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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
FACULDADE DE LETRAS
DOUTORADO EM LETRAS NEOLATINAS
DOS TEXTOS INSTITUCIONAIS AO AUTORRELATO:
um estudo discursivo sobre o professor de francês
Erika Noel Ribas Dantas
RIO DE JANEIRO
2013
Erika Noel Ribas Dantas
DOS TEXTOS INSTITUCIONAIS AO AUTORRELATO:
um estudo discursivo sobre o professor de francês
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Letras Neolatinas, da Faculdade de
Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como quesito para a obtenção do título de Doutor em
Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos –
Opção Língua Francesa)
Orientadora: Profa. Dr
a. Angela Maria da Silva Corrêa.
RIO DE JANEIRO
2013
Dantas, Erika Noel Ribas.
Dantas, Erika Noel Ribas.
D192d.....Dos textos institucionais ao autorrelato: um estudo discursivo sobre o
..........professor de francês / Erika Noel Ribas Dantas. – Rio de Janeiro: UFRJ, 2013.
206 f.: il., tabs. ; 30 cm
Orientadora: Angela Maria da Silva Corrêa.
Tese (Doutorado) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de
Letras, Departamento de Letras Neolatinas, 2013.
Bibliografia: f: [198] - 202.
1. Língua francesa – Estudo e ensino 2. Língua francesa – Aspectos sociais
3. Língua francesa – Análise do discurso 4. Identidade social 5. Professores de
francês - Formação 6. Educação – Brasil – Parâmetros curriculares nacionais
I. Corrêa, Angela Maria da Silva II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Faculdade de Letras III. Título CDD 440.71
Dedico este trabalho
a Deus, que está sempre presente em minha vida.
à minha querida mãe, Sandra Ribas, por estar sempre ao meu lado e por
me presentear com seu amor incondicional.
a William Dantas, meu marido e companheiro, que me motiva e me
acompanha em todos os momentos.
AGRADECIMENTOS
À Professora Angela Maria da Silva Corrêa, minha orientadora, pela dedicação a este
trabalho, pela orientação e pelo incentivo.
À Professora Maria Aurora Consuelo Alfaro Lagorio e ao Professor Décio Rocha, pelas
sugestões valiosas no Exame de Qualificação.
Às professoras Dayala Vargens, Katia Fraga e Tânia Reis pelas contribuições ao longo de
minha formação e por aceitarem compor a Banca Examinadora desta tese.
Meu reconhecimento profundo aos oito professores que se dispuseram a colaborar com a
pesquisa concedendo entrevistas sem as quais este trabalho não existiria.
À Aliança Francesa pelo afastamento de minhas atividades de janeiro de 2012 a junho de
2013 a fim de concluir esta tese.
Ao Professor Geraldo Nunes, com quem tive o prazer de trabalhar no Setor de Convênio e
Relações Internacionais da UFRJ, pela compreensão e pelo apoio.
A todos os colegas do SCRI. Agradeço especialmente à Giovana de Mello e a Vitor Amaral
pelas discussões e diálogos travados.
À Katharina Jeanne Kelecom pelas leituras, sugestões e comentários enriquecedores.
À Sany Lemos, amiga e parceira de doutorado, pela amizade e encorajamento para
desenvolver este trabalho.
A todos os amigos e familiares que compreenderam minha ausência em alguns momentos
importantes e me apoiaram nesta trajetória.
RESUMO
DANTAS, Erika Noel Ribas. Dos textos institucionais ao autorrelato: um estudo discursivo
sobre o professor de francês. Rio de Janeiro, 2013. Tese (Doutorado em Letras Neolatinas) –
Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.
Esta pesquisa busca analisar as materialidades discursivas oriundas das entrevistas realizadas
com oito professores não nativos de Língua Francesa atuantes em escolas públicas das redes
estadual, federal e municipal e no curso privado Aliança Francesa com o objetivo de
estabelecer um diálogo com os textos oficiais que orientam o ensino de línguas estrangeiras
na cidade do Rio de Janeiro. Recorre-se à sociologia da educação de Pierre Bourdieu (1970,
1982) para instaurar um debate sobre as prescrições dos documentos oficiais acerca do ensino
de Línguas Estrangeiras. Adota-se a Semiolinguística de Patrick Charaudeau (2008, 2009)
como embasamento teórico para analisar o impacto das diretrizes do ensino na construção da
identidade do profissional de Língua Francesa. Acredita-se que as entrevistas (ROCHA,
DAHER e SANT’ANNA, 2004) possibilitam a recuperação de saberes constituintes dos
traços identitários do docente, permitindo um contraponto entre os discursos presentes nos
documentos oficiais sobre o papel da educação e do professor na sociedade e as vozes desses
profissionais que muitas vezes acabam se apropriando desses discursos enquanto normas
orientadoras de suas práticas docentes. As conclusões da análise apontam para um perfil de
professor vitimizado pelo sistema educacional pelo fato de não conseguir cumprir com as
orientações presentes nos textos institucionais, fazendo com que a imagem projetada por estes
seja divergente da auto-imagem que o professor constrói sobre si.
Palavras-chave: Ensino de Francês Língua Estrangeira. Traços identitários. Documentos
Prescritivos.
RÉSUMÉ
DANTAS, Erika Noel Ribas. De textes institutionnels à l' auto-évaluation: une étude
discursive à propos du professeur de français. Rio de Janeiro, 2013. Thèse (Doctorat en
Lettres Néolatines) – Faculté de Lettres, Rio de Janeiro, 2013.
Cette recherche vise à analyser les matérialités discursives résultant des interviews réalisées
auprès de huit professeurs non-natifs de langue française travaillant dans des écoles qui
appartiennent aux réseaux publics (fédéral, municipal et de l’État de Rio de Janeiro) et dans
un célèbre cours privé de Langue Française ayant comme but celui d'établir un dialogue avec
les textes officiels qui guident l'enseignement de langues étrangères dans la ville de Rio de
Janeiro. Nous avons eu recours à la sociologie de l'éducation de Pierre Bourdieu (1970, 1982)
afin de lancer un débat sur les prescriptions des documents officiels sur l'enseignement des
langues étrangères. Nous avons adopté la Sémiolinguistique de Patrick Charaudeau (2008,
2009) comme base théorique pour analyser l'impact des politiques d'enseignement sur la
formation de l'identité du professionnel de la langue française. Dans ce cadre, les interviews
(ROCHA, DAHER e SANT'ANNA, 2004) nous permettent de récupérer les types de
connaissances qui constituent les traits identitaires des enseignants, ce qui rend possible de
créer un lien entre le discours présent dans les documents officiels concernant le rôle de
l'éducation et de l'enseignant dans notre société et les voix de ces professionnels, qui assument
souvent le discours officiel en tant que des règles qui conduisent leurs pratiques
d'enseignement. Les conclusions de la présente analyse révèlent le profil de l'enseignant en
tant que victime du système éducatif puisqu'il n'est pas en mesure de suivre les instructions
présentes dans les textes institutionnels, où l'image projetée de l’enseignant est différente de
celle projetée par les enseignants eux-mêmes.
Mots-clés: L'enseignement de Français Langue Étrangère. Traits Identitaires. Documents
Normatifs.
ABSTRACT
DANTAS, Erika Noel Ribas. From the Institutional Texts to Self-Report: a discursive
study about the French language teacher. Rio de Janeiro, 2013. Thesis (Doctorate in Neolatin
Languages) – Faculty of Letters, Federal University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.
This research analyzes the discursive materialities taken from the interviews with eight
teachers – all non-native speakers of French, who work in municipal, state or federal public
schools, as well as in the renowned private course of French Language – aiming at
establishing a dialogue with the official texts that guide the teaching of foreign languages in
the city of Rio de Janeiro. We have resorted to the Sociology of Education by Pierre Bourdieu
(1970, 1982) in order to start a debate about the prescriptions of the official documents on the
teaching of foreign languages. We have adopted the semiolinguistics by Patrick Charaudeau
(2008, 2009) as the theoretical basis to analyze the impact of the teaching policies over the
shaping of the professional identity of the French language professional. We believe that the
interviews (ROCHA, DAHER e SANT’ANNA, 2004) allow us to recover the types of
knowledge that constitute the identity traits of the teachers, making it possible for us to create
a counterpart between the discourse present in the official documents about the role of
education and the teacher in society and the voices coming from those professionals, who
many times assume the official discourse as guiding rules for their teaching practices. The
conclusions of the present analysis reveal the profile of the teacher as victim of the education
system as he/she is not able to follow the instructions present in the institutional texts, whose
projected image of a teacher is different from the self-image that the teachers have of
themselves.
Key-Words: French teaching. French as a Foreign Language. Identity Traits. Prescriptive
Documents.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
TABELA 1 – Classificação dos Actantes ........................................................................ 37
TABELA 2 – Contrato de Comunicação ......................................................................... 41
TABELA 3 – Orientações Curriculares para o 9o ano (SME) ......................................... 73
TABELA 4 – Currículo Mínimo 1a série do Ensino Médio (SEEDUC) ........................ 76
TABELA 5 – Projeto Político Pedagógico do Ensino Médio (CP2) ............................... 82
TABELA 6 – Carta de um dos nossos enunciadores endereçada ao SEPE ..................... 90
TABELA 7 – Níveis Comuns de Referência (QECR) ..................................................... 100
TABELA 8 – Salários Profissões Diversas (2006) .......................................................... 104
TABELA 9 – Roteiro de Entrevista ................................................................................. 112
TABELA 10 – Ficha do Colaborador .............................................................................. 114
TABELA 11 – Perfil dos Professores Entrevistados ....................................................... 117
LISTA DE ABREVIATURAS
ENEM Exame Nacional do Ensino Médio
FLE Francês como Língua Estrangeira
LDB Lei de Diretrizes e Bases
LE Língua Estrangeira
MEC Ministério da Educação
PCNEM Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio
PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais
PNLD Programa Nacional do Livro Didático
PPP Projeto Político Pedagógico
SEEDUC Secretaria de Estado de Educação
SEPE Sindicato Estadual de Profissionais de Educação
SME Secretaria Municipal de Educação
QECRL Quadro Europeu Comum de Referência para as
Línguas
SUMARIO
1. INTRODUÇÃO........................................................................................................ 13
2. SER OU NÃO SER: EIS O DILEMA DA QUESTÃO IDENTITÁRIA ........... 27
2.1. IDENTIDADE SOCIAL E IDENTIDADE DISCURSIVA................................... 31
2.2 O CONCEITO DE ETHOS NA TEORIA DE PATRICK CHARAUDEAU......... 33
2.3 OS MODOS DE ORGANIZAÇÃO DO DISCURSO............................................. 34
2.4 O CONTRATO DE COMUNICAÇÃO E AS IDENTIDADES SOCIAL E
DISCURSIVA................................................................................................................ 40
2.5 O CONTRATO DE COMUNICAÇÃO NA SALA DE AULA.............................. 43
2.6 ERA UMA VEZ UMA IDENTIDADE................................................................... 46
2.7 AS MÁSCARAS E OS TRAÇOS IDENTITÁRIOS.............................................. 47
3. OS DOCUMENTOS OFICIAIS E OS REGIMES DE VERDADE ................... 52
3.1 PARAMETROS CURRICULARES NACIONAIS................................................ 52
3.1.1 PCNs de Língua Portuguesa (Ensino Fundamental – 2º ao 5º ano) ........ 52
3.1.2 PCNs de Língua Estrangeira (Ensino Fundamental – 6º ao 9º ano)......... 57
3.1.3 PCNEM de Língua Estrangeira (Ensino Médio – 1ª a 3ª série).............. 59
3.2 A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO DE BOURDIEU E AS DIRETRIZES DO
ENSINO ........................................................................................................................ 61
3.2.1 Breves Comentários ................................................................................. 61
3.2.2 Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio ...................... 68
3.2.3 Orientações Curriculares para a Rede Municipal .................................... 72
3.2.4 Currículo Mínimo elaborado pela Rede Estadual..................................... 75
3.3 PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO (PPP)........................................................ 79
3.3.1 PPP do Colégio Pedro II........................................................................... 79
3.3.2 E os outros PPPs?...................................................................................... 86
3.3.3 (IR) Resolução Número 4746................................................................... 88
3.4 LEI DE DIRETRIZES E BASES (LDB 9394/96).................................................. 93
3.5 O PROFESSOR DE FRANCÊS E OS PROCESSOS DE SELEÇÃO.................. 96
3.6 QUADRO EUROPEU COMUM DE REFERÊNCIA PARA AS LÍNGUAS:
APRENDIZAGEM, ENSINO, AVALIAÇÃO.............................................................. 98
3.7 EFEITOS DE SENTIDO DOS DOCUMENTOS OFICIAIS ................................ 103
4 DELINEANDO OS CORPORA ..................................................................................... 108
4.1 TÉCNICA PARA A COLETA DE DADOS................................................................... 114
4.2 CONHECENDO OS ENUNCIADORES ....................................................................... 116
4.3 CATEGORIAS DE ANALISE ....................................................................................... 118
5 CONJUGANDO ANÁLISES : PRÁTICAS DISCURSIVAS NAS FALAS DO
PROFESSOR DE FLE E ENUNCIADOS SOBRE O TRABALHO ............................. 122
5.1 DISCURSOS SOBRE A FORMAÇÃO PROFISSIONAL............................................. 122
5.1.1 Motivação para estudar a Língua Francesa na Faculdade de Letras................... 122
5.1.2 Estudos Acadêmicos .......................................................................................... 126
5.1.2.1 Estudos Acadêmicos do ponto de vista Narrativo...................................... 126
5.1.2.2 Estudos Acadêmicos do ponto de vista Argumentativo.............................. 137
5.2 DISCURSOS SOBRE O ENSINO DE FRANCÊS COMO LÍNGUA
ESTRANGEIRA ................................................................................................................... 144
5.2.1 O Ensino de FLE no passado e no presente........................................................ 144
5.2.2 O Ensino de FLE no presente e no futuro........................................................... 149
5.2.3 O Status da Disciplina de Língua Francesa......................................................... 155
5.2.3.1 O Status da Disciplina de Língua Francesa do ponto de vista Narrativo.... 155
5.2.3.2 O Status da Disciplina de Língua Francesa do ponto de vista
Argumentativo......................................................................................................... 158
5.2.3.2.1 Do ponto de vista do próprio professor............................................... 158
5.2.3.2.2 Do ponto de vista dos alunos (segundo os enunciadores)................... 162
5.2.3.2.3 Do ponto de vista dos pais dos alunos (segundo os enunciadores)..... 165
5.2.3.2.4 Do ponto de vista dos colegas de trabalho/direção da escola
(segundo os enunciadores).................................................................................. 167
5.2.3.2.5 Do ponto de vista das leis (segundo os enunciadores)......................... 172
5.2.4 Atributos do professor de FLE............................................................................ 174
5.2.5 O Trabalho do professor de FLE......................................................................... 180
5.2.5.1 Como o professor de FLE acha que seu trabalho é visto pelos alunos........ 181
5.2.5.2 Como o professor de FLE acha que seu trabalho é visto pelos colegas...... 183
5.2.5.3 Como o professor de FLE acha que seu trabalho é visto pela sociedade.... 185
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................................
191
7 REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 198
ANEXO A............................................................................................................................. 203
ANEXO B............................................................................................................................. 206
1 INTRODUÇÃO
A presente tese tem como objeto de interesse a relação entre o trabalho do professor
não nativo de línguas estrangeiras, em especial de francês, e a construção de traços
identitários deste profissional. Tal temática justifica-se pela constatação de que a maioria dos
docentes com quem já convivi em minha carreira, em diferentes etapas da vida profissional,
compartilham insatisfações e expectativas frustradas em relação ao ensino de língua e ao seu
papel como trabalhadores da educação, e que também, muitas vezes ainda jovens, adoecem
por conta do estresse, além de outros problemas como uma jornada de trabalho longa e sem a
almejada remuneração. Enquanto pesquisadora oriunda da área de Letras, sinto-me motivada
a refletir sobre os processos da construção identitária.
Obtive minha Graduação no ano de 2005, o que, segundo a divisão a ser por mim
proposta nesta tese, coloca-me na condição de professora em início de carreira. Entretanto,
por já trabalhado em diferentes instituições de ensino, acredito poder sustentar tanto a posição
de pesquisadora, enquanto autora desta tese, quanto à de professora, o que me permite tecer
comentários e reflexões provenientes de minha própria prática docente.
Grande parte da motivação para a elaboração desta pesquisa provém exatamente de
minha experiência enquanto docente de Língua Francesa em diferentes instituições de ensino
do Rio de Janeiro, conforme já mencionado anteriormente, o que tem permitido conviver com
realidades distintas mas com insatisfações semelhantes. Dentre as instituições que compõem a
rede pública de ensino, trarei para o âmbito da pesquisa escolas de cada esfera (estadual,
municipal e federal) a fim de estabelecer comparações pertinentes ao ensino e ao complexo
mundo do profissional de educação. Também exporei minha experiência enquanto professora
da Aliança Francesa, curso privado de ensino de Língua Francesa.
Acredito que analisar questões ligadas ao ensino de Língua Francesa nas escolas
públicas permitirá traçar um panorama desse ensino de maneira ampla e recuperar traços
identitários semelhantes entre os profissionais da rede pública, embora cada escola e cada
rede apresentem suas particularidades. Por outro lado, penso que conhecer a realidade do
trabalho no curso Aliança Francesa e tentar recuperar traços constituintes da identidade do
professor atuante nessa instituição possibilitará identificar um outro perfil de profissional,
com expectativas e insatisfações distintas das dos professores das esferas públicas.
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Nesse sentido, enquanto docente de língua francesa de escolas pertencentes às redes
federal, municipal e estadual bem como do curso privado Aliança Francesa, farei, a seguir,
um autorrelato sobre minhas impressões em cada uma das instituições nas quais atuei.
De 2007 a 2009, tive o prazer de fazer parte do quadro do Colégio Pedro II como
professora contratada. Para ingressar nesse renomado colégio, fui submetida a um processo
seletivo que contou com algumas etapas, sendo as duas primeiras com caráter eliminatório. A
primeira delas foi a análise curricular dos candidatos. A segunda se subdividiu em dois
momentos: redação de um texto em Língua Francesa sobre o tema proposto pela comissão
avaliadora acerca do ensino de língua estrangeira e entrevista feita pela banca, com foco
pedagógico. A última etapa foi realizada pelo setor de recursos humanos e visava a traçar o
perfil do candidato.
Ao integrar seu corpo docente, experienciei situações inéditas em minha jovem
carreira. Assumir turmas com quarenta alunos (pré) adolescentes não é tarefa simples para
uma “iniciante”. Mesmo tendo feito estágio de prática de ensino, não me sentia segura para
assumir uma turma sozinha. Entretanto, o apoio recebido pela equipe de francês e pelos
demais colegas foi crucial para minha permanência na escola e para o meu aprendizado
profissional. Recebi desses colegas informações importantes sobre como agir em
determinadas situações de sala de aula, como preparar as aulas, como preencher diários, etc.
Minha estada nessa escola certamente enriqueceu meu currículo e contribuiu
decisivamente em minha formação. Durante esses dois anos de trabalho, posso relatar que a
estrutura da escola funciona bem, tanto para docentes quanto para os técnico-administrativos.
Primeiramente, o salário dos professores é um dos mais altos – se comparado ao magistério de
outras redes públicas do Rio de Janeiro. Por outro lado, o trabalho do professor é bastante
intenso.
O professor recebe remuneração equivalente a quarenta horas de trabalho que se
subdividem em sala de aula, vinte tempos em média, atendimento aos pais dos alunos,
reuniões pedagógicas semanais, preparação de aulas, entre outros. Em segundo lugar, as
condições de trabalho não eram precárias: havia banheiro limpo e separado para alunos e
professores, ventiladores nas salas, sala de professores com ar condicionado, armários para os
professores guardarem o material, para citar alguns dos pontos positivos. Porém, ainda não
eram as ideais, uma vez que poderia haver: salas diferenciadas para as línguas estrangeiras
com recursos audiovisuais, número menor de alunos por turma, ar-condicionado nas salas de
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aula, etc. Diante desse cenário aqui apresentado brevemente, alguns professores expressavam
suas insatisfações e exigiam melhores condições de trabalho.
Ainda em 2007, e até os dias de hoje, trabalho como professora de francês no curso
Aliança Francesa. Para fazer parte do grupo de professores dessa associação, fiz um curso
preparatório com duração de três semanas promovido pela própria instituição. Ao final delas,
elaborávamos uma aula nos moldes dos ensinamentos da formação que tivemos. Vale a pena
lembrar que nem todos os que participam dessa preparação são selecionados a trabalhar no
curso. Se comparado à realidade das escolas, o ambiente de curso livre é mais tranquilo.
Primeiramente, porque não há mais que quinze alunos por turma, as salas de aula são
equipadas de data-show, computador, quadro interativo, aparelho de som e ar-condicionado.
A maior parte do público-alvo frequenta as aulas porque deseja estudar francês e está ali com
o objetivo de aprender o idioma, havendo raríssimos problemas de indisciplina. Entretanto, há
uma cobrança extrema para que o professor prepare muito bem sua aula, crie muitas
atividades dinâmicas, participe dos cursos de formação oferecidos pela Aliança, trabalhe aos
sábados e esteja disponível para se locomover para qualquer uma das nove filiais do Rio de
Janeiro, situadas em diferentes bairros como Barra da Tijuca, Recreio, Campo Grande,
Botafogo, Ipanema, Copacabana, Centro, Tijuca e Del Castilho.
Em agosto de 2008, fui convocada pela Secretaria de Estado de Educação a assumir
uma matrícula na rede após aprovação em concurso público no ano anterior. Para conseguir
aprovação nesse exame, o candidato deveria acertar no mínimo trinta das sessenta questões de
múltipla escolha. Dentre as sessenta questões, dez verificaram o conhecimento de Língua
Portuguesa, dez testaram os conhecimentos pedagógicos, cinco avaliaram o conhecimento de
legislação e trinta e cinco julgaram o conhecimento de Língua Francesa. Ao me apresentar na
coordenadoria regional, fui informada de que teria que compartilhar três escolas para cumprir
a carga horária de dezesseis horas semanais, ou seja, doze tempos em sala de aula. Entretanto,
era de se esperar que isso acontecesse pois no mês de agosto, as vagas “ociosas” são poucas.
O ideal seria ingressar no início do ano letivo, não só para alinhar o horário do professor ao da
escola mas também para conhecer os alunos desde as primeiras aulas e estabelecer um ritmo
de trabalho em conjunto.
Conformada com essa tripla missão, faltava enfrentar mais um desafio: o público
noturno. Mais uma vez me senti uma “iniciante” na arte da docência. Estava me adaptando
com os adolescentes, com a forma de lidar com eles e de repente encaro uma turma com
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cinquenta alunos, a maioria com idade mais avançada do que a minha, com experiências de
vida diferentes umas das outras, com outras preocupações e anseios, além do fato de lidar com
alunos que trabalharam oito horas (ou mais) antes de chegar à sala de aula. O que mais me
chamou a atenção foi o caráter disciplina. Durante as aulas, os alunos se comportavam muito
bem, me respeitavam apesar de eu ser bem mais jovem do que eles. Apresentavam interesse
em descobrir o francês e os aspectos dessa cultura. A aula transcorria sem ter que pedir
silêncio ou colocar um aluno para fora de sala, como aconteceu muitas vezes comigo e outros
colegas que trabalham no ensino fundamental e médio diurnos.
Por outro lado, senti que o foco das aulas tinha que ser outro, ou seja, diferente do
público adolescente. Muitos alunos argumentavam que mal sabiam o português e que o
francês seria ainda mais difícil. Diante desses comentários, pensei em partir para um trabalho
de suporte à Língua Portuguesa. Nas primeiras aulas, trabalhava expressões de saudação,
diálogos de apresentação, aspectos culturais. Em seguida, introduzia textos curtos e aplicava
as técnicas de leitura instrumental junto aos alunos. Ao fim do ano letivo, vi alguns alunos
progredirem e se encantarem com o francês. O problema é que no ano posterior esse
aprendizado era interrompido, pois a língua oferecida para a série seguinte passava a ser o
inglês ou o espanhol. Sobre as condições de trabalho, posso enfatizar que as escolas não
dispunham de instalações próprias, já que eram compartilhadas com a rede municipal, as salas
de aula eram compostas por cadeiras, quadro branco e alguns ventiladores, que ora
funcionavam ora não, a situação dos banheiros também não era muito boa.
No que tange aos professores de disciplinas consideradas “essenciais”, e portanto, em
maior número, muitos, como os professores de matemática, apesar de serem em quantidade
bastante superior aos de língua estrangeira, não tinham um dia em comum para se
encontrarem e refletirem sobre aspectos pedagógicos. Não havia preocupação em organizar o
quadro de horário de maneira que colegas da mesma área e/ou de áreas afins pudessem se
encontrar em um mesmo dia. No meu caso, por exemplo, em diversos momentos fui a única
professora de francês da(s) escola(s) e não tinha com quem trocar experiências, elaborar
provas, realizar planejamento anual, etc.
Sem mencionar o salário do professor, assunto que sempre gerava (e gera, em várias
esferas educacionais) insatisfação e lamento na sala dos professores. Em contrapartida,
poderia ressaltar que o trabalho com adultos era menos desgastante já que os alunos eram
“disciplinados”. O professor precisa ter mais paciência para lidar com o público noturno, ou
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porquê muitas vezes ficou sem estudar durante muitos anos consecutivos ou porquê chega à
escola cansado de uma árdua jornada de trabalho e compreender que o ritmo de trabalho deve
ser menos acelerado, até mesmo porque a carga horária das aulas é menor que a de um curso
diurno.
Em 2011, fui também convocada a atuar na rede municipal. Dessa vez, a vaga era para
professora de Língua Portuguesa, cabendo relembrar que desde 1992 não há concurso para
professor de francês no município do Rio de Janeiro. Ao comparecer à coordenadoria
regional, tive a sorte de encontrar uma escola de referência no bairro onde resido. A estrutura
da escola era muito boa: equipe administrativa atuante, diretores presentes, integração entre
pais e professores, merenda de qualidade, salas e banheiros limpos. A contrapartida era o
número excessivo de alunos, quarenta e cinco em média, os ventiladores não eram suficientes
para refrescar as salas, o trabalho exaustivo ao qual o professor era submetido, não só pela
indisciplina dos alunos mas também pelos vários relatórios que deveriam ser preenchidos, por
exemplo.
A questão salarial também era motivo de revolta entre os professores, os quais
deveriam cumprir as mesmas dezesseis horas semanais, ou seja, doze tempos em sala de aula,
mas a rede municipal demanda um maior engajamento do professor, fazendo com que ele
elabore mais projetos pedagógicos, preencha formulários em que constem pormenores de sua
preparação de aula e do desenvolvimento do aluno, atendimento aos pais com regularidade,
etc. Talvez por essa razão o salário do professor da rede municipal seja mais elevado que o
salário do professor da rede estadual. Aquela rede exige uma dedicação maior do professor
para lidar com assuntos que extrapolam o espaço da sala de aula. Mais uma vez, me senti uma
novata na arte de ensinar, já que nunca tinha trabalhado com Língua Portuguesa. No entanto,
já havia tido experiência com os (pré) adolescentes e pude me servir dela para estabelecer um
bom relacionamento com os alunos. Devo relatar que minha passagem nessa escola durou
apenas três meses devido à aprovação em outro concurso.
Gostaríamos de esclarecer que não pretendemos com essas três exemplificações
mapear a realidade de toda a rede pública do Rio de Janeiro. Cada escola tem a sua realidade
particular, seus desafios, seus valores. Apenas relatamos as experiências vividas, as quais
foram ponto de partida para a posterior comparação a ser realizada nesta tese com as
vivências de outros professores dessas mesmas redes para, assim, possivelmente,
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conseguirmos traçar um panorama de como é o trabalho do professor de francês na cidade do
Rio de Janeiro, quais desafios ele precisa enfrentar e quais objetivos ele gostaria de alcançar.
Esta tese, portanto, conta com uma motivação particular baseada em observações que
fiz em minha atuação enquanto professora em diferentes instituições de ensino no Rio de
Janeiro. Dentre as instituições, estão elencados tanto colégios de prestígio social quanto
aqueles com menos notoriedade.
Em muitos momentos, dentro dessas instituições, deparei-me com algumas
reclamações recorrentes vindas de professores. Algumas delas tangiam à questão financeira, à
carência de material para trabalhar, à falta de infraestrutura, à jornada intensa de trabalho, à
desvalorização profissional, entre outras. Certamente, essas questões de cunho mais prático
fazem parte do cotidiano de muitos professores, incluída aí minha própria experiência pessoal.
Confesso ter ficado um pouco decepcionada ao ver que os professores de instituições
de renome se queixavam de problemas semelhantes aos das outras instituições. Essa decepção
é decorrente do fato de pensar que, para o professor de francês, o auge da carreira seria passar
em um concurso para uma dessas escolas federais, considerando-se que o salário é mais alto
que nas outras esferas públicas e que algumas dessas escolas ainda conservam certo prestígio
na sociedade. Para outro grupo, talvez o ápice da carreira seja a de professor universitário.
Entretanto, alguns fatores o distanciam desse objetivo. Dentre eles, o fato de que para seguir
carreira acadêmica, exige-se, com muita frequência, que o candidato possua um diploma de
doutorado e, infelizmente, muitos professores não dispõem de tempo para dar continuidade
aos estudos.
Comecei então a questionar de onde viria esse prestígio, já que os problemas eram
comuns e as queixas semelhantes. Falando em prestígio, pude notar que trabalhar no curso
privado Aliança Francesa também era sinônimo de fascinação, de importância social,
enquanto o trabalho nos outros cursos privados de língua não era tão bem reconhecido.
Minha experiência em diversas instituições permitiu-me sentir de perto esse
reconhecimento/desprezo, essa indiferença da sociedade. Não entendia a razão dessa
conceitualização, uma vez que eu achava que fosse a mesma professora, com a mesma
formação, com os mesmos ideais, mas em ambientes distintos.
Visto que essa inquietação era muito recorrente em minha vida, tanto pessoal quanto
profissional, comecei a procurar trabalhos que abordassem essas questões.
Surpreendentemente, identifiquei que poucas pesquisas estavam sendo desenvolvidas acerca
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dessa temática. Em Língua Espanhola e em Língua Inglesa, consegui descobrir alguns
trabalhos, mas em Língua Francesa, poucas dissertações e teses abrangiam o trabalho desse
profissional.
Nessa mesma época, estava pensando em começar o curso de doutorado. Não hesitei
em propor à minha orientadora uma proposta tão desafiadora quanto à de querer analisar o
trabalho do professor de Língua Francesa na cidade do Rio de Janeiro tendo em vista suas
angústias e seu status social.
Em nossas pesquisas, pudemos notar que, nos últimos anos, a sala de aula foi objeto de
estudo em diversas tentativas de melhor compreender as práticas educacionais, a
aprendizagem escolar e a eficácia no ensino. Há alguns ensaios sobre metodologias de ensino,
dissonâncias entre teoria e prática, reformulação de currículos, entre outros. Os resultados
desses estudos apontam questões que merecem ser analisadas, tais como as políticas
escolares, a formação inicial e continuada dos professores, bem como o trabalho do professor
e o ambiente em que circula na execução de suas tarefas profissionais (MOITA LOPES, 1996;
DAHER E SANT'ANNA, 2009; FREITAS, 2010; COSTA, 2012), etc.
Considerando-se que o trabalho, a linguagem e a vida humana estão intimamente
relacionados e a todo instante passam por um processo de reelaboração e transformação,
buscamos com essa pesquisa realizar um estudo sobre a formação identitária do professor de
francês língua estrangeira atuante em um renomado curso de Língua Francesa e nas escolas
públicas das esferas estadual, federal e municipal da cidade do Rio de Janeiro o qual, após
concorrida seleção em concurso público, já inicia sua trajetória consciente da “crise
educacional” – presente nos discursos midiáticos e pedagógicos, assim como no dia a dia
escolar.
Para alcançar os objetivos propostos, seguiremos como primeiro passo metodológico a
realização do mapeamento dos professores formados na cidade do Rio de Janeiro a partir do
ano 2000 – que serão considerados em início de carreira – e professores que estejam, no
máximo, há dez anos de se aposentar – que serão considerados em fim de carreira. Após essa
inicial configuração do panorama no qual se insere o trabalho dos professores na cidade do
Rio de Janeiro, os limites impostos pela presente investigação exigirão a definição de nossos
sujeitos de pesquisa.
Através da obtenção dos dados coletados em entrevistas fornecidas por professores de
francês de algumas instituições de ensino, um possível mapeamento sobre as identidades dos
20
professores de francês do Rio de Janeiro em início e fim de carreira poderá ser traçado, a fim
de conhecer melhor esse profissional da educação em sua amplitude e contribuir para que
algumas inquietações possam ser apaziguadas e novos rumos pleiteados.
Dentre os temas que se destacam no meio acadêmico no que tange às línguas
estrangeiras, tais como manuais didáticos, estratégias de ensino-aprendizagem, compreensão
leitora, identidade do professor, entre outros, indagamo-nos, portanto, quais razões têm levado
alguns pesquisadores a estudar a questão da identidade do professor aliada ao seu campo de
trabalho.
Decerto, a questão identitária do profissional aliada ao campo de trabalho merece
destaque na presente tese, visto que é através da fala do professor sobre a sua atividade
docente que esperamos recuperar possíveis sentidos que se inscrevem na realidade discursiva
e que permitem o acesso a uma melhor compreensão da organização do trabalho.
De antemão, devemos considerar que, no atual contexto de mudanças culturais,
sociais, econômicas, políticas e tecnológicas, a temática das identidades vem ganhando
espaço. Amplamente debatida na área das ciências sociais, a chamada “crise da identidade”
associada à ideologia da globalização é vista como parte de um processo de mudança que,
segundo Stuart Hall (1998, p. 7), “está deslocando as estruturas e processos centrais das
sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma
ancoragem estável no mundo social”. O enfrentamento da heterogeneidade da vida humana e
a tentativa de compreender as grandes transformações aludidas anteriormente possibilitam
que o interesse pelas questões identitárias da vida social contemporânea conquiste um lugar
de destaque, tanto nas diversas disciplinas acadêmicas, como nos meios midiáticos (MOITA
LOPES, 2003).
Voltados ainda para o contexto atual, cujo marco está na constante indagação sobre
quem somos ou por que agimos desta e não daquela maneira, também se insere o seguinte
questionamento: por que escolhemos esta ou aquela profissão? Reflexões de cunho
sociológico mostram que o trabalho, tradicionalmente associado à ideia de um projeto de vida
e concebido como fundamento ético da sociedade, adquire novos sentidos na
contemporaneidade. Cada vez mais, revela-se a insegurança dos indivíduos diante da
precariedade das condições de trabalho em uma época na qual predominam sentidos como
“produtividade”, “competitividade” e “individualidade” (BAUMAN, 2001, p.160).
21
...a questão do aperfeiçoamento não é mais um empreendimento coletivo, mas
individual; são homens e mulheres individuais que as suas próprias custas deverão
usar, individualmente, seu próprio juízo, recursos e indústria para elevar-se a uma
condição mais satisfatória e deixar para trás qualquer aspecto de sua condição
presente de que se ressintam. (BAUMAN, 2001, p.155)
Nesse sentido, a questão do êxito profissional, nos dias atuais, é deslocada para o
âmbito da vida pessoal, isto é, trata-se, sobretudo de um empreendimento individual, cujas
supostas conquistas ou derrotas são atribuídas ao esforço de cada um. Segundo Bauman
(2001), em tempos de enorme instabilidade e precariedade das condições de trabalho, este,
elevado ao posto de principal valor na modernidade, perde cada vez mais o seu status de eixo
seguro em torno do qual se envolviam identidades e projetos de vida, dando lugar a sua
utilização precária e de curto prazo.
Em nosso país, as precárias condições de trabalho atingem de uma forma aguda os
profissionais da educação. Neste caso, tal precariedade não se dá exclusivamente no âmbito
da remuneração financeira, mas também no das condições básicas oferecidas para que o
trabalho se realize. Referimo-nos à precariedade das condições sociais em sentido mais amplo
que se reproduzem no ambiente da escola e no contexto em que ela se insere de várias
maneiras.
É diante deste panorama, designado por Coracini (2003, p. 14) como uma época em
que “a identidade do sujeito-professor parece perdida em um contexto de perdas – perda de
poder aquisitivo, perda de reconhecimento, perda de respeito, perda de ânimo...”, que
consideramos como desafio refletir sobre os traços da identidade profissional do professor de
francês.
Em nosso caso, enquanto professores, percebemos nitidamente certo descaso, não só
se tratando da questão financeira mas também de uma certa desvalorização em relação a essa
profissão, podendo ser acentuada no caso específico do professor de Francês como língua
estrangeira, uma vez que alguns discursos apontam para sua depreciação. A título de exemplo,
citaremos algumas situações motivadoras dessa afirmação. Como já afirmado, trabalhei como
professora contratada no Colégio Pedro II em 2007 e 2008, experiência que tem me levado a
refletir sobre minha profissão e sua relevância. Na referida escola, escutava a todo o momento
frases como estas: “Professora, por que você escolheu essa profissão? “Para que eu tenho que
estudar francês se nunca vou usar isso na minha vida?” Além de sentir, por parte de colegas
de trabalho e/ou técnico-administrativos, que a disciplina era vista como menos importante na
22
formação do alunado, a começar pela carga horária, pela distribuição dos horários e por sua
falta de destaque durante os “famosos” Conselhos de Classe, momento esse em que
professores e coordenadores pedagógicos discutem sobre o rendimento escolar dos alunos.
Um outro exemplo é o do concurso para professores realizado no Estado do Rio de
Janeiro em 2008. Além das poucas vagas oferecidas para a disciplina em questão, alguns
diretores de escolas se recusaram a receber concursados, alegando que aceitariam somente
professores de inglês ou espanhol. Nesse sentido, há um consenso de que o “tempo” do
francês já passou, que sua fase áurea se extinguiu. Isso nos faz pensar na existência de
diferenças identitárias e discursivas entre o professor de inglês, de espanhol e de francês. A
constatação de que o francês está démodé também foi feita pelos órgãos responsáveis pelo
Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM), que limitou a opção de língua estrangeira em
inglês e espanhol nos anos de 2010, 2011 e 2012. Infelizmente as provas a serem aplicadas
em outubro de 2013 também não oferecerão a Língua Francesa dentre as opções de língua
estrangeira. Em contrapartida, para minha surpresa, a recepção do francês pela maioria dos
alunos das escolas da rede estadual em que trabalho é bastante satisfatória. De uma maneira
geral, os alunos do curso noturno são interessados e têm consciência de que o mercado de
trabalho está cada vez mais exigente quanto à qualificação do profissional.
Essa situação nos faz lembrar as reflexões de Paulo Rónai (1975,1992) sobre seu
aprendizado de latim e de francês. Ele comenta que todo ano havia uma discussão se o latim
deveria continuar ou ser excluído do currículo. Com a reforma do antigo ensino secundário, o
latim acabou sendo abolido, mas o autor alega que tal exclusão não trouxe melhora alguma ao
ensino. Ele argumenta que se a “inutilidade” de um estudo é motivo suficiente para suprimi-
lo, o primeiro a ser banido deveria ser o de português, já que as novas gerações conhecem
muito menos a própria língua que as gerações passadas. Em outro episódio, Rónai narra que a
reforma proposta para o ensino também incita que uma única língua estrangeira seja oferecida
aos alunos, que deverão escolher entre o inglês e o francês. A justificativa para adotar tal
medida é que os alunos terminam o percurso escolar com reduzidos conhecimentos de ambas
as línguas. Por isso, pensou-se em priorizar um único idioma. O autor critica essa postura pois
em sua opinião, o que precisaria mudar é a organização escolar, que deveria ser menos
burocrática e mais pedagógica. Ele acreditava que, mudando o foco da aprendizagem de
línguas para uma vertente voltada para a compreensão de textos e para os aspectos culturais, o
resultado poderia ser mais eficaz. A conclusão a que chega após a extinção do latim e da
23
opção de estudo de apenas uma língua estrangeira, que elegia o inglês devido à influência
norte-americana, é não perceber qualquer modificação benéfica na vida dos alunos. Nas
palavras do próprio autor:
... Não fora melhor, por uma vez, deixar as coisas como estão, ou então modificar
não as matérias do ensino, mas os seus métodos? Tínhamos a sorte de existirem em
nossos programas duas línguas-chaves, poderosos veículos de cultura, não ligados a
nenhum forte bloco de imigrantes e incapazes, pois, de ajudar a formação de
quesitos resistentes ao abrasileiramento; meios de expressão de duas civilizações de
efeitos fecundos enquanto se completam e se equilibram, ligando-nos à Europa e à
América, harmonizando o antigo e o novo, fundindo tradições e amizades. Se não
estivesse ao nosso alcance, teríamos de inventá-los. (RÓNAI, 1992, p. 64)
Aliás, Pierre Bourdieu (1970, 2008) também fez uma crítica feroz à estrutura escolar
meritocrática e democrática que supunha que por meio da escola pública todos os indivíduos
concorreriam com condições iguais e aqueles que se destacassem ocupariam carreiras de
destaque na hierarquia social, supondo assim a existência de uma escola “neutra” que faria
sua seleção de forma “racional”. Bourdieu questionou as ações pedagógicas no contexto
escolar, ressaltando que essas ajudavam a reproduzir a cultura dominante e reforçavam suas
relações de força, legitimando a desigualdade entre as classes. Ao fazer essa constatação, o
autor aponta a necessidade de uma análise mais aprofundada do currículo escolar, dos
métodos pedagógicos e da avaliação escolar.
... Se não é fácil perceber simultaneamente a autonomia relativa do sistema de
ensino e sua dependência relativa à estrutura das relações de classe é porque, entre
outras razões, a percepção das funções de classe do sistema de ensino está associada
na tradição teórica de uma representação instrumentalista das relações entre Escola e
as classes dominantes, enquanto que a análise das características de estrutura e de
funcionamento que o sistema de ensino deve à sua função própria tem quase sempre
tido por contrapartida a cegueira face às relações entre a Escola e as classes sociais,
como se a comprovação da autonomia supusesse a ilusão da neutralidade do sistema
de ensino. (BOURDIEU e PASSERON, 2008, p. 229)
Em relação à “extinção” da Língua Francesa, há um paradoxo latente. Nunca vimos
tantas empresas francesas investindo no Brasil, e até mesmo instalando aqui suas filiais, tais
como Carrefour, Sanofi-Aventis, Peugeot Citroën, Renault, Medley e outras 4951, o que
demanda profissionais qualificados que tenham domínio dessa língua estrangeira. Além da
crescente procura por cursos de Pós-Graduação que solicitam o conhecimento instrumental de
línguas estrangeiras, sendo em alguns casos, a Língua Francesa. Citamos ainda que a
flexibilidade das universidades francesas em receber alunos estrangeiros tem atraído muitos
1 Dado fornecido pelo diretor-geral no Brasil da Ubifrance (Agência pública Francesa para o Desenvolvimento
Internacional das Empresas), Eric Fajole, em 29 de setembro de 2011, durante a terceira edição do Seminário
Jurídico Franco-Brasileiro, realizada em São Paulo.
24
brasileiros. Para visualizarmos em números, o que estamos dizendo, 40% dos convênios
assinados entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro e as instituições estrangeiras com as
quais estabelece o intercâmbio de alunos foram firmados com a França, segundo os dados
veiculados pelo Setor de Convênios e Relações Internacionais da UFRJ (SCRI) no ano de
20112. Não podemos negligenciar que parte desse resultado tem a ver com o fato de as
universidades francesas não cobrarem taxas (mensalidades) dos alunos brasileiros oriundos de
universidades parceiras. De qualquer forma, a atração com a França continua a se fazer
presente.
Há pois uma crescente procura pelo idioma cujo estudo, no passado, estava aliado ao
poder aquisitivo do interessado, sendo consensual a opinião de que somente ricos e cultos
escolhiam tal língua. Entretanto, atualmente, vemos a política de expansão das Alianças
Francesas, apostando fortemente em áreas jamais atendidas, como nos bairros de Del
Castilho, Barra da Tijuca e Recreio, e a reabertura de filial de Campo Grande, que
conheceram enorme sucesso.
Mesmo diante de algumas afirmações, que aqui não julgamos verdadeiras ou falsas,
não queremos pensar o professor, mais especificamente os dedicados ao ensino da Língua
Francesa como língua estrangeira na cidade do Rio de Janeiro, como vítima das políticas
educacionais. Optamos por pensar de que modo ele tem dialogado com essas vozes que
desvalorizam seu trabalho.
Acreditamos que investigar como os professores de francês rememoram seu processo
de aprendizagem da Língua Francesa: os manuais utilizados, os métodos, as habilidades
desenvolvidas, a ênfase em tal ou qual habilidade, o que a aprendizagem do francês
representava para eles (à época) e a importância desse aprendizado para sua trajetória
profissional e mesmo existencial, fazendo um mapeamento da mentalidade que os caracteriza,
nos ajudaria a recuperar possíveis saberes que se entrelaçam na criação dos traços da
identidade profissional desse professor e dialogam com a trajetória docente. Em outro âmbito,
desenvolver o mesmo trabalho com professores de Língua Francesa em início de carreira nos
faria projetar uma “memória do futuro”, visando assim reconstruir as relações entre as
práticas linguageiras que constituem o mundo do trabalho, de tal modo que novos saberes
possam constituir o trabalho dos docentes que iniciam sua trajetória profissional.
2 Informação extraída do site www.scri.ufrj.br
25
Ao propor uma análise acerca da construção identitária, esperamos contribuir para a
compreensão dos traços da identidade profissional do professor de língua estrangeira,
promover o conhecimento de assuntos ligados ao ensino e ao professor de língua estrangeira
em diferentes etapas da vida profissional e colaborar para o desenvolvimento teórico e
metodológico de pesquisas voltadas para a recuperação de “sentidos” através da fala do
trabalhador sobre o seu ofício.
Ao trazer as vozes dos professores para esse trabalho através dos autorrelato, seremos
levados a conhecer as impressões desse profissional em relação a sua prática pedagógica ao
longo da história bem como recuperar os discursos circulantes na sociedade e nos documentos
oficiais norteadores do ensino, permitindo-nos assim fazer um mapeamento da representação
imaginária do tema sob o olhar daquele que fala sobre o seu próprio agir, sobre o seu próprio
trabalho.
Para o desenvolvimento deste trabalho, propomos uma organização em cinco
capítulos. Iniciando a discussão, trazemos, no segundo capítulo, alguns aspectos teóricos
sobre a questão identitária à luz da análise do discurso de base enunciativa, sobretudo levando
em consideração a atividade do profissional de Língua Francesa. Teremos como apoio alguns
princípios preconizados por Patrick Charaudeau (1992, 1993, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007,
2008, 2009), sobretudo no que tange aos conceitos de linguagem, discurso e identidade.
No terceiro capítulo, abordamos, em uma perspectiva discursiva da linguagem, o que
dizem os documentos oficiais que norteiam o ensino em nosso país no que tange ao ensino de
língua estrangeira e ao papel do professor, fazendo-os dialogar com os conceitos trazidos por
Pierre Bourdieu (1970, 1979, 1982, 1994, 1998), tais como violência simbólica, capital
cultural e habitus. Resgataremos o conceito de globalização, de maneira geral, segundo o
olhar de Jameson (2001). Em um segundo momento, discutiremos a presença deste conceito
nas entrelinhas dos documentos prescritivos cujas propostas estão relacionadas à
implementação de abordagens metodológicas “inovadoras” como condição essencial para o
sucesso do aluno e da Educação, atribuindo mais uma vez ao professor a responsabilidade
pelo processo educativo.
No quarto capítulo, de caráter metodológico, descrevemos a metodologia usada na
obtenção dos dados, apresentamos os sujeitos da pesquisa e explicamos como os dados foram
analisados. Para elaborarmos o nosso corpus, recorremos à entrevista agregada a uma
pesquisa de campo inspirada na análise de situações de trabalho.
26
A entrevista, concebida como um dispositivo metodológico capaz de propiciar a fala
dos professores sobre seu trabalho (LACOSTE, 1998), ocupa lugar de destaque na presente
investigação. Seguindo a concepção dialógica da linguagem (BAKHTIN, 1992, 2000), nessa
etapa, não temos como objetivo a revelação de verdades encobertas, mas propiciar um espaço
de diálogo entre pesquisador / trabalhador e mais, um diálogo entre os possíveis sentidos que
constituem os discursos – anteriores à situação de entrevista- sobre o trabalho do professor.
Em seguida, durante a atividade de coleta de dados propriamente dita, os enunciadores leram
textos sobre a temática da educação e exprimiram sua opinião sobre o assunto, além de
responderem a um questionário por escrito narrando suas práticas enquanto docentes.
No quinto capítulo, examinamos os dados obtidos nas entrevistas à luz de Patrick
Charaudeau (2008) e os diferentes procedimentos de enunciação aliados aos modos de
organização discursivos, relacionando esses dados às questões que aqui trazemos e aos
objetivos dessa pesquisa e apontando possíveis traços da construção da identidade do
profissional da educação.
Concluímos expondo uma comparação entre os diferentes grupos de colaboradores da
pesquisa, comentando o papel do professor nos dias de hoje.
Delineadas as considerações iniciais desta pesquisa, começamos, no segundo capítulo,
a debater as correntes teóricas que embasam o trabalho no que tange à questão da identidade.
2 SER E NÃO SER: EIS O DILEMA DA QUESTÃO IDENTITÁRIA
Nesse capítulo, temos como objeto de interesse promover a discussão sobre o conceito
de identidade. Não temos a ambição de defini-lo nem de trazer informações conclusivas, já
que esse é “demasiadamente complexo, muito pouco desenvolvido e muito pouco
compreendido na ciência social contemporânea para ser definitivamente posto à prova.”
(Woodward, 2000). Tentaremos expor a opinião de alguns autores acerca desse tema e aliá-las
ao nosso objeto de estudo, buscando assim desvelar pedaços do “mosaico” constituintes da
identidade do professor de francês na cidade do Rio de Janeiro.
Logo de início, nos deparamos, dentre as perspectivas identitárias, com o embate
existente entre a abordagem essencialista e a abordagem não essencialista (Woodward, 2000).
Para os essencialistas, a identidade é fixa, imutável. O sujeito nasce com uma identidade e ao
longo de sua vida permanece com ela, unificada e estável. Dessa concepção provém o desejo
de querer “desvendar” a identidade do sujeito. Vale lembrar que no Iluminismo o sujeito era
visto como indivíduo dotado de razão, de consciência e cujo centro era a sua identidade.
Dessa inspiração deve ter nascido a corrente essencialista.
Rebatendo essa corrente com pressupostos “individualistas”, a contracorrente surge
para revelar uma nova face do sujeito. Os não essencialistas defendem a ideia de sujeito
fragmentado, composto de inúmeras identidades, até mesmo contraditórias. A identidade é
vista como algo em construção, mutável de acordo com as relações do sujeito com o mundo.
Também podemos destacar que essa forma de conceber a identidade está pautada na ideia de
sujeito pós-moderno, variável, problemático. Segundo Hall (1998), o sujeito assume
identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor
de um “eu” coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando-nos para
diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente
deslocadas.
O que estamos tentando mostrar é que os próprios conceitos são passíveis de
transformação histórica. Nas sociedades tradicionais, valorizava-se a perpetuação das
tradições, das experiências passadas para as gerações futuras. Daí a crença de uma identidade
cultural “coletiva”. Nas sociedades modernas, as mudanças e as diferenças são intrínsecas às
relações sociais. Talvez a base dessas sociedades tenha sido diretamente influenciada pelo
fenômeno da globalização, que tem o poder de expor as culturas nacionais e fazê-las se
influenciarem por outras culturas. Logo, seria relevante pensar que com o “bombardeamento”
28
de diferentes culturas, as identidades terminariam se desvinculando, se fragmentando, não
podendo mais se pensar em uma identidade completa, segura.
Assim, a globalização poderia ser vista como um processo capaz de modificar
contextos, de romper barreiras locais e atravessar as fronteiras nacionais, integrando e
conectando culturas, tornando o mundo mais interconectado.
Decerto que as recentes reformas no modelo educacional levaram em consideração as
premissas do “mundo moderno” decorrentes do fenômeno da globalização. Dentre as
preocupações que tangenciam a Educação no país, uma das inquietações latentes nesse
momento para os estudiosos deste campo é descobrir como a escola se adequará a esse novo
perfil de alunado e de que meios disporá para preparar o profissional da educação para essa
nova realidade.
Com o avanço tecnológico, as tecnologias da educação e da informação estão
fortemente presentes na vida de grande parte dos cidadãos. Crianças e jovens são habituados a
ter contato com equipamentos tecnológicos desde cedo e esses acabam se tornando
“indispensáveis” às suas vidas. Com isso, os alunos criam a expectativa de que a escola se
tornará um laboratório de alta tecnologia, que as salas de aula serão equipadas com os mais
modernos recursos didáticos e que o professor dominará todas as ferramentas colocadas à sua
disposição com facilidade.
Entretanto, esse modelo de escola ainda está bastante distante da realidade da maioria
dos alunos brasileiros. Certamente que a escola brasileira precisa estabelecer estratégias que
mobilizem o aluno a ter interesse pelos estudos, que dialogue com as expectativas do seu
público-alvo. Os documentos oficiais que norteiam o ensino no país têm abordado essa
questão e reconhecem a necessidade de renovação, de modificação no sistema escolar. Porém,
na prática, o professor acaba sendo responsabilizado pelo fracasso no ensino por não
conseguir despertar o interesse do aluno, por não ministrar uma aula “espetacular”. Todavia, o
que não se comenta é que o professor não recebeu formação para lidar com esse novo público
nem dispõe de recursos e tempo para preparar uma aula nos moldes dos textos prescritivos
sobre Educação.
Retomando a temática da identidade, à luz de Hall e Woodward, começamos a
desmistificar a interrogação que outrora fora uma de nossas inquietações. Buscávamos
entender como o professor de francês era visto de maneiras distintas em cada instituição de
ensino e até pensamos em recuperar a identidade desse profissional. Porém, segundo esses
29
autores, não se deve falar em identidade, uma vez que o sujeito é plural, composto de
inúmeras identidades. Assim, em cada situação e momento da vida, o sujeito assume
diferentes identidades. Para Hall (2000, p. 109), as identidades se constroem dentro do
discurso, “locais históricos e institucionais específicos, no interior de formações e práticas
discursivas específicas.”.
Seguindo a orientação de Hall, é chegado o momento de introduzirmos os estudos das
identidades do sujeito do ponto de vista discursivo. Tomando por base a teoria de Patrick
Charaudeau e seu trabalho na área de análise do discurso de base enunciativa, buscamos em
sua obra textos que abordassem a questão identitária.
No artigo Identidade social e identidade discursiva, o fundamento da competência
comunicativa (2009), Charaudeau postula a existência de um sujeito construído por dois tipos
de identidade: a social e a discursiva. Segundo Charaudeau, identidade é o que permite ao
sujeito tomar consciência de sua existência, implicando assim a tomada de consciência de si
mesmo. Para ele, o sujeito se constrói através de sua identidade discursiva mas explica que a
mesma é proveniente de uma identidade social, ou seja, a identidade discursiva se constrói na
base da identidade social.
Seguindo essa linha de raciocínio, para que haja essa tomada de consciência, o sujeito
precisa perceber que é diferente em relação ao outro. Após essa constatação, sua consciência
identitária poderá vir à tona, visto que ele vai “ser o que o outro não é” – e quanto mais forte
for essa consciência do outro mais fortemente se construirá a sua própria identidade. Eis o
princípio da alteridade. Vale a pena ressaltar que essa relação ao outro poderá fazê-lo se
reconhecer semelhante ou diferente.
Para que um se reconheça como semelhante ao outro, é preciso que compartilhem as
mesmas motivações e intenções, ainda que parcialmente. Ao contrário, para que o sujeito se
reconheça como diferente do outro, é preciso que cada um desempenhe o seu papel com
intenções diferentes das do outro. Pensamos, como ilustração para essa explicação, em um
contexto acadêmico em que ocorra uma palestra. O palestrante tem a intenção de trazer
alguma informação nova e o participante a de aprender algum dado novo.
Decerto que tanto um quanto outro estará em permanente análise sobre o outro, se
reconhecendo ou se diferenciando do outro. É desse cruzamento de olhares que se constrói a
identidade. O autor traz ainda uma citação de E. Benveniste muito pertinente que exemplifica
30
o que está buscando debater, que “não há eu sem tu, nem tu sem eu, o tu constitui o eu.”
(Charaudeau, 2009, p. 309)
Sem dúvida que o sujeito, ao analisar o outro e se reconhecer diferente, vai iniciar um
processo de atração e de rejeição ao outro. O de atração porque tenha desejado ser como o
outro, de se reconhecer inacabado. No entanto, ao se perceber imperfeito, poderá se sentir
ameaçado, uma vez que o outro é o que ele não é, deixando-o inseguro, o que gera o processo
de rejeição.
Woodward (2000) comenta uma história contada pelo escritor e radialista Michael
Ignatieff ocorrida na antiga Iugoslávia, em que servos e croatas, dois povos com mais de
cinqüenta anos de unidade política e econômica, continuam se considerando “inimigos”. Ao
conversar com um miliciano sérvio, descobriu que a razão desse conflito provém do fato de os
croatas se postularem melhores que os sérvios apesar de “serem os mesmos”. No entanto, o
soldado sérvio reconhece que ambos pertencem a uma mesma unidade nacional, já que “são
os mesmos” mas não se reconhecem “os mesmos” no dia a dia pois cada grupo apresenta suas
particularidades. Dentre essas, ele cita que soldados croatas fumam cigarros croatas e
soldados sérvios fumam cigarros sérvios. Mais uma vez notamos que os símbolos marcam a
identidade. Logo, a identidade sérvia depende da identidade croata para existir, pois ser um
sérvio é ser um não croata. Aí reside a diferença, diferença essa pautada na negação da
existência de traços comuns às duas identidades.
Segundo Silva (2000), não há como definirmos identidade sem pensar na diferença
pois “a diferença é parte ativa da formação da identidade”. Nesse sentido, ao definirmos “o
que somos” deixamos claro também “aquilo que não somos”. Por isso, ao delimitarmos essa
fronteira, acabamos por demarcar uma relação de poder entre “nós” e “eles”.
É nessa situação contraditória que se constrói a identidade. Precisamos do outro em
sua diferença para nos darmos conta de nossa existência. Porém, para nos sentirmos menos
ameaçados, tentamos ser semelhante ao outro ou tentamos rejeitá-lo, o que eliminaria a
diferença. Nos dois casos há um risco direto na construção da identidade do sujeito, pois ao
rejeitar o outro, elimina-se a diferença que é fundamental para que o sujeito defina sua
identidade, e ao se assemelhar ao outro, perca sua própria consciência identitária. Daí,
podemos notar que o conceito de identidade não é tão simples assim de ser definido.
De acordo com o Dicionário de Análise do Discurso (Patrick Charaudeau, verbete
“identidade”. In: Charaudeau, P. e Maingueneau, D, 2004, p. 266), a noção de identidade só
31
existe em consonância com duas outras noções: as de sujeito e de alteridade. Para sujeito,
entende-se que haja a existência de um ser pensante que diz “eu” e para alteridade, conforme
havíamos citado anteriormente, postula-se que não haja consciência de si sem consciência da
existência do outro e que é na diferença de “si” e do “outro” que se constitui o sujeito.
Ao se relacionar a noção de identidade com a de sujeito falante, podemos dizer que
esse sujeito se caracteriza por um número de traços que lhe conferem uma identidade
enquanto produtor de um ato de fala, ou seja, os traços característicos da identidade social e
da identidade discursiva é que vão construir uma identidade para esse sujeito.
Vislumbrando melhor compreensão sobre os traços de identidade citados acima,
faremos uma breve explicação sobre as particularidades intrínsecas à identidade social e
identidade discursiva, segundo Patrick Charaudeau (2009).
2.1 IDENTIDADE SOCIAL E IDENTIDADE DISCURSIVA
A identidade social precisa ser reconhecida pelo outro e é ela que confere a
legitimidade ao sujeito. O outro tem que reconhecer no sujeito alguém que tem a propriedade
de agir ou falar daquela maneira. Para ilustrar, citamos um exemplo: o professor de francês foi
formado para utilizar a Língua Francesa, seja para falar, para escrever, para ouvir ou para
produzir um texto e para ensiná-la. Quando um professor entra em sala de aula, o aluno
pressupõe que aquele sujeito é detentor de um saber, que possui um diploma naquela área, o
que o legitima. Digamos que o professor não tenha aprendido a fonética da Língua Francesa
durante sua formação e que tenha dificuldades na pronúncia. A legitimidade desse professor
poderia ser questionada. Segundo Charaudeau (2009), a profissão está protegida pelas regras
da instituição.
Há ainda outro tipo de legitimidade, aquela que é atribuída a alguém por demonstração
de um “saber fazer”. Por exemplo, poderíamos citar o caso de um pedreiro que salva uma
pessoa vítima de um alagamento. Ele será reconhecido como herói, ainda que não seja um
integrante do corpo de bombeiros.
Para Charaudeau (2009), identidade social é, de certa forma, determinada pela situação
de comunicação. O sujeito falante deve ter em mente como ele deverá agir, considerando o
seu status e o papel que desempenha naquele contexto. Desta forma, o sujeito poderá atender
ou não às expectativas do outro, podendo reconstruir essa imagem, mascará-la ou deslocá-la.
32
A identidade discursiva é construída pelo sujeito falante, que deve ter consciência de
como deverá articular seu discurso para se adequar a determinada situação de comunicação.
Dentro de cada contrato de comunicação, os participantes podem recorrer a certas estratégias
discursivas numa tentativa de consolidar o seu projeto de fala, atingindo assim suas metas em
relação aos seus interlocutores e construindo sua identidade discursiva. Charaudeau informa
que existem inúmeras estratégias, não excludentes, mas prefere reuni-las em dois grupos: de
credibilidade e de captação.
A estratégia de credibilidade impõe ao sujeito falante a necessidade de defender a sua
imagem perante o outro, se fazendo digno de que o outro deposite nele sua confiança, sua
crença. Ele precisa lançar mão de algumas atitudes discursivas para “ser levado a sério” pelo
outro, tais como:
- Atitude de neutralidade: o sujeito falante tenta eliminar do seu discurso qualquer
traço de avaliação pessoal ou de julgamento;
- Atitude de distanciamento: o sujeito falante tenta não esboçar nenhum sentimento em
relação aos fatos, agindo de forma controlada e mecânica;
- Atitude de engajamento: o sujeito falante tenta optar por uma tomada de posição ao
escolher seus argumentos e palavras na busca pela persuasão do outro.
A estratégia de captação visa a que o sujeito falante convença o outro de sua intenção,
fazendo-o compartilhar de suas opiniões. Para o êxito dessa estratégia é crucial que ambos os
participantes do ato comunicativo estejam em relação simétrica, ou seja, que um não ocupe
uma posição de hierarquia superior a do outro. Caso isso acontecesse, bastaria atribuir-lhe
uma ordem para que fosse prontamente cumprida. Nessa tentativa de convencer o outro, o
sujeito pode fazê-lo recorrer à razão, pelo caminho da persuasão ou fazê-lo sentir, através do
recurso da sedução. Nesse sentido, o sujeito falante poderá recorrer a outras atitudes
discursivas, tais como:
- Atitude polêmica: o sujeito falante tenta apagar do seu discurso possíveis argumentos
que poderiam ser refutados pelo outro, evitando assim uma situação de conflito;
- Atitude de sedução: o sujeito falante tenta aproximar o seu discurso da realidade do
outro, fazendo com que ele se sinta um personagem importante;
- Atitude de dramatização: o sujeito falante organiza seu discurso apoiando-se
histórias dramáticas do dia a dia que trazem à tona valores afetivos socialmente
compartilhados, despertando assim algumas emoções no outro.
33
Assim, a identidade discursiva está pautada na organização enunciativa do discurso, na
manipulação dos imaginários sócio-discursivos, é como se o sujeito pudesse fazer suas
próprias escolhas para definir a sua identidade, mas essa está, a todo o momento, atrelada aos
fatores que constituem a sua identidade social.
2.2 O CONCEITO DE ETHOS NA TEORIA DE PATRICK CHARAUDEAU
Importante trazermos para essa discussão o conceito de ethos. Assim como Patrick
Charaudeau, Benveniste, Goffman e Kerbrat-Orecchioni também não haviam feito uso desse
conceito. Em 1984, Oswald Ducrot integra esse termo às ciências da linguagem dentro da
teoria polifônica da enunciação. Para ele, o ethos corresponderia à imagem do locutor como
ser do discurso. Entretanto, em 2005, Charaudeau retoma esse termo dando-lhe nova
significação, questionando se ele se aproximaria da imagem projetada pelo locutor ou pelo
enunciador, sendo este ligado à imagem projetada e aquele ao ser de palavra, conforme
descreveremos no item 2.4 no qual apresentaremos o contrato de comunicação. Segundo este
autor, o ethos está relacionado com o cruzamento de olhares, tanto o olhar do outro em
relação ao que fala quanto ao olhar daquele que fala em relação à forma como imagina ser
visto por seu interlocutor. Não podemos ignorar que o interlocutor muitas vezes se apoia em
dados pré-existentes ao discurso para construir a imagem do sujeito falante e em outros dados
trazidos pelo próprio ato de linguagem, visto que, nas palavras do próprio autor:
A finalidade do ato de linguagem (tanto para o sujeito enunciador quanto para o
sujeito interpretante) não deve ser buscada apenas em sua configuração verbal, mas,
no jogo que um dado sujeito vai estabelecer entre esta e seu sentido implícito. Tal
jogo depende da relação dos protagonistas entre si e da relação dos mesmos com as
circunstâncias de discurso que os reúnem. (CHARAUDEAU, 2006, p.24)
Ao assumirmos esse posicionamento, teríamos que retomar a questão da identidade do
sujeito falante, que se desdobraria em duas: a identidade social, que lhe confere sua
legitimidade para falar, considerando seu papel e seu status social, e a identidade discursiva,
em que o sujeito falante constrói seu projeto de fala levando em consideração seu papel dentro
do que é esperado naquela situação discursiva dentro do contrato de comunicação. Assim,
para Charaudeau, o ethos é o resultado dessa dupla identidade que acaba por se fundir em uma
única.
34
Faremos, a seguir, uma breve exposição dos modos de organização do discurso
buscando mostrar a presença do modo enunciativo em todos os outros. Vale a pena esclarecer
que de acordo com as finalidades discursivas do ato de comunicação, o sujeito se utilizará de
categorias de língua agrupadas em quatro modos de organização: Enunciativo, Descritivo,
Narrativo e Argumentativo.
2.3 OS MODOS DE ORGANIZAÇÃO DO DISCURSO
Para melhor entendermos os modos de organização do discurso, recorremos à
Grammaire du sens et de l’expression (1992) de Patrick Charaudeau. Para esse autor, os
modos de organização do discurso constituem os princípios de organização da matéria
linguística, princípios que dependem de uma finalidade comunicativa própria do locutor,
podendo ter como finalidades uma descrição, uma narração ou uma argumentação. Para
Charaudeau (Patrick Charaudeau, verbete “modo de organização do discurso”. In:
Charaudeau, P. e Maingueneau, D, 2004, p. 337-338), trata-se de “distinguir as operações
linguageiras que são postas em funcionamento em cada um dos níveis de competência: o nível
situacional de reconhecimento das coerções psico-sócio-discursivas da situação de
comunicação; o nível discursivo dos modos de organização; o nível semiolingüistico da
composição textual.”
Em relação ao modo de organização enunciativo, o autor o define como aquele que
organiza as categorias da língua ordenando-as quanto à posição do locutor em relação ao
interlocutor, em relação a ele próprio e em relação aos outros. Este modo está sempre
presente, articulando-se aos outros três modos de organização, argumentativo, descritivo e
narrativo, e os comanda. O locutor, a partir do conhecimento sobre os contratos de
comunicação, deverá saber como se portar em cada situação pressupondo a existência de um
TU para quem ele fala. Há três maneiras de posicionamento do locutor quanto à situação de
comunicação:
ALOCUTIVA: caracteriza-se pelo fato do locutor implicar o interlocutor no seu ato de
enunciação impondo-lhe o conteúdo de seu propósito (entendendo-se “propósito” como
aquilo que o locutor quer comunicar). As formas linguísticas, como pronomes (tu, você)
identificam o interlocutor e o uso de frases interrogativas e imperativas são comuns neste tipo
comportamento;
35
ELOCUTIVA: o locutor situa seu propósito em relação a si mesmo, sem envolver seu
interlocutor. As formas linguísticas, como pronomes em 1ª pessoa e o uso de frases
exclamativas são comuns neste tipo comportamento;
DELOCUTIVA: o locutor tenta se afastar do propósito, fazendo com que este se
imponha como tal. A utilização da forma impessoal ou o uso da terceira pessoa identificam
este comportamento.
Segundo Charaudeau (2008), no comportamento ALOCUTIVO, o sujeito falante se
enuncia em posição de superioridade ou inferioridade em relação ao seu interlocutor. Visando
cumprir seu propósito, este comportamento se utiliza de categorias modais de Interpelação
(IP), Injunção (IJ), Autorização (AT), Aviso (AV), Julgamento (JG), Sugestão (SG), Proposta
(PP), nas quais o locutor se coloca em posição de superioridade em relação ao seu interlocutor
e as categorias de Interrogação (IT), Petição (PT), colocando-se em uma relação de
inferioridade em relação ao seu interlocutor.
Para o autor, o ponto de vista do sujeito falante sobre o mundo (ELOCUTIVO) pode
ser especificado como:
-Ponto de vista do modo de saber, que especifica de que maneira o locutor tem
conhecimento de um Propósito. Corresponde às modalidades de “Constatação” e de
“Saber/Ignorância”.
- Ponto de vista de avaliação, que especifica de que maneira o sujeito julga o
propósito do enunciado. Corresponde às modalidades de “Opinião” e de “Apreciação”.
- Ponto de vista de motivação, que especifica a razão pela qual o sujeito é levado a
realizar o conteúdo do Propósito referencial. Corresponde às modalidades de “Obrigação”,
“Possibilidade” e “Querer”.
- Ponto de vista de engajamento, que especifica o grau de adesão ao Propósito.
Corresponde às modalidades de “Promessa”, “Aceitação/Recusa”, “Acordo/Desacordo”,
“Declaração”.
- Ponto de vista de decisão, que especifica tanto o status do locutor quanto o tipo de
decisão que o ato de enunciação realiza. Corresponde à modalidade de “Proclamação”.
O locutor se utiliza de procedimentos linguísticos da construção enunciativa elocutiva
chamados de categorias modais: Constatação (C), Saber/Ignorância (S), Opinião (O),
Apreciação (AP), Obrigação (OB), Possibilidade (P), Querer (Q), Promessa (PM),
36
Aceitação/Recusa (AR), Concordância/Discordância (CD), Declaração (D), Proclamação
(PC).
O ponto de vista em que o sujeito falante testemunha a maneira pela qual os discursos
de terceiros se impõem a ele (DELOCUTIVO) pode ser analisado pelo seu modo de dizer,
seja enquanto asserção ou discurso relatado. A primeira estaria relacionada à maneira de
apresentar o propósito e a segunda dependeria da posição dos interlocutores, das maneiras de
relatar um discurso já enunciado e da descrição dos modos de enunciação de origem.
Para o comportamento delocutivo, as categorias modais priorizadas para a asserção
são as mesmas do comportamento elocutivo, exceto as de Promessa, Concordância e
Proclamação, visto que essas implicam um parecer subjetivo do locutor. Porém, nesse
comportamento, o ser falante se distancia do discurso, não expressando assim sua própria
opinião. No que tange ao outro viés do delocutivo, o discurso relatado, poderíamos analisá-lo
a partir da posição dos interlocutores e pela maneira de relatar (discursos citado (DC),
integrado (DI), narrativizado (DN) e evocado (DE)). Para melhor compreendermos o discurso
relatado, faremos agora uma breve apresentação sobre as diferentes maneiras pelas quais um
discurso pode ser relatado por seu locutor:
a) Discurso citado: o discurso de origem é citado quase que em sua integralidade
através dos recursos dos dois pontos e das aspas, também conhecido como “estilo direto”;
b) Discurso integrado: o discurso de origem é parcialmente integrado ao relato do
locutor, sem a utilização dos recursos dos dois pontos e das aspas, também conhecido como
“estilo indireto” ou “estilo indireto livre”;
c) Discurso narrativizado: o discurso de origem se integra totalmente, ou mesmo
desaparece no dizer daquele que relata. Nas palavras de Charaudeau (2008), o locutor de
origem torna-se o agente de um ato de dizer;
d) Discurso evocado: o discurso de origem aparece como um dado evocador do que o
locutor de origem disse, seja através dos recursos das aspas, dos travessões ou parênteses.
O modo de organização descritivo visa a construir uma imagem a-temporal do mundo,
“fazendo existir os seres do mundo ao nomeá-los e qualificá-los de modo particular”
(CHARAUDEAU e MAINGUENEAU, 2004, p. 338), podendo combinar-se com os modos
narrativo e argumentativo em um mesmo texto, visto que o descritivo dá sentido a estes
últimos.
37
O modo narrativo permite “organizar a sucessão das ações e dos eventos nos quais os
seres do mundo estão implicados” (CHARAUDEAU e MAINGUENEAU, 2004, p. 338).
Para haver narração, é necessária a presença de um narrador que queira transmitir alguma
coisa a alguém, sendo este alguém seu destinatário, e que haja um contexto para o
desenvolvimento de uma seqüência de ações que se encadeiam progressivamente. O modo de
organização narrativo organiza o mundo de uma maneira sucessiva e contínua, em uma lógica
cuja coerência é marcada pelo seu início e fim. A lógica narrativa conta com três
componentes:
1 - ACTANTES : Segundo o Dicionário de Análise do Discurso (2004, p. 33), o termo
actante serve para designar os diferentes participantes que estão implicados em uma ação e
que têm nela um papel ativo ou passivo. Dentre os actantes, temos aqueles diretamente
ligados à ação: AGENTE (aquele que executa a ação) e o PACIENTE (aquele que sofre a
ação). A partir dessa diferenciação feita em relação à postura do actante frente à ação
principal, Charaudeau (2008, p. 162-163) propõe que o agente pode executar a ação atuando
como:
Agressor – comete um malefício
Benfeitor – transmite um benefício;
Aliado – associa-se a um outro actante para auxiliá-lo ou defendê-lo, seja agindo
diretamente sobre o adversário do actante, seja agindo ao mesmo tempo que este.
Oponente – contraria os projetos e as ações de um outro actante;
Retribuidor – oferece a outro actante uma recompensa ou punição.
Segundo o autor das categorias, os papéis acima mencionados podem ser realizados de
maneira a) VOLUNTÁRIA (consciente); b) INVOLUNTÁRIA (inconsciente); c) DIRETA
(afrontamento direto) e d) INDIRETA (por meio de fingimento ou de intermediário).
Entretanto, se o actante sofre a ação, ele a recebe como:
Vítima – é afetado negativamente pela ação de um outro actante.
Beneficiário – é afetado positivamente pela ação de um outro actante.
38
Para melhor visualizarmos os papéis desempenhados pelos actantes, propomos o
seguinte quadro adaptado do modelo proposto por Charaudeau (1992, p. 723):
Actantes Agente Paciente
Agressor Benfeitor Aliado Oponente Vítima Beneficiário
2 – OS PROCESSOS: unem os actantes entre si dando uma dimensão funcional à ação
destes.
3 – AS SEQÜÊNCIAS: relacionam os processos e os actantes com uma finalidade discursiva
segundo os princípios de organização. Estes se subdividem em:
(A) Princípio da coerência: a sucessão de ações não é arbitrária, tendo o texto um início e
um fim.
(B) Princípio da intencionalidade: o início e o fim do texto precisam de uma motivação
para dar sentido narrativo à seqüência de ações, composta de três etapas:
INICIAL – nasce uma “falta” que possibilita um processo de “busca” para sanar a falta.
ATUALIZAÇÃO DA “BUSCA” – tenta-se obter o objetivo que sanará a falta.
FINAL – termina pela vitória ou pelo fracasso do objeto da busca.
(C) Princípio do encadeamento: as seqüências se sucedem de forma linear e consecutiva
gerando a ação seguinte.
(D) Princípio da recuperação: localização das seqüências no espaço e no tempo.
Normalmente as seqüências são organizadas no tempo de forma cronológica.
O modo de organização argumentativo organiza as relações existentes entre as ações
apresentadas pelo modo de organização narrativo, tendo como função persuadir e convencer o
interlocutor através da argumentação.
Conforme apresentamos acima, é através do modo argumentativo que o sujeito falante
persuadirá o TU, fazendo com que ele se engaje ao seu projeto e o legitime. Essa teoria aqui
39
apresentada nos remete à teoria comunicacional apresentada por Charaudeau. Sabemos, por
meio dela, que todo discurso se passa no âmbito de uma situação comunicativa na qual há um
número de dados fixos que sobredeterminam os participantes do ato de comunicação. Estes
dados prescrevem como os sujeitos devem se comportar para que a comunicação se realize e o
momento em que eles podem usar as estratégias discursivas para tentar engajar e influenciar o
outro. Assim, dentro dessa encenação argumentativa, o sujeito que quer argumentar deverá se
servir de procedimentos que validem sua argumentação. Para tal, ele questionará a proposta
(asserção que diz alguma coisa sobre o mundo), argumentando segundo o seu interesse, ou
seja, apresentando sua proposição e justificando sua tomada de posição. Nessa tentativa de
provar a validade de uma argumentação, alguns sujeitos constroem seus discursos pautados no
valor dos argumentos servindo-se dos procedimentos semânticos. Esses valores são
compartilhados socialmente e são organizados em cinco domínios de avaliação: domínio da
Verdade, domínio do Estético, domínio do Ético, domínio do Hedônico e domínio do
Pragmático. Cada um desses domínios se define em termos de avaliações que girem em torno
dos seguintes pares semânticos:
a) Verdade verdadeiro e falso
Define algo de maneira absoluta e compreende o saber como princípio único capaz de
explicar os fenômenos do mundo.
b) Estético belo e feio
Define os seres e os objetos do mundo em termos de belo e feio.
c) Ético bem e mal
Define como deve ser o comportamento humano diante de uma moral em termos de
bem e mal.
d) Hedônico agradável e desagradável
Define em termos de agradável e desagradável o que pertence ao âmbito dos sentidos
que buscam prazer em relação aos projetos e ações humanas.
40
e) Pragmático útil e inútil
Define em termos de útil e inútil os projetos e as ações humanas.
Para Charaudeau (2008), os domínios do Pragmático e do Ético podem imbricar-se no
caso de avaliações concernentes à organização racional da vida – o trabalho, o sucesso, o
mérito, por exemplo, na medida em que uma regra de comportamento tenha sua eficácia
comprovada (campo do pragmático) e se torne um modelo a ser seguido (campo do ético).
Faz-se pertinente outra observação acerca dos domínios Estético e Hedônico uma vez
que eles parecem, de alguma forma, estar conectados. Os valores referentes ao campo do
Estético estão intrinsecamente atrelados às definições em termos de belo e feio e os valores
ligados ao campo do Hedônico estão relacionados a uma busca pelo prazer. Entretanto, a
motivação para desejar algo pode ser suscitada pela beleza de um produto, por exemplo. Por
essa razão, esses dois domínios apresentam-se como indissociáveis em algumas análises.
Na sequência, exporemos um esquema de Charaudeau (2008, p. 77), no qual
visualizaremos as relações existentes entre os participantes de um ato de comunicação.
2.4 O CONTRATO DE COMUNICAÇÃO E AS IDENTIDADES SOCIAL E DISCURSIVA
A encenação do ato de linguagem resulta da combinação do Fazer e do Dizer. Este
pertence ao circuito interno e aquele ao circuito externo. No circuito externo encontramos
dois sujeitos sociais: Eu comunicante – responsável pela produção do discurso – e Tu
interpretante – responsável pela interpretação deste discurso. No circuito interno encontramos
dois sujeitos discursivos: Eu enunciador – representa a imagem construída de si próprio e que
o outro possui sobre ele – e TU destinatário – representa a imagem que o emissor faz sobre o
Tu.
41
Retomando a questão das identidades discursiva e social atrelada ao esquema acima
apresentado, torna-se evidente afirmar que, como os sujeitos participantes do ato
comunicacional passam o tempo todo projetando uma imagem do outro, em algumas
situações essa imagem possa ser confirmada ou destruída, sendo que essa última faria com
que o sujeito falante tivesse sua legitimidade ameaçada. Vejamos um exemplo em que essas
imagens projetadas não condizem com o esperado.
Imaginemos uma situação discursiva tendo como personagens mãe e filho. Digamos
que o filho tenha ficado reprovado na escola pela segunda vez consecutiva. Temeroso, o filho
revela a notícia para a mãe. Podemos imaginar que o filho esteja com medo da atitude da mãe
e que a mãe reagirá de forma enérgica e enraivecida. Imaginemos as falas: “Mãe, queria te
pedir desculpas e te dizer que fiquei reprovado novamente. O que vai acontecer?” E a mãe
responda: “Tudo bem, filho. Mamãe vai até a escola conversar e comprar sua aprovação.”
Nessa situação, o filho, que seria o EUc1, deve ter projetado uma imagem de como
reagiria sua mãe diferente da reação do TUi. Normalmente, imagina-se que os pais não
ficarão satisfeitos com esse anúncio e reagirão de forma autoritária. Nesse caso, o TUi
construiu para si uma identidade de mãe compreensiva e indiferente. Poderíamos dizer que a
atitude discursiva dessa mãe se sobrepôs ao status da figura materna imaginada para essa
situação, ou seja, uma mãe “furiosa” pela notícia que acaba de receber. É como se a
identidade discursiva mascarasse a identidade social.
Esse exemplo, como muitos outros, nos mostra que a identidade social não define a
totalidade da significação do discurso. A imagem projetada pelo EUc1 em relação a figura da
mãe não foi correspondida. Por outro lado, não podemos reduzir o sentido do discurso ao
42
significado da língua, já que esse é dependente da identidade social de quem fala. A
identidade discursiva é construída pelo sujeito falante e esse deve levar em consideração a
situação de comunicação para utilizar-se de estratégias discursivas que façam com que seu
interlocutor o leve a sério. A identidade discursiva é construída na base da identidade social,
uma vez que essa concede ao sujeito o direito à palavra, que o autoriza a agir da forma pela
qual age.
Imaginando uma situação de comunicação ideal, esperaríamos que a identidade social
se combinasse com a identidade discursiva e, além disso, que a imagem projetada pelo
interlocutor em relação ao EUc fosse confirmada pelo enunciador. No entanto, uma situação
de comunicação pode não seguir à risca o contrato de comunicação, como vimos, por
exemplo, no diálogo entre mãe e filho. Nesse caso, a identidade social da mãe foi ocultada
pelo seu comportamento linguístico, que não correspondeu às expectativas do filho. Assim,
conclui-se que é da combinação das identidades social e discursiva que se constrói o poder de
influência do sujeito falante.
Ponderando-se esses dois tipos de identidade, Charaudeau (2009) propõe um modelo
comunicacional de análise do discurso que tem como eixo três tipos de competência,
comunicacional, semântica e discursiva, e três tipos de estratégias discursivas, de
legitimação, de credibilidade e de captação.
A competência comunicacional (ou situacional) postula que o sujeito conheça o status
e o papel social de seus interlocutores para saber como agirá em relação a eles e organizará
seu discurso a fim de garantir que eles o legitimem. Para isso, o sujeito deverá mobilizar seus
diferentes saberes e colocá-los em prática, aptidões essas conhecidas como competência
semântica.
A competência discursiva pressupõe que o sujeito organize seu discurso, seja ele
descritivo, narrativo ou argumentativo, de forma adequada para cada tipo de situação. Para
que haja essa noção de adequação, é necessário que o sujeito disponha de uma competência
semiolinguística, que o ajudará a compor o seu discurso em consonância com a situação de
comunicação pois lhe fará adequar formas à situação de produção do discurso bem como à
organização do discurso. É nesse plano que a identidade discursiva do sujeito toma forma.
Logo, a identidade discursiva pode ser construída de forma distinta pelo sujeito falante
para cada situação de comunicação. É como se fossemos um ser diferente em cada situação
43
comunicacional, ou apresentássemos uma máscara diferente para as diversas situações às
quais somos expostos ao longo da vida.
2.5 O CONTRATO DE COMUNICAÇÃO NA SALA DE AULA
Conforme verificamos acima, Patrick Charaudeau (2008, 2009) nos mostra que o ato
de comunicar vai muito além de simplesmente informar. Comunicar significa seduzir o outro
através de um jogo de estratégias utilizadas pelos parceiros implicados no ato de
comunicação.
Cada sujeito falante ocupa um determinado papel em uma determinada situação
comunicativa e precisa recorrer a certas estratégias para que sejam reconhecidos como
legitimados a ocupar aquela posição em que se encontram.
Em seu artigo Le contrat de communication dans la situation de classe, Charaudeau
(1993) nos fala das identidades dos parceiros envolvidos nessa situação de comunicação, ou
seja, professor e aluno. Segundo ele, a identidade do professor está atrelada a um status sócio-
profissional que o faz ter uma relação de dependência com a instituição que o emprega, sendo
assim um representante da mesma. De
acordo com os discursos que circulam sobre o papel do professor, atribui-se a ele a
competência do saber e do saber-fazer. Em relação ao papel do aluno, esses discursos o
apontam como aquele que tem a obrigação social de aprender porque tal conhecimento lhe
será útil e atribui-se a ele a competência da aprendizagem, supondo que este esteja apto a
adquirir o saber e da compreensão, supondo que este possua a capacidade de compreender o
que lhe será ensinado. Sua identidade estaria atrelada a um estado do não saber e de não
ativo.
Esses imaginários sobre a identidade do professor e do aluno são muito recorrentes e
facilmente recuperados nos discursos que circulam em nossa sociedade. Aliás, essa descrição
se encaixaria perfeitamente no conceito de interdiscurso trazido no Dicionário de Análise do
Discurso (Dominique Maingueneau, verbete “interdiscurso”. In: Charaudeau, P. e
Maingueneau, D. 2004, p. 286), definido pelos autores como “o conjunto das unidades
discursivas (que pertencem a discursos anteriores do mesmo gênero, de discursos
contemporâneos de outros gêneros etc.) com os quais um discurso particular entra em relação
implícita ou explícita”.
44
Retomando assim a questão dos papéis do professor e do aluno, podemos afirmar que
a eles são atribuídas, ainda que implicitamente, algumas tarefas, e para que o contrato de
comunicação tenha êxito ambos devem cumpri-las a contento. Caso contrário, uma falha
acontecerá nesse circuito. Essas atribuições compõem a identidade social dos parceiros desse
contrato, ou seja, professor e aluno. Logo, caso um deles não cumpra com tais compromissos
que circulam como se fossem obrigações, poderá colocar em risco sua identidade e perder sua
credibilidade. Ou ainda, ao romper com as expectativas do parceiro, deslegitimará o projeto
de comunicação do outro.
Dentre os discursos proclamados acerca do papel do professor, Charaudeau (1993) nos
elenca três objetivos para o seu trabalho: o de ensinar (no sentido de transmitir um saber,
funcionando como mediador entre o conteúdo e o aluno), o de avaliar (verificando os
resultados da aprendizagem do aluno) e o de captar (tentando traspor as barreiras que possam
vir a atrapalhar seu projeto). Ao aluno, dois objetivos lhe são atribuídos, o de aprender
(adquirindo conhecimento porque dizem que será bom para ele) e o de provar (mostrando que
assimilou os conteúdos que lhe foram transmitidos).
Segundo Charaudeau (1993), circula nos imaginários sócio-discursivos como tarefas
do professor apresentar textos e ferramentas de trabalho, explicar os conteúdos, avaliar,
corrigir, captar o interesse do aluno, etc. Ao aluno, caberá o papel de aprender, escutar e
provar que aprendeu. Ora, diante desses objetivos traçados e do papel de cada parceiro no
contrato de sala de aula, pode-se correr o risco de pensar que o aluno ocupa um lugar
discursivo daquele que é passivo, enquanto o professor ocupa o lugar da autoridade, como
outrora fora idealizado esse modelo de aluno e de professor na concepção das abordagens
metodológicas que mais se destacaram ao longo da história, tais como Gramática e Tradução
(ou Tradicional), Direta, Audiolingual e Audiovisual (PUREN, 1988). Entretanto,
entendemos que para o aluno adquirir um conhecimento é necessário que haja esforço de sua
parte, que interaja com os novos saberes. Portanto, que desempenhe um papel ativo, de agente
do aprender.
Aliás, as abordagens mais recentes voltadas para o ensino de línguas estrangeiras
pressupõem papéis de agentes tanto para alunos quanto para professores. A abordagem
comunicativa, difundida intensamente no Brasil a partir da década de 80, e os princípios do
sociointeracionismo trazidos por Vygotsky (1994) trazem uma nova visão de língua aliada a
um grande interesse pelo ensino. Seus pressupostos teóricos funcionam como pilares para a
45
aprendizagem de línguas, inclusive fazem parte das orientações didáticas presentes nos
Parâmetros Curriculares Nacionais. Nesta perspectiva desloca-se a ênfase da aprendizagem da
forma linguística para a comunicação, preza-se pela utilização de materiais autênticos no
lugar dos “artificiais”, adota-se o uso das quatro habilidades (compreensão oral e escrita e
produção oral e escrita) de modo integrado, valoriza-se o contexto social e a interação. A
maior crítica feita em relação às abordagens anteriores refere-se à falta de objetivos
específicos no ensino de línguas. Essa abordagem defende a aprendizagem centrada no aluno
tanto em termos de conteúdos quanto nas técnicas usadas em sala de aula e transfere o papel
de autoridade e de distribuidor do conhecimento antes atribuídos ao professor para o de
orientador. Valoriza-se o caráter afetivo nesta abordagem, o que faz com que o professor
assuma também o papel daquele que se mostra sensível ao interesse dos alunos, encorajando-
os a participar da aprendizagem da língua. Assim, o professor desempenha um papel ativo na
condução das atividades propostas em sala de aula, talvez não mais à frente dos alunos, mas
no meio deles, participando das tarefas, sanando dúvidas, promovendo a interação e
conduzindo o processo. O aluno é visto como parceiro ativo que deve ser motivado a aprender
a língua estrangeira e a se comunicar de forma competente no idioma. Atualmente, a
abordagem comunicativa divide o lugar com a abordagem acional apresentada no CECRL
(Cadre Européen Commun de Références pour les Langues), traduzido por QECRL (Quadro
Europeu Comum de Referência para as Línguas), incentivado pelo Conselho Europeu e
publicado em 2001. Dentro desta perspectiva trazida pelo QECRL, os aprendizes da língua
são considerados como atores sociais capazes de agir sobre o mundo através do cumprimento
das tarefas que lhes são designadas pelos professores e o processo de aprendizagem e de uso
da língua ocorrem simultaneamente. Tenta-se proporcionar ao aprendiz um uso da língua
próximo ao de uma situação real e preza-se pelo desenvolvimento da habilidade de interação
(oral e escrita) além das outras habilidades preconizadas pela abordagem comunicativa, como
a compreensão (oral e escrita) e a produção (oral e escrita).
Em consonância com as abordagens mais recentes formuladas para o ensino de
línguas, professor e aluno devem desempenhar papéis ativos no contrato de sala de aula. O
professor é o agente do ensinar e o aluno o agente do aprender e ambos interagem no
processo de ensino/aprendizagem. Espera-se do professor que ele seja um aliado do aluno
nesse processo, fazendo com que ele mobilize seus conhecimentos prévios, promova a
interação social e o direcione pelo caminho que o levará a construir o saber.
46
Trazendo esses conceitos para a realidade desse trabalho, podemos começar a buscar
algumas respostas ou esclarecimentos às inquietações apresentadas como fatores motivadores
desta pesquisa.
2.6 ERA UMA VEZ UMA IDENTIDADE
Primeiramente, a partir dessa teoria, anula-se o desejo de conseguir traçar a identidade
do professor de francês na cidade do Rio de Janeiro. Vimos que o sujeito é composto de
traços de uma identidade social cujas facetas se manifestam discursivamente e que não
podemos limitá-las a uma identidade unificada e chegarmos a uma única conclusão. O que
podemos fazer é recolher esses traços e tentar entender: Quem é esse professor? Como é o seu
trabalho? Como ele se sente? O que ele deseja? O próprio Charaudeau (2009) nos ensina que
as identidades social e discursiva se complementam e que não se pode captar todos os traços
de uma identidade. Por esse motivo, nos aconselha a falar de “traços identitários”, sendo uns
discursivos e outros psicossociais. Ele ressalta ainda que talvez nunca nos apresentamos ao
outro como realmente somos por desconfiar que sejamos uma sucessão de máscaras.
Havíamos ainda mencionado na introdução desta tese que elaboraríamos um trabalho
de coleta de dados a partir de entrevistas realizadas com professores de francês. Nosso desejo
não é, nem nunca foi, o de querer traçar exaustivamente a realidade desse profissional na
cidade do Rio de Janeiro. Nossa meta não é desenvolver um trabalho de amostragem
quantitativa e sim qualitativa. Ainda que o nosso desejo inicial fosse o de mapear essa
realidade e chegar a uma conclusão, isso nos seria inviável. Charaudeau (2009) nos mostra
que o sujeito falante pode recorrer a diferentes estratégias e a diferentes competências para
produzir o seu discurso de acordo com cada situação de comunicação. Dessa forma, não
poderíamos afirmar com certeza absoluta se o relato de um professor durante a entrevista é ou
não compatível com sua realidade profissional. No entanto, também não é nosso interesse
averiguar essa “verdade”, nem desvendar as verdades encobertas. Assim como também não é,
e nem será, nossa proposta fazer desse profissional uma vítima das políticas educacionais.
Nossa intenção é conhecer o trabalho do professor de francês e como esse profissional vem
dialogando com as vozes que desvalorizam seu trabalho.
Um terceiro aspecto que despertou interesse nesse estudo de Patrick Charaudeau
(2009) voltado para as identidades foi sua percepção sobre a questão da identidade social
47
atrelada ao contexto profissional e à legitimidade do profissional. Segundo o autor, são as
normas institucionais que vão atribuir legitimidade aos que são investidos através de tais
normas. O reconhecimento de um sujeito por outros sujeitos implica em uma relação direta
com as funções, as normas e os papéis por ele desempenhados, regendo assim sua prática
social.
A fim de exemplificar esta discussão, Charaudeau (2009), mostra que, no domínio
jurídico, regime esse regido pela lógica da lei, os atores são legitimados pela obtenção de um
diploma e o status institucional é adquirido através de um sistema de ingresso por concurso.
Tomando para análise o poder judiciário, há um consenso de que o profissional que ocupa
algum cargo ligado a esse poder da república é alguém conhecedor das leis, que está apto a
utilizar-se delas para trazer benefícios à vida de um cidadão ou fazê-lo prestar contas de
alguma atitude inadequada. Assim, poderíamos ser levados a raciocinar que pelo fato do
domínio jurídico ser legitimado pela sociedade, aquele que exerce função nesse domínio
também o seria. Logo, podemos estabelecer um contraponto entre este exemplo e a realidade
encontrada pelo professor de francês. A legitimação do profissional dependerá do grau de
reconhecimento/desprezo da sociedade em relação à instituição que o emprega.
Aliar a questão das máscaras à nossa pesquisa nos parece muito pertinente. Uma das
inquietações que levaram à elaboração desta tese é justamente a possibilidade (e muitas vezes
a necessidade) que um professor tem de trabalhar em diferentes instituições e o seu “saber-
fazer” em cada uma delas. Particularmente, quando as pessoas me perguntavam onde eu
trabalhava e a resposta era em um renomado curso de Língua Francesa, notava que a recepção
da informação era positiva. Porém, quando a resposta era em uma escola noturna da rede
estadual do Rio de Janeiro, percebia em meu interlocutor um sentimento de desprezo muitas
vezes ligado à piedade. Assim também quando dizia que trabalhava no Colégio Pedro II. Essa
primeira informação era recebida com satisfação. Todavia, ao falar da disciplina de trabalho a
reação do interlocutor era visivelmente diferente. Na próxima seção, trataremos da questão
das máscaras e sua relação com as identidades.
2.7 AS MÁSCARAS E OS TRAÇOS IDENTITÁRIOS
Começamos, portanto, a questionar essas diferentes reações em relação a um mesmo
profissional. Com a leitura da apresentação do livro Le discours politique: Les masques du
48
pouvoir (2005), de Charaudeau, um novo olhar foi despertado para a questão identitária. No
decorrer desse texto, o autor discute mais uma vez a questão das máscaras. É dito que o
sentido de todo ato de linguagem é proveniente do encontro de um sujeito que enuncia e de
outro que interpreta através da imagem que um faz do outro. Sendo assim, cada um não passa
de uma imagem para o outro. A cada situação uma nova máscara pode aparecer, uma vez que
ela constitui nossa própria identidade face ao outro.
Poderíamos considerar que cada instituição de ensino possui suas próprias máscaras,
quer dizer, cada uma delas elenca uma série de princípios e propósitos que serão alvo de seu
trabalho. Posto isto, o funcionário da instituição tenderá agir de forma compatível com as
premissas traçadas para a mesma, sendo assim seu representante. Certamente, o mesmo
ocorre com o professor. Em seu ambiente de trabalho, ele é um agente daquela instituição.
Portanto sua imagem pode ficar atrelada à dela, ainda que isso seja involuntário e que o
professor discorde de alguns dos princípios traçados por ela.
Nosso pensamento está em consonância com o de Bourdieu (1982, p. 101) ao dizer
que o representante de um grupo é a personificação de uma pessoa fictícia, emprestando o seu
corpo biológico a um corpo coletivo:
... Le porte-parole reçoit le droit de parler et d´agir au nom du groupe, de « se
prendre pour » le groupe qu´il encarne, de s´identifier à la fonction à laquelle il « se
donne corps et âme », donnant ainsi un corps biologique à un corps constitué.
« L´état, c´est moi ».
... O porta-voz recebe o direito de falar e agir em nome do grupo, de “se colocar no
lugar” do grupo no qual ele personifica, de se identificar com a função à qual ele “se
entrega de corpo e alma”, dando um corpo biológico a um corpo coletivo. “O Estado
dou eu. 3
É justamente aí que a questão das máscaras passam a fazer sentido. O professor veste
uma máscara em um determinado espaço. Ao se locomover, serve-se de uma outra máscara. E
assim sucessivamente. Não queremos concluir com isso que o professor muda sua
personalidade em cada espaço habitado, mas sim que há, por trás dele, a máscara da
instituição que acaba por refletir nele um determinado papel. Nessa perspectiva, o
reconhecimento ou o fracasso do professor está, de uma certa forma, condicionado à imagem
projetada por seu local de trabalho junto à sociedade graças à reputação construída ao longo
do tempo, inclusive através da mídia.
3 Tradução nossa
49
Embora possamos nos ver, seguindo o senso comum, como sendo a “mesma pessoa”
em todos os nossos diferentes encontros e interações, não é difícil perceber que
somos diferentemente posicionados, em diferentes momentos e em diferentes
lugares, de acordo com os diferentes papéis que estamos exercendo. (HALL, 2000,
p. 31)
Woodward (2000, p. 14) afirma que a identidade também está vinculada a condições
sociais e materiais. Se um grupo é “simbolicamente marcado como inimigo, isso terá efeitos
reais porque o grupo será socialmente excluído e terá desvantagens materiais.”
A título de curiosidade, fizemos uma pesquisa breve na página da internet do
globo.com para analisar as recentes notícias sobre a rede pública de ensino. A escolha desse
site foi motivada pelo fato de ser um veículo de ampla receptividade e legitimado pela
população como fonte confiável de informação. Ao pesquisarmos por escola pública, a
primeira página da busca aleatória apresentou dez títulos, sendo que nenhum deles fazia
referência a algum aspecto positivo. Vejamos alguns exemplos:
“400 estudantes ficam sem aula em escola pública de Samambaia.” (17/02/2011)
“Escolas do Distrito Federal guardam 63 kg de merenda escolar contaminados com larvas.”
(18/02/2011)
“Faltam gás e merendeiras em grande parte das escolas da rede pública.” (15/02/2011)
Não obstante, resolvemos restringir nossa pesquisa para as manchetes que falassem da
escola pública no Rio de Janeiro, visto que os títulos acima não fazem referência a essa
cidade que é alvo desse trabalho. Selecionamos três das dez manchetes mostradas na primeira
página de pesquisa. Voltamos a ressaltar que não havia destaques satisfatórios das escolas.
Vejamos as manchetes:
“Escola é invadida no Rio de Janeiro durante operação policial.” (20/10/2009)
“Escola pública precisa recuperar credibilidade, diz professora da Turma 1901.” (27/12/2010)
“Estudante de 12 anos agride diretora de escola no Rio de Janeiro.” (05/04/2010)
Certamente, não temos o objetivo de querer provar que a mídia denigre a imagem da
escola pública ou que não há notícias que projetem uma imagem satisfatória dessa escola.
Também somos conscientes de que, com base nessa pesquisa rápida em uma página de
50
internet, não podemos tirar conclusões precipitadas. Só quisemos buscar um meio de tentar
entender como a população em geral enxerga essa escola, mostrando uma parcela do
funcionamento discursivo, e porque a avaliação da sociedade a profissionais dessa rede de
ensino é geralmente relacionada a desprezo, descrença e até mesmo pena.
Acerca dessa temática, estamos em total harmonia com Bauman (2005, p. 51), no que
refere à questão da influência do trabalho na construção da identidade de uma pessoa:
Houve um tempo em que a identidade humana de uma pessoa era determinada
fundamentalmente pelo papel produtivo desempenhado na divisão social do
trabalho, quando o Estado garantia a solidez e a durabilidade desse papel, e quando
os sujeitos do Estado podiam exigir que as autoridades prestassem contas no caso de
deixarem de cumprir as suas promessas e desincumbir-se da responsabilidade
assumida de proporcionar a plena satisfação dos cidadãos.
Continuando nossa navegação pela internet, fizemos a mesma pesquisa com o curso
privado Aliança Francesa, visto que a presente pesquisa visa conhecer o trabalho dos
professores de francês em instituições públicas e nesse curso atuantes na cidade do Rio de
Janeiro. Para isso, digitamos o nome dessa instituição no mesmo site acima citado e nos
deparamos com as seguintes manchetes:
“Aliança Francesa oferece curso voltado para a pré-escola.” (26/02/2007)
“Aliança Francesa realiza seminário sobre novas tecnologias no ensino do francês.”
(22/10/2008)
“Aliança francesa inaugura filial em Campo Grande.” (17/07/2007)
“Aliança Francesa tem banco de vagas com oportunidades no exterior.” (15/05/2010)
Escolhemos quatro das dez manchetes listadas na primeira página. Como podemos
observar, nos quatro títulos não há qualquer referência que denigra a imagem da instituição.
Pelo contrário, as manchetes evocam expansão, modernização e sucesso, uma vez que
inaugura nova filial, realiza seminário sobre assunto pioneiro no ensino e amplia sua gama de
cursos, oferece oportunidades no exterior, características essas que deslumbram o leitor.
Talvez, por essa razão, as máscaras dos professores reflitam uma imagem positiva à
população em geral. Podemos ainda ir mais além no que tange à imagem dessa instituição
privada. No Brasil, esta é uma representante oficial da língua e da cultura francesa além de
ter a exclusividade para aplicar exames de proficiência reconhecidos mundialmente. Essa
51
entidade nos remete ainda à França, país que muito influenciou o nosso em diferentes
aspectos e conta com a gratidão e com o encantamento do povo brasileiro, o que nos leva a
concordar que a “representação atua simbolicamente para classificar o mundo e nossas
relações no interior”, segundo Hall (apud Woodward, 2000, p. 8). Sem falar que há nessa
instituição uma política forte de investimento nos professores cuja segunda língua é o francês.
Como a maioria desses professores não são nativos há bastante incentivo do governo francês
para que eles façam cursos de formação/reciclagem na França através de bolsas de estudos
financiadas por esse governo. Há uma preocupação com o aperfeiçoamento da língua como
também pelo conhecimento da civilização francesa.
Talvez estejamos no caminho certo de pensar que a instituição empresta ao professor
um lugar de porta-voz da mesma, devendo, portanto, defender e reafirmar os seus interesses,
ou talvez estejamos no caminho equivocado. Nossa meta é levantar questões e problematizá-
las a fim de tentar reunir traços que compõem a identidade do professor de francês.
Aproveitando esse ponto de discussão entre os valores institucionais e a postura do
profissional dentro daquele contexto de trabalho, desponta-nos a necessidade de um
levantamento de informações sobre como essas instituições se apresentam e que convicções
elas defendem em seus documentos oficiais.
Para tanto, selecionamos para nossa análise, documentos que discorram sobre o
trabalho do profissional da educação, abrangendo aspectos normativos sobre o seu agir e
pautando-se nos pilares de sustentação das instituições de ensino.
Introduziremos, no próximo capítulo, uma apresentação sobre os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs), sobre as Orientações Curriculares e outros textos oficiais divulgados pelas
redes de ensino municipal, federal e estadual, analisando-os discursivamente e apontando
como eles influenciam diretamente do trabalho do professor e na construção de sua identidade
social.
3. OS DOCUMENTOS OFICIAIS E OS REGIMES DE VERDADE
3.1 PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS
3.1.1 PCNs de Língua Portuguesa (Ensino Fundamental – 2º ao 5º ano)
Neste capítulo, faremos uma releitura de alguns textos oficiais sobre a educação no
Brasil dentro de uma perspectiva sócio-discursiva. Presume-se que tais textos atuem como
norteadores do trabalho a ser desenvolvido pelo professor no contrato de comunicação
estabelecido pelo contexto escolar, e que, de alguma forma, funcionam como princípios pré-
estabelecidos que devam ser cumpridos por esse profissional. Dentro desse contrato, professor
e aluno desempenham papéis legitimados institucionalmente, e estes, muitas vezes,
pressupõem uma relação assimétrica, em que o professor ocupa uma posição superior em
relação ao aluno, sendo-lhe atribuída a tarefa de ministrar os conteúdos, responder às dúvidas
dos alunos, confeccionar as provas e trabalhos, etc. É ele que detém a palavra e assume a
autoridade de alguém que está ali como legitimado para assumir a posição de autoridade
institucional, já que é dotado do saber e do poder de decisão (CHARAUDEAU, 1993).
Compreendendo que as orientações didáticas não sejam aleatórias, mas sim voltadas
para os interesses dos parceiros envolvidos na comunicação, entendemos que tais documentos
prescritivos apresentem-se como discursos que produzirão efeitos de sentido que, na
percepção dos professores, serão absorvidos como deveres a serem cumpridos, e, por essa
razão, influenciarão diretamente na construção da identidade social do professor. Lembramos
que, por mais que o texto traga algo que poderia ser feito em dada situação escolar, a fim de
melhorar a situação do ensino no país utilizando-se de modalizadores que indiquem uma
possibilidade, poderia recair sobre o professor com um tom de obrigação, algo que ele deveria
fazer, já que a ele cabe a tarefa de ensinar e a ele é dado “o direito à palavra e a identidade de
sujeito competente”. (CHARAUDEAU, 1993, p.1)
Percorreremos o documento voltando o nosso olhar para os procedimentos linguísticos
relacionados aos comportamentos enunciativos e para as representações que circulam no
espaço escolar, trazendo para o debate discursos que impliquem as modalizações, explícitas
ou implícitas, distribuídas em diferentes categorias apresentadas na seção 2.3, mas que
retomamos neste momento: Comportamento ALOCUTIVO (Interpelação (IP), Injunção (IJ),
Autorização (AT), Aviso (AV), Julgamento (JG), Sugestão (SG), Proposta (PP), Interrogação
53
(IT), Petição (PT)); Comportamento ELOCUTIVO (Constatação (C), Saber/Ignorância (S),
Opinião (O), Apreciação (AP), Obrigação (OB), Possibilidade (P), Querer (Q), Promessa
(PM), Aceitação/Recusa (AR), Concordância/Discordância (CD), Declaração (D),
Proclamação (PC)); Comportamento DELOCUTIVO (Asserção (AS) e Discurso relatado
(DR)).
Em 1997, em nosso país, foi disponibilizado o documento intitulado Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs), o qual orienta o ensino fundamental de todas as disciplinas
oferecidas na escola. Pretende-se, através dele, renovar a proposta curricular, estimulando que
cada escola formule seu projeto pedagógico cujo objetivo é o de explicitar as características
que a comunidade escolar (gestores, professores, funcionários, pais e alunos) deseja construir
naquela escola e qual formação querem para quem ali estuda. Também se espera que esse
documento ajude a garantir a qualidade da formação a ser oferecida a todos os estudantes e
seja adaptado a cada região brasileira:
... (os PCNs) foram elaborados de modo a servir de referencial para o seu
trabalho (PP), respeitando a sua concepção pedagógica própria e a pluralidade
cultural brasileira. Note que eles são abertos e flexíveis, podendo ser
adaptados à realidade de cada região. Estamos certos de que os Parâmetros
serão instrumento útil no apoio às discussões pedagógicas em sua escola, na
elaboração de projetos educativos, no planejamento das aulas, na reflexão sobre a
prática educativa e na análise do material didático. E esperamos, por meio deles,
estar contribuindo para a sua atualização profissional (JG). — um direito seu e,
afinal, um dever do Estado. (Parâmetros Curriculares Nacionais de ensino de 1ª à 4ª
série de Língua Portuguesa, 1997, p. 4)
O trecho acima, retirado do texto introdutório aos PCNs, faz referência direta a alguns
actantes, ou seja, diferentes participantes que estão envolvidos em uma ação que têm nela um
papel ativo ou passivo. Recorrendo ao contrato de comunicação trazido por Charaudeau
(2008, p.77), podemos nomear alguns desse actantes: aquele que escreve (Eu comunicante) e
aquele que interpreta o que foi escrito (Tu interpretante). Em nosso caso específico, o texto se
dirige explicitamente aos professores, servindo-se do vocativo Ao professor, e foi assinado
pelo excelentíssimo senhor Paulo Renato Souza, Ministro da Educação e do Desporto, na
época do lançamento desse material, que acaba assim assumindo a responsabilidade técnica
pela confecção do documento. Logo, a primeira informação que o sujeito interpretante possui
é de que esse documento conta com o aval do governo federal, o que o leva a projetar a
54
imagem de um enunciador, o ministro que esteve no comando do Ministério da Educação,
como alguém legitimado a tomar a palavra, quer dizer, a elaborar tais orientações.
É possível inferir do mencionado trecho, que a proposta (PP) desses parâmetros se
coloca como balizadora da prática docente e como instrumento útil, fazendo um julgamento
(JG) de que fazem parte dessa prática discussões pedagógicas na escola, elaboração de
projetos educativos, planejamento de aulas, reflexão sobre a prática educativa e análise do
material didático. Logo, ao fazer essa leitura, o professor depreenderá que essas atividades
fazem parte de suas atribuições, e, provavelmente, essas agirão sobre o professor de modo a
construir traços de sua identidade social. Há, ainda, no trecho citado, marcas enunciativas
próprias do comportamento alocutivo no qual o locutor é implicado (seu, sua, note, sua).
Ao longo do documento elaborado por uma equipe composta por trinta pessoas cujos
nomes foram elencados na ficha técnica foi possível detectar um forte apelo à necessidade de
uma reflexão sobre o papel desempenhado pela escola assim como o que, quando, como e
para que ensinar e aprender. Segundo o texto, não basta apresentar ao aluno uma gama de
conhecimentos e dizer-lhe que posteriormente estes lhe serão úteis. Para os PCNs, é
necessário pensar na formação dos estudantes para o desenvolvimento de suas capacidades
em função de novos saberes que se produzem e que demandam um novo tipo de profissional.
Logo, os conteúdos a serem ensinados devem fazer sentido para o aluno no momento em que
são ensinados e ainda servir de base para novos aprendizados, acentuando que a dinâmica do
processo de aprendizagem é cíclica e permanente.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais expressam uma grande preocupação em
melhorar a qualidade da educação no País. De acordo com o documento, o fracasso escolar
está diretamente relacionado com a questão da leitura e da escrita, visto que a escola tem
enfrentado dificuldades para ensinar a ler e a escrever. A consequência disso é que muitos
alunos ficam reprovados, situação julgada inaceitável (JG) sobretudo em séries iniciais, pelo
fato de não atingirem o rendimento esperado e acabam por abandonar a escola. Aliás, neste
fragmento, a voz do locutor é apagada pelo comportamento delocutivo, utilizando-se de uma
forma impessoal (Sabe-se que), como se fosse de conhecimento de todos que o alto índice de
repetência nas séries iniciais fosse proveniente da dificuldade da escola para ensinar a ler e a
escrever, trazendo para a reflexão questões relacionadas ao Letramento e ao
Sociointeracionismo. Todavia, quem ensina a ler não é a escola e sim o professor. Logo, a
culpa desse insucesso estaria ligada ao fracasso do trabalho executado pelo professor.
55
No ensino fundamental, o eixo da discussão, no que se refere ao fracasso escolar,
tem sido a questão da leitura e da escrita. Sabe-se que (AS) os índices brasileiros
de repetência nas séries iniciais — inaceitáveis mesmo em países muito mais
pobres (JG) — estão diretamente ligados à dificuldade que a escola tem de ensinar a
ler e a escrever. (Parâmetros Curriculares Nacionais de ensino de 1ª à 4ª série de
Língua Portuguesa, 1997, p. 19)
Por outro lado, há alunos que conseguem ser aprovados e quando chegam às
Universidades sentem dificuldades tanto para compreender os textos propostos para a leitura
quanto para organizar as ideias por escrito, conforme o trecho a seguir:
... a dificuldade dos alunos universitários em compreender os textos propostos para
leitura e organizar idéias por escrito de forma legível levou universidades a trocar os
testes de múltipla escolha dos exames vestibulares por questões dissertativas e a não
só aumentar o peso da prova de redação na nota final como também a dar-lhe um
tratamento praticamente eliminatório. (Parâmetros Curriculares Nacionais de ensino
de 1ª à 4ª série de Língua Portuguesa, 1997, p. 19)
Para melhorar essa realidade, os PCNs sugerem um trabalho a ser realizado a partir de
textos autênticos pertencentes a diferentes gêneros textuais para que o aluno expanda seu
conhecimento letrado. Mais uma vez, o texto institui o professor como aquele que realizará
essa solicitação, ou seja, a de trabalhar com textos autênticos, levando-se em consideração
que a formulação do trecho em destaque no enunciado abaixo pode ser compreendida pelo
interlocutor (professor) como uma ação a ser realizada, como uma ordem (IJ):
Ensinar a escrever textos torna-se uma tarefa muito difícil fora do convívio com
textos verdadeiros. Todo texto pertence a um determinado gênero, com uma forma
própria, que se pode aprender. A diversidade textual que existe fora da escola pode
e deve estar a serviço da expansão do conhecimento letrado do aluno (IJ).
(Parâmetros Curriculares Nacionais de ensino de 1ª à 4ª série de Língua Portuguesa,
1997, p. 28)
Segundo o documento normatizador, uma das motivações para que o aluno se
interesse pela leitura e sinta prazer ao fazê-la, estaria relacionada aos tipos de textos lidos,
que, de alguma forma, despertam algum sentimento no aluno, sendo o professor o responsável
pela escolha deles, pelo desenvolvimento da atividade a ser elaborada e pela orientação para a
reflexão do aluno. O professor contribuiria também nesse processo mostrando sua experiência
enquanto leitor, servindo de modelo para seu aluno. Sob a aparência de uma possibilidade e
de uma necessidade, as recomendações descritas acabam recaindo sobre a escola e sobre o
56
professor como obrigações, injunções. Dessa forma, implicitamente, o sucesso na
aprendizagem do aluno estaria parcialmente atrelado à relação que o professor tem com a
escrita e com a leitura.
Além de ser aquele que ensina os conteúdos, é alguém que pode ensinar o valor
que a língua tem, demonstrando o valor que tem para si.(IJ) Se é um
usuário da escrita de fato, se tem boa e prazerosa relação com a leitura, se gosta
verdadeiramente de escrever, funcionará como um excelente modelo para seus
alunos. (Parâmetros Curriculares Nacionais de ensino de 1ª à 4ª série de Língua
Portuguesa, 1997, p. 38)
Logo, o eixo da aprendizagem de línguas não mais se limita a desvendar o significado
isolado de cada palavra nem saber decifrar seus signos. Conforme um trecho dos PCNs
aprender uma língua “é aprender não só as palavras, mas também seus significados culturais e
com eles, os modos pelos quais as pessoas do seu meio social entendem e interpretam a
realidade e a si mesmas”.4
A grande preocupação dos PCNs é formar cidadãos capazes de compreender os
diferentes tipos de textos com os quais se defrontam, pois, segundo eles, durante muitos anos,
a escola ensinou os alunos a decodificar os textos, esquecendo-se de cuidar da tarefa de
compreensão do texto.
É preciso superar algumas concepções sobre o aprendizado inicial da leitura (AS).
A principal delas é a de que ler é simplesmente decodificar, converter letras em
sons, sendo a compreensão conseqüência natural dessa ação. Por conta desta
concepção equivocada a escola vem produzindo grande quantidade de
“leitores” capazes de decodificar qualquer texto, mas com enormes dificuldades para
compreender o que tentam ler. (Parâmetros Curriculares Nacionais de ensino de 1ª à
4ª série de Língua Portuguesa, 1997, p. 42)
Para tanto, o documento recomenda contar com o conhecimento de mundo que o aluno
possui para que interaja com os novos conhecimentos e produzam sentido para esse aluno
(AS). Essa asserção se desdobra em um tipo de obrigação e assim é absorvida pelos
professores. Os PCNs afirmam que se os professores trabalharem com metodologias que
priorizem a construção de estratégias de verificação e comprovação de hipóteses, construção
da argumentação, desenvolvimento de espírito crítico certamente contribuirão para que o
aluno se torne autônomo e tenha segurança em suas capacidades, sendo capaz de interagir
com outras pessoas de diferentes níveis sociais em contextos distintos. Com isso, o aluno
4 Trecho retirado dos Parâmetros Curriculares Nacionais de ensino de 1a à 4a série de Língua Portuguesa, página
22.
57
estará preparado para transformar a realidade além de ser ajudado a adotar uma nova postura
face ao mercado de trabalho, que busca um novo tipo de profissional. Mais uma vez,
observamos a recorrência de uma asserção (AS) com a configuração de uma obrigação no
enunciado a seguir:
De certa forma, é preciso agir (AS) como se o aluno já soubesse aquilo que deve
aprender. Entre a condição de destinatário de textos escritos e a falta de habilidade
temporária para ler autonomamente é que reside a possibilidade de, com a ajuda
dos já leitores, aprender a ler pela prática da leitura. Trata-se de uma situação na
qual é necessário que o aluno ponha em jogo tudo que sabe para descobrir o que
não sabe, portanto, uma situação de aprendizagem. Essa circunstância requer do
aluno uma atividade reflexiva que, por sua vez, favorece a evolução de suas
estratégias de resolução das questões apresentadas pelos textos. (Parâmetros
Curriculares Nacionais de ensino de 1ª à 4ª série de Língua Portuguesa, 1997, p. 42)
3.1.2 PCNs de Língua Estrangeira (Ensino Fundamental – 6º ao 9º ano)
Passaremos então para a prescrição dos parâmetros curriculares no ensino de língua
estrangeira. Lembramos que a lei número 9.394 de 20 de dezembro de 1996, intitulada Lei de
Diretrizes e Bases da educação, impõe no título V capítulo II artigo 26 parágrafo quinto que
seja incluído o ensino de pelo menos uma língua estrangeira na parte diversificada do
currículo a partir da 5a série (atual 6º ano), e para o Ensino Médio cita que será incluída uma
língua estrangeira moderna como disciplina obrigatória e uma segunda em caráter optativo
(artigo 36). Assim, percebemos que não há obrigatoriedade de ensino de língua estrangeira
antes do 6º ano escolar.
Faremos agora um breve estudo acerca das propostas curriculares para o ensino de
língua estrangeira no Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Para o contexto dessa tese,
torna-se relevante essa reflexão pois os professores que participaram das entrevistas que
resultaram no nosso corpus podem atuar tanto no Ensino Médio quanto no ensino
fundamental. Conforme a prescrição da Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996, intitulada Lei
de Diretrizes e Bases da educação, impõe no título IV, artigo 10, inciso VI, que os Estados
devem assegurar o ensino fundamental e oferecer com prioridade, o Ensino Médio a todos que
o demandarem e, no artigo 11, inciso V deixa claro que os Municípios devem oferecer a
Educação Infantil e, com prioridade sobre qualquer outro nível de ensino, o Fundamental.
Também no artigo 10, parágrafo único, fica estabelecido que ao Distrito Federal caberá a
competência referente aos Estados e Municípios.
58
Em 1998, o ministério da educação lançou os Parâmetros Curriculares Nacionais para
o ensino de língua estrangeira no nível fundamental. Assim como o texto publicado em 1997,
este documento se dirige explicitamente aos professores, servindo-se do vocativo Ao
professor, e foi assinado pelo excelentíssimo senhor Paulo Renato Souza, Ministro da
Educação e do Desporto, na época do lançamento desse material. Na ficha técnica constam
trinta e oito nomes na equipe de elaboração do material e alguns desses nomes também
apareceram no documento de 1997. Visou-se, com a divulgação desse material, restaurar o
papel da língua estrangeira na formação educacional. Segundo o próprio documento, “embora
seu conhecimento seja altamente prestigiado na sociedade, as línguas estrangeiras, como
disciplinas, se encontram deslocadas da escola.”5
Nessa proposta, assim como verificamos nas definições gerais dos Parâmetros
Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, também no ensino de língua estrangeira, a
leitura ganha destaque. Através das habilidades de leitura a serem desenvolvidas nas aulas, o
aluno pode encontrar nessa disciplina um auxílio para a aprendizagem de leitura em língua
materna:
Portanto, a leitura atende, por um lado, às necessidades da educação formal, e, por
outro, é a habilidade que o aluno pode usar em seu contexto social imediato. Além
disso, a aprendizagem de leitura em Língua Estrangeira pode ajudar o
desenvolvimento integral do letramento do aluno. A leitura tem função
primordial na escola e aprender a ler em outra língua pode colaborar no
desempenho do aluno como leitor em sua língua materna. (Parâmetros
Curriculares Nacionais de ensino de 5ª à 8ª série de língua estrangeira, 1998, p. 21)
O documento ressalta o foco na leitura não só por acreditar que o trabalho
desenvolvido através dessa habilidade cumpra a função social das línguas estrangeiras no país
mas também por reconhecer a dificuldade das escolas brasileiras com suas classes lotadas,
horários reduzidos de aulas, falta de material didático e até mesmo profissionais
despreparados. Mais uma vez, conforme mostra o trecho abaixo, a marca do enunciador é
apagada e a informação sobre as condições da escola é apresentada como se fosse conhecida
por todos (AS). Desta forma, o trabalho de leitura seria justificável, sem falar que essa
proposta de trabalho demanda custos bastante reduzidos. Além disso, os exames formais em
língua estrangeira exigem o domínio da habilidade de leitura:
5 Trecho retirado dos Parâmetros Curriculares Nacionais de ensino de 5ª à 8ª série de língua estrangeira, página
19.
59
Deve-se considerar (AS) também o fato de que as condições na sala de
aula da maioria das escolas brasileiras (carga horária reduzida, classes
superlotadas, pouco domínio das habilidades orais por parte da maioria dos
professores, material didático reduzido a giz e livro didático etc.) podem
inviabilizar o ensino das quatro habilidades comunicativas... Isso não
quer dizer, contudo, que dependendo dessas condições, os objetivos não possam
incluir outras habilidades, tais como compreensão oral e produção oral e escrita.
(Parâmetros Curriculares Nacionais de ensino de 5ª à 8ª série de língua estrangeira,
1998, p. 20)
Através da língua estrangeira almeja-se também contribuir na construção da cidadania,
pois envolve aspectos sociais, políticos e econômicos. Esse aprendizado resulta em outra
possibilidade de agir no mundo. Com o aprendizado de uma língua estrangeira durante os
quatro primeiros anos (do 6º ao 9º ano) os PCNs objetivam que, em relação à atividade de
leitura, o aluno seja capaz de6 :
Vivenciar uma experiência de comunicação humana, pelo uso de uma língua
estrangeira, no que se refere a novas maneiras de se expressar e de ver o mundo,
refletindo sobre os costumes ou maneiras de agir e interagir e as visões de seu
próprio mundo, possibilitando maior entendimento de um mundo plural e de seu
próprio papel como cidadão de seu país e do mundo;
Construir conhecimento sistêmico, sobre a organização textual e sobre como e
quando utilizar a linguagem nas situações de comunicação, tendo como base os
conhecimentos da língua materna;
Ler e valorizar a leitura como fonte de informação e prazer utilizando-a como meio
de acesso ao mundo do trabalho e dos estudos avançados.
Verificamos mais uma vez que o eixo da aprendizagem está baseado no trabalho
realizado com textos e de como a atividade de leitura pode contribuir na formação do cidadão,
ampliando e enriquecendo seu conhecimento de mundo. Logo, cabe ao professor o
desenvolvimento de estratégias para que o aluno atinja tais objetivos.
3.1.3 PCNEM de Língua Estrangeira (Ensino Médio – 1ª a 3ª série)
Voltando o olhar para os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira no
Ensino Médio (PCNEM), publicados em 2000, percebemos uma modificação em sua
estrutura. Na apresentação do documento não são citados remetentes nem destinatários da
mensagem. Expõe-se somente o nome de uma coordenadora de área e de seis consultores
6 Trecho retirado dos Parâmetros Curriculares Nacionais de ensino de 5ª à 8ª série de língua estrangeira, páginas
66 e 67
60
como responsáveis pela confecção do material, nomes esses que não haviam aparecido na
elaboração dos Parâmetros publicados em 1997 e 1998.
O documento voltado para o Ensino Médio destaca como objetivo dessa fase o de
continuar o trabalho desenvolvido anteriormente e acrescentar outras habilidades e
competências para que ao final desta etapa o aluno possa utilizá-las em sua vida pessoal,
acadêmica e, sobretudo, profissional. O enunciado abaixo, construído de forma impessoal,
utiliza-se da modalidade da asserção (AS) com a configuração de uma obrigação, atribuindo
ao professor a capacitação do aluno de modo que ele compreenda e produza enunciados na
língua estrangeira, levando a atingir conhecimento linguístico satisfatório e contribuindo na
sua formação geral:
Torna-se (AS), pois, fundamental, conferir ao ensino escolar de Línguas
Estrangeiras, um caráter que, além de capacitar o aluno a compreender e a
produzir enunciados corretos no novo idioma, propicie ao aprendiz a
possibilidade de atingir um nível de competência linguística capaz de
permitir-lhe acesso a informações de vários tipos, ao mesmo tempo em
que contribua para a sua formação geral enquanto cidadão. (Parâmetros Curriculares
Nacionais do Ensino Médio de língua estrangeira, 2000, p. 26)
O texto destaca ainda a necessidade do desapego pelas habilidades linguísticas e a
importância do desenvolvimento da competência comunicativa através da aprendizagem de
seus componentes, tais como reconhecimento de variantes linguísticas, adequação do registro
à situação de comunicação, estudo de aspectos culturais e/ou sociais daquele povo; utilização
de mecanismos de coesão e coerência e uso de estratégias verbais e não verbais. Para tanto, o
documento postula que o aprendizado de língua estrangeira deve ter como eixo central o
desenvolvimento da competência comunicativa e a concepção de língua expressa no texto é
associada a um veículo de comunicação de um povo e, através dela, culturas, tradições e
conhecimentos são transmitidos. Novamente o enunciado faz uso da modalidade delocutiva,
servindo-se da categoria modal da asserção (AS) com a configuração de uma obrigação.
Logo, cabe ao professor a tarefa de desenvolver as competências gramatical, sociolinguística,
discursiva e estratégica a fim de que o aluno possua uma boa competência comunicativa.
Para poder afirmar que um determinado indivíduo possui uma boa competência
comunicativa em uma dada língua, torna-se necessário (AS) que ele possua um
bom domínio de cada um dos seus componentes. Assim, além da competência
gramatical, o estudante precisa possuir um bom domínio da competência
sociolinguística, da competência discursiva e da competência estratégica. Esses
61
constituem, no nosso entender, os propósitos maiores do ensino de línguas
Estrangeiras no Ensino Médio. (Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio
de língua estrangeira, 2000, p. 29)
Antes de passarmos para a próxima seção na qual introduziremos nossos comentários
acerca dos documentos oficiais sob a perspectiva sociológica de Bourdieu, gostaríamos de
destacar a recorrência das construções dos enunciados nos quais o sujeito falante se apaga.
Grande parte dos enunciados trazidos à discussão possui formulação em terceira pessoa, o que
configura o comportamento delocutivo. Dentro desse comportamento, a modalidade que
sobressai é a da asserção, ou seja, uma afirmação sobre algo, sendo que essa asseveração
possui uma configuração de obrigação pela forma como os enunciados são apresentados. Por
essa razão insistimos em dizer que, embora o documento se proponha a ser um balizador das
práticas docentes, muitos dos enunciados recorrem a categorias modais que levam o leitor a
compreendê-los como obrigações a serem cumpridas.
3.2 A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO DE BOURDIEU E AS DIRETRIZES DO ENSINO
3.2.1 Breves Comentários
Após a apresentação de alguns pontos colocados em evidência pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais sobre o ensino de línguas, introduziremos comentários acerca de nossa
concepção sobre esse ensino nas diferentes etapas escolares. Lembramos que os PCNs traçam
uma identidade social dos professores e eles se espelham nesses documentos para construir
seus princípios de ação pedagógica.
Iniciando as considerações pela primeira fase escolar do ensino fundamental, ou seja,
da 1ª à 4ª série, na nomenclatura atual 2º ao 5º ano, esclarecemos que os documentos
analisados foram: a introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais, na qual se explica sua
proposta, seus princípios e fundamentos e seus objetivos bem como os Parâmetros
Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa. Conforme dissemos anteriormente, nessa fase o
ensino de língua estrangeira não se faz obrigatório, logo não há orientação para esse estudo.
Assim, nosso olhar voltou-se para os PCNs de Língua Portuguesa pelo fato de as prescrições e
os objetivos do trabalho nessa disciplina nortearem o ensino da língua estrangeira na fase
posterior.
Seja na parte introdutória, seja na parte direcionada à Língua Portuguesa, os PCNs
apresentam importantes reflexões acerca do processo de ensino/aprendizagem no Brasil. Para
62
a realidade do estudante brasileiro, a questão da leitura merece destaque, ocupando o eixo
central da educação no país. Segundo o documento, muitos alunos concluíam os estudos sem
sequer conseguir interpretar um parágrafo de uma notícia de jornal. Outros abandonavam as
salas de aula devido às inúmeras dificuldades de aprendizagem enfrentadas, sobretudo no
domínio da língua, que até então era reduzida ao ensino da língua padrão. É verdade que
durante muito tempo ignorou-se a realidade social dos alunos. Somente após os anos 80
começou-se a desvelar as razões pelas quais as crianças que vinham de famílias menos
favorecidas pareciam ter menos desenvoltura para lidar com as demandas escolares que as de
famílias mais favorecidas. Parece-nos que, uma década à frente, Pierre Bourdieu já tivesse
atentado para essas questões de cunho social e percebido que os valores difundidos na escola
eram aqueles disseminados pelas classes sociais dominantes.
Como diz Bourdieu (1970,2008), sem dúvida a instituição escolar legitima e reproduz
a hierarquia social, justamente porque a competência legítima pode, muitas vezes, funcionar
como capital linguístico de distinção. Para ele, tanto a seleção dos conteúdos a serem
trabalhados na escola quanto as práticas linguísticas são próprias às classes dominantes,
gerando assim um sentimento de “desencorajamento”, de “desânimo” nos alunos das classes
populares. Em contraste, os alunos oriundos das classes sociais mais favorecidas dispõem de
um capital cultural herdado de suas famílias, que lhes permitem o acesso a livros, viagens,
obras de arte e até mesmo o tipo de linguagem ao qual têm acesso, contribuindo para o
sucesso escolar dos filhos destas classes. A essa reprodução de saberes/representações
privilegiados pelas classes dominantes em detrimento daqueles trazidos pelas classes
dominadas, a essa dominação imposta pela aceitação das regras, a essa incapacidade de
conhecer as práticas linguísticas, Bourdieu elabora a noção de violência simbólica:
Toda ação pedagógica é objetivamente uma violência simbólica enquanto
imposição, por um poder arbitrário, de um arbítrio cultural. (Bourdieu; Passeron,
1970, 2008, p. 26)
Contudo, através da leitura dos PCNs, sentimos uma enorme vontade em mudar essa
realidade tão presente nas escolas do nosso país e o desejo de lutar contra essa violência
simbólica que Bourdieu tanto criticou. Circula nos discursos normatizadores do ensino no
Brasil a possibilidade de reconhecer as distintas variantes linguísticas e os seus valores, a
aceitação de uma norma em detrimento de outra desde que em consonância com o seu
63
contexto de utilização. Para exemplificar, extraímos um trecho do documento que aborda os
objetivos gerais de Língua Portuguesa para essa fase do ensino fundamental7:
expandir o uso da linguagem em instâncias privadas e utilizá-las com eficácia em
instâncias públicas, sabendo assumir a palavra e produzir textos – tanto orais como
escritos – coerentes, coesos, adequados a seus destinatários, aos objetivos a que se
propõem e aos assuntos tratados;
utilizar diferentes registros, inclusive os mais formais da variedade linguística
valorizada socialmente, sabendo adequá-los às circunstâncias da situação
comunicativa de que participam.
Bourdieu compreende o universo social a partir do conceito de valor distintivo
formulado por Saussure. Enquanto que para Saussure “na língua, como em todo sistema
semiológico, o que distingue um signo é tudo o que o constitui. A diferença é o que faz a
característica, como faz o valor e a unidade” (SAUSSURE, 1916, 1999, p. 140), para
Bourdieu a noção de valor aparece para explicar a dinâmica das classes sociais, tanto em seus
aspectos econômicos quanto simbólicos. As ações simbólicas exprimem a posição social
segundo uma lógica proveniente da estrutura social, a lógica da distinção. Os signos devem o
essencial de seu “valor” à sua posição em uma estrutura social definida como sistema de
posições e oposições.
Dando sequência aos comentários em relação aos PCNs, passaremos agora para
análise de trechos do documento voltados mais precisamente para o papel da língua
estrangeira do 6º ao 9º ano do ensino fundamental. Nessa fase, é exigido o ensino de pelo
menos uma língua estrangeira no currículo.
O documento elucida que aprender uma língua estrangeira não se limita a conhecer as
regras gramaticais que a regem ou ter conhecimento de um grande número de palavras. Aliás,
o locutor declara sua desaprovação e julga (JG) que essa prática só resultaria no desinteresse
do aluno, conforme o trecho abaixo:
... ao se entender a linguagem como prática social, como possibilidade de
compreender e expressar opiniões, valores, sentimentos, informações, oralmente e
por escrito, o estudo repetitivo de palavras e estruturas apenas resultará no
desinteresse do aluno em relação à língua (JG). (Parâmetros Curriculares Nacionais
de ensino de 5ª à 8ª série de língua estrangeira, 1998, p. 54)
7 Trecho retirado dos Parâmetros Curriculares Nacionais de ensino de 1ª à 4ª série de Língua Portuguesa, página
33
64
A maior validade neste aprendizado seria fazer com que os alunos aprendessem a se
comunicar em contextos quotidianos, conhecessem uma nova cultura, adquirissem uma nova
visão de mundo, ampliando assim seu conhecimento de mundo. Objetivando contemplar
também essa visão social, através da leitura, haveria possibilidade de se atingir essas metas.
Além disso, é preciso ter em vista que os conhecimentos que o aluno possui em língua
materna auxiliarão no aprendizado da língua estrangeira e que as estratégias de leitura
ensinadas nas aulas de língua estrangeira auxiliarão os alunos na leitura de textos em língua
materna. Outras habilidades comunicativas também podem ser trabalhadas, segundo o
documento, porém a maioria das escolas brasileiras apresenta algumas incompatibilidades
estruturais para o desenvolvimento de habilidades de compreensão e expressão oral, como por
exemplo, o excessivo número de alunos, carga horária reduzida, falta de material didático e de
recursos didáticos (aparelho de som, projetor, televisão, aparelho de DVD, etc).
Entretanto, afirmar que desenvolvimento das habilidades orais fique comprometido
pelo fato de a maioria dos professores possuírem pouco domínio dessas habilidades talvez
não seja o melhor a ser feito. Alguns professores podem ter desenvolvido pouco suas
habilidades orais, seja porque não foram exploradas na faculdade, seja porque realmente
tenham tido dificuldades em desenvolvê-las, mas essa não deve ser a razão pela qual o
trabalho de leitura tenha que ser priorizado. O documento “naturaliza” as condições precárias
da escola, cabendo aos professores o ônus de promover o conhecimento dos alunos “apesar”
dessas condições – com seus próprios meios.
Outro aspecto que gostaríamos de mencionar refere-se ao papel das línguas
estrangeiras na escola. Em suas considerações preliminares, os PCNs julgam que apesar de o
conhecimento de línguas estrangeiras gozar de prestígio na sociedade, a disciplina encontra-se
deslocada do contexto escolar (JG). No entanto, impõem que seu ensino deva ocorrer na
escola (IJ):
Embora seu conhecimento seja altamente prestigiado na sociedade, as línguas estrangeiras, como disciplinas, se encontram deslocadas da escola.
(JG) A proliferação de cursos particulares é evidência clara para tal afirmação. Seu
ensino, como o de outras disciplinas, é função da escola, e é lá que deve ocorrer
(IJ). (Parâmetros Curriculares Nacionais de ensino de 5ª à 8ª série de língua
estrangeira, 1998, p. 19)
Durante todo o percurso escolar, o aluno seria exposto àquela mesma língua e teria
condições de concluir o Ensino Médio com noções solidificadas sobre a mesma, ou até
mesmo, expor o aluno a diferentes línguas continuamente. O que não pode acontecer, segundo
65
a constatação dos PCNs (AS), é a escola interromper o ensino de uma língua a cada ano letivo
e oferecer outra em seu lugar, pois o aluno deixará a escola sem conhecimento de qualquer
das línguas com que tenha tido contato:
Não há como (AS) propiciar avanços na aprendizagem de uma língua, propondo
ao aluno a aprendizagem de espanhol na quinta série, de francês na sexta e sétima, e
de inglês na oitava série. (Parâmetros Curriculares Nacionais de ensino de 5ª à 8ª
série de língua estrangeira, 1998, p. 20)
Ainda sobre o texto relacionado ao ensino do 6º ao 9º ano, gostaríamos de trazer à
baila uma questão que tem sido motivo de debate tanto nas salas dos professores e nos lares
dos alunos quanto nos meios acadêmicos sobre a escolha da língua estrangeira a ser ensinada
na escola. É de conhecimento de todos que o inglês tem papel hegemônico no campo dos
negócios e das trocas internacionais. Como consequência, as pessoas priorizam seu
aprendizado e acabam sendo consumidoras passivas de sua cultura. Nossa sociedade é
fundamentalmente capitalista, cuja visão de língua é meramente utilitarista. Para uma
sociedade de consumo, só mesmo as línguas “úteis” (leia-se, capaz de permitirem a trocas de
capitais) teriam valor.
Cabe ressaltar que mesmo no que concerne à Língua Inglesa, ela somente é válida
como instrumento fixo – nem pensar em ideologia, cultura, etc. Nesse sentido, inglês e
francês compartilham o mesmo problema. Porém, no caso do francês, o problema se apresenta
de forma mais intensa porque o domínio científico se dá em inglês. Não estamos querendo
aqui renegar a importância dessa língua estrangeira na vida de nossos alunos. Seu valor é
reconhecido. Porém, acreditamos que esse aprendizado também possa ser utilizado na
formação de uma consciência crítica que nos faça repensar a hegemonia da Língua Inglesa.
Apesar de o documento reconhecer essas questões (AS), tende a reforçar o ensino do inglês e
do espanhol (AS):
Por um lado, há de considerar o valor educacional e cultural das línguas (AS),
derivado de objetivos tradicionais e intelectuais para a aprendizagem de Língua
Estrangeira que conduzam a uma justificativa para o ensino de qualquer língua. Por
outro lado, há de considerar as necessidades linguísticas da sociedade e suas
prioridades econômicas (AS), quanto a opções de línguas de significado econômico
e geopolítico em um determinado momento histórico. Isso reflete a atual posição do
inglês e do espanhol no Brasil. (Parâmetros Curriculares Nacionais de ensino de 5ª à
8ª série de língua estrangeira, 1998, p. 40).
Conforme desenvolvido anteriormente pelos PCNs, a língua estrangeira capacita o
aluno a refletir sobre a realidade social, política e econômica e, acreditamos que isso seria
66
viável através do aprendizado de qualquer língua estrangeira moderna, ou até mesmo de um
aprendizado de uma segunda língua estrangeira, ainda que introdutório, em uma tentativa de
conscientização do aluno e aceitação das diferenças.
Mergulhando nos PCNEM, Parâmetros Curriculares Nacionais direcionados ao Ensino
Médio, trazemos como primeira observação a preocupação do documento em resgatar a
importância das línguas estrangeiras que outrora lhes foi negada, já que essa disciplina foi,
durante bastante tempo, considerada como “pouco relevante”. Entretanto, o texto reforça que
“elas adquirem, agora, a configuração de disciplina tão importante como qualquer outra do
currículo, do ponto de vista da formação do indivíduo” 8. Dessa forma, fica claro que o Estado
reconheceu a particularidade da disciplina e sentiu a necessidade de atribuir-lhe o mesmo
“status” de qualquer outra.
Todavia, o documento julga que dois fatores foram decisivos na desvalorização da
disciplina em relação às outras (JG): a reduzida carga horária e a má formação dos professores
de língua estrangeira, que talvez não tenham utilizado ferramentas que levassem o aluno a se
interessar pela língua estrangeira, transferindo assim um pouco da culpa do insucesso da
disciplina ao próprio professor:
Fatores como o reduzido número de horas reservado ao estudo das línguas
estrangeiras e a carência de professores com formação linguística e pedagógica, por
exemplo, foram os responsáveis pela não aplicação efetiva dos textos legais (JG)
(que indicavam a introdução das línguas estrangeiras vivas). Assim, em lugar de
capacitar o aluno a falar, ler e escrever em um novo idioma, as aulas de Línguas
Estrangeiras Modernas nas escolas de nível médio, acabaram por assumir uma
feição monótona e repetitiva que, muitas vezes, chega a desmotivar
professores e alunos (JG)... (Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino
Médio de língua estrangeira, 2000, p. 25)
Não obstante, os PCNEM revelam que a língua predominante no currículo durante
muito tempo foi o inglês e que, por essa razão, houve menor interesse em se estudar as outras
línguas. A consequência é que mesmo quando a escola manifestava o interesse em incluir a
oferta de outra língua estrangeira, não havia profissional qualificado para assumir a sala de
aula nem para elaborar material didático capaz de fazer o aluno se interessar pela
aprendizagem daquela língua, fazendo com que as aulas fossem pautadas, quase sempre,
“apenas no estudo de formas gramaticais, na memorização de regras e na prioridade da língua
escrita e, em geral, tudo isso de forma descontextualizada e desvinculada da realidade”9. Mais
8 Trecho retirado dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio de língua estrangeira, página 25
9 Trecho retirado dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio de língua estrangeira, página 26
67
uma vez, temos a sensação de que a responsabilidade pelo fracasso na aprendizagem de língua
estrangeira recai sobre o professor. Acerca dessa questão, poderíamos acrescentar que as
metodologias de ensino de LE também são sócio-historicamente marcadas e que, se em algum
momento uma habilidade foi priorizada em detrimento de outra, provavelmente, a época
impunha tal necessidade. Entretanto, reconhecemos que essas metodologias continuaram a ser
reproduzidas em um momento em que não cabiam mais, o que nos leva a reconhecer a
existência de práticas deslocadas de ensino de LE. Porém, essa generalização trazida pelo
documento visando encontrar uma relação de causa-efeito para o insucesso ou para a
desmotivação dos alunos fica um pouco fora de propósito.
Em contrapartida, a proposta que os PCNEM trazem para o Ensino Médio em relação
aos objetivos do ensino de língua estrangeira, almejando capacitar o aluno a compreender e a
produzir enunciados corretos e permitir-lhe acessar informações de vários tipos, contribuindo
para sua formação geral enquanto cidadão apresenta-se em consonância com os objetivos
traçados pelos PCNs voltados para as etapas de ensino anteriores ao Ensino Médio. A
discussão mais ampla, entretanto, gira em torno de qual língua estrangeira deve ser ensinada
na escola e do monopólio linguístico.
O documento explicita que a Língua Inglesa é de fundamental importância para a vida
do aluno no mundo em que vivemos, mas que essa não deve ser a única a ser ofertada.
Tampouco, julga-se conveniente substituir esse monopólio pela Língua Espanhola, visto o
crescimento do número de pessoas motivadas a aprendê-la por questões profissionais e
econômicas. Preza-se pela descentralização do ensino, uma vez que a disciplina de Língua
Estrangeira precisa atender “às diversidades, aos interesses locais, e às necessidades do
mercado de trabalho no qual se insere ou virá a inserir-se o aluno.” 10
Porém, no parágrafo
seguinte, os PCNEM ressaltam que o Ensino Médio tem um compromisso direto com a
educação para o trabalho e que é de “domínio público” a importância do inglês e do espanhol
na vida profissional das pessoas.
A nossa frente, um paradoxo: não se deve restringir o ensino de língua estrangeira ao
inglês e ao espanhol, pois o aluno deve ter acesso ao conhecimento de diferentes culturas, mas
o senso comum diz que aprender inglês e espanhol é mais útil na vida profissional de um
aluno do que qualquer outra língua estrangeira. Mais uma vez, o discurso normatizador é
atravessado por uma visão utilitarista, mercadológica, enfim, capitalista. Como as duas
10
Trecho retirado dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio de língua estrangeira, página 27
68
premissas são apresentadas como prioritárias no Ensino Médio (expor o aluno às diversidades
culturais e contribuir na sua formação profissional), a solução encontrada foi a de trabalhar as
outras línguas estrangeiras em caráter optativo, considerando-se que a Lei de Diretrizes e
Bases prevê a possibilidade de incluir uma segunda língua estrangeira no currículo. A escolha
da língua optativa terá que respeitar os interesses da clientela e se adequar às necessidades
daquela comunidade, “passando a organizar seus cursos de Línguas objetivando tornar-se algo
útil e significativo, em vez de representar apenas uma disciplina a mais na grade curricular”, o
que nos faz pensar que, em algum momento, esses cursos não foram organizados de forma a
levar o aluno a experienciar a utilidade deles.
Seis anos após a publicação dos PCNEM, o MEC lançou uma nova proposta de
trabalho para o Ensino Médio. Vejamos abaixo as orientações para esse ciclo.
3.2.2 Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
O Ministério da Educação (MEC) divulgou em 2006 as Orientações Curriculares para
o ensino de Línguas Estrangeiras no Ensino Médio. Cabe abrir um parêntese sobre esse texto
impresso e distribuído nas escolas, cujo espaço de discussão está voltado para o ensino de
inglês e de espanhol e propostas de reflexões acerca desses ensinos são apresentadas.
Entretanto, ressalta-se que as teorias expostas no documento se aplicam ao ensino de outras
Línguas Estrangeiras.
Neste documento, também endereçado aos professores, ressaltou-se novamente a
importância do trabalho sob uma perspectiva de inclusão social do aluno cujo foco atinja
aspectos culturais e educacionais, priorizando não somente as habilidades de leitura, como
também a prática escrita e a comunicação oral contextualizadas. Assim, implicitamente, o
professor depreende que faz parte do seu trabalho o desenvolvimento das três habilidades
citadas.
No que se refere às habilidades a serem desenvolvidas no ensino de Línguas
Estrangeiras no Ensino Médio, este documento focaliza a leitura, a
prática escrita e a comunicação oral contextualizadas. (Orientações
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, 2006, p. 87)
69
Segundo o texto de referência para o professor, desenvolver valores sociais, culturais,
políticos e ideológicos fazem parte do aprendizado de uma língua estrangeira, uma vez que
tais valores não podem ser dissociados do ensino de uma língua estrangeira e que seu
aprendizado tem que ir além de capacitar o aluno a utilizá-la para fins comunicativos. Além
disso, as atividades de leitura bem como concepções como letramento, multiletramento
podem contribuir igualmente para esse aprendizado. Logo, é tarefa do professor de língua
estrangeira desenvolver conceitos de cidadania, prática de leitura e de escrita e comunicação
oral:
Reiteramos, portanto, que a disciplina Línguas Estrangeiras na escola visa a
ensinar um idioma estrangeiro e, ao mesmo tempo, cumprir outros
compromissos com os educandos, como por exemplo, contribuir para a formação
de indivíduos como parte de suas preocupações educacionais. (Orientações
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, 2006, p. 91)
Além dessas duas novas propostas trazidas pelas orientações curriculares, desenvolver
valores que contribuem na formação do cidadão e incluir habilidades de expressão escrita e
oral voltadas para o conceito de letramento, também enfatiza que o ensino de Línguas
Estrangeiras para o Ensino Médio não deve se restringir ao mercado de trabalho, conforme
orientação do trecho a seguir (IJ), e lembra que seu objetivo maior é contribuir na formação
do aluno enquanto indivíduo e cidadão. Acerca da questão da língua estrangeira que deve ser
ensinada na escola, reconhece-se que, muitas vezes, pais, alunos e diretores defendem a
necessidade de língua estrangeira no currículo em vista do mercado de trabalho. Todavia, o
objetivo estabelecido para as línguas estrangeiras no Ensino Médio visa a criar possibilidades
de o cidadão dialogar com outras culturas, objetivo esse que pode ser alcançado através do
aprendizado de qualquer que seja a língua estrangeira. Vejamos o trecho a seguir:
Reforçamos que a proposta de ensino de Línguas Estrangeiras para o nível
médio não deve restringir-se ao mercado (IJ), lembrando seu caráter
educativo, de formação de alunos (indivíduos, cidadãos). (Orientações Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio, 2006, p. 119).
Esse desejo da comunidade escolar (pais, professores, alunos, diretores,
coordenadores) pela manutenção da Língua Inglesa no currículo é motivado pela busca por
uma colocação no mercado de trabalho que muitas vezes demanda esse saber ou pelas
70
exigências que as novas tecnologias nos impõem, ou porque essa é a língua das negociações
no mundo globalizado (IJ), conforme o excerto abaixo:
... (a proposta de ensino de Línguas Estrangeiras para o nível médio) não deve
negligenciar o mercado de trabalho (IJ), e que muitos alunos que concluem
esse nível de escolaridade saem em busca de trabalho.... (Orientações Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio, 2006, P. 119)
Dessa forma, apesar de reconhecermos tal demanda como legítima, acreditamos que
ela seja influenciada pelo movimento econômico-cultural da globalização. Somos ainda
levados a questionar a concepção plurilinguista inicialmente revelada nesses documentos
prescritivos. Tais textos trazem em suas apresentações a importância do desenvolvimento de
uma competência plural, aberta ao enriquecimento de novas competências em função de
novas experiências verbais, integrando aprendizagens escolares e extra-escolares. Todavia,
fica nítido, para nós leitores, que os documentos institucionais vêm reforçando a importância
do ensino do inglês e do espanhol. Ainda que aleguem que as prescrições para o
desenvolvimento do trabalho com essas línguas sirvam para todas as outras, de certa forma, as
exclui.
Novamente, estamos diante de outra reflexão de Bourdieu que o levou a desenvolver o
conceito central de sua teoria, o habitus. Para melhor entendermos esse conceito, trazemos,
resumidamente, algumas ideias difundidas pelo autor, sobretudo, como os bens de consumo
são propícios a exprimir as relações de distinção social e, ainda, como o gosto também é
característico das classes sociais.
La relation de distinction se trouve objectivement inscrite et se réactive, qu’on le
sache ou non, qu’on le veuille ou non, dans chaque acte de consommation, au
travers des instruments d’appropriation économiques et culturels qu’elle exige.
(BOURDIEU, 1982, p. 170).
A relação de distinção se encontra objetivamente inscrita e se reativa, sabendo ou
não, querendo ou não, em cada ato de consumo, através dos instrumentos de
apropriação econômicos e culturais exigidos por ela.11
A estratificação social pode ser apreendida nas práticas sociais. Esta evidência é
apontada por Bourdieu nas estatísticas de visitas aos museus, às bibliotecas ou à ópera. Em
um trabalho analítico realizado junto ao INSEE12
, ele reconhece que estas práticas são quase
11
Tradução nossa 12
Instituto Nacional de Estatística e Estudos Econômicos
71
exclusivas das “classes cultivadas”. Assim, buscando relacionar as práticas culturais às suas
classes sociais, o autor verifica a evidência do gosto como sendo um produto social. E, neste
sentido, ele acredita que os “bens de luxo”, por serem raros são consumidos apenas pelas
“classes dominantes” e são responsáveis, em grande parte, pelas classificações sociais de
distinção.
O gosto, julgamento estético e de valor, define o homem, segundo Bourdieu, pois ele
determina a classe social por ele ocupada. O capital cultural, grande responsável por este
julgamento, funciona como um sistema de classificações que vai do mais legítimo ao menos
legítimo. Tal legitimidade permite distinguir os agentes em relação a outros agentes
pertencentes a outras classes.
As práticas culturais e de consumo são fortemente desiguais se pensadas numa
estrutura social hierarquizada. Isto explica uma luta de classes no interior do espaço social,
uma vez que na tentativa de se afirmar socialmente, o consumo dos bens culturais e materiais
passa a ser uma prática de distinção social. Logo, a identidade social do indivíduo que repousa
sobre a sua filiação e que, de certa forma, é completada pela escola, passa a ser baseada na
vontade de distinção que acontece por meio de acúmulo de propriedades materiais e culturais.
Após esse mergulho em alguns dos pressupostos teóricos defendidos por Bourdieu,
podemos retomar o conceito de habitus. Esse nos permite entender de que forma a concepção
de mundo adquirida pelos indivíduos é socialmente definida. Erroneamente, acreditamos nas
manifestações subjetivas dos indivíduos quando pensamos em suas atitudes e formas de
conceber o mundo. Bourdieu busca esclarecer de que forma os indivíduos são determinados
por suas razões objetivas de existência. Este conceito é melhor definido quando subdividido
em dois componentes, o ethos e a hexis. O ethos é a forma interiorizada da moral que controla
a conduta cotidiana, permitindo a adesão aos valores comungados por um grupo social
dominante, enquanto que a hexis corresponde às definições do corpo, definições adquiridas
inconscientemente ao longo de sua formação, igualmente interiorizadas.
Portanto, somos levados a pensar até que ponto essa solicitação específica pela Língua
Inglesa no currículo não seria interpelada, mais uma vez, pelas normas, valores e crenças
arraigados nos indivíduos pertencentes às classes dominantes. Na abordagem bourdieusiana, a
escola legitima as desigualdades sociais e mantém a dominação dos dominantes sobre as
classes populares, impondo-lhes o reconhecimento do saber das classes dominantes como o
único legítimo.
72
Um dos efeitos menos percebidos da escolaridade obrigatória consiste no fato de que
elas conseguem obter das classes dominadas um reconhecimento do saber e do
saber-fazer legítimo (e.g.3 em matéria de direito, de medicina, de técnica, de
divertimento ou de arte), acarretando a desvalorização do saber e do saber-fazer que
elas detêm efetivamente (e.g. direito consuetudinário, medicina doméstica, técnicas
artesanais, divertimento ou arte). (BOURDIEU; PASSERON, 1970, 2008, p. 64).
Dessa forma, poderíamos concluir que a escolha da língua estrangeira a ser ensinada
na escola seria feita de forma a atender às necessidades da classe dominante. Por outro lado,
esse saber é imposto para a classe dominada como essencial, já que a classe dominante o
detém. Talvez, espelhando-se no habitus das classes dominantes, as classes dominadas
desejem para seus herdeiros uma realidade diferente da que tiveram e enxerguem no
aprendizado dessa língua estrangeira um meio de ascensão social. Esclarecemos que nossa
intenção não é buscar meios para justificar a preferência de uma língua estrangeira em
detrimento de outra. Gostaríamos apenas de apontar que tal escolha poderia ser motivada por
outros fatores diferentes daqueles citados anteriormente (globalização, mercado de trabalho,
exigências do mundo tecnológico), propiciando uma discussão travada à luz de conceitos
provenientes da visão sociológica bourdieusiana.
Vejamos a seguir a proposta da rede municipal para o ensino de línguas estrangeiras
no ensino fundamental na cidade do Rio de Janeiro.
3.2.3 Orientações Curriculares para a Rede Municipal
Com a necessidade de maior aprofundamento dos Parâmetros Curriculares Nacionais,
as redes de ensino municipais, estaduais e federais elaboraram suas próprias orientações
curriculares, não só contemplando os objetivos do ensino de língua estrangeira como os
conteúdos a serem trabalhados no decorrer do ano bem como as habilidades que deverão ser
desenvolvidas. O documento elaborado pela Secretaria Municipal de Educação (SME – RJ)
no ano de 2010 para o Ensino Fundamental contou com a participação de docentes de Língua
Inglesa, francesa e espanhola e as três disciplinas recebem as mesmas orientações de trabalho.
O texto também é endereçado aos professores através do vocativo Professor (a) e assinado
pela coordenadoria de Educação, em nome de três professoras: uma da área de francês, outra
de inglês e a terceira de espanhol. O material não é subdividido em seções distintas para cada
língua estrangeira. Há uma única referência para todas as línguas. Para exemplificar,
exporemos abaixo a orientação da rede municipal para o ensino de língua estrangeira no 9º
73
ano. Escolhemos a última série pois partimos do princípio de que esse já seja o quarto ano
consecutivo de estudo de língua estrangeira e acreditamos que o trabalho desenvolvido
anteriormente tenha servido de base para a série conclusiva desse ciclo. Priorizamos o Ensino
Fundamental visto que sua responsabilidade é atribuída aos municípios, segundo a Lei de
Diretrizes e Bases.
74
Aqui fizemos um recorte somente para ilustrar nossa discussão. Como podemos
constatar, sugere-se um trabalho voltado para uma abordagem mais cultural da aprendizagem
75
de línguas, para uma reflexão que estabeleça comparações com a língua materna do aluno e
que até o ajude a compreendê-la melhor. Além disso, notamos que a aprendizagem da leitura,
o reconhecimento dos gêneros discursivos e o desenvolvimento de habilidades de
compreensão leitora continuam na pauta do dia, fazendo com que essas orientações estejam
em consonância com as prescrições dos PCNs para essa etapa do ensino.
Novamente, vemos explicitamente recomendações para o trabalho do professor, visto
que para os alunos atingirem os objetivos acima traçados, caberá a ele trabalhar os conteúdos
de maneira eficaz e desenvolver as habilidades de maneira satisfatória. Tais recomendações
recaem, muitas vezes, como atribuições do professor e acabam constituindo traços de sua
identidade social. O professor internaliza as sugestões explicitadas nos documentos oficiais
como se fossem obrigações a serem executadas.
Esse sentimento de dever a ser cumprido é motivado tanto pelo fato de o documento
ser construído por enunciados que recorrem inúmeras vezes a categorias modais que ora
configuram uma relação de força com o locutor em posição de superioridade com relação ao
interlocutor (comportamento ELOCUTIVO) ora omitem a voz do locutor apresentando uma
proposição como uma “verdade” (comportamento DELOCUTIVO), fazendo o interlocutor se
sentir na incumbência de acatar o que lhe fora apresentado.
Comentaremos, a seguir, as considerações da rede estadual para o ensino de línguas
estrangeiras.
3.2.4 Currículo Mínimo elaborado pela Rede Estadual
Retomando a análise dos textos normatizadores de língua estrangeira, vimos que,
recentemente, em 2012, a Secretaria de Estado de Educação (SEEDUC – RJ) disponibilizou o
Currículo Mínimo de sua rede de ensino no qual seleciona itens que considera indispensáveis
ao processo de ensino-aprendizagem. Esse documento traz à tona os conteúdos a ser
trabalhados pelos professores em sala de aula, ano a ano, bimestre a bimestre. A título de
exemplificação, segue o exemplo de planejamento para a 1ª série do Ensino Médio regular.
Escolhemos o Ensino Médio pois segundo consta na LDB, cabe aos Estados a priorização na
oferta desse ciclo de ensino. Além disso, como ressaltamos acima o trabalho a ser
desenvolvido na última série do Ensino Fundamental (9º ano), julgamos coerente neste
76
momento verificar o que é proposto na rede estadual visando à continuidade dos estudos de
língua estrangeira. Vejamos o que é sugerido ao professor como plano de trabalho:
Aqui, destacamos o que é prescrito para o 1º bimestre de trabalho na primeira série do
Ensino Médio. Pelo que podemos apreciar, a proposta continua sendo embasada em utilização
de estratégias para compreender um documento – perpassando desde a identificação do título
até a compreensão de um ponto de vista – que tanto pode ser escrito quanto oral. Se
comparada às recomendações da última série do Ensino Fundamental, podemos até pensar
que a prescrição para a 1ª série do Ensino Médio seria uma repetição do trabalho anterior. No
entanto, os tipos de texto que servirão como suporte ao trabalho podem ser mais elaborados e
as questões feitas acerca do texto também podem ser mais complexas. Talvez seja positivo
reforçar o que já fora trabalhado, fazendo uma revisão dos conteúdos. Além disso, o material
confeccionado está em harmonia com os pressupostos teóricos trazidos nas Orientações
Curriculares do Ensino Médio, reforçando o trabalho com as habilidades de leitura, prática
escrita e comunicação oral dentro da perspectiva de letramento. A preocupação que se
instaura é com o aluno que chega ao Ensino Médio sem nunca ter tido contato com aquela
língua estrangeira que compõe agora sua grade curricular.
77
Reconhece-se o trabalho realizado na disciplina de leitura instrumental, em que o
aluno é incitado a compreender textos em uma língua estrangeira que talvez nunca tenha
estudado antes graças às técnicas de leitura a serem apresentadas pelo professor. Porém, há a
necessidade de um trabalho lexical e gramatical simultaneamente, segundo teóricos que
discutem esse assunto. Apesar de não ter sido citado no currículo mínimo, acreditamos não
haver impedimento para que esse trabalho seja realizado, uma vez que na parte introdutória do
documento afirma-se que sua elaboração foi baseada em outros textos (LDB, PCN, OCN) e,
como comentamos anteriormente, as Orientações Curriculares Nacionais prescrevem que
apesar de algumas habilidades serem priorizadas, outras podem ser acrescentadas e
desenvolvidas em sala de aula. No entanto, levar o aluno a produzir notícias, apresentar um
telejornal e até mesmo utilizar um suporte oral para compreender uma notícia seriam tarefas
de extrema dificuldade para um débutant (iniciante). O professor se desdobraria em vários
para conseguir executar tal tarefa, não só falando do trabalho árduo para o desenvolvimento
da atividade como também para a obtenção de recursos para realização da mesma. Mas
deixemos esse assunto para outra tese.
Queremos ainda acentuar que o Currículo Mínimo é apresentado como uma “ação
norteadora que não soluciona todas as dificuldades da Educação Básica”13
, mas que visa a
estabelecer ações importantes para a construção de uma escola de qualidade. O texto
apresenta como finalidade orientar o ensino-aprendizagem de todas as disciplinas mas
reconhece que o professor pode fazer as adaptações que julgar necessárias considerando-se a
realidade de cada escola e de cada público, conforme o trecho a seguir:
Sua finalidade é orientar, de forma clara e objetiva, os itens que não podem faltar no
processo de ensino-aprendizagem, em cada disciplina, ano de escolaridade e
bimestre. Com isso, pode-se garantir uma essência básica comum a todos e que
esteja alinhada com as atuais necessidades de ensino, identificadas não apenas nas
legislações vigentes, Diretrizes e Parâmetros Curriculares Nacionais, mas também
nas matrizes de referência dos principais exames nacionais e estaduais. Consideram-
se também as compreensões e tendências atuais das teorias científicas de cada área
de conhecimento e da Educação e, principalmente, as condições e necessidades reais
encontradas pelos professores no exercício diário de suas funções. (Currículo
Mínimo, 2012, p. 2)
13
Trecho retirado do Currículo Mínimo, página 2.
78
A partir da leitura do texto introdutório do Currículo Mínimo, depreende-se que o
documento se apresenta como orientador para as práticas docentes trazendo como proposta o
estabelecimento de uma base comum a todas as escolas da rede estadual, porém reconhece
que ajustes podem ser feitos pelo professor dadas as condições de trabalho de cada escola.
Contrariamente ao que é apresentado pelo texto, na prática, essas orientações se transformam
em obrigações. Bimestralmente, o professor da rede estadual tem como atribuição lançar as
notas em um sistema informatizado da própria SEEDUC e preencher um formulário online no
qual deve selecionar as competências/habilidades trabalhadas naquele período. Caso o
professor não selecione todos os itens exibidos, uma mensagem é mostrada informando-lhe
que este é um dos requisitos para que a escola em que atua seja considerada elegível e receba
uma bonificação. Logo, todos os itens devem ser marcados, confirmando assim que o
professor desenvolveu todas as competências/habilidades que foram designadas para aquela
série.
Por essas e outras razões dissemos inúmeras vezes ao longo desta tese que o professor
toma para si as “sugestões” como tarefas a serem realizadas. Neste caso específico, caso o
professor não cumpra o que lhe fora demandado ele prejudica a escola, que não cumprirá com
a meta traçada pela SEEDUC, e a si mesmo, que não receberá uma quantia em dinheiro como
premiação. Questionamos, assim, até que ponto o documento serve como norteador da prática
docente, uma vez que se for cumprido na íntegra poderá causar ônus tanto para a escola
quanto para o profissional da educação.
Antes de passarmos para a próxima seção, gostaríamos apenas de ressaltar como a
Língua Francesa vem sendo apresentada nesses documentos oficiais até o presente momento.
Vimos nos PCNs, no capítulo concernente às Línguas Estrangeiras, que o ideal seria adequar
a oferta da língua à necessidade do público alvo. Na parte voltada para as competências e
habilidades a serem desenvolvidas, não há menção a uma língua específica. Logo,
subentende-se que o trabalho sugerido pelos PCNs poderá ser realizado com qualquer língua
estrangeira moderna.
O mesmo acontece nas Orientações Curriculares para a Rede Municipal. Em relação
às Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, publicado pelo MEC, o texto faz
uma abordagem geral sobre possíveis meios de desenvolver um trabalho voltado, sobretudo
para a compreensão de textos em línguas estrangeiras e no capítulo seguinte desenvolve
questões ligadas apenas ao ensino de espanhol. No documento publicado pela rede estadual
79
em 2012, o Currículo Mínimo, as orientações estão voltadas para as línguas estrangeiras em
geral. Entretanto, vale a pena relembrar que em 2006 foi publicado pela Secretaria de Estado
de Educação um documento com orientações voltadas apenas para o ensino de inglês e
espanhol intitulado Reorientação Curricular: Curso de atualização para professores
regentes, confeccionado em parceria com o corpo docente da UFRJ. Insatisfeitos com essa
situação, os professores de francês, através de sua Associação (APFERJ) e do Departamento
de Cooperação e Ação Cultural (SCAC), elaboraram, no mesmo ano, um material com
propostas pedagógicas voltadas para as diferentes séries. Porém, esse documento não se
encontra disponível na página eletrônica da SEEDUC tampouco foi adicionado ao corpo do
documento que havia sido elaborado para as outras duas línguas estrangeiras. Nossa
indagação em relação a essa postura é a seguinte: Por que excluir os professores de francês da
elaboração de um documento norteador do ensino na cidade do Rio de Janeiro? Qual o
objetivo de emudecer essas vozes?
Na próxima seção comentaremos os documentos norteadores do ensino elaborados
pelos próprios docentes com o objetivo de contemplar as particularidades e o público de cada
escola.
3.3 PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO (PPP)
3.3.1 PPP do Colégio Pedro II
Como documento regulador da rede federal, nossa pesquisa trouxe para a discussão os
PCNs, os PCNEM e as OCNs. Direcionando nossa busca para os documentos norteadores do
ensino no Colégio Pedro II, já que nosso corpus contará com a experiência de professores
dessa instituição, obtivemos acesso a um Projeto Político Pedagógico (PPP) confeccionado
por seu próprio corpo docente. Sua última versão publicada foi elaborada no ano 2000 e
baseou-se nos parâmetros curriculares emanados da Lei de Diretrizes e Bases. Esse material
traz reflexões sobre o papel da escola na sociedade atual, ressaltando que o aluno deve ser
capaz de construir sua “identidade pessoal, suas relações sociais e apropriar-se do saber
historicamente construído”.14
14
Trecho retirado do Projeto Político Pedagógico do colégio da rede federal, página 80.
80
Rico em detalhes, o PPP apresenta uma análise sociocultural e socioeconômica do
corpo discente, traz à tona os fundamentos legais, teórico-filosóficos e metodológicos da
escola e descreve sua proposta curricular organizada por disciplina. Examinaremos os textos
com vistas ao ensino de Língua Francesa e, para efeito comparativo, ilustraremos o que é
previsto para o Ensino Fundamental e para o Ensino Médio, assim como fizemos com a
análise do material produzido pela Secretaria de Estado de Educação e pela Secretaria
Municipal de Educação. A diferença é que no decorrer do PPP, são elencados os objetivos
gerais, mas cada disciplina encontra uma seção à parte para fazer suas considerações e
enfatizar suas prioridades e particularidades dentro do que é previsto na filosofia da escola.
Iniciando nosso trajeto pelo Ensino Fundamental no que tange ao ensino da Língua
Francesa, notamos novamente uma preocupação em fazer da língua estrangeira um
instrumento de tomada de consciência de sua própria cultura e a formação de sua consciência
crítica através da leitura de textos que abarquem os diferentes aspectos de organização
cultural, social e política dos diferentes povos que tenham o francês como língua de
comunicação. Revela-se ainda que o foco inicial será colocado sobre o conhecimento de
mundo que os alunos trazem e sobre a organização textual com que estão familiarizados em
sua língua materna. Daí surgirão as estratégias de compreensão global e construção de
significados. O conhecimento sistêmico será deixado para a etapa posterior, sendo
apresentado gradativamente e de acordo com as necessidades que a execução das tarefas
comunicativas orais e escritas impuser. Como plano de trabalho, há uma orientação sobre as
competências gerais a serem desenvolvidas, tais como:
• Conhecer e usar a língua francesa como instrumento de comunicação atual e de
acesso a bens culturais da humanidade e a informações científicas e tecnológicas
num mundo plurilingüe;
• Produzir textos orais e escritos de estrutura simples que permitam agir
discursivamente no mundo e interagir com ele;
• Compreender pequenos textos simples orais ou escritos, identificando o sentido
global da mensagem através de inferências, palavras-chaves e dos elementos não
verbais, sabendo recorrer ao dicionário quando for indispensável;
• Saber selecionar os vocábulos e as estruturas lingüísticas gramaticalmente
adequadas para produção de enunciados escritos ou orais simples;
• Identificar as diferenças e semelhanças na estrutura lingüística entre o português e
o francês;
• Reconhecer a importância do uso da língua francesa e servir-se dela para divulgar a
cultura brasileira em outros países;
• Conhecer e valorizar as diferentes culturas dos povos francófonos como forma de
melhor percepção de sua própria cultura e de aprimoramento da compreensão das
várias maneiras de se viver a experiência humana;
• Perceber e aceitar as diferenças de expressão e de comportamento entre o povo
brasileiro e os povos francófonos evitando-se estereótipos e preconceitos.
81
Lembramos que essas orientações estão estritamente relacionadas ao trabalho do
professor, pois ele deverá fazer com que o aluno saiba acionar as diversas competências acima
implicadas, ou seja, produzir e compreender textos orais e escritos, utilizar vocábulos e
estruturas linguísticas adequadas à situação de comunicação, conhecer um pouco da cultura
francesa, reconhecer sua própria cultura e as diferenças em relação a outras culturas.
Há ainda uma orientação para as competências discursivas a serem desenvolvidas (ex.
dar informações sobre si mesmo, cumprimentar o interlocutor...), descrição dos conteúdos a
serem abordados (ex. l´adjectif qualitatif) bem como dos temas de destaque (ex. as
preferências dos jovens...) e sugestão de material a ser utilizado (ex. canções, livro didático,
sites...). Encontraremos essas listas na íntegra na seção dos anexos (ANEXO A). Não há
descrição por série nesse material, mas a equipe de professores se reúne a cada início de ano
nos famosos colegiados, avalia o trabalho do ano anterior, e faz a distribuição de conteúdos
por série. Devido a essas recorrentes modificações, preferimos não expor nenhuma versão
dessa seleção de conteúdos por acreditarmos que essa nunca seria a mais atualizada.
Para o Ensino Médio, foi elaborado um texto em comum para as disciplinas de francês
e espanhol. Vale lembrar que o ensino de inglês e francês é obrigatório para os alunos do
Ensino Fundamental. No Ensino Médio, os alunos podem escolher uma dentre as línguas
estrangeiras ofertadas (inglês, francês e espanhol) para cursarem ao longo dos três últimos
anos. A ênfase para o ensino das línguas espanhola e francesa continua sendo a mesma do que
foi pensado para o Ensino Fundamental. O aluno deve ser levado a repensar sua própria
cultura e sua própria língua através da aprendizagem da língua estrangeira, conscientizando-se
de seu papel de cidadão do mundo. E, respeitando o que é prescrito pelos PCNs, o
departamento de línguas neolatinas prioriza o trabalho voltado para a leitura. Não excluem o
papel do ensino de gramática ou de léxico, mas entendem que esses são secundários e servem
de ferramentas para a compreensão dos textos abordados em sala de aula. Para saciar nossa
curiosidade, vejamos a seguir a tabela com as competências que exemplificam o que estamos
comentando.
82
Com o objetivo de atingir o desenvolvimento dessas competências gerais, é preciso
que sejam combinadas a elas as funções discursivas e os conteúdos, as estratégias de
compreensão e de expressão oral e escrita, a definição dos temas e o material a ser utilizado.
83
Segue abaixo uma ilustração de como o trabalho é descrito pelos professores e para os
professores:
85
Como visualizamos acima, o trabalho é geralmente proposto (pelo professor) a partir
de um suporte oral ou escrito em que o aluno reconhecerá o gênero discursivo em questão e
suas particularidades e será submetido à produção de um documento semelhante ao estudado.
É latente a intenção de promover um trabalho que envolva a compreensão oral e escrita bem
como a produção escrita e oral, o que não representa qualquer discordância com as
prescrições dos PCNs uma vez que elas orientam para o desenvolvimento das habilidades de
leitura, mas não excluem o ensino de outras competências. Não podemos nos esquecer da
implicação dessas “recomendações” na construção dos traços da identidade social do
professor, visto que ele é o sujeito que possui as competências do saber e do saber-fazer.
86
Nos documentos norteadores do ensino nas redes municipal e estadual do Rio de
Janeiro, há um espaço reservado para a língua estrangeira. No entanto, em momento algum
nos deparamos com um capítulo específico contendo as orientações para o trabalho com cada
língua estrangeira. A conclusão a que chegamos é que o trabalho nas diferentes línguas deve
contemplar objetivos comuns, priorizando a compreensão leitora e utilizando-se de
ferramentas lingüísticas, lexicais, etc para atingir o objetivo almejado. Baseando-se nesses
documentos balizadores, caberá a cada escola elaborar seu Projeto Político Pedagógico e
elencar o que será priorizado em cada disciplina adequando-se à filosofia da escola.
Correspondendo a esse anseio, vimos no Projeto Político Pedagógico do Colégio
Pedro II uma seção à parte para abordar as especificidades da disciplina de Língua Francesa.
Nela estavam discriminadas não somente as competências, mas também os conteúdos e os
temas de destaque. Esse documento facilita o trabalho do professor que, ao consultá-lo,
encontrará uma lista de recomendações a serem seguidas e se sentirá amparado ao preparar
suas aulas.
3.3.2 E os outros PPPs?
Faz-se necessário agora analisar o PPP de uma escola estadual e uma municipal para
que comparemos o que o projeto pedagógico da escola prescreve com as recomendações dos
PCNs. Volto-me mais uma vez para uma de minhas experiências, desta vez na rede estadual.
Há quatro anos, no início do meu primeiro ano na rede estadual, a direção da escola solicitou
a elaboração do conteúdo programático do ano letivo. Como não tinha experiência para
confeccionar esse material, pensei em estudar o Projeto Político Pedagógico que rege o ensino
no Estado do Rio de Janeiro para então elaborar o documento dentro das orientações
desejadas pela rede de ensino e respeitando a filosofia da escola.
Nessa busca pelo Projeto Político Pedagógico da rede estadual, entrei em contato com
a Secretaria de Estado de Educação e fui informada de que esse documento é elaborado por
cada unidade escolar isoladamente, mas sempre baseado nos Parâmetros Curriculares
Nacionais, nas Orientações Curriculares e na Lei de Diretrizes e Bases. Ainda que tenha
estranhado a inexistência de um documento de base comum da própria rede que normatizasse
o trabalho a ser desenvolvido pelos professores, acabei concordando que realmente um
documento não poderia contemplar as diferentes realidades das escolas da rede estadual do
87
Rio de Janeiro. Por isso mesmo que o PPP do Colégio Pedro II não é o mesmo do elaborado
pela equipe do Colégio de Aplicação da UFRJ, por exemplo, embora ambos façam parte da
rede federal.
De posse dessa informação, conversei com a orientadora pedagógica de uma das
escolas da rede estadual em que trabalho e solicitei o documento. Para minha surpresa, ela me
revelou sua inexistência. Argumentou que não adiantava escrever um projeto voltado para o
ensino de línguas estrangeiras se ela recebe o professor que se apresenta na escola,
independente da língua estrangeira que ele ensinará aos alunos.
Esbarramos assim em uma situação contraditória. Pude experienciar o sofrimento de
uma amiga aprovada no concurso de professores de francês em 2007 que não encontrava vaga
em nenhuma escola para trabalhar. Muitos diretores negavam-se a receber os concursados
alegando haver preferência por uma língua estrangeira X ou Y. Em contrapartida, é mais fácil
para essa escola elaborar um Projeto Político Pedagógico nessa área, visto que a oferta é
sempre da mesma língua, podendo elaborar um programa com início, meio e fim.
No entanto, para uma escola em que o diretor aceita o professor de língua estrangeira
recém-concursado, independente da área de atuação, a organização de um Projeto Político
Pedagógico fica comprometida. O grande problema é que não há uma continuidade na
aprendizagem da língua. No caso específico da escola estadual em que trabalho, a oferta de
vagas é somente para o Ensino Médio. Então, a situação real do aluno é que no primeiro ano,
ele pode estudar inglês, no segundo ano francês e no terceiro espanhol. A grade de horário é
feita levando em consideração o horário de disponibilidade do professor. Nesse caso, a
qualidade de trabalho almejada pelos PCNs e pelas OCNs fica comprometida. Aliás,
conforme vimos anteriormente, o próprio documento voltado para o Ensino Fundamental de
6º ao 9º ano reforça a importância na continuidade desse aprendizado.
Mas o que diz a lei? Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional,
implementada em 20 de dezembro de 1996, a escolha da língua estrangeira ficará a cargo da
comunidade escolar, dentro das possibilidades da instituição. Entretanto, surge outro
questionamento: a comunidade escolar está apta a fazer tal escolha, visto que engloba pais e
alunos e muitos deles alegam desconhecer a relevância desta aprendizagem, acentuando que
não dominam nem a própria língua materna?
88
3.3.3 (IR) Resolução Número 4746
Não obstante, em 30 de novembro de 2011, a Secretaria de Estado de Educação
publicou a resolução número 4746 impondo, para o Ensino Médio, a oferta de uma Língua
Estrangeira Moderna, de acordo com recursos humanos existentes na instituição, de matrícula
obrigatória e uma segunda Língua Estrangeira Moderna, de oferta obrigatória pela escola e de
matrícula facultativa para o aluno, ressaltando que a Língua Espanhola deverá constar entre as
opções de Língua Estrangeira Moderna, de matrícula obrigatória ou facultativa. Essa
resolução faz cair por terra o que havia sido discutido nas Orientações Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio. Tais orientações prezavam pelo desenvolvimento do aluno enquanto
cidadão e esperava-se que, ao ter contato com uma língua estrangeira, qualquer que fosse,
esse aluno fosse levado a pensar na cultura do outro e a repensar a sua própria cultura, o que
reforçava o caráter formativo do Ensino Médio em detrimento de um caráter meramente
profissional. Vejamos o capítulo III dessa resolução, que impõe a oferta de duas línguas
estrangeiras modernas de oferta obrigatória, sendo uma delas a Língua Espanhola:
CAPÍTULO III DO ENSINO MÉDIO
Art. 15 - Da Parte Diversificada do Ensino Médio constará:
I - uma Língua Estrangeira Moderna, de acordo com recursos humanos
existentes na instituição, de matrícula obrigatória;
II - uma segunda Língua Estrangeira Moderna, de oferta obrigatória pela
escola e de matrícula facultativa para o aluno;
III - o Ensino Religioso, de oferta obrigatória pela escola e de matrícula facultativa
para o aluno;
§ 1º - Nas unidades escolares onde a Língua Espanhola é a língua escolhida pela
comunidade escolar, esta será a língua estrangeira obrigatória, sendo a segunda
Língua Estrangeira de matrícula facultativa ao aluno.
§ 2º - A Língua Espanhola deverá constar entre as opções de Língua
Estrangeira Moderna, de matrícula obrigatória ou facultativa.
§ 3º - O planejamento da Parte Diversificada constará do Projeto Político
Pedagógico da escola, oportunizando o exercício da autonomia e retratando a
identidade da Unidade Escolar.
Decerto que essa resolução não favoreceu os professores de francês e que muitos deles
tiveram dificuldades em encontrar escolas que os alocassem. Fundamentamos nossa
afirmação no princípio de que muitos diretores priorizavam e priorizarão o ensino do inglês,
podendo este ocupar o status de língua estrangeira obrigatória. A Língua Espanhola precisa
89
ser incorporada à grade curricular do aluno, seja ela obrigatória ou facultativa. Perguntamo-
nos então que lugar ocupará a Língua Francesa?
Segundo a própria Secretaria de Estado de Educação, através de um funcionário
legitimado a responder os e-mails que chegam ao endereço eletrônico da própria rede:
[email protected], o francês apresenta-se em relação assimétrica em
relação a outras línguas estrangeiras:
A história do francês na rede pública é realmente bem específica.
Entendo sua angústia. Primeiro, gostaria de dizer que o Currículo Mínimo de Língua
Estrangeira foi pensado também para o francês. Qto ao material didático, a
Associação de Professores de Francês do Rio de Janeiro tem lutado
para que o francês faça parte do Programa Nacional do Livro
Didático e do ENEM. Essas conquistas serão importantes para que o
francês recupere seu lugar tão importante quanto às demais línguas.
Nossos alunos podem e devem ter acesso a tantas línguas quantas
quiserem. De momento, só posso dizer que você deve junto a sua diretora apoio
para obter meios (copias, data show) para que possa fazer seu trabalho.Um abraço.15
O que interpretar dessa mensagem? Que o francês é a única língua estrangeira que não
possui livro didático e que perdeu seu lugar para as outras línguas? Que é a Associação de
Professores de Francês que precisa implorar para que o francês seja contemplado pelo PNLD
e faça parte do ENEM? Que o francês perdeu seu lugar face às outras línguas? Que a escola
oferece uma variedade de línguas estrangeiras e que o aluno pode ter acesso a quantas ele
desejar? Mas não ficou determinado que uma das línguas estrangeiras teria que ser o
espanhol? Por que os diretores têm autonomia para escolher qual será a outra língua
estrangeira disponibilizada pela escola?
Para ratificar essa situação vivenciada pelos professores, transcreveremos abaixo uma
carta endereçada ao Sindicato Estadual de Profissionais de Educação do Rio de Janeiro
(SEPE/RJ) confeccionada por uma professora de francês da rede estadual, também
entrevistada por nós, tendo sido considerada como “excedente” em sua escola, na qual avalia
o propósito explicitando sua apreciação (AP) e o qualifica de acordo com um julgamento
baseado em uma avaliação afetiva, relatando sua experiência e seu sentimento de indignação.
Esta professora se utiliza da modalidade do discurso relatado (DR) para trazer à tona a visão
15
E-mail enviado pela SEEDUC à pesquisadora
90
da diretora de sua escola sobre o papel das línguas estrangeiras na escola e para mostrar seu
posicionamento contrário à postura da direção escolar.
Prezados colegas,
Venho solicitar a assistência da entidade e denunciar o desrespeito (AP) para
com que os professores de Língua Estrangeira francês e espanhol estão sendo
tratados mediante a não inclusão desses profissionais no quadro de horários de
2012, sob a alegação de que " todos os alunos escolheram o idioma Inglês", e devido
a esse fato, todos os demais docentes de LE estão "excedentes" no COLEGIO
ESTADUAL X, situada no bairro Y.
É tão absurdo (AP) que a orientação da direção é que esses docentes venham
ao colégio, cumpram a carga horária sem NADA fazer, e aguardem alguma SOLUÇÃO ( ? ) (DR) para todos os que sobraram !!!! (
palavras da Diretora). Sou professora de Francês, lotada há três anos no colégio e
agora pela primeira vez enfrento tal dificuldade para exercer meu ofício !
Justamente numa época de globalização, Copa do Mundo, Olimpíadas e demais
exigências do mercado profissional e do setor de turismo, esses senhores
discriminam o ensino de duas importantes línguas em detrimento de um único
idioma dito OBRIGATÓRIO. Sempre houve a primeira língua e a língua optativa,
contemplando TODOS os profissionais. Esse ano porém, havendo espaço somente
para profissionais do idioma Inglês, os demais não servem para mais nada !
O senhor Risolia deveria rever sua mal feita resolução (AP) e retificar suas
linhas no que diz respeito ao ensino das Línguas Estrangeiras Modernas, sob pena
de limitar o acesso dos alunos aos demais núcleos linguísticos e
culturais, impondo a discriminação entre colegas em seu local de trabalho, além
de dar ensejo para que a direção decida sozinha o que serve ou não para a
comunidade escolar (uma vez que nenhuma assembléia com pais, alunos ou
professores foi realizada para uma decisão democrática, em conformidade com
os reais interesses de todos os envolvidos).
Me sinto ultrajada (AP), sem entender ou achar motivos plausíveis para a conduta
da Secretaria de Educação mediante essa postura baseada numa resolução mal
orientada, vaga e mal escrita (AP), e que prejudica mais do que
resolve os problemas (AP), concernentes ao ensino propriamente dito.
Agradeço antecipadamente por todo o apoio que o Sepe puder nos oferecer
nesse momento de inquietação, falando eu em nome dos demais colegas que
estão na mesma situação em que me encontro, sem saber a quem recorrer.
Conhecendo um pouco a realidade dos alunos do curso noturno, não acreditamos que a
maioria deles sinta-se motivada para estudar para uma disciplina “facultativa.” Não trazemos
nessa fala nenhum pré-julgamento em relação a esses alunos. Apenas imaginamos que como
chegam cansados de uma longa jornada de trabalho e possuem inúmeras preocupações
familiares, já que muitos são pais de família, poderão encontrar nessa facultatividade um meio
de eliminarem algumas avaliações formais, estudo e até mesmo um tempo de aula.
91
Podemos ir mais além nessa questão da disciplina não obrigatória. Aliás, só para
esclarecer, a disciplina é de oferta obrigatória mas de matrícula facultativa ao aluno. Sabendo
de antemão dessa característica da disciplina, o aluno poderá não levá-la a sério ou nem
mesmo fazer sua inscrição para cursá-la. Ele pode concluir que um único tempo semanal
(correspondendo a 45 minutos) não lhe propiciará um vasto conhecimento da língua. A
consequência imediata é que o professor designado para essa disciplina se sentirá
desmotivado para preparar suas aulas que podem não contar com a presença de qualquer
aluno.
Ou, pensando por outro lado, sejamos otimistas e acreditemos que as turmas vão se
formar, talvez não com a totalidade de alunos de uma turma regular mas com um número
expressivo de alunos. O professor concursado em regime de dezesseis horas assume a carga
de doze tempos em sala de aula. O que isso significa nesse contexto? O professor terá a
responsabilidade de conduzir doze turmas distintas, contará com o compromisso de preencher
doze diários de classe, lançará a nota de doze turmas no site Conexão Educação, sistema
online criado pela Secretaria de Estado de Educação, participará de mais conselhos de classe,
elaborará mais planejamentos de curso, etc. Para resumir, o professor de língua estrangeira
facultativa terá muito mais trabalho do que um professor de português, por exemplo, que se
ocupa de três turmas e cumpre sua carga horária.
Em compensação, se retomarmos nossa visão pessimista, caso os alunos não se
matriculem na disciplina optativa, o professor não cumprirá sua carga horária obrigatória. O
que ele fará então? Vai ficar na sala dos professores cumprindo o horário e conhecer a revolta
dos outros professores que entrarão em sala de aula? Vai executar algum serviço
administrativo? Vai procurar outra escola até que consiga os seus “desejados” doze tempos?
Aliás, outro ponto que merece ser destacado é o novo sistema de ensino para jovens e
adultos implementado na rede estadual para o ano letivo de 2013. A Educação de Jovens e
Adultos era realizada em um período de dezoito meses no Ensino Médio e as três fases (I, II,
III) pelas quais os alunos passavam ofertavam todas as disciplinas. O atual sistema Nova Eja
aumentou em mais seis meses o curso, totalizando vinte e quatro meses, porém a carga horária
diária foi reduzida para se adequar às necessidades desse público. As disciplinas são
oferecidas em quatro módulos, um por semestre. As únicas disciplinas que estarão presentes
em todos os módulos são as de Português e Matemática. Para exemplificar, somente no
módulo IV haverá a oferta de Língua Estrangeira e somente no módulo III haverá a oferta de
92
Educação Física. Estamos certos de que nessa fase de implementação da Nova Eja o professor
dessas disciplinas terá que aguardar dezoito meses para entrar em sala de aula lecionando a
matéria para a qual prestou concurso. Sem falar que o projeto, até o momento, considera
língua estrangeira apenas Inglês e Espanhol.
Paradoxalmente a essa realidade de colocar as línguas estrangeiras à parte, sobretudo
aquelas diferentes de Inglês e Espanhol, o governo do Estado assinou um convênio com o
Ministério da Educação francês para a criação de uma escola bilíngue Português/Francês no
Rio de Janeiro prevista para 2014. 16
No dia doze de abril de 2013, professores de francês da
rede estadual foram convidados a participar de uma reunião com o secretário de Estado de
Educação e com o embaixador da França no prédio do Consulado Francês na qual foi
apresentado o projeto inovador e anunciada as etapas do processo seletivo que selecionará três
dos cinquenta e oito professores atuantes na rede.
Infelizmente, não temos a solução para os questionamentos acima discutidos. Nossa
meta também não é apontar as soluções, mas trazer à baila situações às quais são submetidos
os professores de língua estrangeira, especificamente os de francês. Acreditamos que o
entorno do trabalho do professor possa implicar diretamente em sua atuação em sala de aula.
Para finalizar o assunto, faltou-nos falar sobre do Projeto Político Pedagógico da rede
municipal de educação do Rio de Janeiro no que tange à língua estrangeira. Assim como para
a rede estadual, fui informada pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro que
esse documento é elaborado por cada escola, respeitando os parâmetros e as orientações
curriculares em vigor, porém, debruçando-se sobre a realidade da escola. Partimos então para
contato com os professores da rede municipal que participaram das entrevistas que
analisaremos posteriormente. Para nossa surpresa, eles anunciaram que suas respectivas
escolas não possuíam Projeto Político Pedagógico para francês. Aliás, vale a pena dizer que
um desses professores acaba de ser convidado a ocupar o cargo de coordenador de francês na
rede municipal e afirmou achar improvável que alguma unidade escolar disponha de tal
projeto.
Até o presente momento, tentamos elucidar o que os documentos oficiais abordam
sobre a questão do ensino de língua estrangeira. No entanto, ainda não discutimos em
16
Informação extraída do site da SEEDUC (Secretaria de Estado de Educação) através do link:
http://www.rj.gov.br/web/seeduc/exibeconteudo?article-id=1338993
93
momento algum o que esses documentos proferem sobre a prática docente propriamente dita,
assim como o que é esperado de um profissional da educação.
3.4 LEI DE DIRETRIZES E BASES (LDB 9394/96)
Pesquisamos nos sites das Secretarias Estadual e Municipal bem como no site do
ministério da educação documentos que retratassem o “modelo” de professor almejado pela
instituição, o que se espera dele e/ou como deve ser o perfil do profissional da educação
integrante dessas redes. O resultado não foi entusiasmante visto que os documentos que
orientam o ensino nessas redes apontam diretamente para o trabalho do professor, ou seja, o
profissional encontra uma gama de eixos temáticos/conteúdos que deveria incluir em suas
aulas, uma breve explicação sobre a importância do desenvolvimento de um trabalho que
priorize a leitura e, muitas vezes, como ele poderia executar o seu trabalho.
Encontramos uma referência ao trabalho do professor no título IV da Lei de Diretrizes
e Bases:
TÍTULO IV
Da Organização da Educação Nacional
Art. 13. Os docentes incumbir-se-ão de:
I - participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;
II - elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do
estabelecimento de ensino;
III - zelar pela aprendizagem dos alunos;
IV - estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento;
V - ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar
integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao
desenvolvimento profissional;
VI - colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a
comunidade.
Vimos aqui alguns compromissos que o professor tem obrigação de assumir ao fazer
parte do corpo escolar. Logo no primeiro item já esbarramos com um problema discutido
anteriormente em um episódio particular. Como não há PPP para língua estrangeira na escola
e nem há possibilidade de tê-lo devido a sua estrutura, o segundo item também fica
prejudicado, pois não é tarefa fácil pensar em um ano de trabalho sem um direcionamento
mais profundo sobre a filosofia do estabelecimento de ensino, sobre suas metas e objetivos.
94
É notório que a lei não será cumprida na íntegra já que os problemas começam na
própria estrutura da rede de ensino e são repassados para a unidade escolar. Parece-nos, para
nós professores de línguas estrangeiras, que nossa disciplina não é tida como séria ou que
mereça uma maior atenção. Os próprios alunos se queixam do descaso com o aprendizado de
línguas estrangeiras na escola. Eles percebem que não há uma organização para que eles
consigam, de fato, aprender algo. Essa reclamação está pautada em dois eixos: seja porque em
cada série ao alunos aprendem uma língua diferente e não conseguem ampliar seus estudos
em nenhuma delas, seja porque o aprendizado de línguas na escola ainda precise passar por
muitas mudanças, muitas delas pautadas nos PCNs, visto que muitos alunos passam a vida
escolar inteira estudando uma língua e ao término da educação básica tenham a impressão de
nada terem aprendido.
Todavia, as atribuições descritas nos itens III, IV, V e VI são pertinentes e passíveis de
serem cumpridas. Achamos que todo professor traz consigo, em seu interior, o desejo de
contribuir para a formação de alguém, de ver seu aluno progredir. Para isso, não medirá
esforços e buscará se integrar à “vida” da escola.
No título VI da LDB é apresentado o requisito mínimo para se ocupar o posto de
professor. No artigo 62, exige-se que o profissional possua o diploma de graduação plena da
disciplina em que pretende lecionar bem como o de licenciatura, exigindo, no artigo 65, que essa
compreenda uma extensa carga horária de prática de ensino:
TÍTULO VI
Dos Profissionais da Educação
Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível
superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos
superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do
magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental,
a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.
Art. 65. A formação docente, exceto para a educação superior, incluirá prática de
ensino de, no mínimo, trezentas horas.
No artigo a seguir, trazemos o compromisso que as instituições de ensino devem assumir
junto ao profissional de educação.
Art. 67. Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da
educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de
carreira do magistério público:
I - ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos;
95
II - aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico
remunerado para esse fim;
III - piso salarial profissional;
IV - progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação do
desempenho;
V - período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de
trabalho;
VI - condições adequadas de trabalho.
Não podemos esboçar nossa opinião sobre o (não) funcionamento das “regras” citadas
a não ser através do olhar que temos sobre a instituição em que trabalhamos. Não podemos
generalizar e concluir que a realidade de uma escola é igual à de outra. Então, com base nas
escolas em que trabalho posso revelar que o licenciamento para aperfeiçoamento profissional
pode até ser conseguido, dificilmente este será remunerado (II); o piso salarial do professor
costuma ser baixíssimo se comparado a outras profissões, conforme veremos no item 3.7 (III);
o professor raramente cumpre em sala de aula a carga horária completa que lhe foi estipulada
no contrato de trabalho mas não se pode dizer que o tempo “excedente” seja suficiente para
preparar aulas, corrigir trabalhos, etc (V); as condições de trabalho dos professores também
não costumam ser boas, principalmente para os professores de língua estrangeira que se
utilizam de músicas, clips, filmes, imagens, data-show, etc, visando tornar suas aulas
“atraentes” (VI).
Em contrapartida, com base nesses excertos retirados da LDB, podemos afirmar
categoricamente que o ingresso do professor na rede pública de ensino da educação básica se
dará através de concurso público (I). Essa é a única exigência feita para que um professor
integre o quadro da rede pública, desde que apresente um diploma que confirme a conclusão
em curso de licenciatura, de graduação plena. Vale lembrar que na maioria dos concursos o
professor não é testado em situação real de trabalho, não há uma avaliação de sua prática,
somente de seu saber intelectual.
Voltando ao diploma, podemos apreender que qualquer professor detentor de um
documento com as características descritas acima e aprovado em concurso poderá compor o
quadro funcional das redes públicas de ensino, o que denota a não existência de um perfil de
profissional previamente estabelecido por essas redes ou, ao inverso, que essas redes não
possuam um perfil definido a ponto de vislumbrarem o que realmente entendem por ensino.
Assim, parece-nos que as instituições não têm uma identidade, uma “personalidade”.
Daí advém outra inquietação. Hall (2000) nos diz que embora possamos nos ver,
seguindo o senso comum, como sendo a “mesma pessoa” em todos os diferentes encontros e
96
interações, não é difícil perceber que somos diferentemente posicionados, em diferentes
lugares, de acordo com os diferentes papéis sociais que estamos exercendo. Isso nos leva a
pensar que o professor atua de maneira diferente dentro de cada espaço em que circula. No
momento em que está à frente de uma turma, ele representa a instituição e seus valores. Mas
nesse caso, que valores ele representaria? Como ele deveria se portar/agir?
Voltemo-nos então para a questão do ingresso nas redes públicas já que sabemos que
esse aspecto é comum a todas as escolas. Fazemos um breve parêntese para a contratação de
professores nas esferas públicas. Essa prática vem sendo bastante recorrente nesse meio.
Muitas vezes o profissional é submetido a um processo seletivo para ser incorporado
temporariamente ao quadro funcional da escola. Essa modalidade acaba sendo conveniente
para o governo pois protela por mais tempo a abertura de concursos, pagam ao contratado um
salário mais baixo que o do professor concursado para ocupar a mesma carga horária de
trabalho e ao findar o contrato não há vínculo algum entre o governo e o profissional.
Retomando o assunto dos concursos públicos, uma ideia nos vem à mente. Para que o
profissional venha a ser aprovado, ele deve ser submetido a um exame formal. Talvez, ao se
confeccionar esse exame, um perfil de candidato seja idealizado. Até mesmo os editais desses
exames podem trazer informações sobre as atividades que o candidato desempenhará, seu
local de trabalho, salário, carga horária, etc.
A seguir, faremos um breve percurso sobre os documentos que regulamentaram os
últimos concursos públicos para o cargo de professor de francês no Rio de Janeiro com vistas
a conhecer o perfil do profissional almejado para integrar as redes de ensino federal, estadual
e municipal.
3.5 O PROFESSOR DE FRANCÊS E OS PROCESSOS DE SELEÇÃO
Gostaríamos de começar nossa apresentação pelo sistema de ensino federal.
Entretanto, cada instituição desse sistema promove seus próprios exames independentemente.
Dessa forma, optamos por analisar o último edital do concurso para professor do Colégio
Pedro II, realizado em 2008. Como não teremos condições de expor os editais dos concursos
de outras instituições federais, não poderemos mapear o perfil traçado por essa rede. Alguns
indícios do que é esperado de um professor que comporá a equipe de docentes desse colégio
até poderá coincidir com o que é almejado de um professor do Colégio de Aplicação da
97
UFRJ, por exemplo, mas não disporemos de meios para afirmar categoricamente o perfil do
professor da rede federal.
O edital apresentou a oferta de 6 vagas para professor de francês, sendo que as
unidades escolares seriam indicadas posteriormente. O candidato tinha que ser brasileiro,
possuir diploma de licenciatura plena em Letras com habilitação em Francês, estar em dia
com suas obrigações legais e pagar a taxa de inscrição no valor de R$ 80,00. Em um primeiro
momento, o candidato foi submetido a uma prova escrita discursiva de caráter eliminatório e
classificatório. No caso específico desse cargo, o candidato deveria elaborar suas respostas em
Língua Francesa. O candidato que conseguisse obter nota maior que sessenta pontos do total
de cem, receberia aprovação para a próxima etapa e faria uma prova de aula, também de
caráter eliminatório e classificatório. O candidato com nota superior a setenta pontos na prova
de aula passaria ainda por uma etapa classificatória baseada na análise de títulos. O regime de
trabalho seria de 40h e o salário inicial para aprovado com nível de formação “graduação” de
R$ 2,095, 35.
Passando para o concurso realizado pela Secretaria de Estado de Educação,
apresentaremos o último edital publicado para a vaga de professor de francês. O documento
norteou o concurso realizado em 2008 que teve como objetivo selecionar candidatos para o
cadastro de reserva. Vale a pena ressaltar que no ano anterior também houve concurso em que
foram disponibilizadas treze vagas para o cargo professor de francês. Assim como foi previsto
pelo edital do concurso do Colégio Pedro II, o candidato tinha que ser brasileiro, possuir
diploma de licenciatura plena em Letras com habilitação em Francês, deveria estar em dia
com suas obrigações legais e pagar a taxa de inscrição no valor de R$ 30,00. O candidato
seria submetido a duas etapas: uma prova objetiva com sessenta e cinco questões englobando
conhecimentos pedagógicos, de francês e de português, com caráter eliminatório e
classificatório, e a prova de títulos, com caráter classificatório. O regime de trabalho seria de
16 horas e o salário base mensal de R$ 607, 26.
Conforme descrito acima, as condições para que o candidato fizesse sua inscrição
foram as mesmas, a não ser pelo valor da taxa de inscrição. Sobre a prova em si, a primeira
(Colégio Pedro II) exigiu um pouco mais do candidato, cobrando dele a elaboração de
respostas discursivas em Língua Francesa e, em etapa posterior, uma prova de aula com o
objetivo de avaliar a prática docente desse profissional, ao passo que a segunda (rede
estadual) só testou o conhecimento do profissional em uma prova objetiva. Outro ponto de
98
divergência é a remuneração do profissional bastante desequilibrada. Ainda que consideremos
a diferença de carga horária, o salário do professor da rede estadual acaba ficando aquém do
salário do professor do Colégio Pedro II.
Dispusemo-nos a apresentar o perfil dos três concursos referentes ao ingresso dos
professores no Colégio Pedro II bem como nas redes estadual e municipal do Rio de Janeiro a
fim de conseguirmos recuperar possíveis traços do perfil de profissional desejado para ocupar
o cargo de professor nesses três órgãos. Entretanto, não poderemos discutir o exame realizado
pela Secretaria Municipal de Educação, pois seu último concurso para professor de francês foi
realizado no ano de 1992 e não encontramos o material necessário para nossa avaliação. Além
disso, devido à antiguidade do concurso, o perfil do candidato daquela época poderia não
mais corresponder ao do candidato almejado por essa rede nos dias de hoje.
Como nosso trabalho também apresenta como objetivo a análise das materialidades
discursivas decorrentes das entrevistas realizadas com os professores do curso privado
Aliança Francesa, vale a pena esclarecer que há uma seleção realizada por esse curso para a
contratação de seus professores. Há uma análise de currículo e posteriormente convocam-se
os candidatos pré-selecionados para uma formação pedagógica. Aqueles que se destacarem ao
longo do curso de formação serão chamados a assinarem um contrato de trabalho.
Essas e outras questões fazem parte do complexo mundo do trabalhador da Educação e
nos ajudam a refletir sobre sua identidade profissional. Entretanto, acreditamos estar
contribuindo com reflexões que possam, de alguma forma, contribuir para o campo da
educação.
Seguiremos apresentando os pressupostos teóricos de uma abordagem metodológica
mais recente que a comunicativa e que tem norteado o ensino de línguas de algumas
instituições de ensino, como por exemplo no referido curso privado de Língua Francesa,
descritos em um documento publicado pelo Conselho da Europa.
3.6 QUADRO EUROPEU COMUM DE REFERÊNCIA PARA AS LÍNGUAS:
APRENDIZAGEM, ENSINO, AVALIAÇÃO
O Quadro europeu comum de referência para as línguas: aprendizagem, ensino,
avaliação (QECRL) representa as diretrizes para o ensino de línguas estrangeiras com o
objetivo de: analisar as metodologias de ensino de todas as línguas e seu aprendizado; criar
99
um instrumento que torne transparentes os resultados dessa aprendizagem; tratar dos hábitos
de aprendizagem e da avaliação das competências linguageiras orais e escritas.
O Cadre Européen Commun de Référence pour les Langues - Apprendre, Enseigner,
Évaluer (CECRL) foi idealizado após um Simpósio sobre o aprendizado de línguas na Europa
realizado na Suíça em 1991 em que os participantes decidiram agrupar informações relevantes
sobre a temática em questão. Em 2001, o documento que define o nível de conhecimento de
uma língua estrangeira em função do savoir-faire (saber-fazer) nos diferentes níveis de
competência e propõe uma base comum para a elaboração de programas de ensino-
aprendizagem das línguas modernas, confecção de exames, diplomas e manuais didáticos, etc
foi finalmente publicado pelo Conseil de l’Europe (Conselho da Europa). Assim como os
PCNs foram assinados por alguém tido como legítimo, o CECRL teve o aval da mais antiga
instituição europeia em funcionamento e conta com 47 Estados membros.
Ao longo das quase duzentas páginas, encontramos de forma clara os objetivos de
cada competência linguageira a ser alcançado em cada nível de aprendizado para que o
processo seja satisfatório. A título de exemplo, demonstraremos como se apresentam os
diferentes níveis de proficiência discutidos exaustivamente no documento17
:
Utilizador elementar • A1 - Iniciação
• A2 – Elementar
Utilizador independente • B1 - Limiar
• B2 – Vantagem
Utilizador proficiente • C1 - Autonomia
• C2 – Mestria
Cada um desses seis níveis conta com descritores específicos para cada uma das
habilidades linguísticas (Ex. Produção oral, Produção escrita, etc). Vejamos um exemplo
concernente ao uso da linguagem oral18
:
17
Níveis comuns de referência (QECR, 2001, p.48) 18
Níveis Comuns de Referência: aspectos qualitativos do uso oral da linguagem (QECR, 2001, p.57)
100
Também encontramos esse tipo de organização nos PCNs, porém, ao invés dos
descritores serem feitos de acordo com o nível de proficiência são elaborados por série. Aliás,
ao longo do capítulo 3, vínhamos discutindo documentos nacionais norteadores do ensino.
Assim, é chegado o momento de questionarmos o porquê de uma seção que trate de um
documento que orienta o ensino de línguas na Europa se fazer presente nesse mesmo capítulo.
101
Na verdade, os documentos anteriormente citados balizam o trabalho nas escolas das
redes pública e privada. Porém, esse é o texto base utilizado pelo curso privado Aliança
Francesa. Logo, os professores desse curso devem tê-lo como parâmetro para desenvolverem
seu trabalho. Assim como descrito nos PCNs, encontramos na introdução do QECR a
informação de que o documento não tem a pretensão de impor uma metodologia ou uma
teoria aos professores:
Não se trata DE MODO ALGUM de dizer aos que trabalham nesta área o
que devem fazer e como devem fazê-lo. São levantadas questões, mas não
são dadas respostas. A função do Quadro Europeu Comum de Referência
não é nem formular os objectivos que os utilizadores devem atingir, nem os
métodos que devem usar. (QECR, 2001, p.11)
Conforme descrito no próprio texto, seu objetivo é o de harmonizar o ensino e a
aprendizagem das línguas vivas na Europa e fornecer os meios para os professores
“reflectirem sobre a sua prática actual, com vista a contextualizarem e a coordenarem os seus
esforços e a assegurarem que estes respondam às necessidades reais dos aprendentes pelos
quais são responsáveis” (QECR, 2001, p.19).
A abordagem apontada pelo documento é orientada para a ação (approche
actionnelle). Assim, enfatiza-se o desenvolvimento da competência comunicativa e uma
abordagem acional – que considera o aprendiz da língua como ator social que deve mobilizar
estrategicamente competências específicas para realizar tarefas e o coloca no centro do
processo de ensino aprendizagem. Nesta perspectiva, cabe ao professor a tarefa da facilitar o
desenvolvimento de uma competência seja ela comunicacional ou intercultural, de agir como
co-construtor do conhecimento, de dinamizar os princípios metodológicos e adaptá-los ao
público-alvo.
Gostaríamos de fazer uma ressalva no que tange ao caráter não normativo do QECR.
Por mais que o documento não pretenda ditar o modelo de ensino/aprendizagem a ser seguido,
baseia-se em uma abordagem que redefine os papéis do aprendiz e do professor. Conforme
dissemos anteriormente, o curso privado Aliança Francesa se utiliza desse documento e dessa
metodologia de ensino e submete os professores a fazerem curso de “reciclagem” em uma
tentativa de deixá-los a par das novidades no campo do ensino/aprendizagem de línguas
estrangeiras, sobretudo a Língua Francesa. Logo, um professor que tenha conhecido outras
102
metodologias de ensino poderá sentir dificuldades para se adequar às recomendações dessa
nova abordagem.
Na realidade das escolas públicas mencionadas nesse trabalho, essa abordagem
começa a se apresentar timidamente. Por exemplo, a coordenadora de línguas neolatinas do
Colégio Pedro II sugeriu a leitura do QECR a sua equipe, segundo os autorrelatos dos
professores entrevistados. Inclusive, discussões acerca dessa nova abordagem e do QECR
vem sendo promovidas e os professores estão reescrevendo o Projeto Político Pedagógico da
escola com base nesse material mas o mesmo ainda não foi publicado. Percebendo que não
estavam em dia com o texto de referência criado pelo Conselho da Europa e com vistas a
melhor atender as suas necessidades, introduziu-se, no ano de 2010, para todos os alunos do
Ensino Fundamental, o uso de um manual didático orientado para a ação.
Não podemos nos esquecer de que esse colégio mantém convênio com a Embaixada
da França e seus alunos são beneficiados com uma redução no valor da taxa de inscrição dos
exames de proficiência francês orientados pelo QECR: DELF - Diplôme d'Études en Langue
Française (Diploma de Estudos em Língua Francesa) e o DALF - Diplôme Approfondi de
Langue Française (Diploma Aprofundado de Língua Francesa). Esses diplomas certificam as
competências em francês dos candidatos estrangeiros, são reconhecidos internacionalmente e
são concedidos pelo Ministério da Educação Nacional Francês. Talvez, por essa razão, os
professores dessa instituição estejam mais a par dessas mudanças metodológicas que os
outros.
Cabe dizer que o mesmo manual selecionado pelo Colégio Pedro II foi distribuído em
2010 pela Secretaria Municipal de Educação. Entretanto, não há um documento dessa rede
que oriente o desenvolvimento de uma abordagem acional. Vale lembrar que os alunos do
Colégio Pedro II precisam comprar o livro didático uma vez que ele não é distribuído
gratuitamente como os livros das outras disciplinas. A rede estadual não disponibiliza
qualquer manual didático para o ensino de Língua Francesa, somente para as línguas inglesa e
espanhola. Também não há o desenvolvimento de um Projeto Político Pedagógico voltado
para a abordagem orientada para a ação. Mais uma vez se apresenta o problema da
importância dada a algumas disciplinas em relação a outras. Por que o Programa Nacional do
Livro Didático (PNLD) cujo objetivo é o de subsidiar o trabalho pedagógico dos professores
por meio da distribuição dos livros didáticos aos alunos da educação básica não disponibiliza
livros de Língua Francesa aos alunos das redes federal e estadual? Por outro lado, por meio
103
desse programa, o Ministério da Educação (MEC) distribui livros para o ensino das línguas
inglesa e espanhola. Moita Lopes (1999, p. 433) demonstra insatisfação em relação a essa
postura de distinção entre as línguas mediada pela (não) oferta dos livros didáticos:
É incompreensível, por exemplo, que o MEC continue excluindo
livros didáticos de LEs da lista de materiais que envia às escolas
públicas. É, no mínimo, um desrespeito à lei que rege a educação
brasileira.
Na seção seguinte, traremos à baila considerações sobre nossa leitura dos textos
oficiais norteadores do ensino na Cidade do Rio de Janeiro, ressaltando a repetição de
políticas que colaboram para que o professor, sobretudo o de Língua Francesa, se sinta
desmotivado e desvalorizado em sua profissão, seja pela falta de estrutura física e de recursos
didáticos, seja pela perda do prestígio de sua atividade profissional.
3.7 EFEITOS DE SENTIDO DOS TEXTOS OFICIAIS
Com a leitura dos Parâmetros Curriculares Nacionais, das Orientações Curriculares, do
Currículo Mínimo, da Lei de Diretrizes e Bases e do Quadro Europeu Comum de Referência
para as línguas pudemos identificar que esses textos são um espaço de enunciação que iguala
as línguas estrangeiras. Apenas o Projeto Político Pedagógico elaborado pelo Colégio Pedro II
é um documento elaborado pelo próprio corpo docente da escola e leva em consideração as
particularidades de cada língua estrangeira.
Em grande parte desses documentos legais, notamos um discurso marcado
discursivamente pela necessidade de mudanças na estrutura escolar para que o ensino
aconteça de forma eficaz. Normalmente, desvia-se o foco dos problemas estruturais para a
figura do professor, que acaba sendo responsabilizado pelos insucessos da escola pública.
Entretanto, esse professor tem sua voz emudecida nas discussões que antecedem a confecção
desses textos, pois raramente são consultados ou uma pequena parcela é chamada a opinar
sobre a realidade e as necessidades das salas de aula da educação básica (Educação Infantil,
Ensino Fundamental e Ensino Médio).
O discurso dos professores e das mídias resgatam efeitos de sentido que corroboram
estereótipos construídos ao longo da história, como por exemplo, a desvalorização social da
profissão e os baixos salários. Essas imagens não só são partilhadas socialmente como muitas
104
das vezes acabam sendo internalizadas pelo professor e fazendo parte dos traços de sua
identidade social. A fim de exemplificar o que estamos debatendo, trazemos abaixo uma
tabela divulgada pelo IBGE em 2006 comparando o rendimento salarial de algumas
profissões que exigem o nível superior de formação:
O que não se pode mais esconder é a crise de identidade pela qual o ensino está
passando. Com o fenômeno da globalização, a Língua Inglesa consolidou-se como língua
estrangeira hegemônica no Brasil graças ao poder da economia norte-americana. Aliás,
Jameson (2001) discute cinco níveis distintos de globalização e a maioria deles conta com a
força americana e com o desejo de liderança em cada um desses níveis.
No plano tecnológico, o autor afirma que a nova tecnologia das comunicações e a
revolução da informação não só têm tido inovações e implicações na esfera da comunicação
como também têm trazido impacto na produção e na organização industrial e na
comercialização de bens. No nível político, Jameson faz uma reflexão sobre o imperialismo
norte-americano e ressalta que, ao se falar do poder de expansão e influência da globalização,
implicitamente, fala-se da expansão da potência econômica e militar dos Estados Unidos. No
plano cultural, o autor debate o posicionamento dos Estados Unidos de querer exportar seus
interesses para o resto do mundo como se fossem universais em uma tentativa de padronizar a
cultura mundial seja através da música, dos filmes, da culinária ou das vestimentas. A questão
econômica da globalização sofre implicações diretas dos pontos acima levantados sobre a
esfera cultural, segundo Jameson. Para ele, “a produção de mercadorias é hoje um fenômeno
105
cultural, em que se compra tanto por sua imagem quanto por seu uso imediato.” O autor
menciona o feroz interesse dos Estados Unidos em fazer com que seus filmes dominem o
mercado estrangeiro apesar da repulsa de alguns países europeus, sobretudo a França, que
tenta resistir a esse imperialismo cultural americano.
Jameson aborda ainda a liderança dos Estados Unidos dentro do Fundo Monetário
Internacional (FMI) e como muitas nações se tornam financeiramente dependentes dos países
do primeiro mundo através de empréstimos, apoios e investimentos, tornam-se alvos fáceis
das imposições das condições de livre mercado sob a ameaça de retirar fundos de
investimento. Ainda no âmbito econômico, Jameson desenvolve o conceito de “cultura de
consumo” para descrever um modo de vida específico que ameaça pôr fim nas formas de vida
de outras culturas. O autor prefere associar esse conceito do ponto de vista da passagem do
econômico para o social, já que essa cultura de consumo faz parte da vida cotidiana e não
pode ser dissociada do tecido social. No plano social, Jameson traz à tona questionamentos
sobre o individualismo e a pulverização da sociedade como vilões que levariam os grupos
sociais tradicionais a perderem forças e se romperem em decorrência dessa cultura de
consumo. Assim, ao falar de globalização e ao mencionar o imperialismo norte-americano
sobretudo nos âmbitos político, cultural e econômico, seremos conduzidos a uma possível
hipótese sobre a hegemonia da Língua Inglesa frente às outras línguas estrangeiras que
poderiam ser ofertadas na escola mas que acabam perdendo espaço para essa supremacia do
governo americano.
Diante dessas observações, somos levados a pensar que novas formas de agir, de
pensar e de trabalhar foram recriadas nesse mundo globalizado. A chegada das novas
tecnologias (TICs – tecnologias da informação e da comunicação) revolucionaram também o
trabalho do professor com as facilidades de acesso a recursos como a Internet e às mídias de
maneira geral. O aluno aprendeu a buscar o saber de forma mais autônoma, rápida e interativa
com as facilidades propiciadas pela Internet. Entretanto, a grande lacuna encontrada pelos
estudiosos em Educação é conseguir trazer todos esses recursos para a sala de aula fazendo
com que o ensino nas escolas conheça o sucesso, atendendo aos anseios do aluno e às
demandas do professor. Na leitura comentada que fizemos sobre os documentos prescritivos
orientadores do ensino pudemos perceber o desejo de colocar as novas tecnologias a favor da
Educação. Porém, não há uma orientação para o professor de como concretizar esse desejo.
Na maioria das vezes, ele não dispõe de meios físicos nem possui acesso a cursos de
106
capacitação que impliquem nessa necessidade de reformulação do ensino. Nota-se nesses
textos a presença de uma rede de discursos que perpetuam práticas institucionais e
governamentais cristalizadas ao longo da história e a pretensão em perpetuá-las.
Em face dos fatos apresentados, está mais do que justificado o ensino da Língua
Inglesa nas escolas públicas. Porém, a aprendizagem de outra língua estrangeira também se
faz indispensável para que se abram novos horizontes em um mundo cada vez mais plural.
Concordamos com Moita Lopes (1999, p.432) ao revelar certa preocupação em relação à
oferta exclusiva da Língua Inglesa aos alunos da educação básica, apontando a urgência no
desenvolvimento de políticas públicas voltadas para as línguas estrangeiras:
A consolidação do inglês como LE hegemônica no Brasil é, no meu entender, uma
questão preocupante. Conquanto, tenha clareza sobre a relação entre LEs e fatores
sociopolíticos, e que, portanto, seja inegável a importância de se aprender inglês em
um mundo em que as fronteiras nacionais são perpassadas pelo uso do inglês devido
ao poder da economia norte-americana no chamado mundo globalizado que se
apresenta, parecem ser essenciais investimentos de pesquisa e de natureza política
no ensino de outras LEs.
No que tange às línguas estrangeiras, as políticas linguísticas em voga no Brasil
tendem a corroborar a hegemonia da língua inglesa. Temos ainda testemunhado a política de
implantação da Língua Espanhola na grade curricular do Ensino Médio como oferta
obrigatória segundo a lei federal 11.161/2005 e vivido a política de exclusão da Língua
Francesa fortemente presente nas práticas governamentais. Por outro lado, professores de
espanhol têm se mobilizado frente à recente decisão da Secretaria Municipal de Educação do
Rio de Janeiro de extinguir essa língua estrangeira do currículo em 2014 em favorecimento do
inglês, apesar do amparo legal. A manifestação da insatisfação foi feita por meio de um
abaixo-assinado endereçado à SME-RJ publicado em dois de abril de 2013.19
Nesse
documento, ressalta-se o desejo de fazer cumprir a lei federal e critica-se a parceria realizada
entre a SME-RJ e o curso de línguas Cultura Inglesa na criação do programa Rio Criança
Global, em 2009.
Acreditamos que os discursos que privilegiam uma língua em detrimento de outra
possam ser explicados através da noção de mercado linguístico trazida por Bourdieu
(1973,1998) em analogia à noção de mercado econômico. As línguas estão deixando de ser
símbolos representativos da identidade nacional para se transformarem em mercadorias. As
19
A carta endereçada à SME-RJ pode ser encontrada no link:
http://www.peticaopublica.com.br/PeticaoVer.aspx?pi=P2013N38954
107
relações linguísticas implicam a produção de bens simbólicos, ou seja, os discursos
produzidos pelo locutor serão mais ou menos valorizados conforme o valor atribuído pela
sociedade para aquela língua por ele utilizada na situação de comunicação. O sociólogo
concebe a língua “não somente como um instrumento de comunicação ou mesmo de
conhecimento mas um instrumento de poder” (Bourdieu, 1973, 1998, p. 108). Por essa razão,
“vende-se” a Língua Inglesa tendo como pano de fundo a globalização e sua importância para
o mercado de trabalho.
Vale a pena esclarecer que tornar obrigatório o ensino de Língua Espanhola no Ensino
Médio incorre na possibilidade de torná-la hegemônica, assim como outrora fora feito com a
Língua Inglesa. Não podemos fechar os olhos e deixar de perceber que essa predileção por
uma determinada língua estrangeira prefigura um processo de imposição política que traz
consigo interesses de determinados grupos sobre outros. Essa mesma política que hoje elege o
espanhol e o inglês como obrigatórias ao currículo escolar, amanhã suprimirá seus valores e
determinará que outra língua ocupe seus lugares que agora conhecem o prestígio social.
No capítulo seguinte exporemos os procedimentos metodológicos utilizados nesta
pesquisa, a definição dos sujeitos colaboradores e a delimitação do corpus.
4 DELINEANDO OS CORPORA
Conforme anunciamos ao longo do trabalho, interessamo-nos pelos relatos dos
professores de diferentes instituições sobre o seu trabalho enquanto professores de Língua
Francesa. Daí surgiu a ideia de contatarmos profissionais das redes de ensino federal, estadual
e municipal. Acreditamos que, por eles estarem diretamente engajados nessa realidade escolar
poderão nos fornecer dados que nos auxiliarão a narrar a situação do professor de francês no
Rio de Janeiro. Não queremos ser omissos e fechar os olhos para as diferentes realidades
existentes dentro de uma mesma rede de ensino. Entretanto, nossa pesquisa é de cunho
qualitativo e não quantitativo. Logo, teremos uma pequena amostragem, mas que nos
permitirá reconhecer alguns aspectos que careçam de atenção de nossa sociedade para que as
condições de trabalho desses profissionais possam ser melhoradas.
Além de buscarmos conhecer melhor o espaço da Língua Francesa nas escolas
públicas, as condições de trabalho dadas ao professor, a visão do profissional sobre a
disciplina e sobre a sua profissão, também tínhamos o desejo de estabelecer um contraponto
com a realidade do trabalho no curso privado Aliança Francesa. Nosso intuito era o de mapear
a situação do ensino de Língua Francesa nas escolas públicas e no referido curso,
identificando traços que levassem um professor a ser reconhecido pela sociedade por trabalhar
em uma determinada instituição ou, ao contrário, que o professor não tivesse o
reconhecimento da sociedade por trabalhar em outra instituição, embora o papel
desempenhado fosse sempre o mesmo: o de professor de francês.
Tivemos também o cuidado de atentar para o fato de que talvez as expectativas de um
professor recém-formado sejam diferentes daquelas de um professor antigo no cargo. Por isso,
pensamos em ouvir essas diferentes vozes da educação acerca de suas experiências
profissionais. Assim, serão considerados sujeitos dessa pesquisa professores que tenham se
formado há menos de dez anos do início dessa pesquisa, ou seja, serão considerados em início
de carreira aqueles com formação posterior ao ano de 2000, e para fim de carreira aqueles que
estejam há dez anos de se aposentar.
Após essa inicial configuração do panorama no qual se insere o trabalho dos
professores no Estado do Rio de Janeiro, fez-se necessária a definição de nossos sujeitos de
pesquisa. Nossa primeira tarefa foi selecionar professores que pudessem se enquadrar no
recorte proposto para nossa pesquisa, visando respeitar a delimitação “professores em início
de carreira” e “professores em fim de carreira.” Atendendo a essa exigência, selecionamos
109
dois professores do curso privado Aliança Francesa, dois professores do Colégio Pedro II,
dois professores da rede estadual, dois professores da rede municipal. Tivemos o cuidado de
selecionar, para essas duas últimas redes, docentes que atuassem em escolas distintas,
localizadas em diferentes bairros da cidade. Realizada essa etapa, tivemos que partir em busca
de uma técnica de coleta de dados.
Era nosso desejo captar as falas dos profissionais acerca da educação no Rio de
Janeiro. O trabalho desenvolvido por Rocha, Daher e Sant´Anna (2004) foi crucial para que
tivéssemos êxito nesse próximo passo. Esses autores apresentam uma proposta de entrevista
dentro de uma perspectiva discursiva. Segundo eles, a entrevista é uma estratégia que
possibilita o acesso a uma dada massa de textos. A partir desse instrumento, através do qual o
entrevistador provoca a atualização de textos já produzidos pelo entrevistado em outras
circunstâncias, é possível acessar informações importantes sobre a trajetória de vida do
entrevistado e resgatar uma memória construída discursivamente sobre o ensino.
Ainda à luz do enfoque da Análise do discurso de base enunciativa (AD), Charaudeau
(1992), filiado à teoria de Bakhtin, nos ensina que o discurso não deve ser confundido com a
manifestação verbal de uma língua e sua estrutura não é uma cópia fiel da realidade. O que
estamos tentando explicar é que os enunciados apresentados pelos professores durante as
entrevistas são resultantes de diálogos com enunciados passados ou futuros, que levam em
consideração o contexto da interação verbal, nesse caso, o da entrevista.
Cada enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados com os quais
está ligado pela identidade da esfera de comunicação discursiva. Cada enunciado
deve ser visto antes de tudo como uma resposta aos enunciados precedentes de um
determinado campo (aqui concebemos a palavra “resposta” no sentido mais amplo):
ela os rejeita, confirma, completa, baseia-se neles, subentende-os como conhecidos,
de certo modo os leva em conta. (BAKHTIN, 1979, 2003, p. 297).
Nesse sentido, vamos ao encontro do que Rocha, Daher e Sant´Anna (2004) discutem
sobre o gênero entrevista em contexto de pesquisa acadêmica. Esses autores enfatizam que a
entrevista não pode ser utilizada como meio de levar o pesquisador a desvendar as “verdades
ocultas.” Logo, podemos traçar um paralelo entre os pressupostos abordados por esses três
autores e a teoria da Análise do Discurso. Não se pode conceber a entrevista como uma
simples conversa informal. Pelo contrário, entende-se a entrevista como um gênero do
discurso resultante da interação entre pesquisador e entrevistado. Dessa forma, a produção dos
110
enunciados está intrinsecamente ligada às circunstâncias do ato de comunicação, diretamente
regido pelo contrato de comunicação do qual falamos anteriormente. Os implicados nesse
jogo têm imagens a zelar e não pretendem ter as respectivas legitimidades ameaçadas. Com
isso, a motivação para realizar uma entrevista tem que ser a de conseguir subsídios que nos
façam conhecer a experiência, os valores e os conflitos do professor entrevistado a fim de
traçar a trajetória do profissional de Língua Francesa ontem, hoje e amanhã. Nas palavras dos
autores:
Para abordar a entrevista no âmbito da pesquisa acadêmica, partimos da evidência da
existência de diferentes textos que circulam em espaços e suportes variados
(impressos, conversas cotidianas, interações sistemáticas ou casuais, de mais fácil ou
mais difícil acesso, etc) e que se revelam, por extenso, indicadores da existência de
diferentes comunidades discursivas. A referida evidência da existência desses textos
é que nos possibilita ingressar em uma atividade de pesquisa: só se propõe, por
exemplo, a realização de uma entrevista no curso de uma pesquisa quando se sabe
que determinado (s) texto (s) existe (m) no universo de discursos produzidos.
(ROCHA, DAHER E SANT´ANNA, 2004, p. 169)
Ratificando a complexidade do dispositivo entrevista, os referidos autores atribuem-
lhe três momentos distintos (ROCHA, DAHER E SANT´ANNA, 2004, p. 177):
o momento da preparação da entrevista: momento em que, lançando mão dos
saberes que possuímos acerca do outro e com base em objetivos determinados,
produzimos uma espécie de “roteiro” condutor de algo que se poderia considerar
uma “interação antecipada” com o outro que se pretende entrevistar;
o momento da realização da entrevista: situação que estará assentada nas bases
definidas por um roteiro, responsável por atualizar, sob o signo da interação
entrevistador – entrevistado, textos já produzidos anteriormente em diferentes
situações de enunciação;
o momento que se segue à entrevista: situação na qual o pesquisador estará em
condições de finalmente decidir sobre um corpus sobre o qual trabalhará, a partir do
conjunto de textos produzidos.
Para a elaboração da entrevista, seguimos a proposta metodológica de Daher (1998).
Segundo a autora, a confecção do roteiro deve se organizar em blocos temáticos que discutam
a explicitação de objetivos a serem atingidos, os problemas que se colocam para o
pesquisador e as hipóteses que norteiam as atividades para assim estabelecer as perguntas que
serão feitas ao entrevistado a fim de que ele fale sobre o seu trabalho.
111
Visando recuperar traços da memória do ensino de francês no Rio de Janeiro através
das falas dos professores implicados nessa pesquisa, elaboramos dois blocos temáticos:
Formação (subdividido em Motivação para os estudos de Língua Francesa, Formação
Acadêmica e Trajetória Profissional) e O Ensino de Francês Ontem, Hoje e Amanhã
(subdividido em O ensino no passado e no presente, O ensino no presente e no futuro,
Atributos do professor de FLE, O trabalho do professor de FLE). No primeiro bloco,
interessamo-nos em verificar como o professor de francês rememora sua motivação para
aprender a Língua Francesa e como descreve sua trajetória profissional. As perguntas Como
seu deu sua motivação para estudar a Língua Francesa na faculdade de Letras? ; Descreva
sua formação acadêmica; Descreva sua atuação profissional, feitas de forma abrangente,
permitem ao entrevistado falar “livremente” acerca de sua experiência de aprendiz a professor
da língua estrangeira, sem que para isso o pesquisador interfira a cada instante relançando
uma nova interrogação. No segundo bloco, através das perguntas Como era ser professor de
francês? ; E hoje, o que mudou? E no futuro, o que poderá mudar? ; O que é necessário para
ser um professor de FLE? ; Atribua características ao trabalho do professor de FLE,
desejamos levar os entrevistados a narrarem suas experiências em relação ao ensino da língua
estrangeira, desde como a aprenderam até a como a ensinarão no futuro, levando-nos a
identificar possíveis semelhanças/diferenças no âmbito do ensino de Língua Francesa.
A seguir, exporemos o roteiro que utilizamos na realização das entrevistas.
112
ROTEIRO DE ENTREVISTA
BLOCOS
TEMÁTICOS
OBJETIVOS PROBLEMAS HIPÓTESES PERGUNTA/
ROTEIRO
TRA
JETÓ
RIA
AC
AD
ÊMIC
A E
PR
OFI
SSIO
NA
L
FORMAÇÃO
- Observar as
motivações do
entrevistado para
estudar o francês.
- Identificar como se
deu a aprendizagem
do francês na
formação do
entrevistado.
- Conhecer a
trajetória profissional
do entrevistado.
- O que motivou a
escolha profissional
do entrevistado?
- Quais aspectos da
formação do
entrevistado foram
relevantes na
constituição de sua
identidade
profissional?
- Relatos acerca da
experiência de vida
do entrevistado que o
levaram a estudar
francês.
Afeição pela língua
Influência de algum professor
Facilidade de ingresso no curso de Letras
- Relatos acerca da
experiência individual
do entrevistado no
aprendizado de FLE.
Dificuldade de adaptação com a língua
Facilidade de adaptação com a língua
Problemas pessoais com professores
Facilidade de relacionamento com professores
Desejo de aprender
Desinteresse pelo aprendizado.
- Ponderações sobre a
trajetória profissional
do entrevistado.
Atividade de monitoria em cursos ligados à graduação
Trabalho em cursos livres/aulas particulares
Trabalho em escolas
1- Como se deu
a sua
motivação
para estudar a
Língua
Francesa na
faculdade de
Letras?
2- Descreva sua
formação
acadêmica.
3 - Descreva sua
atuação
profissional.
113
BLOCOS
TEMÁTICOS
OBJETIVOS PROBLEMAS HIPÓTESES PERGUNTA/ROTEIRO
ENSI
NO
DE
FLE
O ENSINO DE
FRANCÊS
ONTEM, HOJE
E AMANHÃ
- Identificar
características do
ensino de FLE no
passado, no
presente e
possíveis traços do
futuro.
- Observar as
práticas
educativas em
diferentes
momentos ao
longo da história.
- Identificar os
possíveis
imaginários acerca
do que seria
indispensável ao
ensino de FLE.
- Observar as
concepções acerca
do trabalho do
profissional de
FLE.
- De que forma o
professor caracteriza
o ensino de francês
ao longo de sua
atuação
profissional?
- O que é
indispensável ao
profissional de FLE
para que tenha sua
prática legitimada?
- Qual a relevância
do trabalho do
professor de francês
face à sociedade?
- Relatos pessoais que
destaquem o ensino
de FLE no passado e na
atualidade, fazendo
projeções para o
futuro.
(Passado)
Aulas voltadas para aspectos de civilização
Metodologias de ensino
Público-alvo
Mercado de trabalho mais amplo
(Presente e futuro)
Mudança do público-alvo
Perda de espaço do idioma devido à ascensão de outros.
Metodologias de ensino
- Relatos pessoais
acerca das convicções
que orientam a prática
do professor de FLE.
Falar bem a língua
Conhecer a França
Conhecer a gramática
Conhecer as culturas francófonas
- Comentários sobre
como o professor acha
que seu trabalho é
visto e como ele
próprio vê o seu
trabalho.
Trabalho de prestígio
Trabalho desvalorizado
Trabalho prazeroso
1- Como era ser professor de francês ? Fale sobre sua experiência.
Como eram:
as aulas
o material didático
os alunos
temas e conteúdos ministrados
o status da disciplina
objetivos desse ensino na época
dificuldades encontradas.
2- E hoje, o que
mudou? E no futuro, o que
poderá mudar?
3 - O que é necessário para
ser um professor de FLE?
4- Atribua características
ao trabalho do professor
de FLE.
(Como você acha que seus
colegas/sociedade veem o
seu trabalho enquanto
professor de francês?)
114
4.1 TÉCNICA PARA A COLETA DE DADOS
Definida a técnica utilizada para a confecção do roteiro das entrevistas, julgamos
pertinente acrescentar outra etapa à realização da coleta dos dados em uma tentativa de obter
outras informações sobre o professor de francês e conhecermos melhor o que o sujeito dessa
pesquisa pensa sobre sua profissão e sua prática docente.
Em um primeiro momento, entregamos a cada participante da pesquisa uma ficha na
qual deveriam responder por escrito a algumas perguntas cujos temas giravam em torno da
aprendizagem da Língua Francesa, trajetória profissional e atuação profissional. Abaixo,
apresentamos a ficha entregue a cada um dos participantes:
FICHA DO COLABORADOR
1. Qual é a sua idade?
2. Em que ano terminou a faculdade? Em qual instituição?
3. Quando foi a primeira experiência com o ensino de francês? Onde?
4. Em que instituições já trabalhou com o ensino de francês?
5. Pretende ser professor de francês por mais quantos anos? Justifique.
6. Está satisfeito com a sua profissão? Justifique.
7. Está satisfeito com sua prática docente? Justifique.
MUITO OBRIGADA PELA SUA COLABORAÇÃO!!!
115
Uma semana após o preenchimento dessa ficha, os participantes compareciam à
entrevista. Vale a pena ressaltar que todas as entrevistas foram realizadas em ambiente de
ensino, quase sempre no ambiente de trabalho daqueles professores implicados. Pensamos
que, por estarem imersos no próprio ambiente de trabalho, os professores seriam, a todo
instante, lembrados de suas experiências profissionais naquele espaço e poderiam descrevê-las
com maior riqueza de detalhes. Cada sessão de entrevista foi realizada em duplas de
professores pertencentes à mesma rede de ensino ou à mesma instituição de ensino, no caso
do curso privado Aliança Francesa, registrada pelo gravador de voz da marca Sony modelo
ICD – PX820 e teve duração aproximada de noventa minutos (90’).
Todos os entrevistados foram alertados de que a massa de textos provenientes das
entrevistas seria objeto de análise que comporiam o corpus de uma tese de doutorado e que
suas identidades seriam resguardadas, conforme texto explicativo que seguirá na seção dos
anexos (ANEXO B). A motivação para estabelecer duplas de entrevistados veio do interesse
em fazer interagir dois professores que apesar de serem submetidos às mesmas regras de
trabalho, contam com a particularidade de um estar em início de carreira e outro em fim de
carreira. Dessa forma, acreditamos que alguns pontos divergentes viriam à tona e eles seriam
chamados a debatê-los, fazendo com que, em alguns momentos, pudessem sentir-se mais à
vontade, como se estivessem expondo a opinião para um colega de trabalho na sala dos
professores, e até mesmo deixar de lado a presença do gravador, que muitas vezes é
intimidadora.
As entrevistas foram realizadas com o intuito de recuperar discursivamente traços
constituintes da formação identitária dos oito enunciadores. Aliamos a coleta de relatos
verbais (COHEN, 1989) a esse gênero do discurso, visto que segundo Rocha, Daher e
Sant’Anna (2004), a entrevista é resultante da interação entre pesquisador e entrevistado, e
nosso objetivo era intervir o menos possível para que o enunciador se sentisse o mais à
vontade possível para trazer à tona suas concepções sobre sua vida acadêmica e profissional.
Considerando-se as categorias básicas de relatos verbais, consideramos que os dados
coletados se enquadram na categoria do “autorrelato” – pois, segundo Cohen (1989, p. 4), as
declarações colhidas por intermédio desta técnica são decorrentes de crenças ou conceitos
próprios aos enunciadores.
116
Desta forma, acreditamos que, ao nos servirmos da técnica da entrevista acima
mencionada aliando-a aos pressupostos teóricos do autorrelato, seríamos levados a uma massa
de textos que representaria o real ponto de vista do enunciador sobre as questões presentes no
roteiro de entrevista, permitindo-nos conhecer as angústias, insatisfações e convicções dos
profissionais de língua francesa.
O pesquisador, de posse do roteiro da entrevista, direcionava cada pergunta a um
enunciador. Ao final de sua fala, convidava o outro enunciador a responder àquela mesma
pergunta. Aliás, é preciso esclarecer que o pesquisador buscou intervir o menos possível
durante as entrevistas. Sua atuação restringiu-se basicamente a fazer as perguntas que
constavam no roteiro elaborado previamente, outra razão pela qual optamos pela realização de
duplas de enunciadores. Dessa forma, um professor interagia diretamente com o outro, sem
que o pesquisador precisasse mediar a discussão e lembrá-los de que eles estavam ali sendo
entrevistados por um pesquisador da área de Letras que estava desenvolvendo um trabalho
sobre a identidade do professor de francês.
Os autorrelatos recuperados através do roteiro de entrevistas foram transcritos
integralmente, material esse que constitui o nosso corpus.
Visamos acessar uma gama de informações sobre o profissional de Língua Francesa
através de diferentes suportes (ficha e roteiro de entrevistas) em uma tentativa de conhecer o
perfil desse professor, suas insatisfações, suas vitórias, seu trabalho.
4.2 CONHECENDO OS ENUNCIADORES
Conforme dissemos anteriormente, nossa motivação era conhecer o perfil do professor
de Língua Francesa no Rio de Janeiro. Para tanto, oito profissionais, sendo dois atuantes na
rede municipal de ensino, dois na rede estadual de ensino, dois da rede federal e dois do curso
privado Aliança Francesa foram selecionados e convidados a participar das entrevistas. Os
professores serão identificados por uma escolha aleatória das letras do alfabeto. Vejamos seus
perfis:
117
Professor E
Formado em: 2003
Instituição de formação: UERJ
Trabalha na instituição: rede federal
Pretende ser professor: Por muitos
anos. Até a aposentadoria.
Satisfeito com a profissão: Sim.
Está satisfeito com sua prática
docente: Não completamente. “Me
sinto frustrada de não conseguir
aplicar na sala de aula o que se aprende
na faculdade, em congressos e em
formações. A realidade das salas de
aula é muito distante da teoria e dos
avanços tecnológicos.”
Professor V
Formado em: 1983
Instituição de formação: PUC
Trabalha na instituição: rede federal
Pretende ser professor: Por mais um
ano e meio. “Posso me aposentar e já
estou sem o mesmo pique, pois, ao final
do dia, me sinto cansada.”
Satisfeito com a profissão: Sim.
Está satisfeito com sua prática
docente: 60% satisfeita.
Professor M
Formado em: 2007
Instituição de formação: UFRJ
Trabalha na instituição: curso privado
de Língua Francesa
Pretende ser professor: Por muito
tempo.
Satisfeito com a profissão: Sim.
Está satisfeito com sua prática
docente: Sim. “Atualmente, estou
satisfeita. Lecionar se assemelha a
uma receita de bolo, você vai
acrescentando um pouco de cada
ingrediente: sua formação, sua
experiência de vida, experiência dos
colegas de profissão, suas ideologias,
as metodologias, os livros didáticos e
quando “o bolo” fica bom, sentimos-nos
satisfeitos, mas quando “o bolo sola”, a
insatisfação apresenta seus sinais e aí
fazemos a receita novamente para
Professor A
Formado em: 1974
Instituição de formação: FAHUPE
Trabalha na instituição: curso privado
de Língua Francesa
Pretende ser professor: Somente até
a filha encontrar um emprego estável.
Satisfeito com a profissão: Não.
“Hoje se exige demais do professor:
disponibilidade, bom humor, simpatia,
conhecimentos de informática... A
remuneração não é justa.”
Está satisfeito com sua prática
docente:
Não.
118
sabermos em que ponto não nos
agradou.”
Professor N
Formado em: 1986
Instituição de formação: UERJ
Trabalha na instituição: rede
municipal
Pretende ser professor: Pelo resto da
vida.
Satisfeito com a profissão: Muito
satisfeito. “Ser professor, sobretudo
de línguas, é se reciclar a cada
momento, as ideias nunca envelhecem.
Cada dia é uma nova experiência.”
Está satisfeito com sua prática
docente: Sim.
Professor W
Formado em: 1980
Instituição de formação: UFRJ
Trabalha na instituição: rede
municipal
Pretende ser professor: Só até se
aposentar.
Satisfeito com a profissão: Não.
“Acho que a figura do professor vem
sendo bastante desvalorizada.”
Está satisfeito com sua prática
docente: Não.
Professor B
Formado em: 2000
Instituição de formação: UFRJ
Trabalha na instituição: rede estadual
Pretende ser professor: Ainda não
definiu
Satisfeito com a profissão: No
momento sim. Mas a remuneração só é
satisfatória na rede privada.
Está satisfeito com sua prática
docente: Sim. “procuro sempre me
atualizar.”
Professor R
Formado em: 1976
Instituição de formação: Gama Filho
Trabalha na instituição: rede estadual
Pretende ser professor: Enquanto
tiver saúde.
Satisfeito com a profissão: Sim
Está satisfeito com sua prática
docente: Sim. “Percebo o interesse dos
alunos.”
4.3 CATEGORIAS DE ANÁLISE
Após a definição dos nossos sujeitos de pesquisa e a confecção das entrevistas, fez-se
necessária a transcrição das falas dos professores. Diante da massa de textos registrada,
debruçamo-nos no objetivo traçado para a realização dessa pesquisa e, então, delimitamos
nosso corpus. No entanto, devemos ter a consciência de que o texto resultante da coleta de
dados é uma co-construção entre entrevistador e entrevistado, ou seja, não podemos afirmar
119
categoricamente que o texto final corresponde fidedignamente à realidade experienciada por
aquele professor.
Decerto que, ao transcrevermos as falas às quais daremos um encaminhamento
linguístico, deixamos para trás algumas expressões e gestos, ou seja, a linguagem não verbal,
que, aliás, é muito representativa. Entretanto, devido à inviabilidade de expressá-la, nos
deteremos ao texto transcrito.
Atrelando a teoria de Charaudeau sobre os modos de organização do discurso à análise
do nosso corpus, encaminhamos nosso trabalho pelo viés dos modos de organização do
discurso já que eles constituem o princípio de organização da matéria linguística. Acreditamos
que ao expor suas experiências, ao formular suas práticas de ensino e ao expressar o que
sentem enquanto professores de língua estrangeira, os sujeitos da pesquisa nos levarão a
conhecer traços que constituem suas identidades profissionais.
Trazendo essa discussão para o âmbito da língua e de suas categorias, poderíamos
antecipar um dado presente no capítulo de análise e revelar que os sujeitos da pesquisa
organizaram seus discursos principalmente nos moldes dos modos narrativo e argumentativo.
Não nos causa nenhuma surpresa que esses modos tenham sido os mais recorrentes uma vez
que o modo narrativo pressupõe que haja um “contador” com uma intenção de transmitir algo
a alguém. Conforme nosso roteiro de entrevista, muitas das perguntas colocadas aos
enunciadores tinham como objetivo lhes fazer narrar suas experiências enquanto alunos de
Língua Francesa, suas trajetórias profissionais, etc. Por essa razão, todos os autorrelatos
construídos por uma sucessão de ações segundo uma lógica que vai constituir a trama da
história foram analisados à luz dos componentes do modo de organização narrativo. Por outro
lado, o modo de organização argumentativo tem por função permitir a construção de
explicações sobre asserções feitas acerca do mundo, podendo se servir de um mecanismo que
busque estabelecer “a prova com a ajuda de argumentos que justifiquem as propostas a
respeito do mundo e as relações de causalidade que unem as asserções umas às outras”
(CHARAUDEAU, 2008). Logo, para expressarem sua opinião sobre determinados aspectos
do roteiro de entrevista, os enunciadores se serviram de argumentos que se fundamentam em
um consenso social e em valores que correspondem às normas de representação social.
120
Retomando a apresentação teórica realizada na seção 2.3 – Os Modos de Organização
do Discurso – faremos a seguir uma exposição esquemática que servirá para orientar nossas
análises no capítulo seguinte.20
Modo de organização Função de Base Princípio de
Organização
Narrativo Construir a sucessão das
ações de uma história no
tempo, com a finalidade de
fazer um relato.
Organização da lógica
narrativa (actantes e
processos)
Encenação narrativa
As análises se basearão ora nos componentes da lógica narrativa, sobretudo na forma
pela qual as sequências são organizadas e no princípio da intencionalidade que poderia ser
entendido como a tomada de consciência de um sujeito sobre uma situação em que a falta de
algo lhe desencadeará o desejo de supri-la,
Estado Inicial Estado de
Atualização
Estado Final
Falta Busca Resultado em
relação ao objeto da
Busca
Êxito
Fracasso
E verificarão os papéis desempenhados pelos actantes narrativos:
Actantes Agente Paciente
Agressor Benfeitor Aliado Oponente Vítima Beneficiário
As análises se basearão ora nos componentes da lógica argumentativa, sobretudo no
que tange à encenação argumentativa pautada no valor dos argumentos que tendem a provar a
validade da argumentação,
20
Quadros extraídos de Charaudeau, 2008, p. 75
121
Modo de organização Função de Base Princípio de
Organização
Argumentativo Expor e provar causalidades
numa visada racionalizante
para influenciar o
interlocutor
Organização da lógica
argumentativa
Encenação
argumentativa
E se apoiarão em procedimentos semânticos cujos argumentos se fundamentam em
valores socialmente compartilhados distribuídos nos seguintes domínios de avaliação:
Os procedimentos semânticos Domínios de avaliação: Verdade, Ético,
Estético, Hedônico e Pragmático
5 CONJUGANDO ANÁLISES: PRÁTICAS DISCURSIVAS NAS FALAS DO PROFESSOR
DE FLE E ENUNCIADOS SOBRE SEU TRABALHO
Ao elaborarmos o roteiro da entrevista, havíamos previsto as perguntas que seriam
feitas aos enunciadores bem como nossos objetivos ao fazê-las e apontamos possíveis
hipóteses do que poderíamos encontrar nas falas dos mesmos. Assim, agrupamos esses relatos
em dois blocos temáticos: Formação (subdividido em Motivação para os estudos de Língua
Francesa, Formação Acadêmica e Trajetória Profissional) e O Ensino de Francês Ontem,
Hoje e Amanhã (subdividido em O ensino no passado e no presente, O ensino no presente e
no futuro, Atributos do professor de FLE, O trabalho do professor de FLE).
Tendo por base a Teoria Semiolinguística do discurso segundo Patrick Charaudeau,
propomo-nos identificar as representações sociais referentes ao universo do professor de
francês atuante da cidade do Rio de Janeiro. Para isso, buscamos identificar nos relatos dos
nossos entrevistados seus posicionamentos em relação às temáticas compreendidas nos blocos
acima descritos. Interessamo-nos em perceber o papel social que o próprio professor se atribui
bem como ele vê o papel que os outros lhe concedem. Temos o intuito de aliar os
pressupostos dos modos de organização do discurso, sobretudo o narrativo e o argumentativo,
visto que os enunciadores contam suas experiências acadêmicas e profissionais durante as
entrevistas, e muitas vezes utilizam argumentos para justificar seus posicionamentos, com os
papéis pressupostos para professor e aluno dentro do contrato de comunicação em sala de aula
(conforme discutido na seção 2.5). Acreditamos recuperar através das entrevistas como os
interdiscursos acerca desses papéis se tornam recorrentes nas falas e influenciam a maneira de
pensar de nossos enunciadores.
5.1 DISCURSOS SOBRE A FORMAÇÃO PROFISSIONAL:
5.1.1 Motivação para estudar a Língua Francesa na Faculdade de Letras:
Como primeiro procedimento de análise, levantamos no corpus as falas dos
enunciadores em relação à motivação para o estudo da Língua Francesa no curso superior. Ao
formular a pergunta Como se deu a sua motivação para estudar a Língua Francesa na
Faculdade de Letras?, esperávamos ouvir dos enunciadores relatos acerca de suas
experiências de vida que determinaram a escolha pela carreira profissional. Seguindo a lógica
narrativa, uma vez que os discursos analisados foram organizados predominantemente pelo
modo narrativo, todos os enunciadores estariam em Busca de uma realização que poderia ser
123
satisfatória ou não. Nossa expectativa era encontrar traços que justificassem a escolha
profissional dos entrevistados e que essa tivesse sido suscitada pela “afeição pela língua”,
“influência de algum professor” e até mesmo “facilidade em ingressar no vestibular”.
Confirmando nossas expectativas, vejamos os relatos abaixo:
Exemplo 1: “Eu era muito grudada nessa minha tia. Eles falavam dentro de casa muito em francês.
Então eu sempre achei muito bonito, lindo”; “Mas o que despertou foi ficar ouvindo minha tia . Ela
colocava muita música francesa, então eu fiquei apaixonada.” (enunciador E)
Exemplo 2: “O diferente” ; “a curiosidade de querer saber como se diz aquela língua”; “as
professoras eram muito legais” ;“a aula era mais leve que as outras.” (enunciador V)
Exemplo 3: “Eu era aluna do ensino fundamental e adorei a aula de francês. Fiquei encantada”;
“pedi para meu pai me colocar num curso de línguas, que no caso foi a Aliança. Dali me apaixonei e
não parei mais.” (enunciador A)
Exemplo 4: “Quando eu era pequena, uma vez encontrei um livro de um tio meu e era francês. Eu
abri, olhei e vi que entendia umas coisas e pedi para minha mãe e ela disse que tinha estudado
francês na escola e que lembrava umas frases. Então aquilo já foi uma história da vida inteira”; “e
me lembro muito bem dela (da prof. de francês do ginásio). Ela foi um modelo de professora . Eu quis
ser professora de francês por causa da minha professora de francês”; “Então aquilo tinha todo um
lado afetivo, minha mãe estudou aquilo, eu entendia o que era aquilo, apesar de nunca ter visto”; “E
aquela coisa da curiosidade que leva a gente a ter vontade de aprender ”; “é uma coisa que sempre
me atraiu muito.” (enunciador W)
Exemplo 5: “Surgiu no colégio o interesse porque no colégio onde eu estudava, no Pedro II, a gente
tinha desde a 5ª série inglês e francês; poxa, eu tenho um pouquinho do francês da escola e não
queria deixar perder. (enunciador B)
Exemplo 6: “Quando eu fui estudar no ginásio tinha inglês, francês e latim; e comecei a me
identificar com o francês; O que me levou? Me identifiquei muito, não sei. Adoro esse idioma. Acho
que a minha professora me incentivou porque... Ela percebeu que eu comecei a me identificar com
francês aí ela começou a me empurrar.” (enunciador R)
Segundo os trechos acima, a língua, para esses enunciadores, era fonte de fascínio,
paixão, afetividade. Todos eles já haviam tido alguma experiência bem sucedida com o
francês, o que os teria levado a esse encantamento pela língua e a essa busca pela
continuidade dos estudos. Nossa afirmação provém das marcas linguísticas de apreciação
impressas nesses discursos, tais como: “eu sempre achei muito bonito, lindo”; “as
professoras eram muito legais”; “adorei a aula de francês. Fiquei encantada”; “é uma coisa
que sempre me atraiu muito”. Os enunciadores expõem seus próprios sentimentos em relação
124
ao contato com a Língua Francesa, qualificando-o segundo um julgamento baseado na
afetividade.
Curiosamente, em dois relatos que transcreveremos a seguir, presenciamos uma
escolha aleatória pelo curso de francês no ensino superior. Todavia, os entrevistados
demonstram ter ficado satisfeitos com a opção e revelam o prazer pelo aprendizado da língua
(através das falas: “Fiz, gostei”; “eu gosto muito do francês. É a língua que eu mais gosto”;
é uma língua e uma cultura encantadora” - enunciador M) e pela escolha profissional
(através da fala: “ um acidente que deu certo porque é a carreira que eu realmente deveria
estar. Eu tô satisfeito” - enunciador N).
Exemplo 7: Eu comecei em um curso de línguas na Faetec. Na verdade eu fui para ver curso de
inglês mas como as inscrições são por meio de senha eu não consegui vaga. Consegui a senha só para
francês. Aí como eu tava com a senha na mão resolvi me inscrever, mas foi aquela coisa do impulso;.
“Fiz, gostei”; “nesse ano que estava fazendo o curso eu estava prestando vestibular para ciências
contábeis. Mas eu não passei. Fiquei frustrada; e aí depois eu resolvi tentar novamente o vestibular
mas para Letras;. E como primeira opção coloquei francês. Aí a partir disso comecei a gostar”; “eu
gosto muito do francês. É a língua que eu mais gosto”;” é uma língua e uma cultura encantadora.”
(enunciador M)
Exemplo 8: “Foi um acidente de percurso”; “passei com nota para entrar em alemão mas o
vestibular errou minha cadeira e me colocou para francês”; “ um acidente que deu certo porque é a
carreira que eu realmente deveria estar. Eu tô satisfeito.” (enunciador N)
Logo, voltando nosso olhar para os princípios de organização do modo narrativo,
somos levados a concluir que grande parte dos enunciadores partiu de uma motivação estética
– beleza da língua – e/ou hedônica – prazer pela aprendizagem da língua – para dar
continuidade aos estudos de Língua Francesa no ensino superior. Na maioria dos relatos não
percebemos uma escolha por essa carreira baseada em fins pragmáticos ou visando o mercado
de trabalho. Aliás, apenas o enunciador B faz menção a um aspecto objetivo que teria
motivado sua escolha: poder dar continuidade aos estudos escolares (Através da fala: “poxa,
eu tenho um pouquinho do francês da escola e não queria deixar perder”). Vale a pena
salientar que todos os enunciadores se colocam em um Estado Inicial de carência no processo
de aquisição de um saber e por isso o perseguiram. O resultado da Busca em relação ao
objeto, seja qual tenha sido ele, foi de êxito segundo os relatos dos enunciadores.
125
Estado Inicial Busca Estado Final
Enunciadores E, V,
A,W, B e R
Falta de um saber Prazer pelo prazer Êxito
Enunciadores M e N Falta de um saber Conhecimento pelo
conhecimento
Êxito
Dessa forma, ao nos debruçarmos sobre os diferentes participantes implicados nessa
ação, ou seja, os actantes, poderíamos designar os papéis que eles desempenham no
desenvolvimento da história narrada. Conforme o quadro a seguir, a maioria dos enunciadores
se coloca no papel de actantes benfeitores, aqueles que agem transmitindo um benefício.
Nesse caso, um benefício para si próprios, atuando também como beneficiários, uma vez que
se colocam em busca de um conhecimento que os levará à obtenção de um diploma e os
legitimará enquanto professores de Língua Francesa. Vejamos o quadro:
Actantes Agente Paciente
Agressor Benfeitor Aliado Oponente Vítima Beneficiário
E, V, M,
A, N, W,
R, B
E*, Tia E’
V* Curiosidade,
professoras de
francês
V’
A* Aula de francês
da escola
A’
W* Livro do tio,
professora de
francês
W’
R* Professora de
francês
R’
B* Aulas de francês
da escola
B’
M** Curso de línguas
M’
Acaso
N’
* - decisão feita de maneira voluntária, ou seja, os actantes estavam conscientes de seus atos
** - decisão feita de maneira involuntária, ou seja, o actante não estava consciente de sua escolha
Por conseguinte, à exceção do enunciador N, todos se colocam como agentes da ação,
ou seja, todos escolheram estudar a Língua Francesa na universidade. Essa escolha certamente
contou com o auxílio de aliados que de alguma forma influenciaram a mesma. O enunciador
M, por mais que não estivesse muito seguro de sua opção, ele o fez. Todavia, o enunciador N
126
não havia escolhido estudar Letras opção Português-Francês. O equívoco ocorrido na
administração do exame de ingresso à universidade recai involuntariamente sobre ele mas de
uma forma benéfica, conforme seu relato (exemplo 8).
Na próxima seção, analisaremos as falas ainda referentes ao bloco temático Formação
visando conhecer a trajetória acadêmica dos enunciadores.
5.1.2 Estudos Acadêmicos:
Dando prosseguimento à sequência do roteiro de entrevista, pesquisamos, no corpus,
as falas que se voltassem para a descrição da formação acadêmica dos entrevistados a fim de
ressaltarmos os aspectos relevantes na constituição de sua identidade profissional. Através do
enunciado Descreva sua formação acadêmica, desejávamos conhecer a formação do
profissional, que discorressem sobre o que aprenderam e, implicitamente, prevíamos que
muitos dos relatos pudessem apresentar avaliações acerca das respectivas trajetórias
acadêmicas respaldadas por argumentos subjetivos. Dessa forma, acreditamos que os
discursos fossem organizados ora pela configuração da lógica narrativa ora pela configuração
da lógica argumentativa. Por essa razão, nos propusemos a fazer uma dupla análise a fim de
contemplarmos os modos de organização envolvidos.
Daremos início às análises tomando por base os discursos organizados
predominantemente pelo modo narrativo.
5.1.2.1 Estudos Acadêmicos do ponto de vista narrativo:
O discurso dos enunciadores sinaliza que aqueles que já tinham estudado a língua em
momento anterior ao ingresso na Faculdade sentiram mais facilidade que aqueles “iniciantes”
em Língua Francesa, que o relacionamento com os professores da Faculdade foi motivo de
perseverança ou abandono dos estudos e que muitos concluíram o curso pelo desejo de
aprender e que outros sentiram tanta dificuldade que abriram mão dele. Assim, podemos dizer
que as falas não retomaram o aprendizado ou o objeto de estudo em si durante a academia.
Aliás, vale a pena ressaltar que os entrevistados restringiram o curso de Letras à disciplina de
Língua Francesa visto que apenas o enunciador B, conforme relato abaixo, menciona a
bagagem de aprendizagem adquirida ao longo da Faculdade. O que se vê são relatos sobre a
confirmação ou não das expectativas e da relação com os professores de francês.
127
Pensando nos papéis atribuídos ao professor e ao aluno segundo os imaginários sócio-
discursivos, vimos no item 2.5 dessa tese que é esperado do aluno dois objetivos: que ele
aprenda o conteúdo e que prove que o aprendeu. Assim, o aluno precisa se colocar no lugar de
agente desse aprendizado para que o mesmo aconteça e nesse contrato espera-se que o
professor desempenhe o papel de aliado a esse aprendizado. Paralelamente, o professor atuará
como agente no contrato de ensino. Caso os agentes não desempenhem com sucesso seus
respectivos “papéis”, o duplo contrato de comunicação poderá ser ameaçado.
Esse modelo de contrato encontra-se em consonância com as preconizações das
metodologias modernas voltadas para o ensino, tais como metodologia comunicativa e a
abordagem acional, descritas nos documentos oficiais citados no capítulo três. Elas
preconizam que o professor leve em consideração o conhecimento pré-construído pelo aluno e
o faça interagir com os novos conhecimentos. Dessa forma, entendemos que não cabe mais ao
aluno o papel passivo no processo de ensino/aprendizagem como outrora em que o professor
somente verificava o conhecimento do aluno através de trabalhos e provas. As novas
abordagens metodológicas colocam ênfase no desenrolar do processo de aprendizagem e
apontam os alunos como co-construtores de sua aprendizagem.
Trazendo essa reflexão para a análise do nosso corpus, constatamos que apenas os
enunciadores N, B e W, enquanto alunos, se colocaram em posição de agentes do aprender,
ou seja, apenas eles se mostram cumpridores do papel que lhes é atribuído. Nas palavras dos
enunciadores, observemos os excertos 9,10 e 11:
ACTANTES AGENTES:
Exemplo 9: “Na realidade eu não tive muita dificuldade com o francês porque eu investi em
aprender e já conhecia a Língua Portuguesa.” (enunciador N)
Exemplo 10: Olha, na faculdade. Bom, a realidade era: o aluno numa faculdade pública é que faz o
seu curso. Então aqueles que queriam só ter um diploma faziam o mínimo necessário para ser
aprovado depois ia acontecendo. Mas para mim não era o suficiente. Eu buscava o conhecimento, eu
ia aos locais, eu tentava falar, eu tentava me comunicar. Se eu sabia que tinha algum evento, eu
procurava me encaixar naquele evento. Para mim, o meu aprimoramento foi quando eu consegui
viajar e aí in loco consegui realmente usar a língua.”
(enunciador B)
128
Exemplo 11: “Quando eu cheguei lá eu não esperava que fosse do jeito que era. A professora de
francês falando francês, coisa que eu nunca tinha visto”; “foi muito mais o meu querer do que
propriamente a faculdade ajudando.” (enunciador W)
Por outro lado, nos relatos dos enunciadores E e V (ex. 12 e 13) não notamos essa
mesma atitude sobre a ação de aprender. As falas se voltam para a confirmação ou não das
expectativas que tinham em relação ao curso de Letras Português-Francês. Então,
consideramos que esses enunciadores se veem no papel de actantes pacientes do contrato de
ensino cujo agente é o professor. A fim de visualizarmos o que estamos dizendo, seguem os
dois trechos dos relatos concernentes ao aprendizado desses enunciadores:
ACTANTES PACIENTES:
Exemplo 12: “Eu adorava”; “a faculdade foi ótima”; “a maioria dos colegas tinha muita
dificuldade e alguns abandonaram. Outros se formaram mas atuam como professores de português .
Mas a minoria trabalha como professor de francês”; “eu sempre ouvia que era moleza para passar
no vestibular, ainda mais português-francês. Se ainda fosse português-inglês ou literaturas que era
mais concorrido...” (enunciador E)
Exemplo 13: “Gostei muito do curso”; eram poucos alunos mas interessados, mais ou menos 20
alunos. 18 se formaram comigo; na minha época ainda tinha um status o curso de português-francês,
mas isso em 1978. Tanto é que agora a PUC nem tem mais o curso de português-francês.”
(enunciador V)
Acabamos de expor exemplos de enunciadores que se colocam como agentes do
aprender, ou seja, que mostram esforços para adquirir um saber e exemplos de enunciadores
que não mencionam esse esforço, ao exprimirem seus pontos de vista sobre a Faculdade como
se ocupassem um lugar de “recebedores do saber”. Nos exemplos que seguem, perceberemos
discursos ambíguos que nos fazem pensar que os enunciadores desempenham ora papel de
agentes ora de pacientes.
ACTANTES AGENTES E PACIENTES:
Cabe um comentário voltado aos enunciadores M e A, cujos relatos serão
apresentados logo abaixo, em relação à categoria que lhes foi atribuída. Há certa ambiguidade
129
em torno de ambos os discursos que nos fizeram refletir bastante e perceber que ora os
enunciadores relatavam desempenhar um papel de agente ora de paciente. Por isso optamos
por incluí-los em uma nova categoria. O enunciador M se utiliza de verbos que expressam
ação de sua parte (superar, estudar) mas em alguns momentos faz uso do verbo aprender em
sentido passivo (fui aprender e tive o aprendizado), como por exemplo em sua fala: “tive o
aprendizado da língua mas não da prática docente”. O enunciador M se mostra “recebedor”
do aprendizado da língua. Por outro lado, como o aprendizado da prática docente não lhe foi
dado, segundo seu próprio relato, ele parece ter tido que se esforçar para buscá-lo nos estágios
obrigatórios do curso de Licenciatura, embora preferisse ter desempenhado o papel de
paciente. Não foi diferente com o enunciador A. Sua fala: “eu descobri tudo sozinha, a
faculdade não me deu nada não”, revela implicitamente que na concepção do enunciador, a
Faculdade deveria ter-lhe dado ensinamentos sobre a prática docente. Como sua expectativa
não foi correspondida, precisou se empenhar na busca desses ensinamentos por si só.
Vejamos o que dizem esses enunciadores nos excertos 14 e 15:
Exemplo 14: “Senti muita dificuldade no primeiro semestre de francês na faculdade, mas consegui
superar e passei a gostar”; tudo o que eu estudei no curso durante um ano eu vi em um semestre na
faculdade” ; “fui aprender prática quando fiz o estágio no Cap-UFRJ ”; “tive o aprendizado da
língua mas não da prática docente ”; “eu acho que a faculdade de educação não dá muito respaldo”
; “aprendi muito nos estágios mas as realidades são diferentes ”; “não posso adaptar o que eu vejo
no estágio do Cap em outros lugares. São realidades totalmente diferentes” ; “fiz o estágio no CAp e
no Estado, que apesar de cansativo foi muito rico” ; “eu tive que dar uma aula, mas o dia a dia com
as professoras, o conselho de classe, a sala dos professores. Eu via o quanto de coisas a gente tinha
que preparar” ; “no Estado era totalmente diferente da realidade do CAp, mas a professora ainda
conseguia levar o francês apesar de todas essas questões sociais.” (enunciador M)
Exemplo 15: “Antigamente a gente fazia para ser professor. Não se pensava em pesquisa”; “a gente
saía visando sala de aula e já saía para o mercado mesmo”; “a prática você vai adquirindo assim,
descobrindo sozinha, porque a faculdade mesmo não me preparou para a sala de aula” ; “eu
descobri tudo sozinha, a faculdade não me deu nada não”; “sua (referindo-se a formação do
enunciador M) formação foi boa, porque meu estágio foram 5 aulas e depois eu dei uma aula” ; “E a
gente ficava feliz, muito feliz.” (enunciador A)
Diferentemente de todos os outros enunciadores acima citados, o enunciador R não se
posiciona em seu discurso em relação ao seu processo de aprendizagem, ou seja, não
desempenha um papel relacionado à ação de aprender. Por essa razão, não pudemos
130
considerá-lo como agente. Também não foi possível incluí-lo na categoria de paciente.
Confirmando nossa análise, segue um trecho da entrevista acerca dessa temática:
Exemplo 16: “Eu quando fazia faculdade, eu entrei em 73, mas a minha faculdade era particular.
Naquela época, a faculdade era parte do dia e eu trabalhava porque eu já era formada em
contabilidade. Resolvi fazer Letras, entendeu? Então eu trabalhava e não tinha como estudar de dia
porque a faculdade de Letras era diurna naquela época. Então eu fui para a Souza Marques e fazia à
noite. Quando eu cheguei, não era nada básico não. Já era aquele quem sabe, sabe, quem não sabe
se vira.” (enunciador R)
Decerto que os entrevistados encontraram ao longo de suas trajetórias aliados e
oponentes que de alguma forma influenciaram suas escolhas acadêmicas e profissionais.
Curioso é constatar que, em alguns casos, pessoas que, segundo os imaginários sócio-
discursivos circulantes, deveriam se mostrar parceiras no processo de formação dos futuros
professores acabam se tornando verdadeiras adversárias. Em contrapartida, conforme os
relatos abaixo, notamos que o que deveria ter sido motivo de desânimo, de abatimento se
tornou motivo de luta e de vontade de vencer os obstáculos, pelo menos para os participantes
dessa pesquisa. Por essa razão, eles se atribuem o papel de vitoriosos nesse desafio. A seguir,
exporemos trechos das entrevistas em que nossos enunciadores falam sobre aspectos
dificultadores (exemplos de 17 a 22) e facilitadores (exemplos de 23 a 29) de seus respectivos
processos de formação profissional.
OPONENTES AO PROCESSO DE FORMAÇÃO:
Exemplo 17: “Cheguei no primeiro dia de aula, a professora falou em francês e eu não sabia nem o
que era “MOI””;“eu creio que a parte mais difícil mesmo tenha sido a fonética”; “eu tranquei o
primeiro semestre na UERJ por causa dessas coisas. A professora falava a mesma coisa (que quem
não tinha o nível deveria trocar a matéria)”; “eu observo que os colegas que seguiram a faculdade
foram aqueles que tinham mais dificuldades . Os que tinham mais facilidade foram fazer outras
coisas”; “quem tinha dificuldade continuou carregando pedra, tentando chegar até o final, pois
estavam querendo fazer aquilo, gostava da coisa”; “quando eu entrei tinham duas turmas de 20
alunos. No final do semestre tinha uma turma de 20 alunos e depois quando eu me formei nós éramos
15 mas somente 4 formandos eram da turma original.” (enunciador N)
Exemplo 18: “Agora as aulas da faculdade eram decepcionantes porque o francês 1, por exemplo,
começava no verbo AVOIR e no ÊTRE; “no princípio era tudo muito chato. Depois foi melhorando”;
“eu não queria ser professora porque professora sempre teve esse estigma, né? De ganhar mal,
trabalhar muito, então não era a minha primeira opção. Mas enfim, passei e fui fazer Letras.”
(Enunciador B)
131
Exemplo 19: “Disse (a professora) que aquilo ali não era primário nem secundário e que não tinha
o nível deveria trocar a matéria . Essas foram as nossas boas vindas”; “o que eu vi foi uma
debandada da minha turma, porque nós éramos 28 de começo e muita gente mudou para Literatura,
para Latim, desistiu e minha turma se reduziu muito”; “Quando eu entrei eram 3 turmas mas que
logo depois foram reduzidas a duas. Da turma que entrou comigo só eu me formei dentro dos 4 anos.”
(Enunciador W)
Exemplo 20: “No início eu fiquei meio entediada porque eu tive que começar do início porque não
consegui abonar nenhuma disciplina.” (Enunciador E)
Exemplo 21: “o ritmo era bem corrido” ; “acho que a faculdade de Letras tá ali mais preparando
para ser pesquisador; “eu entrei pensando que queria sair professora de português e de francês, o
conteúdo não foi um aprendizado para te preparar para ser professora.” (Enunciador M)
Exemplo 22: “A prática você vai adquirindo assim, descobrindo sozinha...” (Enunciador A)
ALIADOS AO PROCESSO DE FORMAÇÃO:
Exemplo 23: “Tive uma professora muito exigente, que também me ajudou muito . Ela gostava
especialmente de mim e me ajudou muito na carreira de docente de língua francesa.” (enunciador N)
Exemplo 24: Toda essa bagagem que eu tenho eu atribuo a esse período da faculdade; Gostei muito
da faculdade, é uma faculdade que dá muita bagagem e... o que aconteceu foi que naturalmente as
portas foram se abrindo para essa carreira. Apesar do meu não... assim... do meu não desejo inicial,
foi acontecendo dessa maneira.” (enunciador B)
Exemplo 25: “Foi muito mais o meu querer ...” (enunciador W)
Exemplo 26: “Eu adorava”; “a faculdade foi ótima.” (Enunciador E)
Exemplo 27: “Gostei muito do curso.” (Enunciador V)
Exemplo 28: “Senti muita dificuldade no primeiro semestre de francês na faculdade, mas consegui
superar e passei a gostar”; “os professores sempre foram muito rígidos e isso ajudou muito de certa
forma(na faculdade)”; “sempre tive ótimos professores (na faculdade).” (Enunciador M)
Exemplo 29: “Tive bastante facilidade porque já trazia aquela bagagem da Aliança.” (Enunciador
A)
Diante de todos esses relatos, concluímos que do ponto de vista narrativo, todos os
enunciadores colocam-se em Busca do aprendizado pela Língua Francesa, passando assim de
132
um estado do não saber ao estado do saber, que se materializa na obtenção de um título que os
qualifica dentro de uma profissão. Uma vez mais a realização do processo se mostra
satisfatória visto que todos os entrevistados concluíram o curso de Graduação apesar dos
obstáculos mencionados. Salientamos que alguns enunciadores se atribuem o papel de agentes
benfeitores, ou seja, daquele que transmite um benefício, pelo fato de desenvolverem um
esforço na aquisição do saber, e outros apenas no papel de beneficiários, ou seja, aquele que é
afetado positivamente pela ação de um outro actante, pelo fato de se apresentarem como
pacientes de uma ação de “ensino”. Nos quadros a seguir, encontraremos de forma
simplificada os comentários realizados sobre os trechos das entrevistas referentes à formação
acadêmica dos enunciadores.
Estado Inicial Busca Estado Final
Enunciadores E, V,
M, A,W, N, B e R
Falta de um saber Tornar-se profissional
de Língua Francesa
Êxito
Conforme mostrado no quadro abaixo, os enunciadores N, B e W se colocam no
papel de actantes benfeitores visto que eles se mostram como ativos na ação de aprender.
Como essa ação lhes traz um benefício, também pudemos considerá-los como beneficiários,
ou seja, como destinatários dessa ação de aprender que lhes recai positivamente na busca pela
obtenção do diploma que os torna profissionais de Língua Francesa. Em contrapartida, os
enunciadores E e V não se mostram agentes da ação de aprender, o que foi suficiente para
lhes atribuir o papel de pacientes. Cabe dizer que ambos (E e V) foram afetados
positivamente pela ação de um outro actante, no caso deles, pelo curso de Graduação em
Letras que lhes trouxe o benefício de uma formação profissional, razão pela qual inserimos
essa informação na coluna benfeitor.
133
Actantes Agente Paciente
Agressor Benfeitor Aliado Oponente Vítima Beneficiário
N, B, W,
E e V.
N
Professora
que o
ajudou;
Desejo de
aprender
Fonética;
Professora que
desestimulava a
permanência no
curso
N’
B
Desejo de
aprender
Aulas
decepcionantes;
estigma da
profissão
B’
W
Desejo de
aprender
Professora que
desestimulava a
permanência no
curso
W’
Curso Gosto pelo
curso
Inexistência de
prova de
nivelamento
E
Curso Gosto pelo
curso
V
Optamos por colocar os enunciadores M e A em um quadro separadamente dos
outros pelo fato de desempenharem simultaneamente papéis tanto de agentes quanto de
pacientes na ação de aprender. Conforme discutido anteriormente, os relatos desses
enunciadores se apresentam de forma ambígua, o que nos fez optar por deixá-los em uma
categoria à parte.
Actantes Agente Paciente
Agressor Benfeitor Aliado Oponente Vítima Beneficiário
M e A M Gosto pelo curso Ritmo corrido;
Falta de
preparação para
a prática docente
M
A Facilidade no
aprendizado;
Gosto pelo curso
Falta de
preparação para
a prática docente
A
Faremos a seguir algumas observações no que diz respeito às nossas expectativas em
relação ao que encontraríamos nas falas dos enunciadores e o que nos foi apresentado de fato,
tentando correlacionar essa massa de informação proveniente dos autorrelatos com aspectos
teóricos discutidos no segundo capítulo dessa tese.
Os enunciadores ratificam nossa hipótese de que entrar na Faculdade possuindo
conhecimento prévio de Língua Francesa seria um “facilitador na aprendizagem”. O
enunciador E diz que se sentiu entediado no início, já que não pode fazer teste de
134
nivelamento e saltar os períodos iniciais da Faculdade: No início eu fiquei meio entediada
porque eu tive que começar do início porque não consegui abonar nenhuma disciplina”. O
enunciador B também revela certa decepção em relação ao início do curso: as aulas da
faculdade eram decepcionantes porque o francês 1, por exemplo, começava no verbo AVOIR
e no ÊTRE; “No princípio era tudo muito chato. O enunciador A ressalta essa facilidade:
“tive bastante facilidade porque já trazia aquela bagagem da Aliança”. Os enunciadores E e
A faziam curso na Aliança Francesa há algum tempo e já tinham um certo domínio da língua
e o enunciador B já havia estudado a língua no decorrer do Ensino Fundamental e médio no
Colégio Pedro II. Os enunciadores M e W, o primeiro iniciando os estudos de Língua
Francesa em um curso privado e o segundo trazendo noções das aulas da escola, porém,
ambos os estudos estavam em fase inicial, mostram que sentiram dificuldades: “Senti muita
dificuldade no primeiro semestre de francês na faculdade, mas consegui superar e passei a
gostar” ; Tudo o que eu estudei no curso durante um ano eu vi em um semestre na faculdade”
; “Quando eu cheguei lá eu não esperava que fosse do jeito que era. A professora de francês
falando francês, coisa que eu nunca tinha visto”. O enunciador M descreve sua necessidade
em procurar um “reforço” para os estudos de Língua Francesa fora da Faculdade: eu tive que
fazer curso fora. O enunciador N declara seu total desconhecimento da Língua Francesa ao
entrar na Faculdade e como se sentiu nas primeiras aulas: “Cheguei no primeiro dia de aula,
a professora falou em francês e eu não sabia nem o que era “MOI””; “a professora vendo o
meu desespero, professora da UERJ, conseguiu uma bolsa para mim na Aliança Francesa”.
Diante do exposto, constatamos algumas contradições nos discursos dos entrevistados.
Aqueles que já possuem alguns anos de estudo de Língua Francesa se queixam do ensino
começar no nível 0 nas aulas da Graduação. Todavia, aqueles que não estudaram a Língua
Francesa em momento anterior ao ingresso na Faculdade ou que possuem pouco tempo de
estudo dessa língua ficam descontentes por esse ensino começar em nível mais avançado e
com um ritmo bastante acelerado.
Os relatos dos enunciadores E, W e N mostram que poucos alunos inscritos no curso
de Letras Português-Francês concluem os estudos devido à dificuldade que sentem ao
ingressar na Faculdade: “a maioria dos colegas tinha muita dificuldade e alguns
abandonaram ; o que eu vi foi uma debandada da minha turma, porque nós éramos 28 de
começo e muita gente mudou para Literatura, para Latim, desistiu e minha turma se reduziu
muito” ; Quando eu entrei eram 3 turmas mas que logo depois foram reduzidas a duas. Da
135
turma que entrou comigo só eu me formei dentro dos 4 anos” ; Quando eu entrei tinham duas
turmas de 20 alunos. No final do semestre tinha uma turma de 20 alunos e depois quando eu
me formei nós éramos 15 mas somente 4 formandos eram da turma original”. A única
exceção foi apresentada pelo enunciador V, o único cuja formação foi feita em universidade
privada: “Eram poucos alunos mas interessados, mais ou menos 20 alunos. 18 se formaram
comigo.
Esses discursos enfatizam a dificuldade em dar continuidade aos estudos de Língua
Francesa no curso de Graduação, seja pela falta de empatia com o professor da disciplina, seja
pelo ritmo acelerado das aulas, o que importa é que oponentes não faltaram no caminho dos
nossos entrevistados. Entretanto, eles se colocam como aqueles que conseguiram ultrapassar
todos os obstáculos e chegaram ao fim do curso. Fica fortemente marcada a permanência de
um interdiscurso sobre o fascínio pela Língua Francesa e sobre o status daqueles que a
dominam como pessoas de classe, de cultura. Logo, para os nossos enunciadores, parece valer
a pena vencer os obstáculos para tornarem-se participantes da comunidade imaginada dos
falantes de Língua Francesa. Daí, concluímos que a identidade discursiva desses enunciadores
é construída de forma a ressaltar os desafios enfrentados ao longo da formação acadêmica
com o objetivo de consagrar a vitória alcançada e legitimar a identidade social servindo-se de
uma máscara (conforma apresentado na seção 2.7 desta tese) que o representaria como aquele
que sabe, aquele que é capaz, aquele que se esforçou, etc. Da imbricação entre identidade
social e discursiva temos como resultado o ethos do professor de francês. Nesse caso, é
flagrante a constituição de um ethos satisfeito com seu desempenho durante a formação
acadêmica e insatisfeito com a desvalorização profissional que não lhe permite ocupar o papel
de protagonista da ação de ensinar a Língua Francesa da forma idealizada. Isto posto,
concluímos que o ethos do professor de francês se apresenta distante daquele idealizado por
ele.
Sobre o status do curso de Letras Português-Francês, o enunciador E traz em seu
autorrelato o que circula nos imaginários sócio-discursivos, imaginários esses que
testemunham a percepção que os indivíduos têm dos julgamentos que fazem de suas
atividades sociais: Eu sempre ouvia que era moleza para passar no vestibular, ainda mais
Português-Francês. Se ainda fosse Português-Inglês ou Literaturas que era mais
concorrido...” O enunciador V, imbuído desses discursos, parece concordar com eles,
levando-nos a inferir que o francês já teve o seu auge , mas esse tempo já passou, visto que até
136
a PUC já não oferece mais a Graduação em Letras Português-Francês : Na minha época ainda
tinha um status o curso de Português-Francês, mas isso em 1978. Tanto é que agora a PUC
nem tem mais o curso de Português-Francês”
Em relação à preparação da Faculdade visando à aplicação prática dos ensinamentos,
os enunciadores M e A questionam a formação: o conteúdo não foi um aprendizado para te
preparar para ser professora; “tive o aprendizado da língua mas não da prática docente; eu
acho que a faculdade de educação não dá muito respaldo”; “a prática você vai adquirindo
assim, descobrindo sozinha, porque a faculdade mesmo não me preparou para a sala de
aula”. O enunciador M, o novato dentre os entrevistados, testemunha que a realidade das
aulas da prática de ensino apresenta-se, muitas vezes, em defasagem com o que os professores
encontram em seu dia-a-dia nas outras escolas que não oferecem a mesma estrutura do CAp-
UFRJ, colégio esse escolhido pelos professores da prática de ensino de Língua Francesa como
local de estágio para os futuros professores: “aprendi muito nos estágios mas as realidades
são diferentes”; “não posso adaptar o que eu vejo no estágio do CAp em outros lugares. São
realidades totalmente diferentes”. Esse mesmo enunciador fala de outra experiência que teve
em uma escola da rede estadual e expõe a dificuldade do professor regente em ministrar uma
aula de Língua Francesa: no Estado era totalmente diferente da realidade do CAp, mas a
professora ainda conseguia levar o francês apesar de todas essas questões sociais”. Na
verdade, embora o discurso desses enunciadores seja organizado predominantemente pela
lógica narrativa, ele apresenta uma argumentação implícita acerca da (in) eficácia da
formação voltada para a prática docente. Percebe-se nessas falas uma expectativa, uma
avaliação de como deveria ter sido essa formação, segundo os enunciadores M e A. Mas
deixaremos esse assunto para a seção 5.1.2.2 no qual analisaremos os discursos organizados
de modo predominantemente argumentativo sob uma perspectiva semântica.
Cabe apenas um comentário que retoma nossa discussão presente na seção 3.2 no qual
trouxemos o pensamento de Bourdieu para o âmbito de nossa reflexão. Esse autor critica a
imposição das regras estabelecidas pelas classes dominantes sobre as dominadas, sobretudo
no âmbito pedagógico. Contudo, fica claro que não somente a escola reproduz esses valores
bem como a própria universidade, visto que normalmente exige-se que os licenciandos de
Língua Francesa façam seus estágios em colégios considerados de elite, tais como CAp-
UFRJ, CAp-UERJ e Colégio Pedro II. Porém, dificilmente um recém-formado atuará em um
desses visto o restrito número de vagas nos raros concursos que abrem para essa disciplina.
137
Assim, o futuro professor se prepara para uma realidade completamente diferente daquela que
encontrará em sua sala de aula.
Apesar dos discursos dos enunciadores apresentarem algumas insatisfações em relação
ao curso de Graduação, reiterando a carência de um envolvimento do futuro professor com
atividades práticas que encontrará em seu dia-a-dia (“eu descobri tudo sozinha, a faculdade
não me deu nada não”), o ritmo acelerado das aulas (“o ritmo era bem corrido” ), o que
pressupõe que o aluno já entre com conhecimentos sobre a Língua Francesa ainda que não o
exija formalmente nos exames da admissão, etc., alguns enunciadores narram a fase da
Graduação como uma experiência positiva, segundo os autorrelatos dos enunciadores E, V,
M e B: “Eu adorava”(as aulas); “Gostei muito do curso”; “sempre tive ótimos
professores(na faculdade)”; “A gente estudou desde a idade média, para mim foi fantástico.
Foi uma descoberta”. Ambos os enunciadores, W e N, afirmam ter vencido a Graduação
porque fizeram esforços pessoais e pelo gosto pela Língua Francesa, respectivamente: “foi
muito mais o meu querer do que propriamente a faculdade ajudando”; quem tinha
dificuldade continuou carregando pedra, tentando chegar até o final, pois estavam querendo
fazer aquilo, gostava da coisa”.
Continuaremos nossas análises das falas dos nossos enunciadores sobre as respectivas
formações acadêmicas à luz da ótica argumentativa.
5.1.2.2 Estudos Acadêmicos do ponto de vista argumentativo:
Conforme dissemos anteriormente, imaginávamos que alguns enunciadores além de
narrarem suas experiências enquanto alunos do curso de Letras pudessem também esboçar
opiniões favoráveis e/ou desfavoráveis em relação ao percurso acadêmico utilizando-se de
argumentos que sustentassem suas teses. Na verdade, no âmbito de nossa pesquisa, todos os
enunciadores, ao avaliarem sua formação e seu desempenho, ainda que implicitamente,
parecem defender a mesma tese: o aprendizado de língua estrangeira é eficaz quando
contempla de forma equilibrada o desenvolvimento das habilidades de compreensão oral e
escrita, expressão oral e escrita e gramática.
Em uma tentativa de analisar os argumentos que se fundamentam num consenso social
pelo fato de que os membros de um grupo sociocultural compartilham determinados valores,
138
recorremos aos cinco domínios de avaliação: da Verdade, do Estético, do Ético, do Hedônico
e do Pragmático (CHARAUDEAU, 2008). Entretanto, o domínio do Pragmático – domínio
que define as coisas ou as ações em função de sua utilidade – sobressaiu frente aos outros
nesse item. Todos os entrevistados recorreram às preconizações das metodologias de ensino
de línguas, sobretudo no que tange a abordagem comunicativa, para justificarem se a
formação acadêmica foi ou não satisfatória. Eles se serviram desse saber acerca das
metodologias como princípio único balizador capaz de nortear um julgamento sobre o
aprendizado de francês na Faculdade de Letras. Fica claro que todos os enunciadores têm
como parâmetro a abordagem comunicativa no ensino de línguas estrangeiras. Logo, quando
criticam o modelo de aula que tinham na Faculdade é porque esse se distanciava dos
pressupostos apresentados por esse tipo de abordagem. Assim, o aprendizado na Faculdade
era considerado bom, útil e eficaz quando as habilidades linguísticas eram abordadas segundo
as preconizações da abordagem comunicativa.
Nos trechos a seguir, identificamos que os enunciadores emitem seus julgamentos
sobre a “eficácia” do curso a partir dos princípios da abordagem comunicativa. Logo, o
domínio de valor que se destaca é o do Pragmático.
Domínio do Pragmático:
Exemplo 30: “as aulas da professora K eram muito dinâmicas, ela levava compreensão oral, vídeo”;
“as outras trabalhavam a escrita, redação, gramática pesada, exercícios estruturais, aquela coisa
bem cansativa.” (enunciador E)
Exemplo 31: “Na faculdade eu sentia muita dificuldade na produção oral e na compreensão oral ;
“nós tivemos muita gramática, muita literatura, então eu tive que fazer curso fora”; “fui estudar na
Aliança algum tempo depois”; “o método, o primeiro que eu usei na faculdade foi a “Gramática
Progressiva de Francês”; “na faculdade a gente só via gramática” ; “tive muita dificuldade na
produção oral e na compreensão oral, mas na produção escrita e na gramática eram excelentes (as
aulas da faculdade)” ; “eu só vim a produzir (produção oral) a partir do quinto período (da
faculdade). Então já era muito tarde” ; “não era nenhum método comunicativo (na faculdade)”; ““o
“Panorama” eu vi num curso de línguas, e aí é que eu comecei a me expressar na língua, a ouvir.
Mas na faculdade era só gramática” ; “eu fui começar a pegar fluência dando aula porque aí a gente
fala francês praticamente todo dia.” (enunciador M)
Exemplo 32: Eu já fazia Aliança Francesa e quando eu cheguei na faculdade, já tava na época do
Nancy. Eu fiz Fahupe, faculdade Dom Pedro II. A Fahupe começou nesse ano, 1970”; “a minha
geração, e eu saí da faculdade em 1974,quase toda não tem mestrado nem doutorado”; “o colégio
quis investir em mim e me comprou todo o material e fui fazendo do meu jeito e com o auxílio dos
meus colegas da Aliança e da orientadora pedagógica que me ajudava muito”; “minhas aulas eram
muito simples. Eram textos em cima de civilização, gramática e mais nada” ; “a compreensão oral e
139
a expressão oral apareceram com o método “De vive voix”, que deve ter sido em 1980. Ali começa
com as imagens e a gente trabalhava com aqueles gravadores de rolo, enormes. Essa preocupação
veio a partir dos anos 80. Antes eram textos literários ou então pequenas situações para passar
alguma mensagem de civilização e mais nada.” (enunciador A)
Exemplo 33: “A professora vendo o meu desespero, professora da UERJ, conseguiu uma bolsa para
mim na Aliança Francesa”; “era gramática, tinha aula de língua e de literatura. Literatura você
tinha que decifrar um texto, descobrir o texto e falar alguma coisa. Não era uma aula tão direcionada
na parte de língua francesa”; “na parte de língua francesa eram mais frases voltadas para a parte
estrutural, gramática mas não a parte de pronúncia . Na faculdade você não aprende a falar, você já
tem que entrar falando” ; “eu passava o dia no laboratório aprendendo, comprei todos os métodos
que poderia comprar e paralelamente com a Aliança, onde eu tinha bolsa, eu fiz todo o curso e aí fui
caminhando” (enunciador N)
Exemplo 34: “A gente que já tinha uma base anterior de escola até, era uma coisa primária para
mim. Eles ensinavam francês zero, ou seja, eles partiam do zero. Eu não queria aquilo, eu queria que
fosse dado outras coisas. Quando eu entrei na UFRJ a realidade era assim: vocês estão aqui para
aprender francês, né? Então era vocabulário bobo, verbinhos regulares, depois o ÊTRE e o AVOIR
para encaixar nas frases... Coisas muito básicas. Acho que a coisa só foi melhorar na faculdade nos
períodos mais avançados. A partir do francês 6 eu me encontrei. A gente tinha textos mais
elaborados, as questões eram de interpretação, você tinha que opinar, se posicionar, mas os
professores eram bons. Nos períodos iniciais era só gramática, gramática com textos curtos e algum
contexto para você entender do que se tratava; Depois os textos foram aumentando de tamanho e de
complexidade. E aí eu fui gostando mais. E a parte oral era em sala. A partir do francês 6, 7 que tinha
muito texto, muita conversação, a parte de literatura ajudou bastante porque foi uma realização. A
gente estudou desde a idade média, para mim foi fantástico. Foi uma descoberta.” (enunciador B)
Acerca dos estudos de Graduação, a maior parte dos autorrelatos afirma que as
habilidades linguísticas priorizadas eram as de compreensão e expressão escrita e gramática.
Vejamos o que dizem os enunciadores E, M, A, N e B: “As outras (professoras)
trabalhavam a escrita, redação, gramática pesada, exercícios estruturais, aquela coisa bem
cansativa”; “Mas na faculdade era só gramática”; minhas aulas eram muito simples. Eram
textos em cima de civilização, gramática e mais nada”; “Na parte de língua francesa eram
mais frases voltadas para a parte estrutural, gramática mas não a parte de pronúncia”; “Nos
períodos iniciais era só gramática”.
Os enunciadores M, A e N reconhecem a falta de trabalho voltado para o
desenvolvimento da habilidade oral dos futuros professores nos estudos acadêmicos: “eu só
vim a produzir (produção oral) a partir do quinto período (da faculdade)”; “a compreensão
oral e a expressão oral apareceram com o método “De vive voix”, que deve ter sido em 1980.
Ali começa com as imagens e a gente trabalhava com aqueles gravadores de rolo, enormes.
Essa preocupação veio a partir dos anos 80. Antes eram textos literários ou então pequenas
140
situações para passar alguma mensagem de civilização e mais nada”; na faculdade você não
aprende a falar, você já tem que entrar falando”.
Dentre os oito enunciadores, apenas dois descrevem uma experiência acadêmica que
contemplava a habilidade de produção oral, conforme os trechos 35 e 36:
Exemplo 35: “Fiz português-francês na PUC. Em francês você podia fazer um teste de nivelamento e
já entrar no nível que fosse”; “a parte mais interessante eu achava a da professora M porque ela
trabalhava muito textos africanos. Ela já tinha uma visão diferente, não era só França”; “não
trabalhavam compreensão oral, trabalhavam mais compreensão escrita, produção oral e produção
escrita. Tínhamos temas para dar seminários e nós tínhamos que falar, a aula era toda em francês.
Sempre tinha uma música”. (enunciador V)
Diferentemente dos enunciadores acima, o enunciador V sustenta ter tido uma
formação também voltada para o desenvolvimento da habilidade de produção oral mas não a
de compreensão oral: “Não trabalhavam compreensão oral, trabalhavam mais compreensão
escrita, produção oral e produção escrita. Tínhamos temas para dar seminários e nós
tínhamos que falar, a aula era toda em francês. Sempre tinha uma música”.
Exemplo 36: “Os meus professores levavam jornais e passavam filmes sem legenda pra gente e
depois você tinha que fazer uma avaliação. A gente trabalhava todas as competências, mas eu achava
que lá tinha mais oral do que escrita. Quando eu voltei para a Aliança, eu voltei para fazer o Mauger.
Por que como é que eu ia dar aula no ensino público sem saber a parte da gramática? Então quando
eu voltei pra Aliança eu voltei para Mauger porque ele era mais gramática. Eu vi muito pouco da
gramática na faculdade. Eu não gostei de literatura não porque foi muito empurrado.” (enunciador
R)
O enunciador R reforça o trabalho com todas as habilidades linguísticas, porém
salienta que a parte oral recebia maior destaque em relação às outras, o que torna sua
experiência acadêmica distinta das relatadas pelos outros enunciadores: “A gente trabalhava
todas as competências, mas eu achava que lá tinha mais oral do que escrita.”
Falando em distinção, acreditamos que o autorrelato do enunciador W sobre sua
experiência acadêmica apresente julgamentos de valor concernentes não somente ao domínio
do Pragmático, como o dos outros enunciadores, mas também do Ético:
Domínio do Pragmático e do Ético:
Exemplo 37: “Acho que a UFRJ sempre foi muito elitista . Nós ouvíamos e víamos coisas do tipo:
“Isso aqui não é o seu lugar”; “Essa é uma língua de elite”; “O que você tá fazendo aqui?”; “a
professora falava o tempo todo. A gente falava muito pouco mas isso desenvolveu muito bem o meu
ouvido” ; “Eu tinha facilidade para pegar os sons.” (enunciador W)
141
O enunciador W relembra um modelo de aprendizagem centrado no professor em um
formato de aula expositiva. Relata em termos de bem e de mal, a postura e o comportamento
exigidos por sua professora segundo as leis do consenso social da época, bem como o
enunciador N, segundo o exemplo 38.
Exemplo 38: “Foi a minha experiência também. Eu tranquei o primeiro semestre na UERJ por causa
dessas coisas. A professora falava a mesma coisa.” (enunciador N)
Contudo, na fala “a gente falava muito pouco mas isso desenvolveu muito bem o meu
ouvido” há uma referência ao valor concernente ao domínio do Pragmático. Esse enunciador
ressalta que pelo fato de somente seu professor “ter voz” em sala de aula, ele acabou não
desenvolvendo habilidades de produção oral. Por outro lado, reconhece a utilidade de ter
ouvido exaustivamente seu professor durante as aulas como fator de extrema importância no
desenvolvimento de habilidades de compreensão oral.
Diante do exposto, somos levados a retomar a tese e os argumentos apresentados pelos
entrevistados e concluir que a grande queixa durante o curso superior está atrelada ao fato de
terem sido ou não expostos aos pressupostos da abordagem comunicativa. É como se a
conclusão dos enunciadores fosse a seguinte: 1. O ensino na Faculdade foi bom porque
trabalhamos todas as competências/ou outras competências que não somente a gramática; 2.
O ensino na Faculdade não foi bom porque não trabalhamos todas as competências/ou só
trabalhamos a gramática. Mais uma vez nos vemos diante de uma avaliação no domínio do
Pragmático, ou seja, que define em termos de útil e de inútil os projetos das ações humanas
em função das necessidades dos sujeitos agentes que os realizam.
1. O ensino na Faculdade foi bom porque trabalhamos todas as competências/ou outras
competências que não somente a gramática.
O enunciador E deixa claro que as aulas dinâmicas são aquelas em que os professores
fazem uso de aparelho de som e vídeo. Em contrapartida, o trabalho com ênfase na gramática
e em exercícios estruturais faz com que a aula se torne monótona e esgotante.
O enunciador B relata que os anos iniciais também contemplaram o ensino da
gramática mas a partir do sexto período houve um trabalho voltado para a compreensão
textual e para a conversação.
142
O enunciador V menciona como interessante os aspectos de interculturalidade
abordados em suas aulas, tais como textos que tratassem de países francófonos e do trabalho
realizado com músicas. Menciona um trabalho voltado para todas as competências, exceto a
compreensão oral.
O enunciador R é o único a relatar o desenvolvimento de todas as competências
durante seu estudo universitário. Aliás, é o único a narrar que o ensino das outras
competências sobressaiu ao ensino da gramática. Por esse motivo, o enunciador foi buscar
reforço em um curso de línguas. Para ele, era inconcebível aprender uma língua sem ter um
profundo conhecimento gramatical sobre ela.
2. O ensino na Faculdade não foi bom porque não trabalhamos todas as competências/ou só
trabalhamos a gramática.
O enunciador M relata a inexistência de uma aprendizagem pautada na abordagem
comunicativa no ensino superior. Entretanto, tal abordagem aparece preconizada pelos
documentos oficiais que balizam o ensino de línguas nas escolas.
O enunciador A descreve a trajetória do ensino de línguas no país por volta dos anos
80. Relata que somente após a chegada do método De vive voix é que foram introduzidas
atividades voltadas para o desenvolvimento da compreensão e da expressão oral através de
imagens.
Os enunciadores W e N reiteram a inexistência de um trabalho voltado para o
desenvolvimento da expressão oral e afirmam que o aprendizado de aspectos gramaticais
sempre teve maior ênfase.
Para concluir esse bloco temático que fala sobre a formação profissional, subdividido
em Motivação para estudar a Língua Francesa na Faculdade de Letras e Estudos
Acadêmicos, gostaríamos de fazer uma observação que vai ao encontro de um de nossos
objetivos explicitados na introdução dessa tese. Havíamos mencionado o desejo de
estabelecer um possível mapeamento sobre a identidade dos professores de francês do Rio de
Janeiro em início e fim de carreira. Acreditávamos que o olhar e as expectativas sobre o
ensino/aprendizagem de Língua Francesa dos professores em início de carreira fossem
diferentes daqueles do professor mais experiente. Entretanto, no que diz respeito à formação
143
profissional, encontramos em quase todos os autorrelatos motivações e aliados bem
semelhantes para estudar a Língua Francesa. No quesito Estudos Acadêmicos, também fomos
confrontados a experiências bastante análogas. Aliás, até as críticas ao processo de
aprendizagem foram as mesmas. Isso nos leva a pensar que a sala de aula não presenciou uma
evolução tão marcante nas últimas décadas, apesar de todos os recursos e da tecnologia da
informação e da comunicação voltados para o ensino.
Talvez o que tenha mudado seja a experiência que os professores em fim de carreira
tiveram com metodologias de ensino anteriores à abordagem comunicativa em que o modelo
de aula era predominantemente expositivo e o professor era o centro da aula. As atuais
metodologias de ensino idealizam o aluno como eixo da aprendizagem, ele deve mobilizar
seus conhecimentos prévios e interagir com os novos conteúdos. Essa mudança de papéis
pode causar certa estranheza aos professores em fim de carreira formados dentro de uma
concepção distinta de ensino-aprendizagem. Cabe ainda ressaltar um resquício do pensamento
da segunda metade do século XIX em que o estudo da Língua Francesa era voltado à elite
visto que o rapaz pertencente a uma boa família era enviado a Paris para completar seus
estudos e ter uma boa formação. Por essa razão, dois entrevistados trazem em seus relatos
uma experiência desagradável que tiveram durante o curso de Graduação alimentada por esse
pensamento: “Acho que a UFRJ sempre foi muito elitista. Nós ouvíamos e víamos coisas do
tipo: “Isso aqui não é o seu lugar”; “Essa é uma língua de elite”; “O que você tá fazendo
aqui?”; “a professora falava o tempo todo (Enunciador W) e “Eu tranquei o primeiro
semestre na UERJ por causa dessas coisas. A professora falava a mesma coisa (que quem
não tinha o nível deveria trocar a matéria)” (Enunciador N). Esses relatos rompem com a
imagem do professor veiculada nos imaginários sócio-discursivos. Espera-se que o professor
seja um aliado do aluno no processo de ensino-aprendizagem e não um oponente. Há aqui
uma quebra de expectativa em relação ao papel do professor visto que ele não agiu como
deveria. Por essa razão qualificamos essas observações no domínio do Ético. Porém, esse
pensamento elitista foi mudando ao longo dos anos, tanto que não o encontramos nas falas
dos professores em início de carreira.
Antes de passarmos para o próximo bloco temático, gostaríamos apenas de fazer um
esclarecimento. Ao consultarmos a página 112, encontraremos o roteiro com as perguntas
direcionadas aos enunciadores durante as entrevistas. Podemos perceber que dois blocos
temáticos receberam destaque: Formação e O ensino de Francês ontem, hoje e amanhã. O
144
primeiro bloco contemplou três indagações, sendo que duas delas já foram objeto de análise:
Como se deu a sua motivação para estudar a Língua Francesa na faculdade de Letras? e
Descreva sua formação acadêmica. O terceiro comando, Descreva sua atuação profissional,
tinha como intenção ouvir dos nossos enunciadores suas respectivas trajetórias profissionais
até chegarem às redes estadual, municipal ou federal de ensino e/ou ao curso privado Aliança
Francesa. Além disso, ao narrarem suas experiências, poderíamos identificá-los enquanto
professores em início e em fim de carreira, uma vez que acreditávamos que essa categorização
seria de extrema relevância para o nosso trabalho. Ademais, muitas das falas referentes à
trajetória profissional acabam fazendo referência ao curso de Graduação visto que ele confere
ao estudante um diploma de profissional de Língua Francesa e a primeira experiência
profissional ocorre muitas vezes durante o curso superior. As informações obtidas com esse
comando foram parcialmente apresentadas esquematicamente na página 116, quando
apresentamos o perfil de cada enunciador.
Passaremos, a seguir, para os relatos concernentes ao segundo bloco temático: O
Ensino de Francês Ontem, Hoje e Amanhã.
5.2 – DISCURSOS SOBRE O ENSINO DE FRANCÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA
(FLE)
Voltando mais uma vez nosso olhar para o roteiro de entrevista, buscamos fazer um
contraponto entre como era o ensino do francês e como ele é atualmente, em uma tentativa de
conhecer um pouco melhor as mudanças ocorridas no decorrer dos anos e observar as práticas
educativas ao longo da história. No bloco temático intitulado O Ensino de Francês Ontem,
Hoje e Amanhã, convidamos nossos enunciadores a discorrerem sobre quatro subtemas
através das seguintes perguntas: 1. Como era ser professor de francês? Fale sobre sua
experiência. 2. E hoje, o que mudou? E no futuro, o que poderá mudar? 3. O que é necessário
para ser um professor de FLE? 4. Atribua características ao trabalho do professor de FLE.
5.2.1 O Ensino de FLE no passado e no presente
Ao elaborar o primeiro questionamento, tínhamos como objetivo identificar as
características do ensino de FLE no passado, que aliado à segunda pergunta – E hoje, o que
mudou? E no futuro, o que poderá mudar? – nos levaria a recuperar a história do ensino de
145
Língua Francesa e estabelecer possíveis comparações desse ensino nos dias atuais. Previmos
encontrar nas falas dos enunciadores referências à estrutura das aulas, ao material didático,
aos conteúdos ministrados, ao status da disciplina, entre outros. Acreditávamos que os
enunciadores organizariam seus discursos de modo predominantemente narrativo, uma vez
que iriam discorrer primeiramente sobre as respectivas experiências enquanto aprendizes de
Língua Francesa. Confirmando nossa hipótese, os discursos foram organizados de modo
predominantemente narrativo. Por essa razão, nossa análise será realizada segundo a lógica
narrativa.
Os enunciadores apresentam características concernentes à distribuição dos papéis
desempenhados pelos professores e alunos no passado e as comparam com os papéis
desempenhados por eles nos dias atuais, ressaltando pontos que sofreram modificações no
ensino, tais como: o tipo de aula, a postura do professor, as abordagens metodológicas, etc,
tentando assim justificar a existência de possíveis fatores que tenham trazido mudanças
significativas no cenário do ensino/aprendizagem de Língua Francesa.
Estado Inicial Busca Estado Final
Enunciadores N, M,
W, B, R, A e E.
Referências sobre o
papel
desempenhado
pelos professores e
alunos no passado.
Comparar o papel
desempenhado pelos
professores e alunos no
passado e no presente.
Êxito
Vejamos a seguir trechos das entrevistas (exemplos de 39 a 45) com as narrativas dos
enunciadores acerca da primeira questão elaborada nesse bloco temático seguidos de nossa
análise:
Exemplo 39: “A professora lia os textos e trabalhava. Era muito exigente e cobrava de verdade; “era
outro perfil de cliente.” (enunciador N)
Exemplo 40: “Os professores sempre foram muito rígidos e isso ajudou muito de certa forma. Sempre
tive ótimos professores, uns ou outros que eu não me identificava com a prática. O método, o primeiro
que eu usei na faculdade foi a “Gramática Progressiva de Francês”. Eu comecei com o método
comunicativo “Panorama” em um curso de línguas. Na faculdade a gente só via gramática. Bom, de
memória sobre os professores é isso.” (enunciador M)
O enunciador N (ex. 39) faz referência tanto à postura de sua professora quanto ao
seu trabalho. Ao expressar que sua professora “cobrava de verdade”, revela a possibilidade de
existência de professores que o façam de uma maneira menos enérgica, “de faz de conta”. Ele
146
menciona ainda uma mudança no tipo de público alvo. O enunciador M (ex. 40) também
menciona a rigidez de seus professores como ponto positivo ao seu aprendizado. Além disso,
cita os manuais utilizados nas aulas do curso livre onde teve o primeiro contato com a língua e
com o manual adotado na faculdade, alegando que no curso teve acesso à metodologia
comunicativa e que na faculdade o ensino da gramática prevalecia.
Exemplo 41: “Eu acho que a escola sempre foi em cima da mesma coisa. Era mais o escrito, né? A
compreensão do escrito e a produção escrita”; “Era uma turma de mais de 40 já naquela época.
Apesar do comportamento ser diferente do comportamento de hoje. Os alunos não eram tão agitados,
não tinha tanto reboliço na sala. Mas 40 é sempre muita coisa, então não havia essa prática do falar.
Era aquela leitura que todo mundo lia junto, ela lia as frases e a gente repetia. Essa prática oral era
muito pouca. Era mais ler o textinho do livro e fazer os exercícios. Ela trabalhava a gramática, a
gente tinha um caderno para organizar a matéria e fazia os exercícios do G. Mauger que eram
voltados para o uso da gramática, com um monte de verbos para conjugar.” (enunciador W)
O enunciador W (ex. 41) recupera a estrutura de suas aulas de francês na escola ao
mencionar o manual didático utilizado, conta que a parte escrita se destacava em relação à
oral parcialmente por conta do número expressivo de alunos em sala e confessa que o
comportamento dos alunos era bastante distinto daquele encontrado em sua sala de aula
enquanto professor.
Exemplo 42: “No meu colégio, quando o professor entrava. Aliás, ele não entrava, ficava esperando
na porta. Os alunos tinham que se levantar em silêncio. Aí o professor entrava na sala e autorizava os
alunos a sentarem. Eu vivi isso e eu não sou assim tão velha. Isso aí foi nos anos 80.” (enunciador B)
Exemplo 43: “Os alunos respeitavam mais os professores do que atualmente.” (enunciador R)
Exemplo 44: “O professor não é respeitado como antigamente.” (enunciador A)
Os enunciadores B, R e A atribuem essa mudança ao comportamento dos alunos em
relação ao professor alegando que havia uma relação de respeito entre eles que se perdeu ao
longo dos anos.
Exemplo 45: “Eu preparo minhas aulas, coisa que a gente vê que muito professor não faz, que
enrola, que embroma. Eu procuro fazer uma atividade mais dinâmica, sair um pouco do livro”; “eu
me esforço para propor atividades diferentes.” (enunciador E)
147
O enunciador E, ao relatar sua prática docente, ainda que implicitamente, parece
querer revelar o quanto desejava que seus professores tivessem um comportamento diferente
do que tiveram. Ele mostra como acredita que um professor deva trabalhar para cumprir seu
papel. Por essa razão, retomaremos essa análise mais adiante quando discutirmos aspectos
ligados ao trabalho do professor.
Os enunciadores fazem autorrelatos acerca de suas experiências enquanto alunos de
Língua Francesa e apontam semelhanças e diferenças com a realidade encontrada em suas
respectivas salas de aula. O Estado Final dessa Busca tem resultado satisfatório uma vez que
os que se posicionaram sobre esse ponto do questionário da entrevista conseguiram
estabelecer comparações pertinentes capazes de nos levar a refletir sobre o Ontem e o Hoje.
Apenas o enunciador V deixou de expressar sua opinião sobre esse assunto.
Do ponto de vista narrativo, os enunciadores, em seus autorrelatos, desempenham o
papel de paciente visto que a ação do comportamento de seus professores e da metodologia
utilizada recaiu sobre eles de maneira passiva. Certamente que suas práticas docentes foram
influenciadas, positiva ou negativamente, pela experiência que tiveram enquanto alunos. Por
essa razão, alguns dos actantes pacientes serão classificados como vítima – aquele que é
afetado negativamente pela ação de um outro actante – ou como beneficiário - aquele que é
afetado positivamente pela ação de um outro actante. Os enunciadores que assumem o papel
de actantes beneficiários se servem das experiências positivas que tiveram durante seu
processo de aprendizagem de Língua Francesa e as colocam em prática em suas aulas. Por
essa razão, acreditamos que eles também desempenham o papel de benfeitores, já que
transmitem um benefício aos seus alunos com base nas experiências proveitosas que
vivenciaram.
Por outro lado, os enunciadores que assumem o papel de actantes vítimas se mostram
reféns de fracassos ocorridos ao longo de seus estudos escolares. Além de citarem a presença
de oponentes, ou seja, de pessoas ou situações que tenham contrariado seus projetos e ações
nos estudos, revelam ainda a existência de agressores, de actantes que tenham cometido
malefícios e tenham de alguma forma influenciado negativamente sua formação acadêmica.
Pelo fato desses agressores não serem nomeados explicitamente, optamos por utilizar
um termo amplo – sistema educacional – de modo a contemplar as críticas expostas pelos
entrevistados. No caso específico dos enunciadores W e E, fica claro que o primeiro atribui a
impossibilidade de um trabalho eficaz de produção oral ao número excessivo de alunos em
148
sala, sendo essa uma realidade no sistema de ensino público na cidade do Rio de Janeiro, visto
que nem mesmo a Lei de Diretrizes e Bases fixa um número máximo de alunos por turma. O
enunciador E parece atribuir a culpa à figura do professor que muitas vezes não prepara suas
aulas conforme as prescrições dos documentos oficiais por diversos fatores, porém, os mais
conhecidos são: escassez de tempo para preparar as aulas e pensar em atividades dinâmicas
em decorrência dos baixos salários que fazem com que o professor busque várias fontes de
renda e chegue ao fim de sua jornada de trabalho esgotado física e mentalmente, a falta de
motivação do professor devido ao pouco reconhecimento e ao desprestígio para com sua
profissão, a ausência de estrutura física e de recursos didáticos adequados que permitam ao
professor desempenhar atividades lúdicas e diferenciadas, dentre outros.
Vejamos no quadro a seguir os papéis desempenhados pelos actantes envolvidos nesse
esquema narrativo.
Actantes Agente Paciente
Agressor Benfeitor Aliado Oponente Vítima Beneficiário
W, E, N,
M, B, R, e
A .
Sistema
educacional Pouca prática oral;
Excesso de alunos
em sala
W
Sistema
educacional Professores
descompromissados;
aulas monótonas
E
N’ Professores
exigentes;
N
Bom
trabalho do
professor
M’ Professores
rígidos;
ótimos
M
professores
B’ Relação de
respeito
B
R’ Relação de
respeito
R
A’ Relação de
respeito
A
Seguiremos nosso trabalho analisando as falas dos nossos enunciadores sobre o ensino
do francês no Amanhã. Assim como essa análise que acabamos de fazer acentuou aspectos
149
voltados para o ensino do francês no passado tendo como referência o momento presente, a
próxima seção vislumbrará possíveis mudanças para o futuro do ensino da Língua Francesa
tendo como ponto de comparação o momento presente.
5.2.2 – O Ensino de FLE no presente e no futuro
Nosso objetivo com a segunda pergunta do nosso bloco temático – E hoje, o que
mudou? E no futuro, o que poderá mudar? – era o de conhecer o posicionamento dos
profissionais da educação em relação ao futuro, visando assim estabelecer um contraponto
com a situação do presente. Buscávamos resgatar nas falas deles traços do ensino de FLE na
atualidade que deveriam se preservar no futuro, ou ao contrário, traços que deveriam
desaparecer por terem a ineficácia comprovada. Destarte, acreditávamos que aspectos
voltados para a prática docente, para as metodologias de ensino, para o público alvo, entre
outros, pudessem vir à tona. Assim como fizemos com a massa de texto produzida pela
pergunta anterior (seção 5.2.1), conduziremos nossa análise sob a ótica narrativa por
julgarmos que nossos enunciadores narrarão suas experiências enquanto docentes e farão
projeções futuras sobre o ensino de FLE.
Nessa perspectiva narrativa, poderíamos dizer que nossos enunciadores demonstram
em seus autorrelatos certa insatisfação relacionada ao modelo de sala de aula que
frequentaram enquanto alunos e ao modelo de sala de aula com o qual se deparam quando
assumem o posto de docentes. Esses enunciadores narram suas experiências e até apontam
hipóteses de fatores que teriam contribuído com essa perda de espaço do francês, sobretudo
nas escolas situadas na cidade do Rio de Janeiro.
Estado Inicial Busca Estado Final
Enunciadores E, V,
B, R, N, W, M e A.
Insatisfação em
relação ao cenário
de ensino/
aprendizagem de
francês.
Identificar nessas
comparações entre passado
e presente fatores que possam ter levado o ensino
de Língua Francesa ao
desprestígio e apontar possíveis mudanças
qualitativas para o futuro.
Êxito
Nas palavras dos enunciadores (exemplos de 46 a 53), vejamos o que têm a dizer sobre
a realidade do ensino de francês nos dias de hoje e que projeções fazem acerca desse ensino.
150
Exemplo 46: “Eu espero que possa haver mudança. Tem uma parte que precisa ser feita pelo
professor mas sem uma ajuda da escola é impossível. O ideal seria dividir a turma para as aulas de
língua estrangeira com no máximo 15 alunos, ter uma sala específica para as aulas, uma estrutura
mais propícia, um data show.” (enunciador E)
Exemplo 47: “Eu acho que teremos uma aparelhagem de som, data show e de DVD em nossa sala de
aula e não teremos que procurar uma sala que é disputada por vários professores de várias
disciplinas que tenha esses equipamentos. A sala de aula continua sendo quadro de giz, ou quando
tem o quadro branco não tem conservação, a carteira é desconfortável. Essa sala de aula é a mesma
há 23 anos, nada mudou.” (enunciador V)
Exemplo 48: “Todo o acesso que a gente tem hoje, a Internet mudou tudo. É mais atrativo, a gente
tem vídeos, filmes. Isso na escola particular.” (enunciador B)
Exemplo 49: “Eu não trabalho com isso, né? Mas eu acho que eles estão aprendendo menos. Do que
eu fazia e o que eu faço hoje... Eu tenho tudo marcado, o ano em que eu dava aquela matéria. Hoje eu
não chego nem a metade.” (enunciador R)
Coincidentemente, tanto os enunciadores do colégio da rede federal (E e V) quanto
os enunciadores da rede estadual (B e R), atribuem a dificuldade de desenvolver um trabalho
de qualidade nas escolas ao fato de não disporem de estrutura física e material adequados.
Entretanto, os enunciadores E e V agem de forma otimista e acreditam que algumas medidas
poderiam ser tomadas a fim de solucionar esses problemas: “eu acho que teremos uma
aparelhagem de som, data show e de DVD...”; “O ideal seria dividir a turma para as aulas
de língua estrangeira com no máximo 15 alunos, ter uma sala específica para as aulas...”. O
enunciador E ainda se mostra mais desejoso de mudanças, mostrando, implicitamente, que
não está contente com a falta de recursos. Talvez haja essa distinção bem delimitada nas falas
dos enunciadores E e V pelo fato de E ainda estar em início de carreira e não suportar a ideia
de passar muitos anos de sua vida profissional convivendo com a realidade apresentada. O
enunciador B deixa marcada a distinção entre os recursos para o seu trabalho na escola da
rede privada e na escola da rede estadual. O enunciador R concorda com seu colega sobre a
ausência de material de apoio ao ensino e ainda acrescenta a qualidade do alunado, citando
que o aluno aprende menos hoje do que no passado.
Exemplo 50: “A escola vai mudar, algumas escolas da rede vão adotar o regime integral”; “agora
sobre a valorização, o reconhecimento vem para profissionais que estão fora de sala. Na área de
educação, não só, mas também, você vê, os pedagogos não estão na sala de aula. Então eles criam um
monte de teorias que não vão ajudar. Quem bota a mão na massa mesmo, esse não vai ter o
reconhecimento.” (enunciador N)
151
Exemplo 51: “Acho que na verdade o que mudou foi a sociedade”; “eu acho que mudanças vão
sempre acontecer. O problema das mudanças é que geralmente elas levam muito pouco em
consideração o professor, aquele que sabe fazer. Normalmente é uma questão política, cada um quer
deixar sua marca, sua contribuição. E às vezes gente que nem estava habilitada a fazer esse tipo de
coisa resolve fazer mudanças que não vão melhorar em nada a escola.” (enunciador W)
Os enunciadores N e W, da rede municipal, assinalam uma questão de cunho mais
político em relação ao ensino e as mudanças que nele poderão ocorrer. O enunciador N
comenta a possibilidade de a escola oferecer aulas em regime integral, podendo esta ser uma
medida benéfica para a educação. Todavia, alega que qualquer que seja a mudança, o
professor nunca será beneficiado por ela. Para ele, quem dita as regras sobre como deve ser a
educação são pessoas que não fazem parte da realidade escolar. Por isso, o que dizem fica
sempre em um plano muito superior ao que realmente é possível desenvolver em sala de aula.
Logo, como o professor não terá condições de alcançar as metas lançadas pelos pedagogos,
por exemplo, ele será visto como aquele que não realiza seu trabalho com competência. O
enunciador W também vai ao encontro dessa perspectiva afirmando que as medidas tomadas
são políticas e não têm como finalidade melhorar a qualidade de trabalho do professor. Ele
ainda acrescenta que a sociedade mudou e com ela a escola perdeu seu espaço como local de
saber, de respeito.
Exemplo 52: “Hoje nós temos tudo. Como se não bastasse DVD, televisão, som, nós temos agora o
quadro interativo, mas nada disso resolve. Eu acho que o que mudou foi o público, que tem outros
objetivos. Então você pode oferecer mil coisas, cobrir o quadro de ouro que não resolve”; Talvez o
ensino à distância. Acho que daqui a pouco as pessoas não vão nem mais querer sair de casa. Vai ser
tudo à distância e você vai ser só um instrumento.” (enunciador A)
Exemplo 53: “Eu acho que é o que você falou. É o público. Nós estamos aqui mas agora, por
exemplo, com o TBI, a gente só vai ser uma ferramenta. Tudo o que a gente faz aqui eles podem fazer
em casa. Eles tem Cd, Internet, livro. A gente só tá aqui para tirar uma duvidazinha ou outra,
auxiliar.” (enunciador M)
Contrariamente a todos os outros enunciadores, os professores do curso privado
Aliança Francesa não se queixam da falta de material ou recursos didáticos, segundo os
trechos das entrevistas (ex. 52 e 53). Eles dispõem de toda sorte de equipamentos, inclusive os
mais modernos disponíveis no mercado para o ensino de língua estrangeira, porém, justificam
que nem com todos esses suplementos conseguem atingir o aluno a ponto de fazê-lo despertar
seu interesse para esse aprendizado. Para ambos, A e M, há uma forte tendência de que o
ensino seja feito à distância e dentro desse processo, o professor será mais uma ferramenta a
152
ser utilizada, assim como a Internet ou o TBI (quadro branco inteligente). Logo, na concepção
deles, haverá uma significativa mudança em relação ao papel que o professor tinha, tem e terá
futuramente, deixando de ser o centro da aprendizagem para ser um acessório.
Conforme os autorrelatos acima, fica nítido que a maioria dos enunciadores se coloca
como paciente das transformações no ensino/aprendizagem. O professor até reconhece
algumas falhas em sua prática docente e demonstra o desejo de acertar, como vimos no trecho
da entrevista do enunciador E: “Tem uma parte que precisa ser feita pelo professor”, mas
logo esbarra em problemas de proporções maiores e repara que não tem competência
suficiente para resolvê-los. Os enunciadores N e W comentam que as instâncias superiores
até enxergam algumas dessas adversidades existentes na seara da educação. Todavia, segundo
eles, as medidas tomadas não têm como real propósito dar melhores condições de trabalho ao
professor para que ele disponha de meios para executar a ação de dar uma aula com a
qualidade que gostaria e foi capacitado para fazê-la. De certa forma, subentende-se que o
professor tem como dever cumprir as mudanças estabelecidas pelos governos para que tenha
sua prática legitimada, uma vez que quando um professor da rede estadual, por exemplo, entra
em sala, ele representa esse poder público.
Vale a pena discutirmos ainda a diferente tomada de posição dos enunciadores das
redes federal e estadual em relação aos da rede municipal. Podemos ir mais adiante e dizer
que a visão dos enunciadores do curso privado Aliança Francesa é completamente distinta da
dos outros. Para os enunciadores E, V, B e R, grande parte do fracasso na eficácia do ensino
de Língua Francesa se deve à falta de recursos didáticos. Para os enunciadores N e W,
atuantes na rede municipal, a responsabilidade encontra-se nas mãos dos órgãos públicos que
não implementam meios eficientes no campo da educação. Cabe dizer que talvez os
professores do município tenham se queixado menos da questão do material de apoio pelo
fato de terem sido contemplados recentemente com o manual “Et Toi” distribuído
gratuitamente a todos os alunos da rede. Os enunciadores A e M, da Aliança Francesa,
parecem estar à frente dos outros em relação aos recursos didáticos de que dispõem e à
metodologia de ensino à qual são submetidos pela direção do curso para preparar suas aulas.
Eles dialogam com as falas dos outros enunciadores mostrando que o sucesso no processo de
ensino/aprendizagem não está na tecnologia de última geração tão desejada pelos colegas das
redes públicas. Segundo eles, o que mudou foi o público. Os alunos não são tão motivados
quanto eles eram quando ocupavam uma cadeira de aluno diante de um professor de francês.
153
Além disso, já antecipam a consequência da aplicação da abordagem metodológica
acional – última tendência no ensino de línguas estrangeiras e em vigor nesse curso – aliada
aos modernos equipamentos, deslocando o professor para um papel periférico no ensino.
Esses enunciadores assinalam ainda a mudança do público-alvo como um oponente ao
desenvolvimento de suas atividades profissionais. Talvez pelo fato de não estarem preparados
para encarar todos os anseios dos alunos da maneira almejada por eles. Sem falar na
tendência projetada para o futuro em que os alunos terão aulas à distância, ou seja, terão ainda
menos contato físico com o professor.
Diante de todos esses relatos, somos direcionados a concluir que os enunciadores se
colocam como vítimas do sistema, da falta de estrutura escolar para desempenhar sua função,
da carência de recursos didáticos e administrativos. Na verdade, na concepção desses
enunciadores, eles gostariam de desempenhar o papel de Benfeitores – aquele que leva um
benefício a alguém, os alunos desempenhariam o papel de beneficiários – aquele que é
afetado positivamente pela ação de outro actante e a escola, os recursos didáticos, a estrutura
escolar seriam aliados nesse processo de ensino-aprendizagem. Entretanto, as falas revelam
uma realidade bem distinta daquela idealizada pelo professor. Ele se vê envolvido em um
contrato no qual os meios para que possa realizar seu trabalho com êxito lhe são suprimidos.
O professor se vê alvo de uma ação orquestrada com o objetivo de extinguir o francês do
currículo, ainda que essa ação seja feita de forma insidiosa e astuta. Por se verem
impossibilitados de desenvolverem sua função de benfeitores colocam em cena um outro
contrato no qual identificam-se como vítimas do sistema educacional.
Observemos abaixo a tabela ilustrativa com os respectivos papéis desempenhados por
nossos enunciadores, bem como os aliados e oponentes que cruzam seus caminhos.
Actantes Agente Paciente
Agressor Benfeitor Aliado Oponente Vítima Beneficiário
E, V, B, R,
N, W, A e
M.
Turmas cheias;
Falta de estrutura física
e recursos didáticos.
E Sistema
educacional
Sistema
educacional Falta de estrutura física
e recursos didáticos. V
Sistema
educacional Falta de recursos
didáticos. B
Sistema
educacional Falta de recursos
didáticos; Mudança no
público alvo.
R
154
Sistema
educacional Regime de
estudos
integral
Falta de valorização do
profissional N
Sistema
educacional W
Mudança na sociedade;
falta de políticas
públicas âmbito da
educação.
Sistema
educacional Acesso a todo
tipo de recurso
didático.
Mudança do público
alvo; professor como
instrumento no ensino.
A
Sistema
educacional Acesso a todo
tipo de recurso
didático.
Mudança do público
alvo; professor como
instrumento no ensino.
M
Gostaríamos de fazer uma reflexão a respeito da concepção dos professores em relação
ao ensino de Língua Francesa Ontem, Hoje e Amanhã com base nas categorias professor em
início de carreira e professor em fim de carreira que havíamos proposto no início da tese.
Surpreende-nos o fato de não termos nos deparado com trajetórias de ensino tão díspares entre
os professores recém-formados e aqueles formados há mais tempo. Entretanto, a informação
que salta aos nossos olhos é a rapidez com que se deu a mudança do público estudantil. Tanto
os enunciadores com mais tempo de experiência quanto os com menos tempo trazem em suas
falas a lembrança da época em que foram alunos e relembram a relação de respeito existente
entre professor-aluno.
Hoje em dia, revelam o quão diferente é a relação deles com seus alunos, segundo os
enunciadores A, R e B, sendo o último recém-formado. Os enunciadores N e M, o primeiro
representante da rede municipal e o segundo representante do curso privado Aliança Francesa,
ambos com menos tempo de carreira que os outros colegas das respectivas instituições em que
atuam, salientam que seus professores “cobravam de verdade.” Os enunciadores E, V, B e
R, os dois primeiros atuantes no Colégio Pedro II e os dois últimos na rede estadual,
lamentam a falta de recursos didáticos, embora muitas vezes circule nos imaginários sócio-
discursivos que os colégios da rede federal ofereçam melhor infraestrutura e qualidade de
ensino que as outras redes públicas, haja visto o número de vagas reduzido para ingresso de
alunos nessas escolas . Em relação ao curso privado Aliança Francesa, poderíamos presumir
que talvez o enunciador em fim de carreira pudesse relatar dificuldades em manusear os
inúmeros recursos tecnológicos e que fosse até mesmo contrário à utilização dos mesmos.
155
Todavia, o enunciador A não comenta qualquer complexidade no manuseio desses
aparelhos. A lástima dos enunciadores A e M, atuantes no curso privado de Língua Francesa,
é verificar que toda essa modernidade não foi capaz de recuperar o interesse do aluno em
aprender a Língua Francesa, de fazê-lo enxergar o novo saber com aquele brilho no olhar que
eles demonstravam quando ocupavam o lugar de alunos.
Antes de passarmos para as duas últimas perguntas desse segundo bloco temático,
achamos conveniente comentar um assunto bastante recorrente nas falas dos enunciadores
acerca do ensino de francês. Estávamos conscientes de que ao falarem do ensino de francês no
passado, certamente, o ponto de comparação seria o presente. O mesmo aconteceria com as
falas voltadas para o ensino no futuro. Entretanto, os enunciadores fizeram questão de
destacar o ensino de francês no presente tal como ele é concebido dentro do espaço escolar.
Foi muito marcante nesses discursos o status da disciplina de Língua Francesa face às outras,
não apenas pela direção da escola, mas também por colegas e alunos. Assim, abriremos um
longo parêntese para expor o recorte que fizemos nas falas dos enunciadores sobre esse
assunto que tanto os incomoda e os faz sentir inferiorizados. Acreditamos que essas análises
nos conduzirão a melhor entender os posicionamentos dos enunciadores no âmbito geral,
sobretudo nas perguntas que ainda estão por vir. Como o material a ser analisado é bastante
extenso, optamos por criar uma nova seção intitulada O Status da Disciplina de Língua
Francesa.
5.2.3 O Status da Disciplina de Língua Francesa
Subdividimos esse item em cinco (5), visto que, através das falas dos enunciadores,
recuperamos o ponto de vista dos mesmos sobre como eles imaginam que a comunidade
escolar (pais, alunos, colegas de trabalho, direção da escola) e as próprias leis abordam a
questão da disciplina. Podemos dizer, de antemão, que faz parte do imaginário de todos os
entrevistados a avaliação de que a disciplina de Língua Francesa é desvalorizada em relação
às outras. Vale a pena esclarecer que aqui não teremos as falas dos enunciadores do curso
privado Aliança Francesa pois a única disciplina oferecida neste é a de Língua Francesa, não
havendo outra servindo de parâmetro para possíveis comparações.
Os discursos dos enunciadores são organizados pelo modo predominantemente
narrativo e fazem referências ao objetivo do ensino de língua estrangeira e ao lugar da
156
disciplina na escola na concepção do professor de LE. Entretanto, em outros momentos, os
enunciadores organizam seus discursos pelo modo predominantemente argumentativo
trazendo à tona seus posicionamentos em relação à maneira pela qual os membros da
sociedade escolar concebem a disciplina de Língua Estrangeira. Daremos início à análise
orientada para a lógica narrativa e em momento oportuno analisaremos as falas pelo viés da
lógica argumentativa.
5.2.3.1 O Status da Disciplina de Língua Francesa do ponto de vista narrativo
Do ponto de vista narrativo, a totalidade dos enunciadores demonstra o desejo de que a
disciplina de Língua Francesa tenha o mesmo status das outras disciplinas da grade curricular.
Entretanto, eles se veem implicados em um contrato no qual ao invés de ocuparem o papel de
agentes benfeitores acabam sendo levados pelas conjunturas do processo a desempenharem o
papel de pacientes vítimas. Há um contraste entre o que eles deveriam fazer enquanto agentes
e o que dizem a respeito do que acontece em seu entorno. Diante dos acontecimentos, eles se
veem como pacientes de um processo cujo controle lhes escapa e o papel de benfeitor, de
alguma forma, lhes é retirado pelas circunstâncias. Logo, o resultado em relação ao objeto de
Busca é insatisfatório.
Estado Inicial Busca Estado Final
Enunciadores E, V,
N, W, B e R
Desconhecimento
da importância da
Língua Francesa
Mostrar a importância
da disciplina de Língua
Francesa na educação
dos jovens
Fracasso
Exemplo 54: “O que eu menos faço é ensinar francês” (enunciador E)
Exemplo 55: “Porque aqui a carga horária é pequena.” (enunciador V)
Exemplo 56: “Não tenho nenhuma tristeza que as pessoas achem que a língua francesa seja “a
coitada” (enunciador N)
Exemplo 57: “Eu acho que não pode tirar a importância do francês” (enunciador W)
Exemplo 58: “A gente escuta que eles podem viver sem isso, sem inglês, sem francês e sem o
espanhol.” (enunciador B)
157
Exemplo 59: “Alguns colegas perguntam: Pra que eles vão estudar francês?” (enunciador R)
Os enunciadores acima narram algumas das dificuldades em trabalhar a Língua
Francesa na escola. Porém, se apresentam como aqueles que lutam para que essa disciplina
continue a fazer parte do currículo escolar dada a importância que a ela imprimem. Esses
enunciadores relatam que, muitas vezes, se sentem “sozinhos” dentro do espaço escolar,
enfrentando mais oponentes que encontrando apoio de aliados. Mais uma vez nossos
enunciadores se colocam no papel de vítimas do sistema educacional atribuindo-lhe a
responsabilidade por: criar documentos prescritivos sem proporcionar condições físicas e
materiais que auxiliem o professor a colocar as orientações em prática, consagrar ao estudo de
língua estrangeira uma curta carga horária semanal, privilegiar a oferta de uma língua
estrangeira em detrimento de outras, etc. Segundo os enunciadores, o sistema educacional não
contribui para que o professor, sobretudo o de Língua Francesa, possa desenvolver um
trabalho com a qualidade almejada nos documentos oficiais.
Actantes Agente Paciente
Agressor Benfeitor Aliado Oponente Vítima Beneficiário
E, V, N,
W, B e R.
Sistema
educacional
Desejo de mostrar
a importância da
Língua Francesa.
Preocupação em
cumprir as
recomendações dos
PCNs.
E
Sistema
educacional Carga horária
reduzida. V
Sistema
educacional Desvalorização da
Língua Francesa pela
comunidade escolar.
N
Sistema
educacional Desvalorização da
Língua Francesa pela
comunidade escolar.
W
Sistema
educacional Desvalorização da
língua estrangeira pela
comunidade escolar.
B
Sistema
educacional Desvalorização da
língua estrangeira pela
comunidade escolar.
R
A seguir, apresentaremos o recorte que fizemos das falas dos enunciadores sobre como
eles e a comunidade escolar concebem a disciplina de Língua Francesa no espaço da escola.
158
5.2.3.2 O Status da Disciplina de Língua Francesa do ponto de vista argumentativo
Com base em nosso corpus, fizemos um levantamento de como os enunciadores se
posicionavam em relação à sua atuação nessa disciplina que faz parte do currículo escolar
assim como a de Matemática, a de Língua Portuguesa, entre outras. Analisamos todas as
tomadas de posição dos enunciadores referentes às suas expectativas, seus anseios, suas
frustrações, suas condições de trabalho, etc. Pudemos ainda resgatar nas falas as imagens que
os próprios enunciadores projetam do lugar dessa disciplina e de seu status. Além disso,
recuperamos, segundo o olhar dos nossos enunciadores, a perspectiva dos alunos, dos pais dos
alunos, dos colegas de trabalho e das leis para com essa disciplina. Como os discursos são
construídos dentro da lógica tese/argumento, prosseguiremos nossas análises à luz dos
procedimentos semânticos argumentativos. Nossas análises serão realizadas em cinco etapas.
Para cada uma delas, transcreveremos os trechos das entrevistas agrupando-os em categorias
de valor e na sequência seguiremos com nossos comentários.
5.2.3.2.1 Do ponto de vista do próprio professor:
Ao voltarmos nosso olhar para os argumentos utilizados pelos enunciadores com o
intuito de justificarem a tese a disciplina de Língua Francesa é desprestigiada na escola,
notamos que grande parte deles são fundamentados em um consenso social que atribui maior
peso e importância a algumas disciplinas em relação a outras. Dentre os domínios de
avaliação, os que mais se destacaram nas falas dos enunciadores foram o Pragmático e o
Ético. Eles acentuam que circula nos imaginários sócio-discursivos a relação de
utilidade/inutilidade que apresenta cada disciplina no cerne da vida escolar, imprimindo uma
avaliação concernente ao domínio do Pragmático. Junto a essa avaliação, os enunciadores
trazem em seus discursos certo sentimento de inconformidade com o status da disciplina de
Língua Francesa. Eles revelam se sentirem “injustiçados” em relação aos outros professores
visto que também passaram por uma formação de nível superior na qual tiveram que lidar
com inúmeras dificuldades, mas com muita força de vontade e determinação as venceram,
foram submetidos a um concurso público assim como todos os colegas das outras disciplinas,
porém não se sentem valorizados como eles, o que imprime aos seus relatos uma avaliação no
domínio Ético.
159
Segundo Charaudeau (2008, p.235), os domínios do Ético e do Pragmático podem
combinar-se na medida em que uma regra de comportamento cuja eficácia se mediu e
verificou (Pragmática) torna-se um dever ou um modelo de conduta (Ética). Essa realidade
vem à tona nos conselhos de classe, momento este em que os docentes e a direção da escola se
reúnem para fazerem uma reflexão avaliativa dos conteúdos dados, a qualidade do trabalho
desenvolvido, o aproveitamento dos alunos, etc. Segundo os relatos dos entrevistados, a
direção escolar faz certa pressão para que os professores de língua estrangeira aprovem seus
alunos para as séries seguintes. Tal atitude reflete a hierarquia que a direção da escola atribui
a cada disciplina. Todavia, no julgamento de nossos enunciadores, não é ético fazer distinção
entre disciplinas que fazem parte da mesma grade curricular e que têm o mesmo tratamento,
em termos de peso, nos documentos oficiais.
Aqui cabe abrir um parêntese acerca da questão do peso das disciplinas, assunto
bastante recorrente nos discursos dos entrevistados. No terceiro capítulo dessa tese, fizemos
uma releitura sobre os textos oficiais que norteiam o ensino, sobretudo na cidade do Rio de
Janeiro. Não encontramos qualquer orientação explícita sobre a existência de uma hierarquia
entre as disciplinas que justificasse a atribuição de pesos distintos às mesmas. Todavia, tanto a
Secretaria Municipal de Educação (SME) quanto a Secretaria de Estado de Educação
(SEEDUC) aplicam exames com o intuito de avaliar quantitativamente o ensino e a escola.
No exame elaborado pela SME e pela SEEDUC, as disciplinas avaliadas são Língua
Portuguesa e Matemática. Logo, podemos subentender que há maior preocupação com
algumas disciplinas do que com outras, visto que as avaliações contemplam apenas duas
disciplinas e são elas que diagnosticarão o nível da educação no Rio de Janeiro comparando-o
aos outros estados do Brasil.
Talvez, essa seja a razão pela qual alguns docentes e a própria direção escolar
atribuam peso maior a algumas disciplinas. Vejamos abaixo os trechos das entrevistas
(exemplos de 60 a 65) cujos argumentos se fundamentam predominantemente nos domínios
de avaliação Pragmático e Ético.
Domínios do Pragmático e do Ético:
Exemplo 60: “O que eu menos faço é ensinar francês”; “eu abro as portas para outro objetivo”; “eu
tento mostrar que tem outros caminhos, eu tento falar da cultura.”; “Em conselho de classe de final
de ano o francês não tem peso”; “matemática, português reprovam mas francês, música, educação
física não reprovam.” (enunciador E)
160
O enunciador E traz em seu discurso uma constatação: “O que eu menos faço é
ensinar francês”. Talvez este enunciador esteja fazendo aqui uma alusão aos Parâmetros
Curriculares Nacionais que preconizam a formação ampla do cidadão, o que vai além do
simples ensino de habilidades linguísticas. Ainda em consonância com os PCNs, o enunciador
expõe que desenvolve também um trabalho voltado para a apresentação da(s) cultura(s) do
país estrangeiro, fazendo com que o aluno reflita sobre aspectos de alteridade, levando-o
assim a repensar a sua própria cultura. Em relação ao lugar da disciplina de Língua Francesa
na escola, o enunciador E afirma que essa tem um peso diferente de outras, ou seja, que é
vista de uma forma diferente das outras, com exceção das disciplinas de música e educação
física, que estariam no mesmo patamar de qualificação do francês. Implicitamente, ele revela
não ser ético fazer tudo menos ensinar francês uma vez que foi para isso que estudou e passou
em um concurso público. Porém, os documentos oficiais veem maior utilidade no ensino de
línguas quando este se volta para reforçar conteúdos de cidadania e apoiar a aprendizagem de
outras disciplinas.
Exemplo 61: “No Conselho de Classe você nunca vai ver um aluno ficar reprovado só em francês.
Ele pode ficar só em matemática ou só em português. Essas matérias possuem maior peso”; “acho
que é um privilégio do aluno do Pedro II ter essa língua ainda no currículo.” (enunciador V)
No discurso do enunciador V também fica nítido que a disciplina de Língua Francesa
possui “menos peso” que as outras e, portanto, nenhum aluno ficará reprovado nessa
disciplina. Fica claro o desejo desse enunciador em exaltar a disciplina de Língua Francesa,
de mostrar sua importância ao relatar que os alunos de sua instituição são privilegiados por
terem a possibilidade de estudarem essa língua estrangeira. Ele não está admitindo que sua
disciplina « não sirva para nada » - está julgando o comportamento de seus colegas como
antiético por não o reconhecerem como um igual.
Exemplo 62: “Sabemos que tem essa grade curricular em que vem primeiro a Língua Portuguesa e a
matemática, depois vem as outras: ciências, história e depois educação física, artes, música, espanhol
e inglês e por último o francês”; “o Município deu até uma valorização agora, de conseguir o método
“Et toi” que facilitou muito a vida do professor”; “quando falam que a Língua Portuguesa é que tem
um peso, eu estou de pleno acordo”; não tenho nenhuma tristeza que as pessoas achem que a língua
francesa seja “a coitada”.” (enunciador N)
Novamente, a disciplina de Língua Francesa é vista como aquela de menor
importância na escola para o enunciador N. Segundo ele, os imaginários que circulam
161
caracterizam a disciplina com certa depreciação, como se fosse “a coitada”. Entretanto, o
enunciador demonstra não se sentir ofendido com esse julgamento e diz até que concorda com
o “sistema de peso” que aparece de forma implícita nos documentos oficiais e nos discursos
da comunidade escolar. Também traz, implicitamente, um sentimento de justiça ao apontar a
atitude da Secretaria Municipal de Educação ao adotar o manual didático “Et toi” para o
ensino de francês. Ele sente sua disciplina valorizada pelo fato de contar com um recurso que
já estava disponível a todas as outras.
Exemplo 63: “A matéria dentro da rede é muito desvalorizada”; “eu acho que a própria Secretaria
de Educação desvaloriza a disciplina quando ela coloca que uma matéria reprova e outra não”; “e aí
surge o conceito de área em que língua estrangeira, artes, música e educação física fazem parte de
uma área só”; “e depois passou-se a dizer: “Essas não podem realmente reprovar”; “independente
de o aluno fazer ou não fazer, ir ou não ir, sua disciplina não contava”; “eu vejo que é uma disciplina
que nunca vai ser muito levada em conta.” (enunciador W)
O enunciador W reitera a opinião dos outros colegas afirmando que a disciplina de
Língua Francesa é desvalorizada em relação às outras. Ele nos explica ainda como surgiram
esses conceitos de área, que subdividia as disciplinas em grupos e consequentemente, o grupo
que abrigava as disciplinas de Língua Estrangeira, Artes e Educação Física, tidas como as de
menor peso, passou a não mais poder reprovar os alunos. Para esse enunciador, a política de
organização por área e de atribuição de pesos às disciplinas tirou a importância das mesmas.
Mais uma vez vem à tona o sentimento de injustiça como consequência de uma disciplina
receber tratamento diferenciado em relação à outra embora todas se façam presentes na grade
curricular.
Exemplo 64: “Eu acho que o status é muito diferente do das outras; No conselho de classe eu escuto
assim: “Ah, professor. Se puder abrir mão...”; O aluno já tá em 4 disciplinas e com 3 ele fica em
dependência. Se a senhora abrir mão da nota...” ; A língua estrangeira de modo geral ela tá relegada
a um segundo plano. O cara tem que saber português, matemática, física e química. (Esse pensamento
reflete a opinião do senso comum); Ah, o senso comum. É um “achismo” partilhado por muitos mas é
velado ainda. Isso não é comentado. Mas todos partilham dessa ideia. A língua estrangeira é relegada
a isso... Dentro da língua estrangeira tem a sua hierarquia: inglês, depois do inglês o espanhol e
depois o francês. Ainda tem alemão, italiano... Por que tem no Estado. Mas esses são ainda mais
raros que a gente. Coitados! Se eu tô me sentindo meio preterida, imagina esses...”(enunciador B)
O enunciador B também relata o desprestígio da disciplina. Comenta que de uma
forma geral as línguas estrangeiras são sempre desvalorizadas na escola mas há uma
hierarquia entre elas, cabendo ao francês a terceira posição. A disciplina de Língua Francesa
recebe o status “inferior” em relação a outras, o que seria injusto em sua concepção. A prática
162
docente desse enunciador parece estar embasada pelos documentos oficiais no que tange às
atividades de caráter mais dinâmico a serem levadas para a sala de aula. Segundo ele, a
utilização de materiais de apoio, tais como revistas, filmes e músicas tornam a aula mais
atrativa, deixando de ter o caráter monótono acentuado pelos PCNs, por exemplo.
Exemplo 65: “Aí eu chego no conselho e pergunto porque que tem que ser francês que tem que abrir
mão? Não existe nenhum documento que diga que o francês tem menos peso. Eu digo que o francês
está na grade curricular, tá na língua estrangeira. Se aqui é francês tem que respeitar. Então tira da
grade. Língua estrangeira e educação artística tem peso menor para reprovar o aluno no conselho de
classe. Sempre eles pedem no colégio para abrir mão nessas disciplinas.” (enunciador R)
Assim como os outros colegas, o enunciador R relata a menor importância da
disciplina de Língua Francesa em relação a outras apesar de desconhecer qualquer texto
oficial que regulamente o peso das disciplinas.
A tese de que a disciplina de Língua Francesa é desprestigiada na escola ganha força
ao ser confrontada com os argumentos elencados pelos enunciadores. Na concepção deles, por
mais que não haja um documento oficial que explicite maior importância para uma disciplina
do que para outra, eles justificam essa percepção, essa “norma implícita” pelo fato de a) a
disciplina não reprovar e b) a carga horária de trabalho ser reduzida. Os enunciadores se
queixam de não terem o poder de sanção já que a disciplina não reprova, ratificando que
independentemente do esforço que o aluno fará ao longo do curso ele terá êxito ao final. Por
essa razão, acreditamos que todos os argumentos estejam impregnados de valores semânticos
pertencentes aos domínios do Pragmático e do Ético ao fazerem referência à inutilidade da
disciplina (segundo membros da comunidade escolar) e pelo fato de os professores se
sentirem em patamar inferior em relação aos outros embora tenham feito esforços para
ocuparem a posição em que se encontram profissionalmente, o que lhes faz sentirem-se
injustiçados.
Dando continuidade às análises, a seguir, veremos o olhar da comunidade escolar, a
começar pelos alunos, pelo viés dos próprios enunciadores.
5.2.3.2.2 Do ponto de vista dos alunos (segundo os enunciadores):
Para muitos dos enunciadores, os alunos não demonstram tanto interesse e empenho
pela disciplina por não identificarem sua importância e por terem certeza de que a mesma não
163
lhes trará qualquer ônus, ainda que não apresentem um resultado satisfatório. A tese que
circula nos imaginários sociais e, portanto, corroborada por nossos enunciadores é de que
poucos alunos se comprometem com a disciplina de Língua Francesa. Os argumentos que
sustentam essa tese classificam-se semanticamente no domínio de valor concernente ao
campo do Pragmático. Apenas um relato faz alusão explícita ao campo do Hedônico.
Ilustraremos nossas análises com os trechos das entrevistas transcritos logo abaixo.
Domínio do Pragmático:
Exemplo 66: “Eu acho que 50% gostam”; “alguns não entendem a lógica da língua”; “eu tento falar
da cultura e eles se interessam”; “ infelizmente e os alunos percebem que se ele não passa em francês
ele sabe que vai acabar sendo aprovado”; “os alunos percebendo isso (que o francês não
reprova)acabam não tendo muito comprometimento.” (enunciador E)
O enunciador E ressalta que apresentar aspectos culturais aos alunos pode levá-los a
se interessar pela disciplina, talvez por essa razão estime que a metade de seus alunos goste
das aulas. Relata que o aluno somente atribuirá algum valor àquela disciplina que considerar
como útil para sua vida profissional ou pessoal ou que possa impedi-lo de concluir seus
estudos, no caso da reprovação. Constata que o fato de a disciplina não reprovar o aluno faz
com que ele se esforce e se comprometa menos com os estudos dessa da mesma. Logo, o
domínio de valor concernente ao Pragmático parece ganhar força nessa e nas quatro próximas
falas.
Exemplo 67: “Alguns (alunos) falam comigo que não sabem por que estão aprendendo essa coisa e
dizem que não sabem nem o português”; “os (alunos) que querem aprender vão se esforçar.”
(enunciador N)
Exemplo 68: “Essa aqui eu estudo e essa aqui não serve para nada”; “o aluno sem querer ele
passa”; “eles não gostam de estudar porque não entendem o que estão fazendo ali”; “eles vão e vem
sem nada no caderno”; “muitas vezes o próprio aluno não dá muito valor”; “na própria escola você
escuta: “Poxa, francês”! “O inglês é mais importante!” (enunciador W)
Os enunciadores N e W, ambos da rede municipal, trazem em seus autorrelatos falas
reproduzidas por seus alunos em situação de sala de aula em que exprimem a total
irrelevância do francês em suas vidas, reiterando assim uma avaliação concernente ao
domínio de avaliação Pragmático. O enunciador N relata que seus alunos se queixam de não
164
possuírem amplos conhecimentos de Língua Portuguesa, então, questionam a validade de
aprender outra língua.
Podemos fazer um elo entre o que nos diz Bourdieu sobre o conceito do capital
cultural e da violência simbólica. Para esse autor, conforme vimos anteriormente, a escola
tende a reproduzir os valores da classe dominante. Logo, os alunos provenientes de classes
menos favorecidas terão mais dificuldades em se adaptar aos ensinamentos escolares do que
os provenientes das classes favorecidas. Os próprios Parâmetros Curriculares apontam para o
ensino de Língua Portuguesa voltado para as habilidades de leitura e compreensão de textos e
prezam pela apresentação das variantes regionais e das diferentes normas (coloquial, padrão,
culta) para que todo aluno tenha acesso a elas e possa utilizá-las em consonância com cada
situação de comunicação. Esses mesmos enunciadores acreditam que alguns alunos vão se
interessar pelo estudo da Língua Francesa. Todavia, o enunciador W afirma que a própria
estrutura da rede municipal leva o aluno a se desmotivar pela aprendizagem devido à
facilidade em ser aprovado. Em sua concepção, o aluno não precisa levar caderno nem se
esforçar para tirar boa nota, visto que a disciplina não reprova. Esse enunciador retoma ainda
marcas dos discursos de nossa sociedade nos alunos e na comunidade escolar em que a
Língua Inglesa é a de maior importância.
Exemplo 69: “São poucos aqueles que se interessam.” (enunciador B)
Exemplo 70: “Muitos não se interessam”; “eu acho que as minhas turmas se interessam pelo
francês, uns 50% gostam.” (enunciador R)
Os enunciadores B e R são mais sucintos e somente afirmam que grande parte dos
alunos não se interessa pelo estudo da Língua Francesa. Provavelmente, essa falta de interesse
esteja baseada nos argumentos citados acima. Todavia, o enunciador R salienta que apesar de
os alunos em geral não demonstrarem interesse pela disciplina, pelo menos a metade de seus
alunos (50%) se interessa. Talvez aí o domínio do Hedônico – domínio pautado no prazer ou
na satisfação proporcionados pela utilização do produto, nesse caso a Língua Francesa –
esteja presente implicitamente e esse engajamento dos alunos seja proveniente do fato de
terem uma boa relação afetiva com o professor.
165
Para o enunciador V, conforme o exemplo 71, o despertar do aluno para a disciplina
pode ter uma motivação diferente da apresentada por seus colegas. Vejamos o que ele tem a
nos dizer.
Domínio do Hedônico:
Exemplo 71: “Eu acho que os alunos curtem mais do que antes”; “não é uma carga pesada como
matemática”; “acho que 40% gostam”; “dependendo da relação que ele (o aluno) tem com o
professor ele vai se dedicar mais ou menos na matéria”; “eles (os alunos) são muito ligados no
afetivo, no relacionamento e isso faz com que eles prestem mais atenção na aula.” (enunciador V)
O enunciador V, do colégio da rede federal, estima que em média 40% dos alunos
gostam da disciplina. A motivação para esse gostar estaria ligada ao afetivo, ao prazer
proporcionado pela relação com a língua. Sendo assim, o julgamento de valor concernente ao
domínio do Hedônico se faz presente uma vez que na concepção desse enunciador o
engajamento do aluno à disciplina dependerá de quão agradável for sua relação com o
professor e com a disciplina. Para ele, a relação professor-aluno será o diferencial para que o
aluno se engaje mais ou menos na disciplina.
Avançando em nossas análises, faremos um recorte da opinião dos pais dos alunos em
relação à disciplina de Língua Francesa segundo os nossos enunciadores.
5.2.3.2.3 Do ponto de vista dos pais dos alunos (segundo os enunciadores):
Três dos enunciadores fizeram comentários envolvendo os pais dos alunos e a
disciplina de Língua Francesa, sejam baseados em experiências vivenciadas no espaço
escolar, sejam referências dos interdiscursos circulantes sobre como os pais se colocam em
face dessa disciplina. A tese levantada pelos enunciadores N, W e V, através dos exemplos
72, 73 e 74, é que a Língua Francesa é valorizada enquanto disciplina quando os pais têm
nível intelectual elevado. Todavia, esses enunciadores atuantes em escolas públicas nem
sempre lidam com esse tipo de público, de pais com nível intelectual elevado. Talvez essa
realidade se faça mais presente no colégio da rede federal que em uma escola da rede
municipal visto que para ingressar naquele os alunos são submetidos a um exame que exige
esforço por parte deles e dedicação dos pais para prepará-los para a prova, seja estudando com
166
os filhos seja custeando cursos preparatórios. Na opinião dos enunciadores, os pais tendem a
valorizar as disciplinas com implicação direta na vida dos filhos, ou seja, que tenham um
valor prático, objetivo, pragmático. Essa é a razão pela qual categorizamos as falas dos nossos
enunciadores no domínio de valor concernente ao Pragmático.
Confirmemos nossas análises através das falas dos nossos enunciadores.
Domínio do Pragmático:
Exemplo 72: “Eu tô pouco ligando se ela vai tirar nota boa ou ruim em uma matéria que não serve
para nada” (frase de uma mãe); “você passa duas folhas de dever de casa e a mãe vai reclamar
dizendo que a gente passou muito trabalho de casa.” (enunciador N)
Exemplo 73: “O que eles (os pais) estão querendo é a bolsa (família).” (enunciador W)
Para os enunciadores N e W, os pais não se preocupam com a disciplina de Língua
Francesa por acreditarem que essa seja irrelevante, o que nos leva a comentar que, mais uma
vez, os imaginários sócio-discursivos de que a Língua Francesa é menos importante que as
outras se faz presente nos discursos dos pais dos alunos. O enunciador N expõe certa
inversão de valores frequente na sociedade em que vivemos na qual o professor é tolhido até
por passar bastante exercício para ser feito em casa. O enunciador W faz referência à oferta
de um auxílio21
do governo federal para as famílias e afirma que o interesse dos pais volta-se
para cumprir as exigências que os tornam elegíveis a receber tal benefício.
Exemplo 74: Os próprios pais acabam incentivando os filhos a terem uma boa nota para
participarem dessa turma de preparação para o DELF”; “a preocupação maior é com aquelas
matérias que o pai quer que o filho saiba como português e matemática, física, química”; “a língua
estrangeira depende do grau de cultura do pai para saber se ele vai valorizar ou não” (enunciador
V)
O enunciador V, professor do colégio da rede federal, diz que quanto mais cultura
tiver o pai, maior importância ele vai atribuir ao aprendizado de língua estrangeira,
incentivando seu filho a participar da turma preparatória para os exames do DELF. Essas
21
O Bolsa Família é um programa de transferência de renda destinado às famílias em situação de pobreza em
vigor desde 2003. Para gozar do benefício, a família precisa cumprir com as condicionalidades previstas para as
áreas da Educação, Saúde e Assistência Social. Os compromissos exigidos na área da Educação segundo o site
http://www.mds.gov.br são: para as crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos - a matrícula e a garantia da
frequência mínima de 85% da carga horária escolar mensal. Para os adolescentes de 16 e 17 anos, além da
matrícula, deve-se observar a garantia de pelo menos 75% da frequência escolar mensal.
167
turmas são compostas pelos alunos que tiveram maior média em Língua Francesa no ano
anterior e visam preparar os alunos para as provas que concedem um diploma de estudos em
Língua Francesa. Do contrário, o pai vai dar maior atenção às disciplinas “de maior peso”.
Assim, não resta dúvida de que mais uma vez o domínio de avaliação que sobressai é o
Pragmático, seja pelo fato de participar de uma turma preparatória cujo objetivo é o de
conquistar um diploma estrangeiro (enunciador V), seja pela obtenção de um auxílio
financeiro (enunciadores N e W).
Em seguida, traremos trechos das entrevistas que ilustram como os enunciadores
acreditam que seus colegas de trabalho veem a disciplina de Língua Francesa.
5.2.3.2.4 Do ponto de vista dos colegas de trabalho/ direção da escola (segundo os
enunciadores):
Nossos entrevistados alegam perceber a disciplina de Língua Francesa como menos
importante do que outras no próprio meio escolar. Tal afirmação está diretamente relacionada
ao fato de que a) a disciplina possui carga horária bastante reduzida, b) a disciplina não
reprova, c) desconhecimento da relevância do aprendizado dessa língua estrangeira. Dessa
forma, a tese sustentada por nossos enunciadores é de que a disciplina é vista como
irrelevante pelos colegas de trabalho/direção.
Conforme visualizamos nos discursos acima, os enunciadores acreditam que alunos e
pais associem a importância da disciplina a um fim prático, imediatista. Constatamos que a
imagem que os enunciadores fazem a respeito dos colegas de trabalho sobre a disciplina
também tenha uma implicação direta com sua “utilidade”. Logo, todos os argumentos
utilizados pelos enunciadores se organizam dentro de um domínio de julgamento concernente
ao Pragmático.
Seguem os trechos das entrevistas bem como suas análises.
Domínio do Pragmático:
Exemplo 75: “É uma desvalorização de todos os lados, a direção também.” (enunciador E)
O enunciador E acredita que a disciplina seja desvalorizada por toda a comunidade
escolar, e até mesmo, pela sociedade.
168
Exemplo 76: “Eu acho que muitos pensam que não tem muito fundamento. Acham que tem que ser
inglês e espanhol. Francês é tão diferente então colocar pra que?”; “eu senti isso na pele. Eles falam
isso. Esse ano a direção do colégio deliberou que o colégio prioritariamente ia oferecer inglês e
espanhol e que não ia oferecer francês. Foi isso que aconteceu. Eu sobrei.” (enunciador B)
Exemplo 77: “Eu ia sair dessa escola que eu tô e ia pra outra perto da minha casa. Tava tudo certo.
Quando eu cheguei lá e a diretora viu que era francês ela disse que queria inglês. Aí ela relutou e eu
não fiquei lá. Voltei para essa escola novamente.” (enunciador R)
Os enunciadores B e R, ambos da rede estadual de ensino, ressaltam que a própria
direção expressa preferência pela língua estrangeira que quer oferecer em sua escola,
possuindo autonomia para aceitar ou recusar o professor de outra língua estrangeira diferente
daquela desejada por ela. O enunciador B revela ter ficado sem escola para trabalhar devido
à decisão da diretora escolar em oferecer exclusivamente aulas de inglês e de espanhol na
instituição de sua liderança, de um ano para o outro. Por isso, acreditamos que o domínio de
avaliação presente seja novamente o do Pragmático. Na opinião dessas lideranças, somente a
Língua Inglesa deve ter alguma relevância para ser ensinada nas escolas, talvez pelo fato de
ser a língua mais falada no mundo dos negócios. E com a imposição da Secretaria de Estado
de Educação para que a Língua Espanhola seja obrigatória no Ensino Médio, de acordo com a
resolução número 4746, apresentada no terceiro capítulo dessa tese, essas (inglês e espanhol)
são as duas únicas línguas legitimadas a serem ensinadas na escola na concepção de grande
parte dos diretores.
Exemplo 78: “Nem todos (os colegas valorizam). Tem uns que veem com diferença a matéria.”
(enunciador N)
Segundo o enunciador N, alguns colegas veem a disciplina como menos importante
que as outras. Nesse caso, o julgamento dos colegas que não valorizam a disciplina está no
campo do Pragmático. Talvez nem eles atribuam qualquer valor ao aprendizado de línguas
estrangeiras. Decerto que essa maneira de pensar recai sobre nossos enunciadores como
antiética por não entenderem esse tratamento diferenciado que os inferioriza dentro de uma
realidade injusta.
Prosseguindo com as análises, mostraremos a seguir as falas dos enunciadores W, da
rede municipal, e outros dois trechos da entrevista dos enunciadores B e R, da rede estadual.
Fizemos essa separação uma vez que acreditamos que apesar de os discursos explicitarem a
força da (in) utilidade da disciplina na concepção dos outros professores e da direção escolar,
169
pensamos que os argumentos expostos fazem certa referência ao campo Estético ao associar-
se o professor de francês aos valores relacionados ao requinte, à elegância.
Gostaríamos de comentar essa associação feita entre aquele que possui o “saber” sobre
a Língua Francesa e os atributos relacionados à França e as representações do período da
Belle-Époque. Na concepção da maioria dos brasileiros, a França é tida como o berço da
cultura e da literatura. Esse país serve de referência para nós nas áreas da educação, da
gastronomia, da moda, da pintura, da decoração, do luxo. A Língua Francesa dominava o
gosto e a elegância, portanto era falada nas cortes europeias. Por essa razão, ainda hoje,
quando o interlocutor percebe que o outro possui conhecimentos ligados à França, sua
primeira reação é associá-lo a uma pessoa “chique”.
Como a partir desse ponto as falas dos enunciadores farão alusão, com certa
frequência, ao adjetivo “chique” e nosso trabalho visa analisar os discursos argumentativos
pelo viés semântico, achamos por bem defini-lo segundo dois dicionários de referência para a
Língua Portuguesa e para a Língua Francesa.
Segundo o dicionário Houaiss de Língua Portuguesa22
, o adjetivo “chique” possui
duas acepções:
1 que se veste com apuro e bom gosto e que se destaca pela elegância e ausência
de afetação
Ex.: <mulher c.> <homem c.>
2 Derivação: por extensão de sentido.
que se caracteriza pelo requinte
Ex.: <decoração c.> <reunião c.> <vestido c.>
Segundo o dicionário Le Petit Robert de Língua Francesa23
, o vocábulo “chic” tem as
seguintes acepções:
I. N. m.
1. VX Facilité à peindre des tableaux à effet. Travailler, peindre de
chic, d'imagination, sans modèle. « Le chic est […] plutôt une mémoire de la main
qu'une mémoire du cerveau »(Baudelaire).
2. Adresse, facilité à faire qqch. avec
élégance. ➙ aisance, désinvolture, habileté, savoir-faire. Il a le chic pour
m'énerver.
22
Extraído do site http://200.241.192.6/cgi-bin/houaissnetb.dll/frame?palavra=chique&Alceado=2 23
ROBERT, P., REY, A. & REY-DEBOVE, J. (1996). Le Nouveau Petit Robert: dictionnaire alphabétique et
analogique de la langue française. Nouv. éd. Paris : R. Laffont
170
3. Élégance hardie, désinvolte. ➙ caractère, chien, originalité, prestance. Il a du
chic. Son manteau a du chic. Loc. adj. Bon chic, bon genre*. ➙ B. C. B. G., NAP.
II. Adj. (inv. en genre) ➙ élégant. Une toilette chic. Elle est chic, habillée avec
goût et élégance. VAR. FAM. CHICOS [ʃikos].
◆ FAM. Beau. ➙ bath, 2. chouette. On a fait un chic voyage.
III. INTERJ. FAM. marquant le plaisir, la satisfaction ➙ 2. chouette. Chic alors !
Destacamos as palavras que estão diretamente ligadas com as acepções da Língua
Portuguesa: élégant (elegante), beau (belo), plaisir (prazer), e satisfaction (satisfação). Por
isso, acreditamos que o adjetivo “chique” utilizado nas falas dos enunciadores fará alusão a
esses valores.
Logo, os discursos que correlacionam aquele que sabe francês como uma pessoa
chique, do ponto de vista semântico, nos dariam margem para classificá-los tanto no domínio
de valor concernente ao Estético – ao referir-se à beleza da língua – quanto no domínio do
Hedônico – ao referir-se ao prazer e à satisfação proporcionados pela utilização da língua ,
visto que em algumas falas não é possível desmembrar a beleza da língua e da cultura
francesa do prazer e da satisfação que elas proporcionam.
Voltando às análises referentes aos trechos em que os enunciadores revelam como
acreditam que a disciplina de Língua Francesa seja vista pelos colegas e pela direção escolar,
identificamos nas falas julgamentos de valor ligados ao domínio do Pragmático – pelo fato da
disciplina não ser valorizada por não propiciar ao aluno uma aplicação prática em sua vida,
segundo os relatos. Não podemos deixar de mencionar a associação feita pelos colegas de
trabalho com relação ao professor de Língua Francesa e às representações que a França evoca
nos brasileiros, como a beleza, a cultura encantadora e o prazer proporcionados por elas.
Esses julgamentos de valor acabam se misturando nas falas abaixo, o que não nos permitiu
dissociar o domínio de valor Estético do Hedônico nas categorizações concernentes aos
exemplos 79, 80 e 81.
Domínio do Pragmático (com ênfase no Estético/Hedônico):
Exemplo 79: “Eu acho que tem duas visões. A visão do professor que é uma pessoa chique, acima do
normal e a da matéria que não é importante, e perguntam (os colegas): “O que os alunos vão fazer
com isso?” (enunciador W)
171
O enunciador W aponta para uma questão interessante e que merece ser comentada.
Esse enunciador nos remete à questão da identidade social do professor e a construção de seus
traços identitários. Para ele, a pessoa que sabe a Língua Francesa é vista como chique pela
sociedade, visto que nos imaginários sócio-discursivos, a França é concebida como um país
chique e onde as pessoas são muito cultas. Entretanto, naquele espaço escolar, parece que esse
saber não é valorizado. Logo, o “detentor desse saber” também não o será. Neste depoimento,
verificamos dois procedimentos semânticos: um no domínio do Estético/Hedônico e outro no
domínio do Pragmático. O primeiro justifica-se pela associação do professor que conhece a
Língua Francesa diretamente com a França, que é tida como chique, culta, bela. O segundo
aparece bastante explicitamente na frase “O que os alunos vão fazer com isso? Fica claro que
muitos professores desconhecem o objetivo de ensinar uma língua estrangeira na escola. Esse
discurso vem sendo recorrente em muitas das falas dos nossos entrevistados e reflete um
pouco do que é tido como verdade para o senso comum, ou seja, de que as disciplinas
importantes são Língua Portuguesa e Matemática.
Exemplo 80: “Eles acham que é uma língua muito difícil, até pra eles, então imagina para os
alunos”; “tem muito colega que acha surpreendente: “Ah, francês!” Não sabia que tinha francês”;
“eu acho que muitos pensam que não tem muito fundamento. Acham que tem que ser inglês e
espanhol. Francês é tão diferente então colocar pra que?.” (enunciador B)
Exemplo 81: “Eles acham que estudar francês não é para qualquer um”; “alguns professores quando
souberam que aqui tinha francês disseram surpresos: “Nossa! Eu não sabia que aqui tinha francês”;
“alguns colegas perguntam: Pra que eles vão estudar francês? E eu respondo que é para acessar
conhecimentos.” (enunciador R)
Poderíamos fazer a mesma análise acima para os trechos extraídos das entrevistas com
os enunciadores B e R. A opinião dos colegas de trabalho fica dividida entre o encantamento
pela língua, por sua beleza e ao prazer que ela lhes proporciona, que ficaria no domínio do
Estético/Hedônico e a relevância de ensinar uma língua estrangeira “tão diferente” como a
francesa, não lhe atribuindo um caráter útil, que ficaria no domínio do Pragmático. Aqui
acreditamos que os domínios Estético e Hedônico estejam imbricados uma vez que o primeiro
define os seres e os objetos com base em sua beleza e o segundo se pauta no prazer e na
satisfação proporcionados. A partir dos excertos acima (ex. 79, 80 e 81), parece estar
implícito nas falas dos entrevistados que, para os demais colegas e/ou direção escolar, o
172
francês é uma língua de elite. Por conseguinte, como grande parte dos alunos das escolas
públicas não pertencem à elite, esse conhecimento não serve para eles.
Trazemos novamente para o debate a sociologia da educação de Bourdieu que atribui à
escola o papel de reprodutora das desigualdades sociais, contribuindo para a solidificação das
relações de poder de uma classe em detrimento de outra. Para o sociólogo, as condições de
acesso ao conteúdo escolar não acontecem de maneira igualitária para todos os alunos uma
vez que cada indivíduo traz consigo uma bagagem social e cultural provenientes de sua
origem social que serão determinantes em sua relação com os conteúdos escolares. Essa
particularidade de cada aluno deve ser levada em consideração no âmbito escolar, o professor
deve reconhecer sua existência, promover meios para que a maioria dos alunos seja levada a
mobilizar seus conhecimentos prévios e dar condições para que o aluno aprenda
sistematicamente aquilo que já é um saber partilhado pelas classes dominantes. Assim, talvez,
classes dominantes e dominadas possam conviver em um espaço escolar em situação menos
desigual, considerando-se as diferentes realidades presentes em uma mesma sala de aula.
Logo, não é necessário privar os alunos das classes menos favorecidas de um saber, ainda que
esse se distancie de sua realidade. É imprescindível considerar que o aprendizado dos alunos
que possuem um capital cultural se fará de uma maneira distinta daqueles que não o
compartilham, por isso a forma de ensinar e de avaliar deve considerar essas diferenças.
Privar o aluno oriundo de uma classe social desfavorecida de um determinado conhecimento
por acreditar que ele não é capaz de assimilá-lo faz com que se continue a reproduzir as
condições de desigualdade em relação àqueles que são tidos como capazes de apreendê-lo.
Continuando nossas análises sobre a disciplina de Língua Francesa, abordaremos a
seguir como os enunciadores acreditam que as leis norteadoras do ensino brasileiro lidam com
a questão tão recorrente nas falas acima sobre a distinção entre os pesos das disciplinas e a
relevância da Língua Francesa na grade curricular.
5.2.3.2.5 Do ponto de vista das leis (segundo os enunciadores):
Na verdade, os dois únicos enunciadores que citaram explicitamente as leis que
normatizam o ensino foram os do Colégio Pedro II. Por essa razão, não foi possível identificar
a tese referente a tais argumentações. Além disso, os enunciadores mencionam aspectos
distintos relacionados às leis, mas atribuem também a elas a responsabilidade de não
173
colocarem as disciplinas em um mesmo patamar de importância. O domínio de avaliação
concernente a esses dois relatos seria o de Verdade. Ambos trazem para suas falas o saber que
possuem sobre as leis e definem de maneira absoluta a autenticidade das informações
relatadas por eles.
Domínio da Verdade:
Exemplo 82: “Não (não há documento oficial que fale do peso das disciplinas). Fica nas
entrelinhas.” (enunciador E)
O enunciador E diz que nos documentos oficiais não há referência explícita à questão
dos pesos das disciplinas. Porém, em alguns trechos do documento pode-se depreender que
eles existem.
Exemplo 83: “Na Lei de Diretrizes e Bases diz que o aluno tem que saber contar, falar, escrever.
Aquela coisa básica, aquilo que se você espremer fica.” (enunciador V)
O enunciador V faz uma crítica a Lei de Diretrizes e Bases no sentido de que tal lei
preza pelo conhecimento mínimo que deve ser ofertado ao aluno. Fica implícito então que a
disciplina de Língua Francesa não deve ser avaliada como essencial já que não cabe a ela
levar o aluno a desenvolver essas habilidades. A língua estrangeira pode até apoiar o
desenvolvimento das mesmas mas depende do trabalho realizado com as outras disciplinas.
Ao finalizarmos a análise desse item no qual a disciplina de Língua Francesa foi
colocada em destaque pelos nossos enunciadores que contribuíram não somente com a
imagem que fazem da mesma como também trouxeram seu olhar sobre os imaginários sócio-
discursivos que atravessam os discursos dos alunos, pais, dos colegas de trabalho e das leis,
concluímos que a opinião dos professores em início e fim de carreira é bastante semelhante
em relação ao desprestígio da disciplina, seja pelos colegas de trabalho seja pelos outros
membros da comunidade escolar. Os entrevistados reforçam o discurso da importância de
promover conhecimentos sobre a Língua Francesa e reiteram a relevância desse aprendizado
em uma tentativa de garantir o espaço da disciplina na grade curricular. Porém, segundo os
relatos, o esforço dos professores tem sido em vão.
Vale a pena ressaltar que a maior parte dos argumentos apresentados por nossos
enunciadores em seus autorrelatos baseia-se em julgamentos de valor Pragmático e Ético
174
quando o assunto envolve a disciplina de Língua Francesa. Eles trazem suas impressões sobre
como a disciplina é vista pela comunidade escolar e pelas leis que balizam o ensino baseadas
nos comentários e nas atitudes vivenciados no dia a dia da escola. Caberia ainda dizer que
dentro do domínio Ético, identificamos a forte presença dos valores de Justiça,
Responsabilidade e Esforço nas falas dos enunciadores. Eles se mostram descontentes com o
fato de se sentirem menos valorizados, até mesmo injustiçados, por terem feito tanto esforço
para vencer os oponentes e concluir o curso de Graduação. Para eles, essa desvalorização é
parcialmente de responsabilidade das leis e da escola que atribuem, ainda que implicitamente,
status diferenciados às disciplinas.
Dando continuidade às análises do nosso corpus, voltaremos nosso olhar para a
terceira pergunta do nosso segundo bloco temático em uma tentativa de conhecer os discursos
circulantes sobre o trabalho do professor de francês.
5.2.4 Atributos do professor de FLE
Ao elaborarmos a pergunta O que é necessário para ser um professor de FLE?,
tínhamos como propósito identificar os possíveis imaginários acerca do que seria
indispensável ao ensino de FLE na opinião dos professores atuantes nesse campo de ensino.
No terceiro capítulo dessa tese, debatemos alguns trechos dos documentos oficiais
acerca de como eles orientam a prática do professor para que o mesmo seja legitimado
enquanto profissional da educação. Vimos também no segundo capítulo, mais precisamente
na seção 2.5, uma descrição dos papéis desempenhados pelo professor e pelo aluno segundo
os imaginários sócio-discursivos circulantes. Contudo, objetivávamos ouvir dos próprios
professores características consideradas indispensáveis ao seu trabalho para que tivessem sua
prática legitimada. Tínhamos como hipóteses encontrar nos autorrelatos atributos como: falar
bem a língua, conhecer a gramática, conhecer a França, conhecer culturas francófonas, etc.
Alguns enunciadores confirmam nossas hipóteses. Entretanto, as falas de outros
enunciadores se voltam para aspectos comportamentais, como por exemplo, ter paciência e
não perder o controle. Pensamos que os enunciadores elencariam uma série de características
que julgassem inerentes à sua prática e se posicionariam em relação a elas, apresentando
possíveis argumentos que justificassem seus pontos de vista. Destarte, faremos uma análise
175
orientada pela lógica argumentativa, visto que os discursos dos enunciadores foram
organizados predominantemente pelo modo argumentativo.
Comentamos anteriormente que imaginávamos encontrar nas falas dos enunciadores
descrições sobre características que constituem possíveis imaginários acerca do que seria
indispensável no ensino de FLE na visão dos próprios professores de francês. Além disso,
esperávamos que esses enunciadores pudessem ir mais longe e apresentassem opiniões
favoráveis e desfavoráveis sobre a forma como sua prática é vislumbrada dentro das
instituições de ensino ou até mesmo na sociedade. Os argumentos utilizados pelos
enunciadores justificam a seguinte tese: ser professor vai muito além de passar um
conhecimento a alguém. A maioria dos autorrelatos dos enunciadores menciona
características inerentes ao imaginário que eles próprios manifestam sobre o que é ser um
professor de FLE e deixam transparecer, por trás de suas falas, o que as instituições nas quais
atuam supõem como atributos do professor.
Os procedimentos semânticos utilizados pelos enunciadores na organização dos
discursos predominantemente argumentativos dialogam com valores compartilhados
socialmente, sobretudo no âmbito do domínio do Ético. Há certo sentimento de incapacidade
em desenvolver um trabalho tal como ele é arquitetado pelos documentos oficiais elaborados
dentro e fora da instituição de ensino. Abaixo, seguem os relatos dos enunciadores retratando
as múltiplas funções do profissional de Língua Francesa:
Domínio do Ético:
Exemplo 84: “Eu acho que para ser professor de qualquer disciplina tem que ter uma vontade muito
grande de saber que seu tempo na sua casa você vai trabalhar, que vai levar muito trabalho para
casa, gostar do que faz, acreditar no que faz. Trabalhar língua estrangeira no colégio é muito mais
difícil do que trabalhar no curso. No curso você tem a sala montada, o aluno se inscreveu porque ele
quis, mas o curso não pode prescindir do colégio pois o primeiro contato do aluno com a língua
estrangeira é no colégio.” (enunciador V)
Exemplo 85: “Agora, para ensinar língua estrangeira em uma escola, você tem que gostar, porque
senão a pessoa desiste. O que você vê a questão do menos respeito, menos valor...”; “é muita
barreira. Eu comecei diferente, eu vi outro tipo de escola...”; “cada vez mais é o não poder, o
professor não pode isso, não pode aquilo. Então resta muito pouco para a gente poder. Eu não sou
boazinha. Eu sou exigente e chata. Acho que isso é pré-requisito de professor senão não funciona.”
(enunciador W)
176
Para esses dois enunciadores em fim de carreira, V e W, ser professor requer uma
dedicação muito grande ao trabalho, já que muitas das tarefas demandadas por essa profissão
precisam ser executadas em espaço distinto da sala de aula. O enunciador V defende um
aspecto mencionado pelos PCNs acerca da oferta do ensino de língua estrangeira na escola. O
documento enfatiza que “seu ensino, como o de outras disciplinas, é função da escola, e é lá
que deve ocorrer.” 24
Ele se queixa de não dispor dos recursos mínimos para preparar suas
aulas nos moldes preconizados pelos documentos normatizadores. O enunciador W aponta
para a questão da falta de liberdade do professor, revelando que ele tem cada vez menos voz
em seu campo de atuação. Em sua opinião, uma característica comum aos professores é ser
exigente e chato. Em meio a tantas dificuldades, concluem que para ocuparem esse cargo
precisam contar com uma motivação pessoal para vencerem os obstáculos sem se deixarem
levar pelo desânimo. Curioso perceber que na opinião dos enunciadores atuantes em escolas
públicas trabalhar a língua estrangeira na escola implica um maior grau de dificuldade do que
em um curso privado, alegando que no curso há uma estrutura física adequada para esse
ensino e o aluno deseja aprender a língua estrangeira. Com base nesses relatos, sobressaem
dentro do domínio do Ético os valores de Responsabilidade e Justiça, o primeiro relacionado
ao compromisso do profissional em se aproximar do modelo idealizado pelos imaginários
sócio-discursivos e o segundo pelo sentimento de impotência para realizar sozinho as
mudanças que lhe são impostas no campo da educação sem que haja meios para fazê-las.
Exemplo 86: “Eu sempre imaginei que fosse passar cultura e questionamento...”; “mas acho que
essa postura tá cada vez mais desaparecendo para o dinamismo, para a animação”; “eu sou da
época em que professor é que falava. O aluno ficava calado. Isso mudou, agora o aluno é o centro. Eu
acho que o bom professor é um animador, reúne várias coisas além da língua e sabe escutar. O aluno
quer ser amado, escutado. Então você ainda tem que dar atenção ao cliente, saber ouvir, detectar os
problemas em sala de aula. É muita coisa para dominar. Para ser um bom professor agora tá sendo
uma arte.” (enunciador A)
Exemplo 87: “Para ser um bom professor de francês hoje em dia, no contexto da Aliança, tem que
procurar se adaptar aos diferentes contextos. Seja o público adolescente ou adulto, seja criança.
Estar aberta para essa adaptação. Eu procuro tá sempre me atualizando, sempre pesquisando,
fazendo aulas dinâmicas, jogos, fazendo eles produzirem a língua o tempo todo e permitindo que a
aula seja agradável”; “(trabalhar) dentro da perspectiva que é a “Actionnelle” aqui da Aliança. Eu
sou muito apegada ainda ao método comunicativo e até mesmo ao tradicional, essa coisa de folhinha,
24
Trecho retirado dos Parâmetros Curriculares Nacionais de ensino de 5ª à 8ª série de língua estrangeira, página
19.
177
de gramática. Para essa realidade daqui eu tenho que me desvincular, me adaptar mais a essa coisa
da ação, do aluno como ator social. ” (enunciador M)
O enunciador A acredita que ser professor de francês é poder ligar as duas culturas
(brasileira e francófona). Entretanto, para o curso em que trabalha, ser professor é dominar a
língua, ser um animador, saber manusear os diversos recursos didáticos (TBI – quadro branco
inteligente, data-show), dar aulas dinâmicas, “dar atenção ao cliente, saber ouvir, detectar os
problemas em sala de aula”, etc. O professor ainda é submetido a seguir a abordagem
metodológica de ensino utilizada pela instituição, concordando ou não. Nesse caso, por
exemplo, o enunciador parece não estar completamente satisfeito com o fato de o professor ter
um papel periférico no ensino da língua estrangeira, devendo seguir os pressupostos da
metodologia acional em vigor na instituição em que trabalha. Vemos mais uma vez como o
trabalho do professor se multiplica, indo do campo do saber, passando pelo campo
tecnológico e indo rumo ao campo psicológico. Para essa instituição, o aluno passa a ser visto
como cliente e torna-se dever do professor agradá-lo a fim de mantê-lo inscrito no curso.
Logo, o professor atribui para si todas essas responsabilidades e se esforça para desempenhá-
las com sucesso, ainda que muitas vezes o resultado não seja satisfatório.
Os enunciadores A e M trazem para a discussão o “modelo” de professor idealizado
pelo curso privado Aliança Francesa. O enunciador em fim de carreira vai ao encontro do que
havíamos previsto encontrar no corpus aliando o saber da língua como requisito fundamental
para ser considerando um bom professor de francês. Esse enunciador reitera que na instituição
em que trabalha faz parte das atribuições do professor saber manusear os diferentes
instrumentos didáticos que lhe são disponibilizados, fazendo com que sua aula seja
“animada”. Para ele, além do professor saber a língua e dar uma aula de qualidade, atualmente
ainda precisa dar conta de mais essas funções. O enunciador M concorda com seu colega que
preparar aulas dinâmicas e animadas sejam recomendações da empresa em que trabalham.
Esse último menciona ainda a importância de se manter sempre atualizado em uma tentativa
de preparar aulas tidas como padrão em sua instituição. Aqui fica clara a posição de um
professor em início e em fim de carreira. O mais antigo busca aprimoramento de sua prática
participando de cursos de atualização e o segundo entende que saber utilizar todos os recursos
multimídias é uma atribuição a mais para si. De qualquer forma, ambos desempenham o papel
de agentes na execução dessas tarefas visto que elas são designadas pela diretoria do curso
como essenciais ao trabalho do professor. Cabe também comentar como o texto do Quadro
178
Europeu Comum de Referência para as Línguas atravessa o discurso do enunciador M ao
mencionar seu empenho em cumprir com os pressupostos da metodologia de trabalho
sugerida por esse documento e exigida pelo curso privado Aliança Francesa. Aqui
identificamos dentro do domínio do Ético os valores de Responsabilidade e
Esforço/Superação.
Exemplo 88: “Acima de tudo estar muito motivado, tem que saber o conteúdo, paciência, jogo de
cintura e tentar mostrar ao aluno que aquilo pode ser útil em algum momento da vida dele.”
(enunciador E)
O enunciador E, da rede federal, elenca a paciência como virtude essencial ao
professor para que consiga manter o controle emocional equilibrado nas situações adversas
com as quais se depara diariamente. Ele revela a necessidade de estar motivado para
desenvolver esse ofício e pontua o conhecimento do conteúdo a ser ensinado como
importante, assim como seus colegas do curso privado.
Exemplo 89: “Formação em língua estrangeira, conhecer o seu público, mostrar que ali, no caso do
município, você representa o Estado, o poder...”; “o professor tem que saber que ele não pode
perder o controle”; “também é importante saber que o professor não deve ficar estático em sala de
aula. Eu tenho 21 anos de magistério e eu passo a aula inteira em pé, eu vou ao fundo da aula.
Também tem que pensar em propor algo prazeroso ao aluno. De que adianta só trabalhar a
gramática, objeto direto, indireto?” (enunciador N)
O enunciador N elenca como atributos essenciais para o professor de francês “ter
formação em língua estrangeira, conhecer seu público”, ter controle emocional, ter um papel
“ativo” em sala de aula e buscar propor atividades prazerosas ao aluno. Ao nos depararmos
com essas duas últimas tarefas a serem cumpridas pelo professor, notamos claramente a
interferência das vozes presentes nos discursos oficiais, uma vez que os PCNs relatam que “as
aulas de Línguas Estrangeiras Modernas nas escolas de nível médio, acabaram por assumir
uma feição monótona e repetitiva que, muitas vezes, chega a desmotivar professores e
alunos”. 25
Queremos também retomar um ponto tratado no segundo capítulo dessa tese,
precisamente na seção 2.7, no qual, à luz da teoria de Charaudeau (2005), debatemos a
questão das máscaras aliadas ao local de atuação do professor. Pensamos que o professor se
25
Trecho retirado dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio de língua estrangeira, página 25
179
utiliza de uma máscara diferente em cada local de trabalho e, por trás dela, carrega os
princípios que regem aquela instituição. Nesse caso, o enunciador N se coloca como
representante da rede municipal quando entra em uma sala de aula dessa rede, trazendo para si
a Responsabilidade de desempenhar mais esse papel.
Ainda no domínio do Ético, o trecho abaixo revela o desafio do professor em lidar
com turmas numerosas e heterogêneas, tarefa que faz parte da rotina de um professor ainda
que esteja em início de carreira.
Exemplo 90: “Então além de ter que abrir mais vagas, ter mais valorização e ter muita courage,
courage, courage!!! Encarar uma turma com 40 alunos assusta, nossa! Uma turma imensa e eles não
são disciplinados muitas vezes, não estão interessados naquilo que você está dizendo, não deixam
você falar, nem você se apresentar...” (enunciador B)
Esse enunciador em início de carreira integrante do corpo docente da rede estadual nos
lembra da falta de vagas e de valorização ao professor de Língua Francesa. Para os poucos
profissionais que restam na rede do Estado do Rio de Janeiro, mais precisamente cinquenta e
oito, ele menciona como qualidade importante que o profissional tenha muita coragem, muita
força para lidar com a realidade de sala de aula. Logo, destacam-se como domínios de valor o
da Responsabilidade e o do Esforço/Superação, visto que o profissional assume o
compromisso perante a rede e aos alunos de desempenhar o seu papel mesmo que para isso
precise vencer as adversidades do dia a dia em sala de aula.
O enunciador M, em outro momento da entrevista, nos mostra em uma outra
perspectiva o que ele acredita ser necessário para ser professor de francês. Ele se utiliza de
procedimentos semânticos voltados para os domínios do Estético e do Hedônico. Esses dois
domínios se combinam à medida que a beleza da língua provoca um sentimento de satisfação,
de prazer.
Domínio do Estético (com ênfase no Hedônico):
Exemplo 91: “Para mim essa imagem do professor de francês tá condicionada com as imagens da
França, do país, com a cultura belíssima, encantadora, que tem essa coisa do glamour. E para mim
ser professor de francês língua estrangeira, eu tento passar isso para os meus alunos. Essa paixão,
esse gosto de estudar o francês. Que é uma língua e uma cultura encantadora, sabe?” (enunciador
M)
180
O novato dentre os enunciadores acredita que ser professor de francês remeta a
questões ligadas ao campo da beleza – Estético – e ao campo do prazer – Hedônico. Em sua
opinião, a imagem do professor precisa estar condicionada à belíssima cultura francesa, ao
glamour, ao encanto proporcionado por essa cultura belíssima. Ele relata seu desejo em
convencer seu aluno a se interessar pelo francês dando testemunho de sua paixão pela língua.
Interessante resgatar esse ideal de profissional no discurso de um professor em início
de carreira que somente tenha atuado em cursos livres. Essa imagem de professor de francês
está realmente mais arraigada no imaginário daqueles que trabalham no curso privado de
Língua Francesa. Conforme vimos acima, o enunciador A gostaria de ser um elo entre a
cultura brasileira e a francófona, suscitando em seus alunos a possibilidade de ver o mundo
através de outro enfoque. Entretanto, já se encontra parcialmente conformado em ter que
desempenhar outros papéis em sala de aula, papéis distribuídos pela sua instituição. O
enunciador M, ainda mantém o firme propósito de ser um representante da cultura francesa.
Aqui reside uma distinção marcante entre professor em início e em fim de carreira.
Prosseguiremos nossas análises com base na última pergunta do roteiro de entrevista
realizada com nossos oito enunciadores.
5.2.5 O Trabalho do professor de FLE
Passaremos para a análise dos enunciadores sobre o seu trabalho enquanto docentes de
Língua Francesa. Na seção 5.2.4, nosso objetivo era o de recuperar traços característicos do
professor de francês em sua própria visão. Agora, sob o comando Atribua características ao
trabalho do professor de FLE, seguido das perguntas Como você acha que seus alunos veem
seu trabalho? E seus colegas de trabalho? E a sociedade?, presumimos encontrar nos
discursos dos enunciadores representações de como seu trabalho é visto pelos membros da
comunidade escolar e pela sociedade em geral. Acreditamos resgatar os interdiscursos
circulantes sobre o trabalho desse profissional. Por outro lado, estamos convictos de que os
enunciadores trarão em suas falas argumentos que respaldem seu trabalho justificando a
importância de sua profissão. Por essa razão, faremos a análise orientada pela lógica
argumentativa. A fim de contemplarmos as visões externas sobre o trabalho do professor de
francês, organizaremos as análises em três subitens: como o professor de LE acha que seu
181
trabalho é visto pelos alunos, como o professor de LE acha que seu trabalho é visto pelos
demais colegas, como o professor de LE acha que seu trabalho é visto pela sociedade.
Na sequência, daremos início às análises seguindo a ordem descrita acima.
5.2.5.1 Como o professor de LE acha que seu trabalho é visto pelos alunos:
Diante dos argumentos expostos pelos enunciadores, depreendemos que circula em
seus imaginários a tese de que o trabalho do professor de Língua Francesa precisa satisfazer o
desejo do aluno , seja essa uma satisfação de prazer ou uma satisfação concreta com fins
imediatos. Nossa análise será orientada pela lógica argumentativa visto que esse foi o modo
de organização que prevaleceu no discurso dos professores em relação a este item. Assim,
identificamos dentre os discursos abaixo, julgamentos de valor concernentes a dois domínios:
Pragmático e Hedônico.
Nas falas dos próprios entrevistados, vejamos o que eles acreditam fazer parte do
imaginário de seus alunos para que sejam legitimados em seu trabalho. Começaremos a
análise pelo domínio do Pragmático seguido do domínio Hedônico.
Domínio do Pragmático:
Exemplo 92: “Acho que se eles não entenderem a utilidade não há interesse. Eles precisam ver uma
utilidade, uma finalidade.” (enunciador E)
O enunciador E, do colégio da rede federal, afirma que o interesse dos alunos está
atrelado a uma possível utilidade prática do idioma na vida deles.
Exemplo 93: “Querem essa coisa de motivação, de dinamismo o tempo todo”; muitos querem
aprender o francês para ontem.” (enunciador M)
Exemplo 94: “(o aluno) tem medo do silêncio, da reflexão”; “querem ação o tempo todo”; “não
sabem o que querem”;“os alunos estão querendo tudo muito motivante”; “a aula (segundo os alunos)
tem de virar um jogo eletrônico para agradar.” (enunciador A)
Para os enunciadores M e A, ambos do curso privado de Língua Francesa, os alunos
demandam aulas dinâmicas, interativas. A implicação direta desse desejo é que o trabalho do
professor se volte para a elaboração de atividades lúdicas, que despertem o interesse do aluno.
182
Seguiremos com as falas dos outros quatro enunciadores que se posicionaram sobre
esse tema, trazendo o prazer como responsável pela satisfação do aluno em aprender a língua
estrangeira.
Domínio do Hedônico:
Exemplo 95: “A gente comenta sobre essa desvalorização da escola, mas as crianças vão gostar de
você e vão te valorizar.” (enunciador N)
Exemplo 96: “Os meus alunos sabem como é que eu trabalho e gostam”; “alunos já me disseram que
nunca tiveram uma professora tão dedicada”; “parece que você é um representante da França,
sobrinha do Sarkozy. Qualquer coisa que passe na televisão falando da França, pode contar que todo
mundo vai falar que lembrou de você. Tanto aluno, quanto colega, quanto direção”; “eles respeitam
o meu trabalho”; “eles não gostam de estudar porque não entendem o que estão fazendo ali.”
(enunciador W)
Os enunciadores N e W, ambos da rede municipal, acreditam que os alunos gostem
do aprendizado de Língua Francesa. Porém, deixam claro que o gostar ou não gostar está
intrinsecamente ligado ao domínio afetivo, da relação construída entre professor e aluno. Para
o enunciador W, os alunos o veem como um representante da França e de sua cultura e que
por se mostrar dedicado, os alunos o respeitam.
Exemplo 97: “Eles vão fazendo uma coisa aqui outra coisa ali, é agradável e não tem aquela pressão
de conseguir a nota. Porque se eles fazem eles vão conseguir. Tá embutido no processo” (enunciador
B)
Exemplo 98: “Eu passo textos fáceis no começo, né? Mas eu boto o desenho no quadro. Aí eles
começam a ver palavras que são iguais em português. Eles veem que não tem mistério; “eu acho que
eles gostam muito de língua estrangeira. É uma novidade.” (enunciador R)
Os enunciadores da rede estadual, B e R, concordam com os colegas da rede
municipal que a empatia gerada entre professor e aluno possa despertar o interesse pela língua
estrangeira. Contribui também para esse interesse a proposição de atividades que “facilitem” a
aprendizagem e tornem a aula agradável. Além disso, os enunciadores revelam que a
disciplina acaba não tendo a mesma “pressão” das outras pelo fato de não reprovar e que a
aula acaba se tornando menos “tensa”.
Aqui cabe um comentário pertinente acerca do contrato de comunicação na sala de
aula apresentado por Charaudeau (1993). Ao atribuir as tarefas concernentes ao aluno dentro
desse circuito comunicacional, o autor afirma que o mesmo tem a obrigação social de
183
aprender porque tal conhecimento lhe será útil. Caso haja alguma falha nesse aprendizado, o
contrato estará ameaçado. Daí a frustração e a queixa de tantos professores. Eles alegam
“cumprir suas tarefas” mas não veem o mesmo empenho dos alunos em desempenhá-las com
êxito, o que acaba por colocar sua identidade social em risco.
Outro aspecto que merece ser levado em consideração é quanto ao papel “menos
ativo” do aluno. Charaudeau (1993) diz que a identidade do aluno está atrelada a um estado
do não saber e de não ativo. Entretanto, ao elencar os objetivos atribuídos a ele, menciona
seus dois “deveres”: o de aprender e o de provar que aprendeu. Entendemos assim que nesses
dois momentos o aluno deixe essa passividade e se coloque no papel de ator, de agente do
conhecimento. Porém, é recorrente a reclamação dos professores de que seus alunos ficam
“aguardando a chegada do conhecimento” como se o processo de ensino/aprendizagem não
exigisse deles qualquer esforço. Entretanto, ao avaliarmos o comportamento desses
enunciadores que agora lamentam a postura de seus alunos, também presenciamos uma
atitude passiva nesse processo. De acordo com o subitem 5.1.2.1, apenas dois dos oito
enunciadores entrevistados se colocaram como agentes do aprendizado. Logo, vemos que essa
postura é bastante comum nas salas de aula das escolas aqui representadas.
Chegamos à conclusão de que há um paradoxo em relação às abordagens de ensino e à
prática de sala de aula. As metodologias de ensino apontam para um novo perfil de aluno e o
coloca como centro da aprendizagem. Preconizam um professor menos ativo em sala de aula,
que não desempenhe o papel de protagonista, idealizam um animador no processo de
ensino/aprendizagem. Todavia, segundo os relatos, essa realidade ainda se encontra bem
distante da nossa.
A seguir, exporemos os trechos das entrevistas em que são apresentados os possíveis
imaginários discursivos partilhados pelos colegas a respeito trabalho do professor de francês.
5.2.5.2 Como o professor de LE acha que seu trabalho é visto pelos colegas:
A tese dos enunciadores é de que o profissional de Língua Francesa é respeitado. Vale
a pena relembrarmos aqui as duas facetas presentes nos imaginários sócio-discursivos: o
profissional tido como aquele que detém o conhecimento de uma “língua de cultura” e o
professor da disciplina de Língua Estrangeira, desvalorizada e com propósito desconhecido.
Essas duas concepções estão presentes nos discursos dos enunciadores que transcreveremos
abaixo. Em relação a nossa análise, detectamos que os discursos trazem julgamentos de valor
184
concernentes aos domínios Ético e Hedônico. As avaliações do domínio Ético são associadas
a um professor de francês reconhecido pelo compromisso com o seu trabalho e as avaliações
do domínio Hedônico trazem marcas discursivas que associam o professor à França e a todos
os sentidos ligados ao prazer em relação com os projetos e ações humanas.
A seguir, os trechos das entrevistas seguidos de nossas análises balizadas pela lógica
argumentativa visto que esse foi o modo de organização que prevaleceu no discurso dos
professores em relação a este item.
Domínio do Ético:
Exemplo 99: “Sou respeitada, sou certinha, responsável, gosto de me dedicar”; “dentro da escola eu
acho que a desvalorização é meio sem querer, não é algo pensado.” (enunciador E)
Exemplo 100: “Eles (os colegas) me respeitam pelo tempo que eu tô aqui, por sentirem que eu
procuro me dedicar.” (enunciador V)
Na opinião dos enunciadores E e V, os colegas das outras disciplinas os respeitam
enquanto profissional pois se mostram dedicados, responsáveis e capazes. Aqui o valor de
Responsabilidade sobressai, pois é graças ao engajamento do professor com o seu trabalho
que ele adquire o reconhecimento dos outros.
Seguindo com nossas entrevistas, acreditamos que os argumentos trazidos pelos
enunciadores N e W tragam valores ligados ao domínio do Ético. Para explicarmos melhor
nossa conceitualização, ilustraremos com as falas dos entrevistados.
Domínio do Ético:
Exemplo 101: “Os professores falam: “Aquele é o professor de francês”. Não é visto pela instituição
assim, a instituição diz: “É um professor de francês””; “os colegas nos veem como a elite cultural.”
(enunciador N)
Exemplo 102: “Os meus colegas me respeitam demais profissionalmente. Eles me veem como uma
pessoa capaz. A minha diretora acha que eu sou o máximo”; “parece que você é um representante da
França, sobrinha do Sarkozy. Qualquer coisa que passe na televisão falando da França, pode contar
que todo mundo vai falar que lembrou de você. Tanto aluno, quanto colega, quanto direção” ;
“acham (os colegas) o francês uma coisa acima, é um diferencial. Essa é a reação em todo lugar. É
uma coisa importante.” (enunciador W)
185
Para os enunciadores N e W, os colegas os veem como a elite cultural, como se
possuir o saber, o domínio da Língua Francesa, fosse “algo acima”, “importante”,
justificando assim o domínio de valor ligado ao campo do Ético. O enunciador N sente-se
mais valorizado pelos colegas do que pela própria instituição em que trabalha. Ele acredita ser
uma referência para seus colegas que o veem como elite cultural, como aquele que foi capaz
de aprender essa língua. Essa associação deve-se ao fato de que, no passado, somente os
filhos de pessoas abastadas tinham o privilégio de estudar francês. Logo, circula até hoje nos
imaginários sócio-discursivos que os estudos dessa língua estrangeira são restritos a um
determinado grupo. Ou então, os colegas o associam à imagem da França como o berço da
cultura. O enunciador W reitera sua imagem enquanto uma pessoa que foi capaz de aprender
uma língua menos comercial nos dias de hoje e por isso é visto diferentemente pelos seus
colegas, por ter um “saber” partilhado por um grupo limitado.
Os enunciadores da rede estadual também comentam essa forte ligação feita entre eles
e a França, sobretudo no âmbito da beleza, porém limitam-se a essa questão. Por essa razão, o
domínio de avaliação presente em suas falas restringe-se ao domínio do Estético.
Domínio do Estético:
Exemplo 103: “a maior parte sim (a maior parte dos colegas me veem como uma pessoa culta) e
dizem que eu sou muito chique”; “eles seguem um pouco essa coisa do estereótipo.” (enunciador B)
Exemplo 104: “Eles acham que a gente é chique.” (enunciador R)
Os enunciadores B e R reforçam a questão dos estereótipos alegando que são vistos
como pessoas chiques e cultas, justamente por serem essas algumas das imagens da França
presentes nos imaginários dos brasileiros.
5.2.5.3 Como o professor de LE acha que seu trabalho é visto pela sociedade:
Pudemos notar nas falas dos enunciadores que a tese por eles defendida é que o
professor de Língua Francesa tem um status diferenciado dos outros por conta da influência
da representação da França nos imaginários sócio-discursivos. Na opinião de seis dentre os
oito enunciadores, a sociedade não valoriza a profissão de professor. Entretanto, segundo eles,
186
o professor de francês é visto com afeição. Mais uma vez, entramos no campo do domínio
concernente ao Estético visto que, segundo os enunciadores, esse apreço está vinculado à
França cujos valores circulantes nos imaginários sócio-discursivos dos brasileiros remetem à
beleza, cultura, requinte e ao prazer que eles proporcionam.
Nossas análises orientadas para a lógica argumentativa serão expostas abaixo, logo
após os trechos das entrevistas relativos à pergunta Como você acha que a sociedade vê o seu
trabalho? Esse foi o tipo de modo de organização que prevaleceu no discurso dos professores
em relação a esse item.
Domínio do Estético:
Exemplo 105: Quando falo que sou professora escuto: “Nossa, como aguenta?”. Quando falo que
sou professora de francês escuto um: “Que chique!” “Bonito!”; “quem tá de fora e não tem noção
do que acontece dentro da escola fica só no superficial: “bonito, chique”.” (enunciador E)
Exemplo 106: “Professor de maneira geral não é muito valorizado pela sociedade”; (sobre o
professor de francês) “as pessoas acham interessante, e dizem: sempre gostei de francês, acho lindo”;
“a imagem que as pessoas têm de que tudo que é ligado a França é chique, é fino, é de qualidade.
Então todo mundo tem vontade de aprender, a gastronomia, a moda... Tudo que envolve a França tem
glamour.” (enunciador V)
Exemplo 107: “A sociedade diz: “Ah, coitada!” (quando digo que sou professora)”; “aí quando fala
que é de francês, que é uma coisa diferente, que tem mais status, aí melhora um pouquinho. Mas
quando você diz professora, o estigma já tá lá”; “eu sinto isso da escola estadual (esse estigma). Na
escola particular onde eu trabalho não é assim. Eu sou “hors concours”, sou “a professora de
francês”. Que maravilha! Nosso colégio tem francês. Pra eles, é um status ter o curso de francês no
colégio, pro particular é um “plus”. Mas o Estado não encara assim. O Estado encara como mais
uma língua estrangeira e dentre elas a que está em terceiro lugar.” (enunciador B)
Exemplo 108: “Talvez até por essa visão muito voltada para a cultura, parece que você é uma pessoa
que tá acima do normal, da capacidade normal de todo mundo, que você é mais culto do que todo
mundo. E você é representante dessa cultura”; “é a coisa mesmo da contradição da sociedade como
um todo, que valoriza aquele que sabe aquilo, que tem aquele saber mas que ao mesmo tempo não
valoriza a aquisição desse saber”;“agora vai entender porque eu sou tão importante porque sei e não
sou tão importante quando ensino, se é a mesma coisa.” (enunciador W)
Para os enunciadores E, V, R e W, a profissão de professor não é valorizada pela
sociedade. Os enunciadores E, V e W reforçam a questão dos estereótipos que havíamos
comentado anteriormente, sobretudo no que tange à beleza da língua. O enunciador B
187
polemiza a importância dada ao professor de francês na escola particular onde trabalha e ao
desprezo da rede estadual por esse profissional.
Exemplo 109: As pessoas ainda veem o francês com um certo status”; “quando as pessoas notam que
você fala francês elas te observam de outra forma”; “tem eu e tem o professor de francês. Para a
sociedade, a gente termina sendo o profissional e não a pessoa”; “acho que a sociedade me vê como
uma pessoa que tem todas as fraquezas que todo cidadão pode ter”; “agora como detentor da língua
francesa sendo brasileiro, eles veem com bons olhos, em todos os lugares, quando você vai fazer uma
compra numa loja e você diz que é professor de francês, a pessoa diz: “Francês!” e aí o tratamento é
completamente diferente. É muito bem visto” ;“eu ouço assim as pessoas dizerem: “Eu não sei nada
de francês, sou analfabeto em francês, mas eu adoro francês.” (enunciador N)
O enunciador N, assim como seu colega da rede municipal, enunciador W chamam
atenção para o fato de haver uma separação entre aquele que sabe a Língua Francesa e aquele
que a ensina na escola. Para eles, há uma contradição na sociedade, já que ela o valoriza
enquanto detentor desse saber e representante dessa cultura mas o desvaloriza enquanto
professor da escola que tem a missão de ensinar a língua e a cultura aos seus alunos.
Exemplo 110: “Ah, eu acho que é diferente” (dizer que é professor e dizer que é professor de
francês); “na sociedade é (mais bem visto ser professor de francês). Eu acho.” (enunciador R)
O enunciador R também acredita que a sociedade veja distintamente o professor do
professor de francês. No entanto, não justifica seu posicionamento.
Ser professor de francês, na opinião dos enunciadores E, V, N, W, B e R ainda possui
algum status, é visto como um diferencial. Eles acreditam que os imaginários sócio-
discursivos da sociedade brasileira atribuem à França características como: chique, linda,
encantadora, com glamour, capital da moda e da gastronomia, pessoas cultas, etc. Logo, as
pessoas acabam associando esses traços à figura daquele que possui o conhecimento da
Língua Francesa. Assim, ele é visto positivamente pela sociedade.
Vejamos a seguir a opinião de dois enunciadores sobre esse tema que vão de encontro
às demais.
Exemplo 111: “Acho que a sociedade não vê como um trabalho motivante”; “ela vê uma outra
coisa.” (enunciador M)
188
Exemplo 112: “Eu não sei se motivante, porque com todos os recursos que nós temos, eu acho que
fica difícil motivar. Você pode botar o que for que ainda não é o máximo.” (enunciador A)
Os enunciadores M e A, ambos atuantes no curso privado de Língua Francesa, não
são objetivos em suas argumentações. Logo, não temos como fazer uma análise refinada sobre
a visão que acreditam que a sociedade possui sobre o professor de francês. De qualquer
forma, os discursos dos enunciadores concordam que a sociedade não vê o trabalho do
professor de francês como “motivante”, ou seja, não é um trabalho fascinante, surpreendente.
É justamente o contrário de todos os argumentos expostos acima nos quais sobressaíram
julgamentos de valor ligados ao domínio do Estético. Todavia, vale a pena esclarecer que
todos os outros enunciadores associaram o trabalho do professor à figura do professor.
Apenas os enunciadores M e A pontuaram as visões da sociedade estritamente direcionada
para o trabalho, sem associá-lo ao profissional que o desenvolve.
Diante de todos esses relatos, fica claro que os entrevistados gostariam de conquistar
um espaço em que fossem mais valorizados em sua profissão. As condições de trabalho
citadas estão muito aquém das almejadas. Os enunciadores das escolas públicas apresentam
como oponentes a falta de estrutura física e material para o desenvolvimento de um trabalho
de qualidade segundo os padrões descritos nos documentos oficiais. Muitos se sentem
culpados por não cumprirem as atribuições presentes nesses textos e sentem que sua
identidade social está ameaçada. Porém todos enfatizam o desejo em buscar aperfeiçoamento
profissional visando atender a tais recomendações. Além disso, também demonstram
insatisfação pelo fato de a disciplina de Língua Francesa possuir status e prestígio diferentes
de algumas outras disciplinas. Os enunciadores do curso privado Aliança francesa enfatizam a
cobrança excessiva da direção da instituição como principal oponente ao trabalho. Há
exigência de que os professores preparem aulas magníficas, utilizem recursos audiovisuais,
saibam manusear ferramentas de Internet, estejam disponíveis para trabalhar com qualquer
faixa etária e em todas as filiais da rede Rio, inclusive aos sábados, participem de cursos de
formação, sigam a metodologia de ensino/aprendizagem imposta pela coordenação
pedagógica, etc.
Os enunciadores se colocam no papel de agentes do processo de ensino/aprendizagem
mas pontuam que seus alunos não se colocam no papel de agentes do aprender. Segundo a
189
concepção de Charaudeau (1993), para que o contrato de sala de aula tenha êxito, professor e
aluno devem cumprir suas atribuições a contento. Caso os sujeitos implicados não assumam
seus respectivos papéis, o contrato terá fracassado. Todavia, vale a pena retomarmos um
comentário feito anteriormente de que nossos entrevistados enquanto ocuparam o papel de
alunos também se mostraram bastante passivos ao processo de ensino/aprendizagem. Talvez
essa postura seja consequência das metodologias de ensino que idealizavam um modelo de
professor como centro do processo e o aluno como um ouvinte ideal.
Bourdieu muito criticou essa postura escolar. Para ele, o conhecimento levado pelo
professor para a sala de aula era uma reprodução dos valores da classe dominante. Cabia à
classe dominada aceitar e reconhecer aquele saber como legítimo. Não se percebia que aquele
saber era distante da realidade da classe dominada e que essa teria muito mais dificuldade
para aprendê-lo do que os alunos da classe dominante que dispunham de um capital cultural.
Com o avanço dos estudos na área de aquisição de conhecimento, temos presenciado a
chegada de novas abordagens metodológicas que têm priorizado o aluno como centro da
aprendizagem, como aquele que deve mobilizar seus conhecimentos prévios e interagir com o
conhecimento. Preza-se que o saber levado ao aluno faça sentido para ele e que ele veja uma
aplicação prática daquele saber em sua vida. Assim, somos levados a pensar que os alunos do
curso privado de Língua Francesa, tidos como menos indisciplinados e menos
desinteressados, segundo professores da instituição, ajam dessa forma por acreditarem que
aquele saber poderá lhes ser útil em algum momento, seja para estudos de Pós-Graduação,
seja para uma nova oferta de trabalho, seja para uma viagem de turismo. Pressupõe-se que
haja maior interesse por parte desse aluno pelo fato de ele próprio ter desejado se inscrever no
curso e por ter se comprometido a pagar sua mensalidade. Em contrapartida, a maioria dos
estudantes das escolas públicas não deve ter a dimensão do que o aprendizado de uma língua
estrangeira pode acrescentar em suas vidas, talvez pelo fato dessas três motivações citadas
acima estarem bastante distantes de suas realidades de vida. Todavia, o que os enunciadores
tentam mostrar é que não é só com esses fins que se busca aprender uma língua estrangeira.
Esse aprendizado possibilita um novo olhar para o mundo, o contato com outras experiências
e com outras culturas, a leitura de outras literaturas, etc. Porém, parece que nem alunos nem
membros da comunidade escolar conhecem a riqueza de valores sociais, culturais e pessoais
proporcionada por esse saber.
190
Ficamos surpresos em nos depararmos com desejos, críticas e insatisfações tão
semelhantes advindas de professores em início e em fim de carreira. Acreditávamos encontrar
junto aos professores recém-formados um discurso mais “deslumbrado” e “ufanista” sobre a
educação e sobre a esperança de dias melhores nas salas de aula. Por outro lado,
imaginávamos que os professores mais antigos na profissão apresentassem um discurso de
“lamúrias” e de “desencorajamento” sobre a profissão. Contudo, o que presenciamos foram
discursos de professores orgulhosos da profissão que escolheram e que se apresentam como
“defensores” da Língua Francesa e “guerreiros” dispostos a lutar por sua permanência nas
escolas dada a sua relevância na vida de uma pessoa. Grande parte dos enunciadores diz
conhecer suas atribuições e a identidade social que devem assumir em cada instituição onde
atuam. A reclamação de quase todos é a falta de apoio das instituições e de recursos físicos e
materiais.
Apresentaremos no próximo capítulo considerações que nos conduzam a estabelecer
algumas conclusões permitidas pela pesquisa.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este capítulo tem por objetivo apresentar algumas conclusões dando destaque aos
temas e aos resultados mais expressivos. Para isso, retomaremos brevemente o caminho
investigativo trilhado ao longo dessa tese.
Introduzimos a tese apresentando nossa proposta de estabelecer uma relação entre o
trabalho do professor não nativo de línguas estrangeiras, em especial de francês e a construção
de traços constituintes de sua identidade social e discursiva. Colocamos o foco no professor
de francês, mas acreditamos que professores de outras línguas estrangeiras possam se
identificar com a realidade apresentada por eles e compartilhem traços identitários comuns.
Nesse primeiro momento, explicitamos as motivações pessoais que nos levaram a desenvolver
este trabalho, influenciadas por experiências profissionais, enquanto agente do ensino,
observando a realidade e escutando as vozes de tantos outros profissionais acerca de suas
práticas, suas expectativas, suas insatisfações. Assim, partimos de uma motivação Hedônica,
já que tudo o que concerne à Educação é para nós objeto de sedução. Ao buscarmos entender
a realidade do ensino de línguas, ou de Língua Francesa, na cidade do Rio de Janeiro,
esbarramos na questão Pragmática, aquela que nos leva a tentar encontrar possíveis meios
que tragam algumas respostas a indagações circulantes sobre como esse ensino é concebido
dentro e fora das instituições escolares.
Destarte, para que fosse possível dar o encaminhamento a essa pesquisa, foi de
extrema importância aprofundar a leitura sobre o conceito de identidade de modo global para
posteriormente contextualizá-lo no âmbito da Educação e dos processos que a envolvem. Com
as leituras dos teóricos Hall (1998, 2000), Woodward (2000) e Silva (2000), buscamos
refletir sobre a complexidade desse conceito. Confrontados a duas perspectivas identitárias,
essencialista e não essencialista, vimos como as transformações históricas inspiraram a
organização das sociedades. Foi possível notar o quanto o fenômeno da globalização
influenciou a base das sociedades modernas. Certamente que esse fenômeno despertou
discussões no âmbito escolar. Implementaram-se reformas educacionais a fim de adequar a
Educação a esses novos perfis de aluno altamente dependentes dos recursos tecnológicos e o
grande desafio hoje é aliar o que os documentos oficiais prescrevem, a expectativa dos alunos
e a prática do professor. A questão que fica é a seguinte: sobre quem recai a tarefa de, na
prática, acompanhar tantas mudanças? A resposta é simples: sobre o professor. O governo se
preocupa com a elaboração dos documentos que nortearão o ensino e os disponibiliza como
192
ferramentas de trabalho para o professor, mas, sem ao menos lhe oferecer um curso de
capacitação, o responsabiliza pelo andamento do processo.
Ainda na esteira da temática identidade, a leitura de Charaudeau (2009) foi
determinante para darmos prosseguimento à nossa investigação. A forma didática pela qual o
autor nos conduz a esse conceito através de traços constituintes de uma identidade social e de
traços constituintes de uma identidade discursiva, que, ao mesmo tempo, são indissociáveis,
nos proporcionou um novo olhar para esta pesquisa.
Despertou-nos o desejo de nos aproximarmos das questões que circundam o ethos do
professor de francês, a partir da associação dos traços identitários constituintes das
identidades acima citadas balizados pelo contrato de comunicação em vigor. Nessa
perspectiva, o autor nos encaminhou à reflexão de que há uma expectativa sobre os papéis a
serem desempenhados pelos sujeitos implicados no ato comunicacional, especificamente o ato
comunicacional realizado no âmbito de um contrato de comunicação didático. Adaptando a
teoria do contrato de comunicação a essa pesquisa, fomos levados a pensar no papel que a
sociedade, de uma maneira geral, idealiza para que o professor tenha sua legitimidade
resguardada.
Em uma tentativa de conhecer traços de qual seria a imagem idealizada para
profissional da educação, fizemos um levantamento dos principais documentos que norteiam
a educação no Brasil (PCNs e LDB) e de outros que orientam o ensino nas redes públicas
(PPPs, Orientações Curriculares, Currículos Mínimos) e no curso privado Aliança Francesa
(Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas). Trouxemos algumas das reflexões
de Pierre Bourdieu para o bojo de nossas discussões, uma vez que esse sociólogo nos
direciona a uma análise no âmbito escolar e suas relações sociais.
Percorrendo os documentos sob o olhar sociológico, notamos o quanto a escola, que
busca se adequar aos ideais do mundo globalizado, insiste mais em excluir que acolher. Essa
escola continua servindo como espaço de reprodução da cultura dominante uma vez que
continua a valorizar um capital cultural pertencente às classes sociais mais favorecidas. Em
alguns trechos desses documentos, pudemos evidenciar vozes reconhecedoras da urgência de
uma mudança ampla no sistema educacional e muitas delas atribuem ao professor a tarefa de
começar a executá-las.
Para estabelecer as relações entre o ensino de línguas, os documentos oficiais e a
sociologia da educação de Bourdieu, retomamos as orientações dos textos normatizadores
193
sobre as línguas estrangeiras. Há uma constatação do fracasso na estrutura escolar para
atender as demandas de oferta desse ensino, segundo os discursos dos professores
entrevistados. Não há salas equipadas com ferramentas multimídias, o número de alunos em
sala é excessivo, a carga horária da disciplina nas escolas é curta, etc.
Reconhecendo toda esta carência, os próprios PCNs pregam que o professor de línguas
está ali para servir como um integrador, como aquele que vai reforçar o aprendizado de
habilidades que auxiliarão nas outras disciplinas. Os textos de base nacional colocam a ênfase
em um trabalho voltado para a prática leitora, não só por reconhecer essa habilidade como
imprescindível na vida de um cidadão, mas também pela constatação de que é a única que
pode ser realizada em meio a tantas carências. Todavia, não excluem a possibilidade de
atividades que desenvolvam a prática oral em sala de aula. Aliás, nenhum documento, nem os
de base nacional nem os de base regional isentam o professor dessa tarefa.
Logo, por mais que todos esses textos se apresentem como orientações, o professor se
as interpreta como deveres. Porém, por não dispor de meios para cumpri-los, acaba sendo
tomado pelo sentimento de insatisfação, de impotência. Esses princípios metodológicos
acabam se tornando princípios morais que constituem traços identitários do professor.
Ainda nesse capítulo, questionamos os discursos que corroboram a hegemonia da
Língua Inglesa ou até mesmo espanhola. Fomos confrontados a documentos que abordam a
questão das línguas estrangeiras em um bloco em comum, como se todas devessem ser
ensinadas da mesma forma, sem se atentar para as peculiaridades intrínsecas a cada uma
delas. Em outros documentos, até mesmo em uma lei estadual, a ênfase foi para as línguas
inglesa e espanhola.
Não seremos inocentes em deixar de comentar as políticas linguísticas que estão por
trás dessas medidas. Para o inglês, de reforçar sua hegemonia e, para o espanhol, de torná-lo
indispensável impondo sua obrigatoriedade nos currículos do Ensino Médio. Essas políticas
acabam por se instaurar como “regimes de verdade” compartilhados discursivamente no
contexto escolar.
Decerto que essas medidas não foram adotadas com base em uma revindicação das
classes menos favorecidas. Para Bourdieu, toda ação pedagógica é objetivamente uma
violência simbólica enquanto imposição de um poder arbitrário, cuja arbitrariedade reside no
fato de apresentar a cultura e valores dominantes como cultura e valores gerais. Diante dessa
realidade, outro conceito presente na teoria de Bourdieu vem à tona, o habitus, que nada mais
194
é do que a consolidação dos valores simbólicos de forma que as pessoas pensem e ajam sem
sequer notarem o quanto já interiorizam as relações de dominação.
Diante dessa massa de textos orientadora do ensino e consequentemente do papel do
professor, interessamo-nos em ver até que ponto esses discursos se amalgamariam de fato nas
falas dos profissionais da educação. Tínhamos o objetivo de perceber como esses
interlocutores constroem suas verdades apoiando-se em argumentos já ditos, através do
interdiscurso. Acreditávamos que realizando entrevistas com professores, as imagens dos pré-
construídos e do senso comum pudessem vir à tona em seus autorrelatos.
Por essa razão, contatamos oito professores de Língua Francesa, atuantes em regiões
distintas do Rio de Janeiro, que foram solicitados a discorrer sobre sete questões concernentes
ao âmbito profissional. Fizemos a seleção dos entrevistados respeitando as categorias de
professor em início de carreira e professor em fim de carreira, acreditando que suas memórias
discursivas revelariam experiências distintas enquanto aprendizes de Língua Francesa e
enquanto docentes da mesma, destacando a relação do ensino de línguas no passado, no
presente e no futuro através do olhar daqueles que estão engajados no sistema educacional e
de como eles se percebem na fala dos “outros”.
Retomando as heterogeneidades mostradas nos discursos dos professores, constatamos
que têm sido recorrentes as menções feitas pelos professores às suas experiências de vida
enquanto ex-alunos de Língua Francesa, comparando o papel do professor de francês naquela
época com o dos dias atuais, assinalando as transformações que as metodologias de ensino de
língua estrangeira vêm sofrendo e a mudança dos interesses do público interessado por esse
ensino.
Voltando nosso olhar para o primeiro bloco temático, intitulado Formação,
identificamos através dos autorrelatos a busca pelo estudo de Língua Francesa motivada
razões afetivas em seis dos entrevistados. Apenas um dentre os oito relata ter escolhido essa
carreira involuntariamente. Sobre os estudos acadêmicos, seis entrevistados falam sobre as
inúmeras barreiras que tiveram que ultrapassar para conseguirem concluir o curso de
Graduação. Dentre os sete que puderam contar com aliados em seu processo de formação,
dois elencam o auxílio recebido por professores, três mencionam o gosto pelo curso de
formação, um atribui à facilidade que teve por trazer conhecimentos prévios sobre a língua e
um diz que seu maior aliado foi ele mesmo, deixando claro que apenas o seu próprio querer o
levou ao término da Graduação.
195
Todos os entrevistados exprimiram seu (des) contentamento para com o curso superior
através de avaliações sobre a metodologia de ensino utilizada sob um julgamento de valor
sobre a utilidade do mesmo na vida dos futuros profissionais. Apenas dois dentre os oito
reforçaram o desenvolvimento de habilidades de produção oral nas aulas. Os outros seis
criticam o ensino de conteúdos gramaticais em demasia, deixando lacunas em outras
habilidades. Hoje, ao rememorarem seu aprendizado, se deparam com um abismo entre como
era o ensino e como as novas abordagens metodológicas o orientam.
Cabe comentarmos que por mais que os entrevistados se queixem da metodologia de
ensino aplicada ao longo da formação acadêmica, temos que enfatizar que os objetivos de um
curso de Graduação são distintos daqueles de um curso de línguas, por exemplo. Porém,
concordamos que a formação prática narrada pelos enunciadores não nos parece a mais
adequada, precisando assim passar por um processo de reformulação que dê mais confiança e
segurança ao recém-formado que está prestes a entrar em sala de aula.
Discutimos também os locais selecionados pelas universidades como “elegíveis” para
realizarem os estágios de prática de ensino. Algumas universidades restringem a uma única
escola, normalmente aquela que serve de aplicação para a universidade, à possibilidade do
futuro professor experienciar a situação real em que se encontra a Educação. Entretanto, a
realidade encontrada nessas escolas é bastante diferente das inúmeras outras para onde
normalmente o recém-formado terá sua primeira experiência profissional.
No que tange ao segundo bloco temático intitulado O Ensino de Francês Ontem, Hoje
e Amanhã (subdividido em O ensino no passado e no presente, O ensino no presente e no
futuro, Atributos do professor de FLE, O trabalho do professor de FLE), foi unânime a
opinião de que o ensino de Língua Francesa esteja desprestigiado apesar do empenho dos
entrevistados em propor ações que contribuam para que essa realidade seja outra no futuro.
Foi marcante o número de falas dos entrevistados referentes à imagem que os pais, os alunos e
os colegas de trabalho fazem sobre o professor de Língua Francesa bem como sobre seu
trabalho voltadas para uma categorização cujas argumentações destacavam o domínio de
valor Pragmático.
Talvez esse fenômeno se deva ao mundo globalizado que traz consigo atributos
relacionados à forma, não ao conteúdo, à praticidade, à flexibilidade, à tecnologia. Essa
imagem sentida e verbalizada pelos entrevistados mostra o quanto esse profissional é visto
como alguém que tem que promover um conhecimento que possa ser facilmente apreendido
196
pelo outro, sem qualquer demanda de esforço, no qual ele veja uma aplicação imediata e útil
para sua vida. Entretanto, ao analisarmos as falas em que os próprios entrevistados se
posicionam sobre o seu trabalho, notamos fortemente um deslocamento dos argumentos do
campo Pragmático para o campo Ético.
Na concepção dos enunciadores, é dever da escola proporcionar meios para que o
profissional desenvolva um trabalho de qualidade. O professor se vê em uma relação
conflituosa visto que recebeu um mandato da sociedade, do governo e até mesmo da direção
da escola que estabelece como deve ser sua relação com os alunos, com o ensino, com a
escola. Porém, por mais que o professor se esforce em atender às demandas da sociedade e do
governo em relação à atividade docente, ele não percebe o reconhecimento de sua profissão
por parte deles.
Retomando os discursos da sociedade pelo olhar dos enunciadores, temos os
argumentos voltados para os domínios de valor Estético e Hedônico, já que aquele que possui
o saber da Língua Francesa é associado às imagens que a França evoca no imaginário dos
brasileiros. Porém, por acreditarem que esse saber é privilégio de poucos, uma vez que
somente a minoria da população tem acesso à cultura, ao requinte, ao luxo, ao glamour,
acreditam que esse saber dentro do espaço escolar é infrutífero.
Chegamos aqui a um ponto que possivelmente nos leve a compreender uma das
inquietações de nossa tese apresentada no capítulo inicial. Questionávamos a razão pela qual a
sociedade recepcionava um professor de Língua Francesa da rede estadual diferentemente de
um professor do curso privado de Língua Francesa, por exemplo. Diante de todos os discursos
aqui analisados, somos levados a pensar que o aprendizado da Língua Francesa seria visto
como mais eficaz quando direcionado a grupos que poderiam melhor usufruir do mesmo.
Logo, os alunos do curso privado Aliança Francesa seriam esse público-alvo
idealizado já que, normalmente, encontra-se em uma condição socioeconômica mais
favorecida que os alunos da escola pública. Portanto, a probabilidade de gozarem de viagens
ao exterior, de encontrarem oportunidades profissionais que requisitem conhecimentos de
Língua Francesa ou de terem acesso a um curso de Pós-Graduação é muito maior.
Talvez, por essa razão, o trabalho do professor de francês atuante em curso livre seja
visto como “mais útil” que o do professor da rede pública escolar. Aliado a esse fato, também
não podemos descartar a imagem que cada instituição projeta na sociedade e como os
discursos veiculados sobre essas instituições são compartilhados nos imaginários sócio-
197
discursivos. Conforme mostramos em nosso trabalho, ao consultarmos sites de Internet
verificamos o quanto a escola pública vem sendo associada a aspectos negativos enquanto o
curso privado Aliança Francesa está ligado a aspectos positivos, além de ser a única
instituição reconhecida internacionalmente pelo Ministério da Educação da França para o
ensino do francês. Assim, o julgamento que a sociedade faz sobre o curso e sobre a escola
pública estão embasados nesses argumentos, nesses discursos que se reproduzem e que
ganham um status de “verdade inquestionável.”
Sobre a influência dos textos oficiais, embora tenhamos encontrado nas falas dos
entrevistados discursos fortemente atravessados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais,
nenhum enunciador citou claramente o nome do documento. Curioso como os textos
elaborados pela rede estadual (Ex. Currículo Mínimo) e pela rede municipal (Ex. Orientações
Curriculares) não aparecem nos discursos dos professores. Vale ressaltar que os professores
do Colégio Pedro II, confeccionam um documento intitulado Projeto Político Pedagógico
elaborado a partir das próprias discussões pedagógicas entre os docentes com o objetivo de
orientar seu trabalho. No entanto, até mesmo esse documento se apaga das falas dos
entrevistados para dar lugar aos Parâmetros Curriculares Nacionais e, algumas vezes, à Lei de
Diretrizes e Bases.
Fica marcado o peso que os PCNs, documento prescritivo pioneiro, exerce sobre os
professores e sobre os outros membros da comunidade escolar enquanto norteador das
práticas profissionais do professor. Por serem sempre retomados pela maioria dos outros
textos que discutem a Educação no país, acabam ganhando notoriedade de dimensão nacional
e tornam-se capazes de legitimar o dizer de quem os cita. Lembramos que o Quadro Europeu
Comum de Referência para as línguas, utilizado como orientador das práticas do professor do
curso privado Aliança Francesa, também não foi citado apesar de suas orientações se fazerem
presentes nos discursos dos entrevistados atuantes nesse curso.
Para finalizar, urge que os professores de línguas se dediquem a discutir suas práticas
e se coloquem em posição de confronto a esses discursos que tendem a cristalizar modelos a
serem seguidos. No caso específico do francês, vemos o quão estereotipados estão esses
valores, visto que para justificar sua permanência na escola e promovê-lo em cursos recorre-
se a um discurso histórico e a um discurso europeu, fazendo alusão ao seu papel do passado
com vistas a garantir seu status. Faz-se necessário formar professores questionadores de suas
práticas e das políticas educacionais às quais são submetidos.
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203
ANEXO A – Trecho do PPP do Colégio Pedro II referente à
orientação para o trabalho de Língua Francesa
206
ANEXO B – Texto explicativo sobre a realização das entrevistas lido
para todos os enunciadores participantes da pesquisa
Bom dia!
Agradeço pela disponibilidade e pela ajuda. Esta entrevista faz parte de uma pesquisa de
doutorado atrelada a uma linha de pesquisa da faculdade de Letras da UFRJ.
Meu objetivo é discutir questões sobre educação, ensino-aprendizagem e o papel do professor.
Pretendo fazer um mapeamento sobre o profissional de Língua Francesa em seus diferentes
locais de atuação. A entrevista será gravada para posterior análise e a identidade de vocês será
preservada. Portanto, é fundamental que revelem o que realmente pensam sobre as temáticas a
serem discutidas.