Donald Gordon - Sinal de Perigo

download Donald Gordon - Sinal de Perigo

If you can't read please download the document

description

livro

Transcript of Donald Gordon - Sinal de Perigo

3Mach 3 - Sinal de Perigo Donald Gordon Coleco Europa-Amrica Juvenil 8 Ttulo original: STAR-RAKER Traduo de AnorFo FernandES MiLrux SINAL VERDE PARA A CONSTRUO DO STAR-RAKER A casa de jantar era uma sala de tecto baixo, comuma chamin ao canto e portas envidraadas que davampara sudeste, sobre a costa de Porbeck. Ao centro, dominavauma comprida mesa de carvalho, que chegariapara oito pessoas, mas na qual se via apenas um prato,diante de uma cadeira solitria. O caf aquecia numaparelho elctrico. Perto do aucareiro e da manteigueiravia-se um exemplar do Tvmes. Ao lado, numa salva, a carta,manuscrita, enigmtica. Sir Iain abriu o sobrescrito com um corta-papis.Continha apenas uma folha. Quando viu a assinaturado ministro, no pde deixar de estremecer. Os olhosparecia sarem-lhe das rbitas e sentiu a gargantaseca. Decorreram segundos antes que pudesse ler:Parkhouse Lodge, Chillshurst - Kent12 de Julho de 1968Prezado Iain: Algumas linhas sem carcter oficial para lhedizer que as coisas esto a andar bem. O Ministrio das Finanas e os outros departamentosinteressados deram-nos o sinal verde para a construo de umavio de transporte supersnico. No ms passado, o Star-Raker,da sua companhia, causou excelente impresso aos meusconselheiros tcnicos e parece corresponder em absoluto snossas exigncias. Por isso, quando chegar esta manh a LongAshwood encontrar um projecto de contrato em que oGoverno lhe encomenda nove aparelhos de transportesupersnicos do tipo Star-Raker I que devem ser entregues B. O. A. C. em 1969-1970.O contrato ser assinado e eu anunci-lo-ei Cmara logo que as experincias do vosso prottipo tenhamterminado com xito, o que, segundo me disse, levar duas outrs semanas. Envio-lhe esta carta particular para sua casa,por saber o que este contrato representa para si... Sir Iain no leu mais. Uma sensao de alvio, tantotempo reprimida, apoderou-se dele como uma vaga, eno pde impedir que as lgrimas lhe aflorassem aosolhos. Afastou a cadeira e saiu pela porta envidraadapara o jardim. Assim, aquilo sempre acabara por acontecer. Eraquase demasiado belo para ser verdade. Catorze anosde trabalho, de suor e de lgrimas. E agora, como noscontos de fadas, chegava a recompensa: os seus sonhostransformavam-se em realidade. Ergueu os olhos parao cu. Estava de uma serenidade absoluta. Apenas, parao lado do norte, o azul era cortado por um rasto de fumobranco. Devia ser, pensou Sir Iain, o Comet para asBermudas, pois voava a 42000 ps . Pensou de sbito Um p = 30,479 cm. Por conveno internacional, a altitudeexprime-se em ps. 42000 ps =12000 m aproximadamente.que o Comet e, com ele, todos os avies subsnicospertenceriam em breve ao passado: modestas criaesultrapassadas, prisioneiras das leis da gravidade e dadensidade do ar em que voavam. O futuro seria dosavies supersnicos, como o Star-Raker voando duasvezes mais alto do que os modelos clssicos, quatrovezes mais depressa e, acrescentou para consigo comobom escocs, com um dispndio trs vezes mais pequeno.Era essa a promessa que aquela carta continha. Da a duas horas, em Long Ashwood, o corao doseu imprio, premiu um boto da sua mesa de trabalho.. Osecretrio particular abriu a porta do gabinete e entrou. - Bom dia, Sinclair. V convocar os chefes de servio. Areunio efectuar-se- s onze e meia na sala do conselho.Chame tambm os homens da publicidade.Vo ter com que se entreter. - Muito bem. - Oua, Sinclair... - Por favor... - Temos o contrato para o Star-Raker - disse SirIain, agitando uma srie de folhas de papel. - Vi-o esta manh no correio - respondeu Sinclair. - Quando que ser; definitivamente aprovado e assinado - Logo que findem as experincias. Sinclair pegou numa pasta que estava sobre a secretria.Folheou-a rapidamente. - Ontem tarde, tinha j quatrocentas e oitentae trs horas de voo. Os testes esto terminados, faltandoagora apenas as experincias de grande velocidade e de consumoem percursos longos. Fechou a pasta e concluiu: - Parece-me que em dez dias o negcio estararrumado. Sir Iain afastou a cadeira e aproximou-se da janela. - Gostava que tudo estivesse acabado e que pudssemosassinar isto imediatamente. - Espermos catorze anos, Sir Iain, Que valem agoradez dias mais? -Pode haver complicaes ltima hora, bomno esquecer. - No essa a opinio dos pilotos. Ouvi h diasJago dizer: "Se o Star-Raker tivesse qualquer deficincia, hmuito que teramos dado por ela". A confiana de Sinclair teve o condo de irritarSir Iain, que disse, secamente : - Pois oxal no se engane. Um silvo agudo fez-se ouvir ao longe e as vidraaspuseram-se a vibrar. Da outra extremidade do aeroporto, oStar-Raker preparava-se para levantar voo. Sob o olhar atentodos dois homens, o grande aviodeixou a pista e ergueu-se, como uma flecha de prata,a caminho das nuvens. Em menos de trinta segundosdesaparecia. O secretrio de Sir Iain ps-se a arrumar os papisda secretria. Colocava-os por ordem, sob os dsticos :"Para ler", , "Para responder". Emseguida, regressou ao seu gabinete. Muito tempo depois de se ter extinguido o rugidodos jactos e de haver desaparecido no cu o ltimo rastobranco, ainda Sir Iain se encontrava perto da janela,de olhar sonhador. - Espero que Jago tenha razo. As suas mos apoiaram-se no peitoril da janela. - Faze, meu Deus, com que ele no se engane. @ 1 - DESMAIO EM PLENO VOO Saram das nuvens a 35000 ps. O ar, que, momentos antes,estava cheio de remoinhos, tornou-se calmo de sbito. A luzdeslumbrante do sol feriu Jago nosolhos como um flash de fotgrafo. Com a diferena deque aquele flash durava, durava... O Star-Raker subiadireito ao Sol. Jago inclinou o aparelho. Aguardou quea girabssola se estabilizasse ,e, ento, rabiscou umanota no bloco que colocara sobre os joelhos. - Rumo 135 graus, Jim. - 135 graus, comandante. Na cauda do aparelho, Jim Bradley traava no mapade bordo a rota modificada, que ia desde Reiquiaviquea Oslo e do crculo rctico at aos Aores. O Star-Rakerencontrava-se agora na tropopausa e continuava asubir. Por baixo dele estendia-se um mar de nuvens,que dir-se-iam algodo de cor brilhante. Por cima, erao cu anilado, calmo como o sono, incrivelmente sombrio,constelado de estrelas que luziam mais do que as de uma noitetropical. Pouco passava das dez damanh. A 72000 ps, Jago ps-se na horizontal e a velocidadedo Star-Raker aumentou progressivamente, semesforo: Mach 2, 2,2... 2,5 ... 2,9.. Jago inclinou-se para o seu emissor: - Star-Raker 1 torre de comando de Ducann.Radial 100, altitude 72000 ps. Pronto para as experincias.A resposta no demorou. Era como uma voz de outromundo : - Torre de comando de Ducann ao Star-Raker 1.Confirmamos a vossa posio. Terminado. Jago lanou uma olhadela ao painel de bordo. Estavana sombra. No na sombra inconsistente e anmica daTerra, mas na sombra intensa e forte do espao: umacaverna de um negro de tinta que o manto da atmosfera noatenuava e que at os raios fluorescentes dos instrumentos malconseguiam vencer. Certificou-se de que os seus auscultadoresestavam bem ligados. - Tudo pronto para o teste nmero 1? - Fala o observador. Tudo pronto. Mquinas de filmar eaparelhos de gravar, tudo em ordem. - Fala o mecnico. Tudo pronto. Velocidade mxima. No assento ao lado de Jago, Heith Hamilton, osegundo-piloto, observava a agulha do indicador de velocidade:Mach 3... Mach 3,2... Mach 3,4... ergueu o polegar para Jago.Este abanou a cabea e inclinou-separa a frente. - Dentro de vinte segundos, inclinarei 30 graus paraa esquerda., seguidos de 30 para a direita. E depoisvoltaremos horizontal. * Equivalente velocidade do som: 333 m por segundo, ou1198,8 km por hora. Mach 2 representa, pois, o dobro daquelavelocidade; Mach 3,8 aquela velocidade multiplicada por 3,8. Adesignao foi escolhida em homenagem ao fsico austracoMach. (N. do T. ) Apertou levemente os dedos nos comandos, observouos instrumentos e aguardou a contagem de Hamilton. - 10 segundos .. . 5 segundos ..: 4... 3. . . 2. . .1...O olhar de Jago estava fixo no horizonte artificial,estabilizado a 30 graus de ngulo de subida. Os comandosrespondiam admiravelmente, sem a menor dificuldade. O aviodesenhava a sua curva sem esforo. Ao conclurem um crculo,Jago ergueu o Star-Raker, verificou a altitude - precisamente72000 ps - e repetiu a manobra para a direita. E; de novo oaparelho obedeceu suavemente, sem que os instrumentosvacilassem. E foi com surpresa evidente que Jago ouviu desbitoa voz de Hamilton, abafada e estranhamente distante. - Perdemos altitude! No observou o altmetro (para isso l estava Hamilton) etratou apenas de aliviar levemente os comandos, exigindo maispotncia. Quando, trinta segundos mais tarde, concluram ocrculo, Jago lanou uma vista de olhos ao altmetro everificou com pasmo que estavam a 73300 ps. - Pareceu-me ouvir dizer que perdamos altitude. - No - respondeu Keith Hamilton, olhando-o,admirado. - Perguntava a mim mesmo o que que sepassava. Eu disse que ganhvamos altitude. Jago mexeu nervosamente no capacete e verificouos fios e as ligaes: - Estavas a quilmetros de distncia, mas iria apostar quedisseste que "perdamos" altitude. - Nada disso, meu velho. Garanto-te. Alis, podemos ouvir afita da gravao. - No vale a pena - retorquiu Jago, vivamente. -- Devem ser osmeus auscultadores que no funcionam bem. Hei-de mandarverific-los. - E aps uma pausa: -Seja como for, tudo O.K.?- Perfeito. O avio responde como um Spitfire. - E por a, Jim? - Tudo bom, chefe. Nem a menor vibrao anormal.Todas as gravaes correctas. Jago desligou o microfone interno, para chamar atorre de comando. - Star-Raker 1 torre de comando de Ducann.Radial cinquenta a 73000 ps. Terminado o teste 1.Caractersticas de maniabilidade excelentes. Ligeira tendnciapara subir quando se vira direita. Quanto ao resto, tanto osinstrumentos como as gravaes so normais. Vamos preparar-nospara o teste 2. Um pequeno silncio, e a resposta chegou: - Torre de comando de Ducann ao Star-Raker. Perfeito.Entendido. Tenho uma mensagem para si. Est marcada para asonze horas e meia uma reunio importante dos chefes deservio. O comandante dos pilotos de ensaio foi convocado.Reduza, por isso, o voo. Jago acusou a recepo da mensagem. Depois, olhoupara o relgio e para Hamilton: - Ouviste esta, Heith ? - Ouvi sim, meu velho. Que estopada! - Vamos acabar os testes 2 e 3 e ficamos por a. - Muito bem. No devemos fazer esperar os chefes. Os testes levaram ainda cerca de meia hora. As experinciasa grande velocidade eram s questo de segundos, mas o mtodoexigia tempo: era preciso repetir as manobras, tomar notas,analisar as gravaes, em suma, mil e uma precaues acercadas quais Jago era intransigente, pois a prudncia nunca excessiva. Entretanto, Hamilton observava Jago. J por vriasvezes, nos ltimos dias, Keith Hamilton notara que opiloto-chefe no andava com bom ar. O erro que cometeranaquela manh no tivera consequncias desagradveis, mas nodeixara de ser um erro grave. Hamilton resolveu que, defuturo, o melhor seria ele fazer as suasobservaes em voz alta e bem inteligvel. Tinha de verificartodas as evolues e manobras de Jago como um instrutor quevigia um aluno sem grande jeito. Em todo o caso, inclinava-se a pensar que se preocuparademasiado, sem razo para isso, quando o facto se deu,brutalmente, quando menos o esperava. Concludos os testes 1, 2 e 3, o Star-Raker iniciaraa descida. Os reactores tinham sido cortados. Num silncio demorte, o aparelho planava entre as nuvens e as estrelas, entreo cu e a Terra, e parecia no pertencera esta nem quele. Encontrava-se a 50000 ps quandoJago se inclinou para a frente, como para falar. KeithHamilton notou que comprimia a mo contra a cabea.Parecia ter qualquer problema com os auscultadores.Os seus lbios tremeram. Depois, de sbito, caiu sobreos comandos. Apesar do seu peso, o Star-Raker era um aviosensvel. Mergulhou de nariz e as asas seguiram-se namarcha vertiginosa. Os comandos saltaram sob o pesodo corpo de Jago e o aparelho entrou em auto-rotao.A brusca acelerao tornava-o incontrolvel. Heith Hamilton puxou Jago pelo colarinho. No eraocasio para estar com cerimnias. Conseguiu assimlibertar os comandos e viu-o cair do assento, sobre osolo da cabina, como se fosse um boneco. O indicador develocidade aproximava-se da zona perigosa - Mach4,8 -, para l da qual as asas do Star-Raker corriamo risco de ser arrancadas da fuselagem, como simplesfolhas mortas. Agarrou-se aos comandos, fez fora comos ps contra o painel de bordo. Vrios mostradores luminososvoaram em estilhaos. Com todas as suas foras, puxou oscomandos para trs. Nada se passou. Hamilton sentiu o aparelho vibrar sob a terrvel pressoque se exercia nas suas asas. O suor escorria-lhe da fronte.De sbito, como por milagre, os comandoscomearam a obedecer. Resistiam ainda espantosamente,mas, graas a Deus, no estavam bloqueados por completo, Poucoa pouco, como contra vontade, regressavam estremecendo posio neutra. O Star-Raker, balouando como um barco aosabor da ventania, ergueu-se e retomou a sua linha de voo.Keith Hamilton exigiu o mximo de esforo. Os reactores responderam sem demora.Retomara o domnio do aparelho. S ento pde pensar em Jago. Ligou o piloto automtico eajoelhou-se: - John! Como que vai isso? Era uma pergunta estpida e deslocada. John Jago, evidentemente, estava longe de sentir-se bem. Cara contrao painel de bordo, com as mos crispadas no crnio. Tinha osolhos vtreos e um pequeno fio de sangue escorria da fronteferida, o que parecia causar-lhe uma angstia incompreensvel.No cessava de estancar o sangue que lhe corria na orelha e oseu rosto tinha esgaresde dor. Hamilton ouviu no microfone os gritos de espantodo engenheiro e do mecnico. Interrompeu-os bruscamente: - John desmaiou - disse ele com secura, o que se lheafigurou a melhor maneira, a mais tranquilizadora, deapresentar os factos. - Substitu-o nos comandos e tudovai bem agora. No se inquietem... Jim, passa-me porfavor a caixa dos socorros urgentes e um copo de gua. Quando Jim Bradley entrou na cabina dos pilotos,ajudou Hamilton a erguer Jago e deu-lhe a gua. O feridobebeu com avidez, mas tremia tanto que Bradley tevede segurar-lhe no copo. - Onde que te di, John? - perguntou Hamilton,com doura. - No nada - respondeu Jago, tentando sentar-se. -Desmaiei, e nada mais. "No gnero no podia ser melhor..." pensou Hamilton. "Forauma queda de truz!" Pegou em Jago pelos braos com milcuidados e ajudou-o a sentar-se no seu posto. O chefe dos pilotos fitava o painel de bordo meio quebrado. Lentamente, abanou a cabea, fazendo uma careta. - O Star-Raker sofreu alguma avaria? - O aparelho vai bem. Contigo que eu me preocupo. - Mais um minuto e estarei O. K. Hamilton aplicou-Lhe um penso na fronte. No estavaali a causa do desmaio (Keith achava que o ferimentodevia ter sido causado por um estilhao de vidro do painel debordo), mas aquilo parecia atormentar muito Jago. Feito openso e desde que o sangue deixou de lheescorrer pela cara, Jago pareceu melhorar. Passado um momento, Jim deixou-os, para ir verificar osregistadores de esforo na cauda do aparelho. Quando se viramss, houve um silncio embaraoso.Por fim, Hamilton perguntou em voz calma: - Que foi isso, John? Jago passou a lngua pelos lbios. - J te disse. Perdi os sentidos. -Pois, e em plena descida! Uma pausa. Apenas o Star-Raker se ouvia no cu de anil. Jago levantou a mo: - No penses mais no caso, Keith. Seja como for,agora estou completamente bem. Regressemos. O Star-Raker atravessou as nuvens num segundo, ameio caminho entre a Irlanda e o Pas de Gales. KeithHamilton tinha pressa de chegar a terra. Se Jago noqueria falar, quanto mais cedo aterrassem e o levassem enfermaria, melhor para todos. Durante alguns momentos, ochefe dos pilotos permaneceu como que esmagado no seu assento,os olhos presos ao painel de bordo. Pouco a pouco, porm,pareceu recuperar a serenidade e ergueu-se, fitando Keithcom interesse. - Verificaste a base das nuvens? - Sim. 9000 a 10000 ps. - Vais aterrar j? - Se no vs inconveniente. Como que te sentesagora? - Melhor. Deve ter sido este golpe na cabea queme deitou abaixo. - Hum ! Saram completamente das nuvens mesmo por cimada costa de Pembroke. Vistas assim, de 9000 ps, aspraias pareciam fitinhas douradas, finas como cabelos.Os rochedos que marginam o vale de Rhondda tinhama aparncia de cabeas de alfinetes pretos. L ao longe,para o norte, os cumes de Snowdora erguiam-se coroados denuvens. Em frente deles, as guas do Severn serpenteavam comouma enguia de prata. Era um diaesplndido para voar. Estavam nas alturas de Swansea quando Jago seergueu. - Keith - disse ele, o mais naturalmente possvel. - Que ? - Vou substituir te nos comandos. Keith Hamilton no se mexeu: Nem acreditava noque ouvia. Que um homem conhecido pela sua intransigncia emquestes de segurana pudesse, um instante que fosse, pensarem pilotar o Star-Raker menos demeia hora decorrida sobre o que, na melhor das hipteses, foraum desmaio inexplicvel, era uma coisa superior s suasforas. Comprimiu os lbios. Tinha pelomenos uma dzia de boas razes para dizer que no. - Keith, eu disse que vou retomar os comandos. Era mais uma splica do que uma ordem, como seJago tivesse a noo de que defendia uma causa perdida. ,Keithobservou-o com curiosidade. Dispunha-se aenumerar, com certa veemncia, as suas objecesquando, de sbito, teve a intuio da verdade. Se JohnJago estava to doente como parecia, devia ser aquelaa ltima vez que voava no Star-Raker. O olhar de Hamiltonadoou-se. - Tens a certeza de que te sentes capaz, John? - Sim, at estarmos por cima da pista. Os dois homens trocaram os lugares. Ao ver a maneira comoJago tocava nos comandos, Keith sentiu que adivinhara. Dava oar de um homem que se despede de um ente muito querido. Suavemente, perdendo velocidade pouco a pouco, Jagodescia sobre os Mendips e as colinas de Cranborne Chase.No utilizava o piloto automtico. Um a um, ia dizendoadeus aos pontos de referncia, to familiares: a brumasobre a zona industrial de Brstol, a crista dos Mendips,nua e varrida pelos ventos, o fio sinuoso da ribeira Stour e,por fim, o mosaico dos campos de Dorset. Keith bemsabia que ele gostaria de pilotar o Star-Raker at ao fim. MasJago era suficientemente razovel para pensar queum desmaio no momento da aterragem constituiria umdrama espantoso. Assim, a 5000 ps, Jago passou os comandos a Keith. No trocaram palavra at que o aparelho pousasse edeixasse a pista de aterragem. S ento Jago dissetranquilamente: - No vale a pena registar no dirio debordo o que se passou. Keith Hamilton, batendo com as pontas das unhasnos dentes, respondeu, perplexo : - Acho que a nossa obrigao, meu velho. - Peo-te - disse Jago, defendendo de novo a suacausa. - Eu sei o que tenho de fazer. Mas deixa-mofazer minha maneira. - No se pode correr o risco doutro desmaio. Talvezno tivssemos ento a mesma sorte... - Sei-o to bem como tu. - Hum... Keith Hamilton colocara o Star-Raker no local quelhe era destinado. - Tenho o meu carro muito perto da torre de comando- disse ele. - Vou levar-te enfermaria. - Obrigado. Mas prefiro ir sozinho, depois da reunio. - Achas que aguentas? - Isto h-de ir. Keith Hamilton cortou os reactores. No silncio quese fez de sbito, a sua voz soou forte e estranha. - Est bem. Faze como entenderes. - Obrigado, Keith... Obrigado por tudo. - Que ideia! No pensemos mais nisso... A voz de Keith era cordial, de uma cordialidade quedizia bem com o seu bigode e com o seu calo, j umpouco fora de moda, de s da ltima guerra. Mas o seuolhar, enquanto via Jago descer a escada, no ocultavaa apreenso. Jago no olhou para a esquerda nem para a direita.Com passo firme, afastava-se do Star-raker e os seustaces ressoavam sobre a pista inundada de sol. Keith Hamilton abanou a cabea, em sinal de aprovao.Estava certo. Quando se deixa algum a quem muito se quer, omelhor andar depressa. E sem olhar para trs. @ 2 - UM MODELO REVOLUCiONRiO A sala das reunies era contgua ao gabinete deSir Iain. Era uma sala muito agradvel, sem os clssicosrevestimentos de madeira nem os inevitveis maPles decouro negro. As paredes eram de azul-claro, iluminadaspor uma varanda de 12 metros que dava para o aeroporto. Aocentro da sala, vrias cadeiras rodeavam uma mesa baixa decarvalho, de cor clara. Alguns chefes deservio estavam j sentados em volta da mesa, enquantooutros conversavam, em pequenos grupos. Jago observava pelavaranda o Star-Raker que entrava no hangar, quando Sinclairapareceu porta da sala. - Meus senhores, vem a Sir Iain. Houve uma voz que pediu silncio, e Sir Iain entrousorridente e gil, com uma pequena pasta debaixo dobrao. - Sentem-se, meus senhores. Houve um arrastar de cadeiras. A assistncia aguardavadebaixo de certa tenso, que as convocaes urgentesjustificavam sempre. Sir Iain ocupou o lugar cabeceira damesa. Pousou as mos abertas sobre a madeira polida einclinou-se um pouco para a frente. A sua vozmantinha-se calma. S o brilho dos olhos traa a suaviva emoo. . - Meus senhores. Creio que estamos a assistir a umdos grandes momentos da histria da aeronutica. Pensoque as notcias que vou dar-lhes ho-de marcar a etapana conquista do espao pelo homem: uma data to importantecomo a da primeira travessia da Mancha por Blriot, atese de Sir Frank White sobre a propulso por jacto ou atransposio da barreira do som. Pegou na pasta que pusera sua frente e prosseguiu : - Tenho aqui, meus senhores, um projecto de contrato para aproduo da primeira srie de avies supersnicos detransporte do mundo. Houve um murmrio geral de congratulaes, Jago,sem que o notassem, passou a mo pelos olhos e abanoua cabea. Sir Iain abriu a pasta, donde tirou vrias notasmanuscritas, Nem necessitava de as consultar, pois sabia decor todas as maravilhas e toda a complexidade doStar-Raker. - H catorze anos - comeou ele -, pedi ao nossoengenheiro principal, Jim Sheppard, aqui presente, queexaminasse a possibilidade de desenhar um avio comercialdestinado a voar a grandes altitudes e a uma velocidade muitosuperior do som. Tal projecto, devo confessar, era, nessaaltura, quase uma utopia. Os nossos concorrentes e muitos dosnossos accionistas achavamque estvamos a perder o nosso tempo e... o dinheirodeles. Mas pouco a pouco, medida que os anos iampassando, com invento aps invento, alguns dos nossose alguns dos outros transformaram este projecto numapossibilidade prtica; os reactores auxiliares para daro acrscimo de potncia necessria; as ligas de titnio eos revestimentos de cermica para contrabalanar oaumento de temperatura sofrido pelos aparelhos; ocontrol da camada-limite para aumentar o poder detransporte, na descolagem e na aterragem; mil e umoutros aperfeioamentos tcnicos foram efectuados etodos eles utilizados no nosso projecto. Oportunamente,foi ensaiado um modelo reduzido e suportou com xitobrilhante todos os testes no tnel aerodinmico. Jago sentia-se incapaz de aderir ao entusiasmo geral,o que aumentava o seu mal-estar. Sentia-se s, isoladodos outros. "Era sem dvida", dizia ele a si prprio, "porquelhe doa ainda a cabea, porque no tinha o ouvido normal outambm porque no ignorava, no fundo do corao, que nopoderia participar nos triunfos do Star-raker, fossem elesquais fossem". Apenas chegavam at ele uns fragmentosda exposio de Sir Iain: "- Resolvemos que o nosso aparelho devia voar a umavelocidade prxima de Mach 3,2, isto , a mais de 3200quilmetros horrios. Os nossos investigadores conseguiramdeterminar essa velocidade ideal provando que o rendimento deum avio, avaliado em quilmetros ,por litro de carburanteconsumido, atinge um mximo supersnico cerca de 0,8 Mach,desce a nveis sem interesse entre Mach 1 e Mach 2 e sobe emseguida, em propores mais elevadas do que nunca, ao excederMach 3. Aqui tm por que motivo um aparelho supersnico a3200 quilmetros por hora e a uma altitude de 80000 psno s voar trs vezes mais depressa e trs vezes maislonge do que um avio subsnico, com o mesmo consumode carburante, mas tambm trs vezes durante maistempo, o que o tornar, portanto, trs vezes mais barato...Descobriu-se que, do ponto de vista aerodinmico, o voosupersnico no oferece qualquer problema invencvel. A 3200quilmetros por hora, a temperaturado ar que rodeia um avio de cerca de 550 graus Fahrenheit,ou seja o dobro da temperatura da gua a ferver. A essatemperatura, os materiais empregados normalmente no resistem.Em contrapartida, descobriu-se que o ao inoxidvel * 300 graus centgrados.e o titnio com revestimentos de cermica poderosuportar temperaturas excedendo os 1000 graus Fahrenheit.Eis a razo por que esses materiais foram escolhidospara a construo do Star-Raker: tcnica faZ-safepara a fuselagem, revestimento em rebanho de abelha para asentradas, bordas de fuga, vidros em mltiplos painissobrepostos com circuito interno de refrigerao. Foi resolvido que a linha de subida fosse to rpidaquanto possvel, primeiro para eliminar o rudo e depoispara atingir sem perda de tempo a altitude de cruzeiromais econmica. Observou-se que para numerosos jactoscorrentes a subida j suficientemente rpida para causar umcerto incmodo passageiro no momento da descolagem. Assim, oStar-Raker ter os assentos bloqueados, automaticamente, anvel de subida ou de descida... e A composio exacta do ar a 80000 ps constituiassunto de discusso para os cientistas. Julgmos porisso necessrio estudar para o Star-Raker um novo sistema depressurizao que no s distribua o ar respirvel por todo oaparelho, mas tambm filtre e elimine as impurezas nocivascomo o ozone ou a poeira radioactiva. Chegmos a esseresultado aquecendo electricamente o ar ambiente, filtrando-oe purificando-o para o baixar depois a 22 graus. Esse ar emseguida distribudo por um poderoso compressor colocado a meiodo avio e que funciona a partir de altitudes de ordem dos45000 ps. .." Jago olhou para o relgio: era meio-dia e meia hora.Se o presidente no acabasse depressa a sua exposio,j ele no poderia ir enfermaria antes do almoo.Fechou os olhos. Com as plpebras descidas, a dor queLhe punha a cabea em chama era menos forte, masapenas um pouco. Sentiu-se, de sbito, extremamentefatigado. Entretanto, a voz de Sir Iain prosseguia, infatigvel,como uma abelha que zumbe numa vidraa, numa tarde de estio, quando tudo adormece. Bzzz... bzzz... bzzz... . Derepente, o zumbido parou. Um silncio de constrangimento. O vizinho de Jago tocou-lhe com o cotovelo, fazendo-o estremecer. Todos olhavam para ele, Sir Iain divertido, alguns chefes de servio aparentemente chocados. - Dizia eu, Jago - prosseguiu Sir Iain, sorridente -, que os nossos avies tiveram sempre entre os pilotos amelhor reputao. So considerados como fceis e agradveisde manobrar. No tm defeitos. Espero que oStar-Raker respeitar esta tradio. Jago pestanejou e passou a lngua pelos lbios. O queele dizIa era verdade. Ento, porque que hesitava?Aclarou a voz, preso de um nervosismo inexplicvel. - O Star-Raker um magnfico aparelho para pilotar. Aindaesta manh o Keith Hamilton me dizia que ele obedece como umSpitfire. Transps facilmente todas as experincias e, tantoquanto me foi possvel averiguar, o aparelho no aparenta amenor deficincia. - Obrigado, Jago. Sir Iain chegava ao fim da sua exposio. At a,permanecera rigorosamente no plano tcnico e prtico.Mas, agora, tornava-se de sbito eloquente: - Eis, meus senhores, o que o Star-Raker. Um projectodigno, creio eu, de inflamar a nossa imaginao. Um grandeaparelho capaz de arrostar os cus inexplorados, como outrora os navios do sculo das descobertas arrostavamos mares desconhecidos. Gostava que todos tivessembem presente que com este avio no temos por alvo a Lua,mas as estrelas. E isto no deixar de perturbar aimaginao mais prosaica: lanar o primeiro aviocapaz de se libertar das prises terrenas e atingir os camposvirgens do espao. Fez uma pausa e a sua voz tornou a ser a de umhomem de negcios: - Um projecto destes exige, ho-de concordar, todaa nossa ateno e todas as nossas foras. Proponho, porisso, que, uma vez terminadas as experincias do prottipo, seconsagre a maior parte dos nossos recursos produo doStar-Raker. Deram-nos uma bela oportunidade, agarremo-la comambas as mos E, voltando-se para Jago, perguntou : - Quanto tempo podero demorar ainda as experincias? - Talvez uma semana... Quando muito, uns dez dias... ?- Nenhuma hiptese de surpresas ltima hora? Pela segunda vez, Jago humedeceu os lbios com alngua. E pela segunda vez hesitou, sem saber porqu. - Com as experincias de um prottipo, Sir Iain, hsempre possibilidades de surpresas. -Mas at agora nada de importante? Sir Iain, evidente, tinha acertado. Jago estava certo de que ele devia ter razo. Se houvesse no aparelho qualquerdeficincia, h muito que teriam dado por ela. - O Star-raker, Sir Iain, um magnfico aparelho.As primeiras experincias de voo terminaram. No vejoporque havamos de ter agora surpresas. Alvio geral. E todos comearam a discutir planos. Logo que o contrato fosse assinado, dentro de umasquarenta e oito horas, as equipas pr-se-iam ao trabalho. Aproduo deveria comear dentro de oito dias, para atingir oregime mximo da a cinco semanas. Com planos, esperanas,tudo ia de vento em popa. Assim Logo que o contrato tivessesido assinado... Jago parecia cada vez mais absorto, mais silencioso,enquanto a dor de cabea se lhe tornava verdadeiramenteinsuportvel. s trs horas e meia, j no podia mais. Sem querersaber se os outros o achariam incorrecto, excntrico ouestpido, pediu licena e retirou-se da sala. Foi tomarum duche, mudou de vesturio e dirigiu-se, lentamente,.para a enfermaria. @ 3 - DEMISSO POR MOTIVO DE DOENA Anoitecia. Longas sombras de bano cortavam comoraios o aeroporto. Kirstin McDiamid, a secretria de Sir Iain, bateu porta do gabinete. - O Sr. Jago desejava ser recebido. - Ele est a? - Sim, mas... - Mande-o entrar. Kirstin McDiamid cerrou os lbios, mas ao cabo devinte e cinco anos de servio como secretria de Sir Iain,aprendera a conhecer-Lhe os humores. Abanando a cabea comonico sinal de protesto que se permitia naquele caso, voltoupara a antecmara. Atravs da porta entreaberta, Sir Iainouviu-a advertir Jago: - Vai receb-lo imediatamente. Mas espero que noo demore muito. Sir Iain teve um dia extenuante, e j tarde. - Demorar-me-ei apenas o estritamente necessrio, MissMcDiamid. o que lhe posso garantir. Respondeu-lhe uma fungadela. E quando a porta sefechou atrs dela, alis sem excesso de suavidade, osdois homens sorriram. - O seu co de guarda continua intratvel. - Ladra mais do que morde, descanse. Sir Iain fez sinal a Jago para que se sentasse. Lanou-lheum rpido olhar, dirigiu-se a um armrio e tirou de l umagarrafa e dois copos. -Uma gota, John? Estamos na hora... - Obrigado. Sir Iain, enquanto servia o usque, observava Jagopelo canto do olho. Jago tinha evidentemente qualquercoisa de importncia para lhe dizer, pois de outra maneira noo iria procurar s oito da noite. E essa coisa qualquer nodevia ser agradvel, pois Jago mostrava-semuito nervoso e pouco vontade. Fizeram uma sade:"Pelo Star-Raker!" Depois, Sir Iain enterrou-se no seucadeiro. - Ento, John, que se passa? Jago pousou o copo. - Venho pedir-lhe a minha demisso. Sir Iain pestanejou. Mas foi o nico sinal de surpresa quedeixou transparecer. -Porqu? A sua reforma pode esperarainda trs anos. - Tenho razes pessoais. - Meu Deus, John! Ao menos, explique-se. No querodesculpas. Um silncio. Jago cruzava e descruzava os dedos.Depois, numa voz tranquila, quase pesarosa, deixou cairestas palavras : - No me sinto muito bem, h algum tempo. -Foi ao mdico? - Sim. - E ento? - Acha que devo parar. Imediatamente, - Estou a ver. Sir Iain apontou no seu bloco: "Pedir a ficha clnicade Jago". Depois fitou com solicitude o chefe dos pilotos. 30 - Temo-lo feito trabalhar de mais, John. Estoudesolado. - No. - E John cruzou e descruzou novamente osdedos. - O programa era fcil, muito fcil at, E esboou um sorriso. - Estou a fazer-me velho, pelos vistos. Sir Iain afastou a cadeira e ps-se a andar de cpara l, sem olhar para Jago. Impressionara-se mais doque queria mostrar. Sempre tivera muita simpatia peloseu primeiro-piloto, sentindo em John Jago uma almagmea e a mesma paixo pela aviao, to profundae to cega como a sua. Jago, pensava ele, no era homempara desertar num momento de crise, sem uma boa razo.Precisava, pois, de certificar-se. Apesar da repugnnciaque sentia em faz-lo, tinha duas perguntas a dirigir-lhe. - John! - Sir Iain! -No pode aguentar uma semana, dez dias? Esperar que oStar-Raker termine as experincias? Bem sabeo que depende disso. Agora mais do que nunca. - Nada me seria mais agradvel. Mas no possvel. - Compreendo. Novo silncio. - Precisa de umas frias, John. Uns dois a trs meses... Aocabo de um bom repouso, sentir-se- melhor, com certeza. - - muito amvel. Mas eu quero retirar-me imediatamente, ede vez. Tirou um sobrescrito da carteira e colocou-o em cima dasecretria. Sir Iain olhou o sobrescrito durante algunsmomentos e, por fim, contrariado, pegou nele. - triste, John, muito triste. A companhia perdeo seu melhor piloto. E eu um dos melhores amigos. Masconheo-o muito bem para tentar demov-lo da suadeciso. Sir Iain abriu o sobrescrito, tomou rapidamenteconhecimento da nota dactilografada que continha esuspirou. - O que est dito est dito! Tentemos remar contraa mar. Precisamos de decidir como que convm anunciar a suapartida e quem que o deve substituir. O primeiro problemano era to simples como parecia. A demisso de um chefe depilotos de ensaio um acontecimento de importncia quasenacional. Toda a gente, e em especial a imprensa, as firmasconcorrentes, havia de querer saber por que motivo que Jagose retirava. Circulariam boatos. E, naquele momentocrtico das negociaes da companhia com o Governo, ofacto podia causar embaraos. Resolveu-se, ento, queo pedido de Jago s teria validade uma vez concludasas experincias e que Jago seria ento nomeado directorda Instruo Area, ttulo que, a seu pedido, seria puramentehonorfico, mas que, no fim de contas, havia de servir paradissipar quaisquer suspeitas. O problema da sucesso era tambm muito difcil.O piloto mais antigo era Peter Somerville. Mas tinha amesma idade que Jago, 47, e da a trs anos seria reformado.Ora o interesse de uma companhia no mudar de chefe depilotos por d c aquela palha. Seguia-se na lista KeithHamilton. Tinha 37 anos. Novo de mais?E seria capaz de assumir as responsabilidades do cargo? - um excelente piloto - disse Jago com entusiasmo. Sir Iain esboou uma careta. - talvez perfeito quando voa, Mas quando estem terra... Jago estendeu as mos e fez uma careta. Os doishomens desataram a rir. - No sei se se pode ter confiana nele - disse SirIain, tamborilando na secretria. - Mas no pertenceele a uma raa prestes a desaparecer? Sabe o que euquero dizer, hem? Nos bons tempos de outrora, bastavano ter medo para pilotar um avio. Hoje, precisomais: bagagem cientfica, conhecimentos tcnicos, trabalho...Jago permanecia calado. O seu silncio durou tantoque Sir Iain olhou para ele, intrigado. Por fim, Jagodisse lentamente : A coragem sempre precisa. Mais do que nunca.E eu acho que Keith Hamilton a tem para dar e vender. Sir Iain, embaraado, mexeu-se na cadeira. No compreendiabem onde que queria chegar o seu Chefe de pilotos. Mascompreendia o essencial : Jago queria queKeith Lhe sucedesse e Jago era um homem em cujasopinies se podia confiar. - Muito bem - disse Sir Iain, tomando uma notano seu bloco. - Keith Hamilton ser nomeado. bempossvel que o sentido das responsabilidades o torne maisprudente, o faa adoptar uma linguagem mais acadmica e o leveat a suprimir o seu endiabrado bigode... E agora, John,falemos de si. Que ir fazer quando tiver a sua reforma? As palavras jorraram numa onda de entusiasmo cautelosamentepreparado, como se ele tivesse ensaiado a sua tirada. - Minha mulher e eu arranjaremos uma casinha beirado mar. Foi sempre o nosso sonho, margem dosacampamentos e dos turistas... Uma pequena propriedade,bastantes galinhas, patos, talvez uns perus... e um co.Sempre quisemos ter um, mas at agora osnossos afazeres no o permitiam. Isto soava como um conto de fadas aos ouvidos deSir Iain. A velha propriedade, todo o romance cor-de-rosa quese l nos jornais. Ficou aliviado quando Jago se despediu e acomdia findou. Assim que calculou que o chefe dos pilotos j noo poderia ouvir, pegou no telefone. - Marque duas entrevistas urgentes, Kirstin. Amanh demanh, cedo, quero ver o director dos servios clnicos, aqui,no meu gabinete. A seguir, Keith Hamilton, logo que eu acabede falar com Hamilton, ligar-me- com a minha filha. -Muito bem, Sir Iain. Vai retirar-se j? - Daqui a pouco. Pode ir-se embora, Kirstin, quandoquiser. Desligou o telefone e dirigiu-se at janela. Assim,os factos eram estes: John Jago estava doente, talvezat seriamente. No dia seguinte, quando falasse com omdico, estaria melhor informado. Era muito triste, semdvida. E muito aborrecido por causa do Star-Raker,na ltima fase das suas experincias. Mas no era umacatstrofe. Nada tinha que ver com o que mais importavanaquele momento: os ensaios de um prottipo. Era uma tragdia margem, sem qualquer relao com osfactos principais: uma ferida sentimental que lhe fariadoer mas que acabaria por olvidar. Enquanto observava o crepsculo, os seus pensamentossaltaram do piloto para o avio. Vermelho de sangue, sob osltimos raios do Sol, o Star-Raker estava acachapado, como umenorme insecto, junto goela sombria do seu hangar. vistado belo aparelho, Sir Iain sentiu-se reconfortado. No fim decontas, tudo corriabem. O pulso batia-lhe regularmente, e era o principal. Vindo do extremo da pista, chegou at ele o somenfraquecido de uma sereia. As portas do hangar fecharam-se.Os grandes painis de ao uniram-se silenciosamente e asilhueta do Star-Raker apagou-se pouco a pouco, atdesaparecer.34 35 @ 4 - FIONA PATRCIA MciVER Fiona Patrcia McIver, a filha de Sir Iain, tinha 22anos. Usava meias negras e o cabelo rabo de cavalo.Punha verniz nas unhas, gostava de ouvir no seu gira-discosestereofnico msica de jazz de Nova Orleese vivia em Salisbria numa espcie de estdio. As suasatitudes no espantariam ningum nos meios bomiosde Knithbridge ou de Chelsea; mas em Salisbria chocavam umpouco, sobretudo quando o seu Sprite rugia nas ruas s duas damanh, com um carregamento derapazes e raparigas sentados de qualquer maneira noporta-bagagens. A verdade, porm, que, se as ms-lnguasconhecessem a verdade, ficariam decepcionadas. No havianarcticos nos cigarros de Fiona; e, comoa maioria dos amigos da sua idade, no bebia seno sumode anans ou limonadas. Durante as "sesses" no seuestdio, o jazz era uma razo de ser e no um pretexto,como certas pessoas gostavam de imaginar. Mesmo que Fiona tivesse um comportamento banale um aspecto vulgar, em vez de ser uma bela raparigacheia de vida, de cabelos pretos e olhos azuis, essas pessoasno deixariam de murmurar na sua ausncia, E haviam deperguntar: Porque que vive sozinha? Porque que no tomaconta do pai? Porque no vive com ele, na bela casa de campoperto de Witchampton? Estas perguntas tinham perturbado Sir Iain ao princpio.Agora, porm, j nem pensava nelas. Tudo isso, comparado comas suas outras preocupaes, no tinhaa menor importncia. De manh, depois de Jago ter ida enfermaria, Fionachegou a Long Ashwood com alguns minutos de atraso,como era costume. Atravessou rapidamente o portoe arrumou o seu carro no espao destinado ao pessoalsuperior. Como era adjunta de um chefe de servios,tinha direito a isso. Olhou em redor, transps a vedaoe ps-se a correr pelo relvado. Ora isto, conforme oproclamavam vrios letreiros, era rigorosamente proibido. Masningum a via. No tardou a chegar ao canto ondeficava o Servio das Investigaes Biolgicas. Ia entrarquando ouviu passos atrs dela. Da a segundos, KeithHamilton contornava o edifcio. Tirou o seu capacete de bordo e dirigiu a Fionauma grande saudao trocista, que fazia sempre cacarejar asdactilgrafas, mas que ela achava simplesmente grotesca. Aoerguer-se, observou-lhe os sapatos molhados. - Ah Fiona Pelo que vejo, h uma lei para osricos e outra para os pobres diabos. Os olhos de Fiona cerraram-se. - E voc, Hamilton, nunca transgride nenhuma regra? Ele levou a mo ao corao e disse : - Nunca! A minha fama probe-mo! - Nesse caso, deve levar uma vida muito aborrecida. E,agora, desculpe-me, mas tenho de ir... Passou diante de Hamilton e mergulhou no Serviode Investigaes Biolgicas, pela porta de trs. Ora ocretino?, pensava ela, ao percorrer os laboratrios atchegar ao seu gabinete. E havia de ter aparecido logonaquela altura! Quando se sentou sua secretria, respiravamais depressa do que o normal. Assim que se acalmou, tirou deuma gaveta uma srie de recortes eps-se a ler, escrevendo de quando em quando algumasnotas. O Servio de Investigaes Biolgicas, onde eraadjunta de Miles Eddlestone, no tinha rival no gneroem Inglaterra. Fora criado quatro anos antes e devia emgrande parte a sua existncia ao interesse cada vezmaior da Companhia McIver-Ducann pelo Star-Raker.Se a velha escola de medicina aeronutica era perfeitamentecapaz de resolver os problemas mdicos subsnicos como a foracentrfuga e a alimentao em oxignio, j no se podia dizero mesmo acerca dos problemas suscitados pelo voo supersnico agrandes altitudes. Os problemas eram muito diferentes, quer setratasseda toxicidade do ozone, dos raios gama na tropopausaou das radiaes csmicas. Por isso fora criado aqueleservio, cujo equipamento valia milhares de contos eque dispunha de um grupo de investigadores altamentequalificados. Era o lugar ideal para Fiona na empresado pai, visto que ela se tinha formado em Bioqumicaem Cambrgia. O trabalho ali era muito variado. Incidia em partesobre assuntos directamente ligados aviao, comoa fadiga das tripulaes ou a toxicidade do ozone. Maspreocupavam-se tambm com o problema mais vastoda sobrevivncia no espao, onde as radiaes csmicas, econsequentemente o cancro, constituam os perigos mais graves.Era precisamente no estudo sobre o cancro provocado pelasradiaes que Miles Eddlestone e Fiona se tinhamespecializado. Os recortes que ela lia eram de relatriosprovenientes de vrias partes do mundo e referentes aosprogressos realizados, graas a diversos processos detratamento. Fiona espiolhava tudo, sistematicamente, tomandonotas sempre que encontrava um tipo de tratamento queno lhe era familiar. Enchera j trs pginas de apontamentosquando o telefone tocou. Pousou o bloco. - Fala do gabinete do Dr. Eddlestone. - o seu pai que quer falar consigo, Dr.a Fiona. Uma pequena pausa e, depois, ouviu: - s tu, Fiona? - Bom dia, pap. -Tens qualquer coisa que fazer esta noite? No seu convvio com a filha, Sir Iain adoptava osmesmos mtodos que usava com os seus subordinados. Fiona ps-se logo de p atrs. - No sei bem. Porqu? - Temos uma pequena recepo esta tarde, nosCinco Carvalhos. Um cocktail s seis e meia. Espero quepossas comparecer. -Hum... A ideia no a divertia muito. Mas no tinha qualquercompromisso e, por outro lado, parecia-lhe difcil dizerque no sem se mostrar pouco amvel. - Pois ento, pai, irei com muito gosto. - At logo, Fiona. s seis e meia. E Sir Iain desligou. Fiona apontava o convite na sua agenda quandoMiles Eddlestone entrou arrastando os ps. - Com que ento, minha querida, vai logo tardebeber com o pap sade do novo chefe de pilotos?Tambm fui convidado. -O nosso novo chefe de pilotos? Quem ? - Um rapaz com uns grandes bigodes e que se chamaqualquer coisa como Keith Robinson. - Se calhar, o Keith Hamilton... - Esse mesmo! Fiona fez uma careta. - J estragou o meu dia - Tenho muita pena. Tanto mais que tenho aindaoutra coisa desagradvel para si. Pode passar-me umacarta mquina? Fiona pegou num lpis e num bloco e foi atrs deMiles para o gabinete contguo. - E pensar eu que o meu horscopo para hoje erato favorvel - suspirou a rapariga, comicamente. Detestava escrever mquina. Raras vezes, alis, ofazia, porque tanto Miles como ela dispunham de umasecretria para o correio vulgar. Mas s vezes havia umacarta confidencial para passar, e ento Miles Eddlestonerecorria a Fiona. Ele ia precisamente ditar-lhe uma endereadaao Servio de Investigaes da filial da companhia na Colmbiabritnica. medida que dava os pormenores das suas ltimaspesquisas sobre o cancro, os olhos do velho Miles luziam,como os de Sir Iain quando falava do Star-raker. - para a Dr.a Brbara Russell. Aeroporto de MooseLake. Chilliwack. Colmbia. Ponha ao alto a indicaode "Particular e confidencial".Querida Brbara : Finalmente, o xito! Como sabe, uma das principaisdificuldades nas pesquisas sobre o cancro foi sempre apresena, nas clulas sanguneas, denumerosas impurezas que tornam mais difcil deprever o resultado das experincias mais minuciosas. Sabetambm que tentamos h anos fabricar um plasma sanguneosinttico onde no haja a menor impureza. Pois bem:conseguimo-lo! De acordo com o programa que lhe indiqueino meu relatrio de 2 de Fevereiro, esperimentmos diversascomunicaes de sais, glucoses, vitaminas e cidos aminados. Echegmos, enfim, criao de um plasma sanguneo queparece perfeito. A composio exacta e as proporesvo indicadas no anexo junto. evidente que esse plasma no pode ser, deforma alguma, considerado como um remdiocontra o cancro. Mas poder ser um preciosoauxiliar para os investigadores, visto que as clulas malignasreagiro, com este plasma, segundo previses exactas. Ao mesmotempo que lhe envio a frmula do plasma, espero arranjarmaneira de lhe fazer chegar s mos uma amostra. Mas isso,como deve calcular, oferece-nos certos problemas. Seu amigo muito dedicado... Eddlestone folheou as suas notas. - Aqui est a lista dos componentes - disse ele,estendendo-a a Fiona. - Quando acabar de a copiar mquina, gostava, minha querida, que pensasse um poucona maneira de fazer chegar uma amostra s mos deBrbara Russell. A frmula j um passo, mas o prprio plasmaseria muito melhor. A carta e a frmula no tardaram a ser copiadas.s trs da tarde, eram expedidas para Moose Lake. Maso problema da amostra continuava espera de soluo. Havia duas dificuldades fundamentais, e Fiona eraa primeira a reconhec-las. Em primeiro lugar, o plasmaera extraordinariamente sensvel. Era preciso conserv-lo mesma temperatura, mesma presso e mesmahumidade. Alm disso, no podia ser sacudido. Deviaviajar, portanto, num recipiente, num contentor almofadado,com dispositivos de verificao e vigiado por uma pessoaparticularmente qualificada. Isso implicava anecessidade de evitar, de qualquer maneira, todas asformalidades aduaneiras habituais nos portos e nos aerdromos.Por outro lado, no era possvel transport-lo por etapas nematerrar por emergncia para receber combustvel. Se aCompanhia McIver-Ducann dispusesse ao menos,pensava Fiona, de um aparelho capaz de transpr de uma s vezos onze mil quilmetros a que estavam de Moose Lake Mas nodispunha. A no ser, pensou ela de sbito, a no ser quepudssemos utilizar o prottipo, o Star-raker! - uma bela ideia - exclamou Eddlestone, encantado com asugesto. - Precisamos da autorizao do seu pai, mas creioque no haver dificuldades em obt-la. E levantou o auscultador. Ao ouvir a conversa, Fionano tardou a perceber que Sir Iain no se mostrava deprincpio entusiasmado. Mas Eddlestone, quando se tratava dosseus trabalhos, sabia ser ao mesmo tempo tenaz e persuasivo. Oplasma, dizia ele em defesa da sua proposta, era umadescoberta importante, e Moose Lake necessitava de o recebercom urgncia. Quanto mais depressa l chegasse, melhor. Porfim, Sir Iain deixou-se convencer. Acabou por admitir que,fosse como fosse, o Star-Raker tinha de efectuar experinciasde consumo em grandes percursos. Podiam faz-las coincidir coma viagem ao Canad, na semana imediata. Bastava queEddlestone combinasse tudo com o chefe dos pilotos. Miles Eddlestone pousou o auscultador, contente comoum menino a quem acabam de prometer uma ida ao circo. - At aqui - disse ele - tudo vai bem. Agora, slhe resta tratar do seu amigo, o excelente Keith Robinson, oul o que ... Mas, quando ligaram o telefone para KeithHamilton, ele no estava. Voava no Star-Raker. Era,evidentemente, uma contrariedade sem importncia. Mas foi osuficientepara extinguir o entusiasmo de Eddlestone. Desinteressou-sedos pormenores que era preciso resolver e, sorrindo, disse aFiona: - Ataque o seu amigo esta tarde no cocktail e resolva ocaso com ele. - Obrigado pela ideia! Est mais indicado do queeu para o fazer...- Eu no irei. J disse ao seu pai que no contasseColocou os culos e ps-se a examinar as suas notas.Para ele, o caso estava arrumado. Fiona fez uma derradeiratentativa: - Dr. Eddlestone... Ele ergueu a cabea, surpreendido por v-la ainda ali. - Que h, minha querida?-Gostaria mais que fosse o senhor a falar com Keith. -Ora, ora! Vai estar com ele daqui a duas horas.arranjem-se l os dois.Fiona compreendeu que no havia nada a fazer. Saiu dogabinete e fechou a porta devagar. S havia umaesperana: que Hamilton no torcesse muito o narizquando ela lhe dissesse que iam "servir-se" do seuStar-raker. Oito horas da noite. A recepo estava no fim. Porcima do seu copo com sumo de limo, os olhos de Fionaprocuraram Keith e encontraram o olhar dele. Ela voltoubruscamente a cabea. No queria que o piloto pensasseque estava a admir-lo. As pedras do terrao da vivenda mantinham aindao calor do sol. - Que que est a beber, Fiona? Keith aproximara-se dela. - Sumo de limo, Sr. Hamilton. Ele sorriu : - Os meus pais deram-me, como sabe, um nome debaptismo. -Pois ento, sua sade, Keith! Fiona sentia-se vagamente irritada por se encontrarem nomomento que Keith escolhera, enquanto ela perguntavaa si prpria como que devia abordar o caso doStar-Raker. No fim de contas, pensava Fiona, no valiaa pena estar a fazer um bicho-de-sete-cabeas por umacoisa que era uma ordem do seu pai. - sua sade, Fiona - disse o piloto erguendo ocopo. - Tenho um favor a pedir-lhe, Keith. No era bem um favor. Mas Fiona achou que noficava mal apresentar as coisas assim. - Com muito prazer. Sabe que no posso recusar-lhe nada.- Miles Eddlestone precisa de enviar um contentorespecial a Moose Lake - despejou ela. - claro queno Lhe posso dizer o que ele contm. Trata-se de umassunto altamente secreto. E muito importante, garanto-lhe. preciso que a encomenda chegue sem ser manuseada pelaalfndega. E o nico avio que pode fazer o voo nas condiesrequeridas o Star-Raker. Interrompeu-se, com a conscincia sbita de queKeith Hamilton olhava para ela como se Lhe tivesse proposto irroubar as jias da coroa inglesa. - Mas, minha amiga, parece-me que est a sugerirtransformar o Star-Raker num avio de carga - No bem uma sugesto. . . -Alto! melhor calar-se e ouvir-me. - Estou a ouvi-lo, Sr. Hamilton - respondeu Fiona,com os olhos muito abertos. - O Star-raker, minha jovem amiga, um prottiPo.No tenho o direito de efectuar um voo com ele que noesteja previsto no programa das experincias. E, mesmoque isso fosse possvel, o Star-Raker no foi concebidopara transportar carga, mas passageiros. E, por ltimo- e mais importante -, recebi ordens para acabaras experincias quanto antes. No posso atrasar o planode trabalho para ir a Moose Lake. Pea-me tudo o quequiser, Fiona, menos isso. -Acabou, Sr. Hamilton? - Sim, Miss McIver. Fiona inspirou profundamente. - A viagem a Moose Lake tem a aprovao de meu pai.Notou que ele acusava o ataque e prosseguiu:- Tem de efectuar-se na prxima semana. Ns osdois temos apenas de pr-nos de acordo quanto a questesde pormenor. E espero - concluiu ela com o melhor dos sorrisos- que poderei contar com o seu esprito de camaradagem.O piloto fitou-a como um duelista aborrecido que esperaliquidar rapidamente o adversrio e acaba por ficardesarmado mal se pe em guarda. - Podia ter-me dito isso mais cedo. - No me deu tempo. Ele cerrou os lbios e bebeu um golo do cocktail.. - No est a brincar, acho eu ? - Eu, a brincar? - disse Fiona, erguendo delicadamente osobrolho. - Que quer dizer, Sr. Hamilton? - O seu pai autorizou de facto esse voo? Devo dizer que mecusta a acreditar. - Se tem qualquer dvida, o remdio perguntar-lhe. Aquela voz fria, aquele sorrisinho, aqueles olhos levementetrocistas, picaram-no. Fitou-a. E detestou-a, de sbito. - Oh! No vale a pena - respondeu, como quem no quera coisa. - No duvido que tenha sabido resolver o caso. - Que quer dizer? - Que a filha do patro se encontra numa posioespecial para obter favores. Como tive ocasio de verificarainda esta manh, a filha do patro faz aqui o que muito bemlhe apetece. Mal acabara de pronunciar estas palavras e j aslamentava. Contudo, no lhe desagradou ver que acertaraem cheio. Fiona ficou furiosa, muito mais furiosa do que elepensara. Empalideceu, mordeu os lbios e, com surpresadele e para vergonha de Fiona, os olhos da jovem encheram-sede lgrimas. Enquanto o piloto a observava, espantado pelaviolncia da reaco, Fiona apertava as mos cada vez com maisfria. O p do copo que segurava partiu-se, a taa fez-se empedaos e o lquido entornou-se. Na palma da mo de Fionahavia um golpe profundo, donde o sangue comeou a escorrer.- Fiona! Feriu-se! Keith tirou o seu leno e quis pegar-lhe na mo. Masela repeliu-o secamente: - Como se isto significasse qualquer coisa para si! Voltou-se e, muito direita, atravessou rapidamenteo terrao e entrou em casa. A maioria das pessoas que os rodeavam falavam umpouco mais alto do que habitualmente; mas os outrosolhavam ora para Keith, ora para a rapariga, com arindeciso. Tudo se passara to depressa que Hamilton nemsabia verdadeiramente o que devia fazer. Ainda pensouem ir atrs dela. Mas isso seria o que mais desagradariaa Fiona. No entanto, tinha de fazer qualquer coisa.Procurou Sir Iain. Estava no extremo do terrao, a conversarcom Jim Sheppard. Travavam uma discusso tcnica sobreturbo-reactores e no se mostraram encantados com ainterrupo. - A sua filha cortou-se numa das mos. E fui eu oculpado do acidente. - O ferimento grave? - Creio que no. - Nesse caso, o melhor no nos metermos nisso.Fiona detesta que tenham mimos com ela. O que Sir Iain dizia era verdade. Keith teve de oreconhecer. Mas no podia lavar assim as mos de todaaquela histria. - Acho - disse ele - que era preciso ir ajud-la.O vidro s vezes causa feridas aborrecidas. Sir Iain fitou o seu chefe de pilotos com irritao.Os dois jovens, pensou ele, deviam ter discutido. Aqueleendiabrado Hamilton nunca mais tinha juzo. S estavabem no seu posto de piloto. - Muito bem - disse Sir Iain secamente. - Vou tercom ela. Trocou duas palavras com Sheppard e dirigiu-se directamentepara a porta envidraada. Aps a animao e alegria doterrao, a casa pareceu-lhe sem vida. - Fiona! onde ests? -chamou ele. A voz ecoava nas salas vazias. Procurou-a na biblioteca, nosalo, na cozinha, no quarto de banho e, por fim, no quartoque fora o dela. No a encontrou. S Keith Hamilton a viu partir. Levado por umasbita intuio, saiu do terrao e deu rapidamente avolta casa. Era demasiado tarde, porm. Ouviu o ronco de ummotor, o rudo da mudana de velocidade e o chiar dos pneus naareia. Desatou a correr, mas s teve tempo de ver o Sprite deFiona atravessar o porto. Depois, a jovem acelerou e o carro desapareceu na descida,oculto pela folhagem das faias de Down Wood. Ficou aliespecado, beira do caminho, piscando osolhos sob a luz dos ltimos raios do Sol. No podiaesquecer as lgrimas que vira de repente naqueles olhos,momentos antes frios como o gelo. Ele esperara umaatitude de clera, de raiva, at mesmo uma bofetada.Mas nunca pensara que ela pudesse chorar. @ 5 - O PlASMA SiNTTICO Nessa noite, uma zona de baixas presses vindas doAtlntico instalou-se sobre a Inglaterra. E, meia-noite,a chuva tombava em catadupas, de um cu de bronze. A chuva caa regularmente, hora aps hora, diaaps dia. O Stour saiu do seu leito, o trigo apodreceue fez-se negro. As pistas de aterragem tinham-se transformadoem charcos de gua. E as experincias do Star-Raker, se notinham sido completamente interrompidas, haviam sofridosensvel reduo. Acima dos 5000 ps, quando o avio podiadescolar, o cu apresentava-sepuro, sem nuvens : era um mundo estranho para quemacabava de deixar a cintura de tempestade e de chuvaque rodeava a Terra. Uma semana decorreu at que um anticiclone dosAores veio melhorar o tempo. A chuva contnua deulugar, a custo, a leves aguaceiros e o cu de chumbo acmulos bastante baixos. Mas o ritmo das experincias do Star-Raker nomelhorou por isso. Pelo contrrio, para grande arreliade Keith Hamilton, o avio teve de manter-se no solo, noseu hangar, a fim de ser alvo das modificaes necessriaspara o transporte do plasma at Moose Lake. Naopinio de Keith, aquilo representava um erro na ordemde prioridades. Durante doze horas seguidas, precisamentequando o Star-raker fazia a sua primeira apario ao cabo desemanas, pessoal encarregado da manuteno e uma equipa doservio de Investigaes trabalharam no hangar semdescanso, cravando pregos e rebites ao desafio. E o trabalhono era para graas, pois o equipamento que instalavam noStar-Raker tinha tanto de pesado como de frgil.A amostra de plasma pesava, certo, menos de 100gramas e cabia numa retorta do tamanho de um copo.Mas o contentor, o recipiente em que devia ser colocada, um cilindro metlico com 1,80 m de altura e 1 metrode dimetro, que no pesava menos de 1 tonelada.Eram incorporados nele vrios aparelhos de verificao, umacuba especial para manter o plasma a nvel durante a subida edescida do Star-Raker, um bloco derefrigerao termosttico que asseguraria uma temperaturaentre 1 e 5 graus, um condensador de gua destinada a manteruma percentagem de humidade de 70 %, um cilindro de oxigniopara garantir uma presso e a composio do ar constantes euma srie de almofadas de espuma de formas complicadas parareduzir ao mnimo as vibraes. Tinham tambm fixado aocontentor uma mquina de filmar, vrias dezenasde metros de tubo e de fio isolado e, ao longo do cilindro, umassento virvel, de alumnio, para o observador encarregadodas verificaes. Fiona no queria correr o menor risco de deterioraro plasma durante o voo. Discutiu o local da instalao com Bill Latham, umdos engenheiros mais antigos, que acompanhava os trabalhos semdisfarar a sua inquietao. - Quanto pesa isto tudo, Miss Fiona? - O cilindro, novecentos quilos; o assento - e lana umavista de olhos aos seus apontamentos), - cercade vinte e cinco quilos, incluindo os respectivos fixadores;quanto aos cabos e aos fios, mais ou menos outros vintee cinco quilos. - Hum! preciso escolher com cuidado o local ondeporemos esta carga suplementar. - Para no desequilibrar o aparelho? - Sobretudo por causa do peso no solo da cabina. peso demasiado para uma superfcie to pequena.E,voltando-se para um dos seus adjuntos, perguntou: - Que lhe parece, Hurford? - Conviria fixar a carga num local onde a armao tenhasido reforada. Ou, porque no?, por cima do compressor. Hduas barras de titnio para aguentar o compressor. Garantem anecessria solidez. - Vamos l ver. Entraram os trs no Star-Raker. O prottipo era ainda pouco mais do que a carcaade um avio. No tinha arranjos interiores e a estrutura dafuselagem estava ainda vista. No centro da cabina dospassageiros, Hurford ajoelhou-se. Tirou umachave, desapertou vrias porcas e levantou duas placasde metal. Por baixo encontrava-se o compressor. A suacpula em forma de cogumelo abrigava um poderosomotor elctrico que entrava automaticamente em funcionamentoquando a presso exterior descia de certo nvel. O motor eraaguentado por duas bases de titnio, com5 centmetros por 10, to slidas como as vigas quesustentam a ponte de Sidney. Latham observou a cavidade. Martelou as barras. - Suportaro o peso perfeitamente. Convm-lhe isto,Miss Fiona? - Sim, desde que o compressor no origine vibraes; nada,enfim, que possa deteriorar o plasma. - Que ideia! Funcionasuavemente e sem o menor rudo. - Ento, o lugar indicado. Foram precisas trs horas para iar o cilindro paracima e prend-lo ali solidamente e outras trs parapr o assento do observador, estabelecer as ligaes everificar os aparelhos de contrle. Procediam ao ltimoexame quando Hamilton entrou no hangar. Era a primeira vez que encontrava Fiona depois dodia da recepo. Quando, na manh seguinte, passarapelo Servio de Investigaes a fim de lhe pedir desculpa,disseram-lhe que Fiona no estava l. Ela, alis, virie, masKeith pensou que ela no o queria ver. Estavam ambos de patrs, portanto. - Bom dia, Fiona. - Bom dia, Sr. Hamilton. - Talvez eu possa amanh levar esta caranguejolaat Moose Lake. Est todo o material a bordo? - Acabmos agora mesmo de o colocar. - Gostava de dar uma vista de olhos, se no seimporta de me mostrar a instalao. - Claro que no - disse ela cortsmente. Dirigiram-se os dois para o aparelho. Houve um silncioembaraoso. - Fiona! - Diga, Sr. Hamilton? - Quanto ao que se passou no outro dia... estou desolado...francamente desolado... Fiona olhou-o, surpresa. Nunca esperara que ele sedesculpasse. - Oh! - disse ela. - J tinha esquecido isso tudo! - E a sua mo? - Creio que no ficarei com uma cicatriz para todaa vida - disse Fiona, tentando esconder a mo semque Hamilton o percebesse. - Deixe-me ver. Fiona abanou a cabea.. - Mas ainda tem um penso. O interesse dele comovia-a e divertia-a ao mesmo tempo. - Estas ligaduras no querem dizer nada. Bem sabe como ns somos, os "cientistas" : assepsia acima de tudo! Parou entrada da cabina dos passageiros. - E, agora, se estiver de acordo - disse ela -, - no falemos mais nisso. E apontou-lhe o contentor. - Aqui tem o material. Tomar bem cuidado dele, - sim ? Keith examinou o grande cilindro de chapa de ao, os aparelhos para verificar a humidade, a temperatura e a presso, as grinaldas que faziam os cabos e os fios. - Meu Deus ! Que vem a ser isto? - Um modelo especial de bomba de hidrognio! - No, Fiona. A srio. Preciso de saber. No possotransportar uma bodega qualquer nesta caranguejola. "Era bom de mais", pensou ela. "Ei-lo que volta a armar em pateta." - J que o deseja saber, dir-lhe-ei que plasma sinttico.Um plasma sanguneo sinttico especial. - E ia observandoas reaces do piloto. Keith, aparentemente satisfeito, sorriu: - Glbulos feitos mo, hem? Eu bem me perguntava, muitasvezes, em que que gastavam as horas nessas magnficasinstalaes novas... Fiona retribuiu-lhe o sorriso, contente por escapara explicaes tcnicas. - Mas eu julgava que toda a gente sabia! Fazemosimensas experincias apaixonantes. - Por exemplo? - Fazemos ferver a gua - murmurou ela, baixinho. - Jsabia que somos capazes de ferver a gua to depressa que,quando o Dr. Eddlestone toca trs vezes,fazemos-lhe o ch, deitamo-lo na chvena e pomos o acar,tudo isso num minuto e trs quartos? Keith olhou para ela, com interesse crescente: - de facto apaixonante! Devia convidar-me um diapara eu ver como . No dia seguinte de manh, o voo do Star-Raker foiconfirmado e tudo se passou de acordo com os planos feitos.O telefone de Fiona retiniu uma hora antes dadescolagem. O especialista que fora indicado ligou-seele prprio ao seu assento, ao lado do cilindro, e a Star--Raker ergueu voo para Moose Lake. A viagem no durou quatrohoras. Depois, foi o tempo para esticar as pernas meter combustvel: No regresso, gastaram pouco maisde trs horas e meia. Nem o menor incidente. meia-noite, oStar-Raker estava de novo no seu hangar. Tudo parecia terterminado assim o melhor possvel. Os acontecimentos que se seguiram foram to estranhos comoinesperados. Na tarde do dia seguinte, Keith Hamilton foi tropearnuma Fiona muito preocupada que saa do hangar do Star-Raker. - Espero - disse ele com um sorriso e levando amo ao capacete - que V. Ex.a esteja satisfeita com oseu motorista. Fiona no respondeu ao sorriso. Em vez disso, observou-opensativamente, de maneira quase clnica, como un cientistaque examina um espcime que o desiludiu. - No. No o posso dizer. - No o pode dizer ? - exclamou ele. - Recebi h pouco um telegrama de Moose Lake.Dizem-me que o plasma est perdido. - Perdido? - Sim, perdido. Sabe o que isso quer dizer? - perguntouFiona com um gesto furioso. - Estragado, inutilizado, seprefere. Quando foi para bordo, estava perfeito. Quando odeixou em Moose Lake, valia tanto como um cauterizante numaperna de pau. E eu pergunto a mim prpria, o que que lheteria sucedido.@ 6 - O MAL DeSCONHECiDOO telegrama de Moose Lake, colocado na secretria deEddlestone, era lacnico e preciso: s 11.45 da manh, hora local, 75 cm doplasma sinttico chegaram a Moose Lake trazidos peloStar-Raker. Quando o plasma foi analisado, as suaspropriedades de resistncia ao cancro tinham praticamentedesaparecido. Investigaes em curso. Aguardamos os vossoscomentrios. Era o gnero de problemas de que Miles Eddlestonegostava. No s possua uma inteligncia de primeiraordem, mas tinha um esprito notavelmente lcido e ognio de saber afastar os factores sem interesse parachegar directamente ao mago de um problema que perturbava osoutros pela sua aparente complexidade. Fiona, que o conhecia bem, viu-o com a maior confianacomear as suas pesquisas. Tinha a certeza de que a causa dadeteriorao do plasma e o remdio para o facto seriamem breve descobertos. Durante a manh, notas e directrizes foram enviadasem todos os sentidos pelo Servio de Investigaes. tarde, os vrios relatrios foram reunidos eexaminados minuciosamente. noite, Eddlestone convocouos seus colaboradores para o seu gabinete, ligou o magnetofonee, secretariado por Fiona, comeou o seu interrogatrio, comose fosse o presidente de uma comisso de inqurito. - Eis o seu relatrio, Murray - disse ele, empertigando-sena poltrona. - muito claro e conciso. H, porm, dois pontossobre os quais gostava de ser esclarecido. Em primeiro lugar,de quantos frascos de plasma vigiou a preparao ? - Seis. - E o sexto e ltimo, que o que nos interessa, foipreparado exactamente da mesma maneira que os restantes? Uma pausa. - Sim - disse por fim Murray, com a maior naturalidade. - Bom. Agora, vejamos como se encadeiam os acontecimentos.Disse-lhe ao telefone que precisava de 75 cm de plasma, numfrasco selado, para enviar a Moose Lake.Que fez nessa altura? - Desci ao laboratrio, pus a mscara e as luvas,abri o bloco frigorfico e tirei o plasma. Medi 75 cm3 numfrasco especial e 75 cm3 num tubo vulgar. Selei os doise coloquei-os no bloco frigorfico. Eddlestone consultou as suas notas. - E o plasma que ps no tubo vulgar era, segundome disse, para uma experincia que tinha de fazer nessatarde ? - Sim. - E como decorreu a experincia? - De maneira satisfatria. - Quer dizer: o plasma que ps no tubo no estavadeteriorado. As suas propriedades anticancerosas nohaviam sido alteradas? - Estavam e esto intactas.- Hum... Suponho que o frasco de que se serviuestava esterilizado. - Evidentemente. - J tinha posto plasma nesse gnero de frascos? Murray inclinou-se : - Verifiquei tudo, Dr. Miles. A terceira preparaoque fizemos esteve dois dias num frasco igual sem sofreralterao. - Portanto, em seu entender, o plasma, quando saiudos nossos laboratrios, estava perfeito? - Sem dvida. - Bem... E, agora, uma ltima pergunta. Levou ofrasco do laboratrio at ao hangar. Colocou-o no avio.No possvel que no decurso de uma dessas manipulaeso plasma possa ter sido contaminado ou deteriorado? Um silncio longo. Por fim, Murray declarou, emtom decidido : - No possvel. - Obrigado, Murray. Nada mais. Enquanto a porta se fechava sobre esta primeiratestemunha, Eddlestone voltou-se para Fiona: - E ento? - Creio que podemos ter nele toda a confiana. - Tambm acho. Um homem que responde lentamente e medindoas palavras mais seguro do que um fala- barato... Apontou qualquer coisa no seu bloco e prosseguiu: - Vamos passar agora a Crawford, o nosso suspeitonmero um. James Heathcott Crawford era alto, pesado, vagaroso. Pordetrs dos vidros grossos dos seus culos os olhos pareciamadormecidos. Mas, sob essa aparncia demolengo, escondia-se, e Eddlestone no o ignorava, umadas inteligncias mais vivas do Servio de Investigaes,num esprito em permanente alerta. - Diga-me, Crawford - comeou Eddlestone, observando-oatentamente. - Foi encarregado da vigilncia do contentor atMoose Lake? - Sim. - Antes de o contentor ser colocado a bordo do Star-Raker fizeram-se vrias experincias. Estava presentedurante esses ensaios? - Estava. -Qual foi o resultado? O contentor foi considerado satisfatrio. - Assim, tudo o que possa ter acontecido depois no deve ser atribudo ao contentor? Houve uma longa pausa. Depois, com os olhos quasefechados, Crawford disse prudentemente: - Podemos afianar que o contentor foi consideradoeficaz no solo. No tnhamos qualquer meio de avaliara sua eficcia a 75000 ps. . Eddlestone rabiscou umas notas no seu caderno. - Muito bem. Em sua opinio, quais eram as funes docontentor? - Permitir a conservao do plasma nas condies em quese encontra habitualmente. Velar no sentido de que atemperatura, a presso, a humidade, fossem mantidas a um nvelconstante, como num laboratrio. - Essas condies foram conseguidas? - Sim. - Por completo? Em cada minuto, em cada segundo do voo?- Sim. - Pode dar-nos mais pormenores? Os dedos gorduchos de Crawford juntaram-se e comprimiram-seao de leve. - Com certeza. O voo durou, deixe-me ver, cerca dequatro horas. Durante todo esse tempo, vigiei os indicadoresde presso, de temperatura e de humidade. Quando eranecessrio, regulava os aparelhos para ficarem nascondies requeridas. Por vezes, aquecia, ou enviavaum pouco de oxignio, ou retirava um pouco de gua. Ouo contrrio. Os instrumentos de contrle respondiamperfeitamente e de modo muito sensvel. Nunca me viem situao de exceder qualquer dos limites indicados.No que fui ainda mais exigente, neste aspecto, do queMurray no laboratrio. - Pode prov-lo? - Sim, Dr. Miles. No havia o menor indcio de satisfao na voz deCrawford. Limitava-se a enunciar um facto. - Pela mquina de filmar - disse ele. A mquina, e Eddlestone bem o sabia, no podiamentir. Segundo por segundo, durante o voo at MooseLake, um filme registara a imagem dos indicadores depresso, de temperatura, de humidade. E o filme provava o queCrawford dissera. Nunca se enganara nas reCtificaes. Tinhaum libi perfeito, uma prova irrefutvel da sua inocncia.Eddlestone mudou de alvo. - Falemos agora do voo. As condies eram normais? - Acho que sim. Mas, como nunca tinha voado noStar-Raker, no me julgo qualificado para dar uma opinio. - Sabe a que altitude e a que velocidade voaram? - A 74000 ps, creio eu. E a Mach 3, pouco mais oumenos. - Houve qualquer coisa a assinalar durante a viagem? Mautempo, turbulncia? - No, Dr. Miles. A viagem foi calma. - Nenhuma manobra ousada? Nada de acrobacias? - Oh, no - disse Crawford com um sorriso modesto. - Eumesmo no estava em estado de suportar nada desse gnero. - No estava em estado? No se sentia bem? De novo o sorriso modesto: - No me parece que tenha a constituio robustaque exige a aviao. - Que que sentiu? Enjoo? - No, Dr. Miles. Apenas umas dores de cabea,ligeiras mas permanentes. O lpis de Eddlestone hesitou sobre o bloco. Valia apena apontar aquela observao? Muitas pessoas, noo ignorava, sentem fadiga fsica depois dos voos a grandesaltitudes. Crawford, a avaliar pela sua cara, no estava emforma excelente e uma dor de cabea no temnada de extraordinrio. , certo que, por outro lado, todosos indcios poderiam ser teis. Tomou uma pequena nota. - Bem. E para terminar: que pensa das condiesem que se efectuou o desembarque da carga em Moose Lake? - Foi tudo feito com a maior competncia. - Hum... Havia l muitas pessoas para o ajudar adescarregar o plasma? Pessoas entendidas? - Oh, sim - respondeu Crawford, com voz doce. - Toda agente sabia a importncia deste plasma. A Dr.a Russell estaval tambm. E deu-me todas as facilidadesnecessrias. E os homens que transportaram o plasmaeram todos especialistas. - Parece-lhe que o plasma no pode ter sido deteriorado chegada, entre o aeroporto e o laboratrio? - No vejo como que isso podia ter -acontecido. - Obrigado, Crawford. Nada mais. O homem arrancou-se pesadamente da cadeira. Osolhos humedeceram-se-lhe e as plpebras tremeram. - Espero que chegue a descobrir tudo, Dr. Miles. - Sem dvida. s questo de tempo. A porta fechou-se devagar e Fiona fez uma careta.Eddlestone parecia divertido: - No gosta de Crawford, minha querida? - Eu c no me fiava nele. Se tivesse feito um erro,aposto em como faria tudo para o esconder. Mas - acrescentou,com um suspiro pesaroso - o filme parece ilib-lo porcompleto. - De facto. Vi esse filme, palmo a palmo, por duasvezes. No o cortaram nem lhe fizeram a mais pequenaalterao. - Quem sabe - disse Fiona, cheia de esperana, - um dosreguladores no estaria desarranjado? - No temos essa sorte. Foram todos verificados. Eddlestone pegou no lpis e ps-se a mordisc-lo.Apontou qualquer coisa e depois coou a cabea. Decidiumergulhar na carta da Dr.a Russell. Confirmava pontopor ponto o que Crawford dissera. Tudo indicava, pois, no houvera qualquer falta no transporte do plasmaque sara do avio nem qualquer erro nas anlisesdo laboratrio. Eddlestone comeou, ento, a escreverlenta e cuidadosamente no seu bloco um resumo dasconcluses a que chegara: 1. O plasma estava intacto quando foi colocado nocontentor e as suas propriedades anticancerosas eramperfeitas. 2. Durante a viagem, o plasma fora conservado emcondies idnticas s do laboratrio, condies duranteas quais as suas propriedades no se alteram em tempomnimo. 3. chegada a Moose Lake, essas propriedadesencontravam-se seriamente diminudas. Entregou o bloco a Fiona : - Que Lhe parece? - A sua opinio que importa, doutor. Eu estoucompletamente s escuras. Miles Eddlestone ergueu-se e ps-se a andar de cpara l. - Segundo vejo, h duas -possibilidades. Em primeirolugar, um erro humano. possvel, apesar de tudo oque dissemos, que algum se tenha enganado, talvez oMurray, talvez um investigador do laboratrio canadiano. Sefoi assim, no h razo para nos inquietarmos. Enviaremosoutra amostra do plasma, outro contentor, oStar-Raker far nova viagem. Os objectos e as pessoassero controlados duas vezes durante o voo, e esse plasmachegar sem qualquer transtorno. Espero, sinceramente,que seja o que se vai passar. Dirigiu-se vagarosamente at janela. - E a outra eventualidade? -- qualquer coisa, Fiona, em que tenho medo atde pensar: o desconhecido. Abriu a janela. Na escurido, o cu surgia com umazul de cobalto, velado na direco de oeste por umacortina de estratos. Eddlestone falava baixo, to baixoque Fiona teve de inclinar-se para a frente para ouviro que ele dizia. - Que que se passa l em cima, para alm datropopausa? Ns enviamos foguetes, satlites, e elestrazem-nos filmes e amostras do ar: pequenas partculasde conhecimento. Mas, no fundo, o que que sabemos?Que sabemos ns, de facto, da estratosfera, dos raiosgama, da barreira de ozone e das radiaes csmicas? possvel que a 70000 ps haja radiaes que ns nopossamos medir. Porque no havia uma delas de actuar sobre ocontentor, destruindo as propriedades de resistncia doplasma do cancro? - Mas isso, at hoje, nunca aconteceu. - Quer dizer, Fiona, que at hoje nunca foi notado. O silncio pairou por momentos entre ambos. As nuvens, pouco a pouco, iam mascarando o Sol. Eddlestonefechou a janela. A voz tornou-se-lhe de repente mais dura.- preciso descobrirmos. Temos de enviar outraamostra do plasma. Imediatamente. Continuava a andar de c para l. De repente, olhoupara o relgio. - Seis horas e meia. Esse bigodaas do piloto ja estar? - O Keith Hamilton? - Esse mesmo. Pelo telefone, pediu: - Chame o chefe dos pilotos de ensaio... Um segundo depois, a voz forte de Keith Hamiltonressoava na outra extremidade do fio. - Fala o chefe dos pilotos... - Boa tarde, Hamilton. Daqui fala Miles Eddlestone,do Servio de Investigaes Biolgicas. - Boa tarde, Dr. Miles. Em que lhe posso ser til? - Fiona e eu gostvamos de lhe dar uma palavrinha.Trata-se de um assunto importante. - Pode ser amanh? - E se fosse hoje ainda, uma vez que estamostOdOs C? - Hoje ainda?! Mas j bastante tarde... Fiona adivinhava-o olhando para o relgio. - Bem sei. Mas o assunto, repito, grave. - Querem vir imediatamente? - Se no incomodamos... Houve uma hesitao. Por fim, Hamilton disse: - Muito bem. Espero-os, nesse caso, dentro de dezminutos. Miles pousou o auscultador e voltou-se para Fiona: - Vamos j. Levo estas notas, para o caso de elecomear a fazer-nos perguntas. Saram do laboratrio e atravessaram as pistas aindainundadas de sol. Do Servio de Investigaes Biolgicas ao centro decontrle onde ficava o gabinete de Hamilton distavamuns bons quinhentos metros. Eddlestone disse a Fionaque gostaria de andar um bocado. E l foram os doisseguindo o caminho que rodeava o campo de aviao.A tarde estava bela, o cu coberto de nuvens esbranquiadas. Ecom a enchente da mar levantava-se um vento fresco. Sempreandando, iam discutindo as medidasde segurana que seria preciso adoptar no segundo voo.O prprio Eddlestone propunha-se verificar a preparao doplasma e a sua transferncia para bordo. Se no fosse o seucorao (tinha j 72 anos. e no era forte)- disse ele a Fiona -, faria a viagem no Star-Raker paravigiar o contentor e os instrumentos de verificao.Quando Fiona lhe disse que poderia ir ela no seu lugar,Miles aceitou a oferta com satisfao e sem qualquerideia preconcebida. Encontravam-se a uma centena de metros do centrode contrle quando ouviram o rugir estridente do Star-Raker. Ergueram os olhos e viram o grande aparelho passar muitoalto sobre as suas cabeas. Tudo em voltaera tranquilidade: o aerdromo, quase deserto, adormecido luz do poente, o perfume do trevo e da erva recentementecortada e, por cima deles, um rasto brancoe um silvo estridente. De sbito, o rugido cessou. O silnciotornou-se impressionante. Fiona e Miles ergueram a cabea, intrigados. Um segundodepois, desaparecera por completo toda aquela paz doentardecer. Ouviu-se uma sereia e logo o ladrarrouco de um altifalante: - Ateno! Ateno! Preparar tudo para uma aterragem deemergncia. O tempo pareceu suspenso e o aerdromo paralisadopela emoo. Mas foi s um segundo. Logo um motorse ps a roncar, depois outro, outro ainda... Duas viaturas debombeiros, de um vermelho vivo, correram para o extremo dapista de aterragem, seguidas por uma ambulncia. O altifalanteberrou de novo: - Ateno! Ateno! O Star-Raker vai tentar umaaterragem de emergncia na pista 210. Eddlestone e Fiona observaram o rasto da condensao:era agora mais largo e mais baixo. Ento, puseram-se a correr.Corriam em parte para obedecer ao regulamento: "Em caso deaterragem de emergncia, o pessoal do aerdromo deve abandonarimediatamente as pistas de aterragem e de circulao. Mascorriam tambm para obter notcias mais depressa, junto datorre de comando. Quando chegaram, ofegantes, ao pda torre, ningum, contudo, os pde informar. O pessoal, emcontacto com o avio que chamara, tinha fechado a porta.Haviam solicitado a comparncia dos bombeiros, a ambulncia, opessoal de socorro e a enfermaria. Haviam prevenido Sir Iain eo director clnico. Tinham desimpedido os arredores doaerdromo e feito evacuar as pistas de aterragem e decirculao: nem pessoas nem carros! Mas quanto s causas doalarme, permaneciam silenciosos. Se Fiona e Miles quisessem recorrer sua influncia,teriam facilmente acesso sala de contrle eencontrar-se-iam, assim, em pleno corao do drama.Sensatamente, porm, nada fizeram nesse sentido. Sabiam que osencarregados daquele servio tinham j bastante comque se preocupar para irem gastar tempo com comentriosdedicados a satisfazer a curiosidade de visitantescategorizados. Esperaram, portanto, com mais algumasdezenas de pessoas, sombra da torre de comando,observando o Star-Raker, que perdia altitude vagarosamente.Tanto quanto podiam avaliar, o voo efectuava-se com a devidanormalidade. Estaria a uns 3000 ps e preparava-se para concluira descida quando o altifalante vociferou: - Ateno ! Ateno ! O Star-Raker vai efectuar umaaterragem de emergncia na pista 210. O primeiro-pilotodesmaiou e no foi possvel reanim-lo. O segundo-pilotonunca aterrou com um aparelho deste tipo. A toda a volta do aeroporto, grupos de homens e demulheres aguardavam os acontecimentos, sem saber oque pensar. Aliviados por nada ter acontecido ao aparelho,perdiam-se em conjecturas sobre o estado do piloto. medida que o avio descia, aumentava o silncio nasedificaes e nas pistas. Para os espectadores, aaproximao do Star-Raker parecia normal, mas os observadoresda torre de comando e os pilotos tinham outra opinio. Com os nervos crispados, avaliavam constantemente aaltitude, a velocidade , o ngulo de aproximao. Imaginavamo segundo-piloto a contas com comandos e instrumentos que lheno eram familiares. O Star-Raker continuava a descer. At aoltimo segundo, tudo decorreu bem. Mas j sobre o permetro doaeroporto, o rugido dos jactos aumentou de sbito enquanto opiloto via claramente que ia pousar antes da pista. O aviopassou a rasar, sobre a sebe da vedao, a menos de cinquentacentmetros. Chegava com demasiada velocidade. Tocou com onariz no extremo da pista. Saltou uma, duas, trs vezes. Porsorte, as suas rodas tocaram no solo, rodopiou e estacou enfima dois teros da pista. Do grupo de espectadores ergueu-se um suspiro dealvio, depois da incerteza; de alvio porque o aviopudera aterrar. Incerteza quanto ao que se ia passar. Como os espectadores de um drama em que no tomamparte, Fiona e Eddlestone viram a ambulncia e as viaturas dosbombeiros correr em torno do avio silencioso. Os bombeirosno eram necessrios, mas o mesmo no se podia dizer daambulncia. As portas desta abriram-se, deixando passar vriassilhuetas vestidas de branco que se precipitaram para oStar-Raker. Treparam pela escada que havia sido colocada mal oaparelho se imobilizara desapareceram no interior. Durante um largo momento, nada se passou. O silncio eratotal. O Sol, no ocaso, tocava nas asas do Star-Raker com osseus dedos de fogo, e os espectadores agitavam-se inquietos,como uma multido que se comprime no local onde se verificouum acidente de rua, sabendo que nada podiam fazer para ajudar,mas permanecendo presos ,pela curiosidade. Por fim, assilhuetas brancas reapareceram, com uma maca. Esta foi iadacom mil cuidados para a ambulncia, que partiu logo emdireco pista que levava enfermaria. Lentamente, amultido dispersou-se. Fiona voltou-se para Eddlestone. - No deve querer ver-nos agora. - possvel. Mas ns queremos v-lo. Mais do quenunca! Encontraram-no no momento em que descia as escadas da torrede comando. Hamilton tinha um ar distante e preocupado edirigia-se, disse ele, para a enfermaria a fim de saber o quesucedera a Somerville, o piloto do Star-Raker. Poderiamavistar-se depois disso? Indeciso, Keith passou a mo pelos olhos. Foi Eddlestone quem tomou uma deciso. - Proponho - disse ele - que nos encontremos daqui a umahora no seu gabinete. Convm-lhe? Hamilton disse que sim com a cabea, sempre de ardistrado, a pensar visivelmente noutra coisa. Deixou-ossem uma palavra e dirigiu-se em passo rpido para aenfermaria. Aquela hora foi muito comprida. Eddlestone levouFiona at cantina do pessoal, aberta toda a noite paraos que estavam de servio. Sentaram-se ao p de umajanela, vendo cair o crepsculo enquanto bebiam cafem chvenas de plstico e comiam sanduches embrulhadas emcelofane. Esperavam. Falavam pouco e pensavam muito. A horaparecia nunca mais ter fim. Quando saram da cantina e chegaram ao centro decontrle, caminhando lentamente, j a sombra adoavaos contornos do hangar e das pistas. O edifcio estavadeserto. Apenas se via o empregado de servio, um velhofantasma que ouvia rdio numa das salas. Atravessaram vrioscorredores silenciosos, dirigindo-se ao gabinete de KeithHamilton. Ficava no primeiro andar. Era uma sala grande,desarrumada, com as paredes cobertasde fotografias de pilotos e de avies, de mapas e recordaes. Acenderam a luz e sentaram-se, espera. Meia horadecorreu ainda at que ouvissem passos. Pensaram primeiro que no seria Keith, porque os passoseram lentos e arrastados como os de um velho. Mas elesaproximaram-se. O punho da porta girou e Keithentrou na sala vagarosamente. Fiona ergueu-se: - Que notcias h do piloto, Keith? Hamilton no respondeu logo. Pegou numa cadeira,ofereceu cigarros e, por fim, disse apenas: - No quiseram dizer-me nada. - No se aborrea. costume dizer que quando noh notcias porque as notcias so boas. Keith sorriu: - Pode ser. Houve um silncio incmodo. - Quer talvez que nos retiremos ? Era visvel que Hamilton fazia um esforo para sedominar. - Claro que no. E peo-lhes desculpa de os ter feitoesperar tanto tempo. Voltou-se para Miles e perguntou : - Que pretendem de mim, afinal? Eddlestone foi mais objectivo do que teria sido Fiona.Foi logo direito ao fim. Hamilton comeou por ouvi-lo delicadamente, masno tardou a revelar uma impacincia cada vez maior.Quando Miles falou numa nova viagem a Moose Lake,explodiu : - Tenho muita pena - disse ele, num tom seco equase desagradvel -, mas vieram bater a m porta. "e Nada mais h a dizer", pensou Fiona. Parecia-lheque Miles no fora muito hbil, mas o velho doutor noperdera as estribeiras. - Reagiu como eu calculava - disse ele, afagandoo queixo. - E teria razo se no houvesse uma coisa queignora. - E o que ? - J pensou, Hamilton, que estamos os trs atrelados aomesmo carro, ao mesmo projecto? - Como? - Voc no seu avio, eu e Fiona nos nossos laboratrios,tentamos chegar ao mesmo resultado: trabalhamos todos paratornar possvel a aviao supersnica. Os seus problemas soos nossos e vice-versa. - No tenho a certeza de o estar a compreender bem.Fale, Dr. Eddlestone, em termos concretos que um pobrepiloto possa perceber. - Muito bem. Pode haver uma relao entre o queaconteceu hoje a Samerville e o que se passou na semanapassada com o nosso plasma. - Estou a ver. O silncio caiu na sala. Por fim, Hamilton falou em voz branda, quase indiferente. - Em que dia que querem que se faa a nova viagem? Fiona nem queria acreditar no que ouvia. No esperava queele cedesse to facilmente. Quando Keith concordou em levar oplasma no dia seguinte tarde, ficou espantada. E quando eleacedeu, sem o menor protesto, a que Fiona o acompanhasse paravigiar os instrumentos de controle, a rapariga achouque era belo de mais para ser verdade. Sir Iain abriu uma janela. Um sopro quente de Veroe o rudo dos jactos do Star-Raker invadiram logo a sala.O avio estava na rea de estacionamento. Acabavam depr os motores em marcha. Sir Iain contemplou-lhe asilhueta fina, bem proporcionada, como a de um cavalode raa. L dentro, sua filha fiscalizava a entrada doplasma de Eddlestone. Se queria det-la, no tinha jmuito tempo... Bateram porta. Era o secretrio. - Pode receber o director clnico, Sir Iain? Ele dizque urgente. Sir Iain disse que sim. Seria o que ele receava desdeque soubera do desmaio de Somerville? A grandes passadas, percorria a sala, cheio de receiosque nem se atrevia a formular a si prprio. Que nuvemparecia de sbito obscurecer o horizonte? Numa alturaem que os ensaios do prottipo estavam a terminar,quando tinha praticamente a encomenda do Governo naalgibeira, as coisas principiavam a correr mal. Doispilotos de ensaio fora de servio em menos de dez diasUm obrigado a pedir a reforma por motivo de doena,o outro vtima de um desmaio incompreensvel duranteum voo de rotina. Coincidncia? Azar teimoso? Pediu aDeus que no fosse outra coisa pior. Andava de um ladopara o outro, sob o olhar de seu filho, num retrato pintdopor Augustus John e que estava pendurado mesmo em frente dasua secretria. Sentiu-se aliviado quandoo mdico entrou. Pelo menos, ficaria a saber com quecontaria. - Ento, Scott-Atidnson? Que notcias me d do - receio bem... O rudo dos jactos do Star-Raker aumentou de sbito.Durante alguns segundos, enquanto o grande aparelhoganhava velocidade para levantar voo, foi ensurdecedor.Depois, Sir Iain fechou a janela e a sala tornou-sesilenciosa. - Ms notcias - disse ele, passando a mo pelafronte. - Muito ms? - O pior possvel. Sir Iain ficou exttico. Via o esforo do Star-Rakere, por fim, o avio elevar-se graciosamente a caminhodas nuvens. E de novo os receios, as dvidas que tinhaconhecido por ocasio do pedido de reforma de Jago,o assaltaram. Era como se uma centopeia surgisse, derepente, de um pntano de pesadelo. Dirigiu-se para a suacadeira e sentou-se pesadamente. - Sou todo ouvidos, Doutor. @ 7 - ATENO A MACH 3 Por cima deles, sob as estrelas e o disco incandescente doSol, reluzia o cu, de um violeta profundo. Por baixo, asnuvens, de alvura de neve, modelavam a curvatura da Terra edesdobravam-se como se desenhassem um grfico meteorolgico: frente, a vanguarda dos rastos dos cirros; depois, em formaocerrada, a depresso; e, a fechar a marcha, os bancosencrespados dos cmulos, guarda-avanada de um tempo melhor. Azona de depresso estava mesmo diante deles, pesada massade nuvens cavalgando as pradarias canadianas, comoum gigante de 40000 ps. Por cima de Winnig, de Reginae de Saskatoon, pensava Keith Hamilton, uma chuvapesada e densa devia curvar as espigas. Mas a 78000ps ,a depresso no os atingia. Estavam longe do restodo mundo, no esplndido isolamento dos deuses do Olimpo. E um fenmeno curioso esse desprendimento geradopelo voo a grandes altitudes. Afecta os pilotos consoanteo seu temperamento. A alguns d uma sensao de poderio:quando olham a Terra, que gira lentamente por baixo deles,sentem-se super-homens, conquistadores do espao.Apetece-lhes rir, gritar, lanar o seu aparelho escaladado cu. Outros sentem um pavor quase patolgico queno conseguem dominar. Observam as asas e a fuselageme tm a boca seca, porque sabem que, se um rebite sedeslocasse um milmetro que fosse, o avio (e com ele todos osque transportava) se desintegraria no espao. Keith Hamilton, esse era diferente. O voo a grandesaltitudes espicaava as suas faculdades de ateno.Notava os pormenores que lhe escapavam normalmente, fazia a siprprio perguntas que, em terra, nunca lhe teriam ocorrido.Era, precisamente, o que se estavaa passar. No pra-brisas do Star-Raker, no interior da cabina,havia uma mosca, uma mosca vulgarssima. H duashoras, desde que tinham sado de Long Ashwood, aquelamosca no parava de subir e descer ao longo do vidro;ou, para ser mais rigoroso, trepava pelo vidro porque,ao chegar a certo ponto, caa com montona regularidade.Aquela mosca fascinava Keith Hamilton. Primeiro, via nela umcompanheiro de aventura, um pioneiro, umCristvo Colombo da sua espcie, pois nenhuma outravoara jamais a 78000 ps. Mas interrogava-se tambmsobre a teimosia que a levava assim a trepar o maisalto possvel, como para dominar a cabina do Star-Raker. Logo que o avio atingira a sua altitude de cruzeirosobre o Atlntico, Keith ligara o piloto automtico epouco tinha agora que fazer. Por isso, podia prestartanta ateno mosca. Ela trepava laboriosamente, atao instante inevitvel em que a inclinao do vidro avencia e a fazia cair para a base do pra