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    "Fazendo acontecer: materialidades e movimentos em duas religiões afro-

     brasileiras".1 

    Cauê Fraga Machado (PPGAS/MN/UFRJ - RJ)

    Mariana Vitor Renou (PPGAS/MN/UFRJ - RJ)

    RESUMO

    Esta proposta é um esforço comparativo a partir de duas experiências

    etnográficas em religiões de matrizes africanas brasileiras, em que a materialidade e a

    centralidade dos objetos foram pontos comuns. Em candomblés angola de Nova

    Iguaçu/RJ e no batuque gaúcho de Nação Oyó é preciso fazer a “religião acontecer”, e

     para isso, uma materialidade específica. No primeiro caso, através das oferendas, foi

     possível refletir sobre sentidos sagrados e como a religião acontecia, além do modo

    como a religião se relacionava, atuava, constituía, fazia acontecer e concebia outras

    esferas, como a da política, a partir de movimentos pelo direito de realizar oferendas em

    espaços públicos. No batuque, foi possível observar e refletir o fazer acontecer através

    dos “serviços” envolvendo a feitura de comidas para que os orixás trabalhem, do

    assentamento das divindades nos “ocutás” e na cabeça de seus filhos, das rezas e

    danças, do “se ocupar” e de diversos objetos sagrados no esforço de presentificar as

     potências divinas, num aqui e agora vivido. Apesar das diferenças dos contextos

    etnográficos, observamos uma continuidade no fluxo ininterrupto de movimentos que

    fazem “a religião acontecer”. A proposta é avançar no sentido de compreender o

    significado dos objetos e a materialidade que envolve essas religiões de maneira mais

    geral e ampla, e tomar as práticas e concepções nativas para desestabilizar os modos

     pelos quais as noções de objeto e matéria vêm sendo pensados pela antropologia.

    Palavras-Chaves:

    INTRODUÇÃO

    Assentar, fixar, representar, fazer fetiches, oferendas e outros. Palavras comuns

     para descrever práticas das religiões afro-brasileiras, que envolvem um tipo de

    materialidade bastante específica. Levadas ao pé da letra, através de concepções

    demasiado ocidentais, podemos incorrer num engano não menos comum nas descrições

    1 Trabalho apresentado na 28ª. Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 02 e05 de julho de 2012, em São Paulo, SP, Brasil.

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    dessas mesmas práticas, a saber, a materialidade como algo dado, estancado, imóvel.

    Ancorados em dados etnográficos produzidos por nós e em propostas teóricas de Bruno

    Latour (2004; 2006; 2008), percorremos um caminho alternativo, no qual os conceitos

    dos sacerdotes da religião são  pensados “ao lado” e em diálogo com as teses sobre re-

     presentação, actancia e movimentação. Assim, buscamos refletir e compreender de que

    maneira alguns materiais, objetos ou coisas existem no candomblé no processo em que

    se faz a "religião acontecer", de modo que possamos pensar de outras formas e por

    outras direções a noção de materialidade, objetos e matéria.

    São dois contextos etnográficos, duas religiões afro-brasileiras, o candomblé

    angola praticado em Nova Iguaçu/RJ e o batuque gaúcho de Nação Oyó. Considerando

    as diferenças e guardadas as especificidades no que concerne as crenças, cosmologias,

    divindades, línguas, cantos, ritos e etc, que não trataremos nesse espaço, as duas

    religiões se encontram em práticas ou, sobretudo, em movimentos e princípios básicos

    que os norteiam, no sentido de fazer as religiões acontecerem, e que envolvem

    materiais. Mariana Renou descreverá algumas situações que vivenciou com sacerdotes

    do candomblé angola de Nova Iguaçu quando fazia a pesquisa para a dissetação de

    mestrado em 2010, e Cauê Machado tratará do que têm vivido no batuque de Oyó ao

    realizar sua pesquisa para a dissertação. Juntos apresentaremos como a religião e outras

    coisas acontecem em determinados momentos. O verbo acontecer é privilegiado em

    nossa descrição. Seja no cuidado cotidiano da uma casa de religião, seja em rituais

    extraordinários –  como o Mutirão de Limpeza, uma Festa, a construção e reconstrução

    de uma Casa de Santo –  observamos uma movimentação ininterrupta, que não cessa ao

    atingir o pretendido, pois a ênfase no verbo faz do pronto um novo início. Assim, o

    macumbódromo nunca está limpo, um assentamento sempre tem fome, um Orixá ou

     Nkise sempre têm que ser feitos ou assentados. Dito isso, apresentamos o material

    etnográfico dos dois campos, para ao final confrontá-los e levar à cabo nosso intentoinicial: a observação de um movimento contínuo que permite a aproximação das duas

    religiões e o extrapolamento de algumas considerações para além dos campos

    específicos.

    O Batuque Oyó

     Nesta sessão dedicada ao batuque gaúcho de nação oyó discutiremos, a partir de

    um caso específico, as noções de matéria/objeto e de movimento encontradas nareconstrução de uma casa de religião no interior do Rio Grande do Sul. Deparamo-nos

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    com a importância da ação, do verbo fazer e refazer e do re-construir  –  pois nada se

    constrói a partir do nada2. Ao longo da comunicação alguns conceitos mais específicos

    ao batuque gaúcho serão explicitados.

    Aos 27 dias do mês de fevereiro de 2012 a casa de religião que Pai Odacir do

    Ogum mantém em São Luiz Gonzaga/RS (doravante SL) incendiou devido um curto

    circuito na rede elétrica, o que destruiu por completo o quarto de santo –  onde os fios de

    luz incendiaram –  e a cozinha, uma das partes mais importantes de uma casa de religião.

    É na cozinha que se fazem as comidas para os orixás, que “trabalham” à base de

    alimentos3  preparados e posicionados de diversas formas nos feitiços (também

    chamados de oferendas, serviços ou trabalhos). A sala de estar, o banheiro, o quarto de

    dormir e a sala de búzios foram atingidos por fumaça forte, o que destruiu, também,

     parte dos objetos desses outros cômodos. Inatingida apenas Oxum, na imagem de Nossa

    Senhora Aparecida. A sua volta os restos daquilo que fora um local sagrado.

    Tal fato fez com que essa parte da comunicação fosse repensada de última hora,

     pois a partir do trabalho de campo foi possível acompanhar o encadeamento de ações

    que propiciaram a feitura de uma nova casa, repleta de “novos” objetos rituais, de novas

    “obrigações”. Por conseguinte,  partindo da descrição do observado remontamos os

    diferentes movimentos e materialidades do oyó.

    Os jornais do município de SL noticiaram o milagre da santa que guardou a casa.

    A foto de Nossa Senhora Aparecida sobre os escombros, chamuscada, era prova cabal

    de que a casa estava sob sua proteção. Contudo, comentários de leitores oscilavam entre

    o sentimento de pena e as observações mais raivosas. “Casa de feiticeiro tem que

    queimar”. “Tanto fez, que teve o que mereceu”. Na contramão das agressões publicadas

    e de comentários que “se ouviu”, um número bastante significativo de clientes e amigos

    fez um mutirão para alugar uma nova casa, salvar o que era possível  –   como roupas,

    móveis e demais utensílios domésticos  –   comprar o que faltava e levantar o ânimo dePai Odacir. O babalorixá pensou em desistir de sua casa em SL, pois seus assentamentos

    e o de seus filhos ficam em sua casa no município de Gravataí, também no Rio Grande

    do Sul. Além disso, ele possui outra casa em Laguna, no estado de Santa Catarina. Foi a

    força da gente amiga que não deixou que ele desistisse de tudo que construíra em SL.

    2 Para uma discussão mais aprofundada sobre o dado e o feito em religiões de matriz africana verGoldman, 2009 e 2012.

    3

    Devemos estender a noção de alimento a outros objetos, como velas e toda sorte de presentes, pois o orixá, basicamente, come para trabalhar. O que não exclui que se lhe peçam coisas apenas com palavras proferidas, para pagamento posterior, quando da graça alcançada.

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     Na cidade pertencente ao chamado Sete Povos das Missões o sacerdote cuidou

    de imagens centenárias –  que continham o axé de antigos pais e mães de santo e de seus

    orixás  – , assentou um Bará de trabalho (orixá não pessoal, mas da casa) e muitas

    amizades. Filhas de Santo fez duas. Fez quartinhas para segurança de crianças também.

    Perder no fogo, imagens, quartinhas e outros objetos religiosos tão antigos foi o que

    mais lhe doeu. Preferia que a casa tivesse queimado por completa, perder a cama, as

    roupas e tudo. Essa dor ainda não superada serviu como motor para que trabalhasse

    mais. Foram as clientes que compraram objetos novos –  tanto rituais, quanto profanos –  

    e cuidaram de arrumar aquilo que podiam. Além disso, recebeu muitas doações de

    objetos já antigos: imagens, móveis, eletrodomésticos. Trataram de aumentar o valor do

     jogo de búzios, mesmo que Pai Odacir não o desejasse num primeiro momento. Assim,

    ele voltou a atender em suas novas instalações, em uma casa maior, “uma mansão!”,

    como diz. A algumas quadras da casa queimada, uma nova casa religiosa, como a

    antiga, sem placas nem qualquer tipo de sinalização de que ali se joga búzios; o que é

    corriqueiro em SL.

    Bará, orixá de frente, dono dos caminhos, das portas, das chaves, dos cruzeiros

    abertos, dos mercados, da fartura, do movimento e da sexualidade é o primeiro a receber

    tudo no batuque. Bará, Elegbará ou Exú é o orixá para quem primeiramente se

    homenageia, com presentes e rezas, tudo primeiro é dado a ele, caso contrário não se

    chega aos outros orixás, nem a lugar algum. É orixá de frente, protege a casa e a rua.

    Por isso, mesmo tendo Bará e Bará Lôde (orixá que mora em casa separada na rua) em

    Gravataí, Pai Odacir assentou um Bará de trabalho para proteger a casa em SL.

    Lôde tem sua casa vermelha na frente das casas de religião, Ogum Avagã pode

    morar com ele, são os chamados orixás da rua. Os outros barás (Lanã, Tiriri, Bô, Dei,

    Ajelú, etc.) são assentados dentro do quarto de santo onde estão os demais orixás,

    entretanto, cada um deles fica em uma pequena casa de madeira, vermelha, no chão,nunca em prateleiras. Em SL o Bará morava dentro de casa, no quarto de santo, em sua

    casinha vermelha. Com o incêndio a casinha fora queimada, seu alguidar e suas

    ferramentas também, o ocutá fora chamuscado. O fato é que ainda não se sabe se aquela

     pedra (o ocutá) está viva. Na casa nova ele (Bará) está sob uma árvore, encostado na

    raiz, tomando sol e chuva, em contato com a natureza e seu movimento ( maré). As

    cinzas da antiga casinha, o alguidar, a quartinha e as ferramentas foram despachadas no

    mato. Já tinham perdido sua vida, seu axé. O ocutá não. É preciso ir aos mais velhos nareligião e pedir para que joguem e vejam o destino (odú) dessa pedra: o mato ou a uma

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    nova casinha. No caso da segunda hipótese Bará necessitará de uma série de cuidados e

    ofertas. Carinho, suas folhas sagradas, ori, dendê, sangue de carneiro e de galos

    vermelhos. Tudo isso transmite axé. O sangue (axorô) é a forma mais concentrada de

    força vital, mas as mãos de um pai de santo ao tocar uma pedra a envolvem de axé forte

    também. Caso seja necessária outra pedra, essa também deverá passar por diversos

    rituais.

    Os ocutás são encontrados na natureza ou em casas de religião de conhecidos.

    Como o Ossanha de Pai Odacir, “encontrado” na casa de sua irmã de santo. A pedra do

    orixá das folhas se assemelha a um pé, símbolo do santo que não tem a perna esquerda.

    Do mesmo modo, é através do jogo de búzios que se define se a pedra “escolhida” será

    aceita ou não pelo orixá.

    Semelhante a noção de “viva” ou “morta” utilizada ao se falar das pedras

    (ocutás) está a noção de “crua” ou “preparada” aplicada as imagens de santos. Quando

    se vai a uma flora (loja especializada em artigos religiosos) se encontram imagens cruas,

    não adianta acender velas, dar comida ou rezar para elas. É preciso fazer um mieró  –  

     banho de ervas  –   para a imagem; que deve permanecer imersa nesse preparado por

    alguns dias. O correto é que tal ritual seja realizado dentro do quarto de santo. Quando

    das matanças se derrama o sangue do animal correspondente ao orixá na imagem.

     Na casa de SL além de cuidar do Bará, renovando sua  frente (suas comidas) e

    seu ecó (alguidar contendo água, dendê e moedas) todas as segundas-feiras, o ecó de

    Iemanjá (vasilha de vidro transparente contendo moedas, mel, perfume e água) deve ser

    renovado no mesmo dia. Nas segundas-feiras após o último jogo de búzios e o último

    feitiço cuida-se do Bará e da Iemanjá. É justamente esse dia, considerado o primeiro da

    semana, que é o dia do menino (Bará). Milho torrado, sete batatinhas, sete balas de mel,

     pipoca, o opeté (bolo feito de batata cozida e moldado em diferentes formatos de acordo

    com cada orixá), miam-miam (farofa feita com farinha de mandioca e azeite de dênde, oepô) e o ecó são despachados na frente de casa. O opeté é despachado no verde, nos

    fundos da casa, o ecó no meio da rua, na frente de casa –  é jogado primeiro para frente,

    depois para um lado e para o outro, cuidando dos caminhos, das direções. O restante da

    “frente” é misturado dentro de um alguidar grande e jogado aos poucos na rua em frente

    a casa. Durante o rito se pede por uma boa semana, deve-se agradecer pelo tudo, pelo

    muito, pelo pouco e pelo nada e pede-se que “seja de vida e saúde”. O ecó de Iemanjá

    deve ser despachado nos fundos da casa, no verde (lugar com folhas). Algumas semanasse prepara cinza –  a partir da brasa fria –  para Iansã. As cinzas são sopradas na frente de

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    casa, no ar, pedindo para que a dona dos eguns (mortos) proteja a casa de todo mal, que

    a dona dos ventos sopre o mal olhado, a inveja, o feitiço, a morte para longe da casa.

    Somente após esse ritual se pode descansar, tomar banho, jantar, beber e conversar

    sobre o dia que passou, até o sono chegar.

     Nos fundos da casa, no verde, é o local onde se plantam feitiços e diferentes

    tipos de obrigações, como as penas e inhalas (miúdos e patas dos animais) utilizados

    nas seguranças depois de ficarem no quarto de santo até o período necessário. Alguns

    serviços devem “cheirar bem”. É o perfume dos orixás, o sangue putrefato. Aquilo que

    chamamos de vermes ou larvas são as flores dos orixás, que quanto mais rápido

    florescem, sinal de que melhor foi aceito qualquer tipo de serviço.

    A casa é tomada por um ritmo grande de clientes, filhos e amigos que

     preenchem o dia do pai de santo com jogos de búzios marcados e outros serviços,

    marcados ou não. Pois podem aparecer na mesa de búzios como sendo de urgência, ou

    alguém pode telefonar ou chegar contando algum problema que exija a imediata feitura

    de algum feitiço.

     Na nova casa, um novo quarto de santo, novas prateleiras, novas imagens, tudo

    em processo de transformação do “cru” para o “preparado”, de “talvez-morto” para o

    “vivo”. O novo se constrói com um já “sempre aí” (Anjos, 2006) presente nas

    religiosidades afro-brasileiras, o axé está disperso em tudo esperando para ser passado.

    Tal força, talvez seja mais bem descrita como um movimento, um monismo que

    compreende em diferentes porções e modulações tudo no universo (Goldman, 2012).

    Assim como no novo quarto de búzios, mesa e cadeira novas, porém com búzios

    antigos. No quarto de santo, prateleiras novas, toalhas e castiçais antigos. Além disso, as

    ervas e o axorô.

     Na re-construção e re-organização da nova casa podemos observar a ação de

    deuses e humanos sobre objetos e vice-versa. Afora isso, é preciso parar e dar atençãoao conceito nativo de “obrigação” que engloba tanto o que traduzimos por objetos

    rituais, quanto por algumas ações e pelos próprios orixás em seus assentamentos.

    “Obrigação” designa o fazer, o cuidar, mas também aquilo que fica guardado, atrás das

    cortinas em sopeiras e manteigueiras. São as ferramentas, armas dos orixás; como a

    chave e a foice do Bará. São, também, os próprios ocutás. E, ainda, momentos, como os

    cortes (matanças), festas e outros eventos. Ouvimos falarem do tempo em que fizeram

    sua obrigação, ou “na obrigação da minha mãe vai ori”.

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    A partir dessa breve descrição sobre a casa de Pai Odacir do Ogum, podemos

    depreender uma série de “obrigações”, o encadeamento de ações que fizeram com que

    uma casa queimada desse lugar a um novo templo, com o antigo axé. Nesse processo o

    que traduzimos por material e por imaterial podem ser unidos sob o conceito de

    “obrigação”, que não confunde ingenuamente o que tendemos dividir, mas coloca numa

    mesma movimentação diferentes séries de acontecimentos. Acontecimentos que

     precisam ser feitos para acontecer.

    Restaria, ainda, tecer breve comentário sobre os orixás “no mundo”, quando eles

    acontecem nos corpos de seus filhos terrenos, que emprestam o corpo de tal forma que

    transluzem a força do orixá, sublimando o que de pessoa exista. Semelhante a Berma

     proustiana que se torna Fedra em cena, pessoas são territórios que se tornam puro orixá

    em determinada temporalidade. Diferente do que ocorre em outras religiosidades afro-

     brasileiras, no batuque gaúcho, em seus diferentes lados/nações, quem recebe um orixá

    (“se ocupa”) não pode sabê-lo. Esse se constitui no maior segredo da religião: a

    ignorância da própria possessão pelo orixá dono da cabeça.

    Candomblé Angola

    Em outra direção, nessa sessão encontraremos os objetos e a materialidade no

    candomblé angola de Nova Iguaçu, município do Rio de Janeiro. No inicio desta

     pesquisa um limite foi estabelecido, o de não tratar dos aspectos pertinentes ao culto

     propriamente dito, aspectos litúrgico, cosmológico, ritual, mítico ou simbólico das

    religiões de matriz africana, visto que as condições da pesquisa- tempo reduzido, pouca

    inserção em casas de culto, conhecimentos prévios limitados- diziam que não seria

     possível tratar dessas questões de maneira adequada. A ideia era, partindo da

    observação de algumas comunidades de terreiro do Rio de Janeiro e as ações definidas

    como “sociais” e “culturais” que colocavam em prática, bem como ações e relações quetravavam com e na política, refletir sobre essa dinâmica, sobre essas práticas, o caráter e

    as relações, fluxos e associações que elas possibilitavam. Evidentemente, estudar algo

    “fora” da religião propriamente dita, mas relacionada a ela imporia a necessidade de

    repensar e refletir, a partir das concepções e ações dos grupos estudados, sobre a própria

    definição, o caráter, os conteúdos do que compõem e é inscrito no âmbito da religião, do

    social e da política, assim como repensar as divisões, separações e relações entre essas

    esferas, entre o “religioso” e o “não religioso”, o “interno” e o “externo”, de que se partia inicialmente.

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    Mas, o que de fato aconteceu foi que, os praticantes do candomblé angola

    mostraram de maneira concreta o que significava problematizar as divisões. Nas

     palavras deles tratava-se de um estudo sobre o candomblé angola em Nova Iguaçu,

     portanto, determinadas dinâmicas, que mesmo que postas de fora, integravam,

     participavam e se relacionavam com a religião propriamente dita, e que, de fato,

     permitiam entrar em contato com conteúdos, princípios e sentidos das religiões de

    matriz africana, no caso, do candomblé angola. Era possível tecer e movimentar-se por

    fluxos que faziam vir de um lado para outro, observando as coisas em funcionamento,

    onde separações pareciam arbitrárias e ineficazes, onde a religião perpassava e estava

    em tudo. A experiência e ponto de vista dos praticantes demonstrou o quanto as coisas

    estão articuladas, imbricadas e relacionadas, em movimentos conjuntos, gerando e

    inscrevendo composições diversas. As diversas experiências vividas, em constante

    relação, fazem parte de um mesmo movimento, mesmo que às vezes os atores

    expressem certas separações. Portanto, era possível deparar-se com questões da religião,

    à articulação e à imbricação das instâncias e experiências diversas da vida.

    Assim, acompanhando diversos “trabalhos sociais”4, relações e atuações com e

    na política do município de Arlene de Katendê, Pai Roberto e Mãe Margarida, era

     possível encontrar as oferendas e toda uma materialidade do candomblé que acabava

    exposta em espaços públicos. Os sacerdotes estavam envolvidos na atividade

    denominada de Mutirão da Limpeza. Ideia que surgiu na preparação da Semana dos

    Cultos Afro de Nova Iguaçu, que aconteceu no âmbito das atividades relativas ao mês

    da Consciência Negra de 2009, para a qual os líderes da Coordenadoria de Políticas de

    Promoção da Igualdade Racial de Nova Iguaçu (COPPIR) reuniram sacerdotes e

    adeptos com os quais já tinham relações, conhecimentos e parcerias. A Semana foi

     planejada e executada pelos religiosos em novembro de 2009, compreendendo a

    realização de atividades itinerantes em cinco casas religiosas de matriz africana, dentreas quais as de Mãe Margarida e Roberto. O tema estabelecido para as atividades foi o da

    relação dos Cultos Afro com o Meio Ambiente. Ao final de debates e atividades em

    torno da temática, os sacerdotes e adeptos sugeriram um ‘Mutirão de Limpeza’ para

    recolher o ‘lixo religioso’ em alguma área municipal utilizada por adeptos para a

    realização de rituais religiosos. Conceberam e realizaram a atividade em novembro de

    4

     Nesta sessão termos e falas nativas serão colocados em aspas simples, para se diferenciar dostermos em aspas duplas referentes a termos problematizados e/ou usados como conceitos e referente aautores.

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    2009, no Parque Natural Municipal de Nova Iguaçu. A pesquisa começou em fevereiro

    de 2010, justamente em uma reunião na COPPIR, com representantes da Secretaria

    Municipal de Meio Ambiente e Agricultura de Nova Iguaçu (SEMAM), ONGs e

    adeptos de religiões de matriz africana do município destinada a discutir e avaliar a

    atividade do I Mutirão de Limpeza e planejar novas ações para o ano de 2010.

    A preparação do II Mutirão e outros momentos da pesquisa evidenciaram

    questões e relações que se desenvolveram entre os sacerdotes, políticos, membros das

    secretarias de governo e de ONGs, entre outros, que não serão debatidos aqui, e colocou

    em destaque o debate sobre ‘oferendas’  e ‘lixo religioso’. Em uma das reuniões, a

    subsecretária da COPPIR exibiu alguns vídeos gravados com os sacerdotes no dia do I

    Mutirão. No primeiro vídeo que exibiu, Mãe Margarida enfatizava que o Centro Social

    Raiz, instituição que coordena, trabalhava

    ‘tirando crianças da rua e oferecendo capoeira, educação e cultura, e principalmente preservação da natureza. Porque as crianças são a esperançade um futuro melhor, se antes houvesse mais consciência do que é a natureza,de sua utilidade, e de que os orixás são todos oriundos da natureza, nãoestaríamos nessa situação’.

    Mãe Margarida expressava algo frequente na fala dos adeptos: a ‘natureza’ é a

    fonte de energia primordial, a energia que move o mundo, o axé. As divindades

     principais do candomblé, por ex. os Nkisis das tradições angola-bantu, são concebidascomo forças oriundas da natureza, e é na natureza, portanto, que é possível encontrá-las,

    cultuá-las, trabalhá-las, presentificá-las. Através dela e de seus elementos é que tudo na

    religião pode ser criado, a partir do ‘trabalho’ com seus elementos  potenciais, e é

     possível produzir o que possibilita a manutenção de um equilíbrio e a produção de

    novas forças dinâmicas e ativas capazes de interferir no mundo e na vida de cada

     pessoa. A religião e todo o resto acontecem.

    De todos os rituais que envolvem a natureza e que são praticados em áreas

    ‘naturais’, a produção e depósito de oferendas é talvez o mais comum e observável, e

    sobre a qual se desenrolava debates mais intensos. Os atos de ‘fazer a cabeça’, ‘fazer os

    santos’ de cada pessoa e cuidar dos santos –  Orixás ou Nkisis –  e das demais divindades

    que cada um possa ter, e fazer com que eles aconteçam e se atualizem, pressupõe

    alimentá-los. Esse cuidado pode começar antes mesmo da iniciação para o Nkisi, que

     pode nunca ser concretizada. O ato de ‘dar comida’ às divindades pode ser realizado em

     períodos determinados, quando se cumprem ‘obrigações’ correspondentes a etapas da

    vida de santo, ou em épocas em que se comemora a divindade cuja culminância dos

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    festejos se dá nas festas públicas com a incorporação dos santos. A divindade também

     pode requerer a oferenda a algum cliente ou adepto, ou a própria pessoa pode oferecer o

    ‘presente’ ao realizar algum ‘trabalho’ em sua honra buscando a realização de um

     pedido ou agradecimento, e o cliente pode ‘alimentar a cabeça’ ou seu santo, mesmo

    antes da iniciação. Realizam-se assim os ebós, os atos de ‘dar comida às forças’,

    segundo os adeptos, que evidenciam todo um corpo litúrgico e ritual que permite que as

    divindades aconteçam plenamente, o que é essencial para a vida dos seres humanos.

    Procedimentos que são também chamados de ‘obrigações’, assim como seus resultados  

    materiais. Assim, a oferenda é uma forma de estabelecer comunicação com as

    divindades, um dos procedimentos na direção de criá-las de maneiras específicas,

    transformando-as, ou de torná-las possíveis, atualizando-as ao renovar suas forças ou ao

    dotá-las de forças que fazem com que ajam em alguma direção; reforçá-las em

    agradecimento e retribuição ao que têm feito, da mesma maneira em que se recria e

    reforça a pessoa, isso possibilita que as divindades satisfeitas ajam em seu favor. A

    alimentação é fundamental para que divindades e pessoas existam plenamente, para

    manter as forças em equilíbrio, o universo em bom funcionamento.

    Os religiosos das religiões de matriz africana, e aqui em especial o candomblé,

    se defrontam constantemente com a acusação de que são grandes poluidores e

    depredadores de “áreas naturais” e do “meio ambiente”. Para o grupo de religiosos de

     Nova Iguaçu, essa acusação é grave, porém não é sem fundamento. Tomam-na com

    seriedade e a somam aos discursos e conhecimentos divulgados por órgãos estatais e

    organismos não governamentais sobre os processos de degradação do “meio ambiente”.

    Agregam a esses discursos o fato de que a preservação do ‘meio ambiente’ também

    interessa ao povo de santo.

     No vídeo do I Mutirão, Arlene aparecia enfatizando que ‘todos devem se

    conscientizar que poluir não faz parte da cultura e da religião e que deve-se trabalhar para preservar e não poluir’. Outro sacerdote que os acompanhava reforçou essa ideia,

    dizendo que a poluição não agradava a Orixás, Nkisis e Voduns, e que ‘o lixo degrada a

     principal fonte de axé, que são as florestas e as águas doces que nos levam ao contato

    com nossa Mãe Oxum’. Deve-se combater a ignorância que faz com que religiosos

     pensem que jogar lixo na cachoeira é axé: ‘isso não é axé, isso é contra-axé’: 

    ‘Orixá não se alimenta de louça, trazer a louça do seu axé, da suacasa de santo, barracão, terreiro, o que for, para cachoeira, isso é imundiçar,

    isso é quebrar a força da natureza, essa magia. Colocar uma folha demamona, fazer a função real recipiente dessa tigela de louça é colocar umafolha de mamona, colocar o ‘admum’, a comida do orixá, retirar, suspender a

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    folha de mamona e entregar às águas, isso é o culto, a louça volta para casa,ela não tem função na natureza, só de poluir.’ 

     No dia 21 de março de 2010 aconteceu o II Mutirão de Limpeza no Parque

     Natural Municipal de Nova Iguaçu (PNMNI). Na verdade, a atividade aconteceu na áreanatural fora dos limites do Parque, já que este é de responsabilidade e está sob

    fiscalização da prefeitura que proíbe realizar qualquer tipo de ritual religioso. Além

    disso, era logo próximo a entrada do Parque que existia um ‘macumbódromo’5. Na

    ocasião, Roberto e Arlene tiveram a ideia de confeccionar algumas placas educativas,

    reservando alguns lugares para a realização dos rituais e orientando para que estes

    fossem feitos conscientemente. Arlene contou que eles têm um projeto que inclui

    colocar um grande recipiente onde as pessoas possam depositar os resíduos orgânicos

    resultantes das atividades sagradas, formando em um adubo natural. Outro local seria

    reservado para o depósito dos recipientes utilizados que poderiam ser reaproveitados

     para plantação de ervas sagradas, que inclusive são destruídas por religiosos que não

    sabem extraí-las devidamente da natureza. Essas ervas poderiam ser levadas pelos

    religiosos. Este projeto, contudo, segundo os sacerdotes, não tem recebido apoio

     político ou aprovação da SEMAM.

    Em conversa, Arlene respondia se havia problema em retirar os ‘trabalhos

    feitos’, dizendo que ‘o processo só funciona no momento em que está sendo realizado,

    depois pode ser tirado sem problemas’. Ela mostrou um casarão antigo que deveria ser

    comprado para ser a sede do projeto que formularam. Mãe Margarida com seus

    capoeristas também fizeram parte da atividade, e além de limpar se apresentaram para

    os presentes.

    A atividade foi um sucesso, e muito lixo, religioso ou não, foi retirado. A

     preparação do III Mutirão foi mais complicada, uma vez que todo o planejamento do

    início do ano ficou comprometido pela desativação da COPPIR e pelas trocas dos

    secretários municipais, como no caso da SEMAM, com o rearranjo das forças políticas

    locais e com a saída do prefeito do PT, Lindberg Farias. O III Mutirão só aconteceu

    devido ao esforço de Arlene e Roberto, que trabalharam para rearticular as relações e

    5 Este termo é usado por adeptos e não adeptos para designar espaços exclusivos, delimitados eestruturados  –  existentes ou apenas em projeto  –  especificamente para a prática de rituais das religiões

    afro. Por sua inadequação, expressões como ‘espaço sagrado’ aparecem como mais adequado na fala dosadeptos. O termo também é utilizado de maneira pejorativa e acusatória pelos não adeptos ou pelos próprios praticantes para designar áreas não oficiais ou não regulamentadas muito usadas para rituais.

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     parcerias com as secretarias e outros órgãos públicos, direcionar o movimento, resgatar

    antigos contatos e parceiros, conduzindo, quase sozinhos, a iniciativa.

    Por todos os problemas, o III Mutirão se realizou com poucos participantes, nem

    mesmo Arlene pode participar, pois estava em viagem, e Mãe Margarida não foi

    convocada, uma vez que não era possível providenciar o necessário para levar todo seu

    grupo. Roberto e Pai Sérgio, pai pequeno do terreiro de Roberto, conduziram o evento.

    Pouco antes do inicio do trabalho de recolhimento do ‘lixo religioso’, Roberto disse aos

    funcionários da EMLURB que eles não deveriam ter medo de mexer nos ‘trabalhos’ ,

    nas ‘obrigações’ que estavam depositadas, que ‘não havia mais nada sagrado ali’, já era

    tudo lixo, ‘lixo religioso, como as próprias pessoas de santo dizem’. O sacerdote

    argumentou que, passados 15 minutos, depois de arriar 6 o ‘carrego’, o material deixava

    de ser oferenda sagrada. A oferenda já havia sido recebida pelas divindades e se tornava

    a mesma coisa que os funcionários recolhiam na porta das casas das pessoas. Alguns

    funcionários encaravam seriamente o problema, enquanto outros brincavam e se

    divertiam às custas daqueles que demonstravam certo receio. De qualquer maneira,

    Roberto e Pai Sérgio estavam presentes para assegurar que a empreitada era segura e

     para tranquilizar aqueles que pareciam se importar com a questão, o que não impediu

    que alguns se mantivessem o mais afastados possível do ‘lixo religioso’.

    O Mutirão começou. No macumbódromo, desde a entrada na beira da estrada

     principal até muito longe dentro da mata, no rio, nas pedras, no caminho, nas encostas e

    na vegetação, havia uma quantidade de materiais, de ‘lixo religioso’, impressionante. A

    certa altura Pai Sérgio disse não haver problema em deixar comidas e animais na

    natureza, pois podem dar um pouco de mau cheiro mas, da mesma forma que o barro e

    os pedaços de alguidares, degradam-se e acabam sendo ‘absorvidos’. Ao contrário de

    sacos plásticos e outros recipientes utilizados para transportar as coisas, que devem ser

    levados de volta para casa.Efetivamente, para os sacerdotes, recipientes como alguidares de barro, travessas

    de louça, balaios, garrafas de vidro, roupas, utensílios de ferro, esteiras, instrumentos

    musicais como atabaques e berrantes, velas acesas, imagens de gesso de diversos santos

    católicos e outras entidades, sacos plásticos, caixas de ovos e os elementos não

    6

     Termo nativo que significa colocar no chão, depositar, abaixar. Possui toda uma significaçãosagrada, uma vez que o ato de depositar a oferenda significa que ela está sendo enviada e é recebida pelasdivindades.

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    utilizados diretamente nos rituais não deveriam ser deixados após sua realização. Isso

    não significava que não poderiam ou não deveriam ser utilizados.

    Mais tarde, Roberto foi até um grupo que fazia rituais no local e lá permaneceu

    um bom tempo conversando com as pessoas. Também conversava com uma ‘entidade’,

    Vovó Maria Conga do Rosário. Esta parecia estar aprovando a iniciativa, já que Roberto

     perguntava, ‘não estou certo, Vó?’, e ela assentia, balançando a cabeça. O sacerdote

    explicava o trabalho que estava sendo realizado e convidava os irmãos a se unirem ao

    esforço de ‘preservar e cuidar da natureza’. Roberto destacava que o povo de santo era o

     principal acusado de poluir e degradar a natureza. ‘Toda vez que tem um incêndio aqui,

    os bombeiros dizem que foi por causa de velas acesas deixadas pelo povo de santo...’

    Desta maneira, apontava para a necessidade de cuidar dos espaços utilizados pelo povo

    de santo para seus rituais, de modificar as formar de fazê-los, recolhendo e reciclando os

    materiais utilizados, por exemplo, ou usando alternativas de suporte para apoiar as

    oferendas. Contou ainda sobre a ideia de se montar ali um ‘Espaço Sagrado’ . Não

    demorou muito, o sacerdote pegou os recipientes que tinham sido usados pelo grupo em

    suas oferendas, esvaziou-os, dizendo que os guardaria para reutilizá-los, e entregou a

    Pai Sérgio.

    Depois do trabalho, Roberto contou sobre reuniões de que participou com um

    fabricante que havia criado um alguidar de casca de coco, que custaria R$18,00.

    Comparou esse preço com aquele que é pago pelos alguidares de barro, mais ou menos

    R$3,00, e mostrou a inviabilidade do preço para as comunidades de terreiro. Na ocasião,

    sugeriu: ‘Então por que não utilizarmos folha de mamona?’ Ele riu e comentou que os

    fabricantes ficaram bastante irritados.

    Mais tarde, Roberto disse haver perguntado ao grupo que realizava seus rituais

    durante o trabalho se eles levariam embora os utensílios e eles responderam que ‘Vovó

    disse que faz parte do carrego’. Ainda assim, pediu licença, esvaziou os recipientes,recolheu-os e levou embora. Vovó, por sua vez, não fez nenhuma objeção. Pai Sérgio

    comentou que esses recipientes eram como os pratos que utilizamos para comer. ‘Não

    comemos na mesa? Colocamos a comida no prato, tudo direitinho, mas depois que se

    come se recolhe o prato, não deixa ele lá. O alguidar e outros recipientes são a mesma

    coisa’.  E se tinham o consentimento da divindade para serem retirados, então não

     poderia haver problema.

    Assim, uma vez ‘depositado o carrego’,  ou ‘quando realizada diretamente nanatureza, depois que as divindades comem a oferenda’,   ‘depois do ritual realizado’,

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    ‘após alguns minutos’ ou ‘alguns dias’,  nas palavras nem sempre consonantes dos

    sacerdotes, a oferenda transformou-se em ‘lixo religioso’. Era a partir desse argumento

    que os religiosos asseguravam aos demais que não havia problema em fazer a limpeza

    do material, contudo aquilo não era qualquer lixo, era prudente contar com a presença

    dos sacerdotes para garantir continuamente que ‘não tinha perigo recolher o lixo

    religioso’, garantir a correta manipulação daqueles objetos, receber ‘a orientação

    religiosa’, e contar com eles para qualquer eventualidade. E, claro, algumas ‘coisas’ não

     podiam ser “limpas”. Para os sacerdotes estar presente nessas atividades era ainda mais

    fundamental para cuidar e ocupar o espaço que deveria ser oficialmente direcionado, na

    concepção deles, a essas práticas religiosas, recebendo uma estruturação para tal do

     poder público.

    Desta maneira, as oferendas deveriam ser realizadas ou postas naqueles locais

    ‘naturais’. Neles passavam a estar sujeitas a um processo de transformação, tornando-se

    ‘lixo religioso’. Obviamente, classificar o que recolhiam de ‘lixo religioso’ era motivo

    de indignação e reprovação por grande parte dos religiosos de matriz africana do

    município, que os condenavam veementemente. A resposta deles, contudo, era apontar a

    maneira como eram feitos e a degradação que o material causava às áreas ‘naturais’:

     prejuízo a ‘natureza e meio ambiente’ e à morada das divindades, fonte de energia e

    forças sagradas. Mas, o que os Mutirões de Limpeza e outras discussões e propostas que

    se seguiram evidenciaram é que aquelas oferendas, de fato dotadas de potencialidades e

    forças específicas, poderiam ter um destino mais apropriado.

    Os sacerdotes não queriam que as oferendas se tornassem ou fossem vistas como

    ‘lixo religioso’. Concebê-las como ‘lixo religioso’ naquele estágio em que se

    encontravam no PNMNI era necessário para que cuidassem da área, mantivessem-na de

    maneira adequada para o prosseguimento dos rituais e, sobretudo, para que contassem

    com o apoio do governo e de instituições não governamentais que identificavam o problema ‘da sujeira’ e viam como única solução a ‘limpeza’. O ‘lixo religioso’

     permitia alianças, contatos e diálogos, mas, a partir dos Mutirões, estando em contato

    com políticos, ambientalistas, acadêmicos e outros, os sacerdotes propunham um

     projeto muito mais duradouro e uma forma de realizar oferendas de maneira

    ‘sustentável para o meio ambiente’. Sem dúvida, os debates e as falas dos informantes

    iam no sentido da “oferenda ecológica” e dos ‘espaços sagrados’. A ideia de ‘lixo

    religioso’ se limitava  ao âmbito dos Mutirões de maneira a reunir apoios e aliançasvariados. Diante da crítica que outros religiosos faziam às ações de limpeza e,

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     principalmente à desqualificação das oferendas como ‘lixo religioso’, os sacerdotes

     propunham outra forma de realizar oferendas de maneira que não se tornassem ou

    fossem concebidas como algo a ser retirado como ‘lixo’, já que todos compartilhavam

    sobre o que são e o que podem conter aqueles objetos. Argumentavam que as

    comunidades de terreiro em geral deveriam passar  por um processo de ‘educação’,

    ‘formação’, ‘conscientização’ sobre a maneira de proceder corretamente em relação à

    realização e ao depósito das oferendas.

    “Oferenda ecológica” foi uma expressão que formulei diante de diversos

    comentários de meus informantes ao reforçarem a necessidade de fazer ‘oferendas que

    não agridem a natureza’, ‘oferendas que sejam mais rapidamente absorvidas pela

    natureza’, ‘oferendas que sejam realizadas em materiais que se degradam facilmente’,

    ‘oferendas que não poluam os ambientes’ ou ‘oferendas conscientes’. O termo surgiu

    mais do diálogo com os interlocutores e a partir de movimentos que têm sido

    observados em todo o país, do que como uma expressão que eles próprios usassem no

    dia a dia, o que aconteceu apenas eventualmente.

    Assim, a partir dos Mutirões, os sacerdotes demonstravam que soluções mais

    duradouras e significativas deveriam ser adotadas. Dias depois do II Mutirão de

    Limpeza, Arlene me contou que fora ao local fazer ‘obrigação’ de uma de suas filhas de

    santo e que ‘já estava tudo muito sujo’. Ela comentou sobre a necessidade urgente de

    instalação das placas educativas e até de lixeiras na área e de, finalmente, se criar o

    ‘Espaço Sagrado’ no local, com estrutura adequada, apoio para os praticantes,

    funcionários, tornando o local de formação dos adeptos e de valorização e divulgação da

    cultura afro. Contou que sua ‘obrigação’ foi destinada a Dandalunda e que havia feito

     bastante canjica e espalhado no chão. Por cima da canjica foi depositando os demais

    elementos, como flores, e a oferenda ‘ficou lindíssima’ e não utilizou nenhum recipiente

    ou material que não fosse orgânico. Arlene destacou que se preocupou em agredir omínimo possível a natureza, afirmando que havia posto de tal forma que ‘a própria

    natureza, as águas da cachoeira, se encarregariam de limpar a obrigação’. Ela enfatizou

    a necessidade de educar as pessoas para que preservem a ‘natureza’ e respeitem o

    ‘espaço religioso’. 

    Como visto, no III Mutirão, e ao longo do trabalho de campo, os recipientes que

    continham as oferendas eram apontados como o que prejudicava a natureza e que

     bastava o uso de outro tipo de material para que as oferendas pudessem ser ‘limpasnaturalmente pela natureza’. Em todos os Mutirões, Roberto preocupou-se em recolher

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    alguns recipientes e levar para casa para reaproveitá-los, porque ‘aqui eles não têm

    utilidade alguma, na minha casa têm.’ Além disso, não iriam para o lixo. Propunham,

    assim, alternativas, além da limpeza: oferendas que não utilizassem materiais como

    louças, alguidares de barro, balaios de palha, garrafas etc., materiais que não

    desaparecem facilmente. Esses materiais podiam ser usados, mas levados embora após o

    ritual: a bebida deveria ser derramada e a comida e outros materiais orgânicos e

    eventualmente inorgânicos, mas que compunham as oferendas, deveriam ser

    depositados, ou até enterrados. Era muito mais forte em relação às ‘oferendas já

     passadas: dar a Intoto (Terra) o que é de Intoto’, e não ao lixo.

     Nesse processo, pude observar até divindades participando, desde muito tempo,

    do processo de criação e concepção das “oferendas ecológicas”. Oferecendo a

    oportunidade de as oferendas não chegarem nunca a ser ‘lixo religioso’, de retornarem

    como forças que são e/ou podem conter para natureza, de compor o espaço com suas

    energias específicas em perfeita harmonia com ele e em consonância com seus

    significados. Assim, a oferenda, trabalho, obrigação foi feita, o que se queria aconteceu,

    a religião aconteceu, mas considerando sua força e significado não se quer que elas

    sejam transformadas ou tornadas lixo, melhor que suas partes voltem para Terra  –  

    natureza e Nkisi-, ou para as casas, e sejam novamente transformadas e aconteçam em

    outras direções. O ideal é que ‘oferenda’ e ‘natureza’ se fundam harmonicamente e

    conservem o equilíbrio e o estado das forças de ambas.   As oferendas ou o que delas

    sobrar, uma vez que já se constituíram como oferendas, devem encontrar outros espaços

    adequados a seu significado e força, mesmo que neste momento signifiquem apenas

    elementos oriundos da natureza e outros objetos, em si já potências, que para natureza

    devem retornar. Isso é importante para manter o equilíbrio geral nos próprios espaços

    ‘naturais’ e para que tanto a ‘oferenda’ quanto a ‘natureza’, o espaço e o objeto,

    aconteçam e se atualizem plena e constantemente.E trata-se de um duplo movimento dos religiosos, tentar se colocar no espaço

     público, sendo bem vistos, valorizados e aceitos, mas fazer isso, não à custa de seus

     princípios religiosos, até porque certas coisas terão que continuar sendo feitas mesmo

    que “poluam”, mas fazer isso baseados em ‘fundamentos’, em princípios legítimos e

    originais da religião, na concepção dos sacerdotes.

    Algumas Considerações

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     Nos diferentes acontecimentos religiosos acima descritos nos deparamos com

    importantes pontos de confluência. O primeiro deles talvez seja que fica claro que

    objetos ou coisas comuns, presentes na natureza ou fabricados pelo homem, quando

    colocados em conjunto e submetidos a procedimentos rituais se tranformam em muitas

    coisas: ‘oferendas’, ‘obrigações’, assentamentos ou “fetiches” que são as próprias

    divindades, objetos rituais plenos de energia, de axé, enfim, coisas que são e podem

     produzir efeitos. As coisas antes do preparo têm potência, potencial, como o ocutá que

    irá compor o assentamento que já é e já pertence a determinada divindade

     potencialmente, mas deve ser preparado e transformado para se torná-la plenamente

    (Goldman, 2009; 2012), assim como os demais objetos potenciais que vão ser

     preparados de modo a se tornar outras coisas e compor o universo sagrado. Ainda assim,

    essas novas “coisas sagradas” não cessam nunca de serem preparadas e de transformar -

    se. Era porque a oferenda tendia a se transformar que os sacerdotes de Nova Iguaçu

     buscavam cuidar para que se transformassem de maneira adequada, assim como os

    assentamentos ou “obrigações” do batuque  que devem ser sempre cuidados e

    alimentados.

    As diferentes descrições foram resultado dos diferentes tipos de inserções e

    objetivos de pesquisas de nós estudiosos. De fato a primeira descrição trata de maneira

    mais próxima como vão se fazendo e tranformado as coisas sagradas e a religião vai

    acontecendo. É nesse sentido que a primeira descrição se aproxima de uma ontologia

    das “obrigações” religiosas. No caso de Nova Iguaçu, foi possível observar não apenas

    as oferendas que criavam e estabeleciam uma relação importante entre religiosos e

    divindades fazendo acontecer a religião, mas o ‘lixo religioso’ e a “oferenda ecológica”

    que colocavam em contato e em relação actantes e as instâncias da política e da religião,

     por exemplo, e a partir de que os ‘trabalhos sociais’, a religião e a política eram feitas e

    aconteciam. Contudo, se focalizamos os objetos sagrados nos dois casos, iremos perceber como eles são criados e recriados continuamente, criam e agem, produzem

    efeitos e movimentos, são movimentos.

    Latour formula e utiliza o conceito de “actante” para englobar tudo que provoca

    uma ação, que age, não importa a figuração que tenha: pode ser um ideomorfismo ou um

    antropomorfismo, ou seja, uma ideia ou um ser humano, por exemplo (LATOUR, 2006: 78-

    79). Tudo que vem modificar uma situação torna-se um ator, ou melhor, um actante, e é

    importante considerar entidades participantes da ação. Em sua teoria os objetos são tornados

    atores, já que os objetos desdobram outras maneiras de agir e agem. Neste trabalho,

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    assumimos o conceito de “actantes” de maneira a trazer para observação uma variedade

    daquilo que participa das ações, seja humanos ou não humanos, em suas múltiplas

    figurações, objetos e materiais sagrados ou profanos, divindades e outros.

    Evidenciando a ideia de ‘movimentos’ que influi diretamente na temática

     proposta por esse GT, a saber a dos objetos e da materialidade nas religiões, podemos

     perceber algumas coisas. As noções êmicas de ‘trabalho social’ e de ‘obrigação’, por

    exemplo, associam numa mesma série, signos que tendemos a separar não apenas em

    gênero ou grau, mas na própria natureza de suas existências. Ações e alguidares,

    limpeza e divindades, pessoas e imagens, oferendas e natureza, para citar alguns, são

    esses ‘actantes’ que estão por aí que tentamos purificar e estabilizar como matéria ou

    objeto, ou seus outros lados: o imaterial e o não-objeto, não-objetificável.

    Da mesma forma, o ensaio de Bruno Latour (2004), dedicado ao cristianismo

    coloca questões interessantes para o que pensamos para essa comunicação. O texto tem

    como intento resolver o que o autor chama de uma “dupla redução caricatural”: da

    religião à crença e da ciência ao conhecimento. Para isso propõe que se fale

    religiosamente sobre os diferentes geradores de verdades, adotando um modo de fala

    amoroso. Sua noção de que a imagem re-presenta e não representa é capital para o

    entendimento das “coisas de/na religião” no batuque e no candomblé angola. Para

    Latour (2004) é quando o espectador devoto repete a mesma melodia, no mesmo ritmo eandamento que o artista que faz a obra religiosa que o “iconoclasmo interior” acontece,

    re-presentificando o sagrado. As obras de arte são, elas mesmas, re-encenações de

    momentos do cristianismo. De modo semelhante as imagens cruas que são preparadas

    no batuque. A iconografia cristã, diz Latour, põe a imagem em movimento, não a

    congela: é preciso compreender (ainda que forçados) a presença que a mensagem

    carrega. É, então, a própria iconofilia um fluxo de imagens, no qual não existe um

    original. “A verdade não se encontra na correspondência [...] entre original e cópia, nocaso da religião  – , mas em tomar a si novamente a tarefa de continuar   o fluxo, de

     prolongar em um passo a mais a cascata das mediações” (Latour 2004: 371-2, grifo no

    original). Pois, congelar, representar, isolar, retirar a imagem da série não permite a

    transmissão do significado como verdade. É interessante, também, a reflexão que Latour

    (2008) faz sobre a mão humana na feitura de ícones divinos. A mão produz o divino7.

    7

    Para um aprofundamento Cf. o interessante texto de Latour (2008), no qual discute um diferentemodo de por a imagem/ícone em movimento, o iconoclash. O autor faz uma espécie de tipificação, queserve apenas para pensar, pois logo após tipificar, complica o esquema inter-relacionando os tipos, de tal

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    Tanto no candomblé angola, como no batuque, é um tipo de movimentação

    ininterrupta que está em jogo. Não há espaço para o congelamento. É a oferenda que

     passado um período se torna lixo, é a pedra que precisa se alimentar de tempo em tempo

     para não morrer. É o próprio axé, ou força, que é um movimento que se apresenta em

    singularizações, que são momentos de acontecimentos. Um acontecimento oferenda,

    acontecimento pessoa, acontecimento preto velho, acontecimento casa de religião.

    Matéria e objeto, imaterial e não-objeto, são, nas religiosidades afro-brasileiras, não

    distintos ontologicamente, mas diferentes formas de presentificações do sagrado e do

     profano –  que, também, não deixa de ser uma modulação do sagrado. Pensamos que a

    reflexão sobre o sagrado e sobre os objetos no pensamento de Latour produz um “bom

    encontro” –  como diria Espinosa –  com as etnografias aqui apresentadas. O pensamento

    do autor é posto em movimento “ao lado” do movimento da etnografia, não para

    substituir conceitos nativos, mas para potencializar uma teoria religiosa que

    comunmente é tratada como simples sistema de crenças.

    A partir dessas considerações iniciais, lançando mão de nossas experiências

    etnográficas e de alguns conceitos, queremos destacar que, guardadas as diferenças as

    religiões afro-brasileiras colocam em evidencia uma existência dos materiais e vivência

    da materialidade que pode nos auxiliar a pensar sobre a questão em outros contextos,

    conferindo aos materiais diversas formas, movimento, ação, relação, e uma

    materialidade em constante transformação.

    Bibliografia

     Projeto Elos de Força. Nova Iguaçu: Centro de Integração Inzo Ia Nzambi, 2009

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    BASTIDE, Roger.  Les Religions africaines au Brésil: Contribution à une sociologie dês interpénétrations de civilisation. Paris: PUF, 1995, 2a ed.

    modo que quem quebra a imagem não pode, por muitas vezes (ou quase sempre) ser enquadrado numtipo.

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