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1 O “Homem-Comprimido” Douglas Félix de Oliveira 1 Professora. Rogéria Araújo Guimarães Gontijo 2 Resumo: Analisando o mal-estar vivido pelo homem na contemporaneidade percebemos que a medicalização é uma das estratégias utilizadas para lidar com o desamparo e com a dor de existir. O presente artigo propõe uma análise crítica à medicalização do sofrimento. Comprimido pelas exigências sociais contemporâneas o homem responde com o uso e abuso de psicotrópicos, acreditando poder aplacar sua angústia e aliviar seus sofrimentos. O avanço científico contribui para essa opção, fornecendo respostas ‘cientificamente comprovadas’ de um mal-estar biológico que pode ser curado com medicamentos. Esse discurso encontra apoio na leitura dos manuais diagnósticos atuais, tendo em vista que os modos de leitura do sofrimento e os tratamentos propostos reforçam a medicalização. Contudo, a medicalização causa ‘efeitos colaterais’ na subjetividade do homem, além de configurar desdobramentos e implicações na clínica, uma vez que a relação do homem com os fármacos está para além da simples ação química do medicamento. Para a leitura e análise dessas questões utilizaremos o método psicanalítico, uma vez que apostamos na psicanálise como possibilidade de escuta e tratamento do homem moderno. Aposta não exclusiva, mas privilegiada, quando se pretende tratar o sujeito considerando sua singularidade. Palavras-chave: sociedade, medicalização, psicanálise 1 Graduando em Psicologia do Instituto de Ensino Superior e Pesquisa - INESP – Fundação Educacional de Divinópolis - FUNEDI – Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMG. Endereço eletrônico: [email protected] 2 Mestre em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica - PUC – Minas Gerais

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O “Homem-Comprimido”

Douglas Félix de Oliveira1

Professora. Rogéria Araújo Guimarães Gontijo2

Resumo: Analisando o mal-estar vivido pelo homem na contemporaneidade percebemos que a medicalização é uma das estratégias utilizadas para lidar com o desamparo e com a dor de existir. O presente artigo propõe uma análise crítica à medicalização do sofrimento. Comprimido pelas exigências sociais contemporâneas o homem responde com o uso e abuso de psicotrópicos, acreditando poder aplacar sua angústia e aliviar seus sofrimentos. O avanço científico contribui para essa opção, fornecendo respostas ‘cientificamente comprovadas’ de um mal-estar biológico que pode ser curado com medicamentos. Esse discurso encontra apoio na leitura dos manuais diagnósticos atuais, tendo em vista que os modos de leitura do sofrimento e os tratamentos propostos reforçam a medicalização. Contudo, a medicalização causa ‘efeitos colaterais’ na subjetividade do homem, além de configurar desdobramentos e implicações na clínica, uma vez que a relação do homem com os fármacos está para além da simples ação química do medicamento. Para a leitura e análise dessas questões utilizaremos o método psicanalítico, uma vez que apostamos na psicanálise como possibilidade de escuta e tratamento do homem moderno. Aposta não exclusiva, mas privilegiada, quando se pretende tratar o sujeito considerando sua singularidade.

Palavras-chave: sociedade, medicalização, psicanálise

1 Graduando em Psicologia do Instituto de Ensino Superior e Pesquisa - INESP – Fundação Educacional de Divinópolis - FUNEDI – Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMG. Endereço eletrônico: [email protected] 2 Mestre em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica - PUC – Minas Gerais

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O “Homem-Comprimido”

Douglas Félix de Oliveira

Participantes da banca de avaliação:

Denise Alves Guimarães3

Iara Penteado4

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Psicologia da Fundação Educacional de Divinópolis – FUNEDI da Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG como requisito para obtenção do título de Bacharel em Psicologia.

3 Doutora em Psicologia Social. Professora Adjunta da Universidade Federal de São João Del Rei - Campus Centro-Oeste. 4 Psicóloga clínica. Membro da Escola Brasileira de Psicanálise – Seção Minas

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“... o homem contemporâneo está mais escravizado aos remédios do que às enfermidades”.

Carlos Drummond de Andrade

INTRODUÇÃO

Vivemos atualmente em uma sociedade cuja articulação social é compressora de

subjetividades, fazendo do homem um objeto, e exigindo-lhe respostas. Interessante perceber que

suas respostas reafirmam sua posição de objeto, de intervenções químicas e discursos ideológicos,

permitindo-nos nomeá-lo, neste trabalho, “Homem-Comprimido” 5.

No advento do Iluminismo6, o homem teve convicção no discurso científico como objeto de

desejo e ideal de felicidade, deixando de lado questões existenciais que por natureza são árduas de

se vivenciar, e de se falar. O sintoma localizado no organismo apaziguou a angústia de se haver

com questões intrínsecas, além de reforçar o pretenso poder da ciência. A medicina moderna, aliada

a discursos estritamente deterministas e biologicistas, tende a constatar que o mal-estar pode ser

curado. Essa resposta tem produzido a medicalização do sofrimento, causando ‘efeitos colaterais’

na subjetividade humana e modificando a especificidade da clínica.

Este trabalho se justifica na possibilidade de melhor compreensão dos alinhavos

supracitados, que engendram a questão da medicalização. Visto que a prática medicalizante se torna

cada vez mais crescente em nosso país e no mundo, análises e discussões sobre o tema podem

apontar caminhos outros que possam questionar e contrapor ideologias e interesses que mascaram

algumas práticas de medicalização.

O presente artigo tem por objetivo analisar a medicalização do sofrimento e a escolha dos

fármacos como refúgio e resposta ao mal-estar contemporâneo. Para este intento nosso objetivo

geral é de fazer uma análise crítica do posicionamento atual do homem diante do mal-estar

contemporâneo pela via da medicalização. Esta intenção se desdobra em objetivos específicos que,

de forma sintética, propõem: analisar a influência das exigências sociais na subjetividade do homem

5 “Homem-Comprimido”: nome dado (neste trabalho) ao homem moderno que, tendo sua subjetividade comprimida

pela sociedade moderna, lança mão de medicamentos para suportar o mal-estar. Buscamos no significante “Homem-Comprimido” criticar o estereótipo de homem que opta pela utilização dos psicofármacos como modo de medicalizar o seu sofrimento, em detrimento de se responsabilizar diante do mal-estar e de se haver com suas questões intrínsecas. 6 Iluminismo: movimento cultural de elite iniciado pelos intelectuais europeus que surgiu no final do século XVII e

início do século XVIII. O movimento Iluminista sintetizou diversas tradições filosóficas, sociais, políticas, correntes intelectuais e atitudes religiosas.

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contemporâneo, apontar a influência do discurso científico nas práticas de medicalização, enunciar

questões contemporâneas que favorecem a medicalização e diferenciar os tratamentos terapêuticos

embasados na psiquiatria biológica da prática psicanalítica. Ao final deste percurso procuraremos

apontar qual seria a contribuição da psicanálise para pensar a situação do “Homem-Comprimido”.

Optamos como método deste trabalho fazer uma pesquisa bibliográfica a partir da

contribuição de teóricos da sociologia, analisando suas considerações sobre o contexto social

contemporâneo sob a ótica da teoria psicanalítica. Esse tipo de pesquisa nos permitiu conhecer

diversas contribuições científicas e abordar a questão da medicalização de forma ampliada.

“Tu me comprimistes, sociedade, e eu me deixei comprimir...” 7

Desde os primórdios da existência os homens esforçam-se para obter a felicidade; querem

ser felizes e assim permanecer (FREUD, [1930/1929] 1988). Para isso visam, por um lado, a

ausência de sofrimento e de desprazer, e por outro, a experiência de intensos sentimentos de prazer.

Contudo, há impedimentos a esta intenção, tanto existenciais – felicidade, amor, liberdade e morte –

quanto sociais.

O texto escolhido para falarmos do mal-estar que o homem moderno vive é “O Mal Estar

na Civilização” (FREUD, [1930/1929] 1988). Nele, Freud nos aponta que “a vida, tal como a

encontramos, é árdua demais para nós; proporciona-nos muitos sofrimentos, decepções e tarefas

impossíveis” (FREUD, [1930/1929] 1988, p. 93).

Os imperativos sociais ‘comprimem’ a subjetividade humana, exigindo respostas que estão

longe de ser otimistas. Elas refletem a inaptidão humana à felicidade, além de revelar a condição de

homem-objeto diante destas exigências. Uma delas é o uso de psicofármacos como cura para o mal-

estar. Comprimido pelas exigências sociais, o homem encontra – ‘no comprimido’ – remédio para

sua angústia e alívio para seu sofrimento. Resposta que evita pensamentos e posicionamentos sobre

sua condição de ‘ser humano’ diante das angústias que a sociedade lhe atiça. Resposta rápida,

facilmente encontrada em farmácias e drogarias.

7 “Tu me comprimistes, sociedade, e eu me deixei comprimir”: Paródia do versículo bíblico “Tu me seduziste, Senhor, e eu me deixei seduzir” Jr 20. 7ª (Bíblia da CNBB, 2008, p.994). No contexto deste trabalho a paródia do versículo é utilizada para demonstrar a participação do homem na medicalização do sofrimento. Do mesmo modo que o Jeremias diz que Deus o seduziu, mas que ele participou dessa sedução ‘deixando-se seduzir’, o “Homem-Comprimido” tem sua subjetividade comprimida pelas exigências sociais modernas, mas, é conivente com elas, e, ‘deixando-se seduzir’ pelas respostas científicas dos psicofármacos, abre as portas à medicalização.

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Lançamos mão do significante8 “comprimido” para nos auxiliar na exposição deste

trabalho: No “Novo Aurélio”, buscamos seu significado: “Comprimido: Adj. 1. Que sofreu

compressão; compresso. 2. Contido, refreado. 3. Pastilha de substâncias medicamentosas em pó,

que mediante compressão se tornam compactas, e que geralmente deve ser engolida sem mastigar”

(FERREIRA, 1999, p. 511).

Tomamos os significados ‘que sofreu compressão’, ‘contido’ e ‘refreado’ como

características do homem moderno diante da sociedade. Metaforizando os super-heróis como

‘Homem-Aranha’, o ‘Homem-de-Ferro’, ‘Homem-Morcego’ (Batman), ‘Homem-Pássaro’ e ‘Super-

Homem’, que ‘encarnam’ sua existência a partir do significante que os nomeia, o “Homem-

Comprimido” responde à sociedade ‘compressora’ pela via do uso de medicamentos, justificando

seu significante. Ele se comprime angustiando-se na ‘arduidade da vida’, mencionada por Freud

(FREUD, [1930/1929] 1988). Interessa-nos, a partir daqui, analisar a modernidade como tempo

histórico que acentua o mal-estar social.

O Iluminismo surge na Europa do século XVII como corrente filosófica que acreditava na

possibilidade de empreender a reforma do entendimento humano e da sociedade pelo poder da

ciência. Se a utopia científica não nos proporcionou a prometida felicidade e se temos as melhores

condições culturais e sociais da história da humanidade para que sejamos plenamente felizes, por

que não somos? Birman (2011) nos aponta que:

A dita civilização do progresso material, fundada na ciência e na técnica, não pôde realizar, pois, a suposta felicidade ampla, geral e irrestrita, conforme prometera em suas origens heroicas. (...) Aquilo que Freud denomina civilização corresponde na verdade ao processo de modernização do social que se realizou no Ocidente desde então, de maneira que a ideia de mal-estar na civilização deve ser interpretada como uma crítica da modernidade. (BIRMAN, 2011, p. 40-41)

As novas formas de subjetivação9 são determinadas pela maneira que o homem responde à

sociedade. Para analisá-las escolhemos a leitura de obras do filósofo Guilles Lipovetsky (2007) e

dos sociólogos Zygmunt Bauman (1998/2001/2004/2007) e Anthony Giddens (2001) para um breve

comentário da condição atual da subjetividade contemporânea. Não há entre eles consenso

conceitual sobre o tempo sócio histórico moderno. Utilizam-se das palavras modernidade, pós-

8 Termo introduzido por Ferdinand de Saussure (1857-1913), no quadro de sua teoria estrutural da língua, para designar a parte do signo linguístico que remete à representação psíquica do som (ou imagem acústica), em oposição à outra parte, ou significado, que remete ao conceito. Retomado por Jacques Lacan como um conceito central em seu sistema de pensamento, o significante transformou-se, em psicanálise, no elemento significativo do discurso (consciente ou inconsciente) que determina os atos, as palavras e o destino do sujeito, à sua revelia e à maneira de uma nomeação simbólica (Roudinesco, 1998, p. 708). 9 “Novas formas de subjetivação”: termo cunhado por Michel Foucault em “A Vontade de Saber”: História da

Sexualidade. Volume I. Paris, Gallimard, 1976. Refere-se às formas como o homem contemporâneo procura constituir-se como sujeito.

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modernidade e contemporaneidade para justificar suas argumentações teóricas. Não defenderemos

nenhum desses conceitos. Nosso intuito é argumentar que este tempo histórico atual impõe ao

homem várias exigências sociais, exigindo dele respostas.

Bauman (2001) lança mão da metáfora dos fluidos para discorrer sobre a liquidez da

modernidade. A modernidade sólida, até então regulada pelo pensamento religioso, começou a ser

suplantada a partir do século XVI. Na modernidade líquida, as organizações sociais – estruturas que

limitam as escolhas individuais, instituições que asseguram a repetição de rotinas, padrões de

comportamento aceitável – não podem manter sua forma por muito tempo (BAUMAN, 2007). Em

“Tempos Líquidos” o autor demarca as consequências da fluidez da modernidade, caracterizada

pela maneira como rapidamente as organizações se desmancham, decompõem e se reorganizam

para se estabelecerem durante certo tempo, até que se dissolvam novamente (BAUMAN, 2007).

A fluidez da modernidade provoca mudanças substanciais no cotidiano: perde-se a solidez

das relações familiares e amorosas. Em “Amor Líquido” o autor analisa os efeitos da modernidade

sobre os vínculos humanos, que se tornaram líquidos, ou seja, pouco duráveis, sem consistência. O

autor questiona a possibilidade de vínculos duradouros num mundo em furioso individualismo

(BAUMAN, 2004). O homem ‘comprimido’ pela individualidade tenta superar o mal-estar

proveniente dessas modificações sociais, podendo contar, entre outras possibilidades, com o apoio

de fármacos que o ‘animem’ uma vez que precisa ‘dar conta’ de viver.

As incertezas dos tempos modernos e a velocidade com que as organizações mundiais se

modificam tornaram-se cenário de assustadora desconfiança. O resultado padecedor produz

subjetividades medrosas. O aumento potencial da incerteza do que está porvir, a insegurança e a

angústia marcam a atualidade e se apresentam como exigências à subjetividade. O desamparo que o

homem experimenta se transveste em motivo para a busca de alívio pela utilização dos fármacos.

O mundo pós-moderno está se preparando para a vida sob uma condição de incerteza que é

permanente e irredutível (BAUMAN, 1998). Tal cenário comporta os atuais descontroles dos

mercados financeiros, imobiliários e de trabalho. Desemprego, dificuldades financeiras, exigências

de qualificação e o ‘sobe e desce’ das balanças comerciais causam transtornos visíveis na economia

mundial. As angústias se proliferam constituindo um tempo de desesperança que Roudinesco

(2000) chama de “sociedade depressiva”, justificando inúmeros tratamentos farmacológicos de

depressão.

A instauração da sociedade moderna foi facilitada pela globalização. A livre circulação de

mercadorias e capital tem peso sobre o que as pessoas vivem. O mundo globalizado ‘comprime o

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homem’ e o expõe à vivência in loco de todos os infortúnios planetários. O homem se torna sujeito

ao sofrimento e susceptível à medicalização como via para amenizar sua dor. A globalização,

fazendo semblante de avanço e evolução, tem nos apresentado sua outra face: Bauman (2007) a

nomeia “globalização negativa”. Em suas palavras;

Uma globalização seletiva do comércio e do capital, da vigilância e da informação, da violência e das armas, do crime e do terrorismo; todos unânimes em seu desdém pelo princípio da soberania territorial e em sua falta de respeito a qualquer fronteira entre Estados. Uma sociedade “aberta” é uma sociedade exposta aos golpes do “destino”. (BAUMAN, 2007, p. 13)

A globalização escancarou os sofrimentos de populações infelizes e vulneráveis produzindo

medo e insegurança de forma considerável. ‘Comprimido’ em seu modo de vida o “Homem-

Comprimido” assiste passivamente a uma série de acontecimentos globais que explicitam os modos

de perversão e exploração social através de corrupção e da injustiça. Tudo isto é matéria prima para

conflitos, violência e caos. Por detrás de mesas e notebooks se tomam decisões que afetarão

sociedades inteiras. Tais acontecimentos produzem sintomas variados e as prateleiras das farmácias

estão cheias de medicamentos para eles: pânico, medo, estresse e depressão, dentre outros.

O mercado sem fronteiras trouxe desordem, anarquia e aumento da violência armada

causando a perda da liberdade. “A vida social se altera quando as pessoas vivem atrás de muros,

contratam seguranças, dirigem carros blindados, portam porretes e revólveres e frequentam aula de

artes marciais” (BAUMAN, 2007, p. 15). O medo que satura as rotinas cotidianas parece fortalecer-

se a cada acontecimento global, justificando o adoecimento físico e psíquico dos indivíduos.

A modernidade, ao mesmo tempo em que criou melhores oportunidades para a existência

dos seres humanos, trouxe consigo um lado sombrio e indomável: o mal-estar social (GIDDENS,

1991). Em pleno século XXI sofremos o pavor de guerras sem fim. Causa-nos medo pensar que

governantes de nações, por interesses financeiros e ideológicos, podem declarar uma guerra detendo

o poder de destruir nações inteiras quiçá o planeta. Giddens (1991) considera que:

Os modos de vida produzidos pela modernidade nos desvencilharam de todos os tipos tradicionais de ordem social, de uma maneira que não têm precedentes. Tanto em sua extensionalidade quanto em sua intencionalidade, as transformações envolvidas na modernidade são mais profundas que a maioria dos tipos de mudança característicos dos períodos precedentes. (GIDDENS, 1991, p. 14)

Em “Felicidade Paradoxal”, Lipovetsky (2007) demarca a felicidade como ideal supremo

da nova fase do capitalismo e a passagem da dita sociedade de consumo para uma sociedade de

hiperconsumo. Vários aspectos da nossa vida são afetados pelo hiperconsumo, como por exemplo,

as relações familiares, o amor, o sexo, o trabalho, o lazer, a política, a religião, a mídia, a estética e

8

a ética. São consequências do hiperconsumo o crescimento dos delitos e crimes violentos e a

medicalização da vida, dentro outros. “Estamos apenas no começo da sociedade de hiperconsumo,

nada, por ora, está em condições de deter, nem mesmo de frear, o avanço da mercantilização da

experiência e dos modos de vida” (LIPOVETSKY, 2007, p. 20).

O consumismo é uma saída diante de uma sociedade fragmentada e carente, que encontra no

ato de comprar vivências extraordinárias. Quem não consome e não troca seu produto pelo novo

lançamento está ‘fora de moda’. O consumismo causa um profundo vazio existencial e leva o

indivíduo a querer consumir cada vez mais objetos, criando uma falsa ilusão de que a ‘cura do

vazio’ pode ser comprada. O autor aponta o uso das “pílulas da felicidade” como a saída

encontrada para resolver as síndromes, pânicos e depressões decorrentes de situações de fracasso e

também como uma forma de fuga de enfrentamento de problemas reais e aceitação social, o que

aponta para o comentário de Sevalho (2003) sobre o surgimento do medicamento:

Numa perspectiva biologicista, dominada pelo consumismo de tecnologias constantemente renovadas, embebida no contexto dominante de ciência, é que nasceu e se desenvolveu o medicamento alopático industrializado, tornando-se a partir do seu surgimento em meados do século XX, a principal tecnologia médica moderna. (...) O medicamento moderno é parte dessa sociedade que, por meio de significados simbólicos, também produz necessidades de consumo que devem incorporar os bens que são produzidos em escala crescente. (SEVALHO, 2003, p. 3-4)

É neste contexto contemporâneo que demarcamos nossa análise para compreensão da

medicalização atual, uma vez que “os sujeitos são agenciados em suas modalidades de satisfação e

gozo10 a partir daquilo que lhes possibilitam as ordens social e política, assim como os mecanismos

de distribuição de riqueza” (BIRMAN, 2011, p. 305). Considerando que a breve análise desses

fenômenos atende ao objetivo deste artigo, retornamos à Freud e seu trágico discurso sobre o mal-

estar, onde menciona a opção do “Homem-Comprimido” pelo apaziguamento do sofrimento através

do uso (e abuso) dos fármacos.

10 Gozo: “O gozo não é apenas sinônimo de prazer, mas é sustentado por uma identificação e articulado com as ideias

de repetição. A fase de desenvolvimento na qual a criança satisfaz suas necessidades nutricionais através da sucção do seio é repensada por Lacan no fim da década de 1950. Elaborando a distinção entre necessidade, demanda e desejo, Lacan observa que é o outro, a mãe ou seu substituto, que confere um sentido à necessidade orgânica, expressa sem nenhuma intencionalidade pelo lactente. A partir deste instante, a criança é remetida ao discurso deste outro, cuja posição exemplar contribui para a constituição do Outro (Outro maiúsculo). A satisfação obtida pela resposta à necessidade induz à repetição do processo, escorado no investimento pulsional: a necessidade se transforma em demanda, sem que, no entanto, o gozo inicial, o da passagem da sucção para o chuchar, possa ser resgatado. O Outro imaginário permanece inatingível, barrado pela demanda que se tornou imaginária. Lacan estabelece então uma distinção essencial entre o prazer e o gozo, residindo este na tentativa permanente de ultrapassar os limites do princípio de prazer. Esse movimento ligado à busca da coisa perdida que falta no lugar do Outro é causa de sofrimento; mas tal sofrimento nunca erradica por completo a busca de gozo. Para Lacan o gozo se sustenta pela obediência do sujeito a uma ordem – quaisquer que seja sua forma e seu conteúdo – que o conduz, abandonando o que acontece com seu desejo, a se destruir na submissão ao Outro (maiúsculo)”. (Roudinesco, 1998, p. 299-301).

9

O uso dos tóxicos11 em busca da felicidade

Observando um cenário de mal-estar originário e incurável na humanidade Freud dispara:

“ficamos inclinados a dizer que a intenção de que o homem seja ‘feliz’ não se acha incluída no

plano da criação” (FREUD, [1930/1929] 1988, p. 95). O autor analisa as condições da sociedade a

fim de caracterizar o mal-estar em que o homem se encontra. Ele observa que ele acostumou-se a

moderar suas reivindicações de felicidade de maneira que pensa ser feliz porque conseguiu escapar

da infelicidade ou sobreviver ao sofrimento. Tal condição é tão deprimente que a tarefa de evitar

sofrer coloca a de obter prazer em segundo plano (FREUD, [1930/1929] 1988).

Freud indica que o sofrimento nos ameaça a partir de três direções: “de nosso próprio corpo,

condenado à decadência e à dissolução (...), do mundo externo, que pode voltar-se contra nós com

forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e finalmente, de nossos relacionamentos com os

outros homens” (FREUD, [1930/1929] 1988, p. 95). Também aponta maneiras como os homens

procuram lidar com os sofrimentos: contra o sofrimento advindo dos relacionamentos humanos, a

defesa mais imediata é o isolamento voluntário, mantendo distância de outras pessoas. Contra o

temível mundo externo, só podemos nos defender por algum tipo de afastamento dele, ou tornando-

se membro da comunidade humana e, com o auxílio de uma técnica orientada pela ciência, passar

para o ataque à natureza sujeitando-a à vontade humana (FREUD, [1930/1929] 1988, p. 96). A

terceira opção apontada por Freud é intoxicação. Em suas palavras:

Os métodos mais interessantes de evitar o sofrimento são os que procuram influenciar o nosso próprio organismo. Em última análise, todo sofrimento nada mais é do que sensação; só existe na medida em que o sentimos, e só o sentimos como consequência de certos modos pelos quais nosso organismo está regulado. O mais grosseiro, embora também o mais eficaz, desses métodos de influência é o químico: a intoxicação. (...) O serviço prestado pelos veículos intoxicantes na luta pela felicidade e no afastamento da desgraça é tão altamente apreciado como um benefício, que tanto indivíduos quanto povos lhe concederam um lugar permanente na economia de sua libido.” (FREUD, [1930/1929] 1988, p. 96-97)

A intoxicação encontra uma posição de destaque como artefato que auxilia o homem na luta

contra os sofrimentos. Para além de conceder ao organismo uma produção imediata de prazer, é

utilizado, nas palavras do próprio Freud como um ‘amortecedor de preocupações’. Em outro ponto

11

Tóxicos: O presente trabalho considera que os medicamentos fazem parte do arsenal de tóxicos que o homem moderno pode lançar mão como auxílio para lidar com o mal-estar. Em “Palavras e Pílulas”: A psicanálise na era dos medicamentos – Revista Clique, 2002, Éric Laurent assinala que para Freud o medicamento se apresentou de maneira inseparável de sua substância tóxica. Pharmakon designa na mesma palavra o remédio e o mal. Na utilização do fármaco o sujeito procura a homeostase e o bem-estar do organismo e encontra o terrível hábito, o aumento das doses, a dependência. O medicamento, segundo Laurent, é sempre suscetível de se tornar veneno. Pelo hábito e necessidade do novo faz aparecer uma espécie de automaton natural da repetição no organismo. “O medicamento tem estranhas relações com a repetição” (Laurent, 2002, p. 27). Nesse sentido, a leitura de Freud sobre intoxicação abarca também a relação do homem com os medicamentos.

10

do texto, comenta: “O homem que em anos posteriores, vê sua busca de felicidade resultar em nada,

ainda pode encontrar consolo no prazer oriundo da intoxicação crônica (...)” (FREUD, [1930/1929]

1988, p. 104). As condições e contrariedades impostas pela vida podem ser assim ‘remediadas’

através dos tóxicos. Freud chega a dizer que as substâncias tóxicas nos tornam insensíveis à

arduidade da vida. Elas influenciam nosso corpo e alteram sua química (FREUD, [1930/1929]

1988, p. 93).

Uma relação privilegiada com os tóxicos encontra lugar no desejo do homem

contemporâneo como uma via de satisfação prazerosa, impedindo ou reduzindo o impacto dos

impulsos desagradáveis oriundos do mundo externo. Neste trabalho optamos por analisar a relação

do homem com os fármacos: tóxicos lícitos, e socialmente aprovados. O homem comprimido pela

modernidade busca encontrar no comprimido vendido na farmácia da esquina um alívio para seu

mal. “Homem-Comprimido” que, ao mesmo tempo em que ‘é’ comprimido, ‘faz-se’ comprimido.

Quem o poderá engolir?

A medicalização como resposta: a constituição do “Homem-Comprimido”

O intuito deste trabalho não é uma manifestação contra o uso de medicamentos. Ressaltamos

a inquestionável utilidade desses e o conforto e bem-estar que trouxeram à sociedade. A partir de

1950, a psicofarmacologia12 se desenvolveu consideravelmente fornecendo dispositivos de

estabilização que auxiliaram e modificaram a relação paciente-tratamento: trouxe ao louco a

liberdade possibilitando sua integração na cidade, pôs fim a uma série de tratamentos bárbaros e

ineficazes e trouxe a neuróticos e deprimidos uma tranquilidade maior (ROUDINESCO, 2000).

Contudo, para além do bem-estar proporcionado, a psiquiatria corre o risco de encerrar o

homem numa nova alienação quando pretende curá-lo das agruras da vida ou da essência da

condição humana. Em determinadas práticas o uso dos psicofármacos pode se desvirtuar. O Brasil é

cenário de grandes avanços de sua prática psiquiátrica, tendo iniciado um verdadeiro movimento

social composto de forças heterogêneas no final da década de 1970, em plena ditadura militar. A

Lei da Reforma psiquiátrica foi promulgada em 2001, mas ainda contemplamos um cenário de

práticas que não condizem com os avanços dessa reforma:

Justamente agora é perceptível o número exponencialmente crescente de profissionais da saúde mental que nunca ouviram sequer falar da reforma psiquiátrica. Justamente agora,

12

Psicofarmacologia: Ramo da farmacologia que estuda a ação de substâncias sobre funções psíquicas normais, e psicopatias. (Ferreira, 1999. p. 1653)

11

uma nova prática asilar vai se expandindo: a prática do enclausuramento do sofrimento através da medicalização do corpo, individual e social. (CRUZ, 2011. p. 20)

Com a intervenção medicamentosa proporcionada pela psiquiatria o corpo se tornou objeto

de prevenção, cálculo e manipulação. Diante do mal-estar contemporâneo, o “Homem-

Comprimido” procura controlar o que pode (ou pelo menos o que acha que pode) elegendo como

inimigos tudo o que ameaça o corpo. Sintomas de câncer, depressão, colesterol, pressão alta,

obesidade, baixa autoestima e estresse ocupam os primeiros lugares na lista dos inimigos a

observar, controlar e combater.

Atualmente uma espécie de “onda saudável” 13 perpassa os comportamentos sociais, de um

modo geral, visando atingir a uma ‘saúde perfeita’. A mídia corrobora com reportagens incisivas:

‘Você vai saber tudo (tudo?) o que precisa para ter uma vida mais saudável’. Dicas e exemplos de

hábitos saudáveis, boa alimentação, exercícios físicos, prevenções e outros discursos tornaram-se

padrões a serem seguidos, desconsiderando variáveis como: contexto social, cultura, tempo

histórico, etc.

A onda saudável trouxe benefícios à sociedade, mas possibilitou uma conexão descomedida

entre a busca da ‘saúde perfeita’ e o consumo de medicamentos. Não é sem razão que presenciamos

o crescimento vertiginoso da indústria farmacêutica nos últimos anos, tornando-se a segunda em

faturamento no mundo (TEMPORÃO, 1986). A relação do homem com os fármacos possibilitou

uma mudança terapêutica significativa, mas também “efeitos colaterais” na subjetividade

contemporânea. Um destes efeitos é a medicalização do sofrimento, onda saudável em que muitos

“Homens-Comprimidos” escolheram surfar. Buscamos no Conselho Federal de Psicologia (2012) o

conceito de medicalização:

Processo que transforma, artificialmente, questões não médicas em problemas médicos. Problemas de diferentes ordens são apresentados como “doenças”, “transtornos”, “distúrbios” que escamoteiam as grandes questões políticas, sociais, culturais, afetivas que afligem a vida das pessoas. Questões coletivas são tomadas como individuais; problemas sociais e políticos são tornados biológicos. Nesse processo, que gera sofrimento psíquico, a pessoa e sua família são responsabilizados pelos problemas, enquanto governos, autoridades e profissionais são eximidos de suas responsabilidades. (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2012, p. 13)

A crescente medicalização da sociedade demarca um cenário onde questões complexas da

vida social e pessoal, sempre multifatoriais e marcadas pela cultura e pelo tempo histórico, são

13

“Onda saudável”: termo cunhado pelo CFP (Conselho Federal de Psicologia) nos “Subsídios para a campanha NÃO à medicalização da vida”. O termo se apresenta como uma crítica a inúmeras informações na área da saúde que prescrevem o que devemos comer, como devemos nos portar e que prevenções deveremos fazer para ter uma vida mais saudável.

12

reduzidas à lógica médica, vinculando o que não está adequado às normas sociais a uma suposta

casualidade orgânica, expressa no adoecimento do indivíduo (JORNAL DO FEDERAL, 2011). Um

dos principais facilitadores à medicalização reside no poder, autoridade e prestígio conquistados

pela profissão médica, principalmente no último século, o que leva os “Homens-Comprimidos” a

acreditarem na soberania e eficácia deste saber.

Dentre várias possibilidades da medicalização do sofrimento, elegemos quatro para análise:

1) a medicalização como estratégia do ‘biopoder’;

2) o fundamento biológico dos sofrimentos psíquicos;

3) o crescente poder da indústria farmacêutica;

4) certos modos de leitura dos Manuais de Classificação Diagnóstica. Analisemo-las.

1) a medicalização como estratégia do ‘biopoder’ – Uma vez que a medicalização é

atravessada por discursos ideológicos, não abrimos mão da leitura de Foucault (1988) sobre o

“biopoder”. O filósofo nomeia ‘biopoder’ a noção na qual a vida e seus mecanismos – por

exemplo, nascimento, mortes, reprodução, enfermidades – entram de modo explícito no domínio

das práticas de poder. É uma espécie de controle disciplinar do corpo individual e do corpo como

espécie, uma ‘regulação’, da população. Um poder “cuja função mais elevada não é mais matar,

mas investir sobre a vida, de cima a baixo” (FOUCAULT, 1988, p. 131).

O poder funciona como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social (FOUCAULT,

2010). O ‘biopoder’ é a gestão da vida como um todo, técnicas de poder sobre o biológico, que se

tornam essenciais nas discussões políticas. Trata de gerir a vida em toda a sua extensão, de

organizá-la, de majorá-la, vigiá-la, para que possa ser incluída, de forma controlada, nos aparelhos

de produção capitalistas (FOUCAULT, 1988).

Produzir conhecimento sobre o biológico se faz necessário para melhor manejá-lo. Nesse

aspecto, relação entre indústria farmacêutica, medicalização e tratamento é transpassada pelo

‘biopoder’, tornando-se base para a sedimentação de discursos ideológicos, uma vez que “o poder

está em toda parte; não porque englobe tudo, e sim porque provêm de todos os lugares”

(FOUCAULT, 1988, p. 89). A partir das ideias foucaultianas inferimos que componentes

ideológicos do discurso médico tendem a favorecer a crescente medicalização do sofrimento,

proporcionando um amplo mercado para a indústria farmacêutica (TEMPORÃO, 1986).

13

2) o fundamento biológico dos sofrimentos psíquicos – o estabelecimento da psiquiatria

biológica14 como uma das leituras primordiais na concepção do sofrimento demarca no organismo a

semiologia do sofrimento, tornando-se possíveis a demonstração, a confirmação e a generalização,

características próprias do saber científico. A partir dessa causalidade biológica a psiquiatria não só

se garante como ciência capaz de ‘testar e comprovar’ como também abandona a leitura da origem

moral dos sofrimentos psíquicos.

A causalidade biológica encontra apoio nas neurociências, que apresentam um arsenal de

possibilidades de testagem e comprovação da origem do sofrimento no corpo.

Eletroencefalogramas, petscans, tomografias computadorizadas, sofisticações genéticas,

mapeamentos cerebrais, reações químicas sofisticadas tecnologicamente e outros ‘nomes chiques’

conseguem demonstrar – ‘de forma inquestionável’ – o funcionamento cerebral, atestando que o

homem é apenas objeto do saber, uma espécie de máquina a ser consertada.

As leituras organicistas e biologicistas do sofrimento demarcam a possibilidade de

tratamentos psicofarmacológicos, uma vez que o ‘problema já está localizado no organismo’.

Birman (2011), a respeito desse modo de leitura, contribui com nossa análise:

É importante observar que as neurociências pretendem construir uma leitura do psiquismo de base inteiramente biológica. Com isso o funcionamento psíquico seria redutível ao funcionamento cerebral, sendo este representado em uma linguagem bioquímica. Enfim, a economia bioquímica dos neurotransmissores poderia explicar as particularidades do psiquismo e da subjetividade. (BIRMAN, 2011, p. 194)

Se os problemas psíquicos do “Homem-Comprimido” foram ‘descobertos’ no organismo,

por que esse homem precisa pensar em seu modo de viver ou avaliar suas relações consigo, com os

outros, com Deus, com o mundo, com a sexualidade ou com a morte? Se o ‘modo de ser’

comprimido (ou “Ser-Comprimido”) permite colocar a responsabilidade de sua existência em

neurônios, cromossomos e conexões sinápticas, por que se preocupar? A serotonina e as disfunções

cerebrais podem ser pretextos para eximir o homem de suas responsabilidades e escolhas, e os

fármacos, se tornam essenciais nesse intento.

A opção do “Homem-Comprimido” pelos psicofármacos fez com que as psicoterapias que

trabalham com a fala perdessem lugar nos dispositivos psiquiátricos. “Muitos são os sujeitos que

preferem entregar-se voluntariamente a substâncias químicas a falar de seus sofrimentos íntimos”

(ROUDINESCO, 2000, p. 30). Por que consagrar tanto tempo ao tratamento pela fala quando os 14

Psiquiatria biológica (ou biopsiquiatria): é um modelo de psiquiatria que procura entender a doença mental em termos da função biológica do sistema nervoso central. A abordagem interdisciplinar da Psiquiatria biológica baseia-se em ciências como neurociência, psicofarmacologia, bioquímica, genética e fisiologia para formar teorias sobre as bases biológicas do comportamento e psicopatologia.

14

remédios, ao agirem diretamente sobre o sintoma das doenças mentais e nervosas, dão resultados

imediatos? Tratamento terapêutico pela fala ‘dá trabalho’ e além do mais ‘está fora de moda’. Na

proeminente ideologia medicamentosa a boca deixa de ser canal de expressão da fala para se tornar

mero receptáculo de comprimidos!

Intervenções medicamentosas passaram a ‘calar’ os pacientes não levando em conta a

singularidade de sua experiência, o contexto do adoecimento ou qualquer outra consideração a

respeito de seu sofrimento. O que importa é a prescrição de um fármaco! O homem de fala

‘comprimida’ assume o estatuto de “Homem-Comprimido”: se não pode falar, torna-se objeto, tanto

de um saber que vem ‘do Outro’ quanto de intervenções químicas.

O homem se tornou ‘comprimido em seu corpo’, desvinculado de suas relações, de sua

história e de suas escolhas na constituição de seu sofrimento. Foi levado a acreditar (e acredita!) que

os problemas da vida, as relações que estabelece com as pessoas e os incômodos próprios da

humanidade são inerentes a ele mesmo; ‘transtornos geneticamente determinados’, que podem ser

resolvidos pela ingestão de comprimidos.

3) o crescente poder da indústria farmacêutica – Temporão (1986) e Figueiredo (2008)

analisam as cruéis estratégias comerciais da indústria farmacêutica no Brasil, principalmente, as

propagandas de medicamentos. As diversas estratégias de marketing, propagandas ideológicas e

promoção de vendas dirigidas aos médicos e à população ultrapassam o limite ético e ‘comprimem’

os ‘antigos pacientes’ (atuais consumidores) ao imperativo uso de drogas como forma de cura e

busca de bem-estar. Os remédios se tornam indispensáveis no manejo de problemas sociais e

subjetivos.

A virtude da terapêutica medicamentosa atende às exigências do estilo de vida moderno:

pronta recuperação e um mínimo de desconforto (FIGUEIREDO, 2008). É fácil adquirir o

medicamento! Satisfação rápida e barata! Fármacos são vendidos como uma mercadoria qualquer,

atendendo às exigências neoliberais contemporâneas.

O “Homem-Comprimido” responde aos novos modos de apresentação da psicopatologia

atual lançando mão de comprimidos que aliviam, curam, apaziguam e até mesmo lhe dão prazer

diante do mal-estar da contemporaneidade. Consome os fármacos sem querer saber se a causalidade

de seu sofrimento é psíquica ou orgânica. Lança mão destas drogas lícitas que além de efetuar

soluções diante do mal-estar, atestam sua ‘subjetividade comprimida’.

15

4) certos modos de leitura dos Manuais de Classificação Diagnóstica – Um dos mais

importantes manuais é o DSM-IV15 que pretende uma listagem descritiva das doenças sem qualquer

conotação etiológica e privilegia uma descrição ateórica restringindo-se ao trabalho de descrever

sintomas e agrupá-los em síndromes. O fenômeno da medicalização do “Homem-Comprimido”

encontrou nas classificações diagnósticas apoio considerável à medicalização do sofrimento e à

possibilidade de constituição do “Homem-Comprimido”.

No DSM foram incorporados valores sociais em que os desviantes são classificados como

portadores de um distúrbio, perturbação ou falha (KYRILLOS, 2011). Desde sua primeira versão

em 1952 ele passou por três revisões que foram marcadas pela abordagem liberal dos tratamentos,

visando à rentabilidade e à lucratividade. ‘Curar mais rápido’ era mais negócio’, pois “Time is

money” (Tempo é dinheiro), afirma o preceito capitalista.

Os distúrbios da alma e do psiquismo viraram ‘transtornos’ e o entendimento é que

deveriam ser ‘consertados’, assemelhando o homem a uma espécie de máquina. A linguagem

alterou a relação do homem com sua dor. Desapareceu nas revisões, o conceito de doença, dando

lugar às palavras distúrbio, disfunção, transtorno e síndrome. Os transtornos foram considerados

‘passageiros’, podendo justificar causalidades orgânicas e eliminar a possibilidade de pacientes

requererem indenizações por se sentirem inferiorizados pelo rótulo de doentes (ROUDINESCO,

2000).

O DSM se tornou em sua ‘evolução’ uma ‘fábrica de diagnósticos’. O modo de operação de

sua classificação se pauta no modelo sinais-diagnóstico-tratamento, simplificação cruel e ideológica

que tende a levar à medicalização. “Constatam-se os sintomas (febre), dá-se um nome à doença

(febre tifoide) e se administra um tratamento (antibiótico). O doente fica então ‘curado’ do

mecanismo biológico da doença” (ROUDINESCO, 2000, p. 48). Angell (2004), citado por

Figueiredo (2008), também sinaliza a simplificação diagnóstica de certas leituras do DSM:

Como fabricar uma doença? Primeiro coletam-se sintomas de uma entidade nosológica mais abrangente, por exemplo, a depressão. Segundo, delimitam-se os sintomas que o depressivo tem, por exemplo, em relação ao convívio social. Este se apresenta limitado e prejudicado na doença. Em terceiro lugar, nomeia-se esta variação com o nome de “fobia social”. Por último, borram-se seus limites, de modo que até uma pessoa tímida possa

15

DSM-IV: Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – 4 edition (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – 4ª edição). É uma série organizada e publicada originalmente pela Associação Psiquiátrica Norte Americana. O DSM é um sistema classificatório dos transtornos mentais; apresenta a descrição de cada transtorno e os critérios de diagnóstico e diagnóstico diferencial que devem ser observados pelo médico. Os critérios de diagnóstico coincidem com uma lista de sintomas a serem verificados, seguindo certas orientações oferecidas pelo manual. As classes diagnósticas presentes no manual recebem códigos numéricos específicos. O DSM é hoje utilizado como referência em todo o mundo para o diagnóstico dos transtornos mentais.

16

encaixar-se no perfil. Pronto! Temos nova doença e novo mercado para nosso medicamento. (FIGUEIREDO, 2008, p. 78)

Comparamos a funcionalidade de certo modo de uso do DSM com a operacionalização

tecnológica do código de barras, uma espécie de “diagnóstico código de barras” 16. Pelos sinais e

sintomas faz-se uma ‘leitura rápida’, gera-se um diagnóstico e ‘etiqueta-se’ o paciente com um

rótulo. Prática tão fácil que dispensa avaliação diagnóstica de um profissional, uma vez que o “Dr.

Google” 17 está sempre acessível. Ao começar a digitar um sintoma de uma doença, num milésimo

de segundo ele fornece o diagnóstico com dezenas de medicamentos possíveis para o tratamento.

Tais leituras diagnósticas promoveram o uso descontextualizado da funcionalidade dos

fármacos e também ‘associações livres’ que se tornaram clichês: ‘Diazepan para ansiedade’;

‘Rivotril para dormir’; ‘Ritalina para TDAH’; ‘Fluoxetina para depressão’, dentre outros usos,

‘consagrados pelos consumidores’. A fala do “Homem-Comprimido” – agora comprimido pelos

diagnósticos – só aparece para o médico nos ditos: ‘Vim trocar a receita’. Isso quando

‘automaticamente’ o médico já o faz sem que o paciente abra a boca. O “Homem-Comprimido” não

pode – e não quer mais – questionar a origem de seus sofrimentos.

Ribeiro (2012) compara o estatuto de atuação do médico nas medicinas clássica e atual. O

autor propõe que a medicina se especifica pela clínica, na qual o médico se debruça diante do

paciente e diante do arsenal propedêutico – entrevista, exames físicos e exames complementares

necessários – define um diagnóstico e, a partir daí, propõe um tratamento. Entretanto, atualmente,

certos diagnósticos são feitos por perguntas simplesmente generalistas, chegando, a partir delas, a

um diagnóstico e ‘automaticamente’ a um tratamento específico: uma verdadeira maquinação

diagnóstica na qual o paciente não se encontra com a verdade e seu mal-estar, e sim com um

enquadramento, uma classificação (RIBEIRO, 2012).

No mundo das classificações não há espaço para a singularidade. Cada paciente é tratado

como um ser anônimo, pertencente a uma totalidade orgânica, imerso numa massa em que todos são

criados à imagem de um clone, para os quais é receitada a mesma gama de medicamentos

16

“Diagnóstico Código de Barras”: nome dado (neste trabalho) à forma simplista com que os Manuais de Classificação relatam doenças e sintomas de forma rápida e fácil, dando um grande passo para a medicalização. A agilidade de diagnosticar e medicar é comparada ao modo de leitura do Código de Barras. A metáfora permite-nos pensar também nas ‘etiquetas’ e ‘rótulos’ que os pacientes recebem pós-diagnóstico. A crítica à simplificação diagnóstica se deve às várias consequências manifestadas na clínica e estas são, a partir deste ponto, questionadas no artigo. 17

“Dr. Google”: Google é uma empresa multinacional de serviços online e software dos Estados Unidos. É o website mais visitado do mundo. O motor de busca do Google na web é o serviço mais popular da companhia. Os usuários podem pesquisar as informações que quiserem, através do uso de palavras-chave e operadores. A capacidade de busca do website permite-nos ironizar a situação da medicalização pela facilidade com que pacientes têm informações sobre doenças e diagnósticos, podendo automedicarem-se sem pelo menos irem ao médico. O “médico” está em casa ou ‘acompanhado do paciente’ nos modernos equipamentos tecnológicos.

17

independente da razão do seu sofrimento (ROUDINESCO, 2000). A desconsideração da

singularidade abriu espaço para uma lógica diagnóstica sem critérios.

Uma dada pessoa “normal”, atingida por uma série de infortúnios – perda de uma pessoa próxima, abandono, desemprego, acidente – vê ser-lhe receitado, em caso de angústia ou de uma situação de luto, o mesmo medicamento receitado a outra que não tem nenhum drama para enfrentar, mas apresenta distúrbios idênticos em virtude de sua estrutura psíquica melancólica ou depressiva. Quantos médicos (...) receitam tratamentos antidepressivos a pessoas que estão simplesmente tristes e desiludidas, e cuja ansiedade levou a uma dificuldade de dormir! (ROUDINESCO, 2000, p. 24-25)

O DSM-V será lançado em maio de 2013. O que ele vem reforçar ao DSM-IV? “Parece ser

a tendência à medicalização dos comportamentos humanos de nossa época, ao transformá-los em

patológicos em seus mínimos detalhes” (FREITAS & AMARANTE, 2012). ‘Automaticamente’ –

como no código de barras – pessoas que não possuem algum tipo de transtorno terão a

‘oportunidade’ de passar a tê-lo. O lançamento do novo DSM já movimenta o mercado da indústria

farmacêutica, uma vez que os transtornos já são nomeados para atender a um mercado de drogas

que ‘podem curá-los’. A lógica do mercado produz “Homens-Comprimidos” para ‘engolirem

diagnósticos e comprimidos necessários’, até a próxima revisão do manual, quando virão outros

diagnósticos para outros medicamentos, constituindo outros “Homens-Comprimidos”.

O que pode a psicanálise diante da medicalização?

Se a psiquiatria biológica lê o medicamento em seus efeitos químicos e farmacocinéticos, a

psicanálise lacaniana escuta o uso dos fármacos como um possível modo de gozo. O “Homem-

Comprimido” encontrou uma maneira de gozar no seu corpo pelos medicamentos (LAURENT,

2002). Gozo apoiado pelas terapêuticas oriundas da leitura da psiquiatria biológica e dos manuais

de classificação diagnóstica. Cabe-nos perguntar: O que pode a psicanálise diante do homem

comprimido?

A fim de não responder automaticamente (como nos Diagnósticos Código de Barras)

faremos algumas considerações em três momentos:

1) considerações sobre psicanálise e psicofármacos;

2) o tratamento do ‘caso único’ em psicanálise;

18

3) escuta18 e transferência19: balizas clínicas.

1) Considerações sobre psicanálise e psicofármacos – Atualmente estamos mergulhados no

medicamento, objeto de demandas neuróticas, de exigências psicóticas e de usos perversos

(LAURENT, 2002). O fármaco para a psicanálise não é considerado apenas em sua potencialidade

farmacocinética, mas sim, como objeto libidinal. Enquanto a psiquiatria com bases biológicas e

algumas outras terapêuticas visam atuar sobre sintomas e doenças utilizando-se dos fármacos, “para

a psicanálise o objetivo é desvendar as razões pelas quais a droga passa a ocupar um lugar

proeminente na economia pulsional do sujeito” (SANTIAGO, 2001, p. 30). A psicanálise visa tratar

‘o sujeito’; um sujeito que é desejante e que goza!

Na satisfação tóxica há sempre um laço entre o sujeito e o produto tóxico, ainda que possam

variar as diferentes modalidades de tóxicos (SANTIAGO, 2001). A psicanálise entende que há uma

escolha – ainda que inconsciente – pela utilização dos fármacos. Uma escolha que, se repetida, pode

levar à dependência. Essa, por sua vez, constitui não somente uma ação química entre substância e

corpo, mas um alinhavo com o sintoma que resiste e insiste.

O sintoma se difere de outras formações do inconsciente, pois nessas, há um caráter de

manifestação instantâneo e passageiro. No sintoma percebemos o contrário: ele se faz resistente,

insistente e inerte. Miller (2004) nos ajuda a compreender essas ideias quando salienta o caráter

temporal, retirando do sintoma o caráter passageiro e concedendo a ele a forma que toma a

exigência pulsional em tanto que não cessa de fazer-se ouvir e que não cessa de satisfazer-se,

incluída no desprazer do sintoma. Para o autor, este ponto é o que autoriza Lacan a manter o

conceito de gozo (MILLER, 2004).

O medicamento permitiu ao “Homem-Comprimido” experimentar um gozo desconhecido

por ele mesmo. Pelo medicamento o sujeito recorta o corpo de outro modo e o uso dos tóxicos está

18

Escuta: conceito que ressalta a singularidade dos sentidos da palavra enunciada. Freud busca nas palavras de seus pacientes e em suas próprias – mais do que padrões de adaptação à moral e costumes vigentes – uma fala atravessada pelo inconsciente e pela sexualidade: mensagens cifradas e enigmáticas que demandaram outra qualidade de escuta para serem compreendidas. Resumidamente, as mensagens do inconsciente devem ser ‘escutadas’ para que se possa compreender o funcionamento inconsciente, em certa medida, e instaurar um ato analítico. Ao dar cada vez mais espaço para o que escutava de forma diferente, no contato com seus pacientes, Freud pôde construir “tanto um novo ramo do conhecimento quanto um método terapêutico”: (Freud, 1940[1938], p. 91). 19

Transferência: “Termo progressivamente introduzido por Sigmund Freud (entre 1900 e 1909), para designar um processo constitutivo do tratamento psicanalítico mediante o qual os desejos inconscientes do analisando concernentes a objetos externos passam a se repetir, no âmbito da relação analítica, na pessoa do analista, colocado na posição destes diversos objetos. Indica sempre a ideia de deslocamento, de transporte, de substituição de um lugar por outro. A inovação freudiana consistiu em reconhecer nesse fenômeno um componente essencial para a psicanálise, a ponto, aliás, de esse novo método se distinguir de todas as outras psicoterapias por empregar a transferência como instrumento de cura no processo analítico”. (Roudinesco, 1998, p. 766-767).

19

sempre articulado a um gozo do corpo. “Nós aprendemos a gozar de zonas, de partes do corpo que

estavam escondidas para nós” (LAURENT, 2002, p. 32).

É a partir do gozo proporcionado pelo fármaco que Nogueira (2009) propõe a convergência

entre a medicação e o ato analítico. Ele o faz alertando que convergência não é o mesmo que

integração de forma que 0,5 da análise + 0,5 da medicação é igual a 1 do tratamento total. A leitura

é por outro viés: “Convergir é apostar modestamente que há uma maneira de usar a medicação que,

mesmo mantendo o vigor do furo irredutível no saber, favoreça a possibilidade de um sujeito

absolutamente servo do sintoma falar” (NOGUEIRA, 2009, p. 136).

Se a convergência é possível, desmistifica-se o aforismo do senso comum de que “a

psicanálise é contra o uso de medicamentos”. Não é questão de ‘ser contra’, mas de

compreendermos o lugar e função do psicofármaco na leitura da psiquiatria biológica e na

psicanálise. Para a primeira, a ação do fármaco visa à redução e eliminação dos sintomas, buscando

adaptação e conformidade social. Já para a psicanálise o medicamento pode ser lido como

possibilidade de regulação do gozo (BARRETO, 2002).

Uma análise lida com o saber do inconsciente do sujeito, um saber que não se sabe visando

modificar a relação do sujeito com seu gozo. Os medicamentos são úteis num tratamento

psicanalítico não pela ‘cura’ dos sintomas, mas na medida em que possibilitam ao sujeito poder

falar. Essa sim (a fala) é a matéria com a qual o analista trabalha. É por meio dela que o “Homem-

Comprimido” poderá sair da compressão imposta por diagnósticos, por rótulos, e pelos

determinismos biológicos que compõem o saber clínico atual.

2) o tratamento do ‘caso único’ em psicanálise – a medicina clínica atual só pôde ser assim

nomeada entre o final do século XVIII e início do século XIX, momento em que o corpo tornou-se

um instrumento para a produção do conhecimento: foi possível aprender no encontro com o

paciente. Dito de outro modo, a clínica médica - como a conhecemos - surge a partir do momento

em que há um saber que se constitui a partir da relação médico-paciente (FOUCAULT, 2004).

Em Freud também lemos um apreço pelo saber a partir da clínica. Pela ‘escuta singular’ do

paciente, Freud cria uma nova maneira de acolher o sofrimento humano, diferente do ‘olhar’ da

medicina. ‘Escuta’ o sofrimento expresso no corpo, não curável pelo saber médico e acompanhado

de sofrimento psíquico e trata-o de modo diferente. Freud aprende quando ‘não sabe’, ou melhor,

quando escuta com paciência a histérica, que, irritada, pede para falar sem ser interrompida

(FREUD, 1987). Viganó (1999) sintetiza as ideias de Foucault e Freud a respeito da clínica,

20

afirmando que essa “é um ensino que não é teórico, mas que se dá a partir do particular; não é a

partir do universal do saber, mas do particular do sujeito” (VIGANÓ, 1999, p.40).

É no ‘não saber’ que a psicanálise permite a constituição de um saber oriundo do paciente, e

não de teorias e técnicas impressas em páginas de manuais. A clínica perpassa a condição de que o

ato clínico seja produtor de saber. Enquanto o tratamento psiquiátrico visa a uma norma abstrata e

geral, baseada na moralidade social, a psicanálise rege-se por uma ética que atua de maneira oposta,

fundando-se na singularidade da relação do sujeito com seu desejo e com seu gozo. “Cada análise é

consequentemente diferente uma da outra; cada caso requer sua própria teorização” (BARRETO,

2002, p. 60). Cruz (2005) demarca a diferença do saber psiquiátrico e do não saber da psicanálise:

Daí a proposta singular e singularizante da psicanálise: não há receita, apenas processos. Esta forma de trabalho na subjetividade realiza uma política de clínica que rompe com aquela da psiquiatria biológica, ou seja, rompe com uma clínica que, ao negar o caráter produtivo e singular do sintoma, ao reduzi-lo ao índice de transtornos plenamente classificáveis e medicáveis, homogeneíza a subjetividade, forma contemporânea de enclausurar os sujeitos, não mais no manicômio, mas em suas próprias identidades. (CRUZ, 2011. p. 22)

Abrindo mão das classificações dos protocolos diagnósticos, a psicanálise reintroduz o ato

de julgar não universalizável, buscando no caso particular o que é da ordem da posição subjetiva,

detalhes e princípios que possam orientar o diagnóstico e dirigir o tratamento. As classificações têm

algo de relativo e artificial: elas não existem na natureza, tampouco no real, mas são fundamentadas

na verdade. Por isso, entre o universal e o particular, é sempre necessário inserir o ato de julgar,

sendo que esse ato não é universalizável. (MILLER, 2003).

A prática psicanalítica vai de encontro a um modo de leitura dos manuais diagnósticos que

se calcam num cientificismo que exclui a subjetividade e homogeneíza a forma de compreensão da

patologia, uma vez que “o portador de sofrimento mental (...) fará do medicamento o seu

medicamento, do diagnóstico o seu diagnóstico, da doença a sua doença e da cura a sua cura”

(BORGES, 2009, p. 156). Considerar o caso único permite a ‘descompressão’ do “Homem-

Comprimido” da massificação e generalização imposta pelos manuais diagnósticos. Falar de seus

problemas, de suas dores, de seu sofrimento, é de certa forma, despir-se de imposições sociais. A

prática da psicanálise visa colocar o sujeito para falar sobre sua verdade. Ao falar, é possível a

escuta do que se fala, e, ao se escutar, é possível posicionar-se.

Em “Palavras e Pílulas”, Barreto (2002) propõe uma alegoria visando demarcar a diferença

das leituras da psiquiatria biológica e da psicanálise:

21

Para a psiquiatria biológica, as doenças ou transtornos mentais seriam como monoculturas. (...) A depressão, por exemplo, poderia ser comparada a uma floresta de eucaliptos. (...) Existem diferenças, mas os eucaliptos são fundamentalmente iguais, que quem avista a floresta não distingue um do outro, tampouco uma floresta da outra. Para a psicanálise (...) não temos critérios, temos paisagem. (...) não há critério para definir um sujeito no final da análise. É possível defini-lo um por um, caso por caso. Uma paisagem é incompleta e é sempre possível incluir mais um detalhe; e é sempre diferente de outra paisagem. (BARRETO 2002, p. 61)

3) Escuta e transferência: balizas clínicas – Freud inaugurou novos tempos na clínica: tempo

da palavra como forma de acesso ao desconhecimento de si e tempo da escuta que ressalta a

singularidade de sentidos da palavra anunciada. Para Lacan, “a partir do momento em que é sujeito

significante, o sujeito é também afetado pelo inconsciente, afetado pelas palavras, pelo discurso

articulado e articulável” (LACAN, 1993). A psicanálise surge e se desenvolve na escuta singular a

qual se propõe realizar. A fala do “Homem-Comprimido” é uma fala atravessada pelo inconsciente

e é função do analista escutá-la.

O caráter racional e objetivo do saber científico pode ser determinante para uma dificuldade

da escuta médica diante do sofrimento ‘não detectável no corpo’, permitindo entrar em cena o

binômio diagnóstico-medicação e abrindo espaço para a repetição e para o gozo. Contrapondo a

psiquiatria biológica que visa a uma ação nos neurotransmissores, Leite (2002) afirma que “a

psicanálise, (...), demonstra que os sintomas estão relacionados às vivências constitutivas do sujeito.

O psicanalista dirige o tratamento, produzindo um ato que visa modificar as defesas frente à

angústia que, na visão analítica, é a causa dos sintomas” (LEITE, 2002, p. 47). Nesse sentido, a

psicanálise se diferencia da medicina no momento em que Freud valoriza a palavra como essencial

para o processo de cura:

Ao retirar a palavra do que a nosografia diz sobre o paciente, Freud entrega a palavra ao próprio paciente para que ele fale sobre si mesmo. Surge então a psicanálise, marcada pelo convite a que o analisando, em uma posição ativa diante de seu processo de cura, comunique-se e associe livremente. (FALCÃO & MACEDO, 2005, p. 67)

O psicanalista considera o saber como inconsciente. Já o paciente não sabe que porta o

saber, ou seja, ‘não sabe que sabe’. “A posição do analista deve ser a de uma ‘ignorância douta’ 20,

o que não quer dizer sábia, mas formal e que pode ser, para o sujeito, formadora” (LACAN, 1994,

p. 317). Na mesma linha de raciocínio, Lima (2010) afirma a proposta do discurso do psicanalista:

“falar do lugar do não saber; abrir uma brecha ali onde a ciência tenta tamponar a partir de um saber

constantemente renovado e marcado pela insuportabilidade do não saber” (LIMA, 2010, p. 393).

20

“Ignorância Douta”: Termo que Lacan utiliza para demarcar uma posição em que o analista deve ser ‘ignorante’ para que o paciente seja aquele que dá sentido às suas palavras. Dito de outro modo, o analista deve ‘não saber’ para que o saber seja desvelado pelo próprio paciente. A análise só pode encontrar sua medida nas vias de uma ignorância douta. (Lacan, 1994)

22

Querer que o “Homem-Comprimido” fale e querer escutá-lo deve ser o desejo e a aposta do

analista, pois só a partir do ‘não saber’ será possível a produção de um saber.

O psicanalista ajudará o “Homem-Comprimido” a saber de seu gozo, de seu desejo, de suas

demandas inconscientes, recalcadas e esquecidas, reveladas pelos equívocos, enganos, atos falhos,

chistes, sonhos e outras formas de manifestação do inconsciente. Como fará isso? Pela ‘escuta’ de

suas palavras. A escuta do discurso do paciente pela “associação livre” 21, regra fundamental da

psicanálise, em “atenção flutuante” 22, possibilitará a ‘descompressão’ do “Homem-Comprimido”

dando lugar à novidade da experiência analítica, através da interpretação, que visa “a fazer um

sujeito compreender a significação inconsciente de seus atos ou de seu discurso, quer estes se

manifestem através de um dito, um lapso, um sonho, um ato falho, de uma resistência, da

transferência (...)” (ROUDINESCO, 1988, p. 388). Não se pode desconsiderar, entretanto, que só é

possível interpretar em psicanálise a partir da transferência.

Quinet afirma que a transferência é necessária para que a experiência analítica seja possível,

ressaltando que ela (a transferência) “não é, portanto, uma função do analista, mas do analisante. A

função do analista é saber utilizá-la” (QUINET, 2009, p. 26). Freud demarcou que efeito terapêutico

se obtém pelo deciframento do sintoma, na transferência, e Lacan ampliou este raciocínio no

Seminário XI, apontando “cada vez que, para o sujeito, essa função do sujeito suposto saber é

enfocada por quem quer que seja, analista ou não, isso significa que a transferência já está

estabelecida” (LACAN, 1996).

A medicação é, no contexto analítico, uma medicação sob transferência, portanto, sujeita aos

efeitos dessa. A transferência é o efeito primordial para que seja possível a incidência no modo de

gozo ‘comprimido’ e seu manejo é o ponto de partida do tratamento analítico. Uma transferência

‘bem tratada’ permitirá que o “Homem-Comprimido” se descomprima pelos significantes expressos

em sua fala; fala que foi comprimida pelas imposições sociais e encapsulada pelas imposições

diagnósticas. Em um tratamento a partir da transferência o homem pode falar (!), e isso não é pouco

para quem está ‘comprimido’.

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Associação livre: “Regra fundamental da psicanálise. Regra constitutiva da situação psicanalítica, segundo a qual o paciente deve esforçar-se por dizer tudo o que lhe vier à cabeça, principalmente aquilo que se sentir tentado a omitir, seja por que razão for. Freud afirmou que o método das associações livres permitia atingir com muito maior facilidade, os elementos que estavam em condições de liberar os afetos, as lembranças e as representações. Para tanto, era preciso convidar os pacientes a “se deixarem levar” e “exigir” deles que não deixassem de revelar um só pensamento ou ideia, a pretexto de o acharem vergonhoso ou doloroso. Jacques Lacan destacou que a regra fundamental leva o paciente a se confrontar com uma fala livre, cujo controle ele não detém: uma fala “plena”, que é dolorosa porque suscetível de ser verdadeira”. (Roudinesco, 1998, p. 649-650) 22

Atenção flutuante: Termo criado por Sigmund Freud, em 1912, para designar a regra técnica segundo a qual o psicanalista deve escutar seu paciente sem privilegiar nenhum elemento do discurso deste e deixando que sua própria atividade inconsciente entre em ação. (Roudinesco, 1998, p.39)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Consideramos neste trabalho as implicações que a sociedade contemporânea exerce sobre a

subjetividade do homem, comprimindo-a. Tais condições permitiram nomeá-lo “Homem-

Comprimido”, uma vez que busca alívio de seu sofrimento no uso de psicofármacos. Questionamos

neste trabalho a clínica proposta por certa leitura dos manuais diagnósticos. Clínica que se

manifesta douta em saber sobre o paciente, incentivando a produção crescente de diagnósticos, e a

resposta ‘automática’ pela via da medicalização do sofrimento. Inferimos que estas leituras dos

manuais diagnósticos possibilitam, no seu modo de funcionamento, que o “Homem-Comprimido”

goze de seu corpo, permanecendo num gozo que sustenta sua condição de ‘comprimido’ sem

oferecer a ele a possibilidade de se descomprimir pelo singular de seu sintoma.

A partir da exposição das ideias neste trabalho respondemos à indagação sobre o que pode a

psicanálise diante do “Homem-Comprimido”, afirmando que ela pode, a princípio, escutá-lo, deixá-

lo falar. O analista deve permitir que o paciente fale, e que, no ato de falar, deixe cair de sua boca

‘comprimidos’ e ‘significantes’ que nomeiam seu ‘modo de Ser-Comprimido’. É a partir daí que se

pode incidir no modo de gozo do indivíduo para se construir um caminho, caso a caso, que

possibilite ao sujeito uma vida satisfatória. A psicanálise é uma aposta e uma possibilidade, entre

outras, cabendo aos “Homens-Comprimidos” continuarem suas escolhas. Em meio às dúvidas que

as escolhas lhes proporcionam, lembramos uma célebre dúvida de Drummond, extraída da obra de

Temporão (1986).

Estou confuso e difuso, e não sei se jogo pela janela os remédios que médicos, balconistas de farmácia e amigos dedicados me receitaram, ou se aumento o sortimento deles com a aquisição de outras fórmulas que forem aparecendo, enquanto o Ministério da Saúde não as desaconselhar. E não sei, já agora, se se deve proibir os remédios ou proibir o homem. Este planeta está meio inviável. (TEMPORÃO, 1986, p. 11)

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