É a minha Blavatsky melhor do que a tua

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É a minha Blavatsky melhor do que a tua? As diferenças de opinião têm sido frequentes no meio teosófico. Quando extremadas, por vezes dão lugar a tomadas de posição mais duras, que são o rastilho para acesas discussões. Esse tipo de situações, é às vezes pouco compreendida por alguns teosofistas e especialmente por quem olha de fora e vê que o primeiro objeto da Sociedade Teosófica é o altruísmo. Com certeza ficam a pensar que os teosofistas têm dificuldades de passar da teoria à  prática. Mas essa realment e acaba por ser uma maneira muito simplista de ver as coisas. O texto desta semana é a primeira de duas partes de um  editorial  de Jan Kind, divulgado em março passado. Ela aborda uma das grandes controvérsias no meio teosófico já deste século, a edição de um livro sobre as cartas de H.P. Blavatsky (o primeiro volume dos quatro que foram planeados). Nesta obra foram colocadas carta s espúrias, falsamente atribuídas à “Velha Senhora”. Em relação a esse facto não há dúvidas. A edição desta obra já tinha passado por várias mãos, começando por Boris de Zirkoff (que viria a falecer quando começou a trabalhar nas cartas), passou para o australiano  John Cooper  (que alguns anos depois de receber essa empreitada viria a falecer subitamente), acabando nas mãos de John Algeo, que trabalhou intensamente no projeto conjuntamente com a sua esposa Adele, que entretanto faleceria já depois do livro ter saído. Parece mesmo uma  maldição . Boris de Zirkoff (1902-1981) Apesar do livro já ter saído em 2003, a inclusão de cartas falsas no mesmo sem o devido aviso é um tema reavivado de vez em quando, como sucedeu na edição de janeiro de 2013 do  “Aquarian Theosophist” , de um modo que não agradou ao editor do Theosophy Forward, o holandês Jan Kind. A revista Biosofia em 2004, no seu número 23, já havia publicado um  texto muito crítico para a edição das cartas, precedido de um outro no número anterior que está também disponível online .  

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É a minha Blavatsky melhor do que a tua?

As diferenças de opinião têm sido frequentes no meio teosófico. Quando

extremadas, por vezes dão lugar a tomadas de posição mais duras, que são orastilho para acesas discussões. Esse tipo de situações, é às vezes poucocompreendida por alguns teosofistas e especialmente por quem olha de fora evê que o primeiro objeto da Sociedade Teosófica é o altruísmo. Com certezaficam a pensar que os teosofistas têm dificuldades de passar da teoria à

 prática. Mas essa realmente acaba por ser uma maneira muito simplista de ver as coisas.

O texto desta semana é a primeira de duas partes de um editorial de Jan Kind,divulgado em março passado. Ela aborda uma das grandes controvérsias no

meio teosófico já deste século, a edição de um livro sobre as cartas de H.P.Blavatsky (o primeiro volume dos quatro que foram planeados). Nesta obraforam colocadas cartas espúrias, falsamente atribuídas à “Velha Senhora”. Emrelação a esse facto não há dúvidas. A edição desta obra já tinha passado por várias mãos, começando por Boris de Zirkoff (que viria a falecer quandocomeçou a trabalhar nas cartas), passou para o australiano John Cooper  (quealguns anos depois de receber essa empreitada viria a falecer subitamente),acabando nas mãos de John Algeo, que trabalhou intensamente no projetoconjuntamente com a sua esposa Adele, que entretanto faleceria já depois do

livro ter saído. Parece mesmo uma maldição. 

Boris de Zirkoff (1902-1981)

Apesar do livro já ter saído em 2003, a inclusão de cartas falsas no mesmosem o devido aviso é um tema reavivado de vez em quando, como sucedeu naedição de janeiro de 2013 do “Aquarian Theosophist”, de um modo que nãoagradou ao editor do Theosophy Forward, o holandês Jan Kind. A revistaBiosofia em 2004, no seu número 23, já havia publicado um texto muito

crítico para a edição das cartas, precedido de um outro no número anterior queestá também disponível online. 

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Jan Kind

 Na internet é muito fácil aprofundar o tema. O fórum de discussão theos-talk está cheio de mensagens sobre o assunto, como por exemplo esta. 

Ao ler o texto do Aquarian e o editorial de Jan Kind, ficamos informados da

 posição de cada um deles e esse choque de opiniões é importante para podermos fazer a síntese sobre o assunto em questão.

As questões que suscitam são: há limites para denunciar uma determinadasituação? Onde é traçada a linha que separa a denúncia da ofensa? É legítimo

 perseguir alguém durante anos por um erro cometido? Esse erro foi produto dedescuido ou propositado? A edição de modo académico de uma obra significaque se devam incluir cartas que são consideradas de forma generalizada comoespúrias, só para dar uma imagem de imparcialidade? Há efetivamente um

complot de alguns teosofistas para denegrir H.P. Blavatsky?Refira-se ainda que John Algeo foi candidato às controversas eleições daSociedade Teosófica de Adyar em 2008, ganhas pela Presidente em exercíciodesde 1980, a Srª Radha Burnier.

John Algeo

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 Segue-se a tradução do editorial de Jan Kind:

“Parece que dentro dos nossos círculos, elementos da linha dura estão aindatentando provar que inventaram a roda. Alguns dividiram o panoramateosófico entre aqueles que sabem e aqueles que mentem. Existem aqueles queestão exclusivamente ligados à verdade, qualquer que seja essa verdade, eaqueles que andarão sempre desligados.

 Numa das redes sociais da internet, os participantes estão constantemente a ser tratados de forma paternalista e expostos cruamente por um moderador queaparentemente se auto-designou como a consciência da Sociedade Teosóficade Adyar, enquanto noutro lado alguns autores e editores de websites têm atendência de proclamar o que lhes apetece. Os seus artigos e editoriais estão

cheios de verbos modelo como “dever”, “ser preciso” e “ter de”. Elesapresentam-se como os bons pastores guardando o seu rebanho.

É como se os fariseus tivessem falando connosco novamente. Nós recebemosinstruções sobre o que é certo ou errado e tudo sob a bandeira de aprovação deH.P. Blavatsky. Mas quem dá essa aprovação? É a própria H.P.B, ou algunsque se consideram habilitados para falar em seu nome?

Tendo estudado esse maravilhoso fenómeno russo por muitos anos, inclino-me a pensar que ela aprovaria um maior desenvolvimento do que trouxe aonosso mundo. Ela veio com a sua própria mensagem singular e deu-nos aoportunidade para pensar e perceber aquilo que ela nos legou. Eu não acredito

 por um momento que ela quisesse ser a “mensageira suprema”, e esse não foicom certeza o seu ponto de partida.

Alguns acreditam que representam a sua singularidade e esplendor, aoafirmarem que aqueles que podem ter pontos de vista ou interpretaçõesligeiramente diferentes não são mais que falsificadores ou até conspiradores,com um único objetivo: destruir tudo o que a Teosofia representa. Onde está a

tolerância e a abertura que tão claramente defendeu a própria HPB?

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Helena Blavatsky (1831-1891)

 Numa recente publicação na internet, John Algeo foi uma vez mais atacado ecaluniado como se fosse a pior escória deste planeta. O que escreveu a própriaHPB sobre tais ataques?

“É a denúncia um dever? 

[Lucifer, Vol.III, N.16, Dezembro de 1888, p. 265-73]

 Não condenem ninguém na sua ausência, e quando for necessário reprovar alguém, façam-no na sua presença, mas de forma gentil e com palavras cheiasde caridade e compaixão, pois o coração humano é como a planta Kusuli: oseu cálice abre-se com o doce orvalho matinal e fecha-se antes de uma grandechuvada.” 

“De facto, o dever de defender um companheiro vítima de uma línguavenenosa durante a sua ausência, e se abster, em geral, de “condenar outros” éa própria vida e alma da Teosofia prática, pois tal ação é a serviçal que nos

conduz até o caminho da “vida superior”, aquela vida que nos conduz aoobjetivo que todos almejamos atingir.” 

"Pois bem, aqui têm, não há lugar a dúvidas. Na edição de janeiro de 2013 do“Aquarian Theosophist”, o editor, usando a sua reconhecida prosa, perseguiuJohn Algeo de um modo que certamente não agradaria a HPB.

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John Algeo (n. 1930)

As críticas de que algumas cartas incluídas na compilação de John Algeo,“The Letters of H.P. Blavatsky” [As Cartas de H.P. Blavatsky], não deveriamter sido publicadas nesse livro, ou deveriam ter uma introdução mais clara, sãolegítimas. Mas elas foram-no, e temos de conviver com os factos; nós

 podemos contudo, claramente aprender com esta situação. Existia umconsenso na altura entre os editores desse livro, que esta publicação iria

requerer alguma inteligência também da parte do leitor. Há cinco anos, numaentrevista com Katinka Hesselink, John Algeo, respondendo ao assunto,comentou-o da seguinte forma:

PERGUNTA:2. Houve uma grande tempestade à volta da publicação de “The Letters of H.P. Blavatsky”, em que você e a sua mulher tanto trabalharam para criar.Esperava a tempestade e como pode explicar aos meus leitores no queconsistiu essa tempestade?

RESPOSTA:O primeiro volume das Cartas de HPB precisava, por várias razões, de sair rapidamente. Consequentemente, tem várias falhas, a maior parte das quaisnem foram alvo de comentário, mas temos plena consciência delas. Estamostrabalhando agora de modo mais lento e cuidadoso no volume II e esperamosque fique melhor. Por exemplo, teremos mais cuidado em comentar assuntosque poderão incomodar alguns leitores. Contudo, adotámos os seguintes

 princípios básicos nesta edição: vamos incluir todas as cartas que foram comrazoabilidade atribuídas a HPB, mesmo aquelas que alguns teosofistasrejeitam porque não são consistentes com a sua perspetiva dela. De HPB,

 poderíamos dizer o que Walt Whitman disse dele próprio em “Song of 

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Myself”. “Contradigo-me?/Pois bem, contradigo-me/ (Eu sou extenso,contenho multiplicidades).

HPB era demasiado grande para se encaixar nas estreitas categorias, que nós,seus admiradores, imaginamos que ela ocupa. A inclusão de uma carta novolume não é uma declaração de que acreditamos que a mesma égenuinamente dela, mas antes, de que foi com razoabilidade atribuída a ela. Amaior parte das cartas que sobreviveram não são cópias autografadas (ou seja,com a sua própria caligrafia), mas ao invés são transcrições feitas por outros emuitas vezes “melhoradas” ou então alteradas por quem as transcreveu. Éimpossível asseverar a autenticidade dos textos da maior parte das cópias de

cartas que sobreviveram. O nosso objetivo foi e será o de incluir os textosmais antigos e autênticos que podemos encontrar de todas as cartas que temos,que com algum grau de fundamento, foram atribuídas a HPB. Os leitores sãolivres de decidir por eles próprios quais as genuínas e quanto de umadeterminada carta foi realmente escrito por ela. Nós vamos porém, tentar fornecer aos leitores tanta ajuda quanto possível ao tomar essa decisão. Masessas decisões irão muitas vezes depender de um pré-julgamento de cadaleitor sobre o que é ou não característico de Blavatsky. Como diz o velhoditado, “de gustibus non disputandum est ”, isto é, gostos não se discutem, e

 portanto a decisão cabe a cada um.PERGUNTA:3. Teria gerido as coisas de modo diferente se soubesse as reservas que as

 pessoas iriam ter com a publicação?

RESPOSTA:Teríamos incluído mais admonições, mas não teríamos alterado os princípiosem que a edição se baseia, que estou em crer ser a única base honesta parafazer uma edição do género.

Retirado de http://www.allconsidering.com/2008/john-algeo-interview/  

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  Não há necessidade de mais comentários. Que fique claro: poderia ter sidofeito melhor, mas devido às circunstâncias, o livro em que John e a sua esposaAdele trabalharam tão duramente tornou-se perfeitamente numa “imperfeita”

 publicação. Para os comentadores e editores seria mais do que suficienteavisar os futuros leitores em serem cuidadosos na leitura deste livro. Não hánecessidade de qualquer género de “sabichões” ou proclamadores virem aterreiro emitir ultimatos patéticos e atirar lama àquelas que pessoas queganharam o apreço e o respeito de milhares por todo o mundo.

Trabalhadores resolutos para a causa teosófica são referidos como “amadorese eticamente ingénuos”, mas de quem é que eles estarão a falar? 

John Algeo é um bom homem, um trabalhador incansável, sempre dedicado à

causa. Ele tem a capacidade, única, de admitir um erro e de compensá-lo.Agora, na casa dos oitenta anos, depois de ter perdido a sua Adele e de ser confrontado com a deterioração do seu estado de saúde, continua a trabalhar 

 pela Teosofia o melhor que pode. Nos seus oitenta e tal anos desta encarnaçãoele tem feito muito de bom e, SIM, cometeu erros, mas quem os nãocomete…? 

O seu respeito e amor por H.P. Blavatsky e os seus escritos são indiscutíveis.Há cerca de treze anos, vi-o efetivamente a trabalhar nos arquivos de Adyar com Adele, reunindo material para o livro. A intenção e a dedicação são o queconta. Vê-los trabalhar tanto juntos, foi e ainda é, um exemplo inspirador paramim.

 Nós podemos abordar HPB do nosso ponto de vista, a partir da nossa própriatradição. Algumas vezes é evidente que existem grandes diferenças, mas não éisso ótimo? Não seria terrivelmente aborrecido concordar em tudo?

 publicado em 2 partes em http://lua-em-escorpiao.blogspot.pt nos dias 22 e 29 de junho de 2013

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Helena P. Blavatsky

Então podemos nos perguntar: “É a minha Blavatsky melhor do que a tua?”Temos de chegar a este ponto? É a Blavatsky de John Algeo, Radha Burnier [NT: presidente da ST Adyar] ou de qualquer editor melhor que a Blavatskyde outra pessoa? Claro que não. Vamos finalmente nos mentalizar de que onosso lar teosófico é grande o suficiente para todos nós, e que em vez de nos

 perseguirmos uns aos outros, deveríamos realmente e por fim, aprender a nosouvir uns aos outros, para beneficiarmos o nosso planeta. Este é apenas umexemplo de como fazê-lo:

Clique aqui:” 

Assim termina o texto de Jan Kind.

Já depois da publicação deste editorial, Daniel Caldwell mencionou no theos-talk  uma carta de Geoffrey Farthing onde este reputado teosofista, poucotempo antes de falecer falava favoravelmente das Cartas editadas por JohnAlgeo. Do outro lado da barricada, estas alegações foram  prontamenterepudiadas...