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1 III CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO DO UBM Direito, Desenvolvimento e Cidadania na América Latina. Barra Mansa RJ, Brasil. 26, 27 e 28 de agosto de 2015 – ISSN: 1516-4071 DOS DIREITOS HUMANOS AOS DIREITOS INDIVIDUAIS: O IMPACTO DO INDIVIDUALISMO MODERNO SOBRE A CULTURA POLÍTICA NO ESTADO LAICO. GT I: Evolução e Concretização dos Direitos Humanos e Fundamentais na América Latina Roney de Seixas Andrade 1 RESUMO Os Direitos Humanos emergem de um processo de longo tempo de construção da autonomia da ordem coletiva iniciada com o advento do cristianismo, reconhecido como a religião da saída da religião, e concretizada no período das revoluções modernas Revolução Inglesa, Revolução Americana e Revolução Francesa as quais contribuíram para o estabelecimento do Estado laico. Atualmente, no entanto, a autonomia da ordem coletiva alcança um estágio avançado de seu desenvolvimento, fato esse que tem levado alguns a considerar que estamos vivendo, neste momento, numa “sociedade de indivíduos”. Assim sendo, nesta comunicação buscaremos apresentar o percurso da consolidação dos direitos humanos através da recomposição histórica da laicidade e da solidificação da autonomia da ordem coletiva, bem como verificar as transformações ocorridas nas sociedades ocidentais modernas que contribuíram para o processo de evolução dos direitos humanos em direitos individuais. Palavras-chave: Direitos Humanos, Laicidade, Autonomia da Ordem Coletiva. ABSTRACT Human Rights emerge from a process of long time of construction of the autonomy of collective order that began with the advent of Christianity, recognized as the religion 1 Mestre e Doutorando no Programa de Pós-graduação em Ciência da Religião do Instituto da Ciências Humanas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Visiting Researcher Fellow Fuller Theological Seminary, Pasadena, CA (EUA). Bolsista CAPES. Email : [email protected]

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DOS DIREITOS HUMANOS AOS DIREITOS INDIVIDUAIS: O IMPACTO DO INDIVIDUALISMO MODERNO SOBRE A CULTURA

POLÍTICA NO ESTADO LAICO.

GT I: Evolução e Concretização dos Direitos Humanos e Fundamentais na América Latina

Roney de Seixas Andrade1

RESUMO

Os Direitos Humanos emergem de um processo de longo tempo de construção da

autonomia da ordem coletiva iniciada com o advento do cristianismo, reconhecido

como a religião da saída da religião, e concretizada no período das revoluções

modernas – Revolução Inglesa, Revolução Americana e Revolução Francesa – as

quais contribuíram para o estabelecimento do Estado laico. Atualmente, no entanto,

a autonomia da ordem coletiva alcança um estágio avançado de seu

desenvolvimento, fato esse que tem levado alguns a considerar que estamos

vivendo, neste momento, numa “sociedade de indivíduos”. Assim sendo, nesta

comunicação buscaremos apresentar o percurso da consolidação dos direitos

humanos através da recomposição histórica da laicidade e da solidificação da

autonomia da ordem coletiva, bem como verificar as transformações ocorridas nas

sociedades ocidentais modernas que contribuíram para o processo de evolução dos

direitos humanos em direitos individuais.

Palavras-chave: Direitos Humanos, Laicidade, Autonomia da Ordem Coletiva.

ABSTRACT

Human Rights emerge from a process of long time of construction of the autonomy of

collective order that began with the advent of Christianity, recognized as the religion

1 Mestre e Doutorando no Programa de Pós-graduação em Ciência da Religião do Instituto da Ciências Humanas da

Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Visiting Researcher Fellow – Fuller Theological Seminary, Pasadena, CA (EUA). Bolsista CAPES. Email : [email protected]

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for departing from religion, and is realized in the period of modern revolutions –

English Revolution, American Revolution and French Revolution – which contributed

to the establishment of the secular state. Currently, however, the autonomy of

collective order reaches an advanced stage of development, a fact that has led some

to consider that we are living right now in a “society of individuals”. Therefore, in this

communication we will seek to present the route of human rights consolidation

through the historical restoration of secularism and of the solidification of the

autonomy of collective order and also verify the changes occurring in modern

Western societies which have contributed to the process of evolution of human rights

into individual rights.

Keywords: Human Rights, Secularism, Autonomy of the Collective Order.

1. INTRODUÇÃO

Os Direitos Humanos emergem de um processo de longa duração de uma

gradual construção da autonomia da ordem coletiva em relação a um universo

religioso marcadamente heterônomo. Esse processo, que se inicia com o advento do

cristianismo reconhecido por alguns estudiosos como a religião da saída da religião2

se concretiza no período das revoluções modernas – Revolução Inglesa, Revolução

Americana e Revolução Francesa – as quais contribuíram para o estabelecimento

do Estado laico. Foi justamente essa separação jurídica entre Igreja e Estado, e o

princípio de separação entre religião e política, que facilitou a ampliação da política,

concedendo aos homens a liberdade de criar suas próprias leis ao passo que os

desobrigaram de receber do alto o poder que se impunha sobre sua vontade.

Atualmente, no entanto, a autonomia da ordem coletiva alcança um estágio

avançado em seu desenvolvimento o que tem levado alguns pensadores, tais como

Marcel Gauchet (1989), a considerar que estamos neste momento vivendo numa

“sociedade de indivíduos” a qual é caracterizada pela perda de um princípio de

transcendência coletiva, o que consequentemente leva a um obscurecimento

sistemático da intrínseca dimensão política dessas mesmas sociedades.

2 Cf. Marcel Gauchet em sua obra Le Désenchantement du monde: Une histoire politique de la

religion, Gallimard, Paris, 1985.

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Assim sendo, nesta breve comunicação buscaremos, ainda que

sumariamente, apresentar o percurso da consolidação dos direitos humanos através

da recomposição histórica da laicidade e da solidificação da autonomia da ordem

coletiva, bem como verificar as transformações ocorridas nas sociedades ocidentais

que promoveram uma transformação dos direitos humanos em direitos individuais.

2. O PERCURSO DA LAICIDADE

“Liberdade, igualdade, universalidade e autonomia de juízo de cada cidadão, fundada na instrução laica: tais são os valores e os princípios essenciais da laicidade” (PEÑA-RUIZ, 2009, p. 1).

Tratar dos valores e dos princípios essenciais da laicidade, em uma época

como a nossa, na qual tais princípios e valores parecem estar conceitualmente

cristalizados pode causar em muitos, num primeiro instante, certa estranheza. No

entanto, em nosso entendimento, a recuperação da trajetória histórica da conquista

desses ideais laicos é fundamental para sua própria valorização, para que os

mesmos não se percam e, sobretudo, para sua promoção e ampliação em nossas

contemporâneas sociedades democráticas.

Como têm destacado Henri Peña-Ruiz, podemos melhor compreender a

laicidade se retornarmos ao momento quando tínhamos uma total ausência de

liberdade de consciência pela imposição de um monopólio religioso e, em seguida,

examinarmos os passos que nos conduziram até a ampliação da laicidade aplicada

nas esferas da Sociedade Civil, do Estado e da Escola. Assim sendo, chamamos a

atenção para as três etapas fundamentais que foram seguidas para a conquista da

emancipação laica.

A primeira etapa caracterizou-se por uma pretensa ‘tolerância religiosa’,

quando se permitiu aos adeptos de uma religião dominada confessar sua fé. A

segunda etapa é a que corresponde ao reconhecimento da soberania popular, qual

seja, um direito não pode depender da boa vontade de um príncipe, por mais sábio

que seja. E a terceira etapa, a que consistiu na laicização do poder público, político e

jurídico, no qual o Estado renunciou a todo poder religioso e as igrejas a todo poder

político. Conforme assinala Peña-Ruiz:

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Da incerta tolerância à consciência liberada, da consciência liberada à emancipação do direito, da emancipação do direito à liberação da sociedade, do Estado e da Escola de toda tutela clerical, estes são os principais tempos da emancipação laica e de sua dinâmica histórica (PEÑA-RUIZ, 1999, p. 101).

Outro fator que merece destaque está relacionado ao fundamento do ideal

laico, o qual, como o próprio termo laicidade indica, carrega consigo a fusão de duas

noções fundamentais: a liberdade de consciência e a igualdade de maneira radical.

Essas noções fundamentais de liberdade e igualdade, presentes nos textos das

diferentes declarações de direitos humanos e fundamentais, são o resultado do

desejo de emancipação da consciência de toda tutela clerical (religiosa e ideológica)

iniciada na Reforma Protestante, unindo o sacerdócio universal com o livre exame

do crente, e desenvolvida mais plenamente no Iluminismo durante o qual se buscou

a consolidação da libertação da consciência e do juízo dos homens – quaisquer que

fossem – unindo “humanidade e liberdade, atribuindo a todo homem o livre arbítrio

intelectual e moral e a possibilidade nata de aperfeiçoar-se, graças à instituição

metódica e a cultura, uma autêntica autonomia de juízo” (PEÑA-RUIZ, 1999, p. 98).

No entanto, o verdadeiro momento da universalização desta liberdade positiva

seria conquistado apenas com a institucionalização de uma Escola pública, gratuita

e laica na qual o laicismo escolar garantisse a formação de um sujeito livre. Nesse

sentido a liberdade de consciência tem como corolário a ideia de uma educação da

razão para liberar a capacidade de juízo de tudo o que podia enganá-la ou extraviá-

la. Além disso, vale notar que não se trata somente de uma “liberdade negativa”

consistente em suprimir os obstáculos internos ou externos ao desdobramento do

pensamento, mas uma “liberdade positiva” que dotaria todo homem de autonomia de

reflexão e de iniciativa (PEÑA-RUIZ, 1999, p. 98).

Assim compreendida, a laicidade tende a ampliar-se. Consiste em preservar

as instituições públicas (escola, justiça e outras instituições orgânicas da República)

de toda tutela religiosa e também de toda tutela ideológica que marque o desejo de

poder de um grupo de interesses concretos ou de uma força política dada. Liberando

as consciências individuais de toda sujeição bem como a própria República, a

laicidade define o marco de uma paz cívica na qual a liberdade de consciência e o

juízo dos cidadãos já não hão de ser temidos pelo poder público, o qual, pelo

contrário, se aplica a promovê-los.

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Na trajetória histórica da laicidade, outra importante contribuição na luta pela

conquista da emancipação laica são os textos do pensador John Locke, Ensaio

sobre a tolerância, 1667 e Cartas sobre a tolerância, 1689. Os argumentos de Locke

dão grande importância à ideia segundo a qual é impossível definir a verdadeira

religião, portanto é necessário deixar a cada um a liberdade de crer no que queira e

de exercer o culto que deseja. Havia apenas uma ressalva quanto a esta tolerância

religiosa. Considerando que o Estado deva velar para que se proíbam as opiniões

especulativas suscetíveis de produzir ações danosas, Locke restaura a intolerância

com respeito ao ateísmo no qual ele mesmo observava uma fonte de

comportamentos incompatíveis com a vida civil. A posição de Locke devolveu ao

Estado a categoria de árbitro das crenças quando se trata da relação entre religião e

ateísmo, ao passo que lhe negava esse papel no que se referia às diversas

concepções religiosas. Entretanto, em nosso parecer, a liberdade de consciência,

contemplada em sua radicalidade e em seu âmbito de exercício, deve incluir tanto a

opção do ateísmo como a do agnosticismo ou da crença religiosa.

Na ampliação da laicidade, desde o momento em que a liberdade de

consciência é reconhecida como um direito primordial e irredutível porque

corresponde à dignidade de todo o ser humano, as coisas mudam radicalmente. Na

sociedade civil, se organiza uma pluralidade de confissões e de convicções e é

preciso que essa gente viva junta e pacificamente. A igualdade e liberdade assim

reconhecidas demandam uma tolerância como disposição subjetiva compartilhada.

“A consciência será liberta de forma radical quando não lhe seja imposta nenhuma

crença, nem lhe seja apresentada como verdadeira pelo poder público e quando já

não tenha que viver sua aventura como um vagabundo ou uma desviação” (PEÑA-

RUIZ, 1999, p. 115).

A Declaração dos Direitos do Homem de 26 de agosto de 1789 buscou

claramente resgatar as liberdades que requer a dignidade do homem. “Viver livre é

dispor do corpo e ser dono da alma ou da consciência”. Assim dois princípios vão se

incidir pela luta da emancipação laica ante a opressão clerical: habeas animum

(liberdade de consciência) e habeas corpus (liberdade física) (PEÑA-RUIZ, 1999, p.

95).

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A liberdade é, pois o verdadeiro fundamento constitucional da República e é

reconhecida como um direito essencial. A liberdade é entendida como condição

ideal de existência e princípio de plenitude que corresponde a todo o ser humano.

Como assinala Peña-Ruiz, “a história humana, filosoficamente compreendida, é o

advento da própria ideia de liberdade” (PEÑA-RUIZ, 1999, p. 97).

A laicidade é o fundamento do Estado que define a unificação do povo com

relação à única exigência da vida comum. Não decide sobre questões metafísicas e

religiosas, nem estimula a divisão nem o enfrentamento, mas por seu

distanciamento legitima o pluralismo. “A laicidade promove o que une os homens

antes de valorizar o que os divide” (PEÑA-RUIZ, 2009, p. 2).

A laicidade se funde com a exigência de verdade e razão; requer o

cumprimento de uma liberdade de princípios garantida por lei, liberdade de

consciência, como liberdade efetiva de juízo plenamente exercida e autônoma. A

razão ajuda, desde o momento em que é cultivada pela instrução que se dispensa a

todos, separando o âmbito do diálogo e o da linguagem ordinária mais além das

afiliações confessionais concretas (PEÑA-RUIZ, 1999, p. 149).

É importante também lembrar que a laicidade não se opõe aos compromissos

confessionais desde o momento em que estão dotados de uma distância reflexiva

que evita qualquer deslizamento a intolerância e cuida do espaço do diálogo assim

como o da reapropriação reflexiva. A dinâmica do ideal laico promove o uso ativo da

razão num horizonte de universalidade que vão além das crenças confessionais

(PEÑA-RUIZ, 1999, p. 150).

Visto sob essa ótica, o dispositivo jurídico do Estado laico deve garantir a

aplicação do ideal fundador articulando rigorosamente a igualdade de direitos de

cada um e a liberdade de todos. Tal condição jurídica é necessária, porém não

suficiente, como indicamos anteriormente, é antes necessário promover através de

uma Escola laica a razão que libera em cada um a capacidade de juízo reto e

também a capacidade de distância reflexiva. Como resalta Peña-Ruiz, “a escola

laica, verdadeira instituição orgânica da República é a antecâmara de uma cidadania

ilustrada”, por isso mesmo, podemos afirmar que a autonomia constrói-se numa

escola laica, o que não significa antirreligiosa, mas, simplesmente, livre de todo o

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grupo de pressão, quer seja religioso, ideológico, ou econômico (PEÑA-RUIZ, 1999,

p. 152).

3. SECULARIZAÇÃO E LAICIDADE: A AUTONOMIA DA ORDEM COLETIVA

Como temos observado, em certos contextos, laicidade e secularização

aparecem como termos correlatos. De fato, se por um lado, o termo laicismo pode

ser conceituado como “a doutrina que defende a independência do homem ou da

sociedade, e mais particularmente do Estado, de toda influência eclesiástica ou

religiosa”. Por outro lado, o termo secularização pode ser entendido como a

passagem da hegemonia completa de uma religião apoiada pelo poder Estatal para

a influência social difusa das confissões e igrejas num processo nos quais ambos,

são parte ativas e onde o seu papel público é reconhecido sobre o título de uma

espécie de cimento social. É também tida como um projeto filosófico, político e

científico baseado nos direitos do homem e do cidadão (PEÑA-RUIZ, 1999, p. 37-8).

Diante de tais conceituações podemos afirmar, com certa segurança, que a

laicidade é produto de um processo de secularização característico da própria

modernidade. Ou, ainda melhor, que a laicidade é o corolário jurídico da

secularização.

Duas evidências observáveis ao fenômeno da laicização parecem dar

condições de sustentar tal afirmação. A primeira diz respeito à diminuição da

influência teológico-política dos vínculos sociais. E a segunda pelo relacionamento

dos principais eixos da laicidade com os fundamentos do pensamento moderno, tais

como: autonomia moral e individual, reconhecimento dos direitos humanos,

igualdade civil, liberdade de consciência, neutralidade metafísica do Estado, entre

outros.

Como havíamos indicado, uma das relações entre laicidade e secularização

reside exatamente no fato da diminuição da influência teológico-político instaurada

no cristianismo – chamada pelo filósofo francês Marcel Gauchet de a religião da

saída da religião (GAUCHET, 2005, p. 145) – onde se distinguiu rigorosamente a

ordem espiritual e a ordem temporal permitindo a emancipação laica da política

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trazendo a dimensão religiosa para a consciência individual. Apesar disso, Henri

Peña-Ruiz acredita que a mera separação do temporal e espiritual preconizada por

Jesus Cristo não pôde, pois, definir a plenitude do ideal laico.3 Em sua opinião o

dispositivo jurídico da laicidade emancipa efetivamente a Sociedade, o Estado e

suas instituições essenciais, entre elas a escola, de qualquer tutela clerical apenas a

partir do final do século XVIII.4 (PEÑA-RUIZ, 1999, p. 231).

Considerando a relação entre religião e política, a laicidade carrega consigo uma

redefinição do papel da religião quando esta deixa de ser o princípio fundamental do

estar-junto-coletivo. “A religião é um assunto puramente espiritual, cuja essência é a

relação com Deus e não se pode confundir com a existência temporal regulada pela

autoridade política” (PEÑA-RUIZ, 1999, p. 220). Neste sentido, o conceito de

“desencantamento do mundo”, ou seja, o esgotamento do reino do invisível; a

reconstrução da instancia dos homens a parte da dependência divina; a diminuição

da influência da regra espiritual sobre a conduta secular; dão uma nova significação

ao papel da religião. Reconhece-se o fato da separação entre a cultura global

secularizante e a religião. Reconhece-se também que as religiões, inclusive o

cristianismo, tendem a ser subculturas particulares portadoras de uma reserva de

sentido. E por fim reconhece-se até mesmo o fundamentalismo secular como uma

espécie de subcultura.

Outra evidência destacada para sustentar a tese de ser a laicidade produto de

um processo de secularização característico da modernidade está nas semelhanças

dos eixos da laicidade com o conjunto de princípios claramente manifestados na

modernidade: constitucionalismo; autonomia moral e individual; direitos humanos;

igualdade civil; consumo, indústria e tecnologia; e a própria laicidade, esta entendida

aqui, como processo euro-americano moderno de separação entre Igreja e Estado.

3 No sentido em que se trata a laicidade nesta apresentação, isto é, como produto de um processo de

secularização característico da modernidade, a constituição laica do Estado moderno pode parecer mais evidente a partir da Revolução Francesa. Entretanto, parece ser bem sólida a tese segundo a qual o processo de secularização, entendido como diminuição da influência teológico-política dos vínculos sociais, remonta a tempos mais antigos do que o século XVIII. 4 Em seu livro La Emancipación Laica (1999) Henri Peña-Ruiz também reconhece que o ideal laico é

uma herança do iluminismo e que, portanto, implica numa cultura de autonomia de juízo (p. 29). Ressalta ainda que a refundação laica do direito não implica em hostilidade alguma as religiões. É uma luta anticlerical: “O anticlericalismo militante da refundação laica só põe em mira as pretensões do clero de se intrometer na esfera temporal e nas instituições públicas para impor certo tipo de norma” (PEÑA-RUIZ, 1999, p. 220).

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Em nossa opinião, tais princípios da modernidade são co-constitutivos da autonomia

da ordem coletiva e, portanto, contribuíram para o surgimento e consolidação do

próprio Estado laico e democrático.

4. A SOCIEDADE DE INDIVÍDUOS

Um dos pensadores contemporâneos que têm se proposto a analisar as

sociedades democráticas contemporâneas tem sido o filósofo francês Marcel

Gauchet. De acordo com esse filósofo (GAUCHET, 2002, p. ix) nós estamos vivendo

em uma “sociedade de indivíduos”, ou seja, “uma sociedade assombrada por um

tipo de individualismo das quais nenhuma sociedade pode ser concebida e o qual

ofusca sistematicamente sua intrínseca dimensão política” (BRAECKMAN, 2008, p.

30).5

Marcel Gauchet concebe o contemporâneo individualismo, ou a atual “onda

de liberalização”, como ele mesmo menciona, como o resultado de dois processos:

por um lado, como o resultado do desenvolvimento do Welfare State (Estado de

bem-estar social), e, por outro, como resultado da perda de sentido de todas as

formas de transcendência coletiva (GAUCHET, 1998, p. 89). Assim sendo, ele

acredita, em primeiro lugar, que desde a segunda metade da década de 1970 o

desenvolvimento do Welfare State tem separado o indivíduo de seu ambiente social

original (GAUCHET, 1998, p. 94). Isto, ao mesmo tempo, tem também desconectado

os indivíduos uns dos outros. Em segundo lugar, ele acredita também que todas as

formas de transcendência coletiva, tais como: a nação, o estado, as classes, a

religião e a ideologia, têm perdido suas formas de qualidade sublime (GAUCHET,

2002, p. 340).6

5 De acordo com Natalie Doyle, Marcel Gauchet percebe as globais redefinições das sociedades

ocidentais modernas as quais se situam no quadro das democracias liberais no âmbito de um projeto cultural geral: a criação de um novo tipo de sociedade: a sociedade democrática de indivíduos autônomos (DOYLE, 2003, p. 70). 6 Por “formas de transcendência coletiva”, Gauchet entende “todo fenômeno no qual o grupo

transcende o indivíduo” e no qual o indivíduo se viu como pertencendo a uma ordem superior. Como tal, essas foram experimentadas como formas de autoridades orientadoras pelas quais o indivíduo nutria um enorme respeito (GAUCHET, 2002, p. 344-5).

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Num nível mais profundo, na visão de Gauchet a desclassificação das formas

de coletividade transcendente sobre todos está relacionada ao fim do conflito entre

Igreja e Estado. Na opinião desse filósofo francês, até à metade da década de 1970,

o estado esteve lutando com a igreja pelo controle da sociedade. No curso de sua

história, no entanto, o estado, passo a passo, conquistou o poder da igreja. O triunfo

do estado sobre a igreja deu ao estado sua dignidade e autoridade (GAUCHET,

1998, p. 62-3). Mas agora que a disputa está definida, isto é, desde que a religião,

ou sua secular versão, a ideologia, não é mais concebida com uma alternativa

plausível para o estado, o estado perdeu, junto com seu oponente, a dignidade que

havia uma vez alcançado por si mesmo devido a esse conflito. Como observa

Andreas Kalivas:

O desaparecimento do inimigo privou [a democracia] de sua razão de ser. Desde que a própria fonte da heteronomia – a religião – teve sido irrevogavelmente removida, os aspectos emancipatórios e seculares da política democrática que eram utilizados para dotá-la de uma aura sagrada tem perdido o seu significado (KALIVAS, 1999, p. 494).

Ainda de acordo com Gauchet, essa desclassificação da dimensão da

transcendência na sociedade é um solo fértil importante para o contemporâneo

individualismo, pois é este “desencantamento da política” que leva a uma profunda

transformação da relação entre o Estado e o indivíduo (GAUCHET, 1998, p. 108).

Devido ao “desencantamento da política”, o indivíduo abertamente vem à tona. Hoje

isso é sintomaticamente ilustrado pela geral preocupação com os “direitos

individuais” (GAUCHET, 1998, p. 111). Em sua relação com o Estado o indivíduo se

vê principalmente como portador de direitos. Esses direitos não dizem respeito

principalmente aos seus direitos civis, mas aos direitos dos quais o indivíduo

considera ser portador legítimo tal como um indivíduo que ele é, como uma pessoa,

isto é, como um ser humano – daí a sincera preocupação no presente com os

“direitos humanos”. Esses são direitos que os destinatários consideram

intuitivamente como seus direitos básicos, sendo eles ou não reconhecidos

formalmente como direitos civis.

Neste sentido, podemos notar uma séria transformação no que diz respeito à

primeira e clássica noção de cidadania. De acordo com as primeiras noções, cada

cidadão deveria se apropriar da perspectiva geral comumente realizada em conjunto

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com a sua própria perspectiva particular. Atualmente, todavia, cada indivíduo

procura ter seus próprios interesses privados garantidos pelo Estado, cuja

perspectiva ninguém mais está preparado para compartilhar (GAUCHET, 1998, p.

115). A preocupação com o interesse geral é assim deixada aos políticos

profissionais. Além disso, todos os interesses privados são percebidos como

legítimos, independentemente de onde e como eles podem contribuir ao interesse

geral das sociedades (GAUCHET, 1998, p. 116). Agora, esses interesses privados

são considerados quase como invioláveis, como direitos básicos assim como

“liberdade” e “igualdade” e, portanto, devem também ser reconhecidos.

Nesta perspectiva, como observa Gauchet, estamos atualmente vivendo em

uma sociedade de mercado político (GAUCHET, 1998, p. 117). O interesse geral é

concebido como sendo o resultado da livre concorrência entre interesses

particulares. Contrário ao seu antigo papel, o governo não é mais capaz de conduzir

os assuntos de interesse geral e, portanto, superiores, em direção aos interesses

particulares. Hoje, em direção contrária, se trabalha a partir do pressuposto segundo

o qual o mercado de interesses particulares contém a resposta para a questão

política que deve orientar a sociedade como tal. Este modelo de mercado, de acordo

com Gauchet, muda o indivíduo profundamente. Em contraste, enquanto o cidadão

deveria dissociar-se dos seus próprios interesses particulares em prol do interesse

geral, estamos agora confrontados com um indivíduo que está exclusivamente

direcionado aos seus próprios interesses particulares. Além disso, seus interesses

tornaram-se os seus direitos e os seus direitos têm se tornado seus interesses.

Ambos se fundem em uma unidade quase indiferenciada.

Desaparecendo a preocupação com o interesse público, a emergência do

indivíduo e de seus direitos individuais juntamente com a privatização do reino

político, eventualmente transforma a autocompreensão do indivíduo e a maneira em

que ele se apresenta dentro da sociedade. Característica desta modificação da

posição do indivíduo se apresenta quando as “convicções são transformadas em

identidades” (GAUCHET, 1998, p. 121).

De fato, como mais uma vez observa Gauchet, hoje concebemos nossa

identidade, exatamente como o oposto de como nós a compreendíamos há tempos

passados. Enquanto que o meu “verdadeiro eu” era encontrado quando havia uma

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eliminação dos laços que me particularizavam, hoje, ao contrário, o indivíduo se

identifica quando se encontra com sua particular singularidade. Esta identificação

entre o indivíduo e sua singularidade está em jogo em diferentes níveis.

Subjetivamente, o “verdadeiro eu” é o resultado de uma subjetiva apropriação de

uma singularidade social. Dessa forma, eu coincido com minha crença, com as

minhas origens, como meu ser Judeu, negro, gay ou o que quer que seja.

Socialmente, nós conseguimos contato com outras pessoas com base nessa

singularidade. Esta é a base sobre a qual se deseja iniciar um diálogo. E,

politicamente, tal singularidade também, eventualmente, constitui a base para

obtenção de uma posição dentro da esfera pública. Neste sentido, a esfera pública

hoje coincide com aquelas singularidades privadas tendo-se tornado pública. A

esfera pública, por essa mesma razão já não tem qualquer substância própria que

se refere às metas gerais que transcenderia o mercado de indivíduos singulares e os

seus interesses privados (GAUCHET, 1998, p. 124).

No sentido político do individualismo contemporâneo, o sistema jurídico e,

portanto, como ele o indivíduo portador de direitos, é considerado o único

fundamento da sociedade democrática. Compreendido dessa maneira, a fim de

constituir uma sociedade democrática, acredita-se que seja necessário nada mais

além do que o reconhecimento do indivíduo e de seus direitos subjetivos. Num nível

mais profundo, isto significa principalmente que a cidadania clássica desaparece. O

indivíduo não está mais preocupado com o interesse geral, e, portanto, não está

mais disposto a considerar seu próprio interesse privado do ponto de vista do

interesse geral – e muito menos subordiná-lo, se necessário, ao do todo coletivo. Em

segundo lugar, essa evolução também dá origem a transformações das “convicções

em identidades”, como já dissemos. Como resultado, a esfera pública deixa de ser

um domínio de discussão. Ela funciona apenas como um palco sobre o qual os

recursos individuais, a fim de receber o reconhecimento por sua singularidade e por

seus direitos subjetivos, associam os indivíduos com eles mesmos.

Essa evolução na dinâmica própria da democracia moderna, a qual se baseia

em três e não em apenas em um único pilar, é vista por Marcel Gauchet como

problemática por completo.7 Em sua avaliação, concentrar-se unilateralmente em um

7 Os três pilares da democracia moderna: o pilar político, o socio-histórico e o sistema legal.

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desses pilares implica no risco de erosão dos outros e, possivelmente em longo

prazo, levaria a própria democracia a um total colapso (GAUCHET, 2002, p. 374-5).

Na presente circunstância, o espetáculo da democracia de hoje oferece a imagem

de uma “contradição performativa”. É uma democracia que, na sua prática

democrática, se volta contra si mesma e, portanto, torna-se uma ameaça a si mesma

(GAUCHET, 2002, p. 379).

5. CONCLUSÃO

Essa breve análise revela o alcance da problemática contemporânea do

individualismo. Ao concentrar-se unilateralmente no indivíduo como portador de

direitos subjetivos, o individualismo contemporâneo não é simplesmente uma

expansão de um dos pilares da democracia moderna – o sistema jurídico – em

detrimento dos pilares da política e histórico-social. Mais do que isso, o

individualismo contemporâneo parece ser uma negação da política como dimensão

constitutiva da sociedade (GAUCHET, 2003b, p. 329). Em outras palavras, a ideia

liberal segundo a qual, por natureza, o ser humano possui direito aos direitos, que

sujeitos de direito constituem a base da sociedade e que apenas os relacionamentos

legais entres esses temas de direitos são suficientes para preservar a sociedade

como tal, falha em nossa opinião em dois aspectos. Em primeiro lugar, falha por

ignorar que esses direitos subjetivos pressupõem um fator político, ou seja, uma

estrutura de poder pelo qual tais direitos são reconhecidos, distribuídos e, se

necessário, reforçados. Em segundo lugar, por trás dessa recusa elementar está

outro aspecto ainda mais importante: a negação do papel da política como a esfera

em que a sociedade se vê representada e, por isso mesmo, se constitui como

sociedade. Neste caso, o individualismo contemporâneo revela uma lacuna crucial

na política e, acima de tudo, na autocompreensão democrática, que, no final,

poderia ameaçar a própria sociedade democrática. Uma sociedade que deixa de

apreciar suas próprias fundações corre o risco de implosão.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFI CAS

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Acesso em 23 de abril de 2015.