DOSSIÊ BATMAN - rl.art.br · revisão é uma espiral sem fim de questionamentos. E não existe...

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DOSSIÊ BATMAN:

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DOSSIÊ BATMAN:

PERSPECTIVAS

PARA UM NOVO

AMANHÃ

Um texto de:

Heróis amados destroem seu povo

EDITORIAL

POR QUE DISSO? Minhas

primeiras palavras precisaram

ser corrigidas. Por força do hábito de falsas

modéstias, o primeiro impulso que tive foi o

de mascarar as soberbas e hiperbólicas

pretensões que me seguem no ofício. Sim,

esse é mais um daqueles textos nada

modestos que acredita que mudará o mundo

de alguma forma. Se posso fingir humildade

em algum momento, teria de ser agora. Na

verdade, seria mais um reconhecimento da

posição que ocupo nessa grande história,

que um gesto público dessa virtude tão...

interessante.

Bom, minha história não é nova. Você já

deve ter ouvido falar disso outras vezes.

Honestamente, acho que até o título já foi

utilizado em algum outro trabalho. Pensei

que fosse meu. Totalmente autoral. Mas

quando estava encaminhando a primeira

parte desses originais à revisão, encasquetei-

me de que já tivera escutado ou lido-o em

outro lugar. Na falta de uma evidência mais

confiável, permiti-me o benefício da dúvida.

Memórias podem ser traiçoeiras! Por essa

razão, já desde a primeira versão da história,

procurei me certificar de haver esgotado

todas as fontes possíveis, a fim de obter o

máximo de informações. Incluindo aí as

longas e exaustivas horas de revisão do

material cedido. Trabalho minucioso, com

poder de minar as energias até do mais forte

e valente jornalista. Um trabalho sério de

revisão é uma espiral sem fim de

questionamentos. E não existe

simplesmente ninguém que possa lhe dizer a

hora certa de parar, a coisa certa a fazer, a

justa medida da verdade. Acredito que esse

deva ser o vilão silencioso de todo herói. –

Ok, heróis não fazem revisões editorias –.

Mas eu me referia ao vilão silencioso, como

a difícil tarefa de encontrar a verdade! Não

há poder, magia ou habilidade que torne isso

mais fácil.

Aliás, parágrafo rápido, sou conterrâneo de

um herói que tinha, dentre suas atribuições,

o ofício de revisar. Ele participou dessa

história do começo ao fim e coube a mim a

importante tarefa de contá-la da melhor

forma. – Meu grande objetivo nos últimos

tempos –. Exceto ele, como eu disse, heróis

não fazem revisões editoriais. Mas é que às

vezes o que tem de ser feito acaba surgindo

por meio de homens comuns. Com pouca

ou muita intenção.

Meu nome é Andrew B. Panabaker e

provavelmente você já me conhece. Dentre

as muitas coisas que fiz, me orgulho de ter

sido o editor-chefe do jornal universitário

Babilon Society, realizado no tempo da

faculdade – esse com certeza você não

conhece! – Um dos melhores momentos de

minha vida e carreira. Até o presente

momento já ganhei um prêmio Politzer e

talvez ganhe mais um com dossiê; ou talvez

não, os dias andam incertos e minhas

especulações demasiadamente soberbas.

Sou filho do Kansas, de um humilde casal

de produtores rurais. O que me assemelha,

em alguma medida, com ele, o Super.

Privilégio que se estendeu à profissão e

Redação, no Planeta Diário. Costumo dizer

que, assim como ele, também tive de fazer

escolhas difíceis diante de situações que, de

tão incríveis, até hoje parecem não ter sido

reais! A maior e mais inacreditável foi a de

poder confrontar o Morcego. Poucos foram

os que acessaram tamanha intimidade

sombria e sobreviveram para contar. Aliás,

que simplesmente sobreviveram. A

escuridão do poço não tem fim. O grande

segredo do Cruzado de Capa, seu grande

trunfo, foi descobrir a escuridão. Essa coisa

de identidade secreta não passa de uma

grande besteira. Não importa quem foi

Bruce Wayne ou quem quer que tenha sido

o Morcego. A escuridão do poço é a única

verdade que conduz à libertação. O medo é

apenas uma resistência natural criada pela

luz; princípio das ilusões. É o lado de fora

que você tem de temer.

Andrew. B. Panabaker

UM DIA COMUM EM GOTHAM,

DEZ ANOS ATRÁS

Era 21 de novembro, sexta-feira, não mais que vinte e duas horas. O prefeito não

gostava muito de cerimônias longas ou que ultrapassem esse horário. Acordar cedo era um

hábito que ele gostava de cultivar desde seus tempos de trabalho no campo. História que ele

não deixa de contar sempre que pode. E em seu discurso, claro, ele não deixou escapar a

oportunidade. Dessa vez, no entanto, o sujeito mereceu alguma trégua. Ele falou de si, mas

para enaltecer os homens que foram a razão daquele evento. Todos os policiais da divisão do

tenente Jim Gordon. Exceto o próprio Jim, que pediu dispensa dos eventos chatos da polícia.

A Gangue do Cachorro foi pega e, seu líder, o Cão, preso em flagrante. Um grande feito! Ok,

em Gotham gangues são desmanteladas e empreendidas mais rápido do que o redator do

noticiário da tevê consegue escrever para o teleprompter. Mas é que esse episódio teve uma

relevância particular e, como não poderia deixar de ser, desdobramentos oriundos. Quando

cheguei em Gotham, alguns anos atrás, me assustei como os jornalistas daqui tem trabalho.

Metropolis é mais calma. Escrevíamos mais sobre o que acontece durante o dia, sob a luz do

sol. À noite as pessoas dormem por lá.

Por que a queda da Gangue do Cão foi tão importante assim? Por que mereceu um

evento de condecoração realizado às pressas, para os policiais daquela distinta unidade? Bom,

a primeira pergunta se responde com o resultado da investigação das operações da quadrilha.

A Gangue do Cachorro (eles mesmos alternavam o substantivo, Cachorro, cão, etc.) tinha

ligações com os principais mafiosos e vilões de Gotham. Eram extremamente organizados e

competentes. Tinham filiais em Nova York, Chicago, Detroit e até Metropolis. Essa última

durou até o Super perder a paciência e literalmente soprá-los de lá. Porém, o grande trunfo da

quadrilha também foi sua maior ruína. O Cão não gostava de criminosos. Preferia contratar

profissionais do mercado. Gostava muito do que saía de Wall Street – é uma ironia dizer que

ele não apreciava criminosos no comando de seus negócios, mas recrutava no maior centro

financeiro do mundo –. Motivo que o fez perder muitos de seus colaboradores. Os que não

foram abatidos, entregaram um a um, envolvidos e esquemas. Homens que usam terno andam

sempre com medo! Os negócios multimilionários do canino caíram de uma vez e levaram

consigo o dinheiro de muita gente poderosa e perigosa. Bom, acho que isso acaba

respondendo as duas perguntas de uma vez. O rescaldo remanescente ainda rendeu uma

pequena guerra entre o que sobrou das gangues, com alguns acertos de conta. Era a sujeira de

Gotham eliminando a si mesma enquanto os homens do prefeito eram condecorados com

medalhas de honra.

Mas e o Morcego, onde ficou nessa história? Adianto a pergunta de alguns por sua

resposta fazer parte da questão que virá depois. É claro que os homens do Jim não

conseguiram isso sozinhos. Dessa vez, porém, aceitaram as ajudas clandestinas do Cruzado

de Capa. Jim nunca hesitou, é verdade. E isso não era segredo para ninguém. Foi a vez então

de seu tenente, Alex White, experimentar do benefício de não trabalhar sozinho. O resultado

foi esse que vocês acabaram de ler. O curioso, no entanto, foi a ira despertada nos criminosos

ainda vivos de Gotham. Jim Gordon nunca ficou sob a mira da máfia por esse motivo. O

tenente Alex não teve a mesma sorte. Nem ele nem ninguém presente no salão de eventos no

prédio da prefeitura. O horário foi aquele mesmo, não mais que vinte e duas horas quando os

primeiros explosivos foram detonados na base do prédio. Estranhamente a estrutura se curvou

para frente. O engenheiro chefe da perícia explicou o nome e as razões desse comportamento

das ferragens. Re-assisti o vídeo pela décima vez para escrever aqui, mas continuo não

entendendo bem o que ele disse. É algo com vetores de força, uma coisa assim. Engenharia

que não fará a menor diferença agora. Quis escrever sobre para ilustrar melhor o texto.

Vaidade de jornalista. Acabei por não conseguir. Acontece. Mas eu não seria o único a

guardar memórias dos fracasso daquela noite.

As pessoas começaram a se desesperar dentro do prédio, que inclinou-se durante

alguns segundos. Sua queda foi uma questão de pouco tempo. Antes, porém, algo inusitado

aconteceu. Eu gostaria de dizer que as pessoas foram salvas. É muito bom narrar desfechos

heroicos. É suave, encorajador. O Planeta Diário que o diga! Uma pena a JKF Tower não

legar o mesmo destino e se amontoar em escombros, 28 segundos após as explosões. E foi

durante esse quase meio minuto que o inusitado aconteceu. Um garoto mergulhou pela janela

do centro de convenções no último andar e saiu voando de lá! – Por favor, não criem

expectativas... voando é apenas força de expressão – A esperança nessa hora nos faz

interpretar o conveniente, mesmo que seja a ideia mais absurda do mundo. O rapaz era Danny

White, filho do tenente homenageado. Um negro do Queens que foi para Gotham para ver

seu pai se tornar policial. O menino era aguerrido como o pai e não aceitou a morte sem lutar.

Claro que seria impossível sobreviver a queda. Mas ele não estava impedido de oferecer uma

contraproposta ao fatídico e negociar uma forma diferente de morrer. Um tapa na cara do

destino, que aparentou não conseguir revidar a tempo. Danny não chegou a tocar o chão. O

Morcego pegou-o ainda no ar e ambos aterrissaram pesadamente no terraço do prédio ao

lado. Por falta de prática o rapaz acabou se machucando com a queda e quebrou três, dos

cinco ossos metatarsais do pé esquerdo. Nada de muito grave. Levantar-se e chegar à beira do

prédio para ver a completa destruição do outro, foi sem dúvida alguma, algo muito pior!

Tudo o que ele tinha estava ali, pai, mãe, irmãos, expectativas, história... Danny tinha

acabado de chegar da Philadelphia, do Programa de Pesquisa e Introdução Acadêmica. Ele

havia chegado na manhã daquela sexta-feira. Mal viu o pai e não conseguiu contá-los a

novidade que vinha guardando. Danny iria falar da bolsa de estudos que ganhou quando os

pais estivessem juntos. Ironicamente seus corpos foram encontrados lado a lado debaixo dos

escombros. No outro dia pela manhã Danny acordou com pé enfaixado e sem saber dizer para

os oficiais como tudo aquilo aconteceu.

ALGUNS ANOS DEPOIS,

ALGUNS ANOS ATRÁS

Aquela década passou. Estávamos todos dez anos mais velhos e pesados. Eu estava

definitivamente instalado em Gotham, recém divorciado e acostumado aos ares tóxicos dessa

cidade noturna. Minha insônia agora é maior e a dosagem do remédio também. O

envelhecimento trouxe a química. Consegui um trabalho na Gazeta de Gotham. Tornei-me

editor-chefe do jornal e um grande inimigo do poder público. Afetos herdados do antigo

chefe. Morto não se sabe por quem – Sempre desconfiamos da Máfia... Mas de qual

exatamente? – Ele e o Pinguim já haviam se desentendido outras vezes. De uns anos para cá

Oswald tornou-se muito sentimental e rancoroso. Há quem diga que tenha sido um par de

seios o responsável por isso. Eu não sei o que dizer sobre isso... Com a morte trágica do

Raymond, o Gazeta precisou de um novo editor-chefe. Ouvi burburinhos para que fosse

promovido o “caipira idealista do Kansas”... Idealista? Eu? Não vejo dessa forma. Mas a

diferença de salário me permitiria um aluguel mais digno e tevê a cabo. Já era alguma coisa.

Afinal de contas, essa não é daquelas promoções que você liga orgulhoso para sua mãe para

poder contar.

Meu trabalho era acompanhar e responder por tudo que fosse escrito e impresso no

Gazeta. Investigar um caso aqui e outro lá e descobrir um jeito aumentar a receita do jornal.

Como? Era o que eu me perguntava pela manhã. Sensacionalismo não funciona em Gotham.

Mas sangue, eu sei que é perverso dizer isso, sangue é ótimo para os negócios! Desde

anunciante de sabão a planos funerários, todos querem um espaço nos jornais ao lado de

notícias de carnificina e massacre. Gotham é toxica e asfixiante. E o tal do Colapso vinha me

arrebentando com tudo por aqui. A cidade nunca teve problemas com falta de vilões e

criminosos. Sempre foi uma terra fértil às sementes do mal. Porém, somente de tempos em

tempos que surge algum grande vilão que quer pôr tudo a perder. O Coringa é um cara mal, o

Oswald com seus problemas emocionais vinha matando como nunca, o próprio Bane era

capaz de coisas absurdas, mas nenhum deles queria destruir Gotham. Não mais, pelo ou

menos. Agora esse tal de Colapso parece ter escolhido até o nome, pensando nisso. Ele não

queria dinheiro, não queria poder, não queria nada, a não ser destruição. O Coringa teve uma

fase assim, mas durou pouco. O fascínio dele pelo Morcego não lhe permite muito foco em

empreitadas megalomaníacas de longa duração. Já esse Colapso era incrivelmente

organizado, planejado e versátil. Era difícil deduzir onde o sujeito iria atacar. A máfia viu

nele um bom mercenário. Estavam dispostos a pagar caro por seus serviços. Quando

descobriu o flerte, o Colapso matou os homens que desejavam contratar suas habilidades.

Outros poderosos, com a ajuda de juízes subornados, tentaram tomar o poder dos que caíram

e foram brutalmente assassinados. Os juízes corruptos em seguida. A população começou a

desconfiar que se tratasse de um anti-herói ou vigilante menos ortodoxo. Sem perder tempo o

Colapso tratou de cuidar disso também e explodiu uma escola infantil com 110 crianças,

algumas professoras e outros funcionários. Para que não houvesse dúvida, ele apareceu em

um vídeo assumindo a autoria.

No Arkham, o Coringa gargalhava como nunca!

Onde está o Morcego? Fiz-me essa pergunta desde a primeira vez que soube desse

cara. Algumas semanas depois, essa mesma questão pintava muros pela cidade de Gotham. E

onde de fato estava o Morcego? O Colapso enquanto um fenômeno do mal, era grande

demais para um único homem saltando sozinho sobre telhados. O Morcego estava lá!

Batendo em uns capangas aqui, outros ali. Ajudando a prender a base da pirâmide criminosa

liderada pelo mais novo criminoso de Gotham. Até bandido graúdo estava com medo de sair

de casa e cruzar com a fúria destruidora do novo cara. De que lado ele está? Não dava para

saber. Enquanto isso, a cidade era destruída de dentro para fora. O medo e caos foram

institucionalizados e nada mais funcionava como deveria em Gotham. Eu tinha quarenta e

nove anos nessa época e acreditei que não chegaria aos cinquenta. Voltei a ter medo. Por um

lado foi bom, eu meio que tinha esquecido dessa sensação e a vida estava mais chata que o

normal. Estávamos todos tensos e apreensivos. A redação vinha trabalhando numa loucura e

os jornais mal chegavam à banca e já se esvaiam pelas mãos curiosas e medrosas dos

cidadãos de Gotham. Um dos anunciantes disse que gostaria de renegociar os termos e

valores do contrato. Eu peguei o telefone das mãos da Mônica e disse a ele com a voz grave:

“esses serão os termos e permanecerão inegociáveis!” Desliguei o telefone em seguida e disse

a Mônica para me relatar caso ele insistisse em declinar. O contrato foi renovado e Mônica

me questionou como eu sabia que aquilo iria funcionar. Disse a ela que o povo do Kansas tem

dessas coisas. Mentira! Não tinha nada disso. Apostei foi no medo que o sujeito do outro lado

também vinha sentindo de tudo que estava acontecendo. Mesmo temeroso do lado de cá, eu

me aproveitei da fragilidade dele. Apostei no recuo e deu na cabeça! Fui frio e perverso.

Mesmo que sentindo o mesmo medo. Nesse dia tive a certeza que Gotham caminhava para

sua destruição completa.

TRÊS CAPANGAS E UM VULTO A intenção era sitiar Gotham. Os homens que

estavam no quarto andar daquele prédio da vinte e cinco com a dezoito tinham um único

propósito: fechar um grande acordo de compra de armas para abastecer o pessoal do Duas

Caras. Pelo ou menos era isso que os outros caras, os vendedores, “freelas” indicados pelo

Rei do Crime1 pensavam. O que mudou então? Esses caras foram os únicos sobreviventes da

emboscada feita horas antes, para pegar os homens do Duas-Caras. Foram poupados para

estarem exatamente onde estavam, fechando um acordo milionário e trapaceando ao fim,

enchendo de bala os negociantes do outro lado. Muito clichê essa história, eu sei. Hollywood

já ganhou até Oscar, fazendo isso e do D’Niro basicamente não faz mais outra coisa. Embora

seja quase dispensável essa parte, decidi contá-la pela questão estratégica incutida na ação.

Matar os caras que venderam as armas (que não foram entregues naquele momento), tinha a

intenção de emitir uma mensagem: “Gotham não é segura para os negócios”. O crime

organizado não vê anarquia com bons olhos. Quem tem o poder não se arrisca em terra de

ninguém. Governos, corrupção, extorsão, são sempre negócios mais seguros. A ética do

crime não pode ser violada, justamente porque sua justiça é dura e implacável. Gotham

aprendeu isso rápido. Não existem mais vilões como Colapso por aqui, porque o caos lesa a

todos. E claro, ainda tem o fator Batman para dificultar as coisas. E vá por mim, você não vai

querer estar em Gotham nos dias que o Morcego sai da toca mal-humorado.

Parte do plano foi executada como previsto. Os homens poupados do Harvey

enviaram uma mensagem para os fornecedores das armas: “Gotham não é confiável e o

Harvey Dent tem duas caras” – Trocadilho adequado – Ele mesmo só veio a saber tempos

depois o que fizeram com seu nome. Claro que retaliações surgiram no horizonte. E de ambos

os lados. Os fornecedores não deixariam barato essa traição e o Duas Caras muito menos.

Porém ele estaria dividido entre dois inimigos desconhecidos. Os que usaram seu nome e

aqueles que viriam até ele por isso. O plano de destruir Gotham seguia como previsto.

1 É uma ingenuidade pensar que dois mundos tão grandes e tão próximos como esses, nunca iram se encontrar em algum momento.

Negócio feito, hora de partir. Nada de saída pelos fundos ou carros suspeitos. Um

helicóptero rasgou as nuvens negras da madrugada em direção ao topo daquele mesmo

prédio.

Hora da ação!

O Morcego aguardava nas sombras e de lá se preparava para sua investida fulminante

e cinematográfica. Um segundo antes, porém, e um movimento suspeito o manteve quieto.

Eis que surge um vulto sabe-se lá de onde, tão rápido quanto ele e, ainda mais magistral,

pondo a baixo os três homens em fuga. O helicóptero respondeu cuspindo chumbo. Os

meliantes pareciam ter algum valor. O vulto, um homem esguio, com uma fantasia em tons

de magenta, amarela e carmesim, escondeu-se atrás de uma parede com não mais que dois

metros de largura. Seria uma questão de tempo até o helicóptero percorrer o perímetro e

encontrá-lo frente a frente. Acredito eu que não seria necessário, uma vez que o calibre era

alto e a parede velha. Mas parece que eles queriam acertar ninguém por trás ou perfurar

alvenaria. Dois ou três segundos seria o necessário para apontar a metralhadora no alvo. Ação

que não chegou a se concluir. Um torpedo acertou a aeronave em cheio e coloriu o céu com

fogo.

ELE ERA INCRÍVEL ALFRED! Pouca gente sabe, mas Bruce Wayne gostava

de chá de maçã após as patrulhas. E Alfred Pennyworth, além de um bom mordomo inglês,

era um grande conhecedor de chás! Além, claro, de uma porção de outras coisas habilidades

necessárias ao Morcego.

- Ele era incrível Alfred!

- Para fazer o senhor falar dessa forma, devia ser mesmo.

- Você precisava ver, a velocidade, precisão e eficiência com que ele agiu.

- Confio no senhor, patrão Bruce.

- Uma pena ele ter matado aqueles homens. Eles poderiam ser úteis...

- ... ou, o senhor gostaria que esse distinto e talentoso cavalheiro pudesse ser piedoso

como senhor é, com os malfeitores de Gotham.

- E por que eu iria querer isso?

- Para se ver melhor nele.

A conversa se encerrou ai. Como eu disse, Alfred tem muitos talentos.

EU CONHEÇO ESSE CARA Passaram-se algumas semanas e nada do outro cara

aparecer. O Morcego quebrou mais alguns ossos, prendeu um cara perigoso aqui, outro ali e

levou o Coringa de volta para sua cela no Asilo Arkham. Ele havia fugido para comemorar

sua nonagésima nona prisão. Que piada! No retorno ao asilo o Palhaço disse que não tornaria

a fazê-lo. Alguém já estava tomando Gotham do Morcego e ele adoraria assistir isso de um

lugar confortável. Naquela mesma noite o Cruzado de Capa foi visto (falar isso do Morcego,

“ser visto” é uma forma de linguagem, claro), no alto do mesmo prédio em que aqueles caras

foram abatidos.

- Procurando mais alguma coisa?

- Não há nada aqui.

- Aqueles homens eram apenas lacaios do Colapso.

- E você os jogou daqui de cima.

- Quer me prender?

- Eles deveriam ser julgados! E não mortos.

- Mesmo? Por quê?... Por justiça? Poupe-me de seu idealismo, Bruce!

*** O cara já chegou mandando essa! ***

- Quem é você?!

- Alguém que sabe de você. Mas não se preocupe. Não sou seu inimigo.

- De onde você é?

- Pensei que a primeira coisa que você fosse fazer, fosse negar sua identidade.

- Me interesso mais em saber como você a descobriu.

- Eu também tenho recursos, senhor Wayne. E tive de utilizá-los à exaustão para

enfim descobrir quem habita sob o capuz.

- Quem é o Colapso?

- Você joga xadrez?

- ...

- Eu adoraria uma partida de xadrez com o senhor, senhor Wayne. Acredito que seja

um grande estrategista. Quanto ao Colapso, não sei quem é. Gastei muito tempo investigando

o Morcego e não tive oportunidade de descobrir a identidade do homem que está destruindo a

sua cidade.

- Qual o interesse em mim?

- (risos) nenhum!

- ...

- Quero ajudar Gotham.

- Gotham não precisa de você.

- Exatamente. Por isso vim até você.

- Eu também não preciso da sua ajuda.

- Eu sei. É o Colapso quem irá ajudá-lo.

- De que forma?

- Você precisa matá-lo.

- Eu não trabalho assim.

- Mas vai precisar.

- Não.

(Enfurecido e em alta voz) – Deixe de ser imbecil Bruce! Esse homem está destruindo

a sua cidade!

- Eu vou pará-lo.

- E depois? Irá correr atrás do próximo bandido? Prender o Coringa novamente?

- Eu farei por Gotham o que for necessário.

- Até quando Bruce? Colapso é apenas um detalhe. Um pequeno intervalo na história.

Um peão sem defesa. Pense no amanhã Bruce! Para além do horizonte que essas pessoas

podem ver!

- Isso não é justiça!

- Não é. Mas o que você procura é paz, Bruce. Seus pais foram mortos e você nunca

mais saiu daquele beco escuro sobre seus corpos. Faça o que é necessário para sua cidade,

derrame o sangue que for necessário.

- O que matar faria por Gotham?

- Imagine quantas pessoas só o Palhaço já matou para chamar sua atenção? Pense em

quanto sangue já foi derramado por sua piedade, Bruce? Você tem medo de matá-los para não

se parecer com eles. Mas o que sua conduta imaculada conseguiu até aqui? O idealismo de

seus pais não foi capaz de salvá-los e o seu também não fará nada por Gotham. O medo foi

sua escola Bruce, devolva-o a sua cidade... os criminosos entenderão.

- Por isso você matou aqueles homens?

- Para você aprender como se faz. Porquê da próxima vez será você quem o fará.

- Eu sou capaz de prender o Colapso e seus homens e levá-los à justiça.

- Eu também. Mas do que você não é capaz? – Tendo dito, o homem da capa magenta

deu as costas e caminhou em retirada.

- Por que você está fazendo isso por Gotham?

- Porque eu sou capaz.

- Quem é você?

- Pode me chamar de Ozymandias.

- Eu nunca o vi Alfred.

- E não existem registros com esse nome em nosso sistema.

- Ele disse que devo matar o Colapso.

- Receio que já tenha muito sangue em suas mãos, patrão Bruce.

- Talvez.

- É um limite sem volta e um tanto reprovável, senhor.

- Não pretendo me candidatar ao senado, Alfred.

- Mas esteja ciente de que as vendas de fantasias infantis do Batman irão despencar.

Pronto, voltei! Os diálogos são importantes para a compreensão da história. Como eu

soube? Fontes seguras e, como disse, – aliás, ainda não disse – estive com o próprio Bruce!

Pode acreditar! E acredite também, ele ficou realmente pensativo com o que ouviu do homem

da capa cor magenta. O homem por trás do Morcego queria compreender a filosofia proposta

por aquele que foi capaz de descobrir sua identidade. Seja quem for esse tal de Ozymandias,

ele não é qualquer um e, chuta muito bem.

Diferente um pouco do local e da receptividade, agora seria a vez de o Homem-

Morcego se encontrar definitivamente com seu mais novo arqui-inimigo, o Colapso! Sim,

eles enfim se encontraram! Numa esquina movimentadíssima de Gotham City, as vinte duas e

trinta e cinco de uma terça-feira, vinte e três de setembro daquele ano. Um mês após a

aparição do tal Ozymandias. O batmóvel colidiu lateralmente no caminhão que Colapso e

seus homens transportavam um contêiner.

- Enfim nossos caminhos se cruzaram novamente, não é Bruce?

- Outro?! – Isso é inacreditável! Duas vezes na mesma história a identidade do

Morcego foi descoberta!

- Se lembra de mim? - Disse o sujeito tirando a máscara.

Essa eu mesmo vou contar! Lembram-se do Danny White? O rapaz que pulou do

prédio e foi salvo pelo Morcego. Pois é, ele era o Colapso!

- Você é o rapaz que salvei do prédio há dez anos atrás.

- E nem sequer perguntou o nome.

- Se esse era o problema, uma terapia teria lhe ajudado.

- Foi o que você fez quando perdeu seus pais?

- ...

- Ficou sem palavras?

- O que você quer com Gotham?

- Destruí-la!

- A troco do quê?

- De ficarmos iguais. Você tirou tudo que eu tinha! Por duas vezes! É justo que sua

cidade pereça de ante de seus olhos.

- O povo de Gotham não tem nada a ver com isso.

- Tem sim! – disse ele aos berros – Essa cidade é tudo que você tem Bruce! É a única

coisa com que você se importa. Eu cheguei a pensar no mordomo. Mas ainda assim não seria

tão impactante quanto uma cidade inteira. O velho pode esperar.

- Eu salvei a sua a vida.

- Não, Bruce. Você só me impediu de morrer. Tirou de mim a oportunidade de ser

enterrado com os meus. Aliás, você me fez ver a morte deles. Morte que só aconteceu por sua

causa. Porque você existe! Aquela cerimônia foi um tapa na cara da máfia! Um insulto

regado a uísque e croissant. Quem pagou a conta mesmo? – Ele se referia às Indústrias

Wayne.

- Eu queira inspirar aqueles homens. Eram bons policiais. Como seu pai.

- Uma bela estratégia, sr. Wayne. Senão fosse o Batman estragar tudo! Subestimando

os homens maus dessa cidade. Você riu da cara do demônio no mais profundo dos infernos,

Bruce. Isso foi imperdoável!

- Eu fiz o que tinha de ser feito.

- Mesmo?! E o que você vai fazer agora?

- Parar você.

Depois desse longo diálogo o Morcego explodiu alguns artefatos de seu pequeno

arsenal e forçou o Colapso a fugir para o estacionamento do prédio da nova prefeitura, ao

lado de onde estavam. Ironicamente o encontro deu-se num lugar semelhante ao de dez anos

atrás. Local em que deram início ao tão aguardado combate! Ao passo da luta de ambos, Dick

Grayson, o Asa Noturna, perseguia os homens que fugiram com o capotamento do caminhão.

Dick seguiu com o batmóvel e o Morcego ficou a sós com Danny White, o Colapso.

A nova prefeitura ficava longe do prédio que foi explodido dez anos antes. Mas não

foi coincidência, Danny pensou em tudo. Planejou aquele momento, assim como tudo nos

últimos dez anos. Ele viveu para isso. Voltar a Gotham – ninguém sabe ao certo se ele

chegou mesmo a sair – e iniciar seu plano de implosão. A luta de ambos durou cerca de 12

minutos ininterruptos. Um combate de um único assalto. Danny havia se tornado um exímio

artista marcial. Embora sua fantasia o limitasse em alguma medida, assim como a do

Morcego, ele possuía incrível fluidez nos movimentos e grande velocidade e precisão com os

pés. Sua indumentária lembrava a do Exterminador, porém em tons azuis escuros e com um

capacete menos ridículo. Diferente de Slade Wilson, Colapso não trazia consigo uma espada,

mas pequenas lâminas e outros perfurantes espalhados ao longo do traje. Recursos inúteis

contra o Morcego. Nos últimos anos a fantasia do Batman ficou mais pesada e reforçada.

Eles gostam de se referir às próprias vestimentas como traje ou armadura, o termo

“fantasia” parece infantil e até depreciativo, eu sei. Mas no fim das contas, é isso! Ou sobre

isso, que estamos falando. Fantasias infantis em homens crescidos; e não sobre quem tem

kevlar ou fibra de carbono protegendo o próprio corpo. Falando nisso, em simbolismos e

metáforas, essa história anda repleta delas. Eu preferiria estar escrevendo um texto de ficção.

Aonde teria controle narrativo e o poder da criação, não me prendendo às repetições que o

compromisso com a verdade implica. Já narrei, neste texto, mais de uma vez, inclusive,

acontecimentos em terraços, coberturas e telhados. Outros surgirão, já lhes adianto, e não me

agrada essa repetição exaustiva de lugar. Onde estão as ruas dessa cidade? Será que não

acontece mais nada por aqui que não seja suspenso ao chão?... Eis algumas questões que um

editor comercial faria ao autor do texto. A forma é tão importante quanto o conteúdo. Mas

como disse, o compromisso com a verdade tem suas implicações e dissabores.

O que vou dizer a seguir seria meu argumento em resposta ao fictício editor.

Essa não é uma história de telhados, mas de quedas. Primeiro o prédio da prefeitura,

que levou consigo o trunfo da vitória alcançada por homens de bem e o centro do poder

legítimo da cidade. Em um recorte menor, representou também a queda de um lar; de uma

família e seu primogênito; que não se deixou ser esmagado por concreto e aço. Sobrevida

advinda de uma manobra do destino, cujo resultado foi o trabalho aplicado desse mesmo

jovem para que Gotham pudesse encontrar seu fim. Ele sobreviveu e agora quer destruir.

Antes, porém, seria a vez de Danny White experimentar o que o Morcego lhe impediu alguns

anos antes. A luta de ambos estava próxima do fim. Uma dúzia de minutos foi o suficiente

para que eles estivessem exaustos e feridos. O Morcego foi derrubado duas vezes e levou um

chute na costela que deixou Bruce em dúvida acerca de fraturas. Não seria a primeira vez que

ele partiria algumas. As outras, porém, foram por acidentes ou queda, nunca por golpe. O

rapaz ficou bom no que se propôs a fazer. Danny White poderia ter sido um grande aliado do

Morcego se não fossem os caminhos contrários que escolheu seguir. O filho de Alex White

tornou-se uma espécie de Bruce às avessas. Perdeu os pais de forma trágica, treinou artes

marciais, assustou criminosos em Gotham, colocou uma máscara. A mesma descrição serviria

para qualquer um dos dois. O paradoxo coube a intenção das disposições de ambos. Danny

queria o fim, o Morcego um novo começo.

Embora tenha ficado mais lento e pesado com o tempo, o Cruzado de Capa ainda era

um pugilista de mão cheia (trocadilho apropriadíssimo!) e Danny já não era mais ninguém ao

fim daquele encontro.

- Faça o que tem que ser feito Bruce!

Mas o que ele estava querendo dizer com isso?... Difícil saber. Danny levaria consigo

o mistério de suas últimas palavras. Seria sua vez de experimentar uma queda ininterrupta até

o chão. E foi por pouco que ele não foi impedido uma segunda vez. Dick Grayson, o menino

prodígio dos Grayson Voadores chegou a tempo de tentar pegá-lo em pleno no ar, como

fazem os trapezista de circo. Porém o fio de seu arpéu foi rompido no momento do pêndulo e

ele teve de usar o equipamento reserva para tentar salvar a própria vida. Não deu tão certo, e

o mancebo peralta foi arremessado violentamente contra a parede do mesmo prédio. O

impacto frontal com a estrutura fez com que seu corpo caísse de forma perpendicular ao chão

de uma altura de aproximadamente nove metros. Dez, talvez. O Morcego tentou “fisgá-lo”

durante a queda, mas tudo aconteceu rápido demais e a investida foi em vão. Quando Dick

chegou ao chão seu grito foi alto e assustador. Infelizmente, o senhor Dick Grayson não teve

a mesma sorte de dúvida sobre a integridade de seus ossos. Além de três costelas ele também

fraturou o fêmur, um braço e a clavícula. Bruce havia quebrado mesmo uma costela e

Colapso encontrou o fim que o aguardava dez anos antes. Não tive acesso ao relatório

pericial. Não sei o que ele quebrou. O que é importante dizer e, naquela época mais do que

nunca, era que os dias de destruição e terror do criminoso chamado Colapso haviam chegado

ao fim. O Gazeta de Gotham publicou uma capa no dia seguinte: “O DECLÍNIO DO

MAL”.

Se fosse eu, o fictício editor citado anteriormente, a ler este texto como proposta de

uma obra de ficção, concordaria com o argumento de que, a seu tempo, tudo há de cair.

COMEÇANDO OS TRABALHOS

Uma ironia que percebi só agora... disse no capítulo anterior que Danny se tornou uma

espécie de Bruce ao contrário. O avesso do Cruzado de Capa e toda sua escuridão voltada ao

propósito de promover novos dias, ok? Percebi agora que nessa linha de racínio-metafórico

poderia citar que o sobrenome de Danny é: White.

Com a queda do Colapso Gotham voltou ao que era antes. Menos violenta e

imprevisível, um pouco, mas igualmente tóxica. A questão que nenhum grande período de

um povo, quando me refiro ao termo “período” precedido do adverbio de intensidade

“grande” não quero dizer longo ou extenso, embora Colapso tenha relativizado a duração do

tempo em Gotham, mas, ao que esse tempo representou aqueles que sobreviveram a ele.

Gotham não seria mais a mesma. De alguma forma Danny havia deixado alguma marca.

Porém, ainda de forma embrionária e sutil. Os desdobramentos de sua passagem é que dariam

o tom dos dias a vir. Danny White foi uma espécie de prólogo e prefácio de uma história

muito maior. Uma semente que morreu a fim de que sua essência florescesse sobre solo fértil.

- As coisas serão diferentes daqui pra frente, Alfred.

- Devo substituir o chá?

- Gotham será dada a novos tempos.

- Que seriam?...

- Tempos de sangue.

- Devo me preocupar alguma coisa?

- Se você tiver com planos de uma vida de crimes...

- Não, senhor, me contento com os que pratico para o senhor.

- Preciso falar com o Fox!

Naquele mesmo dia Bruce pediu ao senhor Lucius Fox para que os monitores (telão)

do Edifício Thomas Wayne, na esquina da vinte com a avenida principal pudessem ser

invadidos para a retransmissão de outro sinal – caso você nunca tenha vindo a Gotham ou

nem sequer tenha visto uma fotografia desse lugar, é uma espécie de Times quare de Gotham

City.

- Bom, senhor Wayne o prédio é do senhor, qual a justificativa para raqueá-lo?

- O Batman tem algo a dizer.

E assim foi feito. E um vídeo de poucos segundos foi repetido dezenas de vezes ao

longo de toda a madrugada. O pessoal do TI das Industrias Wayne conseguiu bloquear a

repetição ininterrupta do vídeo, mas como o sinal vinha da Batcaverna e operado pelo próprio

Lucius Fox, de tempos em tempos o vídeo retornava sua exibição. Cortesia do sr. Fox.

A mensagem era simples: “A partir de hoje, quem eu pegar cometendo algum crime

será morto”. No vídeo era o próprio Batman quem dava o recado. Sua imagem aparecia clara

e nitidamente. Óbvio que virou notícia no outro dia! Tanto que Bruce Wayne prestou

“queixa” na polícia, por ter tido seus sistemas e servidores invadidos, com o “vídeo do

Batman”. O material publicado viralizou, mas foi questionado. A notícia chegou ao Arkham,

que zombou em coro do Morcego; exceto ele, o prisioneiro da cela dezessete, que não

somente vibrou com a notícia como vestiu uma camiseta do Batman sobre o uniforme. Era

normal o Coringa ser estranho.

Três dias após o anúncio de seu decreto, o Batman mostrou a Gotham que estava

falando sério. O azarado a encabeçar a lista de óbitos foi um traficantezinho de bairro, numa

segunda-feira atipicamente quente. Cheguei a ter pena do rapaz. De início eu concordei com a

nova abordagem do Morcego. Mas não assumi, claro. No fundo uma voz dizia: “passou da

hora!” Pois bem, tardiamente ou não, ela chegou. Você deve estar se perguntando como...

como o Morcego mataria alguém? Adianto que a criatividade é surpreendente. O primeiro,

em questão, foi queda. Sim, não parece nada criativo, eu sei, mas não foi uma queda

qualquer. O Ben (vamos chamá-lo assim, não descobri seu nome), foi lançado do mesmo

prédio onde três dias antes o Morcego anunciou seu ultimato. Ele caiu de ponta cabeça e

acabou sujando de massa encefálica a placa cravada em seu peito, com os dizeres: “eu

avisei!” Os homens de Jim de Gordon foram os primeiros a vê-lo e o estado de perplexidade

coletiva tomou conta da cena do crime. Vale lembrar que nós estamos falando de policiais de

Gotham. Eles já viram de tudo. Exceto o Morcego ceifar uma vida arbitrariamente. Agora

mais do que nunca ele era um criminoso e seria procurado por pessoas poderosas. A primeira

e mais importante delas não demorou a chegar.

Sete e cinquenta e seis da manhã, abrem-se as janelas da suíte máster da mansão

Wayne e a luz do sol adentra pelo quarto, tocando as extremidades dos lençóis de seda da

imensa cama em que Bruce Wayne repousa de mais uma noite de atividades. A luz ainda não

o incomodara. O corpo que flutuava em sua direção impedia a chegada da luz. Formando

uma sombra que seria engolida pela luz do sol. O povo do Kansas tem o hábito de madrugar,

costume que playboys de Gotham nunca cultivaram. Um sopro gelado certamente o teria

despertado, mas o visitante era educado demais para acordar alguém dessa forma. A luz do

sol que entrou agora estava bloqueios, inundando a cama de Bruce Wayne com o calor da

manhã. Ele acordou com os olhos pesados e, possivelmente aquela sensação arenosa, terrível,

sobre as pálpebras.

- Bom dia, Clark.

- Foi você mesmo?

- Alfred trará café, quer alguma coisa?

- Não brinque com a minha paciência, Bruce.

- Eu pensei que você viria antes.

- Eu não acreditei naquele vídeo.

- Ninguém acreditou.

- Porque ninguém espera isso do Batman!

- Aquele cara apostou nisso... – o Ben!

- O que aconteceu Bruce?

- As coisas mudaram, Clark. E não serão mais como antes. Aquele homem foi um

aviso.

- Do que? Que se homens maus saírem de casa eles não serão poupados pelo Batman.

- Não somente os homens maus.

- Essa foi a primeira e última vez que você irá fazer isso. Essa sua ideia insana morre

com aquele homem. Eu não quero voltar a falar com você sobre isso.

- Eu também não.

- Se insistir eu terei de pará-lo... E nós sabemos que esse dia não será bom.

- Você vem aqui para questionar meus métodos e se despede com ultimatos?!

- Sim... é o certo a fazer!

- O que te faz pensar que você pode vir à minha cidade e me dizer o que fazer?

- Eu não sangro, Bruce.

- ...

- Diga ao Alfred que mandei lembranças –. Com essas palavras o Super encerrou sua

fala e saiu pela mesma janela que havia chegado. Dessa vez, no entanto, um pouco menos

sutil que a entrada – Aquele que dormia despertou! – Incomodado com a luz, Bruce se

levantou, fechou as cortinas e voltou a dormir. O dia estava apenas começando.

VOCÊ FICOU AINDA MAIS FEIO Às vezes fico imaginando como devia ser a

comunicação entre os heróis. Será que eles se encontram casualmente? Ou fazem amigo

oculto no fim do ano? Se fazem, a descrição é feita a partir da personalidade do sujeito, ou de

seus poderes e habilidades? “Meu amigo oculto voa, tem visão de calor e é forte a beça!”

Assim seria fácil demais! Eles são muito específicos. Se fosse a personalidade talvez ficasse

mais interessante. “Meu amigo oculto é ingênuo, idealista e embora não sangre, ele chora!”

Talvez desse um pouco mais diversão a brincadeira.

O Oswald soube do anônimo que o Morcego jogou em queda livre. Toda Gotham

soube. Mas o Pinguim escolheu ignorar o fato, tal como fez com o vídeo. Ele estava

preocupado demais com seus negócios para dar atenção a isso. Seus caminhões estavam

sendo saqueados e os compradores estavam perdendo a paciência. Oswald preferia uma surra

do Morcego e uma semana na solitária do Arkham, que prejuízos em seus negócios. O tempo

e a fortuna aumentaram sua barriga e ganancia. A pressão arterial tinha de ser controlada

diariamente e suas visitas ao psiquiatra tornam-se semanais quando os negócios não estavam

indo bem. Oswald era de perder o sono fácil. Ansioso por descobrir quem era, ou quem eram

os responsáveis por seus prejuízos semanais, ele foi atrás de alguns policiais corruptos, afim

tentar descobrir alguma coisa. Empreitada sem muito sucesso. Aliás, ele soube foi que havia

um pequeno grupo de fardados envolvido com roubo e extravio de carga. Informação que

sozinha não se conectava ao que vinha lhe acontecendo nas últimas semanas. O Pinguim

virou uma fera! Sem apurar nada, mandou matar todos os policiais corruptos que conhecia.

Uma geral no departamento. Cortesia de Oswald Cobblepot para Jim Gordon! Daquelas de

não precisar agradecer. Jim ficou furioso! Uma carnificina desnecessária e horrorosa!

Impossível não lamentar. Nem todos eram envolvidos com o crime.

- Como assim?

- Perdoe-nos Sr. Oswald, nos confundimos com alguns e houveram baixas que não

esperávamos.

(Onomatopeia para barulho de tiro) Oswald também era impulsivo quando se

enfurecia. Não falou mais nada com o capanga que matou a mais e fez daquelas, as últimas

palavras do homem. O coitado morreu pensando que seu chefe estava com raiva. Dessa vez

não. Ele estava era com medo! Aliás, em pânico! O Morcego costumava ser ainda mais

impiedoso quando o assunto era os homens do Jim Gordon. Mesmo os corruptos. “E se for

verdade esse negócio de o Batman estar matando?” Imagino que essa ideia tenha lhe rondado

a mente em algum momento. Em seu lugar eu teria ficado com medo. Sendo homens do Jim,

ainda mais. O Morcego era fiel à sua palavra.

Não demorou para que ambos se encontrassem. As investidas do Morcego estavam

mais rápidas que o habitual. No início cheguei a pensar que ele estivesse gostando de mandar

lavar o sangue em seu uniforme. Mas depois percebi que a demora de antes era consequência

de planejamentos e cuidados contra possíveis baixas em suas missões. A velha história do

joio no trigo. Como essa deixou de ser uma preocupação, digamos, cerne. Bastava não mais

que uma localização e gasolina no tanque do Batmóvel. Para facilitar ainda mais as coisas, o

Pinguim foi se “esconder” justo no Narrows, numa de suas casas de jogos preferida – como

assim? – Será que ele pensou que o Morcego se sentiria inibido com a presença da elite

abastada de Gotham? Oswald gostava dessa casa em particular pelas altas quantias em

dinheiro que giravam por lá. Fora as bebidas, mulheres e toda aquela coisa no melhor estilo

Vegas. E por incrível que pareça, essa era uma casa totalmente dentro da lei, não tinha drogas

– não tinha mesmo! – e armas também eram proibidas. Talvez tenha sido esse seu

pensamento, “vou ficar aqui, trabalhando dentro da lei, quem sabe o Batman não me

poupe?!” Uma aposta tão ingênua quanto os canivetes e tonfas elétricas dos seguranças na

entrada. Dois, Bill e Brad, primos de primeiro grau que cresceram nas imediações da Casa.

Conheciam quase toda escoria do lugar. Faziam a segurança na entrada e davam os nomes e

endereços dos corajosos que eventualmente se aventuraram a querer roubar o “Casino do

Pinguim”. Ambos trabalhavam para Oswald legalmente e nunca tiveram passagens pela

polícia, assim como nunca viram o Morcego de perto.

A arquitetura do lugar era fina e uma das mais belas que se tinha em Gotham.

Confesso que já andei perdendo algum dinheiro por lá, na roleta, enquanto investigava um

outro caso. Ficava no sexto e último andar do prédio, totalmente reformado. Talvez como

uma forma de mostrar transparência, Oswald fez questão de janelas de vidro ao redor das

quatro paredes. Você deve ter pensado o mesmo que eu: fácil demais! Mas acredite, o

Morcego entrou por baixo! Acho que nunca vi ele fazendo isso. O Bill estava no banheiro

quando o chão explodiu. Brad se assustou com o barulho e Bill molhou acidentalmente suas

calças. A explosão fez um buraco no centro do salão e o Morcego saltou de lá, gritando o

nome do Oswald. Os músicos pararam e as pessoas ficaram imóveis e mudas. Bill e Brad não

souberam o que fazer. Silêncio total no salão, apenas o Morcego andando entre as pessoas.

Durou não mais que três segundos para que alguém se mexesse, era Oswald tentando se

esconder. Ele não foi muito longe. Parou onde estava quando se viu descoberto. Eu também

não ofereceria resistência, quem sabe um lampejo de misericórdia não atingisse em cheio o

Morcego?! A fé de Oswald durou até a mão de seu adversário o pegar pela gola do casaco e

arrastá-lo pelo centro do salão até uma das janelas. Durante a caminhada, que foi lenta, vale

registrar, Oswald implorou por perdão e disse que não queria matar aqueles policiais

inocentes. Idiota! Acabou confessando a autoria das dezenas de outros que sucumbiram as

centenas de projéteis 9mm! Suas preferidas. No desespero fazemos coisas! E ainda que o

Morcego tenha assumido a metodologia do olho por olho, ele ainda não fazia questão de

contribuições voluntarias e não premiava delatores.

- Peguem ele!

Depois de perceber que não conseguiria persuadir um de seus arqui-inimigos, Oswald

apelou para seus subordinados. Haviam mais que apenas os dois primos na entrada. Uns oito

homens sacaram canivetes e punhais de seus bolsos e cercaram o Cruzado de Capa. Quando o

primeiro ameaçou investir, o Morcego parou com sua marcha em retirada e apontou o dedo

para o lacaio audaz.

- Quieto! Todos vocês! Não quero mais nenhum passo. Todos sabemos como isso

acaba.

Ele tinha razão. E quem fosse sensato perceberia a mesma coisa. O Pinguim estava em

desvantagem. Bill e Brad não saíram do lugar. Eles estavam na entrada. Um pouco mais

afastados. Quando já estava próximo às janelas, o Morcego olhou bem nos olhos do Bill, que

ainda estava segurando seu canivete acionado e as pernas levemente flexionadas, como que

preparado para a ação. Bill entendeu o recado. Deve ter pensado na filha, ou na casa que ele e

a esposa acabaram de comprar. Aquela não era uma briga para ele. Sem mais interrupções

eles saíram e desceram até a calçada. Oswald apelou novamente pela misericórdia de seu

algoz.

- Por favor, não me mate!

- Eu não vou.

O Morcego era um homem de palavra e Oswald teve sua vida poupada. Antes não

tivesse, no entanto... seu castigo foi cruel! Um único golpe, nada mais que isso. Um “pisão”

na nuca, com a boca aberta, mordendo a calçada. Múltiplas onomatopeias puderam ser

ouvidas. Sons que se assemelhavam a estalos. Fraturas instantâneas em estruturas rígidas –

“crec” – os poucos dentes que restavam foram quebrados e alguns engolidos. O maxilar saiu

do lugar e não me recordo se chegou a fraturar também. Às vezes não passou de uma trinca.

A cervical, porém, não gozou da mesma sorte. Em um único golpe o Pinguim ficou banguela

e tetraplégico –. Que engraçado! Justo ele, que gostava de economizar em tudo, foi castigado

com um excelente custo benefício.

ELE JÁ NÃO FICA MAIS PARA O CAFÉ Essa história que estou contando já

foi escrita outras vezes, muitas inclusive. Porém, nunca com o mesmo compromisso,

precisão, apuração e riqueza de detalhes. Ainda assim, existem mistérios insolúveis e

barreiras intransponíveis à verdade absoluta. Como por exemplo, a forma com que os heróis

se comunicam. Tenho para mim que eles tem grupos nesses aplicativos de conversa. Sempre

com os alteregos, por questões de segurança. Imagino que quando o Morcego resolveu iniciar

seu projeto2 e a noticia começou a se espalhar, eles tenham conversado a respeito:

2 Internamente, dei à empreitada do Morcego o codinome de Iniciativa Antigo Testamento.

Vocês viram que deu a

louca no Batman???

Eu vi!!! Ele tá mais louco que o

Batman!

Kkkkkkkkkkk.... Verdade!

É sério gente!

Será que foi o Coringa?

O coringa o q?

Não é pra dizer nomes seu

idiotaa!!!

Que deixou o Bruce assim...

Foi mal ai galera...

Sério gente, alguém precisar

fazer alguma coisa!

E assim encerra-se a conversa em meu fictício diálogo no grupo: Heróis

Voltando a realidade... Após deixar o Pinguim na sarjeta, o Morcego se recolheu em

seus aposentos e, mais uma vez, teve pesadelos. Ele vinha com dificuldades para dormir

desde que começou a matar. Estar seguro de sua decisão não lhe faz mais preparado para suas

consequências. Não aliviava o fardo. Ele sabia disso.

Por volta das dez e trinta e seis da manhã, ainda cedo para um morcego, Bruce Wayne

é surpreendido em seus pesadelos por um enorme barulho de estilhaços, acordando assustado

e, como que num salto da cama, se esquivando do que quer que fosse. Estilhaços

preencheram os lençóis. Era o Super outra vez, entrando pela janela, que dessa vez

encontrava-se fechada.

- Eu te avisei Bruce! – Disse o Super pegando-o pelo pescoço.

- Eu disse ao Alfred que você mandou lembranças... – respondeu Bruce, com

dificuldades para falar.

- Não brinque comigo!

- ...

- Eu sou capaz de te matar aqui mesmo!

- Você não é homem para isso.

Eu acredito que o Sr. Wayne sabia o que estava fazendo. Mas essa não uma boa frase

para dizer a um homem (muito) mais forte que você. O Super o arremessou no teto do quarto

e disparou seu raio laser (visão de calor) destruindo toda a suíte da mansão.

- Você transformou Oswald em uma aberração!

- Eu poupei a vida dele.

DEIXEM QUE EU VOU!

Também acho... mas quem se

habilita a ir vai lá falar com ele???

Eu quem?? Tá sem foto.

- Como? Deixando-o inválido?

- É um preço a ser pago.

- Ele está em coma no hospital de Gotham. Os médicos disseram que ele teve a

cervical fortemente comprometida, além múltiplas fraturas no rosto... O que você fez Bruce?

- Como disse, poupei a vida dele... já que se preocupa tanto.

- Não é com ele que eu me preocupo! Mas com você! Veja no que está se

transformando Bruce!

- No que é necessário.

- Não é assim que fazemos as coisas.

- Quem você pensa que é Clark, para vir aqui discursar seu moralismo barato? Você

pensa o que? Que seus poderes te fazem melhor que nós, humanos? Você acha que não

sangrar te coloca em posição de decidir o que é melhor? Nada disso é sobre sangue, Clark!

- Então não derrame o de mais ninguém... Eu não voltarei aqui outra vez –. Disse o

Super, saindo enfurecido e voltando segundos depois, carregando com uma das mãos, o

batmóvel totalmente destruído, e arremessando-o dentro do que sobrou da suíte.

- É o que eu espero. – murmurou o Bruce Wayne, sangrando sobre os estilhaços.

Alfred entrou no quarto em seguida, com o café da manhã.

- Receio que o Sr. Kent já não aprecie mais meus bolinhos. Ele já não fica mais para o

café.

- Ele me ameaçou, Alfred.

- Muito cortês do sr. Kent. O senhor possivelmente não daria a mesma trégua se

estivesse em seu lugar.

- Certamente não.

- Então o senhor o compreende.

- Sim, Alfred. O que não me deixa outra alternativa.

- Preciso dizer que dessa vez o sr. Kent tem razão.

- Foi você quem pediu para que ele viesse Alfred?

- Jamais, senhor. Já basta ter de limpar a sujeira das suas festinhas.

- Foi você quem disse que Bruce Wayne precisava ter amigos. Não reclame daqueles

que consegui.

- Não são esses amigos que me preocupam, patrão... mas os outros.

- E eles virão, Alfred.

EU AMO O CARA QUE FEZ ISSO O alarme de rebelião do Arkham disparou

na madrugada da última quinta-feira. Há meses que isso não acontecia. Aliás, há meses

também que a taxa de homicídios vem caindo consecutivamente em Gotham. A suíte máster

de Bruce Wayne foi reconstruída e o Batman não saiu mais de casa, desde o fatídico encontro

com o Pinguim. Falando em Oswald, preciso dizer que ele piorou muito durante essas últimas

semanas. Sua recuperação caminhava a passos lentos, sua fala foi comprometida e os

remédios que deveriam tirar a dor pareciam não funcionar mais. Pobre Oswald! Seus

negócios atrofiaram junto com ele. Um pouco da calmaria de Gotham se deve a isso também.

Sua imagem sentado na cadeira de rodas com a boca costurada rodou por toda a cidade,

deixando a comunidade do crime assustada e as crianças que antes gostavam do Batman, com

pesadelos e colchões molhados.

A rebelião no Arkham fez com que o Morcego tirasse a poeira das botas. Era preciso

averiguar. Em se tratando do Arkham, sempre é. A notícia de que o Morcego passou gostar

de sangue já não era segredo para mais ninguém. O que obviamente dividiu opiniões em

Gotham e além fronteira. A cidade virou notícia em todo solo americano. Dizem que até o

presidente procurou saber mais do assunto. Jim Gordon nunca confirmou a história. O boato

era de que a Casa Branca fez uma ligação direta e não oficial para o seu celular, querendo

saber se o que estava acontecendo em Gotham era motivo para deixar o presidente

preocupado. O Jim mente muito mal, mas se isso aconteceu ou não, me interesso mais em

saber o que ele possa ter dito. Felizmente a cavalaria não veio e no Arkham a razão de todo o

reboliço foi que pegaram a camiseta nova do Coringa. Essa, um pouco mais criativa que a

outra, tinha a foto do Oswald após seu último encontro com o Morcego. Junto à imagem, a

expressão máxima de seus sentimentos, grafada em vermelho: “eu amo o cara que fez isso”!

- Se fizer outra rebelião dessa eu te darei motivos para não gostar de mim.

- Impossível!

- E se sair daqui não vai ter a mesma sorte do Pinguim!

- Eu sei! Eu sei! Aliás, eu sou o único aqui que está acreditando em você desde o

começo. Tem gente que ainda acha que tudo não passa de uma grande armação... Mas eu sei

que foi você. E estou amando tudo isso! Olha minha camisa!? Eu estou do seu lado!

Torcendo por você! E eu devo ser o único. Gotham nunca esteve preparada para a verdade e o

que ela pede para que seja feito. Mas você sim! Você sempre esteve! Não sei porque

demorou tanto!... Eu juro, eu não queria matar todas aquelas pessoas. É sério. Mas você

nunca que acordava.

- Eu não sou assassino!

- Sim, você é!... Você é.

- ...

- E aquele seu amigo voador, ele já sabe que você saiu do clube dos mocinhos?

- Não me dê motivos para ter de voltar aqui.

- E a vaqueira?3 Já sabe? Tome cuidado... Ela não tem cara de que ia a missa do

domingo de manhã na igrejinha do milharal.

••••

- Era o Coringa querendo chamar a atenção.

- A do Batman?

- Talvez... Ele me chamou de assassino, Alfred.

- O senhor não esperou que ele estivesse com medo, esperou?

- Não... o Coringa não teme a morte.

- Talvez existam outros como ele.

- Onde você está querendo chegar, Alfred?

3 Mulher Maravilha

- Se o senhor escolheu virar um justiceiro a fim de que o medo provoque exames de

consciência em seus adversários, talvez deva se lembrar que alguns são como o Palhaço.

- É mais que isso Alfred.

- Então o que é? Até agora o senhor disse apenas isso. Que se trata de algo maior, mas

maior quanto? Até do que o próprio Batman? O que aquele homem no telhado disse ao

senhor de tão importante? Ou foi o tal do Colapso que deixou o senhor assim?

- Eles não disseram nada que eu já não tivesse conhecimento... Eu sempre soube que

esse momento chegaria. Tentei adiá-lo o quanto pude.

- E do que nós estamos falando? Do momento em que o Batman se tornaria igual

àqueles que combate?

- Se o preço para ver Gotham uma cidade melhor for esse, Alfred, o Batman está

disposto a pagar.

- E o senhor, está? Suas noites de sono tem sido tranquilas, patrão Bruce?

- Elas nunca foram.

- Não se confunda patrão Bruce, alguns homens não tem medo de nada.

- Eu sei Alfred! Mas talvez a morte não seja apenas uma forma de amedrontar

covardes que se encorajam com a impunidade, mas um consolo àqueles que perderam alguma

coisa.

- Assim como o senhor?

- Não ouse usar meus pais contra mim!

- É o senhor quem os está usando... para se tornar um assassino.

- ...

- Cuidado senhor... para que no fim das contas o Palhaço não esteja com a razão.

- Eu não quero mais falar sobre isso, Alfred.

- Devo avisá-lo que seus amigos já começaram a chegar. O senhor Queen esteve aqui

hoje pela manhã.

- O que ele queria?

- Falar com o senhor.

- Hum... Como o Dick está?

- O senhor Grayson tem reclamado de dores no braço. Os médicos disseram que seu

corpo não tem reagido bem à prótese.

- Algum remédio que possa aliviar a dor?

- Não sei dizer, senhor.

É verdade que já se completavam semanas que o Morcego não saia de casa e, a

rebelião no Arkham não resultou em óbitos ou feridos. Não tinha motivos para Oliver Queen

ir atrás de Bruce Wayne. Não duas vezes no mesmo dia.

- Eu quis esperar passar alguns dias Bruce, talvez fosse apenas uma fase difícil.

- Eu estou bem, Oliver. Não se preocupe.

- Quem mais apareceu?

- O Clark.

- Já era de se esperar. Ele gosta de acordar cedo.

- Se as razões que lhe trouxeram aqui é saber como estou, pode ir em paz.

- Quando estive aqui pela manhã Alfred me disse que você estava bem.

- E não se deu por satisfeito?

- Eu queria te ver.

- Acabou de constatar. Agora se me der licença.

- Alguma missão?

- Duas-Caras e o Charada pretendem roubar o Banco Central de Gotham e

possivelmente fazer alguns reféns.

- Foi bom te ver, Bruce.

- Igualmente, Oliver.

Oliver era um pouco mais discreto que o Super, mas não menos preocupado. Era uma

espécie de idealista racional. Um tipo mais comum. O romantismo coube ao senhor Queen na

escolha apenas de suas armas e indumentária... Arco-e-flecha? Quem ainda usa isso?

“Arqueiro-Verde” quem escolheu esse nome? Pelo amor de deus! Será que a Liga da Justiça

da América, confraria dos homens e mulheres mais poderosos do universo não tem verba

para manter um departamento de marketing?! O que é certo nisso é que o senhor Oliver

Queen não tinha o menor talento para criações e abstrações do gênero. Porém o que lhe

faltava em habilidade com nomes, sobrava-lhe em maestria no uso do arco e da flecha —.

Um recorte rápido, da última vez que esteve em Gotham, o Arqueiro Verde acertou um

disparo em um veículo em movimento, tendo-o efetuado de cima do teto de outro veículo,

sendo que, entre eles, trafega uma van escolar. Para você que não entendeu, Oliver Queen

disparou uma flecha que fez um movimento curvo antes de acertar o alvo. Um Show à parte!

— E aquele dia seria a oportunidade de um novo espetáculo. Afinal de contas lhe foi dado o

local e o horário. As razões ele traria consigo. Um super-herói a fim de barrar outro, cujo

intento era frustrar os planos criminosos de uma gangue. Oliver não era contrário aos planos

do Morcego, claro. Mas desfavorável à metodologia aplicada. É de muita coragem o

indivíduo que sai de onde quer que seja, para vir à Gotham interferir nos planos de seu maior

vigilante! É a ousadia resvalando nos terrenos da estupidez!... O que? Você está achando que

minha postura corrobora com o autoritarismo e insanidade do Morcego? Então venha você

mesmo a Gotham e diga a ele que seus métodos são reprováveis e desnecessários! O

Arqueiro Verde teve a coragem de fazê-lo com uma única flecha atirada sabe-se lá de onde e

cravando-a numa das pilastras do prédio do BCG4. A flecha carregava um artefato explosivo

de pequeno porte. Não atingiu ninguém em cheio, mas foi o suficiente para que os meliantes

envolvidos decidissem abandonar o plano e batessem em retirada. Estavam todos tensos e

com medo. Qualquer movimento surpresa poderia ser o Morcego e, a ordem, caso isso

acontecesse, era clara: fugir o mais rápido possível! Por sorte não se tratava do Cruzado de

Capa. Mas ele não estava longe dali, mas sim dois andares a baixo, na entrada do cofre,

aguardando os desafortunados que não teriam suas vidas poupadas naquela noite. Embora o

roubo não se tenha consumado, o Morcego não ficou contente com a intromissão de seu

antigo parceiro de grupo. Embora ainda mantivessem alguma ligação, a relação de ambos já

não vinha dando liga – trocadilho forçado!

Quem seria aquele que à beira da morte entregaria os planos do chefe? Toda operação

funciona assim, alguns detalhes das investigações só aparecem na boca dos primeiros a se

arrepender. Sem ninguém para falar, coube ao Batman voltar para casa e tomar seu chá um

pouco mais cedo que o previsto. Planos foram frustrados naquela noite! O Arqueiro triunfou

outra vez em solo vizinho, reconhecimento que não tardou ao outro dia, para chegar.

<Número não identificado>

Parabéns Oliver! Você fez o que tinha de ser feito! Bruce está se perdendo... Não

podemos deixar Gotham sucumbir a essa loucura.

Olivier Queen:

Quem é?

<Número não identificado>

Diana!

4 Banco Central de Gotham

Oliver Queen:

Por que desse número?

<Número não identificado>

Você sabe com quem estamos lidando... Esteja preparado!

A segunda parte da mensagem seria levada a sério. Era de vital importância que

estivessem todos preparados! O Arqueiro Verde, assim como os outros, estavam cientes

disso. Talvez nunca tivessem pensando que esse derradeiro dia chegaria, ou pelo menos que

não seria o Morcego a estar do outro lado. Certamente que as coisas seriam mais fáceis se

fosse qualquer outro infeliz nesse lugar. Dias após o disparo certeiro, uma encomenda

chegaria aos cuidados do Sr. Oliver Queen, dando corpo ao levante de resistência contra a

força destruidora do Cavaleiro de Gotham. Uma caixa com uma dezena de pontas de flecha,

forjadas na ilha das Amazonas. Um presente e um incentivo. O bilhete adjunto era sucinto e

categórico: “Uma cortesia de quem está do lado da verdade!” Não estava assinado. Não foi

necessário. Oliver havia compreendido.

Voltando a Gotham... o Morcego estava novamente investido em encontrar o Charada

e seu mais novo sócio, o Duas-Caras. Por que diabos eles queriam roubar (juntos) o BCG?

Por que esse? Qualquer outro banco com certeza teria mais dinheiro e seria bem menos

trabalhoso. A questão, dessa vez, não seria o dinheiro. Não somente ele, na verdade. O grosso

da grana seria para o Bane. Tá bom, mas se ele precisava de grana, por que ele mesmo não

roubou o banco?! Por duas razões; a primeira: ele tinha quem o fizesse e a outra: porque o

Bane não gostava de roubar bancos. – não, não é uma espécie de código moral. Ele preferia

os destruir –. O dinheiro, inclusive, tinha uma finalidade bastante específica, financiar seu

projeto de tomada da Liga das Sombras. O plano era derrubar Ra's al ghul e se tornar o

próximo Cabeça do Demônio! Ousado ou insano? Não sei. Na dúvida, guarde seu medo para

sentir de caras como esse!

E o que o Charada e o Duas-Caras ganhariam com isso? Proteção! Mais

especificamente do “Morcego-raivoso!” Como o vinham chamando. Em troca do dinheiro,

Bane ofereceu seus homens à dupla criminosa. Homens que como ele, foram treinados pela

Liga das Sombras. Uma boa estratégia e um bom negócio! Mas que dificilmente funcionaria

sem o dinheiro. O Arqueiro Verde acertou múltiplos alvos com um único disparo. E quer seja

nos negócios, no crime ou na guerra, não é bom enfrentar mais de um exército por vez. Essa

ação é capaz de formar ligações orgânicas e imprevisíveis contra você e, fortes o suficiente

para te destruir.

— Alfred, faça uma varredura dos últimos esconderijos e bases de operação do

Charada. Quero saber onde posso encontrá-lo.

— O Sr. Nigma não tem tanta criatividade para esconderijos como tem para formular

charadas e mistérios. Ele mantém um rodizio periódico entre alguns pontos nas saídas de

Gotham.

— Me passe todos.

BOULEVARD, 1513, DÉCIMO QUINTO OU DÉCIMO SEXTO ANDAR

— Cara, para com isso, o dinheiro era para o Bane! — Disse Eduard Nigma enquanto

era arrastado pelo terraço do edifício Boulevard.

— Isso não te faz menos culpado.

— Não tem nada a ver com Gotham! Isso é coisa dele! Foi ele quem escolheu o

Banco de Gotham!

— Eu sei.

— Ele quer encarar Ra's al ghul e a Liga das Sombras! Nós não temos nada a ver com

isso. Eu juro!

— Eu também sei disso.

— Então porque você está me levando para a beira do prédio?! Eu sei que isso

funciona! Mas eu já disse tudo que sabia!

— Não tenho dúvida alguma.

— Eu pensei que fosse mentira cara, que você estivesse fazendo isso. Eu esperava de

outros, até dos seus pupilos... mas nunca de você.

— Eu tenho desapontado muita gente ultimamente.

— Você vai mesmo me jogar daqui?

— Eu seria injusto com os outros se não fizesse.

— Então me diz uma coisa antes?!...

— ...

— Quem realmente é você? — Disse o Charada, suspenso pelas mãos do Morcego, a

nem mais um passo de sua queda.

— Meu rosto é minha máscara e minha pele tem chifres, ser um órfão é minha

verdade e playboy, distração.

(Um instante de reflexão...)

— Meu Deus!... Bruce Wayne!

— Parabéns!

Tendo dito e acertado sua última charada, Eduard Nigma foi jogado do terraço do

Boulevard. Era um dia frio. A queda livre aumentaria a velocidade do vento e talvez ele nem

sentisse tanto a queda. O Morcego deu as costas e partiu em retirada. Ainda era cedo e ele

certamente aproveitaria a madrugada. Mais uma vez, um corpo não chegaria ao chão –. Essa

também é uma história de quedas interrompidas –. O Super chegou a tempo de salvar o

Charada. Ele adorava chegar na última hora! E dessa vez, não se deu o trabalho nem de

colocar a vítima no chão, em segurança, para então apurar a cena do crime. O escoteiro

estava furioso! Segurando o Sr. Nigma em uma das mãos ele voou de volta ao terraço do

Boulevard e encontrou o Morcego de costas a não mais que dez passos em sentido contrário.

— Eu estou farto disso!

— Eu também! — respondeu o Morcego sacando uma Magnum .50 e apontando na

direção do homem mais forte do mundo.

— Você sabe o que isso fará em mim.

— É, eu sei.

O disparo acertou a região do abdômen e, diferente um pouco de outros personagens

dessa história, a bala não caiu no chão, mas penetrou o corpo kriptoniano e imaculado de Kal-

el.

— Como isso é possível? – disse ele entre gemidos.

— Kriptonita sintética.

— Bruce...

— Deu muito trabalho fazer isso, Clark. Uma grama a mais e você poderia morrer.

Espero ter acertado nisso também... Do contrário seria um imenso desperdício de tempo e

dinheiro.

O Super não havia tocado o chão em nenhum momento. Com o tiro, ele não

conseguiu manter-se no ar e desmaiou, soltando também o Charada. A fim de impedi-lo de

uma queda daquela altura, o Morcego segurou-o com o arpéu. Eduard não teve assistência

semelhante e estatelou-se no chão. Quedas consumadas; quedas interrompidas. Parece que

em Gotham tudo se repete.

NA BATCAVERNA

— Alfred!... Alfred!

— Pois não, Patrão.

— Clark está lá embaixo. Eu já o amarrei e introduzi os sensores. Ele deve ser

monitorado de hora em hora. Qualquer desvio nos sinais básicos, introduza adrenalina e me

comunique imediatamente.

— Sim, patrão.

— Você teve notícias do Dick?

— A rejeição à prótese parece ter se estabilizado e as dores vem diminuído também.

— Menos mal.

— Porém a perna deverá ser operada novamente. O osso não colou como esperado.

— Como ele está?

— Quebrado.... A propósito, o senhor tem visita.

— São três da manhã, Alfred!

— Não seria a primeira vez, não é Bruce?!

— Selina!

— Surpresa! Ou nem tanto... Olá Bruce, senti sua falta.

— Alfred deixou você descer até aqui?

— Ah, qual o problema?! Você já me trouxe aqui outras vezes... com bem menos

roupa, inclusive.

— Dessa vez é diferente.

— Eu tenho visto, Bruce... e eu queria saber o que está acontecendo.

— Você não é a primeira.

— Mas a única que está preocupada com você.

—...

— Eu sei que o Clark deve estar lá embaixo apagado e que mais algum dos seus

amigos poderosos já deve ter vindo te procurar. Eles são preocupados com o planeta, com as

pessoas, com os vilões que querem colocar tudo a perder e todas essas coisas que vocês

vivem fazendo... eles estão preocupados com o que está acontecendo em Gotham. E não digo

isso pelas mortes! Ninguém liga para isso aqui. A não ser que a mão que esteja matando seja

a do Batman... Diferente deles, Bruce, eu estou preocupada é com quem está aí dentro – disse

Selina, apontando para o peito do Homem-Morcego – ou pelo menos com o que sobrou de

quem costumava estar.

— Eu agradeço, Selina.

— Até onde você pretende ir?

— Honestamente, não sei.

— Você? Se arriscando?!

— Dessa vez sim.

— O que te aconteceu de tão surpreendente para estarmos tendo essa conversa?

— Essa não é uma decisão que se toma da noite para o dia.

— “Da noite para o dia”... Interessante.

— Mais alguma coisa Selina?

— Educação nunca foi mesmo o seu forte, não é Bruce?!

— ...

— Só espero que você saiba o que está fazendo.

— Sua voz está diferente. Está tudo bem?

— Seu chá, patrão... Srta. Kyle?!

— Obrigada, Alfred. Mas já estou de saída. Bruce parece ocupado. E sim, está tudo

bem. Não há nada de errado. Não comigo.

Ela Mentiu. Selina estava doente. Há um ano ou mais que enfrentava um quadro

depressivo agudo. Os anos passaram também para ela. A formosura e elasticidade felina

deram lugar a curvas generosas, próprias de quem se aposentou de marquises e fachadas para

caminhar pela calçada, à luz do sol. Selina abandonou o crime, as madrugadas e, desde então,

vem tentando se estabelecer como proprietária de uma pequena loja de bijuterias. Ela odiava

bijuterias! E as odiava na mesma proporção com que abominava acordar cedo, pessoas de

todo tipo e jeito e, pedidos de desconto. Uma vida de cão! Bruce era seu único frescor das

glórias do passado. Selina não estava se importando com a cidade ou com quem quer que

fosse. A tristeza de seu coração era ver Bruce Wayne, alterego do maior vigilante de Gotham

e seu grande amor, destruir a única lembrança dos tempos em que as coisas valiam a pena.

Foi o apelo mais egoísta e sincero de todos. E o que mais tocaria o coração de Bruce. Claro,

nada que pudesse reverter ou se quer alterar a trajetória do cometa negro. Selina era apenas

mais uma na fila dos decepcionados, encabeçada pelo mordomo, que em momento algum

escondeu seu repúdio frente ao plano de contenção elaborado por seu patrão, para deixar o

Superman fora de seu caminho.

Diferente de outras vezes Alfred não tomou conhecimento prévio e não participou de

seu planejamento. A bala de kriptonita sintética não lhe foi um segredo, muito antes pelo

contrário, ele também ajudou a desenvolvê-la. Ambos sabiam que o momento em que ela se

fizesse necessária poderia chegar. O que não foi previsto por nenhum deles, é que estariam de

lados opostos no crepúsculo desse dia. Alfred se opôs ao que Bruce não hesitou fazer. A

intenção era deixar o projétil alojado no corpo do Super e amarrá-lo em uma espécie de mesa

cirúrgica, monitorando seus sinais e mantendo seu corpo vivo. As dimensões e massa do

projétil foram cuidadosamente calculadas para mantê-lo vivo e, distante o suficiente de seus

poderes.

— O Sr. Kent e eu éramos amigos. E agora o senhor está cuidando para destruir uma

das poucas coisas que sobraram intactas por aqui.

— Alfred, se não fosse você, seria eu. Será melhor assim. Seus cuidados serão

lembrados por Clark como um gesto atencioso.

— Agora que uma das poucos pessoas que poderiam pará-lo está incapacitada de agir,

o que mais o senhor pretende fazer?

— Me preocupar com os outros que ainda podem.

— O senhor se perdeu, Patrão Bruce...

— Preciso do traje para hoje à noite. Consegui a localização dos homens do Bane.

Certifique-se de que estará tudo preparado.

— ...

A solicitação não foi cumprida, o traje não estava preparado. Alfred também não

estava. A última tarefa exigiu mais do que ele tinha a oferecer. Bruce costumava se aborrecer

com atrasos. O Batman não costumava ter o tempo a seu favor. E naquela noite não seria

diferente — Mas onde estava o mordomo? — Pelos monitores o patrão viu seu subordinado

sentado ao lado do corpo inerte do homem mais forte do mundo, chorando as circunstâncias

em que ambos foram submetidos. Bruce se vestiu sozinho e partiu. O Batman não tinha

tempo a perder.

O INÍCIO DA RUÍNA OU O

PRINCÍPIO DO FIM

Eu deveria ter iniciado esse capítulo muito antes. A história não mudará drasticamente

no decorrer dos próximos parágrafos, os acontecimentos que serão narrados são

desdobramentos ou a continuidade dos anteriores. Porém o capítulo anterior ficou grande

demais! Eu nunca fui bom em dividir essas coisas e hoje não estou nem um pouco a fim de

escrever... a labirintite está me matando.

Bom, jornalistas também têm dias maus. O último acabou de passar. Deixei esse

parágrafo em branco para simbolizar o silêncio das últimas semanas. Minha ex-mulher está

de namorado novo. Confesso que doeu ver isso. Eu já tinha me acostumado com o anterior. A

desgraçada ainda tem libido! Ainda arruma o cabelo e as unhas... nem todo mundo está morto

em Gotham... ciúme de gente velha é a coisa mais ridícula do mundo.

Mudando o assunto e aproveitando o gancho, o Morcego nunca matou tanto como

naquelas duas semanas. Ninguém importante, a meu ver, ladrões de padaria, estelionatários

de quinta e alguns políticos corruptos. A cidade estava em chamas! A opinião pública estava

dividida como nunca antes. Gotham tornou-se um cenário de polaridade extrema e caos quase

completo. Nem o Colapso conseguiu deixar o povo desse jeito. A ponto de se enfrentarem

pela simples defesa de seus ideais, pro ou anti Morcego.

Mas voltemos a alguns dias antes, mais especificamente ao dia em que Bruce precisou

se vestir sozinho. Não sei dizer se o Bane já o aguardava ou se o encontro de ambos foi

objeto preciso do acaso. Devia ser coisa de duas da manhã. O anjo caído da Liga das

Sombras e seus demônios estavam reunidos numa das últimas instalações desativadas da Lex

Corp. que ainda restavam em Gotham. Ao contrário de seu protocolo habitual o Morcego fez

uma entrada bastante espalhafatosa e pirotécnica. Isso para ser modesto e não dizer

imprudente e amadora! Tratava-se do Bane e seu exército do mal! Eu tinha tanto medo desse

cara que me dava calafrio só de escrever seu nome. E o Morcego chegou até ele entrando pela

porta da frente e apontando o dedo em seu nariz!

- Eu quero você!

Seus homens não moveram um só dedo sequer. Respeitaram o silêncio de seu mestre

e deixaram ambos a sós. É muita coragem e testosterona para um único parágrafo! Por que

disso? Aliás, por que dessa forma? Porque seja qual fosse o resultado, seria a última vez que

aqueles dois homens iriam estar frente a frente. Um era o espelho quebrado do outro. Iguais

em força, vigor, habilidade e valentia. Eram os únicos capazes de atingir o que havia por

baixo de qualquer carapaça. Como um diamante é capaz de ferir o outro. Por isso talvez o

Morcego tenha entrado pela porta da frente, sem cerimônias ou subterfúgios. Vale dizer, para

efeito de ilustração da cena, que não tratou-se de uma entrada solo, atravessando uma simples

porta, mas com o Bat-wing derrubando a parede inteira e aterrissando dentro do galpão.

A luta começou com socos e pontapés violentos e certeiros. O Morcego usou o mais

fino de seu pugilismo e encontrou do outro lado um Ali5 com punhos tão pesados quanto os

seus. Joelhos e cotovelos também incrementaram o combate. No entorno dos gladiadores, um

exército assistia imóvel, confiando que seu líder seria o suficiente. Aquela foi uma luta digna

de horário nobre e da audiência do Super bowl. Nos primeiros minutos era difícil dizer quem

sairia vitorioso. Dado o afinco dos lutadores, seja quem fosse, era merecedor de coroar o

adversário com a morte. E ela tratou de não se atrasar. Alguns metros dali e acima do chão, o

Arqueiro Verde se preparava para estrar suas flechas com as pontas mais nobres que uma

amazona poderia utilizar. Era noite de caça ao Morcego! Alvo na mira, um último suspiro e

talvez um pedido de perdão. O arco retesado disparou, converteu sua tensão em energia e

lançou a flecha mortal em direção ao Cavaleiro de Gotham. Ele estava de costas. Sentiria

antes de ver. A ponta era de caça, faria um estrago enorme onde quer que atingisse. Oliver

não tinha a intenção de tirar a vida do Morcego. Machucá-lo muito? Sim! Seria o único jeito

de pará-lo e também, o limite de Oliver Queen, que nunca findou uma vida na ponta de sua

flecha. Mas em Temiscira uma amazona não empunha um arco em vão. O alvo foi atingido

com precisão e, o artefato de guerra oferecido como cortesia, ao Arqueiro de Star City,

cumpriu sua função. O corpo de Bane caiu no mesmo instante. Possivelmente já morto. O

5 Muhammad Ali

disparo foi preciso e eficaz. Um show à parte! Percebendo o resultado de sua ação, Oliver

Queen ficou perplexo e em choque. Ele não só errou o alvo, como viu um homem morrer

pela ponta de sua flecha. Como isso foi possível?

XXXXXXXX Um subtítulo sem nome para tentar colocar um pouco de ordem. De

toda a história essa parte foi a que eu mais tive interesse. Como se desviar, estando de costas,

de uma flecha disparada pelo Arqueiro Verde? Dizem que ele nunca erra?!

- Eu fui informado do momento do disparo. – Disse-me Bruce Wayne, sem nenhuma

cerimônia.

- Mas como?

Ele tinha um dispositivo no capacete que projetava numa pequena lente posicionada

no olho direito, a posição em que o Arqueiro estaria, ou, alguém usando as mesmas imitações

de pontas de flecha das amazonas. Ou seja, forjado nisso foi apenas o plano! Os artefatos

foram produzidos pelas Industrias Wayne e equipados com um pequeno sensor de

proximidade que informava sua localização na lente do capacete, inclusive quando atingisse

velocidade superior a 150m/s, momento do disparo. Depois de pensar em tudo isso e, mentir

em nome da mulher cujo laço é um polígrafo, bastou ao Morcego apenas se agachar no

momento certo e deixar que a flecha do arqueiro fizesse o restante. Ela atingiu a máscara do

Bane em cheio e atravessou seu crânio, apontando do outro lado.

Oliver não estava preparado para matar um homem, nem mesmo um assassino a

sangue frio como Bane. No calor do ato, desestabilizado por cruzar a linha que divide heróis

de vigilantes, o Arqueiro se desequilibrou e caiu do anteparo em que se apoiava. Os homens

de Bane correram todos em sua direção. Chegaram a passar ao lado do Morcego e nem

sequer tocaram nele. O alvo era outro. Inexplicavelmente Oliver conseguiu sair dali e

manteve-se vivo, para talvez morrer outro dia, caso os bastardos do Cabeça do Demônio o

encontrassem novamente.

- E se ele não tivesse usado as flechas que você deu?

- Eu quem teria caído.

Nada como contar com a previsibilidade de seu adversário para derrubá-lo!

- Seu desgraçado! Você destruiu o Oliver! – Era Tim Drake, acordando Bruce Wayne

na manhã seguinte ao ocorrido nas instalações desativadas da Lex Corp. O garoto estava

acordado desde então e, como os outros, visitou o Morcego em plena luz do dia. Quando

Bruce não perdia o sono, tiravam-no dele. Tim entrou pela janela. Alfred, que também nutria

boa relação com o garoto, certamente não teria aprovado sua visita. Tim estava desconcertado

e furioso! Desejoso de vingar a morte do Arqueiro. Os pesadelos do Sr. Wayne já não se

davam mais ao luxo de aguardá-lo cair no sono.

- Oliver não morreu.

- Mas o Arqueiro Verde sim! Seu desgraçado! Você destruiu ele!

- Eu pedi Oliver que não interferisse em minhas ações. Ele escolheu não me ouvir.

- Bruce, o que aconteceu com o homem que me treinou? Que me deu um propósito

para lutar? O que diabos você está fazendo? Destruindo tudo que fez por Gotham? Por quê?

- Eu não estou destruindo nada, Tim. Estou fazendo por Gotham algo que somente eu

sou capaz.

- Matando pessoas? Eu pensei que nós fossemos os caras que impedissem isso!

- Você e nenhum dos outros é capaz de entender isso Tim! – Disse Bruce Wayne aos

berros – vocês estão lutando por vocês mesmos. Por seus ideais baratos e suas capa ao vento.

Eu não sei se amanhã Gotham estará melhor por isso, mas eu sou capaz de suportar o peso de

ter cruzado um limite sem volta... bancar o vigilante é mais que acertar flechas no alvo.

- Oliver está em choque! Ele matou um homem por sua causa e foi perseguido por

seus comparsas. Mais um pouco e nós dois teríamos morrido na mão dos mercenários do

Bane... Eu nunca vou te perdoar por isso, Bruce!

Parêntese; Tim Drake, o atual Robin Vermelho que vem atuando sozinho já há um

tempo, estava com Oliver Queen na empreitada da noite anterior. O plano era parar o

Morcego com uma flecha e “pescá-lo” pelo teto do galpão com um módulo voador. Cortesia

do Morcego ao pupilo. Com o imprevisto no plano da dupla, Tim teve de voltar às pressas

com o dispositivo voador e “fisgar” o amigo caído antes que os homens de Bane chegassem

até ele.

- Eu não estou buscando o seu perdão... e se você entrar na minha casa dessa forma,

outra vez, eu também não vou poupá-lo.

- Não vou te deixar continuar com isso! Mas não vou te atacar pelas costas... Edifício

Princeton, hoje. Se você passar por mim, Gotham é sua.

O rapaz estava decidido! Enquanto isso, no Arkham, o Coringa vendia camisas com

fotos das vítimas do Batman, e os dizeres: “Eu amo o cara que fez isso!”

UM POSSÍVEL DESFECHO

- Me tira daqui, Bruce! Ou...

- Ou o quê?

-...

- Não sabe o que dizer? Deve ser estranho, pra você, essa condição tão frágil! Você já

esteve amarrado antes, Clark?

- Eu vou sair daqui Bruce, e quando isso acontecer, eu vou cuidar para que Gotham

nunca mais veja o Batman!

- Se eu fosse você, não me movimentaria tanto, o projétil que nós desenvolvemos

ainda está alojado em seu abdômen, ele foi calculado para deixá-lo apenas sem seus poderes.

Mas se você ficar se debatendo dessa forma, irá lhe causar dor.

- Desenvolvemos?... Quem mais está te ajudando nessa loucura?

VOCÊ ACORDOU TARDE O tiro no abdômen do Super deixou-o em coma por

quase três meses. Período em que o Morcego avançou em seus planos sem maiores

interrupções ou preocupações voadoras. A situação de Gotham caminhava para seu desfecho.

Eu não acredito que Bruce Wayne tivesse um plano com início meio e fim. É característico

de ele ter, é verdade, mas o que se iniciou em Gotham teria consequências imprevisíveis

demais até para o Homem-Morcego. Por intuição, acredito que Bruce Wayne sabia que o fim

de tudo isso já apontava no horizonte. Pessoas morreram, outras se foram. E até mesmo para

ele os limites não tardariam a chegar. Alfred se foi, Selina cometeu suicídio e Tim Drake

pagou pela impulsividade de seus atos, caindo na própria armadilha. O combate com seu

mentor foi passional e imprudente. Pessoas apaixonadas desconhecem limites. Tim Drake foi

vencido por um andaime que despencou sobre ele. Erro de principiante! Causa da morte:

traumatismo craniano e múltiplas lacerações. Uma perda irreparável! Bruce a sentiu na

mesma proporção de Selina, que dezenove dias antes foi vítima de uma overdose de

medicação antidepressiva. O corpo foi encontrado em seu apartamento, alguns dias depois. O

odor da mulher que adorava perfumes caros começou a incomodar os vizinhos. Seu rosto

estava com marcas de arranhões. Bruce pagou pelo velório e chorou a morte de seu único

amor. Mais ninguém apareceu.

- Alfred me ajudou.

- Mentira! Ele jamais seria capaz compactuar com essa sua loucura!

- Pode se consolar com isso... realmente ele não gostou.

- Você deveria tê-lo ouvido.

- Alfred foi embora, Clark! Todos se foram! Selina está morta! Tim está morto! Oliver

foi internado em um hospital psiquiátrico, depois de tentar tirar a própria vida. Acabou Clark!

Acabou!... Você acordou tarde demais.

- Por quê? – Disse o Super aos prantos – nós fizemos tanto por essa cidade juntos.

Pelo mundo! Por que de repente você escolheu fazer isso?

- De repente? Você acha que essa foi uma decisão tomada às pressas? Ou no

desespero? Se você fosse capaz de compreender, eu não o teria colocado em uma coleira. É

hora de matar os mitos, Clark! Nosso heroísmo construiu um mundo mórbido e acomodado.

As pessoas acreditaram em nós e não nelas mesmas!

- Bruce, nós combatemos o mal! Essa é a nossa função! Só nós podemos fazer isso!

- Até quando? Até quando Clark, você pensa em voar sobre o mundo para tirar gatos

da árvore?

- Pelo tempo que for preciso.

- E você acha que tem fim? Você acha mesmo Clark, que chegará o dia que eles nunca

mais precisarão de nós?

- Bruce...

- Todo nosso esforço foi em vão!

- Não diga isso Bruce.

- Quem disse que Gotham está melhor por minha causa?

- ...

- Durante muito tempo eu combati o crime pela culpa da morte dos meus pais. Foi

uma luta individual e vazia. Eu fiz de Gotham um palco de minhas frustrações e vaidades.

- Você fez o que era correto!

- Me poupe de seu discurso de escoteiro, Clark. Você pode voar ao redor do globo,

mas não conhece o mundo para além dos limites do seu milharal. Não somos diferentes,

Clark, porque você agita sua capa em plena luz do dia. Você se diz grato a esse mundo, mas

sente a mesma culpa que eu. No fundo também se acha o causador dos problemas que tenta

resolver.

- ...

- É sua força que o destrói um pouco a cada dia.

- Cala sua boca! Você não sabe nada do que está dizendo!

- Eu sei. Nós sabemos! Você quer relutar, esconder isso no brilho do sol, que só você

consegue olhar de frente. E a verdade é essa mesma, Clark. É a luz que cega! Não a

escuridão.

O Super deu-se as lágrimas. Cessou os movimentos bruscos e viu seu sangue escorrer

pelo ferimento da bala.

- É isso Clark! É isso! Acabou! Os mitos devem morrer – Disse Bruce Wayne,

aproximando-se do Homem de Aço e estancando-lhe o sangue com os dedos –. Veja isso, o

homem mais forte do mundo, sangrando e chorando a própria derrota! Onde estão seus

amigos agora, Clark? Quem salva você? Quem merece seu sangue? – Disse-lhe o Morcego,

esfregando o dedo em seu rosto.

- Quando sair daqui não prometo que pouparei sua vida!

- Seremos ainda mais iguais.

- Eu não matei pessoas que mereciam julgamento.

- Eu sim. Sabe por quê?

- ...

- Porque eu posso Clark! Já não devo mais nada a essa cidade.

- E por que você ainda não me matou?

- Eu quero apenas te destruir, Clark. Não tenho a intenção de te matar... quero que

conheça a escuridão no fundo poço! Ela te fará enxergar melhor.

- Você ainda pode se arrepender de tudo isso.

- Sim. Eu sei. Penso nisso todos os dias. Em todos que perdi; Selina, Tim, Alfred,

Oliver e aqueles que se viraram contra mim.

- Os que não morreram foram destruídos. Parabéns, Bruce!... Como tem sido lidar

com essa dor? – Questionou o Super com ar de ironia.

- Vou te ajudar a descobrir... – Tendo dito, Bruce Wayne coloca de ante dos olhos do

Super, um jornal cuja primeira página noticiava a morte de Louis Lane. – Essa é a dor! Nunca

se esqueça dela.

- O que você fez?!... O que você fez?!... – Ele gritou com suas últimas forças até que

foi golpeado na face. Um cruzado de direita que o levou a nocaute.

ESCRITÓRIO DE ADRIAN VEIDT

- Perdoe-me senhor, mas o senhor Veidt não recebe sem hora marcada. E o senhor

não consta em sua agenda.

- Diga a ele que Bruce Wayne está aqui.

*** Carteirada ***

- Bruce Wayne? O homem mais poderoso de Gotham na antessala do meu escritório?

A que devo tamanha honra?

- Preciso de sua ajuda, sr. Veidt.

- Entre.

*** De portas fechadas ***

- Pois bem Sr. Wayne, em que eu poderia lhe ser útil?

- Preciso que um pacote seja entregue em uma ilha no atlântico.

- Sr. Wayne, as Indústrias Veidt não atuam no segmento de logística. Mas tenho

contatos que certamente poderão auxiliá-lo.

- Eu entendo sua posição e cuidados, mas vamos deixar as máscaras de lado e sermos

mais objetivos, sr. Veidt... ou deveria dizer Ozymandias.

- ...

- A primeira vez é estranho, não é?

- Confesso que trabalhei tanto para que esse momento nunca acontecesse, que não me

preparei para sua eventual ocorrência. Uma falha imperdoável!

- Não seja tão rigoroso.

- Posso perguntar como conseguiu?

- Você não é o único vigilante que dispõe de inteligência, tempo e dinheiro, sr. Veidt.

- Na verdade tempo eu já não disponho de tanto... bom, já que estamos mais

familiarizados, posso oferecê-lo chá de maçã, sr. Wayne?

- ... aceito.

- Bom quanto ao seu pedido, imagino que se trate de algo importante.

- Um artefato ancestral.

- Um artefato? Sr. Wayne gostaria que soubesse que sou um grande apreciador de

mitologia, o que inclui artefatos milenares.

- É para eu me preocupar?

- De quantos anos estamos falando?

- Dez mil.

- Sr. Wayne, receio que o senhor tenha cometido um erro em vir aqui.

- Não subestimo suas paixões Sr. Veidt... mas também sei que se elas o governassem,

nós não estaríamos tendo essa conversa.

- Plausível... mas o senhor precisará de mais, para me convencer a não roubá-lo!

- Não tenho dúvida.

- E qual seria o destino dessa valiosa relíquia?

- Ilha de Temiscira

- A amazona parece mesmo uma adversária e tanto!

- E bem menos paciente que o Super.

- Como você lidou com ele?

- Ele tem seus limites.

- E o senhor?

- Não estaria aqui se não os tivesse.

- Sensato... Ainda não sei se o senhor joga xadrez, Sr. Wayne?

- Às vezes. Alfred é mais entusiasta que eu e vence na maior parte das vezes.

- Como o artefato lhe será útil?

- A ilha das Amazonas já sofreu muito no passado, por causa de um objeto parecido.

Acredito que isso possa mantê-las ocupadas por algum tempo.

- Uma preciosidade por uma distração... um preço alto até mesmo para Bruce Wayne,

não?

- Acredite, já paguei mais caro que isso.

- Posso tentar persuadi-lo a adotar outros meios?

- Lamento Sr. Veidt, mas não vejo outra forma.

- E se eu pudesse oferecer-lhe alternativas?

- Você acredita ser capaz?

- Sr. Wayne, por favor! Não insulte minhas disposições e inteligência!

- Bom, se conseguir algo melhor, considere o artefato como uma forma de

retribuição.

- Você não faz ideia do que eu já fui capaz de fazer, sr. Wayne!

*** Aperto de mãos. Bruce de saída ***

- Sr. Wayne, o Sr. Já sabia o final dessa conversa, não já?

- Não duvide de minhas disposições e inteligência Sr. Veidt.

EU POSSO QUEIMAR TUDO (Narrar a subida pela escada até o sexto andar.

Mencionar que o prédio está com o elevador estragado e que o aluguel veio com desconto –

em casa, o Batman aguardava na sala)

- Andrew Panabaker?

- Batman!? – Pense numa situação em que um cardíaco poderia ser levada a um

infarto – Olha cara, eu vou pagar aquelas multas! Já está tudo nos meus planejamentos! É que

o jornal está atrasando os pagamentos...

- Não está mais6.

- É, mas boletos atrasados tem juros que se multiplicam mais rápido que eu sou capaz

de quitar.

- Por que anda me investigando?

- Investigando você, eu?

- Eu vou te dar outra chance. Pense no que irá responder.

- Eu sou repórter, cara... eu ganho a vida investigando histórias e depois escrevendo

sobre elas.

- E por que quer contar essa?

- Acho que as pessoas têm o direito de saber.

- Todos os jornais estão escrevendo sobre o que está acontecendo em Gotham. Não há

quem não saiba o que se passa aqui.

6 Bruce Wayne havia comprado o jornal.

- Não tenho feito isso pelos que estão vivos agora, mas por aqueles que virão. Temo

que a história seja injusta no futuro.

- ...

- Mas olha, tá tudo aqui, se quiser pode levar, ou se quiser eu posso queimar tudo

também e nunca mais escrevo sobre você!

- Não. Eu quero que continue.

- Como?

- Não precisa investigar mais. Se quiser saber como tudo aconteceu esteja amanhã na

mansão Wayne. Oito da noite. Não leve nada, não diga nada a ninguém, não tente bancar o

esperto.

Jamais! Pensei.

- E pague sua multa! — disse ele já na sacada, desaparecendo com um salto e sendo

engolido pela noite. Cai sentado no sofá e por lá fiquei durante os quarenta minutos

seguintes, pensando no que havia acabado de acontecer. O Batman apareceu no meu

apartamento! Eu conversei com o cara e sai vivo para contar! Mansão Wayne? Por que lá? O

que Bruce Wayne tinha a ver com isso? Eu sei que vocês sabem as respostas, a intenção não é

criar mistérios, mas mostrar as dúvidas que tive naquele momento. — Será que Bruce Wayne

financia o Batman? Sabe quem ele é? Faz sentido. Porque acreditar que ele seja o Morcego é

tão ridículo quanto teorias da conspiração Illuminati.

MANSÃO WAYNE

– Sr. Wayne, aqui quem fala é Andrew Panabaker, eu sei que parece estranho minha

visita, mas é que...

- Entre.

- O senhor já sabia de minha visita?

- Sim.

- Posso presumir então que o senhor conheça o Batman?

- Sr. Panabaker, eu sou o Batman.

Mantive uma relutância quase ofensiva para aceitar que um dos vinte homens mais

ricos do mundo era em segredo o vigilante mais mortal de toda Gotham City. Vencida a etapa

da perplexidade, iniciamos nossa conversa, sem rodeios, subterfúgios ou justificativas.

Perguntei o que quis e meu interlocutor não se furtou a nada. Inclusive dizer quando já era o

bastante e minha curiosidade estava descaracterizando o proposito daquela reunião.

- Perdoe-me sr. Wayne, mas o que está acontecendo aqui é improvável demais!

Ele me disponibilizou tudo que tinha. Arquivos, fotos, vídeos, tudo que conseguiu

produzir e recolher de suas incursões. Alguém deve ter se perguntado sobre minha escrita,

“como esse cara conseguiu apurar tantos detalhes de suas narrativas?” Além das entrevistas,

tive acesso a um elevado número de horas de gravações, produzidas por uma microcâmara

alojada no capacete de sua armadura. Acreditem, mais assustador que ver o demônio, é ver o

semblante de quem o encarou de frente.

Nossas entrevistas aconteceram durante quatro dias consecutivos. No terceiro, Dick

Grayson apareceu de surpresa. Ele estava fora do país, em tratamento. Mais especificamente,

no C.A.R.S7 tentando encontrar uma forma de amenizar as complicações de sua reabilitação.

Ao que parece, haviam progressos. Mas com a morte prematura de Tim Drake, Dick decidiu

voltar antes do previsto.

- Por que você está aqui Dick? Não há nada que possa fazer pelo Tim!

- Você pode, Bruce?

- Tim sempre foi impulsivo e nós dois sabíamos que isso poderia acontecer.

- É o que você tem dito a si mesmo?

- Não banque o moralista comigo Dick! Quantas vezes você quase morreu como

Robin e mesmo assim quis continuar no outro dia? A morte sempre foi um risco para quem

fez as escolhas que fizemos.

- É sério, que é só isso que você tem pra dizer? Depois de tudo, você só quer se

justificar?! Lavar as mãos como se tivesse jeito e dormir em paz?!

- Por que você voltou? Seu tratamento estava progredindo.

- Parece preocupado...

7 Centro Avançado de Reabilitação de Singapura

- Pare de bancar o infantil Dick! Você já não é mais criança! Sabe do que estou

falando e sabe melhor que ninguém como tudo isso está doendo em mim também! Você é o

mais experiente de todos os parceiros que tive.

- E o único vivo! Adeus, Bruce. Não me procure nunca mais.

- Seu tratamento não está concluído Dick! Parar agora só lhe trará mais dor!

- Mais?!

- ...

- E você, quem é?

- Prazer, Andrew Pana...

- Não importa quem ele é!

- Cuidado sr. Andrew, aproximar-se desse homem pode ser mortal.

Ele saiu e Bruce se manteve em silêncio. Percebi que eu deveria fazer o mesmo.

Estávamos numa enorme sala de jantar. Na saída, Dick Grayson abriu uma das imensas

portas do recinto e olhou para trás, como que numa espécie de despedida, mesclada à

esperança de poder levar algo de bom na memória.

- Bruce, aquele dia com o Colapso, quando o fio do meu arpéu se rompeu, foi você,

não foi?

- ...

Ele foi embora sem levar nada.

A história que eu poderia ter contado com precisão acaba aqui. Passados vinte e um

dias após o fim das entrevistas com Bruce Wayne, na noite de sexta-feira do mês de

setembro, o homem-morcego foi morto pelas mãos do Superman. O acontecimento se deu no

mesmo lugar onde tudo começou – edifício Thomas Wayne, esquina da vinte com a principal

– alguém filmou a cena e as imagens foram reproduzidas no telão do edifício. Como

conseguiram? Difícil saber, Bruce já não estava mais aqui para contar. Devem ter hackeado.

Dane-se! Os registros seguintes apontam para a chegada do Super no Planeta Diário.

Disseram que ele foi procurar por informações da morte de Louis Lane. Todos se assustaram

com sua chegada, inclusive a Srta. Lane que fazia plantão no dia.

- Louis?!

- Por onde você andou por todo esse tempo?

- Você está viva!

- Do que você tá falando?

Assim me disseram ter sido... Ainda tenho contatos no Planeta! Atormentado pelo

que havia feito, o Super saiu voando dali deixando mais dúvidas que respostas. As pessoas

queriam saber por onde ele andou por todo esse tempo! O filho de Krypton foi mantido refém

num calabouço escuro, na caverna do Morcego, a qual ele fez questão de destruir antes sair.

Assim como a mansão, acima do esconderijo. Como ele saiu de lá? Quem retirou o projetil

alojado em seu abdômen e permitiu isso? Dormiremos com essa dúvida e com o medo de

estarmos em um mundo que pode ser rasgado a qualquer momento por uma bomba de capa.

ESPECULAÇÕES E TALVEZ DESPEDIDAS Analistas de leitura labial e

comunicação sei lá do quê, disseram que as últimas palavras do Morcego foram: “Faça o que

tem de ser feito, Clark!” Ele estava consciente da própria morte? Preparado? Bruce Wayne

fez tudo isso sabendo do risco iminente de sua morte? Ou ele contava com isso como

desfecho? São tantas questões que ficaram! Após sua morte o mundo não viu mais o

Superman cruzar os céus iluminados de um mundo que passou a temê-lo. “Será que ele

volta?”, “Ele se esqueceu de nós?”, “Não seria melhor ele ficar onde quer que esteja? Meu

pai quando saía louco daquele jeito, voltava e batia na minha mãe!” As aspas são para dizer

que essas questões não são minhas... desejo profundamente que o Super-Homem vá se fuder!

Eu só queria saber como aquela bala foi retirada. Caiu? Não! Sem chance! Nenhuma queda é

ao acaso.

Alguns dias antes de nossas entrevistas, Bruce Wayne disse que o Batman havia ido

ao Arkham. O Coringa fez uma ligação para Jim Gordon e pediu que desse um recado ao

Cruzado de Capa. O Jim desligou na cara do Palhaço! Que retornou a ligação e com a mesma

educação de antes, insistiu no pedido.

- O que você quer?

- Você tem o telefone do Morceguinho? Teria como pedir para que ele viesse aqui?

Jim não o fez, óbvio. Mas o telefone era grampeado e o Coringa teve seu desejo

atendido.

*** No Arkham ***

- O que você quer?

- Não me olhe com essa cara! Estou preocupado com você!

- ...

- Olha a que ponto as coisas chegaram! Você matou o seu pupilo! É o segundo que

você perde! Tudo bem que o primeiro fui eu que matei... mas agora já são dois! E esse por

culpa sua! Isso sem contar aquele outro, que ficou mais velho e trocou de fantasia, pobre

dele, caiu e quebrou a asa... HAHAHAHA! jogar no seu time está ficando impossível!

- Onde estão seus homens agora? E sua insanidade a serviço da ruína de Gotham?

- Você acha que queimar uma escola com criancinhas dentro, ou explodir um hospital

aqui e outro ali é o que é necessário para destruir uma cidade? Isso só deixa as pessoas tristes

e abaladas. Mas bastam apenas algumas doações anônimas de milionários desocupados e

discursos inflamados de algum ativista corajoso para as pessoas renovarem suas esperanças.

Aquele cara lá, o Colapso, ele sabia disso. Ele quis destruir Gotham de dentro para fora e

conseguiu! E não foi demolindo concreto que ele fez isso... Explosões, tiros, anarquia, são

apenas pirotecnia e circo! São importantes, mas não é isso que decide. Que transforma! Você

sempre soube disso, seu rato com asas! Já está grandinho o suficiente para saber que não é

com fogo que se incendeia uma cidade! Não é possível que não aprendeu nada comigo, ao

longo de todos esses anos?! Nada é mais destruidor que a falta de esperança! E vocês, seus

saltadores de telhado, vocês representam a esperança! Os políticos não representam nada, a

polícia não representa nada. Eles são cães vacinados, comendo ração barata... Aquele cara,

sim, o Colapso, ele quebrou você! Implodindo Gotham sobre ela mesma e te usando como

dinamite! Ele fez, enfim, que o Morcego experimentasse sangue de verdade! Sangue quente!

- Eu sabia o que estava fazendo!

- E porque está se justificando pra mim?! Por que diabos você está aqui?! Nosso

encontro é lá fora! Aqui é uma prisão! Você não deveria estar aqui! Eu, não deveria estar

aqui! Aquele cara acabou com nós dois morceguinho.

- Vou liberar sua saída. Poderá ir se quiser.

- E você irá fazer isso, achando que eu não irei sair porque eu estou com medo de

morrer?!

- Você sabe que estou falando a verdade.

- Não tenho medo dos seus músculos e brinquedos caros... eu estou é decepcionado

com você!... E comigo também, assumo... Por isso eu te chamei aqui. Para te dizer que você

perdeu.

- ...

- No começo pensei que fosse por minha causa... É sério! Eu pensei que você tivesse

querendo me intimidar com tudo isso. Querendo me deixar com medo, entende? Até que um

dia pensei: meu deus! Quanta vaidade! Eu devo estar ficando louco mesmo! Foi aí que

percebi que era você quem havia se perdido completamente...

- Foi para isso que me chamou aqui?

- E você veio.

- Posso te fazer uma pergunta?

- Todas que quiser!

- O que você faria sem mim?

- HAHAHAHAHAHAHAHA! Eu não sei...

- ...

- E você? O que faria sem mim?

- ....

- Já imaginava... falar dos próprios sentimentos não deve ser um recurso disponível

nesse seu cinto cafona.

- Eu tenho muita vontade de te matar!

- E você não vai?

- Pensei nisso. Mas mudei de ideia.

- Deu-se por saciado com o sangue dos inimigos?

- Você não merece.

- É esse o critério?... Que piada!

Honestamente eu não sei o que pensar sobre isso. O Coringa parece ter razão. Seus

argumentos são parecem lúcidos e razoáveis. Quanta ironia! Esse dossiê não tem condições

mesmo de ser conclusivo. Chegou-se ao ponto de questionar a sobriedade de um palhaço. –

Mas quem “chegou”? – Pergunta feita ao verbo a fim de se identificar o sujeito... eu cheguei!

Eu sou o sujeito. Oculto, indeterminado e lançado ao olho do furacão. A história que eu tinha

para contar era essa. Já não preciso esconder mais minha apatia e descontentamento.

Confesso que a revivescia dos fatos e revisão de seus conteúdos serviu para me deixar ainda

pior. Desde que tudo isso aconteceu que os remédios para dormir parecem dropes sem gosto

com hora marcada e os cigarros um alento à sensação angustiante que tornou-se viver. Sinto-

me num bordel, às oito da manhã de um dia virado, consolado por uma puta velha decadente,

com os dentes sem escovar.

Foram muitas questões que ficaram no ar. O que Morcego desejou com tudo isso? O

Colapso queria o fim da cidade ou dos heróis? Afinal de contas seu pai era um homem de

bem que não usava máscaras e morreu por causa delas. Por que o Morcego destruiu o Super?

Por que, diabos, aquele jornal noticiava a morte de Louis Lane, se era mentira? Eu não

consigo entender o que o Batman tinha a ganhar com a fúria do kriptoniano. Acredito haver

questões filosóficas muito maiores por detrás de tudo isso, que certamente minha cognição

cinquentenária e cansada consegue compreender. O pensamento de homens que usam

máscaras não deve ser julgado por pessoas comuns. Em se tratando de o mascarado ser o

Batman, não deve ser julgado nem mesmo pelos melhores homens de seu tempo. Eles são

enxadristas de peças vivas e regras próprias. E esse tal Adrian Veidt, ou Ozymandias, quem é

esse cara? Por que Bruce Wayne estaria atrás de sua ajuda? E por que ele o ajudaria tão

facilmente? Quem se mete com a Amazona e sua legião de feministas virgens sem um bom

motivo? Isso é mais arriscado que sacrificar a própria Rainha em prol de um ataque efetivo

no rei adversário, é encarar sozinho um tabuleiro repleto delas. Isso é muito para mim! Eu

deveria apenas escrever o que aconteceu. Não estou em condição de mais. Que as mentes

superiores do futuro compreendam nosso tempo e não permitam que a história seja

injustiçada... algo me diz que Adrian Veidt tem planos.

SR. PANABAKER

SAUDAÇÕES,

Meu nome é Adrian Veidt e eu sou o homem mais inteligente do mundo.

A primeira parte certamente era de conhecimento do senhor. A segunda, presumo,

não. Perdoe-me se pareço arrogante, mas não tenho a intenção de corteja-lo para

conseguir o que desejo. Meu propósito, nada mais é, que tornar o mundo um lugar

melhor. Para isso preciso dominá-lo! Não tema minha falta de modéstia, não

ambiciono o que não posso alcançar. Os tempos que nos antecederam foram

testemunhos de feitos semelhantes... Por alguma razão Bruce Wayne decidiu

escolhe-lo como porta voz de sua última empreitada por Gotham. Acredito que a

morte inesperada do sr. Wayne tenha levantado questões importantes acerca de suas

ações e deixado lacunas inconclusivas na narrativa de sua epopeia. Por essa razão

decidi enviá-lo os seguintes escritos e elucidar o que eventualmente tenha ficado na

penumbra dos fatos. A começar pela retirada do projétil sintético de kriptonita,

alojado no abdômen do Sr. Clark Kent. Um trabalho minucioso, diga-se. Cuja ação

me demandou grande perícia! O restante, por sua vez, coube a fúria desmedida do

cão sem coleira. O vídeo com as imagens do homem mais forte do planeta

totalmente descontrolado não demorou mais que cinco minutos para ser alcançar os

seis continentes. Já não há lugar no planeta em que o homem da capa vermelha

possa esconder sua vergonha. Não me omiti ao risco de eventuais retaliações,

tampouco fui negligente a possibilidade de o Superman escolher se rebelar e querer

nos destruir. Contudo soube desde o início que seria uma possibilidade em mil. Suas

imperfeições humanas e emocionais o apontariam em outra direção. Durante um

tempo o mundo lamentará sua partida, mas a sensatez não tardará a despontar sobre

o crepúsculo, de forma que não somente o povo americano, mas toda a humanidade

compreenderá que heróis amados destroem seu povo! Não precisamos de alguém

que seja mais rápido que um tiro, sr. Panabaker; mas sim de impedirmos os fracassos

e as desigualdades que faz com que armas sejam empunhadas! É hora de nos

emanciparmos das divindades que acreditamos que nos protegem. O Super-homem

será o último deus a ser morto e com ele sepultaremos nossas ingenuidades.

Como havia mencionado, não almejo o que não posso ter. Minhas aspirações são de

proporções globais e estou certo do êxito de minha empreitada. Todavia, não serei

injusto e jamais deixaria de destacar a sólida contribuição e esforços desmedidos, por

parte do Sr. Bruce Wayne. Eu poderia compará-lo a um cavalo bem articulado no

tabuleiro ou uma torre com acessos às colunas centrais, porém acredito que em

ambas situações eu possa estar incorrendo ao risco de ser-lhe injusto. Eu diria que

Bruce Wayne, sob a tutela de seu alterego foi um peão a se promover no fim do

tabuleiro. Ele alcançou os limites possíveis de um homem comum e dominou o

jogo. Seus feitos na pútrida cidade de Gotham representaram o microcosmo de uma

revolução que ecoará ao redor de toda Terra. Bruce Wayne foi o homem que apagou

o último sol que cegava a humanidade e nutria as falsas esperanças de dias melhores.

Durante algum tempo o mundo padecerá no poço escuro. Sentirá o medo da

solidão, do desamparo e da morte. A palavra esperança ganhará novos significados e

será encontrada na mãos daqueles que sobreviverem ao poço e ao esvair das ilusões.

O mito totêmico do Grande Pai descansará na aurora das lembranças pueris e o sol

nascerá novamente para um mundo sóbrio e consciente de si. Faremos o parricídio

necessário. E nesse dia, eu estarei lá, pronto para governar a geração que despontará

pelos próximos séculos. Perdoe-me novamente se pareço presunçoso em minhas

colocações. Sei da elevada pretensão de minhas ideias e do despreparo que

eventualmente encontrarei em mentes comuns, como a do senhor. Sei que posso

assustá-lo ou conquistar seu total descrédito. Por isso homens como sr. Wayne e eu

não anunciamos, não fazemos propostas, não buscamos por opiniões. Seria tão

ingênuo quanto pedir a um camelo que construísse uma ponte. E não se sinta

subjugado ou ofendido, sr. Panabaker, a ovelha não precisa se preocupar em ajudar

o tosquiador.

Por fim, me despeço deixando-lhe o convite para que se junte a mim. Os próximos

anos serão de profunda transformação e, em respeito, ao apreço e confiança que

Bruce Wayne nutria à sua pessoa, gostaria de oferecê-lo o benefício de fazer parte da

história que será escrita. Acredito que desde sua chegada a Gotham, início das

atividades investigativas em torno do vigilante conhecido como Batman e, posterior

revelação de seu alterego, que uma admiração ou respeito à figura mítica dessa

persona, possa ter lhe invadido. Se minha hipótese estiver correta, seu sacrifício não

passou sem dor. Por essa razão, posso assegurá-lo de que o homem por detrás da

máscara agiu voluntariamente. Nem mesmo eu conseguiria manipular alguém com o

intelecto de Bruce Wayne. Desde o início soube que seria descoberto em algum

momento. E o que me assegura que tive meus planos decifrados, foi exatamente a

continuidade deles sem qualquer alteração. O que nos diferenciava sr. Panabaker, –

Adrian Veidt e Bruce Wayne – é justamente o lugar que estávamos dispostos a

ocupar no cair do dia. Eu quero fazer do mundo um lugar melhor, mas estando no

topo nele. Considero-me demasiadamente importante para morrer pelo chão que me

suja as botas. Bruce Wayne não hesitou em momento algum, fazê-lo. Não cabem

dois reis do mesmo lado, no mesmo tabuleiro.

Acredito ter-lhe oferecido os elementos necessários a compreensão dos fatos vividos

até aqui. Para os que virão, aguardarei sua presença.

Sem mais,

Adrian Veidt.

NOTA DO EDITOR: O texto apresentado anteriormente foi encontrado

lacrado dentro de um envelope deixado aos cuidados do Sr. Andrew B.

Panabaker em seu apartamento, avenida quatorze, 166. O documento

estava ao lado de seu corpo, encontrado caído no chão com o crânio

aberto na região parietal, consequência de um disparo próximo a região

do pescoço. A perícia constatou suicídio. A versão original do dossiê foi

enviada à redação da Gazeta de Gotham na manhã do mesmo dia em

que seu corpo foi encontrado.