilidade de erro, reconhecer a encarnação de um deus,

inclinomc a aceitar a opinião de Gruppewdc que a co|ao<t>{rya eraum sacramento no qual Deus se fazia presente, através de um ani-

mal que seria seu veículo, sendo cortado cm pedaços c devorado

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2 8 0 Os ORKCiOS E O IRRACIONAL

nesic formato pela s pessoas. Argumente i, ein outro t ex to /1'1que ha-

via existido urna forma de sacramento mais poderosa porque mais

hor renda o ato de exibir e devorar Deus sob a forma humana; a

cstória de Penteu é, em parte, uma reflexão sobre este ato em opo-sição à visão em voga que enxerga nisso apenas  uma reflexão sobre

o conflito histórico entre os missionários de Dioniso e seus adver-sários.

Em resumo: tentei mostrar que a descrição que Eurípides faz

do menadismo não deve ser vista em termos dc “simples imagina-

ção”, e que as inscrições encontradas (ainda que incompletas)

revelam uma relação mais íntima com oculto real do que os estudio-sos vitorianos puderam perceber ainda que a menade, apesar de

alguns de seus atos míticos, não seja essencialmente uma figura

mito lógica1*1mas sim um lipo hum ano que po dia e ainda pode scr

observado. Dioniso ainda possui seus devotos ou suas vítimas, em-

 bora os denominemos atualmente de ou tra mane ira; c, à sua época,

Penteu teria sido confrontado a um problema que outras autorida-

des civis confrontavam na vida real.

N o t a s   d o   a p ê n d i c e   í

1. Esta tradução tradicional de potKXEvetev induz a associa ções in felizes. O 

verbo não quer dizer sc divertir, mas sim, compartilhar de um rilo religio

so particular e (ou) 1er uma experiencia religiosa - a experiência de 

comunhão com um deus que transforma o ser humano em |3ockxo<; o u numa [íctKxri.

2. Fouilles de Delphes:, 111. 1. 195;  IG.  IX. 2K2, XII ]|[ . 1089; Fracnkel,  In 

 Peiy.   24 R (cf. Suidas, s.v, Tpie irip iç); Hiller v, Giirlringen, hi. Priene   113, 

179; l.C.  XII. 1. 155, 730; Paus. 8,23 1; AcL Var. H i s 13.2; Firm. Mai.. 

 Err. prof. tel .  6.5. TplETiipioeç também surge enire os budini semi-  

helen izado s na Trácia (! leródolo 4. 108).

3, Wicgand,  Milef, IV. 54 7 a ç o p o ç l^ye; cf.  Bacantes   116, 165, 977, que su

gere que ëiç opoç pode 1er sido uma espécie dc choro ritual.4, Wadinglon,  Ex/tlic. des Inscr. d'Asie Mineur,  p. 27, il. 57. Não e certo que  

o título seja dionisíaco. Mas há provas literárias dc opErpaoia dionisíaca  

em T molus, na parte lesLe da mesm a cadeia de montanhas: Non nus 40.273: 

£iç OKOmüir T^iiAoio ÔEOOODTOÇ 1H6 po,Kxr|,  H. Orpl t.   49.6: TfiMXüÇ 

| ...] KaÂOV AuÔomi 0oaa[iH (daí tepov TjKoXov. Eur.  Bac.  65)

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A p é n d i c e   1. M e n  a  d is m o 281

5. 10.3 2.5. A afirmação, natural men le, tern sido posta em dúvida.

6 . de primo frigido   18, 953D.

7. muí. virt.  13, 249E.

8 .  Ends and Means,   232, 235.9. A dança, com a forma dc idolatría, sobreviveu por longo tempo em algu

mas seitas norte-americanas, Ray Stracliey, Group Movement s o f the Past,

93, cita a exortação de um dançarino mais idoso liá cem anos: “Avançai,  

velh os, joven s e virgens e adorai a Deus com toda a sua força pela dança." 

E parece que a dança sagrada ainda í praticada por memb ros da Igreja da 

Sagração cm Kentucky ( Picture Post ,  31 de dezembro de 1938) como tam

bém pelo Hassidim judaico (L.H, Feldman,  Harv. Theol. Rev.   42 [1949], 

65 sg.}.

10 Bcazlcy,  ARV   724. 1; Pfulil,  Male reí u. Zeischnung,   fig. 560; Lawler, 

 Memoirs o f the Amer ican Academy at Rome,   6  (1927), fig. 21, n. 1.

11. C h r o n i cl e o f L i m b u r g    (1374) , c i tado por A, Martin, “Gescl i . der  

Tanzkranheit in D cut sc 111and”, Zeitschrift d. Vereinsf. Volkskunde   24 (1914). 

De modo similar, a dança do fantasma, pela qual os indios no rte-amer ica- 

nos desenvolveram uma paixão nos anos 1890, continuava “até que os 

dançarinos caissem duros, uns após os ouiros, prostrados ao solo” (Bene

dict,  Patterns o f Cu ltur e , 92).

12. Cilado por Marlin, he. cit . ,  a partir de varios documentos coniemporâ-  ncos, Scu reíalo suptcmcnla, c cm alguns pontos corrige, a obra clássica  

dc J.F.K. Heckcr,  Die Tanzwuth  (1832: edição cm ingles de 1888).

13. Hecker, op. cil., 152 sg. Assim Brunei coma a respeito de uma dança ára

be que “infecía a todos dc loucura conlagiosa" (Essai sur la confrérie  

religieuse des Aissa oua au Maroc,   119). De modo similar, a loucura da dan

ça na Turíngia, em 1921, era infecciosa (ver minlia edição das  Bacant es , 

p. XIL1, noLa I),

14. Hecker, 156,

15. Martin, 120 sg.

16. Hecker, 128 sg.; Martin, 125 sg.

17. Hecker, 143 sg., 150. Marlin, 129 sg., acha um sobrevivente formal e re

gulado das danças compulsivas e curativas do Reno na procissão dançante  

anual de Esternaeh, a qual ainda se crê ser curativa para a epilepsia e ou

tras doenças psicopáticas similares.

18. Tal ve/, exp resso na Lacónia pelo lermo Aua jaoiw oa (título de urna tragedia 

de Platinas, Nauck, TGF1,  p, 726), Um fracasso na capacidade de distin

guir o menadismo ‘negro” descrito pelas mensageiras, do menadismo  “blanco” descrito pelo Coro, letn sido responsável por muito da má com

preensão em torno das  Bacantes.

19. Cf. Rohde,  Psyche,   IX, nota 21; Farnell, Culis,   V. 120. Outros explicam  

Auotoç e Ahoíioç como liberador dc convenções (Wilamowitz}, ou como

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2 8 2 O s GREGOS E O IRRACIONAL

liberador Uos aprisionados (Weinreich, Tü binge r Beitra ge , V 11930], 285 

sg., comparar com  Bac ant es , 498).

20. Em pinturas dc vasos retratando as ménades, Lawler, loc. cit.,  107 sg., en

contra 38 ocorrências de flauta e 26 de tímpanos, também 38 de crotala e castanholas (cf. Eurípides, C i d .   204 sg). Ela observa que “cenas tranqüi

las nunca apresentam o uso do tímpano".

21.  A respeito do uso da flauta, cf. Aristóteles,  Polític a , 1341a 21: o h k   e o t i v

o cœAoç r|©iKov cdÀcc |iccÁlov opytamiKOV; Eurípides,  Her,   871, 879, 

e cap. il! supra,  nola 95. Sobre o tímpano em cultos orgiásticos de Atenas,  

Aristófanes,  Li s. ,  1-3, 388.

22. Cf. cap. Ill, supra.

23 . Martin, 121 sg. O tambor turco e a flauta de pastor eram também usados na Italia (Hecker, 151).

24. Catulo,  Attis  23; Ovidio,  Metamorfoses  3.72 6; Tácito,  At ta is ,  1i .31.

25. Outros exemplos podem ser vistos em Fünwangler,  Die Antikc Geminen,  

fig. 10, n, 49; fig. 36 , n. 35 -37 ; fig. 41, n. 29, fig . 66 , n. 7. Lawlcr, h e

d í . ,   101, encontra uma “lorie inclinação para trás" da cabeça cm 28 figu

ras dc ménades etn vasos.

26. Cilado cm Frazer, O ramo de oura,  V. 1.19. Dc modo similar nas danças 

vudu, “as cabeças são lançadas para Irás, de forma sobrenatural, como se  

os pescoços estivessem partidos” (W.B. Seabrook, The Magic Island,  47).

27. Fra/er, ibid., V, 1.21.

28. P. Richer,  Et udes cliniques sur la grande hystér ie,   441. Ci. S. Bazdcchi, 

“Das Ps y chopal hi se he Substrat der  Hacchae", Aie h. Gesch. Med.   25 (1932), 

288.

29. Para outras provas anligas disso, ver Rohde,  Psyche,  VIII, n. 43.

30. Benedict,  Pattern s o f Culture ,  176.

31. O. Dapper, l ieschreibung von Afrika,   citado por T. K. Oestcrreich,  

 Posse ss ion,   264 (trad. ingl.). Lane viu as dançarinas maometanas agirem  

do mesmo modo (Manners and Customs o f the Modern Egyptians, 467 Sg,, 

edição da Everyman’s Library}. Ver também Brunei, op, ciL„ 109, 158,

32. ,1. Warneck,  Religion der Ikit ak,   cilado por Oestcrreich, ibid., 270,

33. A. Basiian, Volker des Oestiichen Asiens,  III. 282 sg, “Quando o Chao (se

nhor demoníaco) é obrigado pelas conjurações a descer ao corpo de Khon  

Song (uma pessoa vestida como o senhor demoníaco), o último permanece  

invulnerável enquanto ali esliver e não pode ser tocado por nenhum tipo  

de arma” (citado ibid., 353).34. Czaplicka,  Aboriginal Siberia , 176.

35. Rinswanger,  Die Hyst éri e,  756,

36. A. van Geimep,  Les Rite s de passage,   161 sg.

37.  JUS ,   26(1906), 197; cf. Wace. USA  16(190 9-1910 ), 237.

38. Nonnus, 45, 294 sg. Cf. a ménade do Museu Británico do pintor Midias

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A p ê n d i c e   I . M e n a d i s m o 283

(Beazley,  ARV   833, 14; Curtius,  Pen t he us,  fig. 15) que é quase contempo

rânea das  Bacante s.  A criança que ela carrega dificilmente seria sua, pois 

aparece brutalmente pendurada por uma perna sobre seu ombro.

39. Cf. Bcazley,  ARV   247. 14; Horacio, Odes, 2.  19.19.

40. Demos, de cor.,  259.

41. Plutarco,  Alex.   2; Luciano,  Alex. 1.

42. Cf. Rapp,  Rh. M us.  27 (1872), 13. Mesmo Sabázio, se podemos acreditar 

em Arnóbio, teria finalmente poupado os nervos de seus adoradores per-  

milindo-lhes utilizar uma serpente de metal (ver nota 44). As cobras, na 

procissão dionisíaca de Pi o lo meu Filadelfos em Alexandria (Aten. 5.28 ), 

eram sem dúvida imitações (lal como as imitações da hera e das uvas des

critas na mesma passagem), já que as senhoras eram £GTE9avtí>p.£vai

o0eaiv: uma grinalda de cobras vivas, embora domadas, desmanchar-se-ia  e estragaria o efeito.

43.  P icture P ost,  31 de dezembro de 1938. Sou grato ao professor R.P.  

Winnington-lngram por ter me chamado a atenção para este artigo. Fui in

formado de que o ritual resultou cm mories por mordida de cobra e que foi  

por isso proibido por lei. Lidar com cobras é algo praticado cm Coeulo, no  

Abruz/.i, como um (raço característico do festival religioso; ver Marian C,

1larri s ou, Folklore  18 (1907), 187 sg. e T. Ashby,  Some Italian Scenes and  

Festivals,  115 sg.44.  Pro trep ,  2,16: Spa.KOV 5e eoTtv o v io ç (sc. £ctpaÇ toç) SteA-icupEvoc; t o o  

ko^tcou tow te^otijievii iv, Arnóbio, 5.21: aureus coluber in sinum  

demiliilur consecrad s ct examitur rursus ab infcrioribus parlibus atque imis.  

Cf. lambent Firmicus Maternus, Fir. prof. rel.  10.

45.  M ithrasli tn rgie2,  124. O motivo inconsciente pode, é claro, ser sexual em  

ambos os casos.

46. Coligido por Farnell, Culls,  V, 302 sg., ñolas 80-84.

47.  D e f o rac .,  14, 41 7C: rijiËpaç a îto e p a ô a ç KOti aia)0pü)iroíç, ev a iç  

cûpoOœyim m i B iaoitaojioi .

48.  Milei ,  VI, 22.

49. Foi-me gentilmente comunicado por Miss N.C. Jollitfe. O rilo árabe é tam

bém descrito por Brunei, op. cit. (nota 13 acima). Ele acrescenta observações 

significativas com o a dc que o animal é jog ad o de um telhado ou platafor

ma, onde e mantido ate um momento apropriado, a não ser que a m ultidão

o destroce ailles', c que os pedaços das criaturas (boi, bezerro, ovelha, bode  

ou galinha) são preservados para uso como amuletos,

50. Ver nola 47,51. Cf. líenedicl,  P atterns o f Culture,   179: “A mesma repugnancia que os  

Kwakiutl (indios da il lia dc Vancouver) sentiram relativamente ao ato de  

comer carne humana, lornou-se para eles uma expressão adaptada da vir- 

lude dionisíaca que reside nas coisas terríveis c proibidas,”

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2 8 4 Os G R EG O S E O IRRA CIO N A L

52. Schol, Clem. Alex. 92   P. (vol. 1, p. 318, Stiililin); Fricio, s.v. veflpiÇeiv;  

Firm. Mat.  Err. prof . rel.  6.5.

53. Frazer, O ramo de ouro,  V. 11, cap. 12,

54. Plutarco, Q. Rom.  112, 291 A.

55. Eurípides,  B acante s, 743 sg.; cf. Escol. Aristófanes,  Rãs   360.

56.  Bacante s,  138, cf. Arnóbio, adv, Nat.  5.19.

57. Fócio, s.v. veppiÇeiv. Cf. o tipo de arte da ménade V£Ppu<j)OVOÇ mais recen

temente discutido por H. Philippart,  Iconographie des “B acchantes", 41 sg.

58. Galeno, de amidol.  1.6.14 (em um festival de primavera, provavelmente  

de Sabázio).

59. Griech, Myth, u. Rel.  732.

60. Ver minha Introdução às  Bacantes,   XVI sg,, XXIH sg.

61. Como argumentou Rapp.  Rh. Mus. 21,  1 sg., 562 sg., sendo aceito por 

M ¡irbach em P.-W,, s.v. e Voigt cm Roscher. s.v. “D io nyso s” .

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2 8 6 Os GRBGOS E O IRRACIONAL

coisas: 1 ) esclarecer a relação entre neop la to nis m o e teu rgi a ao lon-

go do desenvolvimento de ambas, e 2 ) examinar o seu verdadeiro

modus operandi naquilo que parece ter sido os dois principais ramos

da teurgia.

I. O fundador da Teurgia

Até onde sabemos, a pessoa que primeiro foi descrita como

Seoupyoç foi alguém de nome Juliano , 7  que viveu durante o impé-

rio de M arco Aurélio.* Provavelme nte, como sugeriu Bi dez ,9  ele in-ventou a designação para se distinguir dos simples 0EoA,oyot: estes

falavam sobre os deuses, enquanto ele “agia sobre eles”, ou até mes -

mo “os criava ” , " 1  A respeito deste personagem sabemos lamentavel-

mente pouco. Suidas nos conta que ele era o filho de um “filósofo

cal deu” de mesmo nome , 11  autor de uma obra sobre daemons em qua-

tro volumes, e que ele próprio escreveu 0£ODpyim TeXeatiica

Aoyia 5t EJiciív. Não restam praticamente dúvidas, graças a uma re-

ferência feita por um comentador a propósito de Luciano 12  ( i aTEàxcrciKa ‘IoD^tavou a npoKXoç ■ujio^vrnaaTtÇet , otç o

npOKOTUOç avTi(|)0eXA,ETai) e também pela a fi rm ação de Pselusde que Proclus “se apaixonou pela e 7iT|. chamada Aoyta por seus

admiradores e sobre a qual Juliano erigiu as doutrinas caldéias ” 13 

de que estes “oráculos h examé ricos” nada mais eram (como conjec-tural! Lobeck) do que os Oracida Chaldaica,  sobre os quais Pro-

clus escreveu um vasto comentário (Marinus, Vira Proeli  26).Segu ndo Juliano , ele recebeu estes oráculos dos deuses eles seriam

0£O7tapaõoTa . 14  De onde ele realmente os extraiu, não sabemos.

Como salientou Kroll, o estilo e conteúdo coincidem mais com a era

dos Antoninos do que com qualquer período anterior.ISJuliano pode,

é claro, têlos forjado; mas o modo de expressão é tão bizarro e bom-

 bástico, e o pensamento por detrás tão obscuro e incoerente, que eles

sugerem mais as enunciações sob transe dos “guias espíritas” mo-

dernos do que esforços deliberados de alguém interessado em forjaro que quer que seja. Não parece na verdade impossível, em vista doque sabemos sobre a teurgia tardia, que eles tivessem sua origem

nas “revelações” de algum visionário ou médium, e que o papel de

Juliano cons istisse, como afirma Pselus lf> (ou Proclus), cm colocá

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A p ê n d i c e   I I . T k u r ü i a 2 8 7

los em verso. Isto estaria de acordo com a prática estabelecida dos

oráculos oficiais ; 17  e a transposição em hexámetros seria uma opor-

tunidade para introduzir uma aparência de sistema e significado fi-

losóficos em meio a todo o palavreado. Mas o leitor pio ainda assim

ficaria prejudicado, necessitando de aiguma explicação em prosa ou

de algum comentário. Parece que isto foi fornecido por Juliano, pois

é certamente ele que é citado por Proclus (in Tim.  111.124.32) como

o eeoDpyoc, ev toiç D<|)T|YriTiKOiç. Marinusestá provavelmente se

referindo ao mesmo comentário quando fala de ia .  Áoyta Km Ta

a u e r ro r / a tcúv Xa XSa to v c u X X p a p p a x a (vit. Procli  26), e Da

mascius (11.203.27) quando cita oi 0soi K«t avtoç o ÔEOUpyoç. Se

isto é idêntico ao Be.ovpyiKa mencionado por Suidas, não sabemos.Proclus cita (in Tim.  III .27. I0) uma vez Juli ano ev ej3ÔO|iri xcov

Zoivcov o que soa com o um trecho do OeovpyiKa lidando em sete

capítulos, com as sete esferas planetárias pelas quais a alma desce e

ascende (ci. in Reinp.  11.220.11 sg.). Sobre o cont eú do p rová velda TEA,£<xn.K:a, ver a seção IV abaixo.

Seja qual for a origem dos Oráculos Caldeus,  eles certamente

incluem não apenas prescrições para o culto do fogo e do sol , 18 mas

também prescrições para a mágica evocação dos deuses. A tradição pos terior apresenta os Ju lianos como potentes magos. De acordo com

Pselus , 19  Juliano, o velho, “apresentou” (cruveamiae) seu filho aofantasma de Plalão. E parece que cies reivindicavam ainda um feiti-

ço (ayoytV) para produzir a aparição do deus X povoç2" por exemplo.

Eles podiam lambém fazer as almas dos homens abandonarem e re-

tornarem ao corpo . 21  A tama deles não era sequer confinada aos

círculos neoplatônicos. O temporal que salvou o exército romanodurante a campanha de Marco Antônio contra os Quadi, em 173,

foi atribuído a algumas das artes mágicas de Juliano, o jovem . 22  Na

versão de Pselus, Juliano faz uma máscara humana de barro que solta

descargas de “raios insuportáveis” contra o inimigo .2-1  Sozomen ou-

viu falar que ele partiu uma pedra através de mag ia (Hist. Eccl. 1.18),

e uma pitoresca lenda cristã mostrao competindo em uma exibição

dc poderes mágicos contra Apolônio e Apuleio Rom a tendo sido

atingida por uma peste, a cada mago é atribuída a superintendênciamédica de um setor da cidade; Apuleio consegue parar a peste em

quinze dias, Apolônio em dez; mas Juliano interrompea instanta-

neamente com uma simples palavra de ordem .24

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O s O R E G O S E O IR R A C IO N A L

II. A teurgia na esco la neoplatónica

O criador da teurgia foi um mago c não um filósofo neoplató

nico. E o criado r do neopla tonismo não era nem mago e nem sequer —dando um exemplo   para escritores modernos —um teurgista.ís Plo

tino nunca é  descrito por seus sucessores como um Osovpyoç, nem

utiliza o termo Qeovpyta ou cognatos em scus escritos. Não há, dc

fato, nenhuma indicação26  de que ele tenha ouvido falar de Juliano

e de seus Oráculos Caldeus.  Se este fosse O caso, pre sumimos que

ele têlosia submetido ao mesmo tratamento crítico das revelações

“de Zoroastro, Zoroastrino, Nicoteos, Alogencs, Mcsos c ouiros do

mesmo gênero”, os quais foram apresentados c analisados no semi-nár io p lo t in iano . 27   Porque cm sua grande defesa da t radição

racionalista grega, no ensaio “Contra os gnósticos” (Enéadas   2.9),

ele deixa bastante claro, tanto scu desgosto por todas estas megalo-

maníacas “ revelações espe ciais ”21' qua nto scu desprezo por to iç

tcoXXoiç, oi T0 ,ç Ttapoc xoiç (ja yo tç Ôuvapp.tç Oau pa Çou Gi (c. 14,

1.203.32 Volkmann). Não que ele negasse a eficácia da magia (al-

gum homem do século III poderia negála?). Porém, o teína não lheinteressava. Kle via nisso simplesmente uma aplicação para fins pes-

soais da “verdadeira magia que é a soma do amor e do ódio no

universo”, a misteriosa e realmente admirável cruprcaBeia que tor-

na o cosmos um só; os homens se maravilhando porem mais com a

7 0 1 1 reía humana do que com a magia da natureza, unicamente por-

que esta lhes c menos familiar.lJ

Apesar de tudo isso, o artigo “Teurgia” que apareceu cm um re-

cente volu me dc Pauly Wissowa, chama Plotino de teurgista, e Ei trem

tem ultimamente falado de Plotino, “de onde deriva provavelmente

a teurgia” .'1' As pr incipais bases para esta afirmação parecem ser:

I ) sua nac ionalid ade pretensam ente egípc ia” c o fato de ele ter es -

tudado cm Alexandria com Amonius Suecas; 2) seu pretenso profun-

do conhecim ento ’ 2 da religião cgijx'ia; 3) sua experiência de tmio mysfica 

(Porph. vit.  Plot. 23) e 4) o caso no  Iseum   de Roma (citado c discu-

tido na seção III abaixo). Destas considerações, apenas a última pa-receme realmente relevante. Quanto ao primeiro ponto, deve bastar

dizer que o nome de Plotino e romano, que seu estilo de pensamen-

to e discurso é característicamente grego, e do pouco que sabemos

sobre Amonius Saccas não há nada que garanta que ele seja um

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 A p ê n d i œ I I . T e u r g i a 289

teurgista. No que conce rne ao conheci men to da religião egipcia de-

monstrado nas  Encadas,  não consigo ver ali nada mais do que algu-mas referencias casuais a assuntos do senso comtim Porfirio apren-

deu tanto ou mais pela leitura de Quercmon . 13  E finalmente, quantoà tau o my s tica   plotiniana, de ve estar bem claro para qualquer leitor

criterioso de algumas passagens das  Encadas  E.6.9 ou 6.7,34, que

ela é atingida não por meio de ritual ou de ações prescritas, mas atra-

vés dc uma disciplina interna da mente sem envolver nenhum ele-

mento compulsivo e sem qualquer ligação que seja com magia .-14Resta, enfim, o caso do h e w n .  Tratase realmente de teurgia ou de

algo parecido. O caso, porem, consiste simplesmente em conversas

dc escolas de pensamento. E, dc qualquer maneira, uma visita feitaa uma sessão espírita não faz de ninguém um espírita, sobretudo se

a pessoa, como Plotino, comparece à sessão por iniciativa de outrem.

Plotino era um homem que, conforme colocou Wilhelm Kroll,

sc elevava acima da atmosfera nebulosa que o circundava por meio

dc um grande eslorço intelectual e moral”. Enquanto viveu, elevou

consigo o espírito de seus pupilos. Mas com sua morte a neblina in-

telectual voltou a se fechar sobre as pessoas. O neoplatonismo posterior é, em muitos aspectos , um retorno ao sincretismo deses

truturado do qual Plotino tentou escapar, O conflito entre suainfluência pessoal e as superstições de seu lempo aparece muilo di-

retamente na atitude hesitante de seu pupilo Porfirio 35  um homem

honesto, estudado e amável, porém um pensador sem criatividade

ou consistência. Profundamente religioso por temperamento, Porfi-

rio tinha um fraco incurável por oráculos. Antes de encontrar

Plotino3* ele já havia publicado uma coleção sob o título Ftepi n i çek l oy uo v (tnXoGoijnaç-17  Alguns destes textos se referem a médiuns

e são claramente aquilo que podei íamos cham ar de resultado de uma

“sessão espíriia”. Mas não há traços de citação dos Oráculos Cal-

deas  (ou do uso do termo “teurgia”) na obra. Provavelmente, ele nem

sabia dc sua existência ao escrevêla. Posteriormente, quando Ploti-

no ensinou Porfir io a fazer certos questionamentos, passou a

direcionar uma série de pesquisas irônicas sobre dcmonolog ia e ocul-tismo ao egípcio Anebo,™ salientando, entre outras coisas, a loucura

que é tentar limitar os deuses por meio de magia:w Foi provavel-

mente depois,* após a mone dc Plotino, que eíe retirou os Oráculos 

Cakleus do ostracismo cm que estiveram por mais de um século, es

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2 9 0 Os GRKüOS ti O IRRACIONAL

crcvendo um comentário41  e “fazendo contínua menção a eles” cm

seu de regressu animae  ¡do retorno da alma ].42 E em sua última obraP o r f i ri o s u s te n t o u q u e a l e ^ E m i l e ú rg i c a p o d ía p u r i f ic a r

TCvruiaaTiKil c faz êla “ap iam su sce ptio ni spir ituu m etangelorum et ad videndos deos”, mas advertiu seus leitores que tal

 prática era perigosa e passível dc bons e ma us usos, negando que

 pudesse realizar um reto rno da alma a deus . 43  Porfirio era de fato,

no fundo, ainda a esta altura, um plotiniano 1 1 0   fundo do coração .44Mas cie lez uma concessão perigosa à escola contrária.

A resposta desta escola oponente veio com o comcntário de

lâmblico aos Oráculos Caldeus45  c no tratado de mysteriis.*   Trata-

se de um manifesto irracional isla, um a afirmação de que a estradada salvação encontrase não na razão, mas no ritual, “Não é o pen-

samento que liga os teurgistas aos deuses —do contrário, o que

impediria os filósofos teóricos dc gozar de união Leúrgica com eles?

 Não sc trata disso, A união le úrgica só c atin gid a pela eficácia decertos atos   inefáveis realizados de modo apropriado, atos alem de

toda a nossa compreensão, pela potência de símbolos impronunciá

veis que só são compreendidos pelos deuses... Mesmo sem eslorçointelectual de nossa parte, os emblemas (auv0r|¡iaTO.} cumprem, por

virtude própria, a sua função” (dc myst.  96.13 Parlhey). Para as men-

tes desencorajadas dc pagãos do secuto IV, a mensagem oferecia um

conforto sedutor. Os “filósofos teóricos” haviam discutido suas ques-

tões por nove séculos c o que havia saído dali? Apenas uma cultura

visivelmente em declínio, c o crescimento da aOeoniç cristã, que

retiraria todo o sangue vital do lielcnismo. E como a magia vulgar e

normalmente o último reduto dos desesperados, c das pessoas a quemnem o homem nem Deus conseguem ajudar, a teurgia acabou tor-

il andosc o refúgio dc uma intelligentsia   sem esperança.Parece, entretanto, que mesmo durante a geração posterior, a

teurgia dc lâmblico não era ainda completamente aceita na escola

neoplalônica. Km uma passagem bastante instrutiva {vit. soph.  474

sg., Boissonade), Eunápio nos apresenta Eusebio de Mindus {um pu-

 pilo dc Edésio que, por sua vez, era pupilo dc lâmblico) defendendoem suas palestras que a magia era um assunto para “pessoas enlou-

quecidas que elaboram estudos pervertidos sobre certos poderes

oriundos da materia”, e advertindo o imperador Juliano contra o

“maneirisUi fazedor de milagres”. Máximo, concluindo com palavras

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A p é n d i c e :  l i . T k u r g i a 2 9 1

que fazem lembrar Plotino: <tü oe TOuxcov (jr[5ev Q aupaoriÇ toarnsp

o u ô e e y t o t t | v S i a t o u A.oyou ic a y a p a i v ^ e y a x i x P v Ma

\jjioA,aja|iavíüv. Ao que o príncipe teria replicado: “você pode fi-

car com seus livros, pois agora já sei onde ir” entregandose emseguida a Máximo. Pouco depois, encontramo s o jove m Juliano pe-

di ndo a seu amigu Priscus para con segu ir um a boa có pia do

comcnlário de lâmblico sobre o texto de Juliano o teurgista, pois

como afirma, “estou sedento por lâmblico em filosofia e por aquele

que possui meu nome ” . i7O mecenato de Juliano colocou a teurgia temporariamente na

moda. Após a reforma imperial do clero pagão, o teurgista Crisân

leos tornouse apxtepeuç da Lídia, enquanto Máximo, que era con-sultor letirgico da corte imperial, tornouse uma rica e influente emi-

nência parda, porque unep t í o v   jrapovxcov era touÇ Qeovio cot a v i a

aveyepov (Eunap. p. 477 Boiss.; cf. Amm, Marc. 22.7,3 e 25.4.17).

Mas Máximo pagaria por isso na sua subseqüente reação cristã, quan-

do seria multado, torturado e finalmente executado cm 371, sob acu-

sação de conspiração contra os imperadores (Eunap. p. 478; Amm.

Marc. 29.1.42; Znsimus 4.15). Depois deste acontecimento, c porcerto tempo, teurgistas julgaram prudente o silêncio ,4íi mas a tradi-

ção foi mesmo assim transm itida a certas fa inílias.4‘J No sécu lo V

ela foi outra vez ensinada e praticada abertamente pelos neoplatôni

cos de Atenas Proclus não apenas comp ôs um Llepi aytúyq ç |so

 bre a magia ), além de um comentário sobre os Oráculos Caldeus, 

mas também experimentou visões pessoais (amoTiTOUjiBVOiç) de

fantasmas “hecáticos” luminosos sendo, a exemplo dü fundador do

culto , um grande “fazedor de chuva” .51’ Depois, a teurgia just iniana

voltou a fazer parte do submundo sem, porém, morrer completamen-

te. Pselus descreve n uma fleaytoyia dirigida por um arcebispo nos

mesmos moldes da teurgia pagã (TOiÇ %aA,§aiíüv ÀoyoiÇ EíiofievoÇ)

que ele afirma ter ocorrido cm Bizâncio no século XI .5 1  E o comen-

tário dc Proclus sobre os Oráculos Caldeus  era ainda desconheci-

do, tamo de forma direta quanto indiretamente, de alguém como Ni

ccforo Grégoras no século XIV,52

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292 Os CiRl-iïOS E O IRRACIONAL

III. Uma sessão esp írita em Iseum

Porfirio, vila Plotini, 10 (16.12 sg. Volk.): Aiyimxioç yap xtç

le p eu ç aveXScûv eiç tt |v ‘Pcojitriv s a i S ta t i v o ç (|>iXo"ü a m r oyvcopvCT0 eiç 0 e?^cüv te ttjç eauTot) aoi[>iaç anoSeiÇiv Sowoa

nç,itaae tov nXcoxvov em fleav a(])iKeaflai toaj ctuvovtoÇ aimo

onceuru 5ai|uovÇ KaÀoti pevot>. touSe EioipcùÇ uicaKcroaavxoÇ

yi1v e ta i jíev ev tío Ice ico 1 1   KÀ.T|CtÇ.|iovov ya p eke ivo v t o v t o t o v

K'a0apov Qaaiv enpeiv ev tt[ Pcújiti toco Aiyuimov, KXnyevxa

5e eiÇ a m o y ia.v to v § ai p o v a0 eo v eXOav Kai jur¡ xou Saijiovcov

Eivai  ye   vodÇ tov auvovx. ¡jt |T£ 5e epeaSoa ti ete/Eveayai jiï | te

etci reXeov i 5 eiv TtapovT, t o u aDyecoaouvToÇ (jnXou xaÇ o p veil,

a'Ç   K'aiEiXE (¡iDlaKqÇ eve^j tv i^avToÇ, e u e 5 t a <|)yovov e it e m i

Sia <|>opov Tiva.

Esta curiosa passagem loi discutida por Hopfncr, OZ   II. 125, c

de mancira mais completa por Ei trem, Symh, Oslo,  22.62 sg. Não

devemos dar demasiado valor histórico a cía. O uso que Porfirio fazdc (¡Kiccriv ! pal avra p mostra que a sua l'ontc não era nem Plotino c

nem qualquer dos “freqüentadores da sessão”, e como ele afirma queo negócio acabou levando à composição do ensaio plotiniano flEpit o u Eitexoxoç iljuaç 5«t|JOVOÇ (E/m.  3.4) deve ter ocorrido, como

a própria composição do ensaio, antes da chegada de Porfirio a Roma

c pelo menos trinta e cinco anos antes do Vila Plotini.  O testemu-nho sobre o qual se baseia a história não é direto, e nem sequer

es tá cronologicamente per lo do evento. Ele não pode, como

E i t r e m c o r r e t a m e n t e a f i r m a , “ t e r v a l o r d e u m a u t ê n t i c o

ates tado” .Slt Entretanto , ele nos fornece uma interessante e hipnóti-ca imagem dos procedimentos mágicos de alto nível praticados no

século III.

 Nem o local e nem o propósito da sessão espír ita devem nossurpreender. A crença em um Satjiwv interior é muito antiga e di-

fundida, sendo aceita c racionalizada nos seus modos respectivos por

Platão e pelos estoicos .55  Isto pode ter exercido um papel na forma-

ção da magia grccoegípcia, rotulada cm uma receita, e de modoincompleto, como Z u ai ao ic , iSiou S a i | i o v o ç SÍ' Para o 5aip ov que

finalmente sc revela divino, há citações dc Plotino  Enn.  3.4,6 (1.265.4

Volk.) ôatjitov TO\)Ttú0£OÇ (citado por Eitrem), Olimpiodoro in Ale. 

 p. 20 Cr., nas quais após distinguir Oetot 5ai]UOV£Ç de outros

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A p é n d i c e   II. TiiUKCiiA 293

daemons   de nivel inferior, ele con La que o i koct ouCTiav eocutcdv

fhouvTeç r a i toç Tie<j)i)Kaoi tov 0 e iov Saquova ë^ouoiv aX r ixo ia

... r a í o u a i a v 8 e eau Çr |v to Ttpomfopov a ipeioBai fhov t t |

a e ip a u<J) i]v ava ye iai , oiov c rip aita m ico v | iev, eav tm o ti]vrxpeitciiv, ktA.. Quanto à escolha do local, cla está suficientementeexplicada pela conhecida exigência de um to tio ç m B a p o ç para ope-

rações de magia ,*7 juma men te com a afirmação de Queremon de que

os templos egípcios eram acessíveis cm épocas comuns apenas aoshomens purificados, submetidos a dietas rigorosas .514

Mas o que deixa Eilrem intrigado (c Lambém a mim), é o pa

 pel desempenhado pelos pássaros, a ç ko.zei%e <jruÀ.aia]ç e.veKa, isloé, a proteção deles aos operadores dc magia do ataque dc cspírilos

malignos (e não se Lrata ccrlamcnle de evitar os pássaros dc voar,

como na unânime má tradução dc MacKcnna, Bréhier e Harder, poisneste caso a  presença dos pássaros fica ria completamente sem ex-

 pl icação). Medidas de proteção são às vezes prescritas nos textosdos papiros.w Mas como agiam os pássaros como íjjuXakTi? E poi-

que a moric deles bloqueou as aparições'.’ Hopfncr diz que loi a im

 pureza da morte que afaslou o deus os pássaros eram levados atélá  para que suas mor tes agissem como um rxnxAucnç cm caso deneccssidadc,MI mas na verdade lraiava-sc dc algo feito premalura e

desnecessariamente. Eitrcm por outro lado crê que a verdadeira in-tenção era o sacrifício e que Porfirio ou scu informante entenderam

errado o que acontecia cie acha ainda que os motivos atribuídosao <j)iA.oç inverossímeis. Para defender esta posição ele poderia ter

citado uma afirmação do próprio Porfirio na sua Carta a AneboM

que ô ia v expon 1  Çokü03 t a TioXAa a t Oecr/íúyiat eTt tTe^ouvTai, oqual parece descartar de vez a explicação dc Hopfner. Há entretan-

to uma outra passagem de Porfirio que parece implicar que ao matar

 pássaros nesta ocasião específica  o <jnA,oç estava na realidade rom-

 pendo com uma regra do L iw r ip io v teúrgico: al de abst. 4.16 (255.7

 N,), ele diz, o cx iç 5e 4>aapaTtov (jruatv taxopriaev, otSev ra0 ov

 X oyov   aji£xea0ai xpr| mvxcov opviBtov, Kat [laXicyxoc OTav

aíteuSii t iç eK xtov x 0 ovtrov aTtaX,X,ayrivai s a i Ttpoç xo dç

o t i p a v i o u ç 0 £.ouç iSpuv9r[Voas o que c orresponde tão bem aoIseum (pois arceicEaGai pode certamente valer tanto como absten-

ção de matar quanto como abstenção de comer) que é difícil

descobrir o que Porfirio tem exatamente cm mente. Podemos talvezcomparála com a regra pitagórica que especificamente proibia o

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294 O s ( ¡K L G O S tí. í ) I R R A C I O N A L

sacrificio de galos (lâmblico, Vila Pylhagorii.  147.  Protréptico,  21).

Mas sc c assim, por que os pássaros aparecem ali naquclc contex-

to? Possivelmente porque a presença deles era em si mesma uma

<j)UÀ,aKT[. A palavra opvtfleç proferida sem qualificação, normalmen-

te significa aves domésticas. KaTOiKiôiot opvt0£ç (cf. L.S.9, s.v.).

E ave doméstica, como observou Cumonl / ’2  traz consigo o nome de

um pássaro sagrado da Pérsia, capaz dc banir a escuridão e, por con-

seguinte, os demônios .*’3  Plutarco, por exemplo, sabe que tcuv£c, m i

Opvitíeç pertence a Oromazes (Ormu/.d).MNão seria provável que

neste assunto, como no culto do fogo, a tradição teúrgiea tenha pre-

servado iraços de idéias religiosas do Irã? E se Porfirio não foi um padre egípcio, não pode ter ele pensado que a função dos pássaros

era apotropáica e que suas mortes eram um ultraje ao fantasma do

 paraíso? Há, de falo, motivos para defender esta tese. Assim, porexemplo, aprendemos de Proclus que os galos não são as únicas cria-

turas sola res, pMexuvixc, Kat a m o i to t ) Oa ou r a í a t t | v ea m w vxa£, iv , mas que r |5r| u v a t (üv r|Xia ic<uv 5 oü]Uovü)v

Xeovtoítpoacojtov (jiaivo^tevov, oXEKpuovoç Sax.Qeviüç, aijxivii

y e v e a O a t ( (t a ai v u T t o a i E ^ A o i a e v o v tcüv K p E i i t o v t o v

ow0i'ipa'ta.f’s

IV. O modus ope ra ndi: xeA^atiKi]

Proclus define a teurgia de modo grandiloquente como “um

 poder mais elevado do que toda a sabedoria humana, englobando

as bênçãos da adivinhação, os poderes purificadores da iniciação e,

em uma palavra, todas as operações dc possessão divina” (Thcal. 

 Plat.  p. 63). Ela pode ser descrita de modo mais simples como a

magia aplicada com propósito religioso e consistindo em uma su-

 posta revelação de caráter religioso. E nquanto a magia vulgar

utilizava nomes e fórmulas de origem religiosa para fins profanos,

a teurgia utilizava procedi men tos dc magia vulgar principa lmentecom fins religiosos: seu TtXoç era t e X o ç era rj Tipoç t o v o t | t o v rcup

a v o So ç (de inyst.  179.8) que permitia que seus devotos escapassem

a p a p p e v i i (o u y ap a p a p t r i v ayekv¡v  i c i t t i o u o i Baropyoi, Or. 

ch a I d.  p. 59 Kr.; cf. dc myst.  269.19 sg.), assegurando TT|Ç y u p l Sa m O a v a t i a p o ç (Proclus, in Rcntp.  1.151.10).“ Mas a leurgia tam

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A pêndkt   H. T curgia 295

 bem po ssuía uma ut ilidade mais imediata: po r ex emplo, o livro 1 1 1do de rnysienis é  dedicado inteiramente às técnicas de adivinhação,

e Proclus afirma ter recebido de Sai^ioveç muitas revelações sobre

o passado e o futuro (í/i  Remp.  1.86.13).Até onde podemos julgar, os procedimentos teúrgicos eram

muilo semelhantes aos da magia vulgar. Podemos distinguir aí dois

tipos principais: 1 ) os que dependem exclusivamente do uso dos

Gi)ufk)Â.a ou cruv8 r |[jaTa; e 2 ) os que envolvem o emprego de um

“médium” em estado de transe.

Destes dois ramos da teurgia. o primeiro parece ter sido co-

nhecido como TeX.eo'CiKri, c estar vinculado principalmente à

consagração (xeXetv, Proel, in Tim.  III.6 . 13) c anima ção das está-tuas mágicas com o intuito de extrair delas oráculos: Proclus in 'fim. 

H I.155.18, iï|V if,XecrTiKr|V r a i %pï|enripia. Kat a y a  p a i a Be tov

i8p i)cr0a i Ejtt yriç it a t Si a xivcúv crufifioXaiv eu t n i Se ta Tioieiv x a

(iepiKiiç uÁnç yev op eva m i <}>0rapiT|ç eiq t o   (.letexeiv Beou Kai

KiveiaO m rcap a u x ou Kai Ttpo^eynv t o [ifXÂov: '¡heo!. Plat.  1.28,

 p. 70, ti TeXeaiiKi i S ia m G rip a c ra Kai x ivaç x,a PaK,i:il P ttiou|apoA,a Ttepmfteiaa raj ayaX.Lum cU\|ai%ov auxo eJtotrioe: o

mcsmo cm in Tim.  Í.5 1.25, ÏÏI.6.I2 sg.; in Crat.  19.12.1’7 Podemos

supor que pelo menos uma parte deste conhecimento específico re-

mete à TeAxaitm de Juliano; certamente os Gup|}oÂ,a remetem aos

Oráculos Caldeus.tlB

O que foram es tes GX)|i[k)X«. e como el es cram usados? A res-

 pos ta mais clara a isso consta da carta dc Pselus:w EKEiVïj yap (sc.

v t£À,£<ttikv| e t u c t t t i(.ir| ) n a   tco iXa tcov ayaApai inv

EimtJcXcooa oiKEiaç xaxç, £<|)£GTr|iaji(xiç Suvapeai, Çtocov,XiBtov, Poxavtov, piÇœv, a^pcxytScov, eyypaiipaTtov, ev ioxe Se m i

a p f f i ^ i a x c o v a u u Tt rx Btú v , o u y Ka ú iSp u o u a a ô e t o u to i ç Ka i

K p a x ri p aç m i a j i o v ô e i a m t O u p i a i r i p i a , E pjxvo a tcoie i t a

eiôtû^a Kat xr| anoppi^xco Suvapa kivet. Aí a genuína doutrina

leúrgica, sem dúvida derivada do comentário de Proclus aos Orá-

culos Caldeus.  Os animais, ervas, pedras e perfumes figuram no de 

mysteriis  (233.10 sg., cf. Aug. Civ. D.  10,1) e Proclus nos dá ali uma

lista dc ervas mágicas e pedras boas para propósitos variados .711  Cadaum dos deuses possui seu representante nos mundos animal, vege-

tal e mineral, sendo ou contendo ou(jjioX.a de sua causa divina,estando assim em relação com o elemento anterior .71  Estes crop(io

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296 O s C ÍR EG OS IL O I R R A C I O N A L

Xa eram escondidos dentro da está Lu a . 72  dc modo que cíes só sc tor-

navam conhecidos para us TcÂeQTî]C, (Proel, in Tim.  1,273.11). Os

a^pa yiõe c, (pedras semiprcciosas gravadas) c eyypajuiaaxtt (í ónnLi-

las escritas) correspondem aos ^ap aK xrip eç ícai ov o p a x a ijornicade Proc. ia Tira.  111,6.13). O xotpffiKTiipeç (que incluem as sele vo-

gais simbolizando os setes deuses planetários ) 7 1  podiam ser escritos

(0£üiç) ou pronunciados oralmente (c.K(J>íoviigiç) .74  A maneira cor-

reia dc pronunciálas era um segredo profissional transmitido lambem

oralmente.7'' Os atributos do deus podiam lambém ser nomeados ge-

rando um elei to mágico por meio dc invocação oral.7f' Os nomes que

serviam para “dar a vida” incluíam, além disso, certas apelações se-

cretas que os próprios deuses revelaram aos Juliani, capacitan doos

a obter respostas às suas prcccs .77  Tais apelações eslariam entre os

ovoj ia ia ( îapf ïapa que, segundo os Oráculos Caldeus, perdem sua

cf'icácia quando traduzidos para o grego.7" Alguns deles cram, na

verdad e, ex plica dos pelo s d eu ses ;7*'quanto aos dem ais, se um

^ a p a \ " r r |p se mos tra sem sen tido para nós a m o t o u x o e.OTiv

a m o u xo a t '| iv o T « iü v (de ntyst.  254.14 sg.)

Diante disso tudo a Tc.A.c.OTiKi] leúrgica estava longe dc ser ori-ginal. O uso de ervas c dc pedras estão cheios da “botânica c da

mineralogía astrológicas" que vinculavam plantas e gemas a detiscs

 planetários específicos, e cujos princ ípios datam pelo menos do tem-

 po de Bolus de Mendes (por vo lta dc 200 a.C.).s" Estes aup[ioX a

 já eram ut ilizados nas invocações de magia grecoegípcia; assim, por

exemplo, Hermes é evocado pelo nome de sua planta e árvore cor-

respondentes; a deusa da lua pela recitação de uma lisia de animais;

c ass im por diante , terminando e iprpca oou xa cnjfma Kai xa

cro| . t [ íoÀ,a tou ovujjaxoç . 151  xapaKxripf.ç ( l is tas dc atr ibutos) ,

ovo |aaxa [ iap[ iapa, per tence à materia mágico  grecoegípcia pa-

drão: o uso desta era conhecida de Luciano e dc Celso (Men ¡pp.  9

 fin .) .  A teoria a propósito de sua eficacia foi vigorosamente susten-

tada por Origines contra este último (c. Cels.  1,24 sg.).

 Nem mesmo a manufatu ra de esta tuetas mágicas representan-

do os deuses era monopolio dos teurgistas/ lila residia, cm últimainstância , na crença pr imit iva e bastante di fundida em unía

cru|JJt(xf)Ei(x natural ligando a imagem ao original/ 3  a mesma cren-

ça que jaz sob o uso mágico de imagens de seres humanos com vistas

a um envoíitemen!  (encantamento). Seu centro de difusão foi evi

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A pêndick  il. T hurgia 297

dente men le o Egito, onde cia se encontrava enraizada nas idéias re-

ligiosas dos nativos .""1  O diálogo hermético tardio intitulado Asciépio s 

está informado de “statuas an i in atas sensu et spiritu plenas” que pre-

dizem o futuro “sorte, vatc, somtiiis, mullisquc aliis rebus”, c amboscausam e curam doenças. A arle de produzir tais estatuas pelo apri-

sionamiento das almas de demonios ou de anjos em imagens

consagradas e com a ajuda de ervas, gemas e aromas, foi descober-

ta pelos amigos egipcios: “sic dcorum f i c l o r esl homo” .*s Os papi ros

mágicos ofcrcccm receitas de como construir as imagens e aníma-

las (ÇwTropíVLV, xi í.318), e.g., iv. 1841 sg., a imagem devendo ser oca

(como as estátuas dc Pselus) e contendo um no me mágico inscrito

cm ouro; 2360 sg., um Hermes oco com fórmula mágica, consagra-

do com uma guirlanda e pelo sacrificio dc um galo. A panir do século

F ’ começam os a ouvir falar de manufaturas privadas 147  e do uso má-

gico de imagens análogas mesino fora do Egito. Nero possuía uma,

 presente de “plebeius quidam et igno lus”, que o advertiu dc conspi-

rações (Suclônio. Vida dos doze Césares:  “Nero" 56). Apuleio foi

acusado, provavelmente de modo justo, de também possuir uma des-

tas imagens ."11  Luciano, em sua obra  Phihpseudes,  satirizou a crcnçanelas .1™Filoslralo menciona o uso delas como amuletos.™ No sécu-

lo IH, Porfirio cita um oráculo de Hécate '11  dando instruções para a

confecção de uma imagem que traria ao idólatra uma visão da deu-

sa adormecida .*’ 3  Mas a verdadeira moda da arle de confeccionar

imagens veio depois, c parece se dever a lâmblico que, sem dúvida,

via nela a defesa mais eficaz con Ira o desdém dos críticos crisiãos.

Enquanto o llepi aya^pf/.iajv dc Porfirio parece não reclamar a pre-

sença dos deuses nas imagens que os simbolizavam ;*’ 1  lâmblico, emobra com o mesmo título, busca provar “que os ídolos são divinos e

eslão cheios de presença divina”, defendendo sua afirmação por uma

narração jtoM.rx aniQava. 'M Seus discípulos normalmente procura-

vam profecias nas estátuas, c não perdiam lempo para contribuir

c m f i a v a : Máxim o faz uma estátua de Hécaic rir e provoca o acen-

der automático"3  da tocha em suas mãos. Heraiseo lem uma intuição

lão sutil que pode imedialamente distinguir a eslálua “animada” da“inanimada’', simplesmente pelas sensações que ela lhe causa.%

A arte de fabricar imagens oraculares passaria do agonizante

mundo pagão para o repertório dos magos medievais, onde gozaria

de vida longa, embora ela nunca lenha sido tão comum quanlo nos

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Ü S Ci l íl iG O S l i O IRRA CIO N A L.

lempos de sen uso para envoûtement.  Assim, urna bula do papa João

XXII, datada de 1326 ou 1327 denunc ia pessoas que aprisionam de-

mônios cm imagens e em ouiros objetos, interrogandoas e obtendo

respostas / 7  E duas perguntas sugerem uma conexão com a leúrgicaT£AE(TTiKT|, apesar de não poderem ser analisadas aqui. Em primei-

ro lugar, tal arle contribuiu para a crença em  xzkzGyio.io.  (laiismãs)

ou em estátuas mágicas, comuns lanlo na Itália medieval quanlo em

Bizâncio imagens cuja presença, oculta ou não, tinham o poder

de advertir sobre desastres naturais ou derroias militares?"* Eram al-guns destes TEÃEOfiara (normalmente atribuídos a magos lendários

ou an ônim os) de falo obra dc teurgistas? Zóz imo conta que oleurgisla Neslório salvou Atenas de um terremoto em 375 ao inau-gurar uma tíXeojj.oc (uma eslálua de Aquiles) no Parthenon, de

acordo com instruções recebidas cm sonho. Ao que parece, a está-

tua de Zeus Filios consagrada li u y y a v a a iç Tiai r a t yor)TEimç cmAntióquia, por um contemporáneo de lâmblico (o pagão fanáticoTheoleknos) que praticava TE.Iemi, u\)ï|GEtç e KaBap^iOi tambémera leúrgica (Eusébio.  Hisi. Eccl,   9.3; 9.11). Uma origem semelhan-

te pode ser suposta para a estátua de Júpiter, armado com raiosdourados, que em 394 foi “consagrado com cerlos ritos” a ajudar o

 prclendenlc pagão Eugênio contra as (ropas de Tcodósio (S anioAgos tinho, A cidade de Detts 5.26). Podemos ver aquî a mão dc Fla

viano. principal apoio de Eugênio e um homem conhecido por serdi leíanle em ocultismo pagão. Outra vez a ay aX ji a ieteXí:g¡.1 e.vüvque protegia Régio dos fogos do Etna e de invasões marítimas, pa-

rece 1 er fornecido OTOiX£'(* de uma maneira que recorda os

a\>|u|ioXa da teurgia e os papiros: f.v yap Tto evt Ttoôi rcup«Koipiytov Eroyxave, Kat ev tco e t c pto uòwp aÔia<j>0 üpov.w

Em segundo higar, foi a Tc,XeGTikT| leúrgica que sugeriu aos

alquimistas medievais a idéia dc tentar criar seres humanos artifi-

ciais (‘'homunculi’’)? Aqui a conexão dc idéias é menos óbvia, masuma prova curiosa da ligação histórica entre os dois falos foi recen-tem en te a p re se nlada pelo a rab ista Paul K ra u s, 1™' cuja mo rte

 prematura foi uma enorme perda. Ele obse rva que o grande carpus  

alquímico atribuído a Jábir b. Hayyan (Gebir) não apenas se refereaqui à obra (espúria?) de Porfirio inlilulada O livro da geração,'0'  com o lambém Ia/ uso dc especu lações neo platônicas a respeito de

imagens, de um modo que indica algum conheci me mo de obras ge-nuínas do autor, incluindo talvez a Cana a Ancho.

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A púnimcí -: II. Tkukgia 299

 V. O modus operand}',  transe mediúnico

Enquanto a i;eXeoi:iKT| procurava induzir a presença dc um

deus no interior dc um “receptáculo” (wtoôoxr|) inanimado, um ou-tro ramo da teurgia visava uma encarnação temporária do deus

(etQKpiveiv) no ser humano (raí0%0Ç ou, em termo mais técnico,

Ôo^fuç ) . 103  Assim como a primeira arte (Tt’Áe.crnKri) consistia em

uma noção mais ampla de cuuítafieta, natural e espontânea, entre

imagem c original, a segunda (teurgia) agia no sentido de uma difu-

são da crença de que alterações espontâneas da personalidade sc

deviam à possessão por um deus, demônio ou ser humano faleci-do . ' ” 4  Podemos inferir por uma afirmação dc Proclus, falando da

capacidade da alma de deixar e retornar ao corpo, confirmado por

o c a xoiç em. M apK ou Oeoupyoic, eKSeSotai Kai yap SKeivoi S iaÔt| n v o ç teXetiiç to a m o òpojciv eiç to v teX o^n evo v,1® e que

uma técnica para produzir alterações deste tipo dala da época dos

Julianos. K que tais técnicas eram praticadas também por outras pes-

soas, é evidente pelo o ráculo citado por Firmicus M a 1er nlis (en:  prof. 

rei,  14) a partir da coleção dc Porfirio, c que sc inicia por “Serapisvocalus et inira corpus hominis collocalus talis respondit”. Muilos

dos oráculos de Porfirio parecem sc basear em pronunciamentos dc

médiuns que se encontravam cm estado dc transe mesmo fora dc san-

tuár ios of ic ia is , em circuios pr ivados, como Freder ic Mycrs

 percebeu.Illí’ Dcstc grupo fazem parte as instruções para encerramen-

to do transe (aTioAAjmç) concedidas pelo deus através de transe

mediúnico , 1" 7  análogas aos papiros egípcios, mas que dificilmente

 poderiam fazer parle dc uma resposta oracular oficial. Deslc mes-

mo tipo é o “oráculo” citado (dc Porfirio?) por Proclus m Remp. 

1 . 1 1 1 .28, “ou trepei fie t o u 8 ox t|o ç t | r a X a w a K ap Sm .” (j>r|cri u ç

0EÍ.OV, Tal eiOKptciç dc caráter privado diferia dc oráculos oficiais,

 pois o deus era visto como entrando no corpo do médium não em

um ato espontâneo de graça, mas como resposta a um apelo, ainda

que por compulsão'™ da parte do operador de transe (K/i^TCOp).

Este ramo da teurgia c especialmente interessante devido à evi-dente analogia entre ele c o espiritismo moderno. Se estivéssemos

melhor informados sobre ele. poderia mo s lançar luz sobre as bases

 psicológica e fisiológica dc ambas as superstições. Mas nossa infor-

mação é bastante incompleta. Sabemos, por intermedio dc Proclus,

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300 O s GREGOS E O IRRACIONAL

que antes os “freqüentadores" da sessão, operador e médium, cram

 purificados com água e fogo,111*’ {in Crati.  100,21), e que cram ves-

tidos coin cimas especiais, apropriadas para a invocação da divindade

(in Re in p.  11.246.23), Isto parece corresponder ao NeiAavr| oOüvt]ou oivSwv do oráculo de Porfirio (Pruep. Ev.  5.9), cuja remoção

era uma parte evidentemente essencial do aTraXuGiç (cf.  PGM   iv.89,

a tv S o v i a o a ç m i a KE(j>aXii ç MeXPl Ttoikov yujtvov ... ti a t 5a , a

“lintea indumenta" dos magos in Amm, Marc. 29.1.29, e a “puruni

 pallium” de Apul.  Apa!.   44). O médium usava também uma grinal-

da mag icam ente e ficaz,111' e car regava ou ac resc entava às suas vestes

EiKOVicf n a x a tcov KeK Â^uevaw Secov111  ou outros apropriadoscrunpoA,a."' O que mais era feito para induzir o transe é  incerto.

P o r f i r i o s a b e d e p e s s o a s q u e t e n t a m c o n s e g u i r p o s s e s s ã o

(EKTKptVEtv) “com base cm x^poiKiiipEÇ' (como faziam os magos

medievais), mas lâmblico vê com maus olhos este procedimento (de 

mysi.  129.13; 131.3 sg.). file reconhece o uso de aT(JOt c dc

ETHKÀiiatiç (Ibid. , 157.9 sg.). mas nega que eles tenham qu alquer

efeito sobre o médium. Apuleio. por outro lado (Apal.  43), fala em

 pôr o médium para dormir (“ scu canninum avocamento sive odorumdclen imen to” ). Proclus informa da prática de m an ch ar os olhos com

estricnina c outras drogas com o intuito de provocar visões , " 3  po-

rém não atribui isto aos teurgistas. Provavelmente os agentes efetivos,

tanto da operação leúrgica quanto do espiritismo, eram de fato psi-

cológicos e não fisiológicos. lâmblico diz que nem iodos são médiuns

em potencial; os mais recomendados são “pessoas jovens e de pre-

ferência simple s " . ” '1  Aqui ele está de acordo com a opinião geral , 115e a experiência moderna também tende a corrobora r sua af irmação,

 pelo menos no que concerne à segunda parte de sua exigência.

O com portam ento e as condições psicológicas do médium são

descritas em extensão, embora de modo obscuro, por lâmblico (de 

mysi.  3,47), e em termos mais claros por Pselus (oral.  27; Sc ri pia  

 M inora   1.248.1 sg. etc., baseado em Proclus: cf. também CM  AG  

VI.209.15 sg., e Op. Daem.  xiv,  PG   122. 851) que distingue casos

em que a personalidade do médium fica cm estado de suspensãocompleta, de íal modo que é absolutamente necessário ter uma pes-

soa normal presente para cuidar dele. de outros casos cm que a

consciência (tc« p u k o A.o u 0 t [g i  ç )  pers is te 0«\}|iaGTOV u v a Tpojcov

dc maneira que o médium sabe u v a te evEpyéi Kat t i   (tiÓEÂÂEiai

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 A  p r n u i œ   II. T e u r g i a   3 0 1

Krai JCO0SV 5 a o.7i o Aajeiv   t o   k i v o u v . Ambos os tipos de transe ocor-

rem nos di as de hoje . r’ lâmblico coma que os sin tomas de transe

variam amplamente conforme os diferentes “comunicadores” c lam-

 bém conforme a ocasião (III.3 sg,); pode haver anestesia, incluindoinsensibilidade ao fogo (II0.4 sg.); pode haver movimento corporal

ou imobilidade (III. 17); podem haver mudanças de voz <112.5 sg.).

Pselus menciona o risco de u À t m Ttveujuaxa causando movim en-

tos convulsivos ( k i v t | c i v   | i£TO t i v o ç   P ia ç X£V0JJ£VT|V) que médiuns

mais (Vacos não conseguem suportar . " 7  Em outro local ele fala dc

ra T 0 %0 t, mordendo os lábios e murmurando entre os dentes (CM

 AG  VI. 164.18). A maior parle destes sintomas pode ser ilustrada pelo

estudo clássico sobre fenômenos de transe de Mrs. Piper, de autoriade Mrs. Henry Sidgwick.IÍKA meu ver, é razoável concluir que os

estados descritos por observadores antigos e modernos são, senãoidênticos, pelo menos análogos.

 Não ouvimos falar dc nenhuma pro va da ident idade “forneci-

da” por es tes deuses , e é p rováve l que e la fosse mesmo

freqüentemente objeto de disputa. Porfirio desejava saber como a

 presença de um deus poderia ser distinguida da de um anjo, arcan-

 jo , So'.iJ.kov, ap x w v , ou alma humana (de myst.  70.9). lâmblico

admite que operadores de magia impuros ou amadores, às vezes to-

mavam para si o deus errado, ou, pior ainda, tomavam um deus de

espiri to mau, cham ado a v T ie so i" 1' (ibid., 177.7 sg.). Contase (Eu

nápio, vita soph.,  473) que ele próprio desmascarou um pretenso

Apoio, que na verdade era apenas o fantasma de um gladiador. Res-

 postas falsas são atribuídas por Sinésio (de insomn.  I42A) a esles

espíritos intrusos que “saltam e ocupam o lugar preparado para se-res mais elevados”. Seu comentador, Nicéforo Gregoras (P C   149,

540A) atribui esta visão ao XoíXSaioi (Juliano?) e cita (seria dos

Oráculos Caldeus'?)  uma prescrição para lidar com tais situações.

Outros acrcdilam que as lalsas respostas se devem às “más condi-

ções ” 1211  (jiovripa KaToccrramç tou  î iep iexov toç, Porph. ap.  Eus.

 Praep. Ev.  6.5 = Phtlop. de nuindi créai.  4.20) ou a uma falta de

£TUTr)S£iOTT|ç; 121  outros, ainda, a um distúrbio mental do médium ou

a uma intervenção inoportuna por parte de seu “eu” normal. Todos

estes modos de desculpar o fracasso ressurgem na literatura espírita.

Alem de revelar o passado ou o futuro pela fala do médium,

os deuses outorgavam sinais visíveis (e ocasionalmente auditivos ) 1-2

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302 O s G RIX iO S í ; O l l í l íA CIO N A I .

dc sua presença. A pessoa do médium podía ser alongada, dilata-

da , 123  ou até mesmo levitar (de myst.  112.3) . 124  Mas as manifestações

normalmente tornavam a forma de luminosas aparições: na vetda

de, na ausencia destas “visões ahençoadas”, lâmblico coiisideia queos operadores não podem 1 er certeza do que estão laxen do (de myst. 

112.1X). Parece que Proclus distinguía dois lipos de sessão: a de tipo

“autóptico”, na qual o 0 eatr|Ç testemunhava os fenômenos ele pró-

 prio; e a “epóptica” , cm que ele ti nhu que se contentar com a

descrição do KÀxiTtop ( 0   r p v x î A e t t i v o i a i i 0 e n £ v o g . i:5   Neste úl-

timo caso as visões eram obviamente suspeitas de serem puramente

subjetivas e Porfirio parece têlo sugerido, porque lâmblico repudia

energicamente a noção dc que EV0OUOICiOJiOÇ ou pctvxiKT| possam

ter uma origem subjetiva (de myst.  114.16; 166.13). c aparentemente

se refere a traços objetivos de sua visita deixada pelos deuses

Escritores tem dificuldade em explicar por que apenas certas pes-

soas, graças a um dom natural ou if.paiiKii 5 w a p i ç , podem gozar

destas visões {Proel, in Hemp.  II. 167.12; Hcrmeias in Pluiedr.  69.7

Couvreur).

As aparições luminosas datam dos Oráculos Caldeus  prome-tendo que, por meio da pronúncia dc certas palavras mágicas, o ope-

rador veria, por exemplo, “o fogo na lorma de um garoto , ou um

fogo disforme Jttûio v ) de onde sairia uma voz", e várias outras

coisas . 127 Comparese a jnjpav vri onde consta que os “cal

d eu s” e xi bi ra m ao im per ad or Ju li an o 121' a (fictopcdcx Ek œt ikcx

<t>ü)TO£i5r\ que Proclus afirmara ter visto (Marim. vil. Proel.  28); e a

receita dc Hipólito para estimular uma aparição em fogo de Hécate

 por meios naturais c perigoso s (Rej. ¡hier.  4,36). Todos estes fenô-

menos estão claramente associados à mediunidade: o espírito pode

ser visto sob uma lorma luminosa ou incandescente entiando

(eiaKpvvopf.vov) ou deixando o corpo do médium, por meio da ação

do operador (Tcofieayür/owu), do médium (tío Ôfxopevoj) e às ve-

zes de todos os presentes: este último caso {a cfuxoyicx de Pioclus)

sendo o mais satisfatório. A aparente analogia com o que chama-

mos “ectoplasma” ou "teleplasina”, que observadores modernos alirmam ter visto emergir dos corpos dos médiuns para depois letoinar

até eles, foi anotada por Hopfner e por outros co m e n ta d o re s. A ss im

como o “ec top la sma” , a apa rênc ia pode não possu i r fo rma(otTUTTQTOC, ot(Jop^coTíx) ou ser fo rm ada {TETUTicop.Eva,

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APFNDiCl: II. TütlRGIA 303

¡lt'j_iop(j)(0 j.Jt'va): um dos oráculos de Por firio (Praep. Ev.  5.S) fai a

du “fogo puro sendo comprimido cm formas sagradas (TUJtoi)”; mas

dc acordo com Pselus (PG   122, Il 36C) as aparências disformes são

mais dignas de crédito, e Proclus (in Crea.  34.28) dá a razão disso avto yap ocjLLOp <|)cotoç  ouaa Sia ir)v 7tpoo§ov £y£ve.TO  jJie|aopc|)a>juevT|. O ca ráter luminoso que é regularmente atribuido às

aparições está sem dúvida ligado ao culto “caldeu” (iraniano) do

fogo, mas lambem recorda os ^tOTayoiyiai dos papir os,1™como ain-

da as “luzes” das salas de sessão espirita modernas. Proclus parece

1er falado do processo de formação das aparições acontecendo “sob

uma luz” 1 , 1  islo sugere uma X u^ v op av ie ia , como prescrito em

 PGM   vii.540 sg., cm que o mago diz {561 ), e|.i|3r[0i a m o u (sc. t o u   jia iôoç) £iç Tir|v y u ^ r iv , i v a ximtomiirei rq v a O a v a to v (jopc|)T|v

ev (|)úin K p a ia i oj teat a^ O ap ia ). Bi tr em 132  traduziria ti) 7iojar)Tai

 por “perceber" (um sentido que não é atestado em nenhum outro lu-

gar); porém, em vista das passagens já referidas, penso que deve-

mos colocar “dar forma à” (“abbilden”, Preiscndanz) e supor que

está em jogo um processo de materialização do espírito. A “forte

luz imortal” substitui a luz mortal da lâmpada, da mesma maneira

que o observador vê a luz da lâmpada ganhar a "forma de uma abó-

 bada” e então a vê substituída por uma “grande luz dentro do va-

zio”, e enfim contempla deus. Mas se a lâmpada era ou não utilizada

na teurgia, é algo que não sabemos. Certamente alguns tipos de

(jitúiayctjyia eram dirigidos no escuro , 113  outros em espaço aberto , 134enquanto a licnomancia* não figura entre as variedades dc 4>íoioçaycoyrj listadas (dc myst.  3.14). A similaridade na linguagem em-

 pregada permanece, no en tanto, marcante.

N o t a s   d o   a p é n d i c e   II

1. W. Krolt, dc O mail is Chahtaicis  (Rrcshiucr Philologisclie Abliandlugcn,Vtl.t, 1894),

2. Catalogue des manuscri ts alchimiques grecs (CM  A G ),  vol, VI;  M éla nges 

Cumont,  95 sg. Cf. scu “Note sur les mystères néoplatoniciens”,  Rev. Belge 

de Phil, et d'Hist.   7 ( 1928), 1477 sg. e seu Vie de i'üinji. Julien,  73 sg.

* Licnom ancia é a adivinhação por tneio de lâmpadas (N. díi T.)

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304 Os C'pRUCiOS H O IRRACIONAL,

Sobre Procópio dc Gaza como a fonle aproximada de Pselus, ver L.G.

Westerink em  M nemosy ne   10 (1942), 275 sg.

3. GrieschischAegyptische Offenbanmgszraitbe   (citado como OZ); e na in

Irodutão e comentario à sua tradução do de mysteriis .  Cf. também seus

artigos "M ageia” e "Th eurg íe", cm P aulyWyssow a, c nola 1! 5 abaixo.

4. E specialm ente Bi trem . "D ie m xrrc tcjiç und Licliizaube r in der M agie"

(Symb. Oslo   S \ \ 929} .  49 sg.), c "La Thcurgie chez, les NéoPlatonicicns

ct dans les papyrus magiques”, ibid. 22 (1942, 49 sg,). O ensaio de W.

Theiler ,  D ie ch at da is cite n O rakel une! die Hym nen (les Synesio s  (Halle,

1942) lida es ludada m en te com a influê ncia dou irinal dos Oracles   no neo-

 p la to nis m o la rd io , um ló pic o que não tente i d iscu ti r aqui.

5.  Papvri G raecae M agic ae, ed. Prcisedanz {PGM).

6. Cf. BidczC um ont,  Les M ages hellénisés,  I. 163.

7. tod k^hOe toç 9eo\)You lonX avou, Su das, s.v,

K. Suid as , s.v. cf. Pro clu s in Crat.  72.10; Pasq. in Remp.  [I. 123.12 elc. Pselus,

em um lusar (confundindo Proclus com seu pai.O, colocao na época de

Trajano {Scripia Minora   I, p. 241, 29 KurlzDrexl.)

9.  Vie tie Julien,   369, nota H.10. Ver Ei Irem , Symh. Oslo.  22.49, Pselus parece ter entendido a palavra neste

último sentido,  PC   122, 72 ID; Buouç to v ç avO pam on ç epyaÇerat, Cf.

lambém o hermético “deorum liclor esl hom o’ , citado mais adiante.11. Uma expressão de Proclus ot em Mr/pKou (teoupyot (in Ciai.  72. 10. in 

 Rei np.  II, 123.12) sc refere talvc/, ao pai c ao filho con juntam ente.

12. ad  PhU ops.  12 (IV, 224 Jac ob itz). So bre esle esco lio, v er W csterinck, op,

cil., 276.13.  Serip ta M in ora ,  1. 241.25 sg. Cf. CMAG   V!. 163. 19 sg. Como Weslcrinck

salienta, a fonte destas afirmações parece ser Procópio.

14. Marinus, vil Proel.  26; cf. Proclus, in Cnn.  Sobre lais reivindicações dc

origem divina, que são ireqiicntes na literal ura hclcnísiica oculta, ver Fes-tugière,  L 'A strolo gie ,  309 sg.

15.  fiousset,  Are!:, f. R e i   18(1915) argumeniou a favor de uma data anlerior

com base em coincidências em sua doutrina com a de Corne lius Labeo. Mas

a própria data dc Labeo eslá longe de ser cerla, e as coincidências podem

apen as significar que os .luliani iransitavani em c írculos n cop itagóiicos que

sabemos interessados cm magia.

16.  Scrip t. Min.  I. 241. 29 sg,; cf . CMAG   V!, 163.20. Sobre os oráculos

dou trinais rccehidos cm visão, ver Festugière, op. cit., 59 sg.

17. Cf. cap. Ill, supra,  nota 70.18. Kroll, op. cil. As p assag ens sob re o fogo divino lembram a "receita da imo r-

talidade" cm  PGM   IV, 475 sg., que é de muilos modos o análogo mais

 pró xim o dos Oráculos Caldeas.  Juliano. Or.  V. I72D . atribui a o X oA Sa toç

(ou seja, Juliano), um culto de to v e ti t o k tiv k t íeov Esle lí tulo solar foi

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A p é n d i c e   I I . T e u r g i a 305

d e s f i g u r a d o p e l a c o r r u p ç ã o e m d u a s p a s s a g e n s d e P s e l u s ,  Script. Min.  ¡ . 2 6 2 ,

1 9 : E p c o T u x q e v n K o io o f i c c v q E j c tœ k i ç ( 1 e r H E J ix a K T i ç ), r i a t i ç a U o ç

B a t j ic u v a r e a . ir iX o ç , ibid.,  1. 4 4 6 , 2 6 : t o v E t io c k t o v ( H e î i t c î k i v , B i d e z ) o

A j i o u X t i i o ç o p K o i ç K K T O v aY K C K j a ç j j t i ? i p o o o | i a r | a a i t o ) 6 e o u p y a > ( s c .

J u l i a n o ) . C f . t a m b é m P r o c l u s , in Tim.  I . 3 4 . 2 0 : H À i t û , T t a p ’ cù ( . . . ) o

Htctccktiç K a ra TOijç OEoXoyouç

19.  r i ep i t v ç  xpDO T]ç ctÀuoecûç,  Ann.  /tw oe.  Et. Gr.  1875, 216. 24 sg,

20. Proclus, in Ttm.  111.120.22: o i OEcmpyoi [...] ayojyriv a m o u jiapeSod otv  

nptv Si’riç Etç cxmoüccveiav laveiv auxov ouvaxov: cf. Simpl. in Phys., 

795.4, e Damasc.  Princ.  II. 235.22. Ambos guotccou; e aycijyr| são “ter

mos de arte”, familiares para nó.s pelos papiros mágicos.

21.  Proclus, in Remp.  II. 123. 9 sg,

22. Suidas, s.v. louA.iavoç A atribuição de crédito a Juliano talvez seja lam- bém sugerida cm C laudia no, de VI cons. Honorü, 348 sg., que fala de magia

“caldéia”. Para outras versões do conto, e um sumário da extensão das dis-

cussões modernas, ver A.B. Cook.  Zeus  111. 324 sg. A atribuição a Juliano

 pode te r sid o sugerid a por urna confusão com os Juli anos que com andara m

contra os dácios sob D om iciano (Dio Cass, 67.10),23.  Scrip t Min.  1.446.28.

24. S, Anastasius do Sinai, Quaextumes {  PG 89,  col. 525A). Sobre a suposta

rivalidade de Juliano e Apu leio, ver lambém Pselus citado acima, no ta 18.25 . Cf . Ol impiodoro , in  Phaed.  123.3 Norvin : o t j í ev t t | v e iAocroÓiav

irpoTip .ü)o iv , ü)ç r iop eu pio ç m i nÀ t ím voç m i aÀ loi j coM.oi 0 iÀoao0oi

ot 5e t i iv ispo m tcq v (islo é, teurgia), cuç lotjiJíA.i%oç m i lu p ia v o ç KcanpoKÍoç Kai o i l epa t iK oi rcavTeç

26.  A injunção de prosa, fii| e ^ c í ^ ç iv a jai"| e£,ni e ^ o w a t i , citada nas  Enéa- 

das   1.9 in it.,  é chamada de “caldéia” por Pselus (Expos, or. Chaid.  1125C

sg.) e cm um escol io tardio ad loe. ,  mas não pode vi r de um poema

liexamétrico, A doutrina é pitagórica.

27. Porfirio, vit. Plot.  16. Cf. Kroll.  Rh. Mus.  71 (1916), 350; Puech in 

 M éla nges Cumont,   935 sg. Em uma lista similar de falsos profetas, Arnó-

 bio ,  Adv. gente s  1.52; Juliano e Zoroastfo figuram lado a lado.

28. Cf. esp. c. 9,1 , 197.8 sg. Volk: Tuiç 5’aAA otç (5ëi) vopiÇ eiv ei v a i ^c ap av

71cepa Tw 0ecú t a i nn a u t o v iuovov ¡ j e t ’ eke i vo v  x a ^ a v c a   a i anEp

o v s ip a a i TiETEoOat [...] to 5e uitEp vo u v r|6 r| e o tiv eE,(o vo u tceoeiv.

29.  Encadas,   4. 4. 37, 40. Observem que através desta discussão ele utiliza a

 palavra pejo rativa yoïy te itx e não in troduz nenhum dos te rm os te úrg ic os da

arte. Sobre a concepção estóica e neupiatônica de ODpjiafiEia, ver K,Reinhardt,  K osn io s und Sym path ie , e minhas observações cm Greek Poetry  

and Life,  373 sg, Para os leurgisias, lais explicações pareciam inteiramente

inadequadas (de myst.  164. 5 sg. Parthey).

30. Syntb. Oslo. 22.  50. Como o próprio Eitrcm nota, Lobeck e Wilamowitz

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306 Os G R K G O S E O I R R A C I O N A L

pensavam de oulro modo: e cie poderia 1er acrescentado os nomes de Wi

lhelm Kroll {Rh. Mus.  71 |1 9 I6 ], 313 ) e Joseph Bide* ( Vie de Julien,  67;  

CAH   XII. 635 sg,).

31. Ver CL   22 (1928), 129, nota 2.

32. J. Cochez,  Rév. Néo-S coiast ique.   18 (1911), 328 sg. e  M éla nges Ch. Moeller,

1.85 sg.; Cumonl,  Mon. Pio t,   25-77 sg.

33. de abst.  4,6; cf. de mysi.  265 . 16. 277. 4, Ver lambém a resposla conv in

cente de E. Peler son a Cum onl, ThcoL Literaiurzeitung   50 (1925), 485 Sg. 

Eu acrescentaria que a alusão nas  Enéadas  5. 5. Il, a pessoas que sao ex

cluídas de certos lepa por causa de sua yaG-tpipapyta provavelmente se  

refira a Elêusis e não ao Egito: n a p a y y & t e t w   Tap Kai EA,euoivi 

cm ex n eo ôa i m roïK iSitov opviOüiv Kat i%0mûv Kai Kuaptov po ta ç te  

Kai |ir[A.a)v, Porfirio, de abst.  4, 16.

34. Cf. CQ 22   (1928), 14) sg., e E. Peterson,  Philo!.  88 (1933), 30 sg. Inver

samente. com o Ei trem salientou corretamente (Symb. Oslo   8, 50), o termo 

mágico e reúrgico ou cr ra ai ç nada tem a ver com a unio mystica.

35. Ver o estudo s im pát ico , e lega nte e r igoroso de B idez ,  La Vie du  

 Néopla to nic ie n Porphyre.  Uma infecção similar Je misticismo por magia  

ocorreu em outras culturas. "Em ve/ da religião popular ser espiritualizada  

pelo ideal contemplativo, há tima tendência para a alta religião ser invadi

da e contaminada por forças sobre-racionais do submundo pagão, como no budismo tan trico e em algumas formas dc hinduísmo sectário” (Christopher 

Dawson,  Religion and Cult lire,  192 sg.).

36. ví-oç 5e Mv Loar xauTo: £ypa<t>£V, coc e o i^e v , Eumípio, vil. soph.  457  

Boissonade; Bide/., op. cit., cap. 111.

37. Os fragmentos foram editados por W. Wolff,  Porp hyrii de Philosophia ex  

Ora culis fiaitriendci   (1856). Sobre o carálcr geral desta coleção, ver A. D. 

Nock, “Oracles Théologkjues”,  REA  30 (1928), 280 sg.

38. Os fragmentos tal como foram reconstruídos por Gale (de modo não muito  científico) estão reimpressos na edição de Parllicy dos de ntysteriis.  Sobre 

a data, ver Bidcz, op. cit., 86.

39.  A pud  Enseb io de Mindus,  Praep. Ev.  5. 10. 199A (= Irag. 4 Gale): p a t a io i  

ca fietúv KÂriCTEiç e a o v ta i [.,.1 m i et t j .ia U o v a i XeyopEvai av ay K ai  

0eci)v «KTiXriTOV ya p Kat a p ia o to v Kat aKCCTav«YK«CTOV to ca iaS e ç

40. É provável que a carta a Ancbo não citasse Juliano ou mesmo os Oráculos  

Caldeus.  pois a réplica dc lâmblico não chcga a mencioná-la. Se a "teur- 

gia” do de mysieriis  c, de fato, independente da tradição juliana, c algo que  permanece para ser investigado. O escritor c ei l a mente reivindica uma inti

midade tanto com doutrinas '‘ealdéias” (p. 4. 11) ou "assírias’' (p. 5, 8)  

quanlo com doutrinas egípcias, dizendo que apresentará ambas.

41. Mari nus, vit. Procli   26; Lydus, mens. 4.  53; Suidas, s.v.  Porphyrio .

42. Sanio Agostinho,  A cid ade de Deus  10. 32 = de regressit   Irag. 1 Bidez, Vie

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 A  p ê n d i c e   I I . T e u r g i a   3 0 7

de Porphyre , ap. II.43 . Ibid., 10.9 = frag. 2 Bidez. Sobre a função da nVEUucmtoii na leur- 

gia. ver minha edição dos  E lementos de Teologia,   dc Proclus, p. 319.

44. Cf. o juízo feito por Olimpiodoro, nola 25 acima,

45. Juliano,  Epístola s  12 Bide/; Marinus, vil. Proclt   26; Damascius I. 86. 3 sg.46. O de mysteriis,  embora publicado com o nome dc “Abammon", foi atribuí

do a  lâmblico por Proclus e Damascius; e desde a publicação da dissertação  

dc Rasche, em 1911, a maior parte dos estudiosos aceilou a atribuição. Cf.  

Bidez,  M élanges Desrousseaux,  11 sg.

47.  Epist.  12 Bidez = 71 Hertlein = 2 Wright. O editor da Loeb está claramen

te errado cm manter, contra Bide/., que tov opmvufiüv nesta passagem se  

refere a lâmblico, o jove m: Ta Iajapítijcou a ç to v oj.iam> |iov não pode 

significar “os escritos de lâmblico em seu nome”; e o jovem lâmblico não era sequer 0f,ügo(|>oç.

48. Cf. o que Eunápio diz de um dos Anloninos que teria morrido pouco antes  

de 391 : eTteSetKvuTO oiiSev teoDyov Kai TiapaÀoyov êç tt|V 0atvopevr |v  

« ta ô q m v , r a ç pacriÀLKO.ç ta oiç o p ^ a ç i)(|)Opco(.ievoç ETepœae <J>£poi>caç 

(p. 471 ), ’

49. Assim, Procíus aprendeu, dc Asclepigeneia, o OeoupyiKTi ctywyq do “grande 

Nestorius”, do qual cia era, por meio de seu pai Plutarco, a única herdeira  

(Marinus, iví.  Procti   28). Sobre este tipo dc transmissão familiar dc segre

dos mágicos, ver Dielerich,  Abraxas,  160 sg.; Festugière,  L'A strologie .  332 sg. Diodoro chama isto dc uma prática caldéia, 2. 29, 4.

50. Marinus, vil. I1 roc li   26, 28. O llept aycoyriç c lisiado por Suidas, s.v.  

 P rados.

5 1. Script. Min.  I. 237 sg.

52. Migne,  PC   149, 538B sg., 599B; cf. Bide/, CMAG   VI. 104 sg.; Wesierink, 

op. cil,, 280.

53. A correção de Nauck para (f)i]Oiv que nao tem nenhum sujeilo possível.

54. Entre os escritores tardios, Proclus {in. AU:.,  p. 73. 4 Creuzer) e Ammianus Marcellinus (21. 14. 5) referem -se ao incidente. Mas o que d i/ Proclus o 

A iym iioç to v I ïà lùt ivov e6a i )| .iaoev íüç Oeiov exovTa tov oa ipo va , é 

claramente dependente dc Porfirio; o mesmo podemos presumir quanlo a 

Ammianus, diretamente ou via alguma fonte doxográíica,

55. Cf. cap. il, stipra,  Ammianus, loc. cil.  diz que enquanto cada homem pos

sui seu '‘gênio” próprio, tais seres são “admodtmi paucissimis visa”.

56. Uma vez que a parte remanescente da receita consiste em uma invocação  

ao sol, Preiscndanz e Hopfner crêem que iñiou é um equívoco de quem 

procurava dizer i]Xlou. Mas a perda do restante da rcccita (Eiirem) parece  

uma explicação igualmente possível. Sobre lais perdas, ver Nock,  J Eg. 

 Arch.  15 (19 29 ), 2 2 1. O iSto ç Scupüiv parece ter desem penh ado um papel 

na alquimia também; cf. Zózimo, Connu, in  <o 2  (Scolt,  H erm etica   IV. 104).

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308 O S G R E G O S I- O I R R A C IO N A L

57.  E.g. PGM   !V, 1927. De maneira semelhante, IV. 28 requer um lugar recen

temente descoberto pela cheia do N ilo e ainda não pisado c 1!. 147 um to t o ç  

ayvoc, ano   jkxvtoç jruaapou. Assim Thessalus, CCAG   8 (3). 136. 26  

(OIKOÇ KctOrapoç).

58. a p u d    Porf ir io , de abs t .  4. 6 (236. 21 Nauck). Continua a falar de  

ccyvEmripia t o iç fir) K aB apE W uaiv a Sut». kcci repoç tepovipyiaç a y ia  

(237, 13). Sobre práticas de magia nos tem plos egip cio s, ver Cum onl, 

 L 'E gypte lies Astrologues,  163 sg.

59.  PG M   IV. 814 sg. Sobre (¡»ui.aKT|, cf. Proclus em C M A G    VI, 151,6: 

a n o y m p e y a p   jcpoa [...]; e sobre os espíritos tornando-se figuras asquero

sas durante as sessões, Pitágoras de Rodes em Eus.  Praep, Ev.  5. 8, I93B; 

Pselus, op. Daem.  22, 869B.

60. Aspersâo com sangue de pombos ocorre em anoXvoic . (PGM   11. 178).61. Frag. 29 = de m yst.  241. 4 = Eus.  Praep. Ev.   5, 10. 198A.

62. CRAI   1942, 284 sg. Dúvida pode pairar quanto à última data, que Cumonl  

tiLribui à introdução de aves domésticas na Grécia, mas islo não afeia o ar

gumento aqui defendido.

63. “O galo foi criado para combater demônios e feiticeiros juntamente com o 

tão". Davmcstcr (citado por Cumonl, loc. cil.).  A crença em virtudes  

apotropaicas sob rev ive até liojc cm muitos pa íses. Sobre cs Ia crença entre 

os gregos, ver Onh cm P.-W., s.v. "Htilin”, 2532 sg.64. /.v. et Os.  46, 369F

63. CMAG   VI. 150, I sg,, 15 sg. (parcialmente hascado na antipatia tradicio

nal do leão c do galo, Plínio,  N.H.  8. 52 etc.). Cf. Bolus, Physica IVag, 9,  

Wellmann (Ahh. lier!. Akad.,  pliil.-liisl. KL, 1928 n. 7, p. 20).

66. Idéias similares aparecem na “receita para a imortalidade”,  PGM   IV. 475  

sg., v.g. 511: i v a O a u p ac w to l epov nup, e 648: êk togodtcov (.tiiptcxôcov 

arcccOoLvaTiaOeiç ev r a m ri -cri wpoc. Culmina cm vis õe s luminosas (634  

sg., 694 sg.), Mas o c/jia0<7,vaTiG|io<; tcúrgico pode ter estado conectado  

ao ritual dc enterro c dc rcnascimcnlo (Proclus, Thcot. PUtt.  4. 9, p. 193: 

tüjv OeoDp-yüiv G am eiv to o. keàedovtíúv 7t\r|V Tr|Ç Ke J aÀ n; ev tt| 

|_LuaxiKCúT«Tr( Twv tëAætcov). Cl'. Dieierich,  Eine M ithrasl iturgie ,  163.

67. Pselus, embora lambém eonecie T£Xí:crTiKT| com estátuas, explica o lermo 

dc outro modo: teAegtikti 8e eti ioti^ui sotiv t | otov x8 .0 uoa (ass im  

manuscrito) iriv i|'u;niv Sicc tiiç tíov ïvto.dÔ U/Uov 5uvcc|.ieü)<; (Expos, 

or. Chalet.  1I29D, in  PG,  vol. 122). Hicrocles, que representa uma outra  

tradição faz da teXeotiki] a arle de purificar o pneuma (in am: Cann. 482A  

Mullacli).

68. Pselus diz que “os Caldeus” 5icx<Jiopoi<; dXcciç avôpEiKeXa icXaxxovTeç  

«itoTpojiHia voan¡.iaT<i)v EpyaÇovTai (Script. Min  1. 447. 8). Sobre os  

oi)f.l[3o\a cf. o verso eilado por Proclus, in Crat.  21. 1: ou|.l[íoÀct yccp

TtaTpiKOÇ VOOÇ EOHElpEV KÜCTO KÜO iOV.

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A p ê n d i c e   I I . T líurgia 3 0 9

69. lip is t.  187 Saí has f  B ib lioth eca G raeca M edii A? vi,  V, 47 4 J,

70. CMAG   VI. 131, 6; cf. também in Tim.  1. 111. 9 sg.

71. Cf, Proclus in CMAG   VI. 148 sg., com a introdução de Bidez, e Hopfner, 

O Z   I, 382 sg.

72. Uma prática idêntica é encontrada no Tibet de hoje, onde estátuas são con

sagradas por meio da inserção em seu interior de palavras encantadas e de  

outros objetos mágicos (Hastings,  Encyçl. o f Religion and Ethics,   VII. 144, 

160).

73. Cf. R, W ünsch ,  S e th ian isch e V erfluchungsiafeln ,  98 sg. Audol lcnt, 

 Defixionum TabeU ae, p. LXXlll; Dornseiff.  Dus Alphabet in M ystik u. 

 M agie ,  35 sg.

74. Proclus, in Tim.  11. 247. 25; cf. m Crai.  31. 27, Porfirio lambém inclui em  

sua lista de materia magica   teúrgica am bas ' ‘ fi gu rali ones” e “soni ccrli quidam ad voces” (Santo Agostinho, A cidad e île Deus,  10. 11),

75. Marinus. vit. Proel.  28; Suidas, s.v. XcxÀSaiKOiç £)iiTr|5£U[iaoi. Cf. Pselus,  

 Epi st.   187, onde ficamos sabendo que certas formulas são inoperantes e l

¡.ni T t ç w m a epEi 'imoyeA.Xtt) tt | y^toacni t| etepoç wç r | i £%vq  

SlCtTOCrTETOL

76. Pselus, em CMAG   VI, 62. 4, coma-nos que Proclus aconselhava invocar  

Artemis (= Hécate) Çi<t>q<|>opoç, GTteipoôpccKOV-coÇtòvoç, Aeovtuijxoç, 

Tpmop(|)oç todtoiç  y a p   carrqv ([iqoi toiç ovoj.taoiv eXKEO^ai Kai oiov  

eÇajtaraaBai tcai ■yori'CEW.aftai.

77. Proclus, in Crat.  72. 8, Cf, o nome divino que “o profeta Bilys” encontrou 

gravado cm hieróglifos em um templo em Sais e revelou ao “rei Ammon”, 

de myst.  267. 14.

78. Pselus, expos, or. chaid.  1132C; Niceforos deGrégoras, in Synes. de insomn. 

541 A. Cl. Corp. Uerm.  XVI. 2. ’

79. Cl. as traduções gregas deste nomes mágicos dadas por Clemente de Ale

xandria,  Strom.  5. 242, e l lesiq. s.v. E^ em a yp a p u a ra .

80. Ver Wellmann,  Abh . Bert. Aka d ., phil.-hist. Kl. 1928, n. 7; Pfister,  Byz.   Ztschr.  37 (1937), 381 sg.; K.W. Wirbciaucr,  Antike Lapidarien   (Diss. Berl., 

1937); Bidez-Cumont,  Les M ages hellénisés  I, 194; Feslugière, L'A strologie , 

137 sg., 195 sg.

81.  P G M   Vlll. 13; Vil. 781. Cf. VII, 560; qke |ioi to ravE-upa to ctEpoitETeç  

Ka/Unijuevov oij|ipoÀon; Kai ovopacriv twJiSeyKTüiç, e IV. 2300 sg.; Hopf

ner. P.-W. s.v. “Mageia”, 311 sg.

82. Cf. .1. Kroll,  Lehren des H erm es Trism egis to s,   91 sg., 409; C. Clerc,  Les  

Th éories relatives an culte d es imag es c hez les auteurs gre cs du !te'"e siècle  après J.-C.\  J.Gelfckcn,  Arch. f. Ret.  19 (191 9) , 286 sg.; Hopfner. P.-W. 

s.v. “Mageia”, 347 sg.; e OZ I. 808-812; E. Bevan,  H oly Im ages.

83. Cf. Plotino,  Enéadas 4, 3. 11 (II. 23 . 21 Volk); îipoo7cct0eç Se t o  o i k j c c u v  

u i|iq 0 £ v , too071 Ep KatOTtTpov o.pTcaaai EiSoc, t i S u v a p sv o v , em que

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310 O S G R E C O S E O IR R A C IO N A L

OTTíüOOijv parece envolver negação de qualquer virtude específica aos ri- 

los mágicos dc consagração.

84. Brman,  D ie ¿igyptixche R eligio n,  35; A. Moret,  Ann. M usé e Guim et   14 

(1902), 93 sg.; Gadd,  D iv in e Raie,  23, Eusébio parece saber disto: ele lista 

ijoavcov iSpiXTEiç entre as práLicas mágicas e religiosas tomadas de em- présiimo ao Egito pelos gregos (Praep. Ev.  10. 4. 4). Um simples ritual de 

devoção oícrcccndo x w p a i era c o mu ni na Grécia clássica (textos cm G, 

Hock, Griech. Weihegebrauche,  59 sg.), mas não há nenhuma sugestão de  

que islo fosse vislo como induzindo uma animação mágica.

85 .A sc le p .   111. 24J, 2 7 :I-38J (Corp. Herm.  1. 338, 358 Scott). Cf', também  

Prcísigkc,  Sammelbiich   n. 4127, çoavtó (assim Nock para ccoavca) Te oco  

m i vau ) ejjTivoiccv reapexœv ra.i Su va piv fie’/aX iiv, de Mandulis-Hclios; 

e Numenius apud  Orig. contra Celso  5, 38,86. Este é lambém o período em que pedras valiosas (gemas) marcadas com  

figuras mágicas ou fórmulas começam a aparecer em grandes quantidades  

(C. Bomier, “Magical Amulets”,  Harv. TheoS. Rev.  39 [1946, 30 sg.]). A 

coincidência não é fortuita: a magia está entrando na moda.

87. Lendas a respeito do com pon amento miraculoso de estátuas públicas de 

cullo eram lão comuns no mundo helenístico quanlo seriam na mundo me

dieval: Pausânias e Dio Cássio estão cheios delas; Plutarco, Camillas   6 é 

um locus closs i cus.  Mas lal comportamento era normalmente vislo como  

um ato espontânea da graça divina, e não como um resultado de lOpliuiç  

ou K t« K \q a iç m ágicas. Sobre a atitude grega clássica, ver Nilsson, Gesch 

der Griech. Rei.  I. 71 sg.; ate o lempo de Alexandre, o racionalismo pare

ce 1er sido, dc um modo geral, forte o bastante para tuantcr em xeque (ao  

menos no meio da classe mais letrada) a tendência a atribuir poderes divi

nos a imagens públicas ou privadas. Posteriormente, a crença na animação  

das imagens pode 1er sido sustentada, algumas vezes, por meio dc maqui

nações fraudulentas; ver K Poulsen, "Talking, Weeping and Bleeding  

Sculptures”,  A d a Arc haeolo gica,  16 (19 43 ), 178 sg.88. Apulcio,  Apol.   63. Cf. P. Val [elle,  L'A polo gie d ’Apulée,  310 sg.; Abt.  Die  

 A pologie des A. it. d ie antike Zaubere i,   302. Tais esialuelas, que eram pos

sessões permanentes, são obviamente algo diferente da imagem construida  

ad hoc  para uso em um tipo de  pra xis   particular.

89.  Philopx .  42: e x TtqA.01) E p a m o v t i avccicXofoocç, AiuOt, eijii], r a t aye  

Xp-uaiSa. Cf. Ibid., 47, c  P G M   IV.296 sg., 1840 sg,

90. FiloslnHo, vit. Apoll.  5. 20.

91. Esláluas animadas podem ter desempenhado uni pape! importante lia magia hecática da Grécia clássica; ver as curiosas notas em Suidas, s.vv.  

Oeor/evriç c E kcxteiov,  e cf. Diodoro 4. 51, em que Medéia constrói uma  

estátua oca de Artemis (Hécate) contendo ^apuara, de um modo bastan

te próximo ao dos egípcios.

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A p ê n d i c e II. T e u r g i a

92. Eusébio,  Praep. Ev. 5.  12. = de phil. ex orac.,  p. 129 sg. Wolff. Assim, o 

fazedor da imagem em  PG M  IV 1841 pede que ela lhe envie sonhos. Isto 

explica a referência a “sotnnia” na passagem de Aselépio.

93. Ver os fragmentos em Bidez, Vie de Porphyre,  ap. I.94. Fócio,  Bibl.  215. O relato é de segunda mão, mas pode ser aceito como  

mostrando a principal derivação do argumento de lâmblico. Cf. Juliano,  

epist.  89 b. Bidez, 293AB.

95 .  Eunápio, vit. soph,,  475. Cf.  P G M X 11. 12. O 7rup oanonaTOV é uma an

tiga peça de magia iraniana (Pausânias 5. 27. 5 sg.), da qual Juliano pode  

ter preservado a tradição. Mas ela também era conhecida de prestidigita

dores profanos (Aten. 19E; Hip.  Ref. H aer.  4. 33; Júlio Africano, K so to i,  

p. 62). Ela reaparece na hagiologia medieval, por exemplo em Cesário de 

Heisterbach,  D iá logo sobre m ilagres,   7. 46.

96. Suidas, s.v. Seus “dons psíquico s” eram mostrados ainda mais pelo fato 

de que a simples proximidade física de uma mulher impura lhe causava  

sempre dores de cabeça.

97. T. de Cauzons,  La M agie et la sorcelle rie em Fra nce,   II. 338 (cf. tam

bém 331, 408).

98. Cf. W olff em seu apêndice ao de phi l ex orac .  de Porfirio; H. Diels, 

 E le m entu m ,  55 sg.; Burckhardt, Civilisation oj Renaissance in Italy,  282 

sg. (ed. ingl.); Weinreich,  A n tik e H eilu ng sw u nder,  162 sg.; C. Blum,  Eranos  44 (1946), 315 sg. Malalas atribuiu a um -C£Ã8O|iaT0TC0 i 0 ç as vir

tudes mesmo do paladium troiano (Dobschütz, ChristusbUder,  80 sg.).

99. Olimpiodoro dc Tebas, em Müller  FH G   IV. 60. 15. (= Fócio,  Bibl.  58. 22 

Bekker) . O fogo e a água eram, sem dúvida, s imbolizados por  

XapaKiripeç. Pode ser uma mera coincidência que eles sejam os dois ele

mentos usados em purificações teúrgicas (Proclus, in Crat.  100. 21).

100. Paul Kraus,  Jâ b ir et la scie nce grecque   (= Mém. de l’Inst. de’Égupte, 45, 

1942). Devo ao doutor Richard Walzer meu conhecimento deste interessante livro.

101. Porfirio aparece como alquimista em Berthelot,  A lc him is te s gre cs,   25, as

sim como na tradição árabe (Kraus, op. cit., 122, nota 3). Mas não se sabe 

da existência de nenhuma obra genuína sua sobre alquimia. Entretanto, 

Olimpiodoro e outros neoplatônicos tardios se engajaram superficialmente  

em alquimia.

102. Referências ao ad. Aneb.  na literatura árabe são citadas por Kraus, op. 

cit., 128, nota 5.

103. Não sei em que bases Hopfner (O Z   II. 70 sg.) se situa para excluir estes  

tipos de operação de sua definição do que seria “propriamente a adivi

nhação teúrgica”. Ao definir um termo como teurgia devemos ser guiados,  

ao que me parece, pelas evidências antigas e não por uma teoria a priori.

104. Cf. cap. III,  supra.   Sobre personalidades secundárias afirmando serem deu-

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312 Os G R E G O S E O I R R A C I O N A L

ses pagãos e aceitos como tais por exorcistas cristãos, cf, Min. Felix, Oct.

21. 6 sg.; Sulpicius Severus,  D ia l. 2.  6. (PL   20, 215CJ, etc.

105. Proclus, in Remp.  II. 123. 8 sg. A julgar pelo contexto, o objetivo deste  

T£?i£Tr| era, provavelmente, como aquele da experiência imaginaria com

o (jru;to\}\KO<; p«P§oç que Proclus citou em 122. 22 sg, a partir de 

Clearcus, para possibilitar uma “excursão psíquica" mais do que posses

são; mas a experiencia deve dc qualquer modo a indução de algum tipo  

de transe.

106. Frederic Myers, “Greek Oracles” in Abott’s  H elle nic a,  478 sg.

107. Linhas 216 sg. Wolff (= Eusébio,  Pra ep. Ev.  5. 9). G. Hock, Griech. 

Wethegebmuche,  68, toma as instruções como referencias à extração da  

presença divina de uma estátua. Mas frases como ppoxoç 0eov ooketi  

Xíüpet, ppoxov outaÇ£<j0e, avano.ve . 5c (fxaia, Vo aov te So^-qa, ap ea e  

(jKOTOt ye r|0e v H va aT na av iE Ç sr a tp o t, podem se referir apenas ao m é

dium humano (“controles” em sessões modernas lalam regularmente do  

médium tia terceira pessoa,

108. Isto é afirmado cm vários dos oráculos de Porfirio, v.g., 1, 190,  

fleioôcqaoiç Ekcxti-|v j.le Oeriv ekcAccïücîç otvotymiç, e por Pitágoras de  

Rodes, que Porfirio cita neste caso (Praep. Ev.  5. 8), A compulsão é ne

gada em de mysi.  (3, 18, 145, 4 sg.), que também nega que os “ca ldcu s” 

usem ameaças aos deuses, enquanto admitem que os egípcios o fa/.em (6,5. 7). Sobre o assunto como um lodo, cf. Olsson em APAFMA  Nilsson , 

374 sg,

109. Em CMAG   V I.I51 10 sg. e le menciona p urificações através dc enxofre c 

água marinha, ambos vindos da tradição clássica grega; sobre o enxofre, 

cl. Homero, Odisséia,  22.481, Teócr. 24.96 e Eilrem, Opferrhus,  247 sg.; 

sobre água marinha, Ditlcnbcrger,  Syl l.   1218.15; Eurípides, ¡.T.  1193; 

Teofrasto, Caráteres,  16,12. O que é novo é o propósito - preparar o “ani

ma spirilalis” para a recepção dc um ser superior (Porfirio, de regressu frag. 2). Cf. 1(opfncr, P.-W. s.v. “Mageia”, 359 sg,

110. Cf. Aakjocte jioi aTC^avovç no oráculo porfiriano (Praep. Ev.  5.9) e o  

 jovem Edésio a quem “bastava pôr uma guirlanda c olhar para o so l, e  

ele i medi a lamente produzia oráculos lieis no m elhor estilo de inspiração” 

(Eun. vil. soph.  504).

111. Porfirio, loe. cil.

112. Proclus in CMAG   VI. 151. 6: rercoxpTl ya p npoq ^ev oa>TO<|xxv£iotv to  

Kveœpov.

113. Proclus, in Remp.  II. 117.3; cf. 186.12. Pselus corretamente chama isio de 

prática egipcia (Up.  187, p. 474 S al has): cf .  PGM   V e os papiros mági

cos dcm óticos de Londres e Lciden, verso col, 22.2.

114. lâmblico, de mysteriis   157. 14. Olimpiodoro, in Aie.  p. 8 Cr., diz que as

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A p é n d i c e I I . T f u r g i a 313

crianças e as pessoas do campo são mais dispostas a evQowiaajuoç por 

falta de imaginação (!).

115. Cf. a interessante m onografia de Hopfner “Die Kindermedien in den Gr_- 

Aeg. Zauber papyri", Festschrift N.P. Kondakov , 65 sg. A razão usualmente apresentada para preferir crianças era sua pureza sexual, mas a causa real 

de sua eficacia superior era, sem dúvida, sua alta capacidade dc serem  

sugestionadas (E. M. Butler.  Ritual M agic ,  126). A Pitia dos lempos de  

Plutarco era urna simples menina do campo (Plutarco,  Pyth. O rac.  22, 

405C). '

I16. Cf. Lord Balfour,  Proc. Sue. fo r Psychic al Rese arc h  43 ( 1935), 60. “A 

sra. Piper e a sra. Leonard, quando em transe, parecem perder todo o sen

t ido de sua identidade pessoal , enquanto, até onde pode ¡ulgar o  observador, este nunca é o caso com a sra, Willet. Seus estados de transe 

abundam em observações descrevendo suas próprias experiências, e oca

sionalmente ela fará comentários ... sobre a mensagem que lhe pedem para 

transmitir”. Cf, capítulo III, notas 54 e 55.

117. o d ^E po uc tv. Isto explica o verso oi) (fiEpei pe to u Ô0XT|0Ç r| Tc&ouvot 

rapSlOt, citado por Proclus, in Remp.  [. 111. 28.

IIfí.  Proc. Soc. f o r P sychic al Rese arc h  28 (1915): mudanças na voz, movi

mentos c onv ulsivos, ranger de dentes, p, 206 sg.; insensibilidade parcial. 

Insensibilidade ao fogo era atribuída ao médium D.D. Home, e está asso

ciada a estados psicológicos anormais em muitas parles do mundo 

(Oesterreich,  P ossessio n ,  264, 270, irad. ingl.; R. Benedict,  P atterns o f  

Culture, 176; Brunet, A ia c a o u a , 109, 158).

119. Cf.  PGM   VII 634: rcemyov to v a \r |0 iv o v AcKA,r|7itov 5 tx a t lv o ç  

avTiOeoi ) 7cA.avo5at^ovoç , Aróbio , adv. nat.  4.12: magi suis in 

accitionibus memoran! anlitheos saepius obrepere pro accitis, Heliod, 4. 

7: r/vTieeoç xtç ëoikev ejítioóiíJeiv ir|v rcpaÇiv, Porfirio, de aim. 2. 4 1

sg .; Pselu s, Op. Daeni.  22.869B. Crê-se que a fonte da crença é iraniana 

(Cumonl,  Rei. O rient.   278 sg,; B ous sei,  Arch. f. Rei.  18 [1915], 135 sg.),

120. Porfirio, loc. cit.,  cila um pedido “d ivino” em tais circunstâncias para que 

o local seja fechado:  X v t  Pir|v Kccptoç te  X ojíúv   ij/euSri-yopcc A s

sim também um '‘comunicador” moderno fecha o local com um “devo  

parar agora ou direi algo tolo” ( Pro c. Soc. Psych. Researc h  38 [1928], 76)

121. Segundo Proclus, in Tun  1,139.23, e in Remp.  1.40.18, isto envolve, alem  

da presença de au v B im a apropriada, uma posição favorável dos corpos celestiais (ct. de mysi..  173,8), um tempo e local apropriados (como fre

qüentemente nos papiros), e condições climáticas favoráveis. Cf. Hopfner. 

P.-W., s.v. “Mageia”, 353 sg.

122. Proclus, in Crat . 36, 20 sg. oferece urna explicação teórica daquilo que  

os espíritas chamariam "a voz direta”; esta explicação segue a linha de

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3 1 4 Os G R E G O S F. O I RRA CI O N A L

Posidônio (cl'. Greek Poetry and Life,  372 sg.). Hipólito sabe tomo for

 jar este fenómen o (Ref. Haer.  4.28).

123. Eicon p o |! ev o v o p ea a i n ùioyKOupEVOV. Cl', o dito alongam ento de uma 

freira italiana do século XVI, Veronica Laparelli {Jour. Soc. Psych. 

 Research   19. 51 sg.), e os médiuns modernos Home e Peters (Ibid., 10. 

104 sg., 238 sg.). ^

124. isto é uma tradicional marca dc magos e hom ens sagrados. E atribuido a 

Simon Magus (ps.-Clem.  Hom.   2.32); a místicos indianos (Filost. vit. 

 Apoll. 3.15); a vários santos cristãos e rabinos judeus; e ao médium Home.  

Um mago, em um romance, lista isto em seu repertório (PGM   XXXIV. 

8), c Luciano satiriza tais afirmações  [Fi b p s .   13;  A s in,  4). Os escravos 

de lâmblico gabavam-se do fato de seu mestre ter levitado (Eunap. vil. 

soph.  458).125. Ver as passagens de Pselus e Nicetas de Serrae eoligidas por Bidez, 

 M éla nges Cam ota ,  95 sg. Cf. também Eitrem,  Symb. O slo   8 (1929), 49

sg-126. de myst.  166, 15, em que i o u ç r a lo u p.£v ou ç parece ser passivo (sc. 

Oëouç) , c não (conformo Parthey e Hopfner) c no meio (= todç  

sAritopaç); são os “deuses” e não operadores que melhoram o caráter 

dos médiuns (166 .18. cf. 176.3). Sc assim é, “as pedras e ervas’ serão 

syinbolíi   trazidos pelos “deuses” c deixados por eles, como os “aportes” do espiritismo. Cf. capítulo IV, supra   nota 19.

127. Proclus, iu Remp.  I. 111. 1; cl. in Crut.  34, 28; c Pselus,  P C.  122, 1136B.

128. Gregorio de Nazianzus, oral   4. 55 (PC   35, 577C).

129. Hopfner, ''Kindermedien”, 73 sg.

130. C f de myst.,  3. 14, sobre vários tipos dc <)>cûtoç reywyii-

131.  Simplicio, in  phys.   613.15, citando Proclus que falava de uma luz m  

auioic-nra Oeocpocicc ev ecaruo iotç açtotç encavov ev xoimo yocp 

to atujctüia twodciOcci <|>tigi Kara to Xoytov. Simplicio, entretanto, 

nega que os Oráculos  de screve ssem as aparições c om o vindo ev TO) (Jiüm 

(616. 18)132. Eitrem, Greek Magical Fapvri in the British Museum.  14, Reitzenstein, 

 Hell. M vst.-R et. ,  31, traduziu-o “damil sic sich forme nach.”

133. de myst . ,  133. 12: t o te j.iev o k o to ç cruvEpyov X cc^ ccv ou aiv ot 

©(ûraytuyowieç, cf. Eus,  Praep. Ev. 4.  1, Os prestidigitadores fingem, para 

sua conveniê ncia, que a escuridão é necessária. Hip.,  Ref. H aer   4. 28.

134. d e m \ s t . ,  133. 13. t o t e Se n Ai evo iJkùç r| oeA.r|vr|<; r¡ oàcûç t i] v wtociOpiov 

a u y iiv <yo>Aap[:Savop.£va e%ouai np oç i q v eXÍLocj-iij/iv. C f Ed ésio, su pra,  nota 110; Pselus,  Expos, orac. Chttld.  1133B; e Eitrem,  Symb. Oslo.  

22, 56 sg.

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Í N D I C E R E M I SS ÍV O

(Números entre parênteses, refercmse ao numero cías notas)

A

Abaris: 148, 149acidente, não reconhecido no pensamento 

dos primordios: 14 

adivinhação, cm Mida sempre indutiva: 77 Plalão na: 218. 223 por xamãs: 144 sg., 147 rejeição por Xenófanes: 183 teúrgiea: 294

ver ttunhém  sonhos, profecía adivinho, veja profeta Adonis: 195Aetius,  Piadla  5.2.3: I2K (28)

cr/»;: 44ayed-yr): 305 (20)aid os: 26ai sa: 16

aicxpov, aplicada à condma: 34 (109)Al Ghazali: 209alastor: 38, 46, 188Alexandre Polistor: 116, 131 (53)AlfoliJi: 145aima, em forma dc pássaro: 145. 164 (38) 

irracional, em Platão: 124, 215, 229 (30) rejeitada pelos estoicos: 240 pluralidade de almas: 156. 175(111) captura: 150 sombra-: 126(10) inconsistentes visões da: 181 sg ver lambe'ni  vida após a morte, corpo, 

 psyche,  reliase mie ruó

alongamento: 302, 314 (123) 

alquímico, alquimia: 298, 311 ( 101 )Alto Sacerdote, em Leis, dc Platão 234 

(71)alucinação, ver visñes 

«(.nixotviti: 36 Aitionius Saccas: 288 amuletos: 254, 268 ( 103), 247

Anacrconte, psyche cm: 142 

Anaxágoras, e Hermótmio: 146 Anfiaraos, santuário de: 115 anjos: 297. 301ansiedade: 51. 84, 85. 102 (98), 253 Anti Ton o TEpcaocKorto;, identificado 

com o sofista Antifon: 135, 136 (100) «vciOeoç: 301, 313 (119) aparições luminosas: 302 

' Y’i tumbém epifanías Apolo. o.Xeti ko . koc :  81 

origem asiática: 76 Hiperbóreo: 144, 148, 164(36) Nómios: 83

em Plalão,  Leis:  222, 224, 236 (85) patrono da loucura profética: 75-78 ver íwnhéin  Helios, Pitia 

Apolônio. como mágico: 287 "aporte”, em sonhos: 111, 127(19) Apuleio, como mágico: 287, 297, 300 “Apulunas”: 76, 92 (32)Ares: 18, 83arelé. Protágoras t   ,S6crates: [85 sg.

dependente de um saber: 199 (29) Arimáspios: 145 Aristarco, o astrónomo: 247 Arisicas: 145, 164 (37)

Aelius Aristides: 114 sg., 118-120, 129(32), 133 (79), 253 

Aristides Quintiliano: 84 Aristófanes: 131 (56) 

e “Orlísmo”: 150 e Sócrates: 190 

V í?.v /> «.y : 8 , 9 1 ( 2 1 )

Vespas: 122. 101 (91)Aristóteles, na calarse: 55, 85 

nos sonhos: 124. 137 ( 116) opiniões prematuras de: 124, 139 na paixão: 187 nü psyche:  139

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316 O.S GREGOS E O IRRACIONA1

insight   psicológico: 239 sg. na tragedia: 68 (110) de anima  410": 19, 172 (94)Div.  p. samn.  4631’: 14, 137 (112)

 Met.  984'’: 19, 146, 166(50) Rhet.  1418J: 24, 147 

Arqtifloco: 38Artcmidoro: 112, 127-128(24), 136

137 (107)Asc le piad cs: 86 Asciépios: 85, 114-123

culto de, "uma religião de emergen das”:204 (83)

caes sagrados de: 118, 132 (65) epifanía de: 204 (86) deiis maior: 194Serpente Sagrada de: 118, 133(64), 195 

askexis'.  153, 157 Assiria, so litio cm: 113 

oráculos: 92 (31 ) aslmlogia: 246 sg., 251, 261 sg., 267 (91)  astronomia, uma possível ofensa a Atenas: 

191

desaprovarão de: 202 (64)Pial fio lia: 236 (88) 

me   2-8: 25 sg., 44-48 Mena: 23, 42, 61 (38), 116. 130 (50), 244 Ális: 195Auden, W.H.: 239, 269 (107)“Atifklarui ¡jf”; ver Iluminismo 

Aulocast ração: 133(79)

It

13acó, veja  Dioniso Báquis; 78, 93 (45) paKxKueiv: 280 ( I)Beauchamp, Sally: 74 bdty-tutkcrs'.  78 sg.Bcndis: 195, 205 (89)Berossus: 246 Bidez: 285Bion de Roristenes: 4 1, 60 (33)

bode expiatório: 50Bolus de Mendes: 247, 263 (69), 296Bonner, Campbell: 120Bowra, Sir Maurice: 10Brãnquida, oráculo de: 76. 79, 98 (70)liurckliardt, Jacob: 194,214

Burnet, John: 142 sg.

C

cabeça, movimento dc: 275 sg.

mânticas: 150, 170 (78) cães no culto dc Aselépio: 118, 132(65) 

Calhoun, G.M : 54 sg.Calcídio, sobre sonhos: 112, 121. 128(26) ^apaKTtpeç: 295, 300 

Cassandra: 76 sg., 93 (45) castração, lema: 67 (103) catarse (catharsis), na era arcaica: 43-45, 

50 sg., 54 

Aristotelians: 55 Coribantes: 83-86, 232 (59)Cretenses: 165 (4 1) de um eu oculto: 156 sg.Dionisíaco: 82-85, 100 (87)Hcríiclitos: 183, 197 (13)Homérica: 42 sg., 61 (39)

Órfico: 157cm outras culturas: 68 ( 109)Pitagórica: 85, 157, 248 

PlalSnico: 212, 214, 223, 224 Posidônio cm: 240 sg. teúrgiea: 298 sg.. 312 (109) xamanística: 176(116 e 11R) 

calarse pitagórica: 157 comunidade: 147 silêncio: 157, 177 (122)"recordação”: 155 vegetarianismo: 157. 173 (95) 

caverna de Cliaron: 115 

caverna sagrada: 115, 145, 168(60) céticos: 241China, moral divina na: 58 (8)

colapso de tradição religiosa: 204 (81) Cibele: 83, 100(90), 195 

Cicero, sobre astrologia: 247 sobre sonhos: 125 

ciencia grega, realização dc: 237 sg. su per-especial i zaç So na: 250 

falla de experimento na: 251, 251, 267 (94)desprezo dos filósofos helenísticos per 

265 (77)Cinésias: 190 sg., 202 (61 ) ci Lime divino, veja phthonos

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3 1 8 Os Ci K KG OS H O IRRACIONAL

Xenófanes sobre: 183 ver lambcm  epifanías, phthonos 

Diágoras, ação judicial de: 191 Dicacrco: 137 (117)Diels, H.: 145. 146, 147 

Dictericli, A.: 277 Dio Cássio: 125 

Diodoro 4.3: 271 sg.. 279 Diógenes, o cínico: 117 Diógenes Laércio 1.114: 167 (51)Dioniso: 82 sg„ 88, 271-282 

veículos animais: 279 sg. não aristocrático: 99 (80) 

como deus de cura: 99 (78) como deus dc pro Tecia: 91 (30)Auaioç: 274. 281 (19) e “orfismo” : 173 (95). 178 (129)  e Titãs: 158 sg., 177-180, 279 equação com Hades: 197 ( 14)

Diopeites: 192 data de seu decreto: 202 (62) e monismo no pensamento grego [urdio: 

264 (72)Dodona, oráculo de: 78, 130 (47) dualismo, platônico e mazdeano: 230 (33) 

despertado no see. I d.C.: 248 "Dumb” espíritos: 95 (57)Dunne. J.W.: 112

E

Eaeus: 147, 167 (57)

“ecloplasma”: 302 Edelslein. L.: 7. 117. 120 educação, e declínio itileleclual: 250. 266 

(88 )

Egilo. animação de imagem no: 296. 297. 310(84)sonbos no: 113 sg. 

ego-consctência: 24. 47, 48,Ehnmark, E.: 20Eitrem. S.: 285, 288, 292 sg., 303 

Eleusis: 141, 174(102),258 (29), 306(33)Platão, atitude para: 235 (82)

Eliot, T S.: 49. 216 Empédocles: 148 sg. 

na loucura: 72e ‘‘orfismo": 148, 150, 171 (81)

¡invehe e daemon  em: 156. 175 (111) deslocamento corporal de: 169 (65) frag. 15, 23: 149 frag. Ill: 148 Sg. frag. 129: 147, 167 (55) 

evOêoç, significado de: 92 (41 ) ev0d^iov: 62 (46) 

enlouquecer do poeta: 88 da Pília: 92 (41)

Epi curistas: 241 Epicuro: 239, 242, 246 

com um deus: 259 (36) representante do espírito científico: 265 

(77)Epidauro, registro do Templo de: 116 epifânias: 32 (91), 130 (50), 134 (83, 84), 

204(86), 279 Epigcnes: 152, 173 (96) epilepsia, confundida com possessão: 73, 

89 (10)antiga opinião médica sobre: 90 (20) tratamento por música: ! 1)3 (109). 

porque chamada “sacra”: 89 ( I [ ) Epimcnides: 115, 144-150, 177 (121),

235 (81) epi lá li o: 242. 258 (29) e t t w S o u : 176 ( 119), 214, 228 (20)Em arcaica, definição: 57(1) 

alitudes religiosas: 35-42 condição social: 51 sg.. 82 sg.

Era helenística: 237-243 Erínias: 14-16, 26, 45 sg., 48 

não a mortos vingativos: 29 (37)Eros: 48, 219, 232 (57) escravidão, c declínio intelectual: 252 espiritismo moderno: 81, 207, 251 

e teurgia: 299-303 ver lambém  médiuns 

espírito, consubstanciai com cadáver: 140142, 174(102) 

espirro: 32 (87)

Esquines: 48. 64 (71)Ésquilo, Erínias em: 16 

maus espíritos em: 47 culpa herdada: 41 

 phthonos   em: 37 

punição ptisHmmenr.  141 Coêforos  534: 127(24)

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IWJIC'K HI.-MISS1VO 319

Cftéffimx  953: 96 (66) Eitmènides  104: 160(3) RV.  794: ¡64 (37), 198 (20)Hag, 156: 63 (65) 

estátuas, v e t imagens Estoicos, aceitação da astrologia: 246,

262 (57)visão de sonhos: 125 

visão de inspiração: y¡¡ (71) intelectual is mo: 240 sg, religião: 24! sg. 

doutrina de ''simpatia": 247 atíngela: 298 

eu oculto: 143 sg„ 150, 158, 159(1), 248 

chamada "daemon” por Empédocles: 156, 175(111)

identificado por Plalão com racional  psyche-.  2 12 

Eudoxo: 246 Eu líeles: 78 

Eurípedes: 188-190 e Anaxágoras: 184 

cm ritos dionisíacos: 27 ! -280 

Erínias em: 48-49 e Heráclito: 184, 198(21) sobre ¡¡hlhoimx:  37 c "‘orfismo”: 150 sg. e os sofistas: 184 

e Xenófanes: 184. 198 (21) Med.  1078-80: 188. 2Ü0 (46)Hipp. 375 sg.: 188 sg., 201 (49) ação judicial dc (?): 191 

 Hyps.  frag. 31 Hunt: 171 (82)

Tro.  1171 sg.: 162 (22) irag. 472: 171 (82)

Eusébio dc Mmdus: 290 

excursão psíquica, sonho como: 109, 139. 174 (97)em transe: 145-148, 287 

exorcismo: 103 (103) êxtase, significado de: 83. 99 (84) 

ver Mmbéiu,  possessão

!<’fadado: 32 (88) família patriarcal: 52 sg.

solidariedade de: 41 sg., 53,83, 114, 153 lensõcs na: 53-55

Fedra: 188sg., 200 (44, 47)Fêmios: 18. 104 (115)Fenicios, profeeia entre: 76Feréeides, duas almas em: 156

Festugière, A.J.: 151 sg., 241, 250, 251Fi lipides : 121Il au ta: 84, 101 (95), 274Flaviano: 298Fóctides: 49fogo, insensibilidade ao: 275. 301, 31 3 

(US)espontâneo: 311(95) 

fonte sagrada: 79, 96 (64)Forster, R.M.: 71 

Frankfort, H. e H.A.: 48 Freud, S.: 49, 55, 65 (84), 111, 119, 120, 

124 sg„ 154 sg., 215, 220 Fry, Roger: 9

c;

Galeno, acredita nos sonlios: 125, 136 (104)

galos, apotropaiea vinude dc: 294, (308 

(6.3)Gebir: 298 G lot/. G.: 41. 47 Gruppe. O.: 279Guerra, efeitos sociais da: 192 sg., 251 Guthrie, W.K.C.: 7 *

H

Hades, no ar: 116Dioniso, equação com: 197 (14) 

confusão, em: 174(102) como estado mental: 223, 2.14 (77) este mundo como: 176 ( 114), 226 (5) ver também vida após a morte 

Hécíilc, culto a Aegma: 101 (91) aparição de: 302 e distúrbio menial; 83-86 imagens mágicas de: 297, 311 (91) santuário de: 202 (61)

Heealcus de Mi lelos: 182, 197 (5)Heinimann, F.: 184Helios, ver culto ao solHell, ver  vida após a morte. HadesHeraclides Poniiciis: 147Heráclito: 16, 49. 98 (71), 99 (80)

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320 O S G R EG O S E O IR R AC IO N A L

sobre sonhos: 122. 135 (91) influenda de: 184 racionalismo de: 183 Sg.. 197 sg na alma: 153, 155, 175 (109) 

frag. 14, 15: 197 (14) frag. 92: 91 (27)

Heraisco: 297Hermcus, mutilação de: 193, 204 (78) Hermódes: 242, 258 (32)Hermótimo: 145, I46sg."heróis": 83

Heredes 4.90 sg,: 132(66)Heródoto, sobre sonhos: 122 

fatalidade: 49, 63 (55) culpa herdada em: 41  phth onos em: 37 sg.2.81: 171 (80), 173 (96)4.36: 164(33)4.95: 148, 168 (60)5.92: 116 6.105: 121, 122 6.135: 47causas da loucura em: 72 

Heiófilos, sobre sonhos: 112, 128(28) heróis: 259 (34), 244 

Herzog,lí.: 117 Hesíodo: 40, 45, 49, 52,

Títeog.  22 sg.: 87, [21. 134 (86)'íhe«g.  188 sg.: 67 (103) 

iiidtomaneia: 264 (70)Hipócrates, de morbo sacro:  74 sg., 83 sg. 

Oí  i ¡{i-gimen:  123, 136 hit.  48: 122, 135 (90)

 Pi-ogii.  1: 90 (20)Hipótese heliocéntrica: 247. 262 (58) história, elementos irracionais na: 269

(108)

hititas: 53, 67 (IÜ3), 76. 92 (32). 113 Hopfner, T.: 285, 292 sg., 303 

Homero: 10-34 calarse em: 43 sg., 6 1 (39)Dioniso em: 99 (80)

 justiça divina em: 39mat] n i nação divina: 17: 20, 22, 110sonhos em: 109-112ego-consciénda: 24, 33 (98)[ivre atbírlrio em: 15, 28 (31) atitude a denses: 36, 42

Hades em: 141 sg.interpolação órfica em: 141elementos tardios em: 13, 14. 59(16),67(102), 104(115)

loucura em: 74apelo às Musas: 86 sg.silÊneio de: 51) sg., 77, 115

virtude em: 52 Muda  1.63: 127 (22)

I.198: 222.484 sg,: 86 sg., 104(116)3.278 sg.: 161 (10)9.512: 14 10.391:27 (20)II.403-410: 33 (98)13.61 sg.: 17 15.461 sg.: 20 19.86 sg.: 11-14 [9.259 sg.: ¡61 (10)22.199 sg.: 127 (20)24.480: 27 (17)

Odisséia  I 32 sg.: 39, 59 (21 )8.487 sg.: 104 (116)

9.411) sg.: 74 18.327: 74 20.351 sg.: 92 (38)20.377: 74 22.347 sg.: 18, 19 

 Hnsitti  a Delfos: 79 sg.Hroznÿ. 1Î.: 76hubris'.  38, 45 sg., 54, 59 (13)Hugo, Victor: 107 Huxley. A ¡deus: 272 

Huxley, T.H.: 237

I

lâmblico: 290 sg., 297, 300-302, 306 (40) de  lirai. 166.15: 314(126) vit. Pyth.  240: 179 (135) 

lâmblico anónimo: 199 

iC   If, 4962: 132(65)IV’, 1.121-124: 116-117 

igrejas sagradas: 277Iluminismo. mais antigo do qtie movimento sofístico: 182-184 reação contra: 190-194 efeitos de: 193-196, KW (81) e Platão: 210

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Í  n LiI C E K Ë M I S SI V O 321

E^crta YpajJ|lo.ttt: 205 (95)“imagens arquei í picas”: 126 (4) imagens, Crisipo na cultura de: 241 

Heráclito, sobre cuito de: 184 animação mágica de: 294-299, 311

(91)miraculoso: 310 (87)usada para ataque mágico: 196, 206

(%)imortalidade, veja  vida após a morte 

impureza, ver miasma incesto: 67 ( 105), 189. 201 (57) 

incubação: 114-121,204(83) 

ver lambém  sonhos India consputeação e purificação na: 68

(109). 159

renascimento na: 158-159. 162 (29).I74 (97)

'"lembrança" cm: 175(107) individualidade, emancipação da: 41, 42.

146, 1.53, 193, 238, 242 sg. influencia órfica sobre Asciépios: 123 

catarse: 157reforma em Eleusis, pretensa: 141interpelação em Homero, pretensa: 141 poemas: 147, 151 sg., 157 teoria de sonhos: 122 sg.Titã mito: 158 sg 

influencia orienta! no pensamento grego: 67 (103), 136 (107), 143, 250, 257 (20), 266 (86) 

insanidade, veja  Imicura inspiração de menestréis em Homero: 18, 

30 (63), 86 sg. dc poetas; 87 sg. dc Pitia: 77-81, 92 (41) 

intelectuais e povo, divisão entre: 182, 

187, 193, 194 sg., 222, 245 sg. açãojudicial: 224 sg. 

intelectual is mo grego: 24 sg,, 34 (105).

186, 240 sg. intervenção psíquica em Homero: 10-26 Ion de Quios: 152

Irracional, consciência grega do: 9, 254. 255

retorno do: 245-254 

ISócrates 4.29: 61 (37)

J

Jaeger, W.: 149 James William: 9 

 jejum: 115, 144 John XXII, Papa: 298 

 jovens, como médiuns: 263 (70), 300, 313 

(15)Juliano, o Imperador: 291, 302 

 Epist.  12: 307 (47)Juliano, o teúrgieo: 286-288, 291, 295-299, 

304 (15)Juliano, o "filósofo ealdeu": 286 sg.

Jung, C.G : 126(4), 129 (37)  justiça divina: 38-42, 51. 153 sg., 192 e cultura de culpa: 60 (34) descendência das ménades: 277, 282 (38)

KaKoSo.inovraiar: 190kcA ov aplicado à vergonha: 34 ( 109)Kardiner, A,: 44Koestler. A.: 217kfima:  38, 58 (8)Kraus, P.: 298 

Kroll, W.; 285 sg.T289 

Kuixvgai, oráculo de: 92 (40) Kuiiuirbi,  épico de: 67 (103)

r,

Labeo, Cornelius: 304 (15)

Latte, K. 76, 121 Lé v y-Bru hi, L.: 6. 46 levilaçâo: 302, 314 (!24) 

liberdade: 247, 252perda da política, efeitos: 251 de pensamento, limitações sobre, aos atenienses: 202 (63), 203 (68), em  Leis, de Plalão: 224 sg. 

libido: 215, 220 

licnomancia: 303 Licurgo, o orador: 46 líderes do culto: 243, 258 (32), 259 Liddell e Scott’s Léxico, erros em: 13, 14, 

27 (17). 61 (37), 94 (49), 162(19)  Linforlh. 1. M.: 7. 82, 84 sg., 151 sg. linguagem "divina”; 91 (24)

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322 Os GiiECîOS 1-: O IRRACIONAL

livre abítrio em Homero: ! 5, 28 (31) livro dos sonhos: 114, 123. 125, 135(100), 

136(107) livra dos sonhos indiano: 136(107)  

livros, queima dc: 191 longos sonos: 146, 166 (46), 212 loucura, atitude grega para: 72-77, 90 (23) 

origem demoníaca da: 13, 46, 73 sg, 

cm Homero: 74 linguagem especial na: 91 (24) 

poética: 86-88 profética: 75-84 ritual: 81-86, 271-282 

poder sobreñal mal na: 74 Lourdes: 117, 119, 131 (60) loureiro: 79"luzes" na sessão espírita: 303 

M

Macrobio, sobre sonhos: 112, 114, 127 (24) magia, função biológica da: 51 

pássaros na: 293 

na literatura do séc, V: 206 (99) retomo ao séc. IV: 195 sg., 207 

rilual: 224neopitagó ricos: 263 (70)(runsmissão familiar de: 307 (49) dc Juliano: 287 c misticismo: 306 (35) cm Plotino: 288 sg. pureza requerida na: 293, 308 (57) i‘t'

1' também defixiii, teurgia 

Malinowski, B.: 51, 66 (92)Malraux. A.: 254 mana,  real: 259 (36)HtxuTiKrv veja adivinhação, profecia manipulação dc cobras cm Kentucky: 277 

no Abruza: 283 (43)Marco Aurélio: 125,216,249 

Marinus: 286marionete, homem como: 216 

marxismo: 55, 252 máscara: 99 (82)Malthew Arnold: 244 

 jjuxvtiç, derivação dc: 76 ver lambém  pro Teta 

Maximo, o (cárstico: 291, 297 

Mazna. P.: K)

Medéia: 187, 200 (44. 46), 257 ( 16) medicina, profana e religiosa: 120, 133 

(7 4e 77) médiuns, espíritos: 77. 79

 pode quebrar dura n te o transe : 95 (59) respiro est ri pitos o: 78. 94 (52) ver lambém jovens, possessão, espiritismo, transe 

Melampo: 83, 99(85)Melville, Herman: 139 menestréis: 18,31 (63), 86 sg. memoria racial, suposta: 126 (4) ménades: 271-282 

Menécrates: 73menos, comunicação de: 16-18 

de reis: 30 (47)Mesopotamia, incubação em: 130 (48) 

ver lambém  Assíria 

Meuli, K.: 144milis»,«■-  42-44, 55. 62 (47), 224, 236 (86) 

infecção dc: 43, 61 (43). 193.206(98) de sangue derramado: 157 

microcosmo, homem como: 123 Mileto VI.22: 278 MilU'atles: 47minóicos, incubação: 115, 130 (48) mistérios, Heráclito sobre: 183 

ver tombent   IZIcusis mito dc Tila: 158 sg., 177-180 mito e sonho: 109, !3I (58) moira-.  16-18, 28 (30), 41, 45, 49 

e (Itiímitiir.  31 (65), 49, 64 (79)

 Moirni:  15, 28 (29 sg.) mono, sonlios sobre a: 123. 130 (52) 

oráculos: 116possessão pela: 89 (14), 302 

tendencia de: 140 sg.. 160 (8 sg.) 

ver tambem  vida após a morle, renasci men lo 

Movimento sofístico: 182, 183, 184-188, 189-191 

Murray, G.: 10, 52, 181, 193 Musas: 86-88, 103(111), 121 música, com significado de cura: 84-87, 

103 (108), 273 orgiástica: 274pitagórica: 85, 157, 176(119) desamas: 150. 176(119)

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Jn d i œ   REM ISS I VO 323

Myers, Frederic: 299 

N

natural leologia, rejeição de: 248, 264 (71) 

necromancia: 263 (70), 287 sg. nemesis: 34 ( 109), 40 

neo pitagorismo: 248 sg.. 263, 304 ( 15) neoplatonismo e teurgia: 287-293 

 Neqttépso, revelações de: 246 

Nero: 297Nestório, o teurgista: 298 Nicéforo Grégoras: 291. 301 Nietzsche, F.: 75

Nilsson, M.P.: 6, 21, 22, 23, 76, 153. 192, 243, 250, 251. 285 

Nock, A.D : 7, 250, 253, 271, 285  Ntmms a Physis:  184 sg,, I89 sg. nous,  separabilidade: 146

O

ocultismo: 248distinguido da magia: 264 (76) 

Olimpiodoro, em  Platal. 87,1 sg.: 179 (135) 

Omophagia: 158, 278-280(OfioifaYíOV enJkfAeiv: 278, 283 (49) 

unciros,  significado em Homero: 109 ver também sonhos 

Onomáciito: 147. 158 Oráculos assírios: 9 1 {3 ! )

eakleu: 285-287, 290 sg„ 295 sg. sonho-: 115 sg„ 130 (49) de imagens mágicas 295-299 da musa: 87 

de Orleu: 150tempo romano tardío 98 (75)Porfirio: 289, 297,302 

ü p E i p o . a i t t : 272 

üpEi[kxai«: 82 üVeipOJiüÀüÇ 127 (22)Orlen: 150 sg.“Orfismo", pretensa origem asiática: 162 

(29)improvável asserção sobre: 150 sg. como miragem histórica: 172 (88) e Empédoeles: 149, 151. 171 (81) e Heráclito: 197 ( 14) e plalão: 151. 235 (82) e Pitágoras: 147, 152

P

pai, imagem de, em sonhos: 114 

como rei: 259 (36) ofensas contra: 53 sg. como Zeus: 54 sg. 

pais, ofensas contra: 39, 52 sg.. 66 ( 101) paixão, visão grega da: 187 sg. 

em Platão: 215nos estoicos: 240, 256 (II), 257 ( 16) 

Pan, causa de distúrbio mental: 83, 100 (89} visão de: 121 

Panéeio: 247, 257 (14) papiros mágicos: 115, 285, 293. 296 sg., 303

 PGM  vi i.505 sg.: 304 (56)PGM vii.540 sg.: 303 

Parke, H.W.: 80 "participação”: 46 pássaros, na magia: 293 TtctípcíAoiaç 67 (104)Palaitt, oráculo de: 76 sg. 

 pittriu put estas:  52 Pausânias 8.37.5: 158 Pearce, Nathaniel: 276 pecado original: 159 

pecado, sendo de: 43 sg.Penleu, mito de: 280 Peregrimis: 253, 267 (100)Perl a adro: 116personalidade, secundaria: 73 Pfeiffer. R.: 271 

PRsler, F.: 44, 51,  phthonos. divino: 37-39. 48, 5 I, 

origem da crença em: 68 ( 108) paralelo de outras culturas: 58 (8) 

l}hysis, veju Nomos Píndaro: 40, 49, 109

vida após a morte: 139, 141 sg. e a Musa: 87 sg. visáo experimentada por: 121 

frag 127: 158 sg.Piper Mrs.: 94 (52), % (61 )Pili goras: 115. 147-150, 157, 168 sg., 170 

(75), 248e “orfismo": 147, 152, 173 (96) como mágico: 169 (64), 263 (70)

e Pitagorismo: 152. 173 (95 sg.)

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324 O s (jRKOOS II O IRRACION AL

Pitagorismo, Alexandre: Polistor: 131 (S3) 

e astral religioso: 248, 263 (68) Empédocles e: 146 

e “orfismo”: 152, 173 (95 sg.) “científico” e “religioso” : 169 (68) 

e xamanismo: 168 (63) unidade dc alma em: 229 (30) 

status  de mulheres no: 167 (59) ver também  neopitagorismo 

Pitia, inspirarão dc: 77-82, 92 (41) suborno de: 97 (68) 

ver também  Delfos placas de ouro: 151 sg., 157 

Platão e astrologia: 246, 261 (52 sg.) nos ritos Con bñnticos: 219 sg, daemon do individual em: 49. 215 

em Delfos: 224 sg.Criítilu  4(X)C: 171 (87) 

 post-mortem,  culto dc: 227 (9) 

ejmi.sdição familiar: 52 e “orfismo”: 151,235 (82) e o IIunimismo 210 

 Epinomis'.  234 (70) sobre o mal: 214 sg.•‘guardiães” em: 212 sg., 218 

 Leis  701C: 158, 178 (132)!.eis,  791 A: 102 (102), 232 (59)

 Leis  854H: 158, 178 (133)U-ts  8871): 233 (70)

 Lets  896E: 228 (24) Leis  9041): 234 (77)

 Leis  909H: 223, 235  Mcnoii   81BC: 158 sg. Pluieda 621Í: 173 (95)na herança dc culpa: 41, 60 (32), 223no hedonismo: 213no amor: 220, 232na psyche'.  139,211,214-217e os pitagóricos: 2 11 sg., 226 (5), 227

(9), 229 (30)nos ritos coribSnlicos: 85na pocsia: 88, 219 sg., 231na profecia: 78, 94 (46), 218 s g , 231no renascimento: 154lia magia: 196, 206 (97)na reforma religiosa: 220-225no sacrificio: 223e xamanismo: 211 sg.

influência na religião helenística: 241 Mazdean influência em (?): 230 (33)233 

(70) ■e Sócrates: 199 (33), 210 sg., 214, 217 

sg., 227 (19), 231 (48) nos sonhos: 113. 124  Eutidemo, 277D: 85. 103 (104)

 Ion,  536C: 85, 102 (102)Fedro,  244AB:7I,93 (41)Fedro,  25IB, 255CI): 232 (59)

Gorg.  493A-C: 211, 226 (5) ProMt rcM/i.f 3I9A-320C: 199 (33)  Proíágoras  35213: 200 (47)

 Hep.  364B-365A: 152, 172 (92), 223, 224, 235Rep. 468E-469B: 227 (9)

 Sofista,  252C: 94 (49) Simp.  2I5C: 102 (102) 

platonismo: 248, 249 Plinio,  N.N.  11.147: 101 (94)Plotino, racionalismo dc: 247, 265 (78), 

288

evoeação de scu demonio: 292-295  Litn.  1.9: 305 (26) E,m.  5.5.11: 306 (33)

Plutarco: 4¡, 125, 253 sobre Delfos: 79-81 def. nrw:.  438IÍC: 79 sg., 95 (56) 

poetas, inspiração dc: 86-88, 105, 219 sg.e vidente: 104 (118) 

poder, comunicação: 16-18 

polarização da mentalidade grega: 195, 204 (87)Porfirio: 288 sg.. 297 sg.. 301 

vil. Plot.  10: 292-295 de tibst.  4.16: 293 de phil. e.\ i/rac. 216 sg.: 312 (107) 

Poseidon: 83Posidônio: 116, 240, 229 (30), 240, 248,

263 (65), 314 (122) possessão, erigem da crença em: 73 sg. 

como paixão: 188 Coribântico: 83, 84 medo de: 252 pela morte: 89 ( 14)Dionisíaca: 82, 272 sg pelas Musas: 86. 88 profética: 76-82

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Í n d i c e  r i ím is s i v o 3 2 5

sonambulismo ou lucidez: 78. 95 (54) xamanismo: 77, 93 (43), 144 un-Homeric: 18,74 ver tumben!  médiuns, transe 

Prince, Morion: 73Proclus, nos Oráculos Caldeus: 286, 291 

teurgia do: 290. 294 sg., 301 sg. Procópio dc Gaza: 285 

profanação, veja miasma profecia, Dionisíaca: 91 (30)

mais amiga do quo adivinhação: 91 (31)extática, no oeste da Ásia: 76, 91 (31)oracular: 76-82espontânea: 77em forma de verso: 97 (70)visão de Platão de: 219 sg.

 Profeta, em Claros: 97 (70) em Delíos: 78 sg., 80 

profetas, ataques intelectuais: 192 em Platão: 94 (46), 2 19, 223, 232 (56) e poetas: 87 sg., 104 { 118) zom liarlas: 184, 191, 192 

progresso,idéia de: 185 

propostas para estabilização: 220-225 propriedades ocultas: 247 sg.Protagoras: 185-187 

ação judicial de: 191, 202 (63, 66) Pselus, Michael: 285-287. 291, 295, 300 Script. Min. 1.262.19, 446.26: 305 (18) 

 psyche,  em Homero: 24 sg., 140-143 cm poetas joniauos: 142 nos escritores áticos dosée. V a.C.: 142 sg. poderes ocultos de: 122-125, 136(104), 

139retorno para o éter incandescente: 176 (M2)

em Empédocles: 157em Platão: 214-217como eu apetitivo: 142 sg„ 162 (26)às veies como residindo no sangue: 162(27)como nome de cães: 162 (26) como eu ocullo de origem divina: 143 sg., 212 sg., 214unitária e tripartida: 214 sg„ 228 (24), 229 (30)ver lambém  vida após a morte, renascimento. alma

psiquiatra, antigos: 84 sg.como filosofía: 265 (79)

Ptoan, oráculo: 95 (60) pureza, ritual e moral: 44. 62 (47), 244 

como ponto capital da salvação: 157 purificação, ver calarse puritanismo, Grecia: 143 sg., 152 sg„ 157

159, 176 sg., 214 sg. e cultura da culpa: 155

racionalismo grego: 9, 254realizações de: 41, 120-125, 182-187. 

237-239do Platão: 2Í0sg„ 214, 218-220 do filosofia helenística: 239-242 declínio: 248-254 ver títmbém  Iluminismo 

"recordação", Pitágoras disl. platónico: 155, 175 (107), 212 

religião, apolínea dist. dionisíaco: 75 sg., 82, 158 ~ na ora arcaica: 35-56 

helenística: 241-244 Homérico: 10-26,42, 50 sg. iiiinóica, sobrevivencia: 22 sg.. 65 (91), 96 (62), 146, 150 e paradoxos morais: 69 (112) moralização: 39-43o moráis: 38racionalismo critico de: 182-184 regressão de, no see. V tardio: 193-196 ver lambém daemons, deuses, “orfismo" 

religião ogípeia, conhecimento de Plotino da: 288

renascimento, na forma de animal: 157, 217, 230 (43)de Epimênides e Pilágoras: 147 sg. de origem não egípcia: 162 (29) ausência de epitáfios: 258 (29) crença na relação da Grécia e India: 162 (29), 174 (97)

ensino de poemas órficos: 152como privilégio de xamãs: 147, 154, 167(58)porque alguns gregos aceitaram: 153156

responsabilidade, medo da: 83, 102 (98),

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326 O s GRËGOS B O IRRACIONAL

247, 253. 255 riqueza, Homero e arcaicas atitudes para:

52, 66 (95)

ritos de enterro, sobre gastos: !61 (9) Heráclito sobre: 183 sg. pitagórico: 227 (9) imitação: 308 (66)

Rohde: Li. 72, 75. 143, 153 

Rose. H.J.: 109, 111

S

Sabázio: 195. 277, 283 (42, 44). 

sacrifício: 223sacrifício dos dedos: ¡20, 133 (79)Sarapes: 113 

segunda visão: 77 Semonides de Amorgos: 37, 142 

Seneca: 249sentimento dc culpa na era Arcaica: 43 sg.,

53, 54. 154, 159no mundo Greco-Romano: 133 (79),

252 sg.

ab-reação: 68 (l 10) servas em forma de cisne: 164 (37) sexo, puritanismo grego e: 157 sg.. 177 

(122 sg.), 200 (43) trocado: 144, 163(32)

Sbackleton, Sir Ernest: 122 Sibila, a: 78Sidgwick, Mrs. Henry: 301 ‘simpatias”, ocultas: 247, 248. 295 sg. 

Sinésto: 301 Small, H.A.: 7 Sneil, B.: 24“sobredeienninação”: 15,25. 37 sg.. 58 ( 10) sobrevivente, ver  vida após a morte sociedade -aberta". 238. 253, 254,255 (1), 

269(107)sociedade “fechada”: 218, 238.244.Z55 

(11,269(107),

Sócrates, sobre íirííe: 185 sg.ação judicial de: 190 sg,. 194, 203 (74) 

crença nos oráculos: 98 (71). 186. 199 (36)díiemntiiwn  <le: 121, 187. 192, 203 (74) cm qual senso racionalista: 186 sg. prática de retiro mental: 226 (6) participa dos ritos coribânticos: 85

paradoxos dc: 25 sonhos de: 112, 187 \ei Unr.bem  Platão 

Sófocles, expoente de visão <le mundo arcaica: 55  Ajax  243 sg. : 9 1 (24) Am.  176: 143  Am.  1075: 29 

 Am.  583 sg.: 56-57  Et. 62 sg.: 145, 165 (39) corpoc alma em: 142 

em Eros: 48ihtms de homem em: 58 (6) em phthanur.  58 (12)O.C.  964sg.: 59 (25)O.T.  1258:91(25) 

solidariedade da cidadc-Estado: 193, 236 

(87)<la familia: 41 sg., 53 sg., 82, 114, 153 

Solon, poeinas de: 37, 40 

legislação dc: 52, 141 sonambulismo: 73, 89 (14) 

sonhador, privilegiado: 129 (35) sonho de ansiedade: 111sonho de Édipo: 53, 67 (105) 

mito de: 43 sonhos: 107-138 

ansiedade: III aportes em: 111clarividência ou telepatia: 112, 122 sg., 

137 (116)

aprisionado em imagens: 296 sg. antigas classificações de: 112 influencia do padrão de cultura: 108,113 sg„ 117, 119, 130 (52)“daemon icos”: 124. 137 (112)

dedicações prescritas em: 297sobre duemmtx:  64 (70)sobre a morte: 123, 130(52)

dos mortos: 116oferendas prescritas nos: 113"divino”: 113-115, 122-125, 129 (37)imagem do pai no: 114interpretação do: 135 (99). Vei tambémlivro dos sonhosem Homero: 109-112e mito: 109, 131 (58)objetivo: 109-111

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 Î n DICÏÎ REMISS!VO 327

Édipo: 53, 67 (105) prescrições dadas no: 120 sg. técnicas para provocai" 114, 297 como excursões psíquicas: 139, 174 (97) cirurgia no: Ii9, 132(72) simbólico: 109, 111 sg., 114, 123 sg.  modo dc: 253, 268 (105) não leonado renascimento em: 162 (29) como sin lomas: 123, 136 (102) como real i/.ação de desejo: III sg., 123 ver também corpo e alma 

Sorano: 86 sorte: 49

 Spai'agmos:  158, 277-280 

Speugler. O.: 268 ( 106) sublimado: 219, 220. 229 (26)<7UfI¡ÍoA.üi: 295 sg., 298 sg. superego: 49s upéis lição. Tco trasto e Pl ularco: 253 o.tiCTO.aií;, na magia: 305 (20), 306 (34)

T

Taghairm: 129 (43) amuletos: 297 

tuneivoç: 216. 230 (39) tambor: 84,TOpacoEiv: 57 (3) laluagem. sagrada: 146. 165 (43) telepatía, nos sonhos: 123, 125, 137 (116) teAeotikiI: 295-299. 308 (67) tempo: 25 sg., 39, 176 (113)Tennyson, Lord: 185 Teocl¡menos: 77 

Teofrasto: 85, 238, 253 Teóguis: 37. 40. 46, 48 sg.Oeojtenjitoç, significado de: 135 (97) teologia astral: 220 sg., 233, 234, 246, 

247e pitagorismo: 248. 263 (68) 

teurgia: 285-315 bibliografía da: 285 elementos iranianos ein: 294 origem da: 285-288 

e mágica: 287, 290, 293 sg. e neoplatonismo: 287-292 modus nperuiidi   tía: 294-303 

Tlieoris: 2U5 (95). 206 (98)Theoteknos: 298

Thesiger, Emest: 278Thomas, H. W : 151¡humos: 24, 142 sg., 188, 229 (32)Tibel, animação de imagens em: 309 (72) Timo: 47tímpanos: 85, 274 

ruxn: 65 (80)cullo de: 243, 260 (37) 

tradição e o individual: 238 sg., 242 sg. transe coribântico: 84, 101 (94) 

indução de: 79, 94 (52) de Pitia: 78, 92 (41), 94 (53), 95 (55) voz ouvida em: 118 troca de voz em: 96 (61), 301 

xamanístico: 144-147, 163 (31), 166 (46)leúrgico: 298-303 ver lambém médiuns, possessão 

TptETtitSeç: 271,280 (2) trailsmigração dc alma, ver renascimento tributo lócrida: 44 '¡'ylor, E. 117

D

ubiqüidade: 144, 148 tinia tnyslita, dist. teuigia: 288 upanichades: 159 Urano: 53, 67 (103)

V

vegetarianismo, origem dc: 157, 177(121) Vellio Testamento, ciença divina no: 58 (8) 

culpa herdada no: 60 (26) vida após a morte, idéia da antigüidade: 140 

divinização, na: 147 sg., 227 (9) e epitáfios: 242, 258 (29) medo da: 161 (13)

recompensa e punição: 42,73 sg„ 84 sg., 211 sg.. 222.ver também Hades, renascimento 

vinho, ale  causada por: 13, 45 e poética: 105 (124) uso da religião: 76 

virtude, ver aretevisões, hipnopômpica: 127(24), 132(62) 

vigília: 113, 121 sg., 132 (62), 134 (82), 135

Viza, comport amento: 277

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328 Os GREGOS I-: O IRRACIONAL

vontade, conceito deficiente na Grécia antiga: 15, 34(105)

“ v o ï d ireta” : 314 ( 122)

X

xamanismo. definição de: 144 dist. religião dionisíaca: ¡46 dist. possessão: 77, 93 (43), 144 Trácios-Cilios: 144 sg 

Grego: 144-15!. 152 sg., 163 (32) transposição cm Platão: 211 sg. bibliografia de: 163 (30) 

xamanístico uso de flechas: 164 (34) ubiqüidade: 144 sg., 148 poder sobre pássaros e animais: 150, 170 

(75)troca de sexo: 144, 153(32)adivinhação: 144 sg.

 jejum: 144-146comidas-tabus: 177(121)

viagem ao espírito do inundo: 144, 147sg., 150, 154,212uso da música: 150, 176 (119)

excursão psíquica: 143-147, 152, 163(31)purificações: 176(116), 176(118) rccncamação: 147, 156, 167 (56) “recuo”: 144. 146, 152,212

tatuagem: 146transe: 144-146, 163 (31), 166 |46), 

Xenócrates e mito do Titã: 159, 178(133), 179 (134)

frag. 7: 147, 167 (55) frag. 23:

Xenofonte, na psyche:  139  Anah.  7.8.1: 135 (99) Mem.  1.6.13: 135 (100)

Xenófanes, racionalismo de: 122, 182 sg. influência de: 184 frag. 23: 197 (9)

W

Weinreich, O.: 73, 117 Whitehead, A N.: 181, 244 Wilamowitz, U. von: 80, 151, 158, 184, 

193, l!>5

Z

Zalmoxis: 148, 168 (60), 168 (61), 176 (119)

Zeüão: 238-241

Zeus: II sg„ 14,26, 36,37,49. 113,241 com pai celestial: 54 sg. como agente de justiça: 38-41 capacidade de piedade em Homero: 42

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 Psicanálise, judaísmo: ressonâncias, Renato Mezan (esg.)

 Do goza criador, Carlos D. PérezO manuscrito perdido de Freud, H. Haydt de S. MelioO psicanalista e seu ofïcio, Conrad Stein

 Elementos da interpretação,  Guy Roso]ato A pulsão de morte, André Green cf al.

 Psicanálise de sintomas sociais,  Sergio A. Rodriguez/Manoel T. Rerlinck (orgs.)

 Família e doença mental,  Isidoro Bcrciistem

 Narcisismo de vida, narcisismo de morte, André Green Erínias de uma mãe,  Conrad Stein

 Notas de psicologia e psiquiatria social,  Armando BauleoTrauma, amor e fantasia, Franklin GoldgrubClínicapsicanalíticci: estudos,  Pierre Fedida

 Psicanálise da clínica cotidiana,  Manoel Tosta BerlinckO acalanto e o horror, Ana Lucia C. Jorge

 A Representação. Ensaio psicanalítico,  Nicos Nicolaïdis

O desenvolvimento kleiniano l. De sen v. clín ico de Freud,  DonaldMeltzcr ’

 Edipo africano,  MarieCécile e Edmond OrtiguesComunicação e representação, Pierre Fedida (org.)

 Ensaios de psicanálise e semiótica, Miriam Chnaidermanb reud e o problema do poder,  Leoti Rozitchner

 Melanie Klein: evoluções, Elias M. da Rocha Barros (org.) Figurações do feminino,  Danièle Brun

14 conferências sobre Jacques Lacan,  Fani Hisgail (org.) Introdução à psicanálise,  Luis Horn stein

O aprendiz de historiador e o mestrefeiticeiro,  Piera AulagnierO desen vo lvim en to kle iniano 11. Des. clínico de Melanie Klein,  D.

Meltzer 

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Taiisk e o aparelho de influenciar ua psicose,  Joe) Birman ( org.)

 A construção do espaço analítico, Serge VitlermanUm intérprete em busca de sentido —I,  Piera AulagnierUm intérprete em busca de sentido —¡I,  Piera Au lag nierTer uni talento, ter uni sintonia,  Denise Morel

 A dialética freudia na I: Prática do método psicanalítico ,  Claude Le

GucnO inconsciente: varias leituras, Felicia Knobloch (org.) Psicose: uma leitura psicanalítica, Chaim S. KaU (org.)

 Historia da histeria, Etienne Trillat A rúa como espaço clínico, Equipe de A.T. do HospitalDía A CASA

(org.) A clínica freudiana,  Isidoro VeghO título da letra,  JcanLuc Nancy e Philippe Lae oueLab ar Lhe

Quando a primavera chegar,  M. Masud R. KhanO Deus odioso. O diabo amoroso. Psicanálise e representação do mal, 

Marcio Peter de Souza Lcitc e Jacques Cazoïte As bases do amor materno, Margarete Hilfercling, Teresa Pinheiro e He-

lena B. ViannaTransferências,   Abrão Slavulzky Do sujeito à i mai’em, Uma história do olho em Freud, Hervé Huot

O sentimento de identidade,  Nicole BerryGigante pela própria natureza,  Emilio Rodrigué Freud e o homem dos ratos,  Patrick J. Mahon y

 Nome, figura e memória,  Pierre Fedida A supervisão na psicanálise, Conrad Stein et alii.O lugar cios pais na psicanálise de crianças, Ana María Sigal (org.)

 Perturbador mundo novo,  SBPSP (org.)Cidadãos não vão ao paraíso,  Alba Zaluar (Coed.Edunicamp)

Casal e fam ilia como paciente, Magdalena Ramos (org.)

 Mancar nao é pecado, Lucien IsraëlCrônicas científicas, Anna Veronica Maulner 

 Penare, Celia Eid e Maria Lucia Arroyo A histérica, o sexo e o médico, Lucien IsraëlOlho d ‘água. Arte e loucura em exposição, João FrayzePereira

Vida bandida. Voltaire de Souza Figuras da teoria psicanalítica , Renato Mezan (Coed. Edusp) Em busca da escola ideal, Neda Lian Branco Martins A casca e o núcleo, Nicolas Abraham e Maria Tõrok 

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 Ah! belas lições!,  Radmila Zy go uri s

Sigm und Freud. O século da Psicanálise  (3 vol.), Emilio Rodrigué

 A dialética da falta,  Alba Gomes Guerra e Patrícia Simões A interpretação, Elisabeth Saporíti Fato em psicanálise, UFA

O corpo de Ulisses. Modernidade e materialismo em Adorno e  Horkheimer, Paulo Ghiraldelli Jr.

Considerações sobre o psiqttismo do fe to ,  There zirt ha Gomes de Sou/aDias

 Isaías Melsolm. A psicanálise e a vida, Bela Sister e MarilsaTaflarcl (orgs.),

Outra beleza. Estudo da beleza para a psicanálise, Claudio BastidasO sítio de estrangeiro, Pierre Fedida Psicoterapia breve psicanalítico,  Haydée C. KahtuniO processo analítico, IJPA

 Elaboração psíquica. Teoria e clínica psicanalítico, Paulina Cymrol A linguagem dos bebês, MarieCiaive BusnelUma pulsão espetacular, Psicanálise e teatro, Mauro P. Mciches

 Freud. Um ciclo de leituras, Silvia Leonor Alonso c Ana Maria SiqueiraLea! (orgs.)

Cadernos de Bion I , Júlio C. Conle (org.)O estrangeiro, Ca terina Kollai (org.)

 Eu em pando. O ego e o corpo em Freud,  Liana Albernaz dc M.Bastos

 Diálogos,  Gilles Dclcuze e Claire Parnet0 sintoma da criança e a dinâmica do casal, Isabel Cristina Gomes

 A e sen ta, a transferência e o brincar, IJPA Sexo, Rosely Sayão (Coed. Via Lettcra)

 A prova pela fa la ,   Roland Gori (Coed.UCG)O instante de dizer, MarieJose Del Volgo (Coed.UCG)O desenv. kleiniano III. O significado clínico da obra de Bion,   Donald

Meltzer  Achados chistosos da psicanálise nas crônicas de José Simão, Jane de

Almeida (CoEduc) A história de Tobias. Um estudo sobre o animus e o pai, Habióla Luz Freud e a consciência,  Oswaldo França Neto

 PulsÕes de vida, Radmila Zygouris Palavras cruzadas entre Freud e Ferenczi, Luis Cláudio FigueiredoTransferência, sedução e colonização,  IJPA

 Febem, fa mília e identidade. O lu gar do Outro.  Isabel Kahn Marin

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 A criança adotiva na psicoterapia psicunalítica, Gina K. Levi tizón

 Mosaico de letras. Ensaios de psicanálise, Urania Tourinho Peres

Cadernos de fíion ¡i, Júlio César Conte (org.) Memórias de um autodidata no Brasil , Mauricio Tragteniberg Ética e técnica em psicanálise, Luís Claudio Figueiredoe Nelson Coelho Jr.

 A arte do encontro de Vinícius de Moraes, Sonia Alem Mar rae h

 Educação para o fu turo. Psicanálise e educação,  M. Cristina M.

Kupfer  Política e psicanálise. O estrangeiro,  Catcrina Koltai

 Nas encruzilhadas do ódio, Micheline Enriquez

 Aids. A nova desrazão da humanidade, Henrique F. CarneiroO problema da identificação em Freud , Paulo tie Carvalho Ribeiro

Catástrofe c representação, Arthur Nestrovski e Márcio SeligmannSil

va (orgs)Conformismo, ética, subjetividade e objetividade,  IJPA

 A histérica entre Freud e Lacan,  Monique DavidMenard

Como a mente humana produz, idéias, J. Vasconcelos Mulher no Brasil. Nossas marcas e mitos, Marisa Belém

 A clínica conta histórias, Lucia B. Fuks e Flávio C. Ferraz (orgs.)O olhar do engano. Autismo e outro primordial,  Lia Ribeiro Fer-

nandes Doença ocupacional, Marina DurandOs avalares da transmissão psíquica geracional,  Olga B. R. Correa

(<>i'g.) Abertura para uma discoteca, Roland de Candé/l conversa infinita —L A palavra plural. Maurice Blanchol

 A morte de Sócrates. Monólogo filo só fico, Zeicrino RochaCenários sociais e abordagem clínica,  Josc Newton Garcia dc Araújo

c Teresa Cristina Carreteiro (orgs.) (CoFumec)O que é diagnosticar em psiquiatria, Jorge J. Saurí

 A constituição do inconsciente em prá ticas clínica na França do sécu-

lo X!X, Sidnei José Cazeto Narcisismo, superego e o son luir,  UPA

 Psic o fa ni lacoiog i a e psicanálise, María Cristina Rios Magalhães (org.) A Escola Livre de Sociologia e Política. Anos de Formação 19331953.  Depoim entos, Iris Kan tor, Débora A. Maciel, Júlio Assis Simões

(orgs.) Linha de horizonte por uma poélica do ato criador, Edith Derdyk 

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 Diagnóstico compreensivo simbólico. Urna psicossomática para a prá-tica clínica,  Susana de Albuquerque Lins Seri no

O carvalho e o pinheiro. Freud e o esülo romântico,  Inès LoureiroO conceito de repetição em Freud,  Lucia Grossi dos Santos (coFu

mec)

 Driblando a perversão. Psicanálise, futebol e subjetividade brasileira, Claudio Bastidas

0 cálculo neurótico do gozo, Christian In go Lenz Dunker

 Psicanálise e educação. Questões do cotidiano, Renate Meyer Sanches

 Espinosa. Filosofia prática, Gilles Deieuze

C O L E Ç Ã O —  

B I B L I O T E C A D E P S I C O P A T O L O G I A F U N D A M E N T A L

 Melancolia, Urania Tourinho Pcrcs (org.)

 Histeria,  Manoel Tosta Berlinck (org.)

 Autism os, Paulina S. Rocha (org.)

 Depressão, Pierre Fed ida

 Pânico e desamparo, Mario Eduardo Costa Pereira Anorexia e bulimia, Rodolfo Urribarri (org.)

 Dor , Manoel Tosta Berlinck (org.)Toxicomanías, Durval May,/.ci Nogueira Filho Diferenças sexuais, Paulo Roberto Ceccarelli

Os destinos da angústia na psicanálise freudiana , Zeferino Rocha Hysteria,  Christopher Bollas

 Psicopatologia fundamental, Manoel Tosta Berlinck

Culpa, Urania T, Peres (org.) A paixão silenciosa, Maria Helena de Barros e SilvaClínica da melancolia, Ana Cleide G. Moreira (CoEdufpa)

 Depressão, estação psique. Refúgio, espera, encontro,  Daniel Delouya

 Hipocondría, M, Aisenstein, A, Fine e G. Pragier (orgs.)

 Dos benefícios da depressão. Elogio da psicoterapia, Pierre Fedida

Superego, Marta Rezende Cardoso

 Angústia, Vera Lopes BessetC O L E Ç Ã O — P S I C A N Á L I S E D E C R I A N Ç A

 Rumo ci palavra. Três crianças autistas em psicanálise,  M.ChristineLaznikPenot

Sublimação da sexualidade infantil , Paulo A. Buchvilz

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 A criança e o infantil em psicanálise , Silvia AbuJainra Zornig A his toriada psicanálise de crianças no Brasil, Jorge Luís Ferreira Abrão

O lugar dos pais na psicanálise de crianças,  Ana Maria Sigal deRosem bcrg

COLEÇÃO — O SEXTO LOBO

 Helio Brasil!,  ConUirdo Cal li garisClínica do social. Ensaios, Luiz Tai lci cie Aragão (org.) Exílio e tortura, Maren c Marcelo Viñar Ext rase xo. Ensaio sobre o transexualismo, Catherine Millol

 Alcoolismo, delinqüência, toxicomanía.  Charles Mel man Imigrantes. Incidências subje tivas das mudança’; de língua e país, Charles

Mclrnan Fantasia de Brasil, Octavio Souza Modos de snbjetivação no Brasil e outros escritos, Luis Cláudio Figuei-

redo (CoEduc) A face e o verso. Estudos sobre o homoerotism o —II,  Ju rand ir Freire

Costa

O <pie ê ser brasileiro? Carmen Back esCOLEÇÃO — ENSAIOS

 MerleauPonty. Filosofia como corpo e existência,  Nelson Coelho Jr.

c Paulo Sérgio do CarmoO inconsciente como potência subversiva.  Alfredo Naílah Neto

O pensamento japonês,  Hiroshi OshimaComunicação e psicanálise.  Jeanne Marie Machado de FreitasClarice Lispector. A paixão segundo C L ,  Berta Waldmann

 A pal são anarquista,  Nathalie Zaltzmaii Escutar, recordar, dizer, Luís Claudio Figueiredo (CoEduc)Sintoma social dominante e moralização infant it,  Heloísa Fernandez

(Cofid lisp) Na sombra da cidade, Maria Cristina Rios Magalhães (org.) Estadosdaalm a da psicanálise,  Jacques Derrida

COLEÇÃO — TÉLOS

 Ensaios de clínica psicanuiítica, François Perrier A form ação do psicanalista, François Perrier  Afeto e linguagem nos prim ei ros escritos de Ire u d ,  Monique Sch-

neider 

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Como a interpretação vem ao psicanalista, René Major (org.)

COLEÇÃO — UN HAS DE FUGA

 A invenção do psicológico. Quatro séculos de suhjetivação ( 1500-1900), Luís Cláudio Mendonça Figueiredo (CoEduc)

 Limiares do contemporâneo, Rogério da Costa (org.) A psicoterapia em busca de Dioniso, Alfredo Naffah Ncio (CoEduc)Aí árvores de conhecimentos, Pierre Lévy e Michel Authicr

 As pulsões, Arthur Hyppóiito de Moura (org.) (CoEduc)

CO LE ÇÃO — TRANSVESSIAS

O corpo em geno. Uma introdução à teoria do complexo de Édipo,  SergeLcd aire

COLEÇÃO — PLETHOS

 A palavra insensata. Poesia e psicanálise,  Eliane FonsecaContratransferência, Suzana Alves Viana Poética do erótico,  S am ira Chalhub

 A Escola, Um enfoque fenomenológico,  Vitória Helena Cunha Espósito Psicanálise, política, lógica, Celio Garcia A eternidade da maçã. Freud e a ética, Flávio Carvalho Ferraz A cara e o rosto. Ensaio de G estait Terapia, Ana Maria Loffrcdo (esg.) Pacto ReA'eludo. Psicanálise e clandestinidade política,  Maria Auxi-

liadora dc Almeida Cunha Arantes A poesia, o m are a mulher: um só Vinícius, Guaraciaba Miehclctti Psiquismo humano, Marco Aurélio Baggio

Semiótica da canção. Melodia e letra, Luiz Tatil A cientificidade da psicanálise. Popper e Peirce, Elisabeth Saporiti A força da realidade na clínica freudiana, Nelson Coelho JuniorCorpoafecto: o psicólogo no hospital geral, Mari lia A. MuylaertCrianças na rua, Ana Carmen Martin del ColladoUm olhar no meio do caminho, Sônia Wolf

 Doenças do corpo e doenças da alm a, La/.slo A. Ávila.Os d iteres nas esquizofrenkis. Uma cartola sem fun do ,  Mariluci No-

vaes

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questão. No terceiro capítulo,

toma como questão a frase de

Platão no Fedrc: “Nossas maiore s

 bênçãos vêm a nós através da

lou cu ra”. No quarto, denom inado“Padrão de sonhos e padrão de

cultura", parte da observação de

o ser humano dividir, com

alguns outros poucos mamíferos,

o privilégio de pos sui r cida dania

em dois mundos distintos. Ele

goza, em diária alternância, de

dois t ipos de experiência — 

“visão de realidade” e “sonho”,

como os gregos as chamavam ,

cada qual com sua lógica e limi-

tações próprias. Em “Os xamãs

gregos e a origem do puritanis-

mo” Dodds observa que, ao lado

da velha crença em mensageiros

divinos que se comunicam com

os homens através de sonhos e

visões, surge também, em alguns

escritores do período clássico,

uma nova crença, relacionada a

experiências de um poder hu-

mano, oculto e inato e examina

essa manifestação com grandeacuidade.

Esta breve amostra do con-

teúdo deste livro fascinante é

suficiente para provocar ainda

mais a curiosidade nascida qua n-

do o leitor tomouo da estante

onde repousava. Resta, agora,

depois de passar os olhos por

estas despretensiosas orelhas,

mergulhar no tex to propr ia-

mente dito onde enco ntrará uma

grande riqueza de idéias sobre o

âmago da nature za humana.