Dossiê Escola de Chicago No Brasil Bahia 1930

download Dossiê Escola de Chicago No Brasil Bahia 1930

of 16

Transcript of Dossiê Escola de Chicago No Brasil Bahia 1930

  • 7/26/2019 Dossi Escola de Chicago No Brasil Bahia 1930

    1/16

    CADERNO

    CRH,

    Salvador,v.

    23,n.

    58,p.35-49,

    Jan./

    Abr.2010

    35

    Lcia do Prado Valladares

    Este artigo insere-se nas preocupaes tericas da autora sobre a recepo da Escola de Chica-go, no Brasil. Analisa a passagem de Robert Park ao final dos anos 30 na Bahia; suas motivaese os efeitos para as cincias sociais internacionais. Essa viagem pouco conhecida e o artigo trazuma pequena colaborao para a histria das cincias sociais, no Brasil e na Bahia. Baseada emdados originais de pesquisa realizada no Brasil e nos Estados Unidos, o autora considera aimportncia da visita de Park [e de Pierson] Bahia. Retoma as noes clssicas deHomem

    Marginal, desenvolvida por Park e demelting pot, usada por Park e discpulos, ao se referirem convivncia, em Chicago, de comunidades com nacionalidades diferentes, que no se mistu-ravam. O caso baiano, de miscigenao, intrigou Park, que acabou transformando a Bahia numlaboratrio social, suscitando a vinda de outros antroplogos, e novas questes e interpreta-es tericas, atualmente retomadas.PALAVRAS-CHAVE: Escola de Chicago, Robert Park, Donald Pierson, relaes raciais, Bahia e Brasil.

    DOSS

    IA VISITA DO ROBERT PARK AO BRASIL, O HOMEM

    MARGINAL E A BAHIA COMO LABORATRIO

    Lcia do Prado Valladares*

    * Doutora em Sociologia. Professora na Universit de Lille 1(Frana) e membro do Centre Lillois dtudes et de RecherchesSociologiques et conomiques - CLERSE/CNRS. Pesquisa-dora associada ao IUPERJ, Rio de Janeiro (Brasil).Facult des Sciences Economiques et Sociales. Universitdes Sciences et Technologies de Lille. 59655. VilleneuvedAscq Cedex. France. [email protected] autora agradece a Mariza Corra, Gilberto Velho e aAnete B. L. Ivo, primeiros incentivadores deste estudo,e a Ceclia Seplveda, Cludia Cruz e Lerice Grazoni que,na qualidade de assistentes de pesquisa, colheram dadosem Salvador, na Biblioteca Nacional, no Arquivo Nacio-nal do Rio de Janeiro e no Arquivo Edgard Leuenroth daUNICAMP. Agradecimentos vo tambm para a Diretorada Casa de Oliveira Vianna, em Niteri, Rio de Janeiro ea Maria Brando (em Salvador) pelo arquivo de cartas deThales de Azevedo. Nos Estados Unidos, vrias pessoasforam extremamente simpticas, dentre as quais: JamesGrossman, editor da Encyclopedia of Chicagoe diretordaNewberry Library; Julia Gardner e Barbara Gilbert daSpecial Collections Research Center, University of Chica-

    go Library; Dani Smith, diretora doDepartment of SocialScience, Fisk University e Beth Howse doArchival and

    Manuscript Collections of the Fisk University, FranklinLibrary. William Kornblum, do Graduate Center, CityUniversity of New Yorke Diana Brown,Bard College, queforam interlocutores constantes. Anna SantAnna, do

    Lincoln Institute of Land Policy de Harvard, intermediou

    INTRODUO

    Robert E. Park visitou o Brasil durante um

    ms e meio em 1937. Nessa poca, ele se encontra-va na Universidade de Fisk (Tennessee) aps ter seaposentado pela Universidade de Chicago, ondeensinou no Departamento de Sociologia de 1913 a

    1933. Ele veio ao Brasil acompanhado de sua espo-sa, Clara Cahill Park. O principal motivo dessaviagem era o de supervisionar o trabalho de cam-

    po de Donald Pierson,1seu aluno de PhD da Uni-versidade de Chicago, que estava morando em Sal-vador com sua esposa americana, desde 1935, es-tudando relaes entre brancos e pretos na Bahia.2

    a relao com Lisa Redfield Peattie, neta do Robert Park.Sou tambm grata a Peter Ward, professor doDepartmentof Sociology, University of Texas at Austin e a BryanRoberts, ento diretor do Teresa Lozano Institute of Latin

    American Studies, que me convidaram como visitingressource professor a Austin. Finalmente, no possodeixar de mencionar Edmond Prteceille, que acompa-nhou com enorme interesse minhas aventuras pelosarquivos americanos.

    **Traduo da documentao citada, do ingls para o por-

    tugus, de Any B. Leal Ivo, com reviso da autora.1Eram membros do Committee responsvel pela tese deDonald Pierson nada menos que Robert Redfield, LouisWirth e Robert Park. Robert Redfield, na qualidade depresidente do Committe, quem deveria ter vindo aoBrasil. Charles Johnson, da Universidade de Fisk, diretordo Departamento de Cincias Sociais, tambm cogitaraem vir, mas foi forado a desistir por conta de sua agendade compromissos. Fonte: Carta do Park ao Pierson, em 7de abril de1937, anunciando sua visita Salvador (Ar-quivo Edgard Leuenroth).

    2Mariza Corra, emHistria da Antropologia no Brasil(1930-1960), colheu o testemunho de Donald Pierson, oferecen-do, em Algumas atividades no Brasil em prol da antropo-

    logia e outras cincias sociais, os principais momentosque marcaram sua longa trajetria de dezoito anos no Bra-sil. Vrias das informaes aqui reproduzidas sobre DonaldPierson foram tiradas desse seu depoimento a Corra.

  • 7/26/2019 Dossi Escola de Chicago No Brasil Bahia 1930

    2/16

    CADERNO

    CRH,

    Salvador,v.

    23,n.

    58,p.35-49,

    Jan./

    Abr.2010

    36

    A VISITA DO ROBERT PARK AO BRASIL...

    Aps ter passado julho e agosto de 1937 noBrasil, primeiro no Rio de Janeiro, quando se encon-

    trou com Artur Ramos,

    3

    e, em seguida, em Salvador,onde foi apresentado por Donald Pierson cidade, sua rede de relaes e aos candombls baianos, RobertPark retornou Tennessee, onde, desde 1936, atua-va como professor convidado da Universidade deFisk, a convite de seu ex-aluno Charles Johnson,4

    ento Diretor do Departamento de Cincias Sociais.Nessa universidade ( poca exclusiva para estudan-tes negros), Robert Park ministrou, junto com DonaldPierson,5em 1938, um seminrio sobreRaa e Cul-tura. Em 1942, a tese de Donald PiersonNegroes in

    Brazil: a study of race contact at Bahiafoi publicadapela University of Chicago Press, com uma introdu-o de Robert Park. O trabalho recebeu o prmioAnisfield, outorgado pela Social Science ResearchCouncilcomo o melhor livro cientfico do ano so-bre relaes de raa no mundo contemporneo.6Olivro foi publicado em portugus sob o ttulo deBran-cos e Prtos na Bahia. Estudo de contato racial, em1945, pela Companhia Editora Nacional, acompanha-do de duas introdues, uma de Robert Park e aoutra de Arthur Ramos e republicado, nos EstadosUnidos, em 1966, pela Southern Illinois University

    Presse, no Brasil, em 1971, com uma nova introdu-o, revista e atualizada pelo autor pela Editora Naci-onal, srie 241, Brasiliana.

    A viagem de Robert Park ao Brasil pouqussimoconhecida dos autores americanos que escreveramsobre ele e sua obra. Somente Matthews (1977),

    Raushenbush (1979) e Coser (1971) a mencionam,mas sem lhe atribuir qualquer importncia.7 como

    se, para a trajetria intelectual de Park, a viagem aoBrasil importasse pouco.8Com efeito, Raushenbush(1979, p. 197-198), responsvel pela principal biogra-fia do autor, no menciona, entre as introdues feitaspor Park aos livros de seus orientandos, aquela escritapara o livro do Donald Pierson! Republicada essa in-troduo em Race and Culture (1950), sob o ttulo deThe career of the Africans in Brazil,o captulo nointeressou aos schollars [estudiosos]americanos.9Agrande maioria dos livros e artigos escritos sobre Parkversa sobre a sua contribuio para a sociologia ameri-

    cana, destacando dois perodos: aquele que antece-deu a sua ida para Chicago, quando Park era jornalis-ta, e o perodo em que Park, na Universidade de Chi-cago, esteve frente da corrente que viria a se chamarde Escola de Chicago.10

    Neste artigo, procuro mostrar a importn-cia da viagem de Park ao Brasil no final dos anos30, sugerindo que foi a partir de ento que a cin-cia social internacional descobriu a Bahia, trans-

    3Fonte: Carta do Robert Park a Arthur Ramos, escrita deSalvador, em 19 de agosto de 1937 (Biblioteca Nacional,Arquivo Arthur Ramos I-35,36,2.032). Nessa carta,Park faz meno ao Hugh Tucker, americano que vivia hmuitos anos no Rio e com quem foi at a residncia de

    Arthur Ramos.4Charles Johnson havia sido aluno do Park em Chicago.

    Em 1922, escreveu o livro The negro in Chicago. A studyof race relations and a race riot in 1919. Ver Referncias.

    5 Donald Pierson foi, a convite do Robert Park, paraTennessee, aps sua estadia na Bahia. Robert Park con-seguira para ele uma posio de assistente na Universi-dade de Fisk. (Fonte: Carta do Robert Park a Charles

    Johnson, ento chefe do Departamento de Sociologia,Archival and Manuscript Collections of the Fisk UniversityFranklin Library). Os Piersons moraram em Nashvillecom o casal Park, enquanto Donald Pierson redigia a suatese de doutorado. Trata-se do nico caso em que umaluno de PhD de Robert Park morou com ele.Raushenbush (1979) menciona o fato na biografia queescreveu sobre Park.

    6Informao dada pelo prprio Pierson a Corra (1987, p.40).

    7O mesmo pode ser dito em relao aos autores franceses.Chapoulie (2001), que escreveu o mais completo livro

    em lngua francesa sobre a tradio sociolgica de Chica-go, menciona Donald Pierson, mas no faz referncia viagem de Park ao Brasil. No seu livro sobre A Escola deChicago (1992, traduzido para o portugus em 1995),publicado na coleo Que Sais-je?, Coulon desconheceDonald Pierson, no fazendo qualquer meno viagemde Park ao Brasil.

    8A neta de Park, Lisa Redfield Peattie, com quem conver-sei longamente, no sabia que seu av estivera no Brasile na Bahia! O mesmo pode ser dito de vrios socilogosurbanos que encontrei nos Estados Unidos (nas Uni-versidades de Harvard, Brown, City University of NewYork, Columbia, Princeton, Austin), durante a minhapesquisa entre outubro de 2008 e fevereiro de 2009.

    9Robert Park s escreveu sobre o Brasil uma vez. Noencontrei o artigo prometido revistafrica, intituladoRelics of The Persistance of African Culture in Bahia.Diz D. Westermann, do Internat ionales Ins titut fur

    afrikanische Sprachen und Kulturen,em carta ao Park,datada de 29 de Outubro de 1937:I should like to see thems of your article on Relics of the Persistence of AfricanCulture in Bahia. If it is not too long and not too far away

    from the aims which our journal pursues, it might bepossible to publish it. So if you will kindly send dit, Ishall have pleasure in examining it [Eu gostaria de ver oms [manuscrito] do seu artigo sobre Relquias da Persis-tncia da Cultura Africana na Bahia. Se no for muitolongo nem muito distante dos propsitos que a nossarevista adota, possvel public-lo. Ento, se voc cordi-almente me enviar, eu terei prazer em examin-lo].(Fonte:Archival and Manuscript Collections of the FiskUniversity Franklin Library). Tal artigo, aparentemente,no chegou a ser publicado.

    10Nas minhas buscas em bases bibliogrficas nos EstadosUnidos, encontrei apenas um artigo sobre Robert Parkem Fisk. Ver Cahnmann (1978).

  • 7/26/2019 Dossi Escola de Chicago No Brasil Bahia 1930

    3/16

    CADERNO

    CRH,

    Salvador,v.

    23,n.

    58,p.35-49,

    Jan./

    Abr.2010

    37

    Lcia do Prado Valladares

    formada desde ento em um laboratrio social.Trata-se de uma pequena contribuio histria

    das cincias sociais no Brasil, pois me interessopela circulao das ideias e pela recepo da Es-cola de Chicago entre ns.11

    QUEM ERA O ROBERT PARK QUE VISITOU OBRASIL? O QUE O TROUXE AT AQUI?

    Robert Park veio ao Brasil em 1937, quandoj estava com 73 anos (nascera em 1864, naPennsylvania) e j conhecia boa parte do mundo,

    sendo um autnticoworld wide traveler[homem domundo].Diferentemente de seus conterrneos ame-ricanos da poca, estivera na Europa e em outroscontinentes. Como estudante, em Berlim (onde fre-quentou cursos dados por Simmel), em Strasburgo12

    e em Heildelberg, onde defendeu sua tese dedoutorado em 1903, The Crowd and the Public.13

    Como jornalista, acompanhando o lder negro BookerT. Washington em sua viagem pela Europa, ajudou-o a escrever The Man Farthest Down(1912).14Naqualidade de professor, esteve por bastante tempoem Honolulu e Hawai (onde coordenou o Survey of

    Race relations in the Pacific Coast), na China (ondefoi professor convidado durante trs meses emPeiping), no Japo, nas Philipinas, na Indonsia, nafrica do Sul. Nessas viagens de volta ao mundo, sefez sempre acompanhar de Mrs. Park e foi em suacompanhia que desembarcou no Rio de Janeiro, donavio Southern Cross, em 15 julho de 1937,15antes

    de seguir para Salvador.Park vem, portanto, ao Brasil num momen-

    to de sua vida em que j um socilogo reconhe-cido tanto dentro como fora dos Estados Unidos.Publicara, juntamente com Ernest Burgess, em1921,Introduction to the Science of Sociology, co-letnea apelidada de Green Bible [Bblia Verde], talfoi sua importncia poca.16Fora eleito, em 1925,presidente daAmerican Sociological Society e eramembro do conselho editorial de vrias revistascientficas. Suas ideias sobre a ecologia urbana eramamplamente difundidas, e seu artigo Suggestions

    for the investigation of human nature in the urban

    environment,publicado no livro The City (1925),editado junto com Ernest Burgess, tornou-se umclssico para se pensar a cidade. Inmeros dosseus alunos de PhD em Chicago tiveram suas te-ses publicadas, dentre as quais se tornaram clssi-cos os estudos de Nels Anderson (1923), Thrasher(1927), Louis Wirth (1929), Zorbaugh (1929), Shaw(1930) e Stonequist (1937), dentre outros.

    Robert Park j era conhecido dos principaissocilogos e antroplogos brasileiros quando aquidesembarcou em 1937, o mesmo podendo ser ditoda Escola de Chicago, da qual Robert Park tornara-se figura chave. Gilberto Freyre, que estudara nosEstados Unidos (na Columbia, New York, nos anos1920) comea o seu livroNordeste, aspectos da

    influencia da canna sobre a vida e a paisagem donordeste do Brasil(1937), anunciando: Este en-saio uma tentativa de estudo ecolgicodo Nor-deste do Brasil (grifo nosso) e, em nota de p depgina, cita os principais autores da nova biblio-grafia que j inclue trabalhos de valor (Freyre,

    1937, p. 9-10), dentre os quais os de McKenzie eos de Robert Park. Outro brasileiro de renome, Oli-veira Vianna, j havia entrado em contacto comPark e lhe enviado seus livrosRaa e Assimilao,publicado em 1932, ePopulaes Meridionais do

    Brasil, cujo primeiro volume de 1920.17ArthurRamos, na introduo que escreveu ao livro do

    11Um primeiro interesse no estudo da recepo da Escolade Chicago no Brasil est registrado em Valladares (2005),onde j feita uma meno visita do Robert Park

    Bahia. H vrios trabalhos sobre a importncia de DonaldPierson na sociologia brasileira atravs dos dezesseis anosem que foi professor na Escola Livre de Sociologia ePoltica de So Paulo: Durham e Cardoso (1961); Corra(1987); Limongi (1989); Massi (1989); Vila Nova (1998);Mendoza (2005), entre inmeros outros.

    12Sobre seus dois anos e meio passados em Strasbourgo,ver Denis in Guth (2008).

    13O ttulo original de sua tese em alemo era Masse undPublikum. Sobre essa tese, escrita sob a orientao deWilhlem Windelband, ver o artigo de Guth in Guth(2008).

    14Segundo Coser (1971) e vrios outros autores america-nos. Na ultima edio desse livro, consta Robert Parkcomo co-autor.

    15Fonte: Informao colhida junto ao Arquivo Nacional.Fundo DPMAF, livro RV397.

    16Ver Schrecker in Guth (2008).17Carta de Robert Park a Oliveira Vianna, datada de 13 de

    julho de 1933. Nessa carta, Park agradece o recebimentodos livros dedicados a ele por Oliveira Vianna. (Fonte:Biblioteca Oliveira Viana, Casa de Oliveira Vianna, Niteri,Reg. n 1035.1).

  • 7/26/2019 Dossi Escola de Chicago No Brasil Bahia 1930

    4/16

    CADERNO

    CRH,

    Salvador,v.

    23,n.

    58,p.35-49,

    Jan./

    Abr.2010

    38

    A VISITA DO ROBERT PARK AO BRASIL...

    Donald Pierson, diz que o jovem socilogo vinhaformado dentro da rgida disciplina metodolgica

    da sua universidade onde recebeu os ensinamentosdogrande Park (Ramos, 1943. grifo nosso). Umautor contemporneo (Vila Nova, 1998) lembra-nosque a criao da Escola Livre de Sociologia e Pol-tica de So Paulo esteve vinculada a uma preocu-pao das elites com uma eficiente atuao na vidasocial e com a confiana iluminista na cinciacomo instrumento seguro de reforma social (p.119). Segundo Vila Nova (1998), os autores doprojeto da Escola vo na direo do pragmatismo-naturalista, no sentido desenvolvido pelos soci-

    logos de Chicago.18Vila Nova chega a afirmar quePark exerceu influncia significativa sobre Freyrequanto sua concepo da sociologia como cin-cia mista ou anfbia. que a sociologia vem sendoao mesmo tempo cincia natural e, com outras ci-ncias chamadas sociais, cincia cultural (VilaNova, 1998, p. 125).

    Muito embora uma obrigao universit-ria teria sido a causa primeira da viagem de Parkao Brasil, em 1937, o que parece t-lo trazido ataqui foi, com efeito, o seu interesse pelas relaes

    raciais. Nos seus tempos de jornalista, em que forasecretrio da Congo Reform Associatione asses-sor por sete anos de Booker T. Washington noTuskegee Instituteno Alabama (antes, portanto,de se tornar professor universitrio), Robert Parkconheceu, entrevistou e conversou com centenasde negros americanos, a maioria dos quais viviano campo. Entre 1906 e 1912, acompanhara BookerT. Washington em vrias viagens tanto ao Sul dosEstados Unidos quanto Europa. Chegara con-cluso de que os negros eram diferentes dos

    migrantes europeus que viviam nos Estados Uni-dos, apesar de ambos terem migrado para o novocontinente. Enquanto as condies de chegadados negros aos Estados Unidos tinha feito desapa-recer todo trao da sua cultura africana de origem,os europeus a mantinham no seu novo habitat.Assim sendo, a noo de assimilao19seria dife-

    rente entre os dois grupos. Os negros tiveram dereinterpretar a cultura anglo-sax (apesar de serem

    isolados do mundo dos brancos), enquanto queos europeus trouxeram consigo a sua cultura e osseus valores.

    O contato entre raas e entre culturas era,de fato, o que interessava a Robert Park. No poracaso seu livro pstumo, publicado em 1950 comum prefcio de Everett Hugues, se chamaRace andCulture. No por acaso tambm, quando Park seaposenta pela universidade de Chicago, vai para aUniversidade de Fisk, uma universidade negra.Sua opo por Fisk tem a ver com a relao prxi-

    ma com seu ex-aluno Charles Johnson ( poca,chefe do Departamento de Sociologia), mas tam-bm representa uma escolha consciente e clara. Sopalavras do prprio Park:

    My primary purpose in coming to Fisk was (1) torenew my acquaitance with the South and (2) inview of the fact that I had long been interested in

    racial studies, explore the possibil ity of aninstitute for the systematic study of race problems.[Meu propsito original vindo para Fisk foi (1)renovar minha familiaridade com o Sul e, (2)tendo em vista que eu tenho estado h muito tem-po interessado por estudos raciais, explorar apossibilidade de um instituto para o estudo siste-mtico dos problemas raciais].20

    Apesar de ter seu nome associado sociolo-gia urbana, trazendo para a universidade seu inte-resse pela cidade, vista no tanto pela ticageogrfica, mas como um organismo social, Parknunca deixou de se interessar pelas questes docontato racial e cultural, considerando-os cada vezmais numa perspectiva internacional. Suas estadi-as na China, na ndia, no Japo, em Hava e na

    frica do Sul serviriam no apenas para ampliarsua rede de relaes universitrias, como tambmpara verificar suas ideias e conceitos nos diferentescontextos. E, no dizer de Charles Johnson (1945):

    Just as he found in race and color in America anindex to human relations, so race and cultureproblems throughout the world gave him a key tothe understanding of the process of civilization.

    18No por coincidncia Donald Pierson convidado em1939 a integrar o corpo docente da Escola Livre de Soci-ologia e Poltica de So Paulo.

    19Park diferenciava os processos de competio, conflito,acomodao e assimilao. Ver Coser (1971).

    20 Documento escrito por Robert Park Comments ofGraduate Study at Fisk University, datado de 19 de ou-tubro de 1938. (Fonte: Ar ch iv al and Ma nu sc ri ptCollections of the Fisk University Franklin Library).

  • 7/26/2019 Dossi Escola de Chicago No Brasil Bahia 1930

    5/16

    CADERNO

    CRH,

    Salvador,v.

    23,n.

    58,p.35-49,

    Jan./

    Abr.2010

    39

    Lcia do Prado Valladares

    [Assim como ele encontrou na raa e cor naAmrica um registro das relaes humanas, domesmo modo os problemas de raa e cultura atra-vs do mundo deram-lhe a chave para entender

    o processo de civilizao].

    O Brasil seria, portanto, mais um ponto dereferncia no contexto internacional, embora dota-do de uma dimenso prpria. Lembremos quePierson fala de uma viagem de volta ao mundo em1934, durante a qual Park teria visitado a Amricado Sul. No encontramos, nos arquivos america-nos consultados, traos dessa sua passagem peloBrasil em 1934, mas Park aqui esteve,21emboramuito rapidamente, e foi nessa primeira viagem

    que conheceu, no Rio de Janeiro, Artur Ramos eOliveira Vianna (Corra, l987, p. 36-37) e que te-ria adquirido o livro de Nina Rodrigues Os Africa-

    nos no Brasil(Corra, 1987, p. 35).Com efeito, o Brasil era conhecido dos aca-

    dmicos estrangeiros por ser uma regio que dife-ria do modelo americano de relaes raciais e cul-turais. Gilberto Freire havia publicado em 1922,no volume 5 da Hispanic American Historical

    Review,a sua dissertao de mestrado Social Lifein Brazil in the middle of the XIX century, germeembrionrio de Casa-grande e Senzala, publicadopela primeira vez em 1933 (TUNA, 2008). NinaRodrigues era, j poca, referncia obrigatria dosestudos sobre o negro no Brasil. Dois CongressosAfro-Brasileiros haviam sido organizados, no Re-cife e em Salvador, respectivamente em 1934 e 1937,contando ambos com a participao de brasileiros(acadmicos e pessoas ligadas aos candombls) eum ou outro estrangeiro.22O Brasil era, sem dvi-da, um caso interessante sobre essa temtica, que

    merecia ser estudado e mais conhecido, diferenci-ando-se substancialmente do caso norte-america-

    no por basear-se na miscigenao.Foi certamente sabendo que o Brasil apre-sentava uma configurao particular de difcil re-conciliao com as ideias sobre as relaes raciaisnos Estados Unidos que Robert Park sugeriu aDonald Pierson que viesse aqui estudar a situa-o racial.23E foi, sem dvida, querendo ver comos prprios olhos uma situao onde o melting

    pot24de raas e culturas acabava por desembocarna miscigenao, que planejou com sua esposa umalonga estadia na Bahia em 1937.

    O Homem Marginal

    Quando chegou a Salvador, Park j era oconhecido e famoso americano Robert Park daUniversidade de Chicago.

    Em 1928, Park publicara um artigo naAmerican Journal of Sociology, intitulado HumanMigration and the Marginal Man. Este artigo vi-ria a contribuir para uma discusso muito presen-te poca sobre a integrao dos imigrantes nasociedade norte-americana e consistiria numa dasprincipais contribuies de Robert Park para ahistria da sociologia americana (Coser, 1971).

    A noo dehomem marginal, quando pri-meiramente cunhada, no negativa, como poderiaparecer. No artigo em questo, Park desenvolve asideias de Simmel,25baseando-se na figura do es-trangeiro [The Stranger]. O estrangeiro aquele que,

    21

    Conforme o Pierson atesta em entrevista concedida aCorra (1987).22O primeiro congresso, de 1934, foi organizado por Gil-

    berto Freyre no Recife, e o segundo foi organizado porEdison Carneiro, em Salvador, em 1937, meses antes davisita do Park. Arthur Ramos participou do primeiro con-gresso, Donald Pierson participou do segundo, muitoembora se previsse tambm a participao de outro es-trangeiro (foi o caso de Herskovitz) que no compare-ceu. Sobre o primeiro Congresso Afro-brasileiro, verLevine (1973: 191), que diz: The fact that the Congress

    identified Afro-Brazil ian studies as a subject worthy ofstudy, recognizing the multi-faceted nature of the subjectand approaching it from a wide range of disciplines issignificant in its own right.[O fato de que o Congresso teridentificado os estudos Afro-Brasileiros como um as-sunto digno de estudo, reconhecendo a naturezamultifacetada da temtica e abordando-a atravs de uma

    ampla srie de disciplinas em si significativo.].Ver tam-

    bm Romo (2007) que, mais recentemente, escreveusobre o mesmo congresso.23 Pierson, no prefcio primeira edio norte-americana

    do seu livro Brancos e Pretos na Bahia , diz: Robert E.Park voltava de uma longa viagem pelo mundo, durantea qual tinha observado in loco alguns dos mais impor-tantes centros de contato racial e cultural, inclusive oBrasil (Pierson, 1971, p. 76, 2 edio).

    24N. da Editora: Segundo a autora (ver adiante) Chicagohavia sido caracterizada por Park e seus discpulos comoum melting pot,onde conviviam diferentes comunida-des pertencentes a diversas nacionalidades, mas que

    no se misturavam.25Park havia estudado com o Simmel na sua passagem por

    Berlim e considerado o introdutor de Simmel nos Esta-dos Unidos, tendo includo vrios de seus artigos na cole-tneaIntroduction to the Science of Sociology (1921).

  • 7/26/2019 Dossi Escola de Chicago No Brasil Bahia 1930

    6/16

    CADERNO

    CRH,

    Salvador,v.

    23,n.

    58,p.35-49,

    Jan./

    Abr.2010

    40

    A VISITA DO ROBERT PARK AO BRASIL...

    vindo de fora, fica amanh. Ele se instala na comu-nidade, mas fica sua margem, permanecendo, de

    alguma maneira, exterior ao grupo social. Desenvol-ve uma personalidade marginal na medida em que um homem margem de duas culturas e duas soci-edades. Segundo Simmel, o judeu emancipado tipicamente um homem marginal. Ele , por exceln-cia, um estrangeiro, um cosmopolita. Park, base-ando-se em Simmel, mas tambm em autobiografiasde imigrantes judeus publicadas nos Estados Uni-dos, nos diz que todas so verses de uma mesmahistria: a histria do homem marginal, daquele quemigrou para os Estados Unidos e est buscando um

    lugar numa cidade que mais livre, mais complexa emais cosmopolita do que o seu local de origem. Nes-sas autobiografias, o conflito de culturas o conflitodo self dividido [divided self], do velho e do novoself. Para Park, portanto, o homem marginal o pro-duto de conflitos interculturais.

    A partir da tese de seu aluno Stonequist(1937), Park dar mais tarde outro sentido expres-so homem marginal, que passar a ter umaconotao mais negativa, incluindo a situao dosnegros do Sul dos Estados Unidos, que vivem margem da cultura branca. O homem marginal sertipicamente um imigrante da segunda gerao, quesofre os efeitos da desorganizao do grupo famili-ar, como a delinquncia juvenil, a criminalidade, odivrcio. Livre de seus antigos valores e tradies,ele tem sua antiga identidade afetada, mas encon-tra-se ainda sem orientao diante dos novos valo-res da sociedade que o acolhe Nessa sua novaconcepo, ohomem marginalcontinua sendo ummigrante, porm ele pode ser representado por um

    europeu ou um negro do Sul dos Estados Unidosque veio cidade em busca de trabalho, ou aindaum campons americano que sofreu os efeitos doxodo rural. Ohomem marginal algum que, aoseparar-se de sua cultura de origem, constri, noprocesso de aculturao, uma nova identidade.

    Para Park, portanto, ohomem marginal umhbrido cultural, que se encontra entre duas culturasdistintas, no sendo plenamente aceito por nenhu-ma delas. No entanto, a mestiagem no deixa de serum enriquecimento, e ohomem marginal suscet-

    vel de criatividade, ligada ao fato de sua posio cr-tica em relao ao meio que no lhe familiar.

    Park certamente chegou ao Brasil e Bahiaquerendo testar essas ideias... Como todo intelec-tual, vinha imbudo de pensamentos e esquemasprovenientes das realidades com as quais se viraconfrontado.26

    Um Melting Pot baiano?

    Embora tendo vindo ao Brasil de Nashville,onde vivia e ensinava, no h dvidas de que,

    para Park, Chicago era a referncia do que seriauma metrpole moderna, uma cidade.

    Chicago havia sido caracterizada por Park eseus discpulos como ummelting pot, onde con-viviam diferentes comunidades pertencentes a di-versas nacionalidades, mas que no se mistura-vam. Halbwachs, socilogo francs, em visita aChicago nos anos 1930,27espantou-se com a quan-tidade de estrangeiros a presentes: poloneses, ale-mes, russos, italianos, gregos, tchecos, irlande-ses, suecos, eslavos, judeus de diversas procedn-cias, totalizando mais de vinte nacionalidades queviviam numa mesma cidade, distribudos em vri-as comunidades (Halbwachs, 1932). Chicago, comcerteza, era uma cidade de estrangeiros, e elescorrespondiam, na mesma poca, a cerca de 70%da populao local. Jane Addams, pioneira dafilantropia em Chicago desde o final do sculo XIX,no livroHull House Maps and Papersmostra, ruapor rua, a concentrao dos diversos imigrantes.28

    Porm, diferena segundo a nacionalidade so-

    26Na leitura de Coulon (1995): ... se alguns grupos soci-ais permanecem marginalizados e desenvolvem cultu-ras intermedirias, hbridas, sem jamais se assimilar to-talmente cultura dominante, porque o homem mar-ginal possui uma ambiguidade fundamental. Mesmosendo um homem criativo, que inventa novas formasde sociabilidade e novos traos culturais, tambm oque sofre esta situao dual de maneira dolorosa, commanifestaes psicolgicas que ao mesmo tempo o re-velam e o designam como um desviante social.

    27 Ver Topalov (2007), que descreve e analisa Halbwachsem Chicago, em 1930.

    28Quanto populao negra de Chicago, ela somente tevepeso a partir de 1914, quando comearam a chegar osnegros vindos dos estados do Sul. Em 1930, a popula-o negra correspondia a 7% da populao total(Halbwachs, 1932).

  • 7/26/2019 Dossi Escola de Chicago No Brasil Bahia 1930

    7/16

    CADERNO

    CRH,

    Salvador,v.

    23,n.

    58,p.35-49,

    Jan./

    Abr.2010

    41

    Lcia do Prado Valladares

    brepunha-se uma diferena de classe social, o quedava cidade uma configurao espacial bastante

    especial. Tinha-se assim, em Chicago, umaaglutinao dos migrantes recentes e ainda no in-tegrados sociedade americana nasLittle ItalyouChina Townou noGhetto Judaico(conhecido comoThe Ghetto), localizados nas reas centrais da me-trpole. Verdadeiras zonas morais, tais territri-os (verdadeiros enclaves) supriam as funes deproteo diante do novo ambiente e ajudavam osdiversos grupos tnicos na manuteno da tradi-o e na reproduo de valores.

    Uma vez integrados sociedade, os no-

    vos americanos iam para a periferia, onde habita-vam embungalows [bangals] ou em bairros exclu-sivos. A mobilidade residencial correspondia, en-to, mobilidade social. O esquema de Burgess ePark (inspirado por Chicago) da cidade em zonasconcntricas (Park, Burgess e Mackenzie, 1925) re-fletia bem essa dinmica social e espacial: medidaem que se progredia na escala social, as reas cen-trais da cidade eram deixadas em prol da periferia.

    A Salvador que Park encontrou em 1937no correspondia ao modelo ideal de cidade ins-pirado pelo caso de Chicago. Havia apenas 290.443habitantes no municpio de Salvador em 1940, nosendo, portanto, Salvador, quela poca, uma me-trpole. Por outro lado, o Censo de 1940 nos in-forma que Salvador no tinha uma populao es-trangeira substancial. Em 1940, os estrangeirostotalizavam apenas 5.439 habitantes (quase 2% dapopulao total). E, dentre os estrangeiros, a col-nia espanhola era a mais numerosa,29no haven-do, no entanto, uma concentrao deles em uma

    s zona da cidade. Os espanhis se encontravamdispersos nos diferentes bairros de classe mdia.Por outro lado, a migrao para Salvador era, so-bretudo, de baianos que se deslocavam do interiorpara a capital. A populao no era, portanto, com-posta de estrangeiros, mas de baianos e de todosos matizes, fruto da sua composio inter-racial.

    Homem marginal? Melting pot?A composio da populao de Salvador,

    segundo a cor, no Recenseamento de 1940, era aseguinte:

    Onde estava, portanto, omelting pot? O caso

    baiano era de miscigenao, como mostravam osdados de 1940 (38% da populao se declarouparda30) e como reconheceu Donald Pierson(1971):

    ... a miscigenao se tem processado na Bahiaininterruptamente e sem provocar ateno so-bre si durante longo perodo de tempo. Talvezem poucos lugares do mundo o cruzamento inter-racial se tenha dado de maneira to contnua eem escala to extensiva em tempos recentes.(p.362).

    A cidade do Salvador se encontrava dividi-

    da em diferentes espaos tnicos, mas a diviso dacidade estava tambm marcada por espaos ricos eespaos pobres. Nas palavras do prprio Park(Pierson, 1971, p. p.84):

    para o estrangeiro que na Bahia percorra umadas elevaes ondemoram os ricos, uma expe-rincia um tanto bizarra, ouvir, vindo dentre aspalmeiras dos vales vizinhos, onde ospobres

    moram, o insistente rufar dos tambores africa-nos. To estreitas so as distncias espaciais queseparam a Europa, situada nas elevaes, da fri-ca, situada nos vales, que difcil perceber aamplitude das distncias sociais que asseparam. (grifos nossos)

    O que chamou a ateno de Park foi, por-tanto, a diviso de classes existente na sociedadebaiana, que se expressava tambm por uma divi-so tnica e de ocupao do espao urbano.

    Park no ficou, porm, imune miscigena-o que constatou na sua visita a Salvador e quelhe foi mostrada por Donald Pierson ao percorre-

    29Informao proveniente da Enciclopdia dos Municpi-os Brasileiros, XXI Volume, Rio de Janeiro.

    30Em 1950, segundo o Recenseamento, a populao quese definia como parda em Salvador j atingia 41% dapopulao total.

    roC oremN %

    acnarB 298.101 80,53

    aterP 274.67 33,62

    adraP 476.111 54,83

    aleramA 641 50,0

    adaralcedonroC 952 90,0

    latoT 344.092 00,001

    .0491edoatibaheoalupop:ocifrgomeDosneC.EGBI:etnoF]airprpoarobalE[

  • 7/26/2019 Dossi Escola de Chicago No Brasil Bahia 1930

    8/16

    CADERNO

    CRH,

    Salvador,v.

    23,n.

    58,p.35-49,

    Jan./

    Abr.2010

    42

    A VISITA DO ROBERT PARK AO BRASIL...

    rem as ruas da cidade, ao visitarem pessoas dasociedade baiana, ao assistirem a vrias cerimni-

    as em terreiros de candombl. A miscigenao,uma caracterstica do Brasil, no era nada frequen-te nos Estados Unidos de ento, onde a ideologiaracial tendia a se perpetuar, impossibilitando amistura racial.31Park reconhecia as dificuldadesde um pesquisador estrangeiro (americano) diantede tal situao. So palavras do prprio Park:

    Mais difcil ainda para ns, cuja concepo doproblema do negro e das relaes raciais se for-mou nos Estados Unidos, compreender em to-das as suas mincias a situao racial num pasde histria e tradio diferentes. (Pierson, 1971,

    p . 84-85).O que a miscigenao representava no Bra-

    sil e na Bahia?Park chegou mesmo a repensar o significa-

    do domelting-pote escreveu, na Introduo dolivro de Pierson (1971, p. 82):

    Ao sugerir a possibilidade de estudos futurosem seguida a este, estou levando em conta o se-guinte: 1) que o Brasil um dos mais importan-tes melting-pots de raas e culturas em todo omundo, onde a miscigenao e aculturao estose processando; e 2) que o estudo comparativo

    dos problemas de raa e cultura provavelmenteassumir uma importncia especial nesta po-ca, em que a estrutura de ordem mundial pareceestar se desintegrando devido dissoluo dasdistncias fsicas e sociais, sobre as quais estaordem parece repousar.

    A visita de Park a Bahia teve, ao que parece,consequncias na sua maneira de pensar a ques-to racial...32

    Bahia: um laboratrio social

    O Brasil era considerado pelos scholarsame-ricanos um verdadeiro laboratrio da civilizao,afirmaria Arthur Ramos em 1943, na introduo primeira edio do livro do livro do Donald Pierson.A referncia era ao Brasil como um todo, mas no aSalvador, na Bahia, em particular. Defenderemos

    aqui a hiptese de que foi somente aps a estadiado Donald Pierson e da visita de Robert Park a Sal-

    vador que essa cidade seria transformada em umverdadeiro laboratrio social.33

    A cidade como laboratrio foi uma das prin-cipais contribuies de Robert Park sociologiaurbana ou cincia da cidade.34A ideia primeirateria vindo de Albion Small, ento chefe do De-partamento de Sociologia. A imagem da cidadecomo laboratrio foi, segundo Leclerc (1979), umaforma publicitria que Park encontrara para explo-rar o material rico que as cidades americanas ofe-reciam para que se analisassem os problemas de

    pobreza, da integrao e das formas de organiza-o social da sociedade. No interessava simples-mente o estudo da cidade, mas a compreenso ci-entfica de seus problemas que, em consequnciado rpido crescimento demogrfico, da forte pre-sena de imigrantes europeus, da intensificao doconflito entre capital e trabalho, eram inmeros.

    Como a poca era de estabelecimento dosprincpios cientficos da sociologia, a metfora dolaboratrio fazia sentido. Como explicar, por exem-plo, a anatomia da vida coletiva? Uma morfologiaque se transformava rapidamente e que, a olho nu,sugeria uma evoluo da vida urbana, da vida dosgrupos, das comunidades? A cidade no seria comoum laboratrio na medida em que ela constituiriaum dispositivo de controle das condies sociaisde reproduo do comportamento humano?

    Salvador foi, ento, transformada (comoo fizera com Chicago, Park e seus discpulos) emum laboratrio social. Iniciando-se pela estadia dePierson entre 1935 e 1937. Durante 16 meses, o

    casal Pierson residiu na Vitria, na Barra e nasMercs (bairros poca de classe alta e mdia) eno Rio Vermelho (que, segundo Pierson, na po-ca, era um bairro pobre, onde se encontravam osprincipais candombls da Bahia).35Pierson fez tra-

    31So palavras de Park na Introduo do livro do Pierson1971, p. 83):Fato que torna interessante a situao

    racial brasileira, que tendo uma populao de crproporcionalmente maior que a dos Estados Unidos, oBrasil no tem problema racial

    32A desenvolver em outro artigo.

    33Inicialmente, para os pesquisadores americanos.34Ver, nas Referncias, o artigo do Park intitulado The city

    as a social laboratory, publicado em 1929 na coletneaChicago: an experiment in social science research.

    35Fonte: Carta de Donald Pierson a Robert Park, datada de24 de Fevereiro de 1937. Pierson fala do Rio Vermelhocomo rea que dava acesso ao Engenho Velho, MattaEscura, Garcia e Gantois. Archival and Manuscrip tCollections of the Fisk University Franklin Library.

  • 7/26/2019 Dossi Escola de Chicago No Brasil Bahia 1930

    9/16

    CADERNO

    CRH,

    Salvador,v.

    23,n.

    58,p.35-49,

    Jan./

    Abr.2010

    43

    Lcia do Prado Valladares

    balho de campo em toda a cidade. Seguindo osensinamentos do Park, vasculhou tudo o que

    existia poca: bibliografia cientifica em portugu-s, francs, ingls, alemo, notcias em jornais,material existente nas reparties pblicas e noInstituto Geogrfico e Histrico da Bahia e em ou-tros arquivos (documentos histricos). Frequen-tou as festas populares de Salvador, seus clubessociais, seus inmeros candombls. Anotou tudoque lhe parecia importante. Empregou a tcnicado questionrio, mas fez tambm entrevistas for-mais e informais, pediu a algumas pessoas queelaborassem listas. Enfim, aproveitou-se da rede

    de relaes que estabeleceu, utilizando a tcnicahoje conhecida como a de bola de neve.36

    Donald Pierson seguiu, portanto, o que omestre propunha a seus alunos. 37

    Park, por sua vez, na sua estadia de quasedois meses em Salvador, tambm considerou a Bahiacomo um verdadeiro laboratrio, onde tudo estavaainda por ser estudado cientificamente e onde o so-cilogo ou antroplogo poderia se certificar ou node suas ideias, ver em movimento os vrios elemen-tos de um conjunto, estudar a organizao social dacidade e da sociedade. Com efeito, as situaes en-contradas por Pierson em Salvador eram bem diver-sas daquelas que o prprio Park havia encontradoem suas mltiplas andanas. A organizao da soci-edade, a ascenso social dos mestios, a ruptura daantiga ordem baseada na escravido, tudo isso oimpressionou e o fez se perguntar se o mestio baiano,brasileiro, correspondia ou no aohomem marginalque definira a partir dos Estados Unidos.

    Pierson disse de Park, quando este esteveem Salvador:

    ...hepoked his nose into everything, observing,pausing to ask questions and to talk with anyonewhose work or other activity interested him atthe moment.[... ele metia o nariz em todo lugar, observando,parando para perguntar e falar com qualquerpessoa cujo trabalho ou outra atividade o interes-sasse no momento].38

    Referindo-se, ainda, a Park, diz:

    Perhaps what impressed me most about him washis constant and absorbing interest in andcuriosity about all kinds and conditions of peopleandin the ways in which they live.

    [Talvez o que mais me impressionou nele foi seuconstante e absorvente interesse e curiosidadesobre todo tipo de pessoas e o modo como elasvivem.]39

    A esposa de Pierson tambm se refere ati-tude do Park sobre Salvador:

    Dr. Park and Donald roamed the city, talking withall kinds of people as they wandered through the

    fascinating streets and by-ways and out into theoutlying portions of the city where the huts of the

    poor, including many Negro families, werelocated.[Dr. Park e Donald percorriam a cidade, falando

    com toda espcie de pessoa, enquantoperambulavam por ruas fascinantes e ruelas si-tuadas nas partes remotas onde os casebres dosmais pobres, incluindo os de muitas famlias ne-gras, estavam localizados.]40

    De volta aos Estados Unidos, em fins deagosto de 1937, Park regressou Universidade deFisk, onde ofereceu, juntamente com DonaldPierson, um seminrio sobreRaa e Cultura41emque (supomos) apresentou boa parte da bibliogra-fia da tese do Donald Pierson,42baseada em gran-

    de parte em autores brasileiros.

    36 Ver, no prprio livro do Pierson (Segunda edio, 1971),o Apndice D,Estudo de Contacto Racial na Bahia: pro-

    cedimento de pesquisa.37 fato conhecido que Park dizia aos seus discpulos parase comportarem como um reprter. So palavras de NelsAnderson: De toutes les consignes donnes par Parkcelle-ci mest reste en mmoire: Contentez-vous de

    retranscrire ce que vous voyez, ce que vous entendez etque vous savez, tout comme un journaliste. [De todosos conselhos dados por Park este me ficou na memria:Contentai-vos em retranscrever o que virem, o queouvem e o que sabem, como um jornalista](Anderson,1923, traduo francesa em 1993, p. 29). Pierson diz, emcarta Fred Matthews, datada de 7 Novembro de 1964:

    Dr. Parks advice to me before I left for Bahia was to putdown everything that seems interesting or important. [Dr.Park me aconselhou a registrar tudo que parecesse inte-ressante ou importante antes mesmo que eu partissepara a Bahia.]. (Fonte: Special Collections, University ofChicago Library, Robert Park Papers, Box 19).

    38Carta do Donald Pierson Fred Matthews. (Fonte: SpecialCollections, University of Chicago Library, Robert ParkPapers, Box 19).

    39Idem, ibidem40Pierson, Helen Recollections of life with Dr and MrsPark(dact.) (Fonte: Special Collections, University of Chi-cago Library, Robert Park Papers, Box 19).

    41 Infelizmente, no encontramos nos arquivos da Uni-versidade de Fisk nenhum trao desse Seminrio.

    42Ver bibliografia selecionada da primeira edio (sobre aBahia e sobre o Brasil) (Pierson, 1971)

  • 7/26/2019 Dossi Escola de Chicago No Brasil Bahia 1930

    10/16

  • 7/26/2019 Dossi Escola de Chicago No Brasil Bahia 1930

    11/16

    CADERNO

    CRH,

    Salvador,v.

    23,n.

    58,p.35-49,

    Jan./

    Abr.2010

    45

    Lcia do Prado Valladares

    dvida, desempenhou um papel importante na suaestadia em Salvador, pois lhe abriu as portas no

    Brasil, assegurando-lhe ser a Bahia um terreno fr-til para seus estudos sobre candombl.49

    Depois da Ruth Landes, foi a vez de MelvilleHerskovits, antroplogo famoso que tambm pas-sou vrios meses em Salvador fazendo pesquisas eque manteve uma longa correspondncia comArthur Ramos (Guimares, 2004b). Segundo ChorMaio (1997), Herskovits veio ao Brasil e Bahiapela primeira vez em 1941, muito embora tenha en-viado trabalhos ao 1 e ao 2 Congressos Afro-Brasi-leiros aos quais no pde comparecer. Esteve na

    Bahia aps ter estado no Daom, no Haiti, emTrinidad e Suriname. Sua relao com Robert Park meio ambgua, pois, apesar de ambos se interes-sarem por estudos comparativos e pelas relaesraciais, tinham posies diferentes quanto ao papelda cultura africana no processo de aculturao noNovo Mundo.50Enquanto Herskovits defendiaque diversos aspectos dos traos da cultura africa-na permaneceram no processo de aculturao (comoa possesso), Park estava mais interessado no pro-cesso de assimilao51e na mobilidade social dosnegros. No por acaso Pierson viu, na Bahia, umaorganizao social que assumia a forma de uma or-dem de livre competio, na qual os indivduos en-contram seu lugar pelos critrios da competncia erealizaes pessoais e circunstncias fortuitas, maisque por sua origem racial (Pierson, 1971, p. 365).Pierson no se limitou a estudar as marcas doafricanismo na cultura brasileira as heranas afri-canas mas considerou, sobretudo, a miscigenao

    e os novos canais de ascenso social, apostando nahiptese assimilacionista qual Park se filiava.

    A Bahia, nos anos 1940, tornara-se, comefeito, um terreno privilegiado para pesquisadoresestrangeiros.

    No cessaram, a partir de ento, as vindasde vrios deles, inclusive Franklin Frazier, socilo-go e ex-aluno de Park em Chicago, que aqui esteveem 1941, na mesma poca em que Herskovits pas-sava seus seis meses em Salvador. Seguindo ospassos de Pierson, Frazier acreditava que o Brasilera um exemplo singular de uma sociedademultirracial de classes com reduzida taxa de ten-

    ses tnicas se comparado com a experincia norte-americana (Maio, 1997, p.183). conhecida a con-trovrsia entre Herskovits e Frazier, que chegou agerar artigos polmicos naAmerican Sociological

    Review,52tendo como pano de fundo a realidadebaiana. Para Frazier, que entrevistara famlias ne-gras, a nova dinmica urbano-industrial fez com quea tradio do candombl viesse a se transformar emfolclore, sendo as prticas culturais baianas, naverdade, parte da cultura nacional brasileira.

    As polmicas ajudaram, sem dvida, aBahia a se tornar um campo favorvel s pesqui-sas. Os estudos sobre contato racial e sincretismose multiplicavam. L fora, ouvia-se falar da Bahiacom suas tradies, seu sincretismo religioso, seusterreiros e suas mes de santo... Roger Bastide,por exemplo, antroplogo francs que residia emSo Paulo, fascinou-se pela descoberta da fricaem territrio brasileiro, estudando as religies ne-gras, o transe e a possesso do ritual do candom-bl (Bastide, 1958).

    No final dos anos 1940, socilogos da Uni-versidade de Columbia juntaram-se com antrop-logos e socilogos brasileiros (Wagley, Charles;Azevedo, Thales de; Costa Pinto, Luiz, 1950) edesenvolveram, no estado da Bahia, o ProjetoUNESCO. Originalmente sob a direo de ArthurRamos (que faleceu quando o projeto estava pres-tes a iniciar-se), o estudo se voltava para as ques-tes levantadas pela convivncia de raas na for-

    49

    Diz a prpria Ruth Landes em carta ao Park datada de 30de Setembro de 1939: Wont you write? Af ter all a man ofyour position carries the obligation of being permanentlyinspiring to younger workers in reated fields. I alreadyowe so much to you (..)Affectionately, RuthLandes.[Porque voc no escreve? Afinal, todo homemde sua posio carrega a obrigao de estar permanente-mente inspirando os mais jovens que trabalham no mes-mo campo de ao. Eu j devo tanto a voc.... Afetuo-samente, Ruth Landes.] (Archival and ManuscriptCollections of the Fisk University Franklin Library).

    50Park fez uma apreciao sobre um dos livros de HerskovitsnoAmerican Journal of Sociology. Ver Referncias.

    51A teoria do ciclo das relaes raciais desenvolvida porPark dizia que a integrao respeitava um padrosequencial. De incio, haveria um processo de competi-o, seguido pelo conflito, desdobrando-se na acomoda-o, at finalmente chegar assimilao.

    52Ver, nas referncias, os artigos de Frazier e de Herskovits.

  • 7/26/2019 Dossi Escola de Chicago No Brasil Bahia 1930

    12/16

    CADERNO

    CRH,

    Salvador,v.

    23,n.

    58,p.35-49,

    Jan./

    Abr.2010

    46

    A VISITA DO ROBERT PARK AO BRASIL...

    mao e histria do pas. O Projeto se desenvolveutambm em outros contextos brasileiros (em So

    Paulo, no Rio de Janeiro e em Pernambuco). Se-gundo Chor Maio (1997, p. 50), o deslocamento docampo de pesquisa da Bahia (em princpio, nicolugar a ser investigado) para outros estados brasilei-ros indica a preocupao de se atentar menos paraa poltica de combate ao racismo e mais para as pos-sibilidades abertas pelas cincias sociais, que j co-meavam seu processo de institucionalizao. O Bra-sil, visto por meio da Bahia, apresentaria o pas aomundo mediante relaes raciais harmoniosas.Como contraponto, o Sudeste do Brasil se fazia

    necessrio: na regio mais urbanizada e industria-lizada, as tenses raciais se faziam presentes.

    No o caso aqui de listar todos aquelesque, desde ento (anos 1960 em diante), tm semobilizado no campo de estudos de relaes raci-ais no Brasil, hoje representados pelos estudos deidentidade racial e racismo (Guimares, 2004a). Pre-conceito de cor, preconceito de raa, preconceitode marca, desigualdades raciais, discriminaoracial e racismo so noes presentes na atual so-ciologia das relaes raciais, campo renovado eretomado nas cincias sociais brasileiras.

    No mbito da poltica, desde 2002 vem seimplantando o sistema de cotas em vrias universi-dades, visando a diminuir a desigualdade racial. AUniversidade do Estado da Bahia (UNEB) foi umadas primeiras, reservando 40% das suas vagas devestibular aos agora chamados afrodescendentes(pretos e pardos). De certo modo, a Bahia faz jus asua populao mestia, to presente nos vrios es-tudos e anlises que transformaram a cidade do

    Salvador em um laboratrio social.

    GUISA DE CONCLUSO

    Howard Becker, numa das vezes em queesteve no Brasil, me disse: one paper, one idea[uma ideia por artigo]. Qual , portanto, o meuponto neste artigo?

    Eu quis mostrar, em primeiro lugar, que, nahistoria das cincias sociais no Brasil, a visita do

    Robert Park a Salvador, na Bahia, muito emborapouqussimo conhecida, foi importante. Apesar de

    curta (um ms e meio) foi intensa e ocorreu quan-do Donald Pierson j tinha concludo seu traba-lho de campo e estava prestes a deixar Salvador.Como j mencionado anteriormente, Pierson foide Salvador para Nashville, onde morou na casado Park e redigiu sua tese. Orientando e orientadortiveram, portanto, um contato muito prximo, oque permite inferir que as ideias de Park estavammuito presentes no texto escrito por Pierson. Apsdefender sua tese, Pierson voltou ao Brasil, a SoPaulo, onde, nos seus dezesseis anos na Escola de

    Sociologia e Poltica, tentou replicar a Escola deChicago da poca do Robert Park. Aps a mortedo mestre (em 1944), continuou difundindo suasideias e sua prtica de pesquisa no Brasil.

    E que impacto no prprio Park teve sua visi-ta a Salvador? Tudo nos conduz a concluir que essavisita lhe deixou marcas e indagaes. No que setenha fascinado pelo ritual do candombl, como soeacontecer com inmeros estrangeiros. O grandeimpacto deve ter sido o de constatar uma realidadediferente da americana, fato que suscitou provavel-mente inmeras questes e interpretaes tericas,que, de imediato, no pde resolver.

    Eu pretendi mostrar tambm que Salvadorfoi transformada num laboratrio social a partir dachegada de Donald Pierson, o que foi reforadocom a visita de seu orientador. Os pesquisadoresamericanos que vieram logo depois se dirigiram cidade j seguros e legitimados: estavam diante deuma realidade que valia a pena ser desvendada,estudada, conhecida, pesquisada com afinco.

    Donald Pierson havia comeado uma discussoque se prolongaria num terreno frtil... A constru-o social da Bahia (Salvador) como laboratrioestava dada...

    Uma questo fica em suspenso: e os pes-quisadores vindos de outros pases que no osEstados Unidos eram portadores de outras ques-tes? A Bahia tambm se tornou um laboratriosocial para brasileiros como Edison Carneiro,Thales de Azevedo e tantos outros que at hoje sedebruam sobre a questo do contacto e das desi-

  • 7/26/2019 Dossi Escola de Chicago No Brasil Bahia 1930

    13/16

    CADERNO

    CRH,

    Salvador,v.

    23,n.

    58,p.35-49,

    Jan./

    Abr.2010

    47

    Lcia do Prado Valladares

    gualdades raciais? Estas, sem dvida, so indaga-es que permanecem.

    (Recebido para publicao em maro de 2010)(Aceito em abril de 2010)

    REFERNCIAS

    ANDERSON, Nels. The Hobo. The sociology of the homelessman. Chicago: The University of Chicago Press, 1923.

    AZEVEDO, Thales de. As elites de cor: um estudo deascenso social. So Paulo: Cia. Editora Nacional, 1955.

    BASTIDE, Roger. Le candombl de Bahia (rite Nag).Paris le Haye: Mouton et Cie., 1958.

    CAHNMAN, Werner J. Robert E. Park at Fisk. Journal ofthe History of the Behavioral Sciences; v. 15, n.4, Out, p.328-336, 1978.

    CARNEIRO, Edison. Candombls da Bahia.Bahia: Secre-taria de Educao e Sade. Publicaes do Museu do Es-tado, n. 8, 1948.

    CHAPOULIE, Jean-Michel. La tradition sociologique deChicago 1892-1961. Paris: Editions du Seuil, 2001.

    CORRA, Mariza. Histria da Antropolog ia no Brasil(1930-1960). Testemunhos: Emlio Willems e DonaldPierson. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais; Cam-pinas: Editora da Unicamp/Edt. Vrtice, 1987.

    COSER, Lewis.Masters of sociological thought. New York:Harcout Brace Johanovich. 1971.

    COULON, Alain. Lcole de Chicago. Paris: PUF, Coll. QueSais-je? 1992. (Traduo em portugus: Papirus Editora,1995).

    CUNHA, Olvia Maria Gomes da. Tempo imperfeito: umaetnografia do arquivo.Mana. v. 10, n. 2, Out., p. 287-322,2004.

    DENIS, Marie-Noele. Robert E. Park Strasbourg. In:GUTH, Suzie, (Org.).Modernit de Robert Ezra Park. Lesconcepts de lcole de Chicago. Paris: L Harmattan, 2008.p.71-81

    DURHAM, Eunice; CARDOSO, Ruth. O ensino da antro-pologia no Brasil.Revista Antropolgica da USP, So Pau-lo, v. 9, n. 1-2, jul-dez, p. 91-107, 1961.

    FRAZIER, Franklin, The negro family in Bahia, Brazil.American Sociological Review, n. 7, p.465-478, 1942.

    FREYRE, Gilberto. Social Life in Brazil in the middle ofthe XIX century.Hispanic American Historical Review, v.5, n 4, nov., 1922.

    _______. Casa-Grande e Senzala, 2 vls., Recife: ImprensaOficial,1933.

    ______. Nordeste, aspectos da influencia da canna sobrea vida e a paisagem do nordeste do Brasil. Rio de Janeiro:Livraria Jos Olympio Editora,1937.

    GUIMARES, Antonio Srgio A., Preconceito de cor eracismo no Brasil.Revista de Antropologia, v. 47, n. 1, p.9-44, 2004a.

    ______. Comentrios correspondncia entre MelvilleHerskovits e Arthur Ramos (1935-1941). In: PEIXOTO,Fernanda reas; PONTES, Heloisa e SCHWARCZ, Lilia M.

    Antropologia, histria, experincias. Belo Horizonte: Edi-tora UFMG, 2004b. p. 169-198.

    GRAFMEYER, Yves; JOSEPH, Isaac. (Orgs.). L cole deChicago. Naissance de lecologie urbaine. Paris: ChampUrbain, 1979.

    GROSSMAN, James R.; KEATING, Ann Durkin e REIFF,Janice L. (Edts.). The encyclopedia of Chicago. Chicago:the University of Chicago Press, 2004.

    GUTH, Suzie (Org.) Modernit de Robert Ezra Park. Lesconcepts de lcole de Chicago. Paris: L Harmattan, 2008.

    ______. Masse und Publikum. La thse de Robert Park.In: GUTH, Suzie, (Org.). Modernit de Robert Ezra Park.Les concepts de lcole de Chicago. Paris: L Harmattan,2008. p. 31-58.

    HALBWACS, Maurice [1932]. Chicago experienceethnique. In: GRAFMEYER, Yves e JOSEPH, Isaac.(Orgs.)Lcole de Chicago. Naissance de lcologie urbaine.1 edio [1979]. Paris, Champs/Flammarion, 2004.

    HERSKOVITS, Melville. The negro in Bahia, Brazil: aproblem in method. American Sociological Review, n. 8,p. 394-402, 1943.

    HULL-HOUSE MAPS AND PAPERS. A presentation ofnationalities and wages in a congested district of Chicago,together with comments and essays on problems growingout of the social conditions by the residents of Hull-House .[1 ed., 1895]. Urbana, Chicago: University of IllinoisPress, Introduo de Rima Lunin Schultz, 2007.

    IBGE.Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica, Enci-clopdia dos Municpios Brasileiros, Rio de Janeiro: IBGE,v. XXI, 1958.

    JOHNSON, Charles. The negro in Chicago. A study of racerelations and a race riot in 1919. Chicago: the Universityof Chicago Press, 1922.

    ______. Robert E. Park: in memoriam. Sociology and So-cial Research, v. 28, (1943-44), Phylon, v. VI, 1945.

    LANDES, Ruth, [1947] A Cidade das Mulheres . Rio deJaneiro: Editora UFRJ, 2002.

    LECLERC, Grard.Lobservation de lhomme. Une histoiredes enqutes sociales. Paris: Le Seuil, 1979.

    LEVINE, Robert M. The first Afro-Brazilian Congress:opportunities for the study of race in the BrazilianNortheast.Race, v. XV, n. 2, p. 185-193, 1973.

    LIMONGI, Fernando. A Escola Livre de Sociologia e Pol-tica em So Paulo. In: MICELI, Srgio (Org.). Histria dascincias sociais no Brasil. So Paulo: Vrtice; Editora Re-vista dos Tribunais, IDESP, v. 1, 1989. p. 217-233.

    MAIO, Marcos Chor. A histria do Projeto UNESCO. Es-tudos raciais e cincias sociais no Brasil, 1997. Tese [Dou-torado em Cincias Polticas] Programa de Ps-Gradua-o em Sociologia e Cincias Poltica do Instituto Univer-sitrio de Pesquisas do Rio de Janeiro- IUPERJ.

    MASSI, Fernanda. Franceses e norte-americanos nas ci-ncias sociais brasileiras 1930-1960. In: MICELI, Srgio(Org.). Histria das cincias sociais no Brasil. So Paulo:Vrtice; Editora Revista dos Tribunais, IDESP, v. 1. 1989.p. 410-459.

    MATTEWS, Fred H. Quest for an American Sociology:Robert E. Park and the Chicago School. Montreal e Lon-dres: McGill-Queens University Press, 1977.

    MENDOZA, Edgar S.G. Donald Pierson e a escola sociol-gica de Chicago no Brasil: os estudos urbanos na cidadede So Paulo (1935-1950). Sociologias. Porto Alegre, ano7, n 14, jun/dez, p. 440-470, 2005.

    PARK, Robert E. Ma ss e un d Publ ik um . Berne:Buchdruckerei Lack & Grunau, 1904.

    ______. Human Migration and the Marginal Man.AmericanJournal of Sociology, v. 23 n. 6, May, p. 881-893, 1928.

  • 7/26/2019 Dossi Escola de Chicago No Brasil Bahia 1930

    14/16

    CADERNO

    CRH,

    Salvador,v.

    23,n.

    58,p.35-49,

    Jan./

    Abr.2010

    48

    A VISITA DO ROBERT PARK AO BRASIL...

    ______. Review of Life in a Haitian Valley by Melville J.Herskovits. American Journal of Sociology, v. XLIII, n.2,Sept., p. 346-348, 1937.

    ______. The city as a social laboratory. In: SMITH, T.V. e

    WHYTE, Leonard (Orgs.). Chicago: an experiment in so-cial science research. Chicago: The University of ChicagoPress, p. 1-19, 1929.

    ______. Race and Culture . Essays in the sociology ofcontemporary man. London: The Free Press of Glencoe,1950.

    ______. The career of the Africans in Brazil. Introductionto PIERSON, Donald. Negr oe s in Br az il. Chicago:University of Chicago Press, 1942.

    ______; BURGESS, Ernest. (Orgs.) Introduction to theScience of Sociology (com novo prefcio por Morris

    Janovitz ). 1 edio [1921]. Chicago e Londres: TheUniversity of Chicago Press, 1970.

    ______; ______ ; MCKENZIE, R. The City. Suggestionsfor the Investigation of Human Nature in the UrbanEnvironment. Chicago: University of Chicago Press, 1925.

    PEIXOTO, Fernanda reas.Dilogos brasileiros: uma an-lise da obra de Roger Bastide. So Paulo: Editora da Uni-versidade de So Paulo, 2000.

    PIERSON, Donald.Negroes in Brazil: a study of race contactat Bahia. Chicago: The University of Chicago Press, 1942.

    ______. [1945] Brancos e pretos na Bahia: estudo decontacto racial. Introduo de Arthur Ramos e Robert E.Park. 2 Ed. So Paulo: Editora nacional, 1971.

    RAMOS, Artur. [1943] Introduo Primeira Edio Bra-sileira. In: PIERSON, Donald.Brancos e prtos na Bahia :estudo de contacto racial. So Paulo: Editora Nacional,1971. p. 67-70.

    RAUSHENBUSH, Winifred. Robert E. Park: biography ofa sociologist. Chapel Hill: Univesity of North CarolinaPress, 1979.

    RODRIGUES, Raimundo Nina. Os africanos no Brasil.So Paulo: Cia Editora Nacional,1935.

    ROMO, Anadelia. Rething race and culture in Brazils FirstAfro-Brazilian Congresso of 1934. Journal of Latin

    American Studies, n 39, Fev., p. 31- 54, 2007.

    SCHRECKER, Cherry. Robert E. Park et Ernest Burgess;Introduction to the Science of Sociology. In: GUTH,Suzie. (Org.). Modern it de Robe rt Ez ra Park. Le sconcepts de lEcole de Chicago. Paris: L Harmattan, 2008.p. 213-232.

    SHAW, Clifford. The Jackrolle. A delinquent boys ownstory. Chicago: the University of Chicago Press, 1930.

    SIMMEL, Georg [1908] Digressions sur ltranger. In:GRAFMEYER, Yves et JOSEPH, Isaac (Orgs.). L Ecolede Chicago. Naissance de lcologie urbaine. Paris: ChampUrbain, 1979. p. 53-59.

    STONEQUIST, Everett. The marginal man. New York:Charles Scribners Son, 1937.

    TOPALOV, Christian. La ville, lieu de lassimilationsociale?. In: JAISSON, Marie e BAUDELOT, Christian(Orgs.). Maurice Halbwachs, sociologue retrouv. Paris:Editions Rue dUlm, 2007.p. 87-101.

    TUNA, Gustavo Henrique. Primeiros passos em retros-pectiva. In: FREYRE, Gilberto, Vida Social no Brasil nos

    meados do sculo XIX. 4a. edio revista. So Paulo: Glo-bal, 2008.

    THRASHER, Frederick. The Gang. A study of 1313 gangsin Chicago. Chicago: the University of Chicago Press, 1927.

    VALLADARES, Lcia. (Org.) A escola de Chicago . Impac-to de uma tradio no Brasil e na Frana. Rio de Janeiro:IUPERJ; Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005.

    VILA NOVA, Sebastio. Donald Pierson e a Escola deChicago na Sociologia Brasileira. Entre humanistas emessinicos. Lisboa: VEGA, Gabinete de Edies, 1998.

    WAGLEY, Charles; AZEVEDO, Thales, COSTA PINTO,Luiz. Uma pesquisa sobre a vida social no Estado da

    Bahia. Salvador: Publicaes do Museu do Estado, Secre-taria de Educao e Sade, 1950.

    WASHIGTON, Booker T.; PARK, Robert E. [1912], Theman farthest down. New Brunswick: Transaction Book,1984.WIRTH, Louis. The ghetto. Chicago: the University of Chi-cago Press, 1929.

    ZORBAUGH, Harvey. The gold coast and the slum. Chica-go: the University of Chicago Press, 1929.

  • 7/26/2019 Dossi Escola de Chicago No Brasil Bahia 1930

    15/16

    CADERNO

    CRH,

    Salvador,v.

    23,n.

    58,p.35-49,

    Jan./

    Abr.2010

    49

    Lcia do Prado Valladares

    LA VISITE DE ROBERT PARK AU BRSIL,LHOMME MARGINAL ET BAHIA

    SERVENT DE LABORATOIRE

    Lcia do Prado Valladares

    Cet article fait partie des proccupationsthoriques de lauteure concernant la venue delcole de Chicago au Brsil. Elle y fait lanalysedu passage de Robert Park Bahia, la fin desannes 30, de ses motivations et des effets quil aeu pour les sciences sociales internationales. Cevoyage est peu connu, ce qui permet larticledapporter une collaboration lhistoire dessciences sociales au Brsil et Bahia. Sur la basedes donnes originales dune recherche mene auBrsil et aux tats-Unis, lauteure considrelimportance de la visite de Park [et de Pierson]

    Bahia. Elle reprend les notions classiques delHomme Marginal, dveloppes par Park, et cellesdemelting-pot,utilises par Park et ses disciples,lorsque ce dernier faisait rfrence la vie, Chi-cago, de communauts de nationalits diffrentesqui ne se mlangeaient pas. Le cas du mtissagebahianais a intrigu Park au point de transformerBahia en un laboratoire social qui a suscit nonseulement la venue dautres anthropologues maisaussi de nouvelles questions et dinterprtationsthoriques qui sont reprises actuellement.MOTS-CLS: Ecole de Chicago, Robert Park, DonaldPierson, relations raciales, Bahia, Brsil.

    THE VISIT OF ROBERT PARK TO BRAZIL,THE MARGINAL MAN AND BAHIA AS A

    LABORATORY

    Licia do Prado Valladares

    This paper is part of the theoretical concernsof the author on the reception of the ChicagoSchool in Brazil. It analyzes the passage of RobertPark in the late 30s in Bahia, his motivations andthe effects on international social sciences. Thistrip is little known, and the paper offers a littlecollaboration to the history of social sciences inBrazil and Bahia. Based on data from originalresearch conducted in Brazil and the United States,the author considers the importance of the visitby Park [and Pierson] to Bahia. It incorporatesclassical notions ofMarginal Man, developed by

    Park andmelting pot, used by Park and disciples,which referred to the conviviality of Chicagocommunities from different nationalities, who didnot mix, distinguishing it from the Bahian case, ofmiscegenation. This singularity transformed Bahiainto a social laboratory, prompting the arrival ofother anthropologists, and new questions andtheoretical interpretations, now resumed.

    KEYWORDS: Chicago School, Robert Park, DonaldPierson, race relations, Bahia and Brazil.

    Lcia do Prado Valladares- Doutora em Sociologia pela Universidade de Toulouse (Fr.). Livre-docente pelaUniversit de Lyon II. Professora na Universidade de Lille I (Frana) e membro do CLERS. Foi ProfessoraTitular do IUPERJ (1980-2000), sendo hoje pesquisadora associada. Coordenou a URBANDATA desde 1989,figurando atualmente como coordenadora emrita. Ministrou cursos em universidades estrangeiras comoprofessora convidada (Universidades de Paris; Gnve, Budapest e Texas) e foi membro do Comit do progra-ma MOST da UNESCO. autora de inmeros artigos e livros em Sociologia Urbana, sobre favela, pobrezaurbana e histria da pesquisa urbana, no Brasil, dentre os quais, destacam-se: Passa-se uma casa (Zahar,1978),La favela dun sicle lautre (Paris: Editions da MSH, 2006); A Inveno da Favela (Rio de Janeiro: FGV, 2005)e a coletnea A Escola de Chicago (Belo Horizonte / Rio de Janeiro: Editora da UFMG/ IUPERJ, 2005).

  • 7/26/2019 Dossi Escola de Chicago No Brasil Bahia 1930

    16/16