Doença pulmonar obstrutiva crônica leve: Quem é este paciente? · 4 Ano 7 • Edição 2 •...
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Ano 7 • Edição 2 • 2017
Doença pulmonar obstrutiva crônica leve: Quem é este paciente?Prof. Dr. Carlos Cezar Fritscher
FibrosePulmonarIdiopáticaDr. Sergio Jezler
EDIÇÃO ESPECIAL: Casos clínicos da vida real
Paciente com asma não controlada - Critérios
considerados como fatores descontroladores e diagnóstico diferencial
Prof.a Dra. Marcia Pizzichini
sumário
caso clínico
8 Paciente com asma não controlada - Critérios considerados como fatores
descontroladores e diagnóstico diferencialProf.a Dra. Marcia Margaret Menezes Pizzichini
caso clínico
4 Doença pulmonar obstrutiva crônica leve:
Quem é este paciente?Prof. Dr. Carlos Cezar Fritscher
caso clínico
14 Fibrose pulmonar idiopática
Dr. Sergio Jezler
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Editor Científico: Dr. Roberto Stirbulov - CRM-SP 38.357.Material de distribuição exclusiva à classe médica. Os anúncios veiculados nesta edição são de exclusiva responsabilidade do anunciante. O conteúdo desta publicação reflete exclusivamente a opinião dos autores e não necessariamente a opinião da Planmark Editora Ltda. ou do laboratório Boehringer Ingelheim.
Prezados leitores,
O número 2 da Pneumonews 2017 mantém a característica de
levar ao leitor informações de alta aplicabilidade prática. São apre-
sentados três casos clínicos, que certamente poderiam fazer parte do
cotidiano de qualquer consultório de pneumologia.
O primeiro artigo se refere a um caso de doença pulmonar obstru-
tiva crônica leve que é mostrado e discutido, levando-se em conta a
real possibilidade de atendimento desse tipo de paciente no consultó-
rio, culminando na indicação terapêutica baseada no bom senso, na
efi cácia e na segurança. Na sequência, um caso que se refere à asma
que não responde ao tratamento habitual com corticoides inalatórios
associados a beta-agonistas de ação prolongada, demandando incre-
mento no manejo para obtenção do controle da doença. Por fi m, um
caso de doença intersticial com as apropriadas correlações clínico-ra-
diológicas para obtenção do diagnóstico e da atualização terapêutica
hoje preconizada.
Boa leitura!
Prof. Dr. Roberto Stirbulov
editorial
4 Ano 7 • Edição 2 • 2017
caso clínico Prof. Dr. Carlos Cezar FritscherCRM-RS 5.937.Serviço de Pneumologia do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS); Doutor em Pneumologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Doença pulmonar obstrutiva crônica leve: Quem é este paciente?
Caso clínicoJ.R.V., sexo masculino, de 58
anos, natural e procedente de Porto
Alegre (RS).
Paciente consulta pela primeira vez
em nosso ambulatório para avaliação
pneumológica em decorrência de seu
irmão mais velho ter falecido recen-
temente por neoplasia de pulmão.
Refere tosse produtiva ocasional,
especialmente no inverno, quando,
pelo menos uma vez ao ano, apre-
sentava aumento do escarro. A ex-
pectoração tornava-se purulenta e
surgia dispneia, que aliviava com
nebulizações que continham fenote-
rol e ipratrópio. Incialmente negou
dispneia fora das crises.
Fumante desde os 18 anos, 30 ci-
garros ao dia.
Ao exame físico, apresentava-se
em bom estado geral, mucosas úmi-
das e coradas. Frequência cardíaca
de 72 batimentos por minuto, ritmo
regular; frequência respiratória de 12
movimentos por minuto; murmúrio
vesicular levemente diminuído em
“A prevalência de DPOC em São Paulo é de 15,8% segundo um dos mais importantes estudos epidemiológicos sobre DPOC realizado na América Latina.”
Revista PneumoNews® 5
ambos os pulmões simetricamente.
Sem turgência jugular.
Exames realizados inicialmente:
radiografia de tórax com leve abai-
xamento das cúpulas diafragmáticas
e pequeno nódulo de 3 mm no lobo
inferior do pulmão direito.
Espirometria com:
• Capacidade vital forçada
(CVF): 3.820 mL, 95% do pre-
visto com resposta de 2% pós-
-broncodilatador.
• Volume expiratório forçado
no primeiro segundo (VEF1):
2.490 mL, 82% do previsto com
resposta de 4% pós-broncodila-
tador.
• Relação VEF1/CVF: 65%.
• Exames laboratoriais de rotina
dentro dos limites da normali-
dade.
Hipóteses diagnósticas
(1) Doença pulmonar obstrutiva
crônica (DPOC).
(2) Nódulo a investigar.
Conduta inicial
Paciente foi aconselhado a parar
de fumar e lhe foi solicitada tomo-
grafia computadorizada de tórax.
Na reconsulta 1 semana após, a
tomografia computadorizada de tó-
rax mostrou calcificações no nódulo
referido na radiografia simples e pe-
quenas áreas de enfisema, especial-
mente em lobos superiores.
Revisando a história clínica de-
talhadamente, a paciente informou
que jogava tênis regularmente até 2 anos antes da consulta e costumava caminhar 1 hora por dia, duas a três vezes por semana, uma distância de aproximadamente 6 km. Parou de jogar tênis devido ao cansaço para jogar uma partida até o final e igual-mente parou de caminhar, pois não acompanhava mais seus parceiros de atividade física na mesma veloci-dade de caminhada.
Diagnóstico
DPOC.
Nódulo residual (provável seque-la de tuberculose).
Conduta a seguir
Iniciou acompanhamento no am-bulatório de controle de tabagismo no mesmo dia. Foi medicado com tiotrópio Respimat®, duas inalações uma vez ao dia pela manhã, após ser adequadamente treinado com o uso do dispositivo inalatório. Foi acon-selhado a retomar gradativamente as atividades físicas prévias. Teve a informação sobre a benignidade do nódulo. Recebeu vacina contra gripe. Retornou ao ambulatório em 4 meses.
Reavaliação
Paciente retorna a consulta na data agendada (final de setembro) muito satisfeito, tendo reiniciado as caminhadas e conseguindo percor-rer uma distância de 4,5 km. Pela primeira vez nos últimos 3 anos, não teve aumento da expectoração no inverno.
Está sem fumar desde a primeira
consulta e frequenta o ambulatório
de controle de tabagismo.
Como de rotina para qualquer
paciente com uso de medicação ina-
latória, conferiu-se e confirmou-se o
uso correto do dispositivo.
Nova espirometria mostrou:
• CVF: 3.850 mL, 97% do previs-
to sem resposta pós-broncodi-
latador.
• VEF1: 2.615m: 86% do previsto
com resposta de 2% pós-bron-
codilatador.
• Relação VEF1/CVF: 68%.
A conduta pós-reconsulta consis-
tiu em ser estimulado a manter-se
sem fumar e a continuar as cami-
nhadas regularmente, de preferência
diariamente. Foi mantido tiotrópio
Respimat®, e nova consulta foi mar-
cada em 6 meses.
Comentários A prevalência de DPOC em São
Paulo é de 15,8% segundo um dos
mais importantes estudos epidemio-
lógicos sobre DPOC realizado na
América Latina.1 Um número muito
grande de pacientes, entretanto, tem
DPOC, mas não sabe. Quem são
estes pacientes? Geralmente são fu-
mantes com mais de 45 anos, pouco
sintomáticos e que atribuem a tosse
e/ou a dispneia como uma conse-
quência natural do tabagismo, sem
considerar que são sintomas decor-
rentes da doença. Estima-se também
que cerca de 30% dos pacientes com
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DPOC são assintomáticos e podem
se passar vários anos entre o apare-
cimento de limitação ao fluxo de ar e
o desenvolvimento de manifestações
clínicas.2 Os sintomas mais frequentes
são dispneia, tosse e expectoração.
Ainda é controversa a indicação
de realizar-se espirometria como
busca ativa de casos de DPOC as-
sintomáticos. A posição da Socieda-
de Brasileira de Pneumologia e Ti-
siologia (SBPT) expressada em suas
diretrizes para o manejo da DPOC3
diz textualmente: “Recomenda-se a
realização da espirometria para de-
tecção de casos da DPOC na po-
pulação igual ou acima de 40 anos
de idade, exposta a fatores de risco
como tabagismo (≥ 10 anos/maço),
exposição à fumaça de lenha (≥ 200
horas/ano ou ≥ 10 anos) ou exposi-
ção a fatores ocupacionais, com ou
sem sintomas respiratórios, tanto na
população que não procura auxílio
médico (busca ativa de casos) como
na população que realiza consulta
médica por qualquer motivo (busca
oportuna de casos)”.
No caso que apresentamos aqui,
o motivo da consulta não foram os
sintomas, mas o receio de o paciente
ter carcinoma brônquico, devido à
sua história familiar. A dispneia esta-
va presente, mas não era valorizada
pelo paciente. A espirometria na pri-
meira consulta mostrando relação
VEF1/CVF abaixo de 70% pós-uso
de broncodilatador, associada ao
tabagismo, já foi suficiente para fir-
marmos o diagnóstico de DPOC.
Utilizando-se a classificação espi-
rométrica da Iniciativa Global para a
Doença Pulmonar Obstrutiva Crôni-
ca (GOLD),4 este paciente foi classi-
ficado como portador de obstrução
leve, uma vez que apresenta um
VEF1 acima de 80%. Ainda segundo
este manual, este paciente pertence
ao Grupo A.
Para pacientes pertencentes a este
grupo, a indicação farmacológica é de
utilizar-se um broncodilatador, que
pode ser de curta ou longa duração.
Nossa escolha pelo brometo de tio-
trópio (Spiriva® Respimat) (um
broncodilatador anticolinérgico de
longa duração), deveu-se a uma série
de fatores como, por exemplo:
• Disponibilidade do medicamen-
to em nosso meio.
• Facilidade deste paciente com o
manuseio do dispositivo inalatório,
percebido durante o treinamento.
• Segurança.
• Uso de medicamentos de ação
prolongada melhora a adesão.
• Evidência comprovada de
redução de mortalidade e con-
trole de exacerbações.5
Utilizando-se a escala Chronic Obstructive Pulmonary Disease (COPD) Assessment Test, conhecida pela sigla CAT,6 para avaliação e quantificação da dispneia, podemos classificá-lo como pouco sintomático e, como exacerbava uma vez ao ano, como pouco exacerbador. Vejam, entretan-to, que estas exacerbações referidas não eram associadas pelo paciente à DPOC, assim como a dispneia estava presente, mas não era valorizada.
De acordo com a última revisão do GOLD,4 publicada no final de 2016:
• A cessação do tabagismo é fundamental, sendo que a far-macoterapia e a reposição de nicotina aumentam as taxas de abstinência a longo prazo.
• A efetividade e a segurança dos chamados cigarros eletrônicos na cessação do tabagismo é in-certa até o presente momento.
• A terapia farmacológica pode reduzir sintomas na DPOC, di-minuir a frequência e gravidade das exacerbações, e melhorar a qualidade de vida e tolerância aos exercícios.
• O tratamento farmacológico deve ser individualizado e guia-do por: gravidade dos sintomas, risco de exacerbações, efeitos adversos, comorbidades, dispo-
“Geralmente são fumantes com mais de 45 anos, pouco sintomáticos e que atribuem a tosse e/ou a dispneia como uma consequência natural do tabagismo, sem
considerar que são sintomas decorrentes da doença.”
caso clínico
Revista PneumoNews® 7
nibilidade e custo das drogas,
resposta do paciente, e ainda
preferência e habilidade no uso
de um determinado dispositivo
inalatório.
• A técnica inalatória com o dis-
positivo escolhido deve ser en-
sinada no início do tratamento
e verificada regularmente ao
longo do tratamento.
• A vacinação contra os vírus da
gripe e contra o pneumococo
diminui a incidência de infec-
ções do trato respiratório.
• A reabilitação pulmonar me-
lhora sintomas, qualidade de
vida e participação física e emo-
cional nas atividades diárias.
• Em pacientes com hipoxemia
grave em repouso, o uso de oxi-
gênio a longo prazo melhora a
sobrevida.
• Em pacientes com DPOC es-
tável e dessaturação moderada,
oxigenoterapia a longo prazo
não deveria ser prescrita roti-
neiramente, mas cada paciente
deve ser avaliado individual-
mente quanto à necessidade de
oxigênio suplementar.
• Em pacientes com hipercap-
nia crônica grave e história de
hospitalização por insuficiência
respiratória aguda, a ventilação
não invasiva pode reduzir mor-
talidade e prevenir novas hospi-
talizações.
• Em pacientes com enfisema
avançado, refratários aos cuida-
dos usuais, tratamento cirúrgi-
co e/ou broncoscopia interven-
cionista podem ser benéficos.
• Medidas paliativas são efetivas
quanto ao controle de sintomas
em pacientes com DPOC mui-
to avançada.
Voltando ao caso apresentado,
algumas das considerações acima
não se aplicam a este paciente no
momento, se considerarmos que
mostramos um indivíduo com
DPOC, classificado espirometri-
camente como leve, porém, todo
paciente na fase inicial da doença
pode evoluir para formas mais gra-
ves, se as medidas referidas acima
não forem implementadas de for-
ma adequada e sistemática.
Considerações finaisA DPOC é uma doença progres-
siva, altamente prevalente em todo
o mundo, e o Brasil não é exceção,
com grandes taxas de morbidade e
de mortalidade.
O número de pacientes que re-
presentam este universo de indi-
víduos com doença leve varia de
acordo com a região pesquisada,
mas certamente não é um número
desprezível.
Uma vez instalada a DPOC, os
principais objetivos no manejo da
doença estável devem ser a redução
dos sintomas e do risco de exacer-
bações. As estratégias de tratamen-
to incluem tratamento farmacoló-
gico efetivo, porém não se limitam
a ele. A cessação do tabagismo e o
estímulo à atividade física são igual-
mente fundamentais.
Referências 1. Menezes AM, Perez-Padilla R, Jardim
JR, Muiño A, Lopez MV, Valdivia G, Montes de Oca M, Talamo C, Hallal PC, Victora CG; PLATINO Team. Chronic obstructive pulm’’onary disease in five Latin American cities (the PLATINO study): a prevalence study. Lancet. 2005;366(9500):1875-81.
2. Murphy DE, Panos RJ. Diagnosis of COPD and clinical course in patients with unrecognized airflow limitation. Int J Chron Obstruct Pulmon Dis. 2013;8:199-208.
3. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT). Diretrizes brasileiras para o manejo da DPOC. 2014 [citado 2017 Fev 13]. Disponível em: http://bkpsbpt.org.br/arquivos/COM_DPOC/Diretrizes_DPOC_2016_completa_FINAL.pdf.
4. GOLD 2017. [Internet] Disponível no site http://www.goldcopd.org/.
5. Tashkin DP, Celli B, Senn S, Burkhart D, Kesten S, Menjoge S et al; for the UPLIFT Study Investigators. A 4-year trial of tiotropium in chronic obstructive pulmonary disease. N Engl J Med. 2008;359(15):1543-54.
6. Jones PW, Harding G, Berry P, Wilkland I, Chen WH, Kline Leydi N. Development and first validation of the COPD Assesment Test. Eur Respir J. 2009;34(3):648-54.
“Uma vez instalada a DPOC,
os principais objetivos no
manejo da doença estável devem ser a redução dos sintomas e do risco de
exacerbações.”
8 Ano 7 • Edição 2 • 2017
ResumoApresentamos o caso de uma pacien-
te com asma não controlada, etapa 4 de tratamento da Global Initiative for Asthma (GINA),1 necessitando modifi cação do tra-
tamento após possíveis fatores contribuin-tes para a falta de controle da asma terem sido revisados. Também são discutidos os critérios para decisão do manejo da asma.
caso clínico Prof.a Dra. Marcia Margaret Menezes PizzichiniCRM-SC 3.025.Professora Associada do Departamento de Clínica Médica daUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Paciente com asma não controlada - Critérios
considerados como fatores descontroladores e diagnóstico diferencial
Revista PneumoNews® 9
Caso clínico
Identificação
Mulher, 63 anos, branca, profes-sora. Nunca fumou.
Queixa principal
Dispneia.
HDA Portadora de asma e rinite alér-
gica desde a infância. Há 2 anos, apresenta piora progressiva dos sin-tomas de asma, com várias exacer-bações e uma internação hospitalar (há 6 meses). Desde então, a disp-neia ocorre aos mínimos esforços e desencadeia despertares noturnos, devido a falta de ar e sibilos. Ob-tém alívio da dispneia com uso de salbutamol dispensado por via ina-latória (dois a quatro jatos em cada ocasião). A rinite é pouco sintomá-tica com episódios infrequentes de espirros e prurido nasal, mais fre-quentes durante o início do outono e inverno. Não tem outros sintomas
referentes ao aparelho respiratório. Não tem exposição à fumaça, poei-ra ou agentes irritantes no trabalho e no domicílio. Ninguém fuma em sua casa.
Tratamento atual
Budesonida 400 mcg + formote-rol 12 mcg duas vezes ao dia.
Salbutamol 200 mcg, duas inala-ções, de acordo com a necessidade.
Comorbidades
Hipertensão arterial controlada com inibidor da enzima conversora da angiotensina. Nega uso de anti--inflamatórios não esteroidais e de betabloqueadores.
Exame físico
Sem particularidades.
Exames complementares
Radiografia de tórax: normal. Tes-te cutâneo (Prick Test) para 16 aero-alérgenos positivo para ácaros e
poeira domiciliar. A espirometria de-
monstrou limitação grave ao fluxo de
ar das vias aéreas com resposta bron-
codilatadora significativa pós-salbu-
tamol (Tabela 1).
Razões para falta de controle: checando o diagnóstico de asma e a não aderência ao tratamento e/ou dose utilizada inadequada
As duas razões mais importan-
tes para a falta de controle da asma
são a má aderência ao tratamento
(que ocorre em pelo menos 50%
dos asmáticos) e/ou o uso incor-
reto do dispositivo inalatório. Pe-
dir para ver o medicamento usado
e a forma de administração deve
ser feito frequente e repetidamen-
te nas consultas de asma. Deve-se
ainda checar as dúvidas sobre o
tratamento e esclarecer mitos e
realidades sobre o uso de medi-
cação inalatória, especialmente
corticoides inalados. Perguntar
diretamente ao paciente sobre sua
Tabela 1. Principais parâmetros para avaliação funcional inicial
Parâmetro Pré-broncodilatadorLitros (% previsto)
Pós-broncodilatadorLitros (% previsto)
∆ pós-broncodilatadorLitros (%)
VEF1, L 1,3 (48,0) 1,50 (56,0) 0,20 (15,4)
CVF 2,4 (71,0) 2,80 (80,0) –
VEF1/CVF 0,54 0,53 –
VEF1: volume expiratório forçado no primeiro segundo; VEF1/CVF – razão entre volume expiratório forçado no primeiro segundo e capacidade vital forçada. ∆ - diferença.
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aderência ao tratamento.2 Outras formas indiretas de aferir a ade-rência incluem a eosinofilia san-guínea e/ou o escarro induzido. Se houver eosinofilia sanguínea ou no escarro, duas hipóteses devem ser testadas: falta de aderência/uso inadequado da medicação ou tratamento subótimo. No presen-te caso, a paciente sabia utilizar a medicação e, aparentemente, era aderente ao tratamento. O hemo-grama mostrou que a contagem absoluta era de 1.025 eosinófilos/mm3 e, no escarro induzido, o por-centual de eosinófilos foi de 8,0% (normal < 3,0%). Paralelamente, é bastante importante confirmar o diagnóstico de asma. Nesta pa-ciente, a história clínica caracterís-tica de asma e a avaliação funcio-nal confirmaram o diagnóstico de asma.
Além do reforço da importância da aderência ao tratamento e do uso adequado da medicação, a pacien-te foi medicada com um curso de prednisona 30 mg/7 dias (por causa da gravidade da broncoconstricção),
seguido por fluticasona 500 mcg +
sameterol 50 mcg duas vezes dia,
mometasona spray nasal duas vezes
a noite.
Evolução: segunda consulta (após 3 meses)
Após melhora sintomática tem-
porária (durante os primeiros 30
dias), possivelmente por causa do
uso associado de prednisona, a
paciente relatou persistência da
dispneia associada a atividades mí-
nimas e despertares noturnos oca-
sionais. Porém, persistiu com ne-
cessidade de medicação de resgate
aumentada, variando entre três a
seis vezes ao dia. Estiveram ausen-
tes sintomas nasais no período. A
espirometria demonstrou limitação
moderada ao fluxo aéreo com in-
cremento não significativo após o
broncodilatador inalado e com me-
lhora significativa, se comparada à
espirometria da primeira consulta
(Tabela 2).
caso clínico
Tabela 2. Principais parâmetros segundo avaliação funcional 3 meses após a primeira consulta
Parâmetro Pós-broncodilatadorLitros
Pós-broncodilatador% previsto
∆ pós-tratamentoLitro
VEF1, L 1,80 67,0 0,30
VEF1/CVF 0,64 – –
VEF1: volume expiratório forçado no primeiro segundo; VEF1/CVF – razão entre volume expiratório forçado no primeiro segundo e capacidade vital forçada. ∆ - diferença.
“As duas razões mais importantes para a falta de controle da asma são a má aderência ao tratamento (que ocorre em pelo menos 50% dos asmáticos) e/ou o uso incorreto do dispositivo inalatório.”
Revista PneumoNews® 11
Razões para falta de controle: checando comorbidades e uso de medicamentos que dificultam o controle da asma
Entre as comorbidades associa-
das à asma que impactam em seu
controle estão a doença do reflu-
xo gastresofágico, o tabagismo, a
rinite/sinusite/polipose nasal, a
disfunção de cordas vocais, a an-
siedade e depressão, a obesidade,
os distúrbios do sono e a aspergi-
lose broncopulmonar alérgica.1,3,4
No presente caso, desde a primeira
consulta, ficou estabelecido que a
paciente não tinha exposição ocu-
pacional ou domiciliar que pudes-
sem justificar a falta de controle da
asma. Também não fazia uso de
anti-inflamatórios não esteroidais e
nem de betabloqueadores. Optou-
-se, então, por investigar refluxo,
doença rinossinusal, disfunção de
cordas vocais e presença de outras
doenças pulmonares que pudessem
afetar o controle da asma.
A paciente não era obesa, não ti-
nha sintomas compatíveis com ap-
neia do sono e não tinha sintomas
de depressão. A endoscopia digestiva
alta foi normal assim como uma pH-
metria de 24 horas realizada poste-
riormente. Da mesma forma, não fo-
ram constatadas disfunção de cordas
vocais e rinossinusopatia significa-
tiva. A tomografia de alta resolução
do tórax sugeriu envolvimento das
pequenas vias aéreas, como demons-
trado por espessamento da parede
brônquica e áreas de aprisionamento
aéreo. Em vista deste achado tomo-
gráfico, o tratamento com um cor-
ticoide inalado de partículas extrafi-
nas poderia ter sido adicionado ou
substituído. No entanto, o tempo de
tratamento de apenas 3 meses apenas
poderia explicar a falta de controle
da asma. Apesar disto, optou-se pela
adição de ciclesonida 320 mcg dia.
Evolução: terceira consulta Seis meses após a adição de cicleso-
nida, houve melhora importante dos
sintomas e da espirometria (Tabela 3).
“Entre as comorbidades
associadas à asma que impactam em seu controle estão
a doença do refluxo gastresofágico, o tabagismo, a rinite/sinusite/
polipose nasal, a disfunção de cordas vocais, a ansiedade
e depressão, a obesidade, os
distúrbios do sono e a aspergilose
broncopulmonar alérgica.1,3,4”
Tabela 3. Avaliação funcional 9 meses após a primeira consulta
Parâmetro Pós-broncodilatador Pós-broncodilatador% previsto
∆ pós-tratamento, L
VEF1, L 2,0 74,0 0,20
VEF1/CVF 0,71 – –
VEF1: volume expiratório forçado no primeiro segundo; VEF1/CVF – razão entre volume expiratório forçado no primeiro segundo e capacidade vital forçada. ∆ - diferença.
12 Ano 7 • Edição 2 • 2017
A paciente ainda se queixava de
limitação aos exercícios, porém,
não apresentava mais despertares
noturnos e não necessitava de sal-
butamol de resgate. Desta forma,
a asma continuava parcialmente
controlada. Hemograma mostrou
200 eosinófilos/mm3. Consideran-
do que todas as causas de controle
subótimo da asma já tinham sido
abordadas, optou-se pela adição de
tiotrópio 5 mcg ao dia.
Evolução: quarta consulta Três meses após a introdução de
tiotrópio, a paciente retorna à con-
sulta com asma controlada, ou seja,
sem limitações aos exercícios, sem
sintomas diurnos ou noturnos, e sem
exacerbações da asma. O sumário da
avaliação funcional ao longo de 1 ano
encontra-se exposto na tabela 4.
DiscussãoTodos nós estamos familiariza-
dos com o tratamento e a evolução favorável dos casos típicos de asma. No entanto, quando o controle da asma não é atingido, apesar do tra-tamento, devemos questionar se es-tamos diante de um caso de asma grave ou se simplesmente se trata de um caso de asma com tratamen-to subótimo devido a falta de ade-rência, uso inadequado do dispositi-vo inalatório, doses inadequadas de corticoide inalado, ou comorbida-des e fatores que possam dificultar o manejo da asma. A maioria dos pacientes necessita de doses bai-xas a médias de corticoide inalado associado a um beta-agonistas de longa duração (LABA) para manter controle da asma.
De acordo com a GINA,1 a gravi-dade da asma é determinada retros-
pectivamente a partir do nível de
tratamento requerido para manter
o controle da asma por um período
longo. Isto só pode ser feito após
vários meses de tratamento e ten-
tativas para aumentar e reduzir
o tratamento ao mínimo para man-
ter controle, e de uma investigação
para afastar, corrigir ou minimizar
fatores que podem piorar o controle
da asma. Além disto, a gravidade da
asma não é estática e pode mudar ao
longo do tempo.4 O presente relato
exemplifica um caso de asma grave
de uma paciente que se encontrava
“a gravidade da asma não é estática e pode
mudar ao longo do tempo.”
caso clínico
Tabela 4. Sumário da avaliação funcional e tratamento durante 1 ano
Consulta 1 Consulta 2 (3 meses)
Consulta 3 (9 meses)
Consulta 4 (12 meses)
VEF1, L, pós-broncodilatador (%) 1,50 (56,0) 1,80 (67,0) 2,0 (74,0) 2,2 (82)
VEF1/CVF pós-broncodilatador 0,54 0,64 0,71 0,73
∆ do VEF1 pós-tratamento, mL 300 200 200
Tratamento em uso Budesonida + formoterol 12/400 2 vezes/diaSalbutamol por demanda
Salmeterol + fluticasona 50/500 2 vezes/dia
Salmeterol + fluticasona 50/500 2 vezes/dia + CICL 360 mcg/d
Salmeterol + fluticasona 50/500 2 vezes/dia + CICL 360 mcg/+ tiotrópio
Tratamento prescrito Prednisona por 7 dias seguida de salmeterol + fluticasona 50/500 2 vezes/dia
Salmeterol + fluticasona 50/500 2 vezes/dia + CICL 360 mcg/
Salmeterol + fluticasona 50/500 2 vezes/dia + CICL 360 mcg/+ tiotrópio
Mantido
VEF1: volume expiratório forçado no primeiro segundo; VEF1/CVF – razão entre volume expiratório forçado no primeiro segundo e capacidade vital forçada. ∆ - diferença.
Revista PneumoNews® 13
na etapa 4 de tratamento da asma (doses moderadas a elevadas de cor-ticoide inalado + LABA, neste caso dose elevada) e que permanecia com controle subótimo da doença, apesar de terem sido afastadas ou tratadas todas as causas que pode-riam contribuir para este controle subótimo, como, por exemplo, o uso de uma formulação de corticoides inalados com atuação nas pequenas vias aéreas.1 A escolha do tratamen-to com corticoides inalados de partí-culas extrafinas resultou em melhora significativa da doença. No entanto, a paciente permaneceu com limita-ções aos exercícios, o que caracte-riza asma parcialmente controlada. Neste caso, a adição de tiotrópio foi importante para a obtenção do con-trole da doença.
Atualmente já está bem sedimen-tado que o objetivo do tratamen-to da asma é atingir o controle da doença minimizando riscos futuros. O controle da doença, quando de
difícil obtenção, exige uma avaliação cuidadosa e criteriosa que envolve diagnóstico da doença, fatores de risco, comorbidades e avaliação sis-temática da aderência, além de uso adequado da medicação. O manejo da asma, nestes casos, implica não apenas aumento do corticoide ina-lado, mas, muitas vezes, a troca do dispositivo, a escolha da formulação do corticoide inalado e de drogas adicionadas ao corticoide inalado + LABA. Este é um processo demo-rado e laborioso. Recentemente, o tiotrópio foi introduzido como tra-tamento adicional para pacientes com histórico de exacerbação, que estão nas etapas 4 a 5 do tratamento da asma e cuja asma é sintomática e com controle subótimo.1,5
O próximo passo, nesta pacien-te, será tentar reduzir a quantidade de corticoide inalado sem aumen-tar o risco de exacerbação. A pa-ciente segue acompanhada perio-dicamente.
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14 Ano 7 • Edição 2 • 2017
caso clínico Dr. Sergio Jezler CRM-BA: 10.395.Mestrado pela Universidade Federal da Bahia; Ambulatório de Doenças Intersticiais do Hospital Ana Neri, Salvador - BA.
Fibrose pulmonar idiopática“PIU e fi brose pulmonar
idiopática não devem ser consideradas sinônimos.”
Relato do casoApresentamos o caso de um pacien-
te do sexo masculino, branco, com 70 anos, comerciante, natural e proceden-te de Salvador (BA), com diagnóstico de fi brose pulmonar há 1 ano, quando passou a apresentar tosse seca associa-da à dispneia para esforços, como subir escadas e ladeiras, ou andar apressa-damente. Era acompanhado em outro serviço e foi encaminhado para nova avaliação. Biópsia pulmonar realizada há 6 meses, quando acompanhado em outro serviço revelava padrão sugestivo de pneumonia intersticial usual (PIU).
Relatava que os sintomas se man-tiveram com a mesma intensidade e que, desde o início do quadro, usara apenas sintomáticos. Negou qualquer outro sintoma respiratório e queixas de outros aparelhos.
Revista PneumoNews® 15
Dentre os antecedentes mé-dicos, relava hipertensão arte-rial sistêmica, em uso de losar-tana, e diabetes mellitus, em uso de metformina. Era ex-tabagista (20 maços/ano), tendo inter-rompido o uso de tabaco há 15 anos. Negou outras doenças pulmonares prévias; exposições ocupacionais ou ambientais dignas de nota; uso regular de outras medicações; e outras co-morbidades.
Ao exame físico, apresentava bom estado geral, eupneico em repouso, acianótico, anictérico. Ausculta pulmonar com ester-tores tipo “velcro” em bases de ambos os hemitórax. Havia ba-queteamento digital. Restante do exame físico sem anormali-dades.
Os exames laboratoriais mos-travam hemograma sem anor-malidades, proteína C-reativa de 1,7 e velocidade de hemosse-dimentação de 15. A função re-nal e o perfi l hepático apresen-tavam-se sem anormalidades; autoanticorpos e dosagem de imunoglobulinas também sem anormalidades.
A tomografi a computadori-zada de alta resolução (TCAR) apresentava padrão reticular as-sociado a cistos de faveolamen-to, bronquiectasias, com dis-tribuição subpleural e discreto enfi sema centrilobular (Figuras 1 a 3 e Tabela 1).
Figura 2.
Figura 3.
Figura 1.
16 Ano 7 • Edição 2 • 2017
O ecocardiograma mostrou-se
sem anormalidades.
O resultado do teste de caminha-
da 6 minutos (TCM6) foi 398 m de
distância percorrida e 7% de dessa-
turação.
O paciente apresentava quadro
clínico, radiológico e histológico
sugestivo de PIU, sem exposições
ambientais ou ocupacionais apa-
rentes. Foi proposto o diagnósti-
co de fibrose pulmonar idiopática.
Apresentava envolvimento funcio-
nal moderado baseado na porcen-
tagem predita da capacidade vital
forçada (CVF). Apesar do passado
de tabagismo e enfisema, não exis-
tiam sinais de obstrução na espiro-
metria, e a difusão do monóxido de carbono (DLCO) estava preserva-da. Foi iniciada terapia com ninte-danibe 150 mg, por via oral, duas vezes ao dia.
Após 18 meses de tratamento, o paciente manteve quadro clínico estável, com a mesma intensidade de dispneia e tosse. Não apresentou sinais de exacerbação no período. Após os primeiros 60 dias de terapia, passou a apresentar náuseas frequen-tes, que melhoravam com antieméti-cos, e também episódios de diarreia com fezes pastosas (dois a três epi-sódios ao dia), que melhoravam com o uso de loperamida. Os episódios de diarreia tornaram-se infrequen-tes durante o período, e as náuseas tornaram-se menos intensas após orientação nutricional. Não houve indicação de suspensão ou redução de dose durante o tratamento.
O paciente manteve estabilidade funcional quando avaliado com es-pirometria e TCM6 (Tabela 2).
DiscussãoA fibrose pulmonar idiopática
pode ser definida como “uma forma específica de pneumonia intersticial fibrosante crônica e progressiva de causa desconhecida, que ocor-re primariamente em adultos ido-sos e está limitada aos pulmões”.1 Deve ser ressaltado que se trata de uma síndrome clínica associa-da à PIU, a qual pode ocorrer em outras entidades fibrosantes, como artrite reumatoide ou asbestose, por exemplo.2 Desta forma, PIU e fibrose pulmonar idiopática não
caso clínico
Tabela 1. Avaliação funcional pulmonar na admissão
Valor absoluto Predito(%)
CVF 2,2 56
VEF1 1,78 67
VEF1/CVF% 81
VEF 25/75% 1,91 76
DLCO 14,8 77
CVF: capacidade vital forçada; VEF1: volume expiratório forçado no primeiro segundo; DLCO: difusão do monóxido de carbono.
Tabela 2. Dados de função pulmonar e teste caminhada de 6 minutos (TCM6) após 18 meses de tratamento
Avaliação 1 Avaliação 2
CVF, L 2,2 2,1
CVF, % predito 56 53
DLCO, % predito 77 74
Distância TCM6, m 398 402
CVF: capacidade vital forçada; VEF1: volume expiratório forçado no primeiro segundo; DLCO: difusão do monóxido de carbono.
Revista PneumoNews® 17
“O tratamento da fibrose pulmonar idiopática passa atualmente por nova fase, após
a divulgação dos resultados
dos ensaios clínicos ASCEND
e INPULSIS.”
devem ser consideradas sinônimos. O diagnóstico da fibrose pulmonar idiopática deve envolver avaliação multidisciplinar, com estudo dos dados clínicos, radiológicos e his-tológicos.
O paciente deste relato apresen-tava dados epidemiológicos e clíni-cos compatíveis com o diagnóstico de fibrose pulmonar idiopática. A faixa etária, os sintomas, a presen-ça de estertores do tipo “velcro” e baqueteamento digital compõem uma miríade clínica sugestiva. Os achados encontrados na TCAR po-dem ser considerados compatíveis com padrão PIU, segundo os cri-térios estabelecidos pelas socieda-des internacionais: predominância subpleural, padrão reticular, faveo-lamento com ou sem bronquiecta-sias, e ausência de achados incon-sistentes com PIU, como nódulos ou aprisionamento aéreo.1
A presença de faveolamento foi fator fundamental para a consistên-cia do diagnóstico de PIU neste pa-ciente. A variabilidade entre obser-vadores no reconhecimento deste achado é elevada,3 porém quando associado a outros achados de PIU, torna-se irrelevante diferenciar de bronquioloectasias, por exemplo.2
Na primeira consulta, o paciente também trazia resultado de biópsia pulmonar realizada previamente, com achados sugestivos de PIU. O diagnóstico histológico de PIU pode ser realizado quando existem fibrose subpleural ou parasseptal, com ou sem faveolamento, foco fi-broblástico e ausência de achados
inconsistentes como granulomas, por exemplo.1
O diagnóstico histológico tam-bém apresenta concordância mo-derada entre os patologistas (ele não é obrigatório para a conclusão de diagnóstico de PIU, que pode ser realizado apenas com achados tomográficos compatíveis). Para o paciente apresentado, a combina-ção de achados compatíveis com padrão PIU tanto na biópsia como na TCAR, e a exclusão de outras possíveis causas de doenças fibro-santes consolidou o diagnóstico de fibrose pulmonar idiopática.1
O tratamento da fibrose pulmonar idiopática passa atualmente por nova fase, após a divulgação dos resulta-dos dos ensaios clínicos ASCEND e INPULSIS. Nesses estudos, duas novas drogas foram avaliadas: a pir-fenidona (ASCEND) e o nintedani-be (INPULSIS).4,5 Ambas as medi-cações já estão aprovadas no Brasil para tratamento da fibrose pulmo-nar idiopática, e nestes estudos, elas foram testadas em população de pacientes com fibrose pulmonar idiopática leve e moderada.4,5
As duas medicações apresen-taram efeito semelhante na evolu-ção dos pacientes, reduzindo pela metade a perda funtional, definida pela evolução da CVF, quando com-parada aos grupos placebos. Em um dos dois ensaios que compuseram o estudo INPULSIS (INPULSIS-2), o nintedanibe adicionalmente re-duziu o tempo de apresentação do primeiro episódio de exacerbação aguda, assim como houve menor
proporção de pacientes com al-guma exacerbação no grupo que utilizou a medicação quando com-parado ao grupo que utilizou o pla-cebo.5 Quando os dados do estudo TOMORROW (fase II) foram ana-lisados em conjunto com os dados dos estudos INPULSIS 1 e 2, hou-ve uma redução de 47% no risco de exacerbações agudas da FPI para os pacientes que estavam em uso de nintedanibe (HR 0,53 (IC 95%: 0,34-0,83) p = 0,0047. O paciente deste relato possuía exatamente este perfil de gravidade funcional e apresentava-se sintomático – daí a opção pelo início do tratamento.
O nintedanibe é um antifibrótico que atua em diversos fatores fibro-gênicos (fator de crescimento deri-vado de plaquetas − PDGFR, fator de crescimento do endotélio vascu-lar − VEGFR e fator de crescimen-to de fibroblastos FGFR). O efeito benéfico sobre a evolução da CVF descrito nos estudos INPULSIS5 foi reproduzido no paciente deste
18 Ano 7 • Edição 2 • 2017
caso, com manutenção de estabilida-
de funcional da CVF e também no
TCM6 após 18 meses de tratamento.
O paciente também permaneceu cli-
nicamente estável, sem referir qual-
quer agravamento da dispneia ou
tosse desde o início da terapia. Neste
período não ocorreram episódios de
exacerbação aguda da fibrose pul-
monar idiopática, a qual tem grande
morbidade e mortalidade.
O uso das novas drogas antifi-
bróticas em pacientes com fibrose
pulmonar idiopática, com redução
leve ou moderada da função pul-
monar, está bem estabelecido. Ain-
da não foram publicados ensaios
clínicos avaliando outras catego-
rias funcionais, como os pacientes
com função pulmonar preservada
ou grave. Existem, porém, estudos
derivados dos dois grandes en-
saios citados, que avaliaram estes
subgrupos de pacientes. Albera et
al.6 avaliaram os resultados do uso
da pirfenidona em duas categorias
de pacientes participantes dos es-
tudos CAPACITY e ASCEND,
conforme o valor da CVF (menor
ou maior que 80% do predito) e o
escore GAP. Neste estudo, os efei-
tos da pirfenidona foram compará-
veis nos dois grupos independente
da categorização funcional, e os
seus benefícios foram reproduzi-
dos também em indivíduos com
função pulmonar preservada. Estes
achados reforçam a ideia de que o
tratamento da fibrose pulmonar
idiopática pode ser iniciado preco-
cemente, mesmo em pacientes com
função pulmonar ainda preservada.
Costabel et al.,7 também publi-
cou análise pré-especificada dos
pacientes dos estudos INPULSIS,
divididos por subgrupos de sexo,
idade, raça, capacidade vital força-
da predita e escore do Questioná-
rio do Hospital Saint Geor ge, perfil
de tabagismo e uso de corticoste-
roides e broncodilata dores, tendo
demonstrado mesma eficácia em
reduzir a progressão da doença
para os diferentes fenótipos anali-
sados e com achados semelhantes
para os desfechos secundários. Esta
conclusão indica que o nintedanibe
pode ser usado com segurança e com
manutenção dos efeitos terapêuticos
para diversos perfis de pacientes.
Já existe também uma primeira
evidência sobre a eficácia de nin-
tedanibe em pacientes com função
pulmonar mais comprometida.
Pacientes que completaram os es-
tudos INPULSIS® foram elegíveis
para participar de um estudo de
extensão aberto, conhecido como
INPULSIS®-ON independente-
mente da sua CVF. Wuitz et al.8
analisaram a eficácia de ninteda-
nibe em pacientes com CVF > ou
< que 50% no início do estudo de
extensão. Os autores demonstram
que o declínio da CVF em ambos
os subgrupos foi semelhante aos
dos pacientes do INPULSIS. Os
achados deste estudo sugeriram que
os efeitos do nintedanibe sobre a pro-
gressão da doença foram semelhantes
também em pacientes graves.
Em resumo, os achados destes
dois estudos podem ajudar a am-
pliar as indicações das novas dro-
gas antifibróticas para outros gru-
pos funcionais de pacientes com
fibrose pulmonar idiopática. No
entanto, limitações metodológicas
dos estudos citados tornam neces-
sária a confirmação por meio de no-
vos ensaios clínicos que estudem os
pacientes com perfil funcional grave
ou função pulmonar preservada.
Nos estudos INPULSIS,5 o
nintedanibe foi bem tolerado. O
efeito colateral mais frequente foi
diarreia, que ocorreu em 61,5%
dos pacientes, no INPULSIS 1 e
em 63,2% no INPULSIS-2 − taxa
maior que no grupo que usou pla-
cebo. No entanto, somente 4,5 e
4,3% dos pacientes no INPULSIS
1 e 2, respectivamente, tiveram que
caso clínico
“O nintedanibe é um antifibrótico que atua em diversos fatores fibrogênicos (fator de crescimento derivado de plaquetas − PDGFR, fator de crescimento do endotélio vascular − VEGFR e fator de crescimento de fibroblastos FGFR).”
Revista PneumoNews® 19
descontinuar a medicação por cau-
sa deste sintoma.
A interrupção do tratamento
ocorreu em 21 e 17,3% dos pacien-
tes no INPULSIS-1 e 2, respecti-
vamente. O paciente deste relato
apresentou boa tolerância ao trata-
mento, com diarreia leve, sem ne-
cessidade de modificacão de dose
ou suspensão da medicação.
Portanto, apresentamos um caso
clínico de um paciente com diag-
nóstico de fibrose pulmonar idio-pática, com sintomas leves, redução moderada da CVF e que utilizou nintedanibe durante 18 meses. A medicação foi bem tolerada, e o pa-ciente manteve estabilidade clínica e funcional no período.
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