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Page 1: Domingos simões pereira  “urgente repor ordem na guiné bissau” ex-secretário-geral da CPLP e militante do PAIGC em entrevista ao Jornal Notícias de Moçambique

Domingos Simões Pereira “Urgente repor ordem na Guiné-Bissau”

Domingos Simões Pereira, ex-secretário-geral da CPLP e militante do PAIGC em entrevista ao

Jornal Notícias de Moçambique

Data: Segunda, 28 Outubro 2013

A GUINÉ-BISSAU precisa de resolver, com “muita urgência”, três questões para assegurar a

transição política de forma pacífica e segura.

Trata-se dos problemas étnico-tribais, altas taxas de analfabetismo e pobreza e ainda a promoção de um diálogo real e sério para resgatar as experiências deixadas por Amílcar Cabral, líder fundador do PAIGC, que soube transformar as diferenças étnicas e tribais num projecto bem-sucedido de construção de uma Guiné-Bissau melhor. Estes desideratos foram considerados há dias, em Quelimane, pelo Eng.º Domingos Simões Pereira, ex-secretário-geral da CPLP e militante do PAIGC numa entrevista ao nosso Jornal. Domingos Pereira esteve há

dias em Quelimane, Zambézia, a convite da Faculdade de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Católica de Moçambique, na qualidade de docente visitante, leccionando a cadeira de Diplomacia no Contexto Africano, do curso de Mestrado em Ciência Política, Governação e Relações. Na conversa, ele falou dos últimos desenvolvimentos sociopolíticos e económicos da Guiné-Bissau, incluindo o congresso do PAIGC, entretanto adiado na sexta-feira última para o mês de Novembro na histórica cidade de Cacheu, antigo centro de concentração e comércio de escravos para o Gana (um dos principais entrepostos durante a escravatura) e

outras partes do mundo. Nesse congresso, Domingos Pereira será candidato à liderança do PAIGC, mas fala também das próximas eleições gerais ainda sem data, bem como da sua experiência enquanto secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

NOTÍCIAS (NOT) - O que falta para uma transição política sem violência na Guiné-Bissau?

Domingos Pereira(DP)– A Guiné-Bissau tem vivido ciclos de convulsões políticas bastante pronunciadas, sobretudo nos últimos 16 anos. Cada um de nós, simples cidadãos ou actores políticos, temos opiniões diferentes para explicar o que está a acontecer no país. Porém, há quatro factores que eu considero muito importantes. Primeiro, a Guiné-Bissau é um país muito pequeno, de 36 mil quilómetros quadrados, mas com mais de 30 etnias, cada uma com a sua própria língua. Na maior parte dos casos, estes grupos possuem territórios próprios, demarcados e cada um deles a tentar afirmar-se no seu espaço. O outro facto que considero de extraordinária importância é a taxa de analfabetismo que é considerada das mais altas do mundo, com 65 por cento de analfabetos. Portanto, como deve compreender, as divisões étnico-tribais, o analfabetismo e a incidência da pobreza são realmente determinantes para as dificuldades do funcionamento do Estado. Amílcar Cabral teve mérito ao conceber a ideologia que sustentou a luta de libertação, logrando congregar essas diferenças a nível do tecido social guineense para uma causa comum que foi a independência. Ao atingirmos a independência teremos falhado em não termos compreendido que subsistiam razões para a existência de choques internos, de tal forma que a elite que submergiu da luta de libertação é uma elite que se estruturou à volta do movimento de libertação e não necessariamente preparada para a fase de reconstrução, para a fase pós-independência. É assim que o país foi

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sendo gerido por governantes que não tinham objectivamente preparação necessária para poder interpretar correctamente essas distorções sociais que o país enfrentava. Penso que é isso que agora vem ao de cima e nós guineenses temos de estar preparados para enfrentar. Quarenta anos depois da proclamação da independência, o país tem capacidade, tem quadros que devem poder contribuir para a criação do consenso necessário, para tirar o país da

situação em que se encontra.

MASSIFICAR ACESSO À EDUCAÇÃO

NOT- Por que é que as lições de Amílcar Cabral não são valorizadas para evitar que o país chegue aos extremos?

DP- Olha, se conversares com um guineense no país ou na diáspora repetirá sempre o nome de Cabral. Reafirmamos o respeito muito grande pelo legado teórico e prático de Cabral. Agora uma coisa é citar sempre Cabral e a outra é implementar aquilo que Cabral pensava para a Guiné-Bissau e o seu povo. Nós, os guineenses, perdemos a capacidade de acompanhar a dinâmica de Cabral e é isso que eu acredito que a nova geração tem condições e responsabilidades para resgatar os valores inspiradores de Amílcar para construir consensos e retomar a avidez de Amílcar Cabral.

NOT- Como integrar todas as etnias nos mecanismos de acesso ao poder político para se evitar mais convulsões?

DP- Repare que Amílcar Cabral teve esse mérito de congregar, para a luta de libertação, pessoas de todas as etnias, todas as tribos e todas as confissões religiosas. O problema maior agora é no acesso à formação, que depois vem definir o acesso a oportunidades de emprego e mesmo a nível de direcção. É esse o problema que depois vai diferenciar essas estruturas. Por isso, acho que o país deve massificar o acesso à educação para que todos os grupos sociais, independentemente da sua localização geográfica tenham acesso à educação, para poder aceder às instâncias de decisão. Se nós tentarmos corrigir os desequilíbrios, cedendo espaço a gente não preparada para exercer esses cargos em melhores condições, estaremos a criar problemas que a médio e longo prazos voltaremos a tê-los novamente. Eu penso que já que estamos a viver um ciclo de convulsões políticas, o que temos de fazer é apostar seriamente na educação, na valorização das capacidades humanas e criação de condições para um diálogo inter-social que permita debater todos os desequilíbrios existentes.

NOT- Como é que as confissões religiosas e a diáspora guineense participam no debate nacional para o restabelecimento de ordem constitucional?

DP- Eu não sei se, neste momento, o Estado tem sido capaz de aproveitar da melhor forma o desempenho dessas instituições, mas devo dizer que elas têm vindo a desempenhar um papel muito importante. Tanto a Igreja Católica como a Muçulmana, a maior e a mais importante, têm um papel interventivo muito importante na educação. Há localidades e povoações que são de difícil acesso para os agentes do Estado. Ali, são as igrejas que cumprem o papel do Estado, construindo uma escola, um posto sanitário e outros serviços básicos. É ainda deficitária a capacidade do Estado incorporar essas estruturas no seu esqueleto global de funcionamento e criar um diálogo ecuménico, que seja menos preponderante para a componente religiosa e mais evidente para a componente social. Quanto à diáspora guineense, esta tenta responder através das remessas que faz para alimentar as respectivas famílias. Uma vez mais, o que tem falhado é a capacidade do Estado em incorporar a acção da diáspora e das confissões religiosas. Não lhes dá espaço para poder exercer influência junto das populações. Apesar disso, nos últimos anos tem havido melhoria sobre a participação da diáspora guineense na vida política e económica interna, o que se sente através da criação de associações no exterior. Essas associações têm produzido reflexões bastante importantes, mesmo quando isso não parece tão evidente mas tem muita importância no nível de qualidade do debate a nível interno.

NOT- Perante as permanentes convulsões politicas e sociais, que incluem golpes militares, qual é a situação dos direitos humanos e a relação entre o poder, militares e a oposição?

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DP- Como pode imaginar, é muito difícil. Devo dizer que nós estamos num exercício de aprendizagem e é preciso ter isso em conta. Quem tem o poder convive mal com o contraditório. Convive mal com a oposição e em sociedades fragilizadas como é o caso da Guiné-Bissau, quem aparece a defender os direitos humanos é imediatamente confundido com a oposição política. Quem está no poder faz tudo para preservar o poder, ao invés de

reconhecer a estrutura dos direitos humanos como um exercício da cidadania activa, vê-se nessas estruturas o opositor político e há dificuldades em aceitá-las e assimilá-las como um exercício normal. É este o quadro na Guiné-Bissau e as organizações da sociedade civil têm feito o seu papel através de um trabalho extraordinário, apesar de um ambiente hostil, caracterizado por ameaças que os membros das organizações vão sofrendo por incompreensão de algumas estruturas e órgãos do poder.

GUINÉ PRECISA DE UM PACTO SOCIAL

NOT- O país é assombrado por golpes e assassinatos. Como é que vai o processo de investigação para a identificação dos autores desses crimes?

DP- Esta é uma das maiores dificuldades, quando o país vive num ciclo de convulsão a história que se impõe é a do vencedor. Quando o país se rende à história do vencedor, normalmente, não há condições para se ir à procura de qualquer outra razão que não seja aquela apresentada pelo vencedor. Por isso, eu penso que a Guiné-Bissau precisa de um pacto social que seja capaz de convencer todos os actores e toda a população, para que todos saiamos a ganhar, se respeitarmos as regras previamente estabelecidas. Não é uma questão de perseguição àqueles que cometeram os crimes, mas é preciso que se respeite realmente as leis e se submeter à justiça. Para que isso aconteça, a sociedade tem de evitar situações de confrontação. Isso passa também pela redução das nossas assimetrias, como já disse, no acesso à educação, à informação e garantir que a sociedade produza. A sociedade deve também garantir que aqueles que no passado cometeram crimes agora devem evitar que esses crimes se reproduzam.

NOT- Do seu ponto de vista, como é que a sociedade civil interpreta este ambiente de tensão, e sobretudo, a impunidade das pessoas envolvidas nos crimes?

DP- Há uma condenação clara e inequívoca. A Guiné-Bissau é um caso muito especial que apesar deste clima de tensão e intimidação quase permanente, as pessoas continuam a dizer aquilo que pensam. Isso é muito paradoxal. Depois de eu regressar ao país assisti situações que constituem uma nesga de esperança, uma vez que apesar desse clima, as pessoas têm a coragem de irem à TV dizer aquilo que pensam e apontarem o dedo às pessoas que elas acham que dificultam o exercício normal da administração e da justiça. Temos esperança de que o cenário poderá mudar, sobretudo olhando para essa atitude e postura que tem sido tomada pela sociedade civil.

NOT- A Guiné-Bissau vai às eleições gerais em Novembro próximo. Acha que o país está preparado para tal?

DP- Eu só posso responder a essa questão na perspectiva política e não técnica, porque há instâncias competentes que têm a autoridade técnica para avaliar se há ou não condições. Para todos os efeitos, na perspectiva política, é preciso que toda a gente compreenda que um golpe de Estado é uma anomalia num processo democrático. Portanto, quando um país entra numa anomalia dificulta o relacionamento com o resto do mundo; dificulta o relacionamento, tanto a nível interno das instituições como a nível externo. Por isso, é uma questão que não se podia colocar nas nossas instâncias. Todos deveríamos estar mobilizados no sentido de rapidamente repormos a normalidade constitucional para que o país possa estar em condições para dialogar com os outros parceiros tanto nacionais como internacionais. O desafio não deve ser só do Governo e das autoridades de transição. Num desafio que apela a todas as forças vivas da nação, no sentido de uma rápida reposição da normalidade constitucional, condição que pode fazer com que o país seja respeitado e que possa atrair investimentos estrangeiros e criar condições para que possa ser ajudado a cumprir as suas metas de desenvolvimento. A Guiné-Bissau é neste momento um dos poucos países que corre o risco de não cumprir nenhuma das quinze metas de desenvolvimento. Este facto não pode orgulhar nenhum guineense, mas deve impor-nos um esforço redobrado no sentido de ultrapassar esta situação.

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SINTO-ME À VONTADE PARA LIDERAR O PAIGC

NOT- Os partidos políticos da oposição têm algum espaço de manobra política?

DP- Neste momento, na Guiné-Bissau é difícil identificar quem é a oposição política. A referência em termos de legalidade seria o último acto eleitoral que colocou o PAIGC no poder e o último golpe do Estado que retirou o PAIGC do poder. Sob pressão da comunidade internacional, foi criado um governo de inclusão que também integra elementos do próprio PAIGC. Nesta situação, torna-se bastante difícil saber quem é a oposição e quem é a entidade legitimamente escolhida para exercer o poder. Não estou com isso a aproveitar esta oportunidade para puxar as coisas para o meu lado, mas o mais importante ainda é todas as forças vivas da nação guineense compreenderem que esta é uma situação insustentável, que não vai granjear qualquer respeito a nível internacional e é preciso ultrapassarmos a situação. Quem vai legitimar o poder é o próprio povo através de eleições livres, justas e transparentes. Não pode haver a reivindicação de legitimidade de qualquer entidade sem o sufrágio universal e não podem, também, aparecer entidades a dizer que estão no poder porque o parlamento assim o decidiu.

NOT- Sempre evitou dizer que pretende concorrer ao cargo de Primeiro-Ministro, mas diz que é um dos candidatos à liderança do PAIGC. Como explica isso?

DP- Bom, eu passei quatro anos no exterior, a cumprir uma missão que me foi incumbido pelo meu então presidente da República. Terminada a missão, eu entendi, enquanto cidadão e militante de um partido, o maior da Guiné-Bissau, que tinha a obrigação de voltar à procedência e colocar-me à disposição do país e do partido. Alguns camaradas do partido entendem que eu tenho requisitos para me apresentar à liderança do partido. Analisei a proposta dos meus camaradas e aceitei-a, satisfeitas algumas condições, uma das quais previa auscultar as bases sobre o assunto. Depois de receber o apoio e a confiança de todos militantes do partido, entendi que era necessário ouvir também os parceiros internacionais

para tentar perceber como é que eles avaliavam a minha candidatura à liderança do PAIGC. Fui às Nações Unidas e à União Europeia. Visitei partidos irmãos, a Frelimo, em Moçambique, o MPLA, em Angola, o PAICV, em Cabo Verde, e desloquei-me depois aos países da CEDEAO. Com base nessa auscultação, elaborei com os meus camaradas um documento que submetemos à apreciação do PAIGC, e hoje estou mais à vontade de me afirmar como candidato à liderança do partido, porque sinto que este documento, que é um projecto político, tem sido visto como uma grande esperança para o partido e para o país. É isso que

sustenta a minha candidatura para a liderança do PAIGC.

ÁFRICA TEM QUE APOSTAR NO CONHECIMENTO

NOT- Diz-se que a Guiné-Bissau tem muitos recursos ainda na fase de pesquisa. Como é que acha que esses recursos poderão ser usados para a satisfação das necessidades da população?

DP- Olhando para a extensão do território e o número de habitantes, a Guiné-Bissau precisa de uma estratégia de desenvolvimento que não dependa exclusivamente da economia rendeira. Há uma tendência para se considerar que a descoberta de recursos naturais como o fosfato, bauxite e o petróleo são elementos de desenvolvimento da economia. Ora isso pode ser verdade, mas também pode ser verdade que esses factores influenciem positivamente a estrutura económica e politica de uma nação. É recomendável que esses recursos cheguem

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quando o país tem uma estrutura e organização. No projecto político que submeti, proponho um conjunto de pilares de políticas públicas. Naquilo que faz parte das frentes de crescimento do país, identificamos seis grandes produtos internos, nomeadamente a agricultura com o caju como produto estratégico, pesca, turismo, algodão e só depois aparecem os minérios. Nós entendemos que é nessa sequência que os produtos agrícolas devem estar na base de

estruturação económica do país, para que a chegada dos minérios não crie distorções que muitas vezes eles representam. Portanto, só a agricultura pode envolver o grosso da população de forma estruturada. A indústria rendeira, neste caso a extractiva, está ligada ao exterior e se não se criarem mecanismos internos da sua repercussão a nível das diferentes entidades sociais, corre-se o risco de agravar ainda mais o ambiente de desconfiança e falta de unidade interna. Eu, pessoalmente, tenho muito receio dessa realidade, por isso entendo que a nossa aposta deve ser a agricultura, pesca e turismo.

NOT- Acha concretizável o desafio da CPLP de apostar na agricultura para alcançar a segurança alimentar e nutricional?

DP-Sim, é concretizável! Permita-me saudar efusivamente a Moçambique por esta visão estratégica que introduziu na comunidade. Todos os países têm um grande potencial agrícola e devem ser tratados de forma igual, com vista a produzirem para garantir a segurança alimentar. A comunidade está a atravessar um período bastante importante de reconstrução para acções de desenvolvimento e a agricultura é o ponto de partida para resolver muitos problemas internos sobre o acesso a alimentos e a sua transformação. Repare que em 1996 era quase impensável ter uma agenda de desenvolvimento, uma vez que muitos países membros estavam mergulhados em conflitos e nessa altura falava-se mais da cultura e da língua. Porém, existe já uma visão futurista dos dirigentes. O actual director da FAO é um brasileiro, um país que faz parte da comunidade e por essa via há mais possibilidades de urdir políticas e financiamento para o sector agrário a nível da comunidade. Portanto, destacar a agricultura na CPLP pode resolver muitos problemas que os povos da comunidade enfrentam e, produzir muito, significará começar a pensar na indústria alimentar, ou seja, no processamento.

NOT- Na sua opinião quais são os maiores desafios de África?

DP-O conhecimento vai determinar o futuro de África. Este é um continente de esperança por várias razões. Os recursos naturais por si só não podem desenvolver os países sem o conhecimento. Para dizer que África tem que privilegiar os recursos humanos e o

conhecimento. Deve dispor dos meios tecnológicos para explorar os recursos e criar condições para que a maior parte dos africanos tenha acesso aos serviços básicos essenciais resultantes dos rendimentos dos recursos para reduzir o clima de desconfiança.

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