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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 239
DUAS ESCOLAS, DOIS DESTINOS: O IMPÉRIO E A INSTRUÇÃO NA PROVÍNCIA DO GRÃO-PARÁ
EM MEADOS DO SÉCULO XIX
Alberto Damasceno
A Lei Provincial que Pretendia Organizar a Instrução Pública
Em 28 de junho de 1841 a Assembleia Legislativa Provincial decretou e Bernardo de
Souza Franco, Vice Presidente da Província, sancionou a Lei n° 97, que regulava a instrução
pública primária e secundária na Província do Grão-Pará. Composta de seis capítulos e trinta
e quatro artigos a referida Lei destinava-se a organizar o ensino público, então em estado
precário e sem nenhuma orientação formal acerca de sua estrutura e de seu funcionamento.
No Capítulo I (Da Instrução primária) a Lei determinava a gratuidade da instrução
primária geral e gratuita para todos os cidadãos sendo a mesma ensinada em escolas e
constando de duas classes de estudo. A primeira compreendia Leitura e Escrita ou Caligrafia,
Princípios de Aritmética com o perfeito conhecimento das quatro operações aritméticas em
números inteiros, fracionados, complexos, e proporções; Gramática da Língua Nacional, e
Elementos de Ortografia.
A segunda abrangia Princípios de Moral Cristã e da Religião do Estado, Noções de
Civilidade, Elementos Gerais de Geografia, Leitura da Constituição e da História do Brasil.
Para as alunas do sexo feminino, além das matérias das duas classes, seria também
abordado o “uso da agulha de cozer, e de meia; o bordado, as regras de talhar e cozer os
vestidos, e os mais misteres próprios da educação doméstica” (art. 3º).
A Lei determinava em seu artigo 4º que o método do ensino para a instrução primária
seria o do Barão De Gerando, o que, na prática significava a adoção do método de ensino
mútuo.
De Gérando foi secretário-geral e presidente da Société pour l'instruction élémentaire, que dominou a vida pedagógica francesa, durante 20 anos, e assegurou a promoção do método mútuo, acompanhado de grande progresso da instrução popular (BASTOS, 1998, p. 102).
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A Lei também estabelecia que as escolas deveriam receber do Governo da Província
“Compêndios, Livros, Traslados de Caligrafia, Globos e Mapas, à vista de um orçamento
anual de organizado pelos Professores e aprovado pelo Diretor” (art. 5º).
Em relação às localidades onde essas escolas funcionariam, era o Presidente da
Província que as definiam, “dependendo a sua definitiva fixação da aprovação da Assembleia
Legislativa” (art. 6º). Entretanto, se a escola, no decurso de dois anos consecutivos, deixasse
de reunir pelo menos dez alunos com frequência efetiva, ela seria transferida pelo Presidente
para outro lugar onde pudesse ser frequentada por maior número de alunos.
No capítulo 2º, que trata da instrução secundária, a Lei determinava que este nível
seria desenvolvido em Liceus e compreenderia dois cursos, um de humanidades e outro de
comércio. O de Humanidades, com duração de 5 anos, era constituído pelas cadeiras de
Língua Latina; Língua Francesa; Aritmética, Álgebra, e Geometria; Filosofia Racional e
Moral; História Universal, Geografia Antiga, Moderna e História do Brasil; Retórica, Crítica,
Gramática Universal e Poética; Escrituração Mercantil, Contabilidade.
O curso de Comércio, por seu turno, tinha a duração de 2 anos e era composto por
Língua Francesa; Aritmética, Álgebra, e Geometria; Filosofia Racional e Moral; História
Universal, Geografia Antiga, Moderna e História do Brasil; Escrituração Mercantil,
Contabilidade e Língua Inglesa.
Na Província seria permitido um só Liceu, com sede na capital e denominado de “Lycêo
Paraense e permanecerá enquanto for conveniente” (art. 11).
Finalizando o capítulo, a Lei cria uma Cadeira de Latim na Vila de Bragança, e conserva
as de Cametá, Macapá e Santarém. No seu último artigo (13) um aspecto que merece
destaque é a prescrição de que deveria haver na Capital uma aula de Ensino Normal.
No capítulo 3º (Dos Professores) a Lei determina que deveria haver “tantos professores
do Ensino Primário, quanto forem as respectivas Cadeiras, competindo a cada um a
consignação anual de quatrocentos mil réis, e o de Ensino Normal, o de seiscentos mil réis”
(art. 14). No Liceu, por outro lado, seriam oito os professores “os quais vencerão o ordenado
de seiscentos mil réis cada um” (art. 15), além de três substitutos com o ordenado de
quatrocentos mil réis.
Em relação ao emprego de professor a Lei garantia sua vitaliciedade, e que seria
provido por pessoas idôneas. O ingresso na carreira far-se-ia por meio de concurso, mas, se
depois de passado o prazo marcado não comparecessem candidatos, o Presidente proveria as
vagas por meio de pessoas idôneas e de reconhecida capacidade para o Magistério (art. 17).
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Também estava previsto que nenhum professor poderia ser demitido sem preceder sentença
e, caso acontecesse, o professor só poderia perder o emprego no caso de:
§ 1º. Condenação à pena de galés, ou por crime de estupro, rapto, adultério, roubo ou furto, ou por algum outro da Classe daqueles que ofendem a moral pública e a Religião do Estado.
§ 2º. Abandono da Escola por tempo consecutivo excedente a três meses, sem causa justificada.
§ 3º. Negligência habitual e incorrigível no cumprimento dos seus deveres (Art. 18).
Por outro lado, o Diretor poderia suspender os professores “correcionalmente por
omissões, ou faltas pequenas até um mês; e nos casos de maior gravidade deprecará ao Juiz
competente para lhe formar o Processo” (art. 19), entretanto, depois de ouvido o professor, o
Diretor deveria, antes, comunicá-la ao Presidente da Província, que poderia julgá-la
improcedente, caso a entendesse sem fundamento.
O capítulo 4º (Do Diretor), como a própria denominação sugere, trata da criação, na
capital da Província, do cargo de Diretor da Instrução Pública, “com o ordenado de um conto
de réis fornecido pelo Tesouro Provincial de tudo que for preciso para o desempenho de suas
atribuições” (art. 22,), relacionando-as a seguir:
§ 1º. Presidir ao Conselho de Instrução Pública, convocá-lo extraordinariamente, e ter voto de desempate.
§ 2º. Fazer executar as Leis, as ordens do Governo e as decisões do Conselho.
§ 3º. Inspecionar e fiscalizar todas as Escolas Públicas e Particulares por si, e por intermédio das Câmaras Municipais respectivas, com quem se comunicará.
§ 4º. Por concurso as Cadeiras que forem vagando, e levar ao conhecimento do Governo quais os Candidatos mais distintos para, dentre eles, escolher um.
§ 5º. Escolher de acordo com o Conselho, e Compêndios e Modelos das Aulas, e dar as providências necessárias para que a instrução seja regular e uniforme em toda a Província.
§ 6º. Dar aos Professores todas as Instruções e esclarecimentos necessários para o desempenho das suas obrigações, e exigir dos mesmos e das Câmaras Municipais as informações que julgar convenientes.
§ 7º. Dar certificado em cada um dos Cursos aos Alunos que o tiverem concluído, o qual será assinado pelo Diretor e Secretário.
§ 8º. Formar anualmente um relatório do Estado de Instrução em toda a
Província para ser presente a Assembléia por intermédio do Governo (art. 22).
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Outro aspecto importante da Lei é a referência ao Conselho de Instrução (Capítulo 5º),
que deveria ser composto pelo Diretor e por todos os Professores do Liceu, competindo a essa
instância:
§ 1º. Fazer uma Sessão ordinária na primeira quinta-feira de cada mês.
§ 2º. Propor à Assembléia Provincial os melhoramentos de que julgar suscetíveis os Estudos, por intermédio do Governo da Província.
§ 3º. Formar os Regulamentos das Escolas do Ensino Primário e secundário, alterá-los e modificá-los quando convier.
§ 4º. Formar o Programa da frequência das Aulas, estabelecendo as horas da entrada.
§ 5º. Reunir-se no primeiro mês de férias para examinar os alunos, e em qualquer ocasião que for necessário para examinar os Candidatos às Cadeiras, que deverão ter as habilitações requeridas no art. 8º da Lei Geral, de 15 de outubro de 1827, além dos requisitos especificados na presente Lei.
§ 6º. Conferir prêmios aos alunos de mais distinto mérito.
§ 7º. Prover nos casos omissos aquilo que for a bem da Instrução Pública. (Art. 25).
O último capítulo (6º), das Disposições Gerais tratava de variados assuntos como o
estabelecimento de período para o exame dos alunos; o prêmio que seria concedido ao aluno
mais distinto; a forma dos certificados – que seria determinada pelo Conselho de Instrução
Pública; a criação dos cargos de secretário e contínuo, ambos do Liceu (o primeiro com o
vencimento de duzentos mil e o segundo com cento e cinquenta mil réis) e os valores para o
pagamento de certidões e certificados.
A Instrução Pública na Província no Discurso de 1845
Uma boa referência para verificar os resultados que advieram da promulgação e
implementação da Lei provincial 97 são os discursos dos dirigentes da Província dando conta
das pretensões ou realizações de sua gestão1. Em meados da década de 1840, mais
precisamente entre 7 de fevereiro de 1845 e 7 de maio de 1848 a Província do Grão-Pará teve
três presidentes2, dentre eles João Maria de Moraes, que foi o mais regular, governando de
1 Importante destacar que não consegui encontrar o conjunto completo desses documentos de modo a estabelecer uma linha contígua de relatos. Da década de 1840, por exemplo, só encontrei em condições de manuseio três discursos relativos às aberturas de sessões da Assembleia Provincial; de 1845, 1846 e 1847, todos de autoria de João Maria de Moraes, na condição de vice presidente da Província. Em que pese a ausência das mencionadas referências documentais sobre os intervalos não investigados, creio que a proximidade entre as falas do representante da Província nos autoriza a inferir aspectos importantes da situação da instrução pública naquele período. Desta feita, com base nos três discursos mencionados construí uma análise que se baseia, obviamente, no ponto de vista do governante acerca da organização e do funcionamento da instrução pública durante suas gestões.
2 Como eram chamados naquela época aqueles que ocupavam o cargo hoje equivalente a governador.
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fevereiro e outubro de 1845, de agosto a novembro de 1846, de julho a outubro de 1847 e de
março a maio de 1848. Além de Moraes, Manuel Paranhos da Silva Veloso e Herculano
Ferreira Pena também governaram a Província nos interstícios dos períodos mencionados.
Logo no início de seu relato o vice presidente Moraes apresenta aos legisladores uma
visão cautelosa e pouco otimista da instrução pública fazendo referência à Lei Provincial nº
97 de 3 de Julho de 1841:
Naõ vos occultarei, Senhores, que o estado actual da Instrucçaõ Publica na Provincia naõ é ainda satisfatorio, e que nem mesmo ha esperanças, de que taõ sedo se colhaõ todas as vantagens, que neste ramo de interesse vital da Sociedade promette a sabia e utilissima Lei Provincial N.º 97 de 3 de Julho de 1841 (DISCURSO, 1845, p. 9).
As Escolas e a Instrução Primária
Reforçando a natureza descritiva de sua exposição Moraes informa que até aquela data
a Província possui 42 escolas públicas de nível primário, destacando que as mesmas não
chegam a atingir seu objetivo institucional. Do total existem
8 vagas, e as mais são regidas por 18 Professores vitalicios, e 16 Interinos. Estas Escolas, alem de naõ serem sufficientes para satisfazer a todas as necessidades locaes, naõ desempenhaõ cabalmente os fins de sua Instituiçaõ (DISCURSO, 1845, p. 10).
Moraes reforça que apesar da Lei estabelecer duas classes de estudos para o ensino
primário, sendo cada uma delas composta de diversos ramos de instrução, as escolas não a
respeitam, ignorando tal classificação assim como o ensino das matérias ali determinadas.
Além disso, os professores, que deveriam enviar relatórios contendo, além dos nomes dos
alunos, suas idades, naturalidades e os progressos que têm conquistado, dentre outros
aspectos, enviam apenas listas nominais com observações vagas sobre o comportamento e
frequência dos alunos, concluindo que "tudo prova a desordem e irregularidade dellas"
(DISCURSO, 1845, p. 10).
Na análise do vice presidente o "máo estado das escolas do ensino primario" resulta,
em primeiro lugar, de um problema que envolve quantidade e qualidade do pessoal docente,
decorrente, sobretudo, da falta de incentivos do próprio governo à docência, em segundo
lugar, é relevante a insuficiente estrutura dos estabelecimentos escolares, sem perder de vista
os baixos salários dos professores, que não lhes permite, inclusive, a própria subsistência.
Nas palavras de Moraes são estas as duas causas dessa situação:
A primeira é a falta de pessoas habilitadas com os conhecimentos, que a Lei exige para regerem as Escolas; porque alem de não termos superabundancia
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dellas, as que os possuem, buscão de ordinario profissões mais lucrativas; e os meios de attrahi-las tãobem faltão: (...). A segunda é a falta de meios, com que montar as Escolas no seu verdadeiro estado normal, como é preciso para que ellas possão preencher os fins da Lei: tudo mais ou menos lhes falta, casas, compendios, livros, traslados, globos, mappas&: algumas ha, que nem assentos tem para os meninos, nem mesas sobre que escrevaõ: os ordenados dos Professores, sobre mal pagos, não são sufficientes para ao mesmo tempo manter-lhes a subsistência [...] (DISCURSO, 1845, p. 11).
A conclusão do governante sobre o estado das escolas públicas primárias e sua função
de promover a emancipação cultural dos grão-paraenses, portanto, não poderia ser diferente:
"Neste estado não é possivel que ellas possão derramar na população toda a instrucção e
conhecimentos, a que saõ destinadas" (DISCURSO, 1845, p. 11).
O Liceu e a Instrução Secundária
Seguindo com o relato sobre a situação das escolas públicas ele passa a discutir a
instrução secundária que era desenvolvida pelo Liceu Paraense, instituição que às vistas do
governo "ressente-se todavia das mesmas e de outras causas e seus effeitos". Moraes continua
informando que a Lei 97 "criou dous Cursos de Instrucçaõ secundaria, o de Humanidades, e o
de Commercio, que se ensinão em oito Aulas, das quaes existe huma vaga, e as mais são
regidas por seis Professores vitalicios, e hum Interino, faltando dous substitutos"
(DISCURSO, 1845, p. 11-12).
A crítica contundente persiste, por meio do argumento de que o prescrito pelo texto
legal segue não sendo respeitado:
O Curso de Humanidades tem cinco annos de duração, e o de Commercio dous; mas nem deste ainda sahio alumno algum prompto; nem provavelmente daquelle sahirá tão sedo; porque alem de algumas interrupções, que tem havido na regencia das Aulas por vagas, e por impedimentos dos Professores, faltão aos alumnos, que as frequentaõ, o proposito e constancia de applicarem-se a todas as materias de hum, ou outro, e de as concluirem, contentando-se apenas com a acquisição dos conhecimentos, que mais indispensaveis julgão para as profissões, a que se pretendem dedicar (DISCURSO, 1845, p. 12).
Ao cabo da exposição das mazelas, entretanto, Moraes termina por — como ele próprio
diz — confessar que "a pezar deste máo estado das Escolas do ensino primario e secundario, a
Instrucção Publica vai progredindo, senão, como convinha, como é possivel" (DISCURSO,
1845, p. 12). Sua conclusão se baseia no fato de que há uma quantidade considerável de
alunos cursando e aprendendo os rudimentos da instrução, ao contrário de épocas passadas,
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nas quais até "juizes e camaristas3 havião, que assignavão de cruz4, e em que hoje mesmo
deixão por esse deffeito de ser incluidos na Lista dos Jurados muitos individuos, que a outros
respeitos podião ser” (DISCURSO, 1845, p. 12).
Moraes defende sua opinião com o argumento - de base quantitativa - de que as escolas
primárias tinham cerca de mil alunos de ambos os sexos, com exceção das escolas
particulares enquanto as escolas secundárias eram frequentadas por cento e trinta e dois
alunos com "notável" aproveitamento, comprovado pelos trabalhos e ocupações conquistados
e pelo acesso às academias do Império, onde têm sido admitidos.
O prócer mantém suas esperanças em futuro breve no qual professores mais “hábeis”
pudessem melhorar a qualidade do trabalho pedagógico:
Cumpre por tanto não desanimar no meio das difficuldades, com que lutamos. Se não he possivel de uma só vez remover todas as cauzas, que impedem, ou retardão o desenvolvimento da Instrucção Publica, vamos-lhe dando o impulso, que é possível: alguns annos mais o Lycêo nos fornecerá Professores habeis, a Riqueza Publica augmentará, e os meios de os manter convenientemente e a suas escolas mais ou menos apparecerão (DISCURSO, 1845, p. 13).
Moraes argumenta que o Liceu, em novo espaço físico, está em melhor condição, ao
mesmo tempo, seus professores que tinham sido suspensos ou demitidos
foraõ depois reentregados, e restituidos á suas Cadeiras, os primeiros por ter sido julgada improcedente pelo Juiz competente a denuncia contra elles intentada pelo Promotor Publico por crime de desobediencia ao Governo; e os segundos por se ter reconhecido que naõ havia a incompatibilidade, que deo motivo ás demissões, que soffreraõ, no exercicio dos Empregos, que accumulavaõ, como foi declarado pelo Governo Imperial em Aviso de 20 de Abril do anno passado (DISCURSO, 1845, p. 13).
Apesar da boa notícia continuou vaga a Cadeira de Escrituração Mercantil e
Contabilidade, cujo titular não foi reintegrado, “e nem até hoje tem sido provida por naõ ter
havido quem se proponha a exerce-la com as precizas habelitações; mas logo que appareça,
será opportunamente preenchida” (DISCURSO, 1845, p. 13).
Para além das escolas públicas primárias e do Liceu, Moraes lembra que existem em
Belém outros três estabelecimentos de ensino que subsistem a expensas dos recursos
3 Camaristas é denominação atribuída a vereadores, fidalgos a serviço da realeza ou camareiros. No contexto do discurso em tela, suponho tratar-se de membros da Câmara Municipal, vereadores, portanto.
4 Os traços cruzados ou a cruz, em suas variadas formas, em épocas remotas representavam uma expressão escrita. Em tempos recentes, “assinar em cruz”, significa resumir o nome pela cruz, o que é próprio dos analfabetos. "Assinar em cruz" ou "assinar de cruz" deste modo, é expressão antiga que denota a dificuldade que uma pessoa tem, de escrever em plenitude. Tal hábito, originado na Idade Média foi substituído pela impressão digital.
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provinciais. São eles; o Seminário Episcopal, o Estabelecimento dos Educandos Artistas e o
Recolhimento das Educandas Órfãs e Desvalidas.
O Seminário Episcopal
Em relação ao Seminário, pelo que diz o vice presidente, sua situação está abaixo da
crítica. Em que pese o aumento na quantidade de alunos e, segundo ele, da melhoria no
ensino e na educação, sua receita “acha-se no mesmo ou peor, do que vos foi manifestado no
antecedente relatório” (DISCURSO, 1845, p. 15). Ele continua, argumentando que, mesmo
com o empenho incansável do seu diretor, os esforços “seraõ insuficientes para lhe dar o
incremento, direcçaõ, e aperfeiçoamento conveniente, se naõ fôr por vós auxiliado com os
meios para esse fim indispensaveis” (DISCURSO, 1845, p. 15).
A razão da crise não é outra senão a ínfima receita do Seminário que no ano anterior
Foi de 6:193$000 réis, e a sua Despeza de 6:741$404 réis, ficando por pagar a seus Professores 950$000 réis de ordenados vencidos pelo atraso da pensaõ, que lhe presta o Thesouro Provincial, e que já monta em divida a mais de um conto de réis. Neste estado naõ é possivel esperar-se do Estabelecimento consideraveis vantagens, e nem mesmo que elle subsista por muito tempo (DISCURSO, 1845, p. 15).
O Estabelecimento dos Educandos Artistas
Abordando o Estabelecimento dos Educandos Artistas, Moraes relata uma situação
diferente. Segundo ele a instituição continua a prosperar, prometendo vantagens para seus
cento e sete educandos que sabem, em sua maior parte “ler escrever e contar; cumprem os
deveres religiosos, e os da casa, a que estaõ sugeitos; e applicaõ-se as Artes e Officios, para
que tem propençaõ com assiduidade, e notavel aproveitamento: alguns ha delle de tanta
habilidade e applicaçaõ, que estaõ pronptos em mais de hum officio (DISCURSO, 845, p. 16).
No aspecto referente à moralidade o vice presidente alega que os alunos nada tem que os
desabone e afirma aos legisladores que eles terão, sem dúvida,
Presenciado a ordem, asseio, gravidade e maneiras decentes e honestas com que se eles apresentaõ em publico, e que lhe é habitual, e que são seguramente effeitos da bôa educação, que recebem, devida toda á solicitude zelo, e particular habilidade do digno Director, que os preside, e tambem á bôa indole, de que são dotados (DISCURSO, 1845, p. 16-17).
Moraes não economiza nos elogios, reafirmando que o Estabelecimento é digno de
existência e da proteção do governo e do Legislativo a ponto do primeiro ter autorizado
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O reparo e concerto da casa do Estabelecimento, que ameaçava ruina, e que a naõ ser promptamente acautelada, podia ocasionar despezas, que o estado de nossas Rendas naõ podesse supportar; entretanto que a obra poude ser feita pelos proprios Educandos, e a custa de huma parte de seus jornaes, que não excedeo a 150$000 réis (DISCURSO, 1845, p. 17).
O vice presidente conclui lembrando aos legisladores a necessidade da criação do cargo
de um empregado que fizesse a escrituração da receita e da despesa, entrada e saída dos
educandos, materiais e utensílios das oficinas e outros registros e declarações “indispensaveis
para a bôa economia, fiscalisação, e regularidade de suas operações” (DISCURSO, 1845, p.
17).
O Recolhimento das Educandas Órfãs e Desvalidas
Para Moraes o Recolhimento das Educandas continua a ser “o asilo da innocencia
desvalida, a casa da oração e do trabalho, e a escola das Artes proprias do sexo, e do ensino
das obrigações domesticas” (DISCURSO, 845, p. 18). Mas reconhece que sua situação não é
das melhores e solicita dos legisladores “os meios e providencias necessarias para pôr o
Estabelecimento ao abrigo dessas privações e em circumstancias de produzir o bem, a que se
propõem” (DISCURSO, 1845, p. 18).
Um aspecto que preocupa fortemente o vice presidente é a necessidade premente de
contratação de um Fiel (auxiliar) para o administrador da instituição, Padre Salvador
Rodrigues do Couto, que
Há tempos, soffria molestias, e padecimentos, que lhe tornavão muito incommodo e penso o desempenho das obrigações a seu cargo, sobre tudo a de compras de generos, e de objetos indispensaveis para o consumo e serviço da Casa (DISCURSO, 1845, p. 18).
Para além de outros argumentos utilizados, Moraes menciona também a dívida que a
Província tem para com quatro educandas, contraída pela seguinte razão:
Por occasião dos festejos, com que nesta Capital foi solemnisado o Faustissimo Nascimento de Sua Alteza o Principe Imperial, forão dotadas pelos contribuintes para os ditos festejos quatro Educandas das mais necessitadas do Estabelecimento, a quem a sorte favoreceo, sendo o dote de cada huma de 500$000 réis, que paraõ em poder do respectivo Thezoureiro, e que pertendo pôr á juros em maõs de pessoa muito segura para serem entregues as dotadas, logo que tomem estado, conforme as intenções de seus beneficios doadores (DISCURSO, 1845, p. 19-20).
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A Instrução Pública na Província no Discurso de 1846
O discurso de João Maria de Moraes na Assembleia Legislativa Provincial por ocasião
de seu segundo mandato, em 1846, foi bastante econômico se comparado ao primeiro. Se no
de 1845 o vice presidente usara doze páginas para explanar a situação da instrução pública na
Província; no de 1846, utilizou-se de apenas quatro para esse exercício. Com uma introdução
protocolar ele defendia que
Entre os encargos da Sociedade o de promover, e derramar a instrucçaõ por todas as classes he sem duvida hum dos mais uteis e importantes pelas vantagens, que produz, quando bem preenchido, na moralidade do povo, na civilisaçaõ, e mesmo no augmento da riqueza. Nas Sociedades bem constituidas procura-se dar a instrucçaõ, accomodando-a o mais possível á capacidade, inclinaçaõ, sexo, e condiçaõ de quem a recebe, estabelecendo-se para este fim vehiculos proprios desde o ensino primario ate ás sciencias maiores, e a Imprensa (DISCURSO, 1846, p. 14).
Entretanto, ato contínuo, ele recoloca a questão, confessando o estado de atraso no
qual se encontra a instrução na Província, relacionando os estabelecimentos com os quais
conta para a execução dessa tarefa:
Entre nós ainda naõ he isto possivel, e na infancia, atraso, e pobreza em que nos achamos, muito se faz em fornecer indistincta nas primeiras e segundas letras. Destes meios de instrucçaõ temos pois em toda a Provincia 40 escolas de ensino primario, hum Lycêo na Cidade, o Seminario Episcopal, a escola dos Educandos Artistas, e o Recolhimento das meninas Orfãs e desvalidas, sustentado tudo á expensas do Cofre Provincial (DISCURSO, 1846, p. 14).
As Escolas Primárias
Em relação a esses estabelecimentos o vice presidente é direto, asseverando que as
escolas primárias ainda não cumprem o prescrito na Lei Provincial de 1841, reproduzindo o
quadro apresentado no ano anterior.
Tratando do estado e necessidades mais urgentes destes estabelecimentos direi, quanto as escolas do ensino primario, que com quanto ellas ainda naõ preenchaõ cabalmente as disposições e fins da Lei Provincial N.º 97 de 3 de Julho de 1841 (DISCURSO, 1846, p. 14).
Por outro lado, ele alega que as mesmas prosperam no ensino das matérias mais
comuns como a leitura, a escrita, e a contabilidade prática. Informa, ainda, que as escolas
atendem um contingente de cerca de mil alunos dos dois sexos, não compreendidos os das
escolas particulares, que atingem um montante de 600 alunos. Do total das escolas, quinze
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possuem professores vitalícios, dezessete tem interinos e sete estão vagas. Conclui expondo
suas necessidades mais urgentes, que são
Prove-las de casas, de bons compendios traslados e outros misteres indispensaveis para as Aulas, serem pagos seus Professores do que se lhes deve, ha mezes, e annos de seus ordenados, e serem ellas visitadas e inspeccionadas huma vez por outra pelo mesmo Director, ou por quem suas vezes faça (DISCURSO, 1846, p. 15).
O Liceu Paraense
O Liceu, estabelecimento responsável pela instrução secundária também é objeto de
concisa e constrangedora exposição:
O Lycêo Paraense, no qual se ensinaõ os Cursos de Humanidades e de Commercio, ainda naõ está completamente montado por naõ terem havido pessôas habilitadas, que se proponhaõ a reger a Aula de escripturaçaõ mercantil e de contabelidade, que está vaga, e a exercer dois dos lugares de substitutos, que nunca foraõ providos; todavia as outras cadeiras estaõ preenchidas, e seus Professores ensinaõ regularmente as materias, que saõ de sua competência (DISCURSO, 1846, p. 15).
O Seminário Episcopal
Segundo Moraes, o Seminário, "posto que bem dirigido, e em estado progressivo,
quanto ao ensino de algumas das materias proprias de sua instituiçaõ" (DISCURSO, 1846, p.
15) ainda apresentava ausência de professores nas cadeiras de Dogma, História Sagrada,
Direito Eclesiástico e Canônico e Música. Além disso, o prédio onde funcionava "acha-se por
antiquissimo muito estragado, e necessitado de reparo, como já em outra occasiaõ vos
ponderei" (DISCURSO, 1846, p. 15).
Daqui vereis, que se ainda sem estarem providas todas as suas cadeiras, naõ iguala sua receita á despeza, que faz, que seria se o estivessem? Convem pois que lanceis vistas beneficas, e de proteçaõ sobre este interessante estabelecimento, donde somente podemos esperar provisaõ de Ministros do Santuario instruidos e bem fórmados para o serviço de nossas Parochias e Missões; e quando mais naõ seja possivel justo he que lhe concedaes o mesmo favor que ora fruem as outras casas de Educaçaõ de ser preferido no pagamento de suas prestações, e alguma quota para o reparo do seu edificio (DISCURSO, 1846, p. 15).
Como se vê, a situação ficaria ainda mais crítica se todos os professores necessários
estivessem trabalhando, o que aumentaria as despesas já maiores que a receita.
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O Estabelecimento dos Educandos Artistas
A exposição relativa à escola dos educandos artistas é bastante mais otimista. Moraes
afirma que a instituição continua a prosperar e já começa a produzir suas vantagens,
formando profissionais para o atendimento das demandas sociais, ressaltando que é isso que
se esperava dela, na medida em que se acham
Completamente promptos e em estado de sahirem do estabelecimento sete educandos por terem acabado o seu tempo e estarem peritos nos officios, que
aprendião, e saõ os seguintes Jozé Domingues da Silva, Januario Francisco, Manoel Silvestre, e Raimundo Antonio, no officio de Carapina
Manoel AntonioDillon, no de MarcineriaJoaõ Henriques no de Funileiro
e Miguel Ignacio no de Alfaiate e todos com muito boas notas de conducta (DISCURSO, 1846, p. 16-17).
Por outro lado, permanecem os problemas relativos à cobertura financeira das
demandas cotidianas e regulares de um estabelecimento desse porte. Por essa razão, mais
uma vez, o vice presidente chama atenção dos legisladores para as necessidades da casa:
Informa o Director que a Casa, em que habitão os Educandos precisa de grande conserto em algumas paredes, que ameaçaõ ruina por estarem cerceados os esteios, que as sustentaõ: pertendo manda-las examinar por peritos,e fazer o orçamento da despezanecessaria para o seu reparo á tempo, que vôs possa ser appresentado, a fim de que decreteis os fundos precizos para essa obra, que julgo de necessidade, naõ só para segurança do predio, como para evitar depois maiores dispezas (DISCURSO, 1846, p. 17).
O Recolhimento das Educandas Órfãs e Desvalidas
Mais concisa ainda é a explanação do vice presidente sobre o Recolhimento das
Educandas Órfãs e Desvalidas. Diz ele que a instituição continua progredindo e "consta
actualmente de oitenta e oito meninas, das quaes 60 saõ mantidas pelo Cofre Provincial, 12
pelo Municipal, 6 pela Casa, e 10 saõ Porcionistas: sua receita e despeza mensal consta do
balancete, que vos aprezento juntamente com a informaçaõ relatoria merecerá a vossa
attençaõ (DISCURSO, 1846, p. 17-18).
A Instrução Pública na Província no Discurso de 1847
Em 1847, pela terceira vez como vice presidente da Província, João Maria de Moraes se
utiliza de cinco páginas para discursar sobre a instrução pública. Constrangedoramente
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revela que pouca coisa mudou, relacionando, sob seu ponto de vista, as razões pelas quais a
situação permanece insatisfatória e assim permanecerá se algo não for feito.
AS ESCOLAS PRIMÁRIAS
Neste nível de ensino, um dos graves problemas relacionados por Moraes nos remete
ao fato das matérias estarem sendo ensinadas por profissionais não habilitados; a segunda se
refere ao estado de penúria das escolas, enquanto a terceira se deve à completa ausência de
fiscalização das escolas e de seus professores.
Eu já tive occasiaõ de declarar a esta Assembléa quaes eraõ essas causas, e naõ duvidarei repeti las. A primeira e sem duvida a mais sensivel he acharem-se as cadeiras geralmente occupadas por pessoas, que naõ tem as habilitações, que a Lei exige, por naõ haverem, ou naõ quererem as habilitadas encarregar-se de as reger. A segunda he a pobreza, e desarranjo das escolas. E a terceira he a especie de independencia em que ellas existem das vistas e da acçaõ da Directoria, e do Governo por falta de quem as inspecione, e fiscalise, se os Professores cumprem os seus deveres, e se ellas prehenchem os fins, a que saõ destinadas (DISCURSO, 1847, p. 10).
Admitindo que o melhor meio de atrair as pessoas habilitadas é oferecer vantagens
interessantes, reconhece que seria muito difícil realizar essa ideia no então contexto
financeiro da Província. Mas não desiste e conclui que
Se naõ he possivel desde já reformar as escolas do ensino primario, e dar-lhes Professores habeis, bom he hir preparando as cousas para esse fim, e curar entretanto de remediar o mal feito pela melhor maneira que for possivel" (DISCURSO, 1847, p. 11).
A grande novidade do discurso de 1847, entretanto, é que ele não estaciona na pura
exposição, como vinha fazendo nos textos anteriores. Neste, ele apresenta uma proposta para
os problemas, articulando a suspensão de determinadas medidas e a implantação de outras,
de modo a provocar as melhorias pretendidas. Em relação à questão de profissionais não
habilitados ele propõe
Fazer cessar desde já os provimentos vitalicios, e determinar que os interinos só sejaõ concedidos aos que se mostrarem habilitados por exames publicos nas materias mais comuns, e indispensaveis ao ensino primario, e com capacidade de adquirir as que lhe faltarem, ficando de mais obrigados a apresentarem-se promptos e correntes em todas as que a Lei exige á juiso do Conselho de Instrucçaõ, e do Governo nos dous, ou tres annos subsequentes aos seus provimentos. Reconhecidos no fim deste tempo habilitados, confiraõ-se-lhes entaõ os titulos vitalicios com o augmento d’ametade ou dos dous terços de seus respectivos ordenados conforme permittirem as circunstancias do Thesouro; e faça-se esta disposiçaõ extensiva aos actues Professores interinos, e mesmo aos vitalicios, que quizerem perceber esse augmento de ordenado. Eu estou que este tirocinio dos dous, ou tres annos, e
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o augmento de ordenado daráõ naturalmente tempo e estimulo bastante aos Professores para se habilitarem completamente; e que assim se conseguirá muito suavemente a refórma das escolas nesta parte (DISCURSO, 1847, p. 11).
Quanto à pobreza e desarranjo, em que as escolas se acham, ele afirma estar
"convencido que estabelecida a inspecçaõ das escolas, e continuando vós a decretar os
mesmos fundos, que na Lei do corrente anno financeiro se achaõ consignados para occorrer a
essa necessidade, pouco a pouco elle irá desapparecendo" (DISCURSO, 1847, p. 11-12).
Para ele, o terceiro problema é o mais difícil de remediar, pois, segundo seu ponto de
vista, não há quem a faça convenientemente "huma vez que o Director naõ pode
pessoalmente desempenhar este encargo com a assiduidade que he preciso, e nem he facil
achar em todos os lugares pessoas, que se queiraõ gratuitamente encarregar desse trabalho
com o zelo, e interesse, que o negocio exige" (DISCURSO, 1847, p. 12).
Por outro lado, o vice presidente sugere aos legisladores que os mesmos, acatando a
necessidade de uma solução, deleguem ao governo um certo poder neste sentido.
Naõ obstante se vos parecer conveniente autorisar ao Governo, ou mesmo ao Director a empregar esta providencia de indispensavel necessidade para o melhoramento e regularidade das escolas, ella ha de ser levada a effeito do melhor modo que fôr possivel, devendo entretanto ser desde já obrigados os Professores a remetterem mensalmente a Directoria e esta ao Governo huma relação, ou mappa demonstrativo do numero, frequencia, applicaçaõ, e aproveitamento de seus alumnos, e annualmente hum relatorio circunstanciado de todos os trabalhos da escola, de suas necessidades e meios de remedia-las , e de tudo quanto possa dar perfeito conhecimento do estado e utilidade dellas (DISCURSO, 1847, p. 12).
O Liceu Paraense
A situação do Liceu, retratada por Moraes em seu discurso revela-se satisfatória.
Segundo ele a instituição tem todas as suas cadeiras providas e em exercício, assim como os
professores são habilitados. Alega que há um relatório do Diretor que apresenta dados sobre
seu funcionamento, com a quantidade dos alunos, sua aplicação e aproveitamento. Além
disso, demonstra o estado das aulas de Latim estabelecidas nas Vilas de Bragança, Macapá,
Santarém e Cametá (DISCURSO, 1847).
A Escola dos Educandos Artistas
Quanto ao estabelecimento dos educandos artistas Moraes diz que pouco tem a
acrescentar ao que já foi informado pela Presidência. Ele informa que foram formados vinte e
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dois educandos que foram nomeados um almoxarife e um escrivão para a arrecadação,
contabilidade, e escrituração da receita e despesa do estabelecimento, por outro lado, os
mesmos ainda não podiam exercitar suas funções por falta de um regulamento que definisse
normas e deveres. Regulamento que ele não pôde elaborar.
Alem da falta de tempo, e de saúde, que me impedirão de fazer este Regulamento, occorreo mais a circunstancia de estar tão proxima a vossa reunião, que me pareceo conveniente esperar por qualquer deliberação, que demais quizesseis tomar acerca do pessoal, e regimen do mesmo Estabelecimento, huma vez que tinheis em discussão muito adiantada, segundo me constou hum projecto de Lei, ou de Estatutos a esse respeito (DISCURSO, 1847, p. 13).
O Seminario Episcopal e o Recolhimento das Educandas Órfãs e Desvalidas
A respeito do Seminário e do Recolhimento Moraes diz não ter novidades, ressaltando
que os problemas expostos nos relatórios anteriores persistiam. Para ele, o estado e as
necessidades dessas instituições ainda eram os mesmos, o que poderia influir negativamente
para o aumento possível no número das educandas pensionistas, "a fim de se poder dar azilo
e educaçaõ a mais algumas das muitas infelizes victimas da mizeria, e da indigencia, que
diariamente batem a porta do Recolhimento, e que por essa falta se lhes naõ tem podido
abrir" (DISCURSO, 1847, p. 13-14).
Algumas Conclusões Possíveis
Após a releitura dos fatos referentes à educação paraense no início da quarta década do
século XIX, percebe-se que mesmo com a iniciativa — louvável — de promulgar uma Lei que
regulamentasse e organizasse a instrução pública na Província, os problemas que a
originaram permanecem incólumes.
Referências sobre o não cumprimento do que as normas determinam, dificuldades
relativas à manutenção da estrutura das escolas, carência ou inexistência de equipamentos e
material pedagógico, baixa remuneração de professores e ausência de pessoal qualificado
para o magistério eram problemas que insistiam em fazer parte do cotidiano da gestão
educacional já naqueles tempos. É interessante — e ao mesmo tempo trágico — perceber que
o próprio governante faz observações recorrentes acerca da situação calamitosa da instrução
na província. Em 1845 ele afirmava que o estado da instrução pública ainda não era
satisfatório e que não via esperanças de que tão cedo melhorasse.
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Em 1846, ao mesmo tempo em que defendia que "derramar a instrucçaõ por todas as
classes he sem duvida hum dos mais uteis e importantes pelas vantagens, que produz,
quando bem preenchido que "entre nós ainda naõ he isto possivel, e na infancia, atraso, e
pobreza em que nos achamos, muito se faz em fornecer indistincta nas primeiras e segundas
letras". Um ano após Em 1847, em relação ao ensino primário, ele volta a admitir que o seu
estado ainda não era satisfatório e nunca o seria enquanto permanecessem as causas que
obstruíam seu desenvolvimento e progresso (MORAES, 1847, p. 14).
A síntese possível em relação ao assunto é que a norma de 1841 já nasceu morta. Em
primeiro lugar, embora a Lei Provincial 97 determinasse que a instrução primária geral e
gratuita seria para todos os cidadãos, o que ficou patente nos discursos do vice presidente foi
que poucas escolas chegaram a funcionar na Província. Além disso, nem todas as matérias
podiam ser ministradas posto que não havia professores para algumas delas e os que havia
não tinham a habilitação necessária. Também, não ficaram evidentes referências do vice
presidente ao sucesso do método de ensino mútuo.
Outro dispositivo não observado da referida lei foi o que estabelecia que as escolas
deveriam receber do Governo da Província “Compêndios, Livros, Traslados de Caligrafia,
Globos e Mapas, à vista de um orçamento anual de organizado pelos Professores e aprovado
pelo Diretor. O que se viu foi, nas palavras de Moraes foi a " falta de meios, com que montar
as Escolas no seu verdadeiro estado normal, como é preciso para que ellas possão preencher
os fins da Lei", em síntese, "atraso e pobreza" como ele próprio diz.
Quanto ao Liceu Paraense, mesmo se tratando de um estabelecimento mais
"qualificado", foram também observadas críticas a seu funcionamento, sobretudo em função
de cadeiras que não tinham professores. Em relação a estes, foram várias as contradições
constatadas. Segundo a Lei deveria haver “tantos professores do Ensino Primário, quanto
forem as respectivas Cadeiras", mas o que se observou é que não havia, e se havia, esses
professores não eram habilitados. Quanto à remuneração, pelo discurso do vice presidente,
pode-se perceber que a consignação anual, constante da Lei, ou não era paga ou era feita de
modo irregular. Quanto ao Conselho de Instrução, em nenhum momento percebe-se
referência a seu funcionamento pleno ou à realização de uma de suas atribuições .
Ironicamente, há uma quase absurda semelhança entre os problemas daquela época
com os dos tempos atuais. O que sustenta a tese de que temos conhecimento desses
problemas desde a metade do século XIX, de modo que tivemos os anos da segunda metade
daquele século, mais os cem anos do século XX inteiro, mais os quinze anos do presente
século XXI, o que corresponde há cerca de 165 anos. Portanto, como estamos tratando de
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algo que vem ocorrendo há, pelo menos, duas gerações de seres humanos é impossível não
perguntar: Quais as causas de ainda não termos superado esses limites? Por que razão — ou
razões — ainda nos defrontamos com essa situação em pleno século XXI?
Referências
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