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e a superação da crise 23 a 26 de setembro de 2009 Documento para debate

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e a superação da crise

23 a 26 de setembro de 2009Documento

paradebate

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CRESCE BRASIL

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Diretoria

Presidente

Murilo Celso de Campos Pinheiro

Vice-presidente

Maria de Fátima Ribeiro Có Soares

Diretor financeiro

Carlos Bastos Abraham

Diretor administrativo

Antônio Florentino de Souza Filho

Diretor de Planej. Rel. lnternas

Augusto Cesar de Freitas Barros

Diretor de Rel. lnterinstitucionais

Antônio Nóe Carvalho de Farias

Diretor operacional

Flávio José A. de Oliveira Brízida

Diretor Regional Norte

Sebastião Aguiar da Fonseca Dias

Diretor Regional Nordeste

José Ailton Ferreira Pacheco

Diretor Regional Centro-Oeste

Cláudio Henrique Bezerra Azevedo

Diretora Regional Sudeste

Clarice Maria de Aquino Soraggi

Diretor Regional Sul

José Carlos Ferreira Rauen

Diretor titular representante na CNTU

José Luiz Lins dos Santos

Diretor suplente representante na CNTU

Sebastião Aguiar da Fonseca Dias

ConselConselConselConselConselheheheheheiririririrooooos fs fs fs fs fiscaiscaiscaiscaiscais efeis efeis efeis efeis efetititititivovovovovosssss

Luiz Benedito de Lima NetoAgenor Aguiar Teixeira Jaguar

Arthur Chinzarian

ConselConselConselConselConselheheheheheiririririrooooos fs fs fs fs fiscaiscaiscaiscaiscais suis suis suis suis suplplplplplentesentesentesentesentes

Francisco Regis Carneiro de AndradeManoel Ferreira da Conceição Neto

www.crescebrasil.com.br

Coordenação-geral

Murilo Celso de Campos Pinheiro

Coordenação técnica

Allen HabertFernando Palmezan Neto

Consultoria sindical

João Guilherme Vargas Netto

Coordenação da consultoria técnica

Carlos Saboia Monte

Consultores

Carlos KirchnerDarc Costa

Fernando SiqueiraJosé Roberto Cardoso

Luiz Edmundo Horta Barbosada Costa Leite

Marcio Queiroz RibeiroMarco Aurélio Cabral Pinto

Marcos DantasNewton Reis Monteiro

Osorio de BritoPaulo E. CruvinelRaphael Padula

Sérgio Mendonça

Expediente

Redação

Antonio José Martins Júnior

Edição

Rita Casaro

Revisão

Soraya Misleh

Apoio

Lucélia Barbosa

Maurício Hermann

Fábio de Souza

Lourdes Silva

Projeto gráfico, diagramação e capa

Eliel Almeida

Coordenação gráfica

Antonio Valentim Hernandes

Fotolito e impressão

Folha Gráfica

Tiragem

1.000 exemplares

Setembro/2009

Sede: SDS Edifício Eldorado,

salas 106/109 – CEP 70392-901

Brasília/DF

Telefone: (61) 3225-2288

E-mail: [email protected]

w w w. f n e . o rg . b r

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+ENGENHARIA+DESENVOLVIMENTO

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Entre as ameaças da criseeconômica internacional e as boasnovas trazidas pelas reservas depetróleo encontradas na camada dopré-sal, o Brasil tem ainda muito o queavançar para se tornar um paísdesenvolvido e verdadeiramentesoberano e justo. Em setembro de2006, quando a expansão econômicaera pífia e não havia perspectivas demudanças no horizonte, osengenheiros, reunidos no congressonacional da categoria, ousaram apostarno otimismo e na capacidade dosbrasileiros de mudar o seu destino.Lançaram o manifesto Cresce Brasil +Engenharia + Desenvolvimento, queafirmava ser possível e necessárioelevar o patamar de crescimento para6% ao ano, lançando mão de mudançasna política macroeconômica,notadamente a redução da taxaexorbitante de juros, e elevandoinvestimentos, públicos e privados, nainfraestrutura nacional e na produção.

Para formular a proposta, a FNE(Federação Nacional dosEngenheiros) utilizou o saber deespecialistas nas diversas áreas daengenharia (transportes de carga eurbano, energia, comunicações,saneamento e meio ambiente, ciênciae tecnologia e agronegócio) epromoveu debates Brasil afora. Apósa sua publicação, o documentotornou-se a ferramenta demobilização pelo crescimento e foiapresentado aos então candidatos à

Presidência da República, aosgovernos estaduais, a inúmerasautoridades e debatidoexaustivamente com a sociedade.

Profissionais do desenvolvimento,os engenheiros retomavam seu papelde protagonistas da discussão sobre osrumos do País e buscavam garantirespaço para sua atuação profissional esocial. Porém, mais que isso,empunhavam com determinação asua bandeira histórica, a luta por umanação que garanta a todos condiçõesdignas de vida e trabalho. Os esforçosfeitos então foram certamenterecompensados. A mobilização pelodesenvolvimento fomentada pelacategoria teve uma grande conquista,por exemplo, com o lançamento doPAC (Programa de Aceleração doCrescimento), iniciativa inédita emmuitos anos no Brasil e altamentepositiva, ainda que não seja a soluçãode todos os problemas.

Ao realizar o seu VII Conse(Congresso Nacional dosEngenheiros), a FNE mantém napauta a discussão sobre odesenvolvimento e a luta por ele. OCresce Brasil, que se tornou ummovimento vivo, é reeditado comatualizações dos temas anteriores eacréscimos importantes. Entre esses,oportunidades magníficas como o pré-sal e a engenharia pública,implementada no País por meio da Leide Assistência Técnica. Aprofunda-setambém o debate sobre a Amazônia ea necessidade de se formar maisengenheiros aptos à inovação naindústria. Leva-se em conta,obviamente, a turbulência financeiraque chacoalhou o mundo a partir dosegundo semestre de 2008 e, embora

tecnicamente já esteja superada noBrasil, ainda traz consequências pelaglobalização econômica.

A conclusão dessa novaempreitada é que não temos outrasaída a não ser seguir em frente.É preciso manter os esforçosque trouxeram a retomadado desenvolvimento em 2007e 2008 e buscar mais.

A exemplo do que foi feito em2006, o documento que segue naspróximas páginas será submetido aoplenário da categoria para sugestões eaprimoramentos. Após o evento, um

novo manifesto circulará por todo oPaís com as propostas dos engenheirospara um projeto nacional dedesenvolvimento. Desde o lançamentodo Cresce Brasil, certamente houveavanços, inclusive na direção propostapelo movimento. Falta muito, porém,para que se alcance o País idealizadopelos engenheiros. É preciso, portanto,trabalhar para construí-lo. Em 13 anos,o Brasil completará 200 anos daIndependência. É um ótimo marcopara termos como norte para a tarefa,que deve começar a ser cumprida já.

MURILO CELSO DE CAMPOS PINHEIRO

Presidente

Manter a retomada docrescimento e avançar

Nova edição do Cresce Brasil

atualiza e amplia projeto da

categoria para o País e aposta

mais uma vez na sustentabilidade

com inclusão social e na

superação da crise econômica.

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CRESCE BRASIL

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1. Três anos depois de lançado omovimento Cresce Brasil + Engenharia+ Desenvolvimento e 2,5 anos após oinício do PAC (Programa deAceleração do Crescimento), doisfatos novos de enorme relevância,quase simultâneos, porém de sentidooposto, colocam o País outra vezdiante de um período de decisõescruciais. Uma crise internacionalabalou, a partir de meados de 2008,uma trajetória de desenvolvimentoque ganhava ritmo e corrigiadesequilíbrios e injustiças dos ciclos deavanço econômico anteriores. Nomesmo período, confirmaram-se asdimensões extraordinárias de umanova riqueza comum aos brasileiros –as jazidas de petróleo da camada dopré-sal. Ainda mais importante,amadureceu o momento em que asociedade deverá decidir comomanejá-las, e em favor de quem.

2. Os dados mais recentesindicam que a crise econômicacomeçou a ser superada e alimentamesperanças sobre o uso das reservasde petróleo em benefício de umprojeto nacional. Abre-se, por isso,espaço para um novo debate. Por querumos avançaremos? A ideia de queas sociedades devem renunciar à

construção de seu futuro, paraentregá-lo às “forças de mercado”,será finalmente superada? Arevalorização do planejamento, aindaque incipiente, será mantida?Ousaremos aprofundar essatendência, questionando distorçõescomo a esclerose dos grandes centrosurbanos e a irracionalidade de umamatriz logística e de transportes quetem como símbolos o automóvel e asobras rodoviárias? Enfrentaremos asdesigualdades sociais, que turvamnossa cultura de diversidade ecordialidade e além disso entravamnosso crescimento, ao excluir asmaiorias do acesso a uma renda dignae uma educação que prepare para aeconomia do conhecimento?

3. Ainda que os dois temas –caminhos para superação da crise eoportunidades com o pré-sal –componham juntos o cenário diantedo qual se desenvolverá o debatenacional, nos próximos anos, vale apena examinar cada um delesseparadamente, num primeiromomento. O fato de o País não ter seprostrado diante das turbulênciasinternacionais indica que é possívelreverter uma tendência perversa, queperdurou por décadas e tem raízesnos tempos da Colônia. Trata-se docaráter reflexo de nossa economia.Durante a maior parte da história doBrasil, os principais impulsos quelevaram a produção de riquezasadiante estiveram localizados noexterior. Não tínhamos, portanto,nem controle nem influência decisivasobre eles. Até o início do séculopassado, vivíamos de ciclos,

provocados primeiro pela valorizaçãointernacional de produtos primários(pau-brasil, açúcar, ouro, café eoutros); em seguida, por seu declínio.Ambas as fases provocavam intensastransformações – não apenaseconômicas, mas também em nossopovoamento, nas relações entre asclasses sociais e nas disputas pelopoder – a que a sociedade assistia nacondição de mera espectadora.

4. Essa relação de passividade foifugazmente interrompida entre a crisede 1929 e o final da II Guerra –quando turbulências globaisdesarranjaram as velhas relaçõesinternacionais entre o centro e aperiferia da economia mundial. Obreve intervalo (parcialmenteprolongado no período de redefiniçõese disputas internas que vai de 1946 a1964) permitiu um movimentoacelerado, e em muitos aspectosvirtuoso, de modernização econômica,política, social e cultural. Mas, emboraem novas bases, o atrelamento foirestabelecido a seguir. Já não vivíamosapenas da exportação de itensprimários. A partir de 1970,experimentaríamos, ao contrário, umprocesso de industrialização intensa.Mas os canais de dependênciainstalaram-se no circuito mais líquidoe sutil – porém, muito mais tentaculare poderoso – das finanças.

5. Em certos períodos, o Brasil foiirrigado por fluxos caudalosos dedinheiro externo. Numa sociedadecindida pela desigualdade, e às vezesamordaçada pelo autoritarismo, adisponibilidade desses recursos

A oportunidade à nossa frenteO País está pronto para superar a condição de economia reflexa

Nação está diante do desafio de

vencer as dificuldades decorrentes

da turbulência financeira, mas

também das grandes possibilidades

trazidas pelas descobertas de

novas reservas de petróleo.

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+ENGENHARIA+DESENVOLVIMENTO

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provocava euforia. Mas estavamcomprometidos com o retornorápido dos capitais, não comprioridades definidas de formaminimamente democrática. De1968 a 1981, o chamado milagreeconômico empurrou as taxas decrescimento do PIB (ProdutoInterno Bruto) para uma médiaem torno de 10% ao ano. Foiacompanhado pela formação deenormes cinturões de miséria naperiferia das metrópoles; pelacontaminação do ar e dos mananciaisde água dessas regiões, que persiste atéo presente; pelo início da ocupaçãopredatória, em larga escala, naAmazônia. Um novo movimento deentrada maciça de divisas abriu-se entre1993 e 1998. Sequer ensejou aretomada dos investimentos produtivos.Os capitais que entravam eramdestinados à valorização acelerada esem riscos no circuito financeiro – noqual os rendimentos são pagos pelasociedade. Ou, então, dirigidos à meraaquisição de grandes empresas estataise privadas por grupos estrangeiros queacabaram por eliminar ou precarizarmilhões de empregos.

6. De tempos em tempos, o fluxode capitais se invertia, sempre aosabor de fatores externos. Então, asconsequências eram mais dramáticas.A partir de 1979, os Estados Unidostentaram reverter a queda do dólar eo desgaste de seu poder econômico egeopolítico promovendo umaelevação abrupta dos juros, com aqual atraíram capitais de todo omundo. O Brasil transitou quaseinstantaneamente do “milagre” a uma“década perdida” – que acabaria seestendendo por cerca de 20 anos. Asentradas de divisas no períodoanterior haviam gerado a dívidaexterna, cujo montante chegou acerca de US$ 150 bilhões. Como esse

débito era remunerado segundo astaxas de juros em vigor nos EstadosUnidos, sobreveio uma fase de saídamaciça de capitais. Ela sangrou oEstado, deprimiu a capacidade deinvestimento e provocou um estadocrônico de recessão.

7. Mais tarde, quando osmercados financeiros globaisagigantaram-se, romperam asbarreiras que os prendiam acontroles estatais e sociais e setransformaram no palco principal daacumulação capitalista, o mesmofenômeno assumiu outra aparência edimensões. Nas fases em que oscapitais deixavam a periferia e sedirigiam para o centro do sistema,sobrevinham as “crises cambiais” –para revelar que a alardeada“estabilidade” de nossa economialimitava-se ao controle da inflação.Vivemos três: uma, relativamentebranda (1995), reverberação de umterremoto financeiro que vitimou oMéxico; e duas (1998-1999 e2002-2003) que tiveram o Brasilcomo epicentro. A última incluiu umcomponente político nítido: osaplicadores procuraram evitar umamudança de governo, ou ao menoschantagear o presidente eleito. Emtodos os casos, a resposta foi umaprevisível capitulação às pressões dopoder financeiro. Para satisfazê-lo,elevavam-se as taxas de juros (quechegaram a 40% ao ano). Como osrecursos públicos não são infinitos,

os gastos adicionais eramcompensados impondo-se àsociedade os ajustes fiscais. Portrás desse termo eufemístico,estavam redução de direitossociais (especialmenteprevidenciários), cortessucessivos de investimentospúblicos, adiamento incessantede obras de infraestrutura

indispensáveis, degradação daeducação pública.

A mudança em curso

8. Essa condição de economiareflexa, suscetível demais a impulsosexternos, começou a ser superada nosúltimos anos, segundo aponta a notatécnica Crise internacional e a economiabrasileira, assinada pelo economistaSérgio Mendonça e constitutiva destasegunda versão do Cresce Brasil. Amudança não foi abrupta, nem livre decontradições – e não estão afastados osriscos de retrocesso. Mas múltiplosfatores concorrem para promovê-la.Estão certamente entre eles a existênciade um governo sensível às pressõessociais e o início de um possíveldeslocamento histórico no curso daglobalização. Não é menos importante,contudo, a emergência de uma novaforma de ação política, autônoma e nãopartidária, de cuja construção a FNEorgulha-se de ser parte.

9. O primeiro sinal de que háalgo muito importante em curso é oGráfico 1 do estudo de Mendonça, quedescreve a taxa de variação do PIB.Ele revela que o País começou aultrapassar, nos últimos cinco anos, afase de estagnação econômica em quese arrastou, entre 1981 e 2003. De umamédia de 2% ao ano, muito poucoacima do aumento populacional eentrecortada por frequentes índicesanuais negativos, saltamos para 4,7%.

A condição de economia reflexa

começou a ser superada graças

a múltiplos fatores, entre eles, uma

nova ação política, autônoma e

não partidária, de cuja construção

a FNE orgulha-se de ser parte.

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CRESCE BRASIL

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10. O controle da inflaçãocontribuiu para esse movimento. Mastentar apontá-lo como causaprincipal, a exemplo do que faz aquase totalidade dos analistasconservadores, é atentar contra alógica. A chamada estabilidademonetária foi estabelecida desde aadoção do Real, em 1994 – e isso nãoimpediu que a economia continuasseapresentando desempenho medíocre.A investigação de Mendonça vai, porisso, em busca de causas maisprofundas. São basicamente três.Foram alcançadas em distintosmomentos e circunstâncias políticas.

11. A primeira novidade relevanteé um compromisso político com aredução (ainda que lenta) dasdesigualdades, e com a valorização domercado interno. Emborahouvéssemos vivido antes episódiosde aumento do poder aquisitivo dasmaiorias (nos períodos imediatamenteposteriores aos planos Cruzado eReal), eles eram vistos como fugazes einsustentáveis, pelos agenteseconômicos. Não provocavam, porisso, decisões de investimento.Prevalecia, imune aos séculos, umparadigma herdado do período daColônia segundo o qual os

empreendimentos tornam-seadmiráveis e valorizados à medidaque concentram seu foco e público noexterior ou nas camadas de elite.

12. Adotadas a princípio muitotimidamente, a partir de 2002,algumas políticas sociais começarama desfazer tal preconceito. A criaçãodo Bolsa-Família (que reconfigurou osprogramas anteriormente existentes,ao multiplicar sua abrangência,potência e repercussão), a elevaçãodo salário-mínimo acima da inflação ea revalorização de benefíciosprevidenciários foram as principais.Ao longo de cinco anos, elas

produziram uma redução sensível nopercentual de pessoas pobres. Alémdisso, teve início um processo muitotímido, porém constante, de queda naconcentração de renda, mancha queenvergonha e entristece a sociedadebrasileira (Gráficos 2 e 3).

13. Como resultado, deu-se umfenômeno classificado como“emergência das classes C e D” ou“formação da nova classe média”. Masas políticas sociais não beneficiaramapenas os mais pobres, ao contrário doque também sugere, com frequência,certo saudosismo elitista. Parece haver,no Brasil, uma espécie de matriz geraldos rendimentos dos trabalhadores,em que são elementos desde ossalários mais altos até os benefíciossociais pagos aos inativos oudesempregados. Quando pontosimportantes da matriz são movidos, oconjunto da tabela tende a se deslocarno mesmo sentido. O trabalho deMendonça comprova também essatendência. Ele aponta uma evoluçãomarcante na massa salarial; e oadvento de uma conjuntura em que ostrabalhadores, seja qual for sua faixade rendimentos, têm muito maisfacilidades para obter ganhos reais desalários (Gráficos 4 e 5).

1976

50,0045,0040,0035,0030,00

25,0020,0015,0010,005,000,00 1977

19781979

19811982

19831984

19851986

19871988

19891990

19921993

19951996

19971998

19992001

20022003

20042005

20062007

46,81

41,08

22,70

Fonte: Ipeadata

Percentual de pessoas pobres1976-2007

Gráfico 2

1981

10,0

8,0

6,0

4,0

2,0

0,0

-2,0

-4,0

-6,0

1983

1985

1987

1989

1991

1993

1995

1997

1999

2001

2003

2004

2006

2008

2,0

4,7

Variação do PIB (%) Taxa média de variação (%)

Taxa de variação do PlB1981-2008

Fonte: Ipeadata

Gráfico 1

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+ENGENHARIA+DESENVOLVIMENTO

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14. A realidade encarregou-se dedesmentir, por fim, um terceiropreconceito contra as políticassociais. Afirmava-se (e em algunscírculos ainda se argumenta) que odireito a uma renda auferidaindependentemente de trabalhodesestimularia a busca de ocupaçãoassalariada. Contrapõem-se a essacrença os fenômenos, já bastanteconhecidos, registrados em certasáreas do Norte e Nordeste – onde opercentual acentuado debeneficiários do Bolsa-Famíliaprovocou intensa ativação docomércio e da atividade produtivaem geral. O estudo de SérgioMendonça acrescenta, a essesdados, números de expressãonacional. No exato período em queforam impulsionadas as políticassociais (2003-2008), a taxa dedesemprego nas regiõesmetropolitanas caiu 32% (Gráfico 6).Isso não quer dizer que osengenheiros negligenciem aimportância da educação como aprincipal e necessária solução para aascensão social.

15. Fecha a impressionante sériede dados positivos registrados noterreno social, a partir de 2003, onúmero absoluto de empregosformais. Como frisa Mendonça, “foi

cabalmente desmentida a teoriadominante dos anos 90”, quesustentava, “apoiada na experiênciaeuropeia dos anos 70 e 80, afatalidade da extinção do empregoformal”. O Gráfico 7 fala melhorque qualquer argumento.

Desafios a superar

16. O exame superficial dosdados anteriores poderia sugerircerta linearidade nas políticasaplicadas nos últimos cinco anos.Seria uma conclusão enganosa eredutora. O Brasil viveu, nos últimosanos, um processo de transformaçãosocial rico, complexo e inovador.Algumas de suas características mais

destacadas contrariam as teoriaspolíticas que predominaram durantetodo o século XX. Exigem novasinterpretações; tornam necessárioredefinir comportamentos, pontos devista, estratégias e táticas. Examinaresses fenômenos é mais que umexercício intelectual instigante. Asgrandes dinâmicas que marcaram talperíodo vão possivelmente persistir,no futuro próximo. É provável queestejam em disputa, porém, questõesde ainda maior relevância – como,por exemplo, os termos deexploração do pré-sal e o uso dasriquezas geradas por ele.Compreender como funcionam asnovas lógicas que movem as decisõesbrasileiras é, por isso, indispensávelpara continuar construindo umasociedade mais justa.

17. A primeira peça do novoquebra-cabeça é a emergência de umcapitalismo financeirizado e suasprofundas repercussões. Entre muitasoutras, erosão de parte do poder doEstado, cooptação dos partidospolíticos e da mídia pela esfera dasfinanças, mudanças na estrutura domundo do trabalho e no perfil dasclasses sociais, desgaste relativo dasvelhas formas de pressão social (entre

01997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

10

20

30

40

50

60

70

35 3536 37 373840 41

4550

5458

Bilhões

Massa salarial1997-2008

(em reais de junho de 2009)

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego / Rais

Gráfico 4

Coeficiente de Gini(para concentração de renda)

1981-2007

Fonte: Ipeadata

0,500,520,540,560,580,600,620,640,66

0,64

0,60

0,56

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1992

1993

1995

1996

1997

1998

1999

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

Gráfico 3

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elas, as greves), necessidade derepensar os projetos de mudança quemarcaram as décadas anteriores.

18. Ao invés de impulsionar odesenvolvimento do País, a capacidadefinanceira do Estado serve aopagamento de juros. Favorece umareduzida minoria, provoca concentraçãoainda maior de riquezas e bloqueia osinvestimentos que poderiam realizar asdecisões políticas adotadasdemocraticamente. Já em 2002, a dívidapública estava próxima de R$ 1 trilhão.O Estado transferia aos credores quaseR$ 200 bilhões ao ano. O investimentopúblico, em contraste, havia despencadopara cerca de 1,5% do PIB, apenas umquinto do valor cobrado pelos rentistas.

19. A dificuldade de romper aarmadilha financeira expressava-se namanutenção, por tempo muito maisque o razoável, de uma taxa de jurosque, segundo frisou um dosdocumentos-bases do primeiro CresceBrasil, era “seis vezes maior que a depaíses emergentes com inflação

semelhante à do Brasil”. Além deretardar os investimentos necessáriospara superar as “décadas perdidas”,essa transferência de recursos aos queenriquecem no mundo das finançasapequenava os próprios programassociais. Entre 2002 e 2006, porexemplo, o gasto com juros esteve emtorno de R$ 180 bilhões ao ano,constituindo-se na maior despesa doEstado. Eram, no mínimo, 15 vezesmais que os cerca de R$ 12 bilhões

empregados para tentar garantiralguma dignidade à existência materialdos mais pobres com os programassociais. Como se não bastasse, ainsistência em manter o pagamento dosjuros nas mesmas bases anterioreslevou o governo a agir contra aliadostradicionais. Os anos de 2003 e 2004foram marcados, entre outros pontos,pelas reformas da Previdência etributária, ambas de caráter regressivo;e pelas fortes mobilizações deservidores públicos contra ambas.

20. A própria sustentação dogoverno entre sua base natural –sociedade civil organizada,intelectuais empenhados na mudança– tornou-se cada vez mais difícil.Perdurava, entre esses públicos, umaconcepção construída a partir doinício da redemocratização no finaldos anos 70 e reforçada desde então.Ela separa em territórios mais oumenos estanques pressão social epoder institucional. Atribui àsorganizações da sociedade civil(inclusive sindicatos) o papel essencialde reivindicar. Enxerga aadministração como algo que sedelega, por representação, aosgovernos constituídos pelo voto.Nessa construção, o contato entre os

Taxa de desemprego total1999-2008

(Regiões metropolitanas e Distrito Federal)

25

20

15

10

5

0

20,218,7 18,8

19,520,8

19,6

17,916,8

15,514,1

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Fontes: Ministério do Trabalho e Emprego / FAT / Seade Parceiros regionais-PED

Gráfico 6

100

90

80

70

60

50

40

3,9

44,2 45,3

36,7

50,3

33,337,2

46,5

1912

3,7 4,111,9

10,7 8,3

10,5

58,226,1

16,3

14,6

35,1

51,5

43,2

25,818,8

54,9

71,7

85,7 87,7

77,6

15,5

19,8

15,2

19,6

27,7

23

39,143,5

51,9

30

20

10

01996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Abaixo do INPC Igual ao INPC Acima do INPCFonte: Dieese/SAS

1996-2008

Reajustes salariais emcomparação ao lNPC-lBGE

Gráfico 5

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+ENGENHARIA+DESENVOLVIMENTO

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dois territórios é ralo e frequentementebinário: cabe aos movimentos sociaisdenunciar e desgastar, com sua ação,governos hostis a seus interessescorporativos, apoiando e fortalecendo,em contrapartida, os que os respeitam efavorecem. A prevalência de talentendimento propiciava, naturalmente,um clima de frustração e desânimo.

Mobilização transformadora

21. Tal cultura política, é claro, nãose dissipou. Mas vai sendo, pouco apouco, substituída por outra – maisantenada às reconfigurações dasociedade, da economia e do poder,surgidas com a pós-modernidade; maiscapaz, sobretudo, de resgatar e levaradiante a luta contemporânea por ummundo mais justo. A nova culturavaloriza a representação, mas vê apolítica como algo que inclui, também,uma esfera de ação transformadoraautônoma e não partidária. Segundoessa visão, os que desejam participar daconstrução do futuro coletivo nãopodem contentar-se em delegar arepresentantes, ainda que eleitosdemocraticamente, a expressão de suasvisões de mundo. Numa época em queas finanças esvaziam ou neutralizam opoder dos governos e parlamentos,como deixar de agir – todos os dias, enão apenas de dois em dois anos –em favor dos projetos que queremosver realizados? Já não se trata, alémdisso, de apenas reivindicar, mas deassumir papéis antes reservados aospolíticos. Por exemplo, formularprogramas complexos, que vão muitoalém do corporativismo, poisprecisam, para se efetivar, multiplicarapoios sociais, ao invés de dialogarapenas com o poder institucional.

22. A FNE participou ativamente,desde 2001, dos Fóruns SociaisMundiais – um dos espaços centrais de

geração da nova cultura política. Em2006, porém, era hora de dar um passoa mais. Havia condições para desenhar,a partir da capacidade de planejamentodos engenheiros e de sua convicçãodesenvolvimentista, uma propostaglobal para encerrar a era das décadasperdidas. Convocou-se, para uma tarefaeminentemente política, o engenhointelectual da categoria. Encontros

regionais foram realizados em 14cidades brasileiras. Neles,desenvolveram-se ideias, analisaram-sepropostas, obtiveram-se consensos. Acaminhada evoluiu para o VI Conse,que aprovou o manifesto Cresce Brasil +Engenharia + Desenvolvimento.

23. Era uma ultrapassagem claradas concepções corporativas. Odocumento abordava, é evidente, temasem que a retomada dodesenvolvimento envolve a contrataçãode engenheiros: entre outros,

saneamento, energia, transportes,mobilidade urbana, comunicações. Masia além, ao apresentar, por exemplo,propostas para o fim da ortodoxiaeconômica, o fortalecimento domercado interno, a universalização doacesso à Internet. O caráter autônomotornou-se claro no destino dado àproposta. Ela foi apresentada a cadacandidato à Presidência da República ecirculou amplamente entre a sociedadecivil. A FNE sinalizava que não tinhaatrelamento partidário e que lutaria porsuas ideias, inclusive aliando-se a outrosatores sociais, independentemente doresultado das eleições.

24. Em janeiro de 2007, o governofederal lançou o PAC. Não era algo tãoambicioso ou tão abrangente quanto oCresce Brasil. As taxas de crescimentodo PIB que ele almejava, por exemplo,eram mais modestas; não havia metasexpressas para a universalização decertos direitos básicos, como acesso aenergia elétrica (ainda que se prevejagrande salto nessa direção por meio do“Luz para todos”), telefonia e Internet,nem preocupação explícita com oavanço científico e tecnológico.

25. Porém, era uma mudançanítida em relação à fase anterior, empelo menos quatro aspectosmarcantes. Criava-se um conjunto

Em 2006, havia condições

de desenhar, a partir da

capacidade de planejamento

dos engenheiros, uma

proposta para encerrar a

era das décadas perdidas.

Estoque de empregos formais1985-2008(em dezembro)

Fonte: MTE/Rais

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1985 200119931989 200519971987 200319951991 200719991986 200219941990 200619981988 200419961992 20082000

2022 22 2223 23 23 2324 24 24 24 24 24 25 26 27

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3538 39

Milhões

Gráfico 7

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CRESCE BRASIL

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importante de medidas fiscais, legais ecreditícias para servirem de estímulosindutores do crescimento. Anunciava-seum conjunto vasto, concreto edetalhado de obras públicas,financiadas pelo Orçamento da União,pelas empresas estatais e pelascompanhias privadas, num montantede expressivos R$ 500 bilhões, entre2007 e 2010. Assumia-se ocompromisso com a elevação dosalário-mínimo e dos benefícios sociaisem ritmo acima da inflação.Explicitavam-se, finalmente, metaspara redução da taxa de juros, o quesignificava diminuir a transferênciade riquezas para o setor financeiro.Afirmava-se o papel do Estado comoente indutor do desenvolvimento,numa crítica implícita à antigacrença nos supostos poderesregulatórios do mercado.

26. A FNE manteve sua posturade mobilização, autonomia,aperfeiçoamento da capacidade deelaborar e intervir. Ainda em 2007,publicava ampla análise do PAC, queigualmente circulou entre osengenheiros e a sociedade civil. Odocumento comparava o plano oficialcom o Cresce Brasil, para resgatar oesforço anterior desenvolvido pelacategoria. Aplaudia os passos adiante

na proposta do governo, ressaltavaseus limites, chamava atenção para anecessidade de garantir sua execuçãoreal. Novas discussões sobre o temaforam convocadas em todo o País.Criou-se, no site da Federação, umespaço especial, intitulado De olho noPAC, para atualizar permanentementeo acompanhamento e a pressão emfavor dos aspectos positivos doprograma. O Gráfico 8 abaixodemonstra que o esforço surtiuresultado. Embora ainda inferior aopatamar médio em torno de 22% doPIB, mantido entre 1970 e 1982, ataxa de investimento cresceuconsistentemente desde 2005.Atingiu, em 2008, 18,97%, umíndice que havia se verificadoapenas uma vez desde 1991.

O susto da crise

27. A importância de ter superadoa fase de letargia e submissão àditadura dos rentistas reapareceriaagora com mais peso a partir demeados do ano passado. Uma criseiniciada no setor de hipotecasimobiliárias norte-americanoaprofundou-se e se alastrou pelomundo, revelando a fragilidade dosistema financeiro internacional. Foientão que se testou de modo mais

dramático a possibilidade de o Paísdeixar para trás a condição deeconomia reflexa. Porque se tratava decontrariar, no momento mais incerto eperigoso da crise, a velha tendência àresignação e à subalternidade, sempreque se retraem países ou mercadosque víamos como superiores a nós.

28. Ao invés de recorrer mais umavez aos ajustes fiscais, ao corte deinvestimentos públicos e à erosão dedireitos sociais, o País ousou o caminhooposto. Não se optou por preservar, deforma mendicante, os interesses dosrentistas. Manteve-se a aposta naemergência do mercado interno, namanutenção ou ampliação dosinvestimentos públicos, na retomada dopapel de planejador exercido peloEstado. Vale a pena, aqui, rever a notatécnica preparada para o Cresce Brasil IIpor Sérgio Mendonça. Ele elenca oconjunto de medidas adotadas e asrespostas obtidas a partir de cada uma.A ampliação do gasto estatal protegeu(por meio do consumo dos assalariados,dos investimentos e das ocupaçõesgeradas por ele) a atividade econômicade uma queda abrupta. Emboraconservasse a triste condição de a maisalta do mundo, a taxa Selic, quedetermina os juros pagos aos credoresdo Estado, recuou de 13,75% para8,75%, entre dezembro de 2008 esetembro de 2009.

29. Reabilitados depois de anos dedesprestígio, os bancos públicos –principalmente BNDES (BancoNacional de DesenvolvimentoEconômico e Social), Banco do Brasil eCaixa Econômica Federal –complementaram o esforço, expandindomuito fortemente a oferta de crédito(Gráfico 9). A desoneração de impostos,que beneficiou os setores mais atingidospela crise (caso, por exemplo, daindústria automobilística), interrompeu

101214161820222426

26,86

15,28

18,97

19701972

19741976

19781980

19821984

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19941996

19982000

20022004

20062008

Taxa de investimento1970-2008

% PIB Fonte: Ipeadata

Gráfico 8

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+ENGENHARIA+DESENVOLVIMENTO

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uma escalada de demissões que pareciacontaminar a economia, entre o final doano passado e o início deste. Embora ocrescimento tenha arrefecido (o queocorreu em praticamente todas asnações), tanto o período quanto aintensidade da queda parecem, a essaaltura, ser bastante inferiores aos depaíses em condições semelhantes à doBrasil. No início de setembro, oministro da Fazenda, Guido Mantega,anunciava que o PIB voltara a crescer1,9% no segundo trimestre,determinando o fim da recessão.

30. O Gráfico 10, retrabalhado peloIpea (Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada) com base em dados doFundo Monetário Internacional,demonstra que, embora tenhaampliado de forma inteligente os gastose investimentos públicos, o Brasilcontinua, se comparado a outrasnações, com enorme espaço paraaprofundar essa tendência. O Tesouromanteve-se altamente superavitário, noperíodo de 13 meses encerrado emmaio de 2009. Enquanto isso, paísescomo Estados Unidos, Índia (outro casomuito bem-sucedido de superaçãorápida da crise), França (junto com aAlemanha, a primeira economiaeuropeia a sair da recessão) registravamdéficits altos e em geral crescentes.

As oportunidadesdo pré-sal

31. A partir de setembro de 2009,um novo elemento introduziu-se nessadisputa: o debate em torno do que fazercom as gigantescas reservas de petróleodo pré-sal. Mesmo na fase dehegemonia econômica da indústria,houve importantes exemplos de naçõesque souberam tirar proveito de seusprodutos primários para impulsionar odesenvolvimento econômico e social.Os casos paradigmáticos estão,possivelmente, na Escandinávia.Suécia, Finlândia e Noruegaexploraram um recurso naturalabundante em seus territórios evalorizado internacionalmente

(a madeira) de forma sustentável esocialmente inclusiva. Isso resultou emurbanização humana, sistemas virtuososde proteção social, desigualdadecomparativamente muito reduzida.

32. Em 31 de agosto, a Presidênciada República enviou ao CongressoNacional quatro projetos de lei sobre otema. Eles estabelecem quatro grandesmudanças: a) modificam o regime deexploração do petróleo brasileiro,substituindo a prática da concessãopela da partilha e ampliando a parcelada riqueza mineral que caberá aoEstado e à sociedade; b) instituem umfundo de desenvolvimento, que seapropriará desses recursos e osaplicará prioritariamente emeducação, cultura, ciência & tecnologiae proteção ao ambiente, comparticipação da sociedade civil em seuconselho; c) criam a Petro-sal – umanova empresa, 100% estatal –encarregada de administrar o processode extração, regulando seu ritmosegundo o que se consideram ser osinteresses nacionais; d) fortalecem aPetrobras, que será capitalizada pelaUnião inicialmente em US$ 50 bilhões(valor hipotético equivalente ao limitede 5 bilhões de barris cuja cessãoonerosa está prevista), terá presençaampliada do Estado em seu capital e

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2001

26,31 27,0824,89 25,91

28,79 29,1831,48

36,29

43,75

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Operações de crédito2001-2009

(em % do PlB - mês de junho)

Fonte: Ipeadata

Gráfico 9

Set/08Out/08Nov/08Dez/08Jan/09

Fev/09Mar/09

Jul/08Jun/08

Ago/08

Abr/09Mai/09

Mai/08

UniãoEuropeia Suécia França Rússia Índia Brasil MéxicoArgentinaÁfrica

do SulEstadosUnidos

-1,1 1,7

-2,7 1,3 -7,5 -0,66 0 7,2-3 0,5 -9,2 -0,49 0 2,2

-1,9 0,3 -2,9 1,05 2,9 3,1-3,1 1,8 -6,8 -0,72 3,8 2,8-4,1 0,6 -0,2 -0,22 3,3 2,5-3,4 0,5 3,5 -0,38 3,1 2,4

-3,4 -1,7 -9,2 0,82 1,3 -5,6-4,9 0,9 -10 -0,51 1,9 1,8-1,8 -0,4 -10,3 -0,32 1,5 -0,4-2,6 -0,2 -5,2 0,73 1,5 2,9-4,3 -0,7 -12,7 -1,57 1,1 4,2

-3,6 0,5 -13,7 -0,57 3,4 5,6-4 -0,6 -13,7 -0,42 2,6 -1,7

-5 -4,5

-1,3 2,4 -4,5 -6,4

-1,9 2,2 -4,7 -8,3

0 3,1 -6,5 -0,4

Países selecionadosDéficit / Superávit públicos (%)

Fonte: Ipeadata

Gráfico 10

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CRESCE BRASIL

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poderá ser encarregada de explorar asjazidas por contrato direto (quandohouver concorrência para exploração,participará com ao menos 30%).

33. Dada a importância do temapetróleo, a nova versão do Cresce Brasildedica a ele duas notas técnicas.Firmada por Fernando Siqueira,presidente da Aepet (Associação dosEngenheiros da Petrobras), a primeiradedica-se especificamente ao pré-sal.Duas partes essenciais a constituem. Otexto começa com uma alentadaanálise das próprias reservas, dascondições dificílimas e dosinvestimentos pesados necessáriospara explorá-las, do caráter pioneiroda descoberta. Siqueira explica, porexemplo, por que a natureza geológicada nova província permite prever óleoabundante (o mapeamento não estácompleto; reservas de 15 bilhões debarris estão confirmadas, mas o totalpode chegar a dezenas ou até centenasde bilhões) e de excelente qualidade.Revela, por outro lado, que só aperfuração do primeiro poço custouUS$ 260 milhões – o equivalente a umano de investimentos da Petrobras em2002. Lamenta que, nesse período,uma parte dos campos tenha sidoconcedida a empresas transnacionais.Do total das reservas, cerca de 30% foilicitada segundo as antigas regras; edesse montante, a Petrobras conseguiumanter apenas a metade. O problema,mostra ele, é que não se está criando

uma nova norma a partir da estacazero. Já há uma legislação em vigor,caracterizada por enormes distorçõesque, se não sanadas, ou tornarãoinviável a exploração do pré-sal, ouimpedirão que a sociedade brasileiraexerça controle sobre essa riqueza.

34. Após apagar da Constituição,em 1995, o monopólio estatal sobre opetróleo, o Congresso Nacionalsubstituiu a antiga Lei 2.004-53 (quecriou a Petrobras) pela Lei 9.478/97.Ao contrário do que ocorre em grandeparte dos países produtores, essa, naprática, limita a participação do Estadona riqueza petroleira. Faz isso pormeio de dois dispositivos. Um delesestabelece que o percentual máximodas receitas do petróleo a serapropriado pela União é de 40%.Somando-se mais 5% de royalties dosestados, chega-se a 45%. Siqueiraaponta que esse percentual contrastacom um intervalo entre 85% e 90%praticado, por exemplo, em todos ospaíses da Opep (Organização dosPaíses Exportadores de Petróleo).Além disso, a mesma lei transfere,para as empresas que firmaremcontratos de concessão com o Estadobrasileiro, a propriedade sobre opetróleo extraído. Se a legislaçãopermanecer, elas terão, por exemplo,o poder de definir o ritmo daexploração. Poderão, entre outrasdecisões, acelerar a extração depetróleo, para atender a seus própriosinteresses de mercado,menosprezando os do País.

35. A manutenção da Lei 9.478/97seria ainda mais absurda quando seleva em conta a riqueza e uniformidadeexcepcionais do pré-sal – portanto,a quase inexistência de riscos deinsucesso nas prospecções realizadaspor agentes privados. Nas 11perfurações realizadas pela Petrobras

após o poço pioneiro, o índice desucesso foi de 100%. Enquanto isso,as petroleiras internacionaisesperam. Embora várias delastenham capacidade financeira paraadquirir blocos nos leilões de áreasdo pré-sal, evitam investimentospesados. Preferem que a Petrobraspesquise a localização exata dasjazidas, para depois furar.

36. Siqueira alerta, por fim, para ointenso lobby desenvolvido há umano, no Congresso Nacional, porconsultores internacionais do Big Oil– o novo cartel internacional quesurgiu na indústria do petróleo, emsubstituição às antes célebres “seisirmãs”. São megacorporações,algumas delas muito maiores que aPetrobras, mas que têm umafragilidade. A indústria do petróleofoi marcada, na última década, pelareconquista, por parte dos estados, damaior parte das reservas. O controledas transnacionais ficou reduzido acerca de 6%. Elas usarão seu imensopoder financeiro, frisa a nota técnica,para reconquistar terreno, seja ondefor. E se isso se desse na gigantescaprovíncia do Brasil?

37. Para evitar tal risco, cincopropostas concretas fecham odocumento (redigido antes daapresentação dos novos projetos de leipelo governo): a) retomada dapropriedade do petróleo pela União;b) revogação da Lei 9.478/97 e suasubstituição pela 2.004/53, que “éfruto do maior movimento cívico dahistória do País”, “permitiu aautossuficiência do Brasil, dandocondições para a Petrobras investir edescobrir o pré-sal” e “é perfeitamenteaplicável, com pequenas atualizações”,à realidade atual; c) fim dos leilões deáreas petrolíferas e contratação daPetrobras, pelo Estado, para a

A manutenção da Lei 9.478/97 seria

ainda mais absurda quando se leva

em conta a riqueza e uniformidade

excepcionais do pré-sal – portanto,

a quase inexistência de riscos

de insucesso nas prospecções.

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+ENGENHARIA+DESENVOLVIMENTO

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exploração da província (Siqueiraprefere essa alternativa à criação daPetro-sal); d) elevação, para 90%, dopercentual apropriado pela Uniãosobre a receita do petróleo, para quetais recursos sejam “ponto de partidapara o desenvolvimento do País” e“alavanca para elevar a influência doBrasil no cenário mundial”; e)reativação das empresas genuinamentenacionais que forneciam equipamentose serviços à Petrobras.

38. Uma segunda nota técnicacompleta o esforço do Cresce Brasil IIpara compreender e formularpropostas para o petróleo. É obra doengenheiro de petróleo NewtonMonteiro. Não obstante tambémaborde o pré-sal, seu foco maisinovador está numa realidade que,embora quase sempre negligenciada,poderia gerar milhares de ocupaçõesqualificadas, se tratada de modosagaz pelas políticas para o setor.Trata-se das bacias situadas em terra,ou onshore, e consideradas “maduras”(e desinteressantes) pelas grandesempresas petroleiras. Algumas dasocorrências em terra, situadas naBahia, Sergipe, Alagoas, EspíritoSanto, Rio Grande do Norte e Ceará,eram as principais áreas de extraçãono Brasil exploradas pela Petrobras,antes que essa passasse a centrar suaatenção nos campos situados emalto-mar ou offshore.

39. Embora a continuidade daexploração desses camposconsiderados “maduros” sejaantieconômica para a Petrobras, poderepresentar uma excelenteoportunidade para empresasbrasileiras de médio e pequeno portes.Isso geraria riqueza e incorporaria aomercado de trabalho boa parte daspopulações locais – em geral, áreasempobrecidas e carentes. O fenômeno

já ocorre em países como os EstadosUnidos e o Canadá. Observando taisexemplos, a ANP (Agência Nacionaldo Petróleo, Gás Natural eBiocombustíveis) iniciou estudos parareproduzi-los no Brasil. Desde queessas áreas começaram a ser leiloadas,em 2004, cerca de 44 companhiasengajaram-se na atividade.

40. Além dos campos “maduros”,blocos constituídos por outrosmarginais a eles e situados em novasprovíncias prospectivas representadaspelas bacias sedimentares brasileirasem terra firme, algumas onde aPetrobras não tinha chegado atrabalhar, estão sendo oferecidos nosleilões, como é o caso das bacias dosParecis, do São Francisco, doSolimões e do Parnaíba.

41. Certas medidas e precauçõessão necessárias. Como não serãoexplorados por agentes econômicoscapitalizados, nem se trata de áreasonde o óleo é abundante, sua ofertatem sido precedida de levantamentogeológico e geofísico – indispensávelpara permitir o envolvimento depequenas e médias empresas. Nosleilões, os blocos oferecidos precisamter tamanho reduzido. Do contrário,

serão hegemonizados por grandescompanhias, cuja lógica não beneficia ageração de postos de trabalho. A notatécnica de Monteiro chama atenção, porexemplo, para o caso da região deAlberta, no Canadá. Lá, uma políticaadequada de licitações de pequenoscampos permitiu o surgimento de 600pequenos e médios produtores e quase2 mil empresas de prestação de serviços.O texto conclui: “O setor de petróleopode, como polo de investimento,fazer com que os recursos empregadosestimulem a atividade econômica nosmunicípios, multiplicando o númerode beneficiados.”

Um novo projeto

42. No início do último trimestrede 2009, um conjunto de fatoresparece favorecer, no Brasil, uma novaforma de desenvolvimento. Significavirar, em definitivo, a página das duasdécadas perdidas, da prostração àditadura financeira, da paralisia eimpotência. Não é, porém, a meravolta a um crescimento impulsionadopelos motores fugazes e alienantes domercado – que predominaram, porexemplo, durante o “milagre” ou nosciclos de exploração de produtosprimários. Em sua busca de novos

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CRESCE BRASIL

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lnfraestruturaÉ preciso investir para que haja desenvolvimento

45. Num país continental e deintensa migração interna, onde éurgente assegurar condições de vidadigna e direitos humanos para milhõesde cidadãos ainda excluídos,estabelecer redes de infraestruturaconfiáveis e modernas é indispensável.Para permitir altas taxas dedesenvolvimento econômico, aexpansão da oferta de energia precisacrescer em ritmo ainda mais rápido – eaproveitar ao máximo nosso acessoexcepcional a fontes limpas erenováveis. Além de eficientes, as viasde transporte devem estar em sinergiacom nossa condição de gerareletricidade barata, um objetivoesquecido há décadas. Nas metrópoles,a mobilidade tornou-se um direitohumano essencial – principalmenteapós a emergência das periferias; masestá cada vez mais claro que ela nãoserá promovida com a solução poucocriativa de ampliar a malha viária. Odesenvolvimento constante da Internete sua popularidade criaram condiçõesmuito mais favoráveis parauniversalizar o acesso àscomunicações. Além disso, podemmitigar nosso imenso déficiteducacional e aproveitar a criatividadeque nos caracteriza para nostransformar num produtor destacadode bens cognitivos e imateriais.

46. É sabido que o sucateamentoou desatualização das redes deinfraestrutura produziu gargalos e setransformou num obstáculo aodesenvolvimento. Mas poucas vezes seatenta para o outro lado da moeda.Esse atraso gerou, contraditoriamente,novas ocupações e uma enorme

oportunidade para investimentos. Nomomento político em que vivemos, arecuperação do tempo perdido podeser feita de forma muito maisconsciente, evitando a repetição develhos erros. Se decisões inteligentesforem adotadas a tempo, podem surgircaminhos que contribuam para ocrescimento que almejamos.

Energia para crescer

47. Por enxergar essa oportunidade,o Cresce Brasil desdobrou em cinconotas técnicas seus esforços. Elastratam de geração de energia, redenacional de transportes, mobilidadeurbana, comunicações e saneamento.A série é iniciada por um trabalho emque os engenheiros Osorio de Brito eCarlos Saboia Monte traçam umamplo panorama do setor elétricobrasileiro: suas potencialidades,impasses e caminhos.

48. Ao mesmo tempo abrangente edetalhado, o documento debate oquadro institucional surgido após amodernização privatizante dos anos 90;examina cada uma das fontes queconstituem a matriz energéticabrasileira, identificando potencialidadese problemas e comparando oferta,preços e demanda, aprofunda-se noestudo indispensável (mas tantas vezesrelegado a segundo plano) daeficiência energética e aborda osdesafios tecnológicos a seremsuperados para que as saídaspretendidas tornem-se reais. Umtópico especial faz um balanço doandamento das ações desenvolvidas,no setor elétrico, a partir do PAC.

projetos de país de ação política,por meio de experiênciasbem-sucedidas ou traumáticas,a sociedade brasileira evoluiu.

43. Embora evidentementeinteressada em garantir a elevação doPIB e a geração de empregos, ela quermais. É possível formular, com aliberdade que só a consciência dasnecessidades é capaz de oferecer, umprojeto para o País. Como enfrentar adesigualdade social, essa nódoa quepersegue nossos sonhos de uma naçãoafável e nosso desejo de caminhar empaz à noite, pelas cidades? Por quecaminhos recuperar a educação, sepossível abraçada com as tecnologias doensino a distância, da comunicação emrede, das trocas não mercantis? Quais osmeios para usufruir de nossos recursosnaturais abundantes sem devastar asbelezas e autossustentação formidáveisde nosso território? De que mododesenvolver uma matriz energéticabaseada em fontes renováveis? Comoultrapassar a civilização do automóvel,modificando a matriz de transporte decargas e passageiros e favorecendohidrovias, dutovias, aerovias, veículoscoletivos com maior capacidade?

44. O rol de tarefas inclui, entremuitas outras, superar, em 20 anos, odéficit habitacional e de saneamentobásico; estender os benefícios dastelecomunicações a todos os rincõesdo nosso País; assegurar o controle daRegião Amazônica, desenvolvendosua economia sob novas óticas; usar aterra de forma mais equilibrada,reservando espaços tanto para osprodutores em larga escala quanto apequenos e médios proprietáriosrurais. Tantos problemas, tantosestímulos e soluções. Com a segundaedição do Cresce Brasil, a engenhariabrasileira responde que está dispostaa encarar os novos desafios.

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49. De todas essas abordagens,dois aspectos destacam-se. Aohistoriarem as mudanças institucionaisrealizadas entre 1996 e 1997, com onovo marco institucional do setorelétrico e a criação dos órgãosreguladores – Aneel (Agência Nacionalde Energia Elétrica) e ANP –, Brito eMonte descrevem uma oportunidadeperdida. Estabelecido ainda nos anos40 (por meio do Código de Águas), osistema que prevalecia até então,reconhecem eles, exigiaaprimoramentos. No entanto, o quepoderia ter sido resolvido com oaprofundamento do sistema tarifário ea revisão de conceitos relativos àprodução, à distribuição e ao consumoserviu de pretexto para introduzir,além disso, a privatização e umsistema de regulação baseadoessencialmente no mercado – emespecial, os leilões de eletricidade. Aperda de capacidade de planejamentoque se seguiu resultou noracionamento de energia de 2001 e2002. O episódio serve de alerta sobrea enorme importância de adotar, numnovo momento, decisões adequadas.

50. E a nota técnica oferece umleque de subsídios para tanto –principalmente nos capítulos em quetrata da matriz energética. No momentoem que um novo Plano Decenal deEnergia prevê a degradação relativa denossas fontes de energia (ao propor aconstrução de 68 termelétricas fósseis,nos próximos oito anos, e a elevação dopercentual representado por elas de4,8% para 12% da eletricidade totalgerada), Brito e Monte revelam que essaopção não é necessária. É possível,afirmam, “desenvolver programas queconsiderem todas as formas de energiaprimária existentes, priorizando as quesejam simultaneamente econômicas enão poluentes”. Significa utilizar, emprimeiro lugar, “todo o potencial

hidráulico existente, a biomassa, todo opotencial eólico existente, a energiasolar, a geração nuclear, a energiacontida no lixo (...) e sócomplementarmente a termogeração agás natural do ciclo combinado, ageração a diesel a ciclo combinado e,por último, a geração a carvão”.

51. Não se trata de um desejo vazio:a nota vai aos detalhes. Em relação aoscombustíveis renováveis, mostra, porexemplo, que de nosso potencialhídrico (equivalente a 200 mil MW),menos da metade (78 mil MW) já foiconvertida em potência instalada; eserá possível obter mais 43,5 mil MWcom as hidrelétricas dos rios Madeira eXingu (13,5 mil MW), mais as pequenase médias centrais hidrelétricas previstasno Plano Nacional de Energia 2030(30 mil MW). Cana-de-açúcar eoutras fontes de biomassa (madeira,bagaço, capim-elefante, palha dearroz, papel etc.), hoje quasedesprezadas, poderiam ser elementosimportantes da matriz. Só osexcedentes da cana disponíveis

gerariam 4 mil MW, que poderiam serampliados para 20 mil MW, em umadécada (sem expansão das lavouras), sefossem tomadas as decisões necessáriaspara tanto. Praticamente esquecida noplano decenal, a energia eólica tempotencial imenso, de 140 mil MW.Requer subsídios e desenvolvimentotecnológico, mas tem a imensavantagem de ser ambientalmenteamigável, num cenário em que aredução de emissões de CO2 tenderá aser cobrada também de países noestágio de desenvolvimento do Brasil.Há espaço para empregar ainda, comogeradores de eletricidade, dendê,pinhão manso e outras oleaginosas(o que estimularia a agricultura familiar)e lixo urbano (eliminando, por tabela, acontaminação dos lençóis freáticos dasmetrópoles por chorume e a paisagemdegradante dos lixões).

52. Mesmo algumas fontes nãorenováveis, prossegue a nota técnica,deveriam ser desenvolvidas eestimuladas, em função de seu caráternão poluente. Além de abrigar a sextamaior reserva de urânio do mundo, oBrasil já conta com tecnologia paraprodução de combustível nuclear epoderá, em breve, desenvolver a maiorparte dos equipamentos existentes nascentrais. Essas tornaram-se muito maisseguras, restando equacionar oarmazenamento adequado dos rejeitos(e, de preferência, sua neutralizaçãofutura, por meio de novas técnicas). Aconstrução de mais quatro ou cinco

É possível desenvolver programas

que considerem todas

as formas de energia primária

existentes, priorizando as que

sejam simultaneamente

econômicas e não poluentes.

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usinas ampliaria a potência instaladabrasileira em 10 a 15 mil MW.Igualmente possível é obter geraçãorelevante por meio do gás natural –principalmente após o início deexploração da nova província petrolíferae da construção de um anel degasodutos unindo a América do Sul.

53. A nota desloca-se, a seguir,para o tema da eficiência energética –em que outro conjunto de políticas,viáveis em todas as fases do ciclo deprodução e consumo, poderá evitar adegradação da matriz. Na geração,embora tenha-se aberto a possibilidadede agregar à rede a energia oriunda deprodutores independentes, há muitoterreno a ganhar. Parte significativa dosagentes que dispõem de excedentes debiomassa, por exemplo, ainda nãoexplora a possibilidade de gerar energiaa partir deles e vendê-la. Nadistribuição, persiste a resistência degrande parte dos operadores aagregar a energia produzida porcogeração ou em pequenas centrais agás natural. No consumo, não seexplorou a possibilidade deaprofundar esforço de excelentesresultados realizado (infelizmente, àépoca, como último recurso) enquantodurou o “apagão”. A economia foi alta(cerca de 30%) e manteve-se mesmoapós o fim da vigência de medidascompulsórias (o que revela mudançade hábitos); mas esvaiu-se aos poucos,por falta de novos estímulos.

54. Monte e Brito abordam, ainda,a oportunidade que representa, para osetor brasileiro de pesquisa, o desafiode ampliar a rede de geração edistribuição de energia do País (e aprodução de petróleo, na província dopré-sal). O campo de trabalho abertopara institutos de pesquisa e centros dedesenvolvimento tecnológico dasempresas nacionais e universidades incluiinovações na produção de eletricidadepor fontes renováveis e energia nuclear,busca de alternativas mais econômicasde consumo, desenvolvimento deaquecimento solar, lâmpadas LED,baterias de força e outros.

Mudar a matriz de transporte

55. Que significaria, numpaís-continente onde diversas regiõesainda se encontram escassamenteintegradas, conceber um sistema detransportes rápido, eficiente esustentável? A esse exercício dedica-se anota técnica redigida pelos engenheirosDarc Costa e Raphael Padula. Elespartem de uma constatação necessária.Ao contrário do que ocorre em relação àenergia, a matriz logística do Brasil, alémde ineficiente e suja, está em espantosacontradição com as fontes decombustíveis das quais o País podelançar mão. As distorções acumulam-se.A primeira é o próprio desenho denossos sistemas viários. Ao invés de seassemelhar a uma rede, capaz deinterligar todo o território nacional, temaspecto de um sistema de dutos,conectando o conjunto do País ao litoral.É como um testemunho, cravado emnossa geografia, de que a maldição daColônia se mantém; de que nossas viasnos comunicam mais com o exterior, dequem ambicionamos vender oucomprar, que entre nós mesmos.

56. O segundo disparate – umalembrança emblemática da alienação a

que o velho desenvolvimentismo estavaassociado – é o obtuso predomínio dasrodovias. O estudo de Costa e Padulamostra que 60% das cargas circulampelo País por esse modal; contra apenas20,7% por ferrovia e 13,4% por aquavia(dados sobre os deslocamentos depassageiros revelariam um abandonoainda mais completo do trem e dasembarcações). Definida a partir dosanos 50, essa matriz está em totalcontradição com a de geração deenergia e com nossa rede excepcionalde rios. Se o caminhão e o automóvelsufocaram as outras formas detransporte, é porque, mesmo nostempos de crescimento acelerado, aexistência de recursos financeirosofuscava nossa capacidade de verificarse os interesses dos investidorescoincidiam com nossa geografia, nossasdisponibilidades de energia, apreservação de nossa natureza.

57. Como se não bastasse (e, nessecaso, os problemas decorrem dedecisões mais recentes), há víciosintrínsecos em cada sistema detransporte. Apesar do PAC, o ritmo dosinvestimentos públicos no setor continuamuito abaixo do necessário a recuperaras duas décadas perdidas. Entre 2003 e2008, foram investidos no setor, emmédia, 0,25% do PIB – oito vezesmenos que os 2% consideradosnecessários para promover arecuperação. Sequer o montantearrecadado pela Cide (Contribuição deIntervenção no Domínio Econômico),que incide sobre comercialização decombustíveis e foi criada com o intuitode recuperar e renovar a malha viária, éaplicado em sua finalidade original.Parte da receita é desviada para ageração de superávit primário epagamento de juros aos rentistas.

58. No terreno das proposições, oprimeiro esforço de Costa e Padula é

Definido a partir dos anos 50, o

modelo que dá prioridade à

rodovia está em total contradição

com o de geração de energia, com

nossa rede excepcional de rios e

com as possibilidades da ferrovia.

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traçar um mapa das transformaçõesnecessárias. Eles estimam que, notransporte de cargas, seria preciso buscaruma modificação profunda da matriz. Aferrovia e a hidrovia – que consomemcombustíveis mais baratos e abundantese são ambientalmente muito maislimpas – deveriam prevalecer,respondendo cada uma por 40%. Àsrodovias deveria caber o transporte maisleve ou em distâncias mais curtas.

59. A nota vai além. Detalha, emcada sistema modal, quais serão asprioridades, no momento em queinvestimentos consistentes foremretomados. No sistema rodoviário, éurgente reconstruir, reparar ouconservar estradas (uma pesquisa daCNT – Confederação Nacional doTransporte revela que 75% sãoclassificadas como péssimas, ruins ouregulares). Um sistema de fiscalizaçãoeficiente precisa coibir oenvelhecimento exagerado da frota decaminhões e impedir que seuscondutores sejam submetidos ajornadas desumanas de trabalho.

60. Na rede de ferrovias, é precisoenfrentar um sucateamento ainda maisgrave, em duração e intensidade. Boaparte do traçado das estradas necessitaser refeita: elas conservam trajetos egeometrias de décadas atrás, muitosinuosos e extensos. Também precisaser amplamente renovada ainfraestrutura das malhas ferroviárias etodo o acervo de locomotivas, vagões ematerial rodante. É necessário superaro velho drama da desuniformidade debitolas e outro, mais recente, dedesintegração da malha nacional,provocada pela privatização.

61. Nos portos, é urgente realizarreformas físicas, aquisição de novosequipamentos e tecnologias,treinamento de mão de obra,

construção de acessos modernos porrodovia e ferrovia e rever os processosburocráticos, arcaicos e pesados, paradespacho e liberação das cargas. Taisações devem ser iniciativa do Estado,“pois o setor privado não reúnecondições ou interesse de realizá-las”.Em nossos rios, investimentoscomparativamente muito modestospermitiriam estabelecer uma rede vastade hidrovias: temos 43 mil km decursos d’água; desses, 28 mil km sãonaturalmente navegáveis, mas apenas10 mil km servem como meio detransporte – ainda assim, a densidadede seu uso está muito abaixo dopotencial. A navegação de cabotagem,hoje quase abandonada, pode revivercom embarcações adequadas,investimentos em infraestrutura elogística, ampliação da estrutura efacilidades portuárias, simplificação dosprocedimentos de transbordo.

62. Um capítulo especial da notatécnica é dedicado ao exame do PAC.Os autores são críticos. No que dizrespeito aos transportes, dizem, falta aoprograma organicidade. As obras “sãodispersas e fragmentadas“ e “(comexceção das ferrovias Transnordestina eNorte-Sul) não existem grandesprojetos estruturantes, com capacidadede induzir mais projetos e

investimentos”. Além disso, persiste aaposta numa matriz logísticapervertida: “dos R$ 58,3 bilhões deinvestimentos totais previstos para osquatro anos, 57,4% são para o setorrodoviário, enquanto foram destinados18,2% para marinha mercante, 13,5%para ferrovias, 5,1% para aeroportos,4,6% para portos e somente 1,3% parahidrovias”. Além do diagnóstico geral,há no documento uma análise detalhadado plano. Dividido em três grupos(projetos de integração, irrigação eindução), o conjunto das obras previstasé checado, com base em sua pertinênciae andamento. O mesmo é feito emrelação às ações do PAC queextrapolam o território nacional, porvisar a integração da América do Sul.

63. Ao tratarem das hidrovias,Costa e Padula frisam a importânciada criação de conselhos regionaiscapazes de orientar planos de ação ede incluir, no debate dos projetos, ascomunidades das regiões envolvidas.Quando abordam a construção derodovias, ressaltam a importância deter sido retomada, no atual governo,“a atuação dos Batalhões de Engenhariado Exército”, cuja mobilização podeajudar, em paralelo, “a atacar umdos maiores problemas da regiãoNorte-Nordeste: o analfabetismo”.

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64. Complexo e intrincado emtodo o território nacional, como seviu, o problema dos transportesassume relevância e dramaticidadeainda maiores nas metrópoles egrandes centros urbanos – onde vivea parcela majoritária e crescente dapopulação. Aqui, não se trata nem dedeslocamentos de mercadorias, nemeventuais. Está em jogo o direito denão desperdiçar, todos os dias, ashoras de lazer em ônibussuperlotados e precários. Dedesfrutar, de dia ou à noite, da vidasocial e cultural – independentementedo local da metrópole em que se viva.

65. Por todas essas razõesemergentes, o próprio conceito detransportes, nas grandes cidades, foisubstituído por um mais amplo:mobilidade. Desloca-se o foco,afastando-o do sistema eaproximando-o do direito. O tema étão urgente que a nova versão do CresceBrasil dedica a ele dois textos-bases.A nota técnica é de autoria dosengenheiros Márcio Queiroz Ribeiroe Carlos Monte. A ela, soma-se, comoapoio, o artigo Como usar C, T & Ipara promover a inclusão social? Políticaspúblicas: transporte urbano, redigido porSilvana Zioni e publicado na edição

de junho de 2005 de Parceriasestratégicas, do CGEE (Centro deGestão e Estudos Estratégicos).

66. A originalidade do trabalhode Zioni está em tornar visíveistransformações reais – poucoenfocadas pela mídia e mesmo pelaacademia – que marcaram o setor,nos últimos dez anos. Neste curtoprazo, as metrópoles viveramo esgotamento das soluções“de mercado” para a mobilidade;a reação, a partir de iniciativas dasociedade civil, mais tardeencampadas por alguns governos;e o início de melhoras discretas,porém efetivas.

67. Os anos 90, conta a autora,foram dominados por abandono doplanejamento, declínio do transportepúblico e crença no automóvel comosolução para as cidades. Comoresultado, desenhou-se, ao final doséculo XX, um quadro caótico, noqual todos os agentes perdiam. Asprefeituras afastaram-se do apoio(por meio de subsídios às passagens)à atividade, deixando osinvestimentos amparados apenas nastarifas e nas decisões dosempresários. Mas o aumento dopreço das passagens, acima dainflação, afastou parte dos usuários(forçados a aumentar o número deviagens a pé) e reduziu receitas dascompanhias. O uso abusivo do carroparticular gerou, comoexternalidade, um entupimentoainda maior do sistema viário. A ausência de políticas e regulaçõesampliou incertezas, desestimulando

O uso abusivo do carro particular

gerou, como externalidade, um

entupimento ainda maior do

sistema viário. É urgente resgatar o

transporte público de qualidade.

ainda mais as decisões de renovaçãodas frotas e modernizaçãotecnológica de sua operação.

68. A crise provoca, comoresposta, uma articulação de atoressociais e o esboço de um novoconsenso. A expressão principal dessefenômeno é a formação do MDT(Movimento Nacional pelo Direito aoTransporte Público de Qualidadepara Todos). Impulsionado pelaANTP (Associação Nacional deTransportes Públicos), é constituídopor entidades sociais, instituiçõespúblicas e órgãos empresariais.Propõe-se a lutar pela mobilidade epelo fortalecimento do transportepúblico, na agenda social eeconômica do País. Publica umarevista mensal, acompanha atramitação de projetos que tratam dotema, oferece essas informações emseu site. (A própria ANTP mantémuma importante biblioteca virtualsobre mobilidade).

69. Suas posições ganham, aospoucos, espaço em administraçõespúblicas. O marco inicial é aaprovação pelo Legislativo, em2001, do Estatuto da Cidade(Lei 10.257/01), proposto 12 anosantes pelo senador Pompeu deSouza. Seguem-se, em algumasprefeituras, ações e inovaçõespositivas (o trabalho cita São Paulo,Porto Alegre, Goiânia, BeloHorizonte). Entre outras, abilhetagem eletrônica comampliação da mobilidade (a mesmatarifa dá direito a mais de umapassagem, em determinado período

O direito de ir e virFalta de planejamento culminou em uma crise de mobilidade nas metrópoles

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de tempo), a instituição detarifas sociais e de corredorespara circulação exclusiva deveículos coletivos. A partir de2003, elas podem repercutir e sedifundir nacionalmente, graças àconvocação das Conferências dasCidades (a quarta será realizadaem maio de 2010) e à criação doMinistério das Cidades.

70. A nota técnica de Ribeiro eMonte preocupa-se em sondarcaminhos para garantir que essasconquistas, ainda tão embrionárias,possam se consolidar e desenvolver.Nos capítulos iniciais, os autoresbuscam compilar uma vasta série dedados, muito úteis como base paraformulação de políticas. Abordam aorganização institucional dostransportes urbanos no Brasil(ressaltando que a esfera central dedecisões é o município e que a maiorparte deles não está preparadatecnicamente para lidar com o tema).Chamam a atenção para o caso dasregiões metropolitanas, cujoplanejamento precisa ser maisintegrado, visto que as soluções paraampliar a mobilidade devem sertratadas pelo conjunto de municípiosque as constituem e pelo estadobrasileiro em que estão situadas.Inventariam as dimensões da frota

nacional e das infraestruturas detransportes coletivos, examinandooferta e demanda.

71. Ao se debruçarem sobre osefeitos do PAC, os autores revelamoutro dado estimulante: um impulsoinédito, ainda que insuficiente, naextensão da malha de metrô emmetrópoles brasileiras. As obras emandamento permitiam prever que, em2011, estariam em operação mais72km de linhas, em São Paulo, Rio,Brasília, Porto Alegre, Salvador eFortaleza. O equivalente a poucomais que o metrô de São Paulo(61,3km), destacadamente o maior doBrasil, em operação há 35 anos.

72. Em suas recomendaçõesfinais, porém, Ribeiro e Montedestacam que tal avanço é apenasum sinal de quanto é preciso agir,na garantia do direito à mobilidadeurbana. Propõem, para isso,

descontingenciar os dois fundos –os recursos da Cide e o Funset(Fundo Nacional de Segurançae Educação de Trânsito) – quedeveriam financiarpermanentemente ostransportes públicos. Mas osinvestimentos encontram-sebloqueados, em alguns casosdesde 1998, para ajudar a

compor o superávit primário epagar os juros da dívida pública. Osvalores desviados ultrapassam acasa de R$ 30 bilhões. Os autoressugerem empregar parte de talmontante na resolução de umdrama poucas vezes lembrado: odos 37 milhões de brasileiros (algocomo a população da Argentina)que, por falta de condiçõeseconômicas, estão impedidos deusar os transportes públicos.

73. Para garantir que osprogressos não se deem apenas emperíodos excepcionais, o documentosugere reservar, ao transportepúblico, parte dos orçamentos daUnião, estados e municípios. Ensaia-seum primeiro cálculo. Só conservação eexpansão do patrimônio viário(estimado em R$ 600 bilhões)consumiriam, se feitas de modoadequado, R$ 42 bilhões por ano.É apenas parte da conta: os próprios

A boa notícia é que há um impulso

inédito, ainda que insuficiente,

na extensão da malha brasileira

de metrô. Pelas obras em

andamento, preveem-se mais 72km

de linhas em operação em 2011.

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estimam que a sociedade investe emseus deslocamentos R$ 137 bilhões aoano (considerando-se tarifas,combustíveis e tributos). Se aperspectiva é enxergar a mobilidadecomo um direito de todos – não umamercadoria disponível aos quepossam pagar –, fica claro que oEstado precisa ampliar em muito suaparticipação. Quando se sabe como épreciso avançar em qualidade emodernidade das linhas; frequência,velocidade e conforto dos veículos;redução da emissão de poluentes;desenvolvimento tecnológico dossistemas, fica ainda mais clara aimportância de novas políticaspúblicas, e recursos que as financiem.

Garantir saúde epreservar o ambiente

74. Preservação do meioambiente é uma das quatroprioridades nacionais que serãoirrigadas com as receitas do pré-sal,segundo a nova proposta daPresidência da República para opetróleo brasileiro (completam o roleducação, ciência e tecnologia ecultura) . O fundo social queadministrará os recursos terá, em seuconselho, presença da sociedade civil.

Anunciada em 31 de agosto de 2009, apossível novidade está expressa noProjeto de Lei 5.940/09. Pode ser oinício de uma revisão histórica derumos. Em 500 anos de presença dacivilização ocidental no Brasil, nossoterritório – de exuberância e diversidadenatural incomuns – tem sido palco deepisódios dramáticos de devastação.

75. Não é uma particularidadebrasileira. A depredação ambiental écomum a praticamente todas asnações que passaram pelas fases deindustrialização e desenvolvimento.Mas, em nosso caso, há agravantes. Atendência persiste mesmo num tempoem que as sociedades passaram aapreciar – inclusive monetariamente– outros valores. Assume, em certaspartes do País (principalmente naAmazônia), contornos de selvageria.E atenta contra o futuro: se nãoformos capazes de bloquear, hoje, osinteresses imediatos e a devastaçãopor parte de alguns agenteseconômicos poderosos, poderemosprivar as futuras gerações do direito àágua, ao ar limpo e às oportunidadeseconômicas que nossa diversidadenatural proporciona. Por isso, apossibilidade de o cuidado ambientalser reconhecido como ponto urgente

da agenda política mereceria sersaudada com festa e mobilização.

76. Porque não bastam nem apromessa de dinheiro, nem a suaconcretização. A preservação danatureza não é feita, principalmente,com campanhas educativas, atosmidiáticos ou discursos estridentes.Exige, primeiro, examinar emprofundidade as lógicas sociais queempurram o ser humano a promover adevastação. Requer, em seguida,dissuadi-las – punindo diretamente aspráticas predatórias, quando é possível,ou tornando inviável a circulação dosprodutos que resultam delas. Mas isso ésempre fugaz quando não se oferecem,às populações envolvidas, alternativas àspráticas que se quer coibir. É a essaabordagem mais sofisticada que sededica a nota técnica sobre ambiente,preparada pelos engenheiros LuizEdmundo Horta Barbosa da Costa Leitee Carlos Monte para o Cresce Brasil II.

77. Leite e Monte estabelecem, deinício, os nexos históricos entre ataqueà natureza e relações sociais. Noperíodo da colonização, o Brasil era,para o sistema capitalista, um territóriode extração. Sua ocupação “foiimpulsionada pela busca predatóriados recursos existentes, sempre comuso de mão de obra escrava. A possedas terras do interior resultou de açõesde conquista, obedecendo aopredomínio da força”. Vem dessaépoca (e prosseguiu mais tarde com olatifúndio e o agronegócio) aliquidação quase completa da MataAtlântica – que ocupava 15% de nossoterritório, mas foi dizimada em 92,7%de sua área original.

78. No século XX, a transição dasociedade rural para o mundo urbanofoi feita em meio a enormedesigualdade, sem garantia de direitos

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sociais, livrando os capitais de controleambiental. A riqueza gerada pelaindústria provocou denso fluxomigratório interno. Mas, aoscontingentes que chegavam às cidades,restava compartilhar periferias semsaneamento, pressionando a natureza aoseu redor em busca de espaço,habituando-se a rios convertidos emesgotos e ao ar contaminado – tanto pelaindústria quanto, atualmente, pelopredomínio do automóvel.

79. Uma consciência ambientalvibrante surgiu nos últimos 30 anos.Mas, nas cidades, sua emergênciacoincide com as décadas perdidas e aqueda abrupta dos investimentospúblicos. A nota técnica revela que,depois de alguns avanços importantesentre os anos 70 e 90, os investimentosno saneamento urbano declinaram a umpatamar “muito aquém do necessáriopara a universalização do atendimento”.

80. Esse atraso começou a serrevertido em 2007, quando oLegislativo aprovou finalmente umnovo marco regulatório para osaneamento (Lei 7.361/06). Ele evita aprivatização do setor, estimula acriação de fundos de universalizaçãodos serviços públicos, institui aparticipação da sociedade civil noplanejamento da expansão deserviços. Reconhece e defende osdireitos dos consumidores. Leite eMonte ressaltam que essas decisõespermitiram, já no âmbito do PAC,uma retomada dos investimentos,agora em patamares inéditos. Atéabril de 2009, havia, em todo o País,217 projetos em andamento – com aparticularidade de beneficiarem emespecial as periferias das metrópoles.Os investimentos chegavama R$ 28,4 milhões, sem contaro desbloqueio dos financiamentosdiretos feitos pela Caixa Econômica

Federal a estados e municípios, comrecursos do FGTS (Fundo deGarantia por Tempo de Serviço).

81. A nota técnica do Cresce Brasilesboça alguns dos grandes projetosnacionais que poderiam reverternossa condição de sociedade comtendências a sabotar sua própriariqueza natural. É um convite àcapacidade de imaginação eplanejamento dos engenheirostambém nesse terreno. Leite e Montevislumbram, por exemplo, apossibilidade de desencadear nascidades um vasto plano de substituiçãodo automóvel por trens e metrôs,corredores de ônibus e mesmo carrosmovidos por combustíveis alternativosde alta tecnologia.

82. A universalização doabastecimento de água, coleta etratamento de esgoto é outra metaperfeitamente viável. Segundocálculos do Ipea, exige R$ 178milhões e pode ser feita em 20 anos.Para cumpri-la, a sociedade civilprecisaria reivindicar a destinaçãopermanente de R$ 9 bilhões por ano,no mínimo, ao projeto. É o dobro doque se gastou em 2004 e 2005. Mas arelação custo-benefício é irrecusável.Com esses recursos, asseguraremos,até 2030, o direito de todos a águalimpa e esgoto tratado. Tambémrecuperaremos os rios que cortam asmetrópoles – desmentindo tantonossa tendência a aceitá-los comopocilgas quanto a crença de que adespoluição só pode ser feita empaíses ricos. A providência teriareflexos muito positivos sobre osbiomas marinhos – em especial dosmanguezais e banhados, hojeduramente atingidos pela poluiçãodos cursos inferiores dos rios quechegam ao mar. Para completar aobra, deve-se financiar sistemas de

tratamento e destinação de lixourbano, vinculados obrigatoriamenteà educação ambiental e à reciclagem(inclusive, valorizando os catadores).

83. Visando garantir nossas fonteshídricas, os autores propõeminvestimentos na preservação e usosustentável do Aquífero Guarani.Estão lá os mananciais que podem,num futuro não distante, fazer doBrasil um país com abastecimentofarto de um bem raro e precioso. Nocurto prazo, é preciso assegurar apreservação das nascentes dos rios,partir para a recuperação das matasciliares, reverter o assoreamento debacias como a do São Francisco. Sãoobras de custo relativamente baixo eque absorvem intensivamente mão deobra local. No Nordeste, com asmesmas vantagens, deve-se fazer arecuperação de açudes e barragens,construção multiplicada de cisternas etransposição entre as bacias doTocantins e São Francisco, emquantidades que não causem prejuízoaos usos atuais das águas.

Democratizar as comunicações

84. Em janeiro de 2009, às vésperasdo Fórum Social Mundial, o Palácio doPlanalto anunciou, finalmente, aconvocação da I Confecom (ConferênciaNacional de Comunicação). Antigareivindicação dos que lutam parademocratizar a atividade, a iniciativa foiadiada seguidas vezes. Quando ocorrer –

A universalização do abastecimento

de água, coleta e tratamento de

esgoto é outra meta perfeitamente

viável. Segundo cálculos

do lpea, exige R$ 178 milhões

e pode ser feita em 20 anos.

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em Brasília, entre 1º e 3 de dezembrodeste ano –, o evento estará sobinfluência de um cenário de mudançastecnológicas, definições políticas ereivindicações sociais.

85. A nota técnica a respeito doassunto que compõe o Cresce Brasil II éuma contribuição do professor MarcosDantas. Estudioso do tema há algumasdécadas, ativista em favor do direito àcomunicação e também dodesenvolvimento científico do País, oautor foi capaz de expressar, em seudocumento, as duas faces. Ele enxerganas novas tecnologias um meio deuniversalizar o acesso à Internet e odireito de produzir e publicar conteúdos.E identifica, também, uma oportunidaderara para a engenharia brasileira.

86. Estão em vias de ser tomadas,explica Dantas, quatro decisõespolíticas que marcarão o setor porlongo período. Seus sentidospermanecem em disputa. Se houvermobilização social – inclusive comvistas à Confecom –, será possívelconstruir um sistema decomunicações muito maisdemocrático, participativo ehorizontal. Ao mesmo tempo, estaráaberto caminho para reverter a forteestagnação tecnológica e industrialque marcou o setor no Brasil, desde aprivatização da Telebrás. São elas: a)a definição das regras para os SACs(Serviços de Acesso Condicionado) àcomunicação; b) a consolidação daTV digital aberta, com perspectivareal de incorporação de programaçãogerada por produtores de conteúdobrasileiros, e possíveldesenvolvimento de um sistema deinteração nacional; c) a instalação deanéis ópticos num grande número decidades brasileiras, beneficiando agrande maioria dos usuários detelefonia, Internet e TV; d) a extensão

do acesso público e gratuito à Internetde banda larga, que se constituirá noque poderá ser denominada a“Internet para todos”.

87. SAC é um termo novo. Surgiuda disputa, relativamente conhecida,entre empresas de telefonia celular –interessadas no mercado de TV a cabo– e companhias que hoje habitam osetor, e resistem à entrada deconcorrentes em geral mais poderosos.A matéria foi levada ao CongressoNacional, no qual tramita comoProjeto de Lei 29. Mas o relator,deputado Jorge Bittar (PT-RJ), incluiuno conceito SAC a TV por assinaturae a difusão de conteúdos (vídeos,áudios, jogos) por telefonia celular –que viverá enorme expansão, nospróximos anos. E está propondonormas para exigir das operadoras quedistribuem conteúdo (seja via TV a

cabo ou celular) a inclusão deproduções brasileiras. Se aprovada, aproposta permitirá que dezenas demilhões de consumidores tenhamacesso a uma programação muito maisdiversa. E propiciará, a centenas oumilhares de produtoras nacionais,alcançarem um públicoincomparavelmente maior que o atual.

88. Uma abertura semelhante podese dar no universo da TV públicadigital. Embora o sistema escolhidopara digitalização seja o japonês,adotou-se, como conversor de sinais, oGinga, desenvolvido pelo TeleMídia,um laboratório ligado à PUC-Rio(Pontifícia Universidade Católica doRio de Janeiro). Ao contrário de seusconcorrentes, ele possui um conjuntoavançado de recursos de interatividadee também facilita a difusão de múltiplosconteúdos. A concentração hojeexistente pode ser rompida, portanto,também na TV aberta.

89. É nos dois últimos pontos emdebate que democratização edesenvolvimento tecnológicoautônomo encontram-se. Por decisãoda Anatel (Agência Nacional deTelecomunicações), todas as cidadesbrasileiras com mais de 30 milhabitantes passarão a contar, nospróximos anos, com anéis ópticos.Significará a substituição completa darede de telefonia hoje existente poruma infraestrutura de banda larga –pela qual, é claro, poderão trafegartambém Internet e TV. A mudançaexige investimentos de R$ 13,3 bilhões.Dantas explica que, além de enormevolume de encomendas deequipamentos para a indústriabrasileira, ela pode gerar, para aengenharia, uma mobilização “similar àque foi feita pela Embratel, entre 1965e 1975, para interligar todo o Brasilatravés de troncos de micro-ondas”.

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A rede de anéis ópticos criará

condições para que se adote,

por decisão política,

a universalização da lnternet

em banda larga, democratizando

o acesso à educação e à cultura.

É perfeitamente razoável reivindicar,para as companhias e profissionaisbrasileiros, a parcela dominante dospostos de trabalho gerados. Isso podeser feito, por exemplo, por meio denorma técnica condicionando o uso dosrecursos do BNDES e do Fust (Fundode Universalização dos Serviços deTelecomunicações). O que obrigaráempresas transnacionais a trazeremescritórios de projeto ao Brasil, ou acontratar no País – reconstituindo, comisso, o parque nacional de engenharia.

90. A rede de anéis ópticos criarácondições para que se adote, pordecisão política, a universalização daInternet em banda larga. Trata-se dealgo já alcançado em algumas cidadesbrasileiras – nas quais se assegurou,inclusive, o acesso gratuito. Nessecaso, a democratização serámuito mais profunda, gerandoenormes sinergias nos terrenosda comunicação e da autonomiatecnológicas. Além de serpotencial substituta de todas asmídias anteriores (TV, rádio,jornais), a Internet permite a cadausuário produzir (e não apenasconsumir) conteúdos. O Brasil éreconhecido internacionalmentepela alta criatividade e talento no usodas ferramentas de produção, trocade vídeo, áudio, textos, mensagensinstantâneas. Alcançada numa faseem que o acesso à banda larga aindaestá restrito a cerca de 20 milhões depessoas, essa reputação significa apossibilidade de revolucionar osfluxos e sentidos do que conhecemoshoje por comunicações.

91. Ao invés de um processovertical de mão única, em queconteúdos muito pouco diversos sãoconsumidos por usuários passivos, elapassaria, aos poucos a ser de fato umarede – na qual toda a produção

simbólica (notícias, análises, ficções ejogos, em texto escrito, vídeo ouáudio) seria compartilhada pormilhões de “prossumidores”(produtores e consumidores deconteúdo). Parte desses conteúdoscirculará de forma não mercantil, nastrocas par a par. Outra abrirá espaçopara novos modelos de negócio.Vídeos de produtoras independentes,por exemplo, poderão trafegar na TVaberta, por cabo ou nos celulares.

92. O trabalho de Marcos Dantasaponta que as oportunidades dedesenvolvimento tecnológico abertasnão se limitam à implantação dosanéis ópticos. Mas é preciso tomar asdecisões corretas. Desde aprivatização, o BNDES irrigou oconjunto das empresas de

telecomunicações com R$ 13 bilhõesem empréstimos. Essesfinanciamentos precisam servinculados a exigências deinvestimentos em pesquisa etecnologia no País. Outra brecha poderia favorecer a indústria deequipamentos para registro deimagem, recepção e transmissão decanais de TV. O enorme parque deconsumidores existente no Brasilpermitirá negociar, com osfabricantes, a instalação de ao menosparte da cadeia produtiva nacional –ao invés da importação ou meramontagem de componentes,que hoje prevalece.

93. A nota técnica chega a sugerirestratégias para a ação estatal. Umainiciativa de emergência seriadesbloquear dois fundos quedeveriam servir ao desenvolvimentodo setor. Fust e Funttel (Fundo parao Desenvolvimento Tecnológico dasComunicações) acumularam recursossuperiores a R$ 6 bilhões. Encontram-secontingenciados, sempre no esforçode gerar superávit primário e serviraos rentistas. Sua liberação,condicionada ao desenvolvimento daindústria e da engenharia nacionaisligadas ao setor, permitiria umaprimeira (e rápida) reativação.

94. Um plano de ação de longoprazo poderia incluir o uso daconcessionária Oi como alavancapara as mudanças. Graças a

financiamento público, aempresa absorveu a BrasilTelecom neste ano. Foi ummovimento importante,considera Dantas, porquepermitiu a formação de umgrupo brasileiro em condiçõesde concorrer e investir. Masfalta exigir, como contrapartida,participação na recuperação daindústria e desenvolvimento

nacionais. Com um volume decompras em torno de R$ 4 bilhõesao ano, a empresa só aloca hoje, àtecnologia nacional, R$ 100 milhões.

95. A nota termina com umconvite à presença dos engenheirosna Confecom. Seria, é claro, umaforma de reforçar um movimentodemocratizador que, como se viu, teráenorme importância para a construçãode uma sociedade mais justa. Mas,além disso, essa participaçãoampliaria a agenda e a pauta daConferência. E permitiria estabeleceruma aliança social para resgatar aengenharia ligada às comunicações.

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96. A formulação concreta depropostas pelo Cresce Brasil vai muitoalém dos temas ligados àinfraestrutura. Em torno deles, existe,conforme se acabou de ver, um vastocírculo de oportunidades que precisaser aproveitado pelo Brasil. Alémdisso, nesses temas, a capacidade deintervenção da engenharia é notória.Mas o papel de um movimento nãocorporativista é debater o amploleque de questões que dizem respeitoao futuro coletivo do País.

97. Trata-se de uma obrigação e,ao mesmo tempo, de um desafioprazeroso. Um segundo conjunto denotas temáticas permite, como severá, examinar em profundidade econtribuir com a busca de soluçõespara quatro assuntos de grandeatualidade e relevância: Amazônia,agronegócio, ciência e tecnologia euniversidade. Por fim, uma inovação.Em sua segunda versão, CresceBrasil apresenta uma proposta inicialpara a construção, em nosso país, deuma rede de iniciativas e instituiçõesligadas ao que chamamos deengenharia pública.

A floresta como solução

98. O debate sobre Amazônia éaberto por uma contribuição especial.O economista Ignacy Sachs,considerado um dos pais daecossocioeconomia e respeitadointernacionalmente por sua erudiçãoe capacidade de análise, redigiu, no

ano passado, um paper inovador eprovocativo sobre a região e seufuturo. Por sua qualidade excepcional,o documento foi adotado por CresceBrasil, com aprovação do autor.

99. Denso, revelador de umconhecimento profundo tanto sobre osdados amazônicos quanto sobre osestudos publicados por outros autores,o documento de Sachs tem comocaracterística principal, contudo,algumas formulações originais. Aprimeira está expressa já no início dotexto. Para o economista, é precisosuperar rapidamente a noção –repisada todos os dias no noticiáriodos jornais – segundo a qual aAmazônia é um grande problemabrasileiro, quase um estorvo ou ummotivo para nos envergonharmosdiante da comunidade internacional.Essa postura defensiva, afirma o autor,

tem nos impedido de enxergar –concretamente, não como nas visõesidílicas do passado – as enormessoluções que a região pode oferecer,tanto ao Brasil quanto ao mundo.

100. A partir dessa premissa,Sachs enuncia o sentido geral de suaproposta. Ele crê numa Amazôniatransformada em laboratório, emescala global, de biocivilizações dofuturo. Trata-se de uma polêmica comaqueles (principalmente setores doambientalismo tradicional) quedesejariam ver a região como umaespécie de reserva intocável dabiosfera, o mais protegida possível daintervenção humana. Não, frisa otexto, “para preservar a Amazônia, épreciso tocá-la”. Cerca de 25 milhõesde pessoas já habitam a região – eserão provavelmente 50 milhões, até2030. Embora trate-se da floresta

Amazônia, agronegócio,C, T & l e educaçãoUm mundo de oportunidades abre-se ao País, mas há desafios a serem enfrentados

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Projetos inovadores e viáveis para

a Amazônia podem estimular a

extração sustentável, a piscicultura,

o turismo ecológico, além de

empreendimentos industriais que

agreguem valor às matérias-primas.

tropical mais preservada do planeta(80% da cobertura original estáintacta), as áreas devastadascorrespondem a cerca de 1 milhãode km2, algo em torno de uma Françae meia. O desafio não está, portanto,em voltar as costas a essa população,nem considerá-la inimiga. Mas eminverter as lógicas atuais, que aempurram contra a floresta –inclusive assegurando, no mais curtoprazo possível, o desmatamento zero–, e substituí-las por outras, quepermitam viver com dignidade, emsinergia com a natureza.

101. A possibilidade da novabiocivilização, explica Sachs, é dadapor uma transição histórica inevitável.Com o esgotamento do petróleo, quedeverá ocorrer nas próximas décadas,nossas sociedades terão de fechar obreve hiato (cerca de 300 anos) emque o desenvolvimento foiimpulsionado por combustíveisfósseis. Já estão presentes os primeirossinais de uma nova fase de uso intensodas biomassas. Além de alimentos, oscultivos agrícolas produzirãocombustíveis e matérias-primasindustriais (tanto para a petroquímicaquanto a usos mais sofisticados eagregadores de conhecimento, comoa produção de medicamentos ecosméticos). Certas peculiaridades daAmazônia – daí o caráter delaboratório – a credenciam para serum espaço pioneiro de aplicaçãodessa tendência. Água, solos e luzsolar são abundantes. A diversidadebiológica é a mais vasta da biosfera.As populações que a habitamacumularam, ao longo de séculos, umconjunto de noções sobre seus usos ecomo manejá-la.

102. Não se trata de uma fantasia.Ao longo do paper, o economista vaidesfiando, sempre amparado em

dados muito específicos, um amploleque de possibilidades. Nas regiões jádevastadas, diz ele, a agricultura podeproduzir, de modo sustentável, tantobiocombustíveis quanto alimentos.Um exemplo é o cultivo de dendê,para o qual estão aptos 20 milhões dehectares. O dendê pode gerar umaocupação permanente a cada dezhectares. E se estiver associado aoutras iniciativas, como o sistema Pais(Produção Agroecológica IntegradaSustentável), desenvolvido pelaEmbrapa (Empresa Brasileira dePesquisa Agropecuária), as famíliasenvolvidas terão oportunidades deoutras atividades agropastoris, tantopara autoconsumo quanto paramercado e geração de renda.

103. Projetos igualmenteinovadores e viáveis podem estimulara extração sustentável (já praticada eminúmeras comunidades, mas aindasem os estímulos necessários); apiscicultura (inclusive comalimentação dos peixes com produtosgerados na floresta); o turismoecológico (para o qual há o precedentebem-sucedido do Rio Nilo).

104. Também a indústria é viável,aponta o documento, desde que seinverta a perspectiva hoje vigente. Nãose trata de importar componentes dooutro lado do mundo e montá-los, amilhares de quilômetros dos centrosconsumidores (como se faz na ZonaFranca de Manaus). E, sim, deprocessar, de forma limpa, as própriasmatérias-primas da floresta (essências,óleos, fibras, carnes), transformando-asem produtos de muito maior valoragregado, e inverter o modelo atual,utilizando a estrutura da zona francapara exportá-los.

105. Se tais soluções são tãonaturais, por que a Amazônia

permanece uma área de devastaçãoacelerada e produção concentrada debens primários de baixo valor – ou naindústria de Manaus, que gera umvultoso déficit comercial? Em parteigualmente rica e criativa do trabalho,Sachs debate as políticas que seriamnecessárias para romper a inércia doimediatismo e transitar para um novoprojeto. Como medidas de fundo, eleaponta a regularização fundiária e ozoneamento econômico-ecológico. Aprimeira é indispensável pararesponsabilizar os proprietários,

superando a noção de “terras deninguém”. O segundo permitereconhecer que não há, em5,2 milhões de km2 (considerandoapenas a Amazônia brasileira), umaregião uniforme, mas várias muitodistintas entre si (o geógrafo AzizAb’Saber, citado no estudo, fala em23 “células espaciais”). Quanto aoclima, vegetação, relevo, presençahumana e potencialidades econômicas.

106. A certificação socioambientalpode oferecer, a empresas,consumidores finais e principalmentegovernos, a possibilidade de incentivaros produtos sustentáveis da floresta esufocar as atividades que a devastam.A discriminação positiva dospequenos produtores é indispensável.Só por meio dela pode-se evitar quemesmo uma produçãoecologicamente sustentável seja

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Políticas adequadas devem apoiar

os produtores, reconhecendo e

contrabalançando as incertezas e

riscos inerentes a sua atividade. Em

contrapartida, parte da riqueza

pode ser redistribuída.

desumana, do ponto de vista social.Uma primeira medida é a oferta deterras por meio de reforma agrária,regularização fundiária oucolonização. Mas ela deve sercompletada pela oferta de crédito econhecimento. Significa capacitação eassistência técnica na implantação denovos sistemas agroflorestais; acesso atecnologia para produção integrada debiocombustíveis e alimentos;equipamentos; acesso a mercados(inclusive institucionais, como o damerenda escolar). Esse conjunto debenefícios serve de controleefetivo contra a devastação: acontrapartida a eles é o respeitorigoroso a padrões de sustentabilidade.

107. Um capítulo especial dotexto de Sachs é dedicado à pesquisacientífica e tecnológica. Ele frisa queuma vasta mudança nos padrões deocupação humana da Amazôniaexigirá intensa pesquisa científica etecnológica. Lamenta que estejamem atividade, na região, 4,8% doscursos de graduação e pós-graduaçãoexistentes no País. Propõe umengenhoso esquema para canalizar,para a pesquisa científica, recursosde US$ 10 bilhões ao ano,provenientes de recursos públicos ecooperação internacionais.

108. A resolução do nóamazônico, lembra Sachs em certotrecho de seu documento, poderá seruma contribuição original brasileira

ao grande problema do aquecimentoglobal. “Somos todos amazônidas, jáque o futuro da nossa espécie sobre oplaneta Terra vai depender em boamedida do destino que será dado àfloresta, grande dispensadora declimas e reguladora do regimehídrico, além de deter umariquíssima variedade.”

A importância doagronegócio

109. Assim como a primeiraversão de Cresce Brasil, esta segundatambém dá atenção especial ao temado agronegócio. Tratado muitas vezescom preconceito, seudesenvolvimento não significa,necessariamente, retorno do País àcondição de exportador primário.Políticas adequadas devem apoiar osprodutores, reconhecendo econtrabalançando as incertezas eriscos inerentes a sua atividade. Emcontrapartida, parte da riqueza poreles apropriada (para cuja realizaçãoconcorrem bens comuns, como aágua e a luz solar) pode serredistribuída – na forma de tributosque financiem objetivos que o Brasilentenda serem consensuais. E certas

aberrações, como relações detrabalho semiescravo ou pressão paraestender a fronteira agrícola sobreáreas de floresta, precisam serduramente coibidas.

110. Preparada pelo engenheiroPaulo Cruvinel, a nova nota técnicasobre o tema é uma base riquíssimade informações articuladas,imprescindível para pensar medidaspara o setor. Em seu início, o autordestaca a importância crescente que aprodução agrícola desempenhou, nosúltimos anos, para o surgimento deum ambiente macroeconômico meiosujeito a instabilidades. Isso se deupor dois caminhos. O mais conhecidoé a participação crescente dascommodities agrícolas nas exportaçõese na geração de superávits comerciais.

111. Favorecida pelo aumentoconsistente do consumo de alimentos,nos últimos 15 anos, a tendênciaexacerbou-se em 2007. Naquele ano,o superávit gerado pelos produtosagrícolas (US$ 49,7 bilhões) foisuperior ao de toda a economiabrasileira (US$ 40 bilhões). Todos osdemais setores, portanto, produziramum déficit de US$ 9,7 bilhões, só

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transformado num resultado positivoe importante graças ao papel docampo. À mesma época, o Brasilhavia se tornado o principalexportador mundial de suco delaranja (81% do total), carne de frango(35%), açúcar (33%), café (30%),tabaco (27%), carne bovina (24%) eetanol (13%). Essa dianteira podeacentuar-se ainda mais, nos próximosanos, se forem incorporados àatividade agrícola cerca de 80milhões de hectares do cerrado – oque praticamente dobraria nossa áreaagricultável, hoje em 100 milhões dehectares. Tudo isso pode ser feito semavançar um milímetro sobre afloresta amazônica, queabrange cerca de 47% doterritório nacional.

112. Mas as conquistastecnológicas que garantiram oaumento da produção nãorenderam bons resultadosapenas na contabilidade docomércio exterior. Elas setraduziram num acréscimosustentado, e poucas vezes vistoantes, do consumo interno dealimentos e da redução da pobreza.A produção nacional de grãos, porexemplo, expandiu-se em 106,7%nos últimos 15 anos.

113. Cruvinel sai em busca dosfatores desse impressionante avanço,para evitar que se perca no futuro.Revela que ele está relacionado àspesquisas da Embrapa, coordenadorado SNPA (Sistema Nacional dePesquisa Agropecuária) – no qual seenvolveram também universidades,organizações estaduais de pesquisa eoutras instituições. Foi graças a talesforço tecnológico que se tornarampossíveis tanto a ocupação do cerrado(o espaço onde a fronteira agrícolaainda pode se expandir) quanto

ganhos importantes de produtividade.Mantê-lo, encerrando definitivamenteo processo de desmonte imposto àEmbrapa nos anos 90, é umaprimeira providência indispensável.

114. Os riscos inerentes ao setor,em que os empreendedoresmobilizam recursos antecipadamente,mas dependem, para ter êxito, defatores que não controlam (comosecas, inundações e oscilações nosmercados de produtos), requeremcompensações de políticas públicas.A nota técnica revela uma novidade.Entre tais políticas, a importância do

crédito suplantou, há algum tempo, ados preços mínimos. Por um lado, oaumento dos custos de produção tornacada vez mais necessário contar comrespaldo financeiro antes das colheitas.Entre as safras de 1999/2000 ede 2003/2004, o volume deempréstimos cresceu de R$ 21,4bilhões para R$ 39,9 bilhões. Poroutro, a alta internacional dascommodities agrícolas tornapraticamente desnecessário o piso deremuneração oferecido pelo Estado.

115. Outro dado significativo: entre2003 e 2006, destaca Cruvinel, houvesubstancial expansão da área destinadaaos assentamentos rurais da reformaagrária. Passou-se de 8 milhões dehectares, no quadriênio anterior, para22,4 milhões de hectares. Não se trataapenas, como pensam alguns, de

medidas de cunho social. Já em 2003,segundo os dados do autor, aagricultura de base familiarrepresentava pouco mais de 10% doPIB (o agronegócio como um todorespondia por 26%). E, seconsiderados produtos isolados, apresença era ainda mais importante:no mesmo ano, a agricultura familiarrespondia por 40,6% da produção decarne. O prosseguimento da reformaagrária – principalmente se associadoa políticas de incentivo inovadoras,como as propostas por Ignacy Sachspara a Amazônia – pode permitir que,além de produtores significativos, os

agricultores familiaresdesempenhem diversos papéissociais e ambientais.

116. Cruvinel aborda, porfim, a expansão do plantio detransgênicos. Em sequência adiversas medidas liberalizantes,mostra ele, a produçãobrasileira de gêneros derivadosdessas sementes cresceu

rapidamente. A área plantada jáatingia, em 2006, 11,5 milhões dehectares – a terceira maior, abaixoapenas dos Estados Unidos e daArgentina. A Lei de Biossegurançagarantiu os direitos do consumidor,ao exigir a rotulagem e manter odireito de ingerir (ou não) alimentosmodificados geneticamente. Mas,finalizava o autor, “emergiram,paralelamente ao crescimento da áreaplantada, questões e preocupaçõesrelativas com a esfera ambiental”.

Avanço tecnológico

117. Destacado de forma explícitanos textos de Ignacy Sachs e MarcosDantas, presente de diversas outrasmaneiras em várias notas, o tema dodesenvolvimento científico e tecnológicoé, evidentemente, um gargalo para o

O aumento da produção graças

à tecnologia não rendeu bons

resultados apenas na balança

comercial. Traduziu-se em maior

consumo interno de alimentos

e na redução da pobreza.

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crescimento autônomo e consciente doBrasil. Ao longo dos séculos, acolonialidade nos levava a enxergar nooutro o superior a nós; o que é evoluídoe deve, portanto, ser copiado. Alémdisso, nossa industrialização foifortemente condicionada, nas décadasde avanço rápido, entre 1950 e 1980,pela presença de empresastransnacionais, nos setores de ponta.Elas limitavam-se a realizar aqui apenasa parte adaptativa, ou cosmética, de suaprodução. Esses fatores resultaramnuma atrofia de nossa pesquisacientífica e tecnológica.

118. Num instante em que surgemoportunidades para um avanço deoutro tipo, o déficit assume a forma deum obstáculo espinhoso. Comodesenvolver produtos, serviços emétodos que estejam em sintonia comnossas particularidades culturais,geográficas, ambientais,antropológicas? Como derivar, denossas visões de mundo, pesquisascientíficas que alterem e alarguem oconhecimento humano? Esses são osdesafios para os quais busca resposta oengenheiro Marco Aurélio CabralPinto, autor da nota técnica dedicada aciência, tecnologia e engenharia noCresce Brasil. Redigida antes de o

governo defender o uso dos recursosdo pré-sal também para C, T & I, otrabalho antecipa essa proposta e éuma excelente pista sobre algumas dasações em que ela pode se desdobrar.

119. Multidisciplinar (além deengenheiro do BNDES, o autor éprofessor adjunto da Escola deEngenharia da UFRJ – UniversidadeFederal do Rio de Janeiro e daFaculdade de Economia do Ibmec-RJ),profundo e detalhado, o documentoparte de uma análise inovadora sobreos desdobramentos da crise financeiraque vivemos. Vislumbra umaoportunidade para ampliar adescolonização que marcou o planetanas duas últimas décadas. Partes daantiga “periferia”, Brasil, China eÍndia tenderiam a se recuperar muitomais rapidamente que EstadosUnidos, Europa e Japão.Embora registre crescimento do PIBinferior ao chinês, o Brasil teria alongo prazo, como vantagem, aexistência de uma democracia joveme participativa, “que aprendeu com oserros cometidos por centralização dopoder em passado recente”.

120. Como, então, estimular umdesenvolvimento científico e

tecnológico que potencialize essacondição privilegiada? Cabral Pintopropõe uma estratégia apoiada emtrês ações essenciais. Sua sabedoriaparece estar na articulação e criaçãode sinergias entre três grandestendências brasileiras: os objetivosnacionais que galvanizam atenção eapoio da sociedade; o viés depesquisa dos pequenos e médiosempreendedores; e a criatividade einiciativa das comunidadesenvolvidas em projetos pioneiros dedesenvolvimento alternativo.

121. Nessa lógica, a primeirainiciativa proposta pela nota técnica épreparar nossas instituições depesquisa para contribuir (e sepotencializar) com o enormemovimento econômico a ser geradopara realizar dois grandes objetivosnacionais: pré-sal e Amazônia.Ambos mobilizarão as cadeiasprodutivas tradicionais e as associadasà nova indústria da biotecnologia,tecnologia digital e nanotecnologia. Opré-sal exigirá infraestruturaaeronaval integrada ao longo dolitoral; cadeias produtivas(fornecedores de partes, peças,componentes e serviços) comcapacidade de projeto e montagemno Brasil; enfrentamento, com basena renda petroleira, de diversospassivos brasileiros – entre eles, osocioeducacional. Só atuandodiretamente no setor petrolífero,estima Cabral Pinto, serão necessáriosaté 170 mil profissionais qualificados.

122. Já na Amazônia, a notatécnica parece trabalhar com umaperspectiva semelhante à prioridadeao meio ambiente, anunciada peloPresidente da República em 31 deagosto de 2009. Uma ação séria decombate ao desmatamento exigirá, dapesquisa científica e tecnológica,

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ferramentas para ações dissuasivas(com a rastreabilidade das reses e docarvoejamento para fabricação doferro-gusa; a geração e oprocessamento de imagensgeorreferenciadas, o desenvolvimentode radares, lançadores e satélites). Jáo apoio a atividades sustentáveis nãopode prescindir de desenvolvimentocientífico-tecnológico que incluaatração de cérebrosinternacionalmente reconhecidos;garantia de excelência nos ensinosfundamental e médio de localidadesselecionadas para projetos; esforçoconcentrado para formação decientistas empreendedores nasuniversidades da região; destinaçãode recursos não reembolsáveis para aformação de uma “nova indústria”.

123. A segunda ação essencialseria implantar um programabrasileiro para apoio a Pebts (PequenasEmpresas de Base Tecnológica).Consistiria em alterar as bases domodelo que esteve em voga nas duasúltimas décadas no Brasil: atransposição – quase mecânica e deresultados modestos e erráticos – dasexperiências do Vale do Silício, nosEstados Unidos. Surgiu um númeroimportante de incubadorascientífico-tecnológicas, próximas àsuniversidades. Passaram de duas(em 1988) para 74 (em 1998) e 400(em 2007). Mas o mercado de capitaisde risco, que nos EUA as irrigou epermitiu que tivessem condições paracriar, no Brasil é incipiente e conservador.

124. Um modelo brasileirobem-sucedido deveria reconhecer queo mercado não é capaz de promovera coordenação entre os desafiostecnológicos das grandes empresas eos planos de negócios das Pebts.Caberia ao Estado ordenar, emparceria com companhias de porte,

prioridades tecnológicas em torno dasquais as incubadoras seriamestimuladas a desenvolver e venderprodutos. Tal esforço pode se dar pormeio de mapeamentos (dos desafiostecnológicos, das competênciasdisponíveis para resolvê-los, daspossibilidades da contratação depequenos fornecedores porcorporações maiores). O BNDES e aFinep (Financiadora de Estudos eProjetos) proveriam, por meio deeditais, recursos não reembolsáveispara incubadoras de projetos eempresas selecionadas. Seria possível,dessa forma, multiplicar e fortaleceriniciativas de pesquisa edesenvolvimento – inclusive voltadasaos desafios do pré-sal e dasustentabilidade florestal na Amazônia.

125. Um terceiro conjunto de açõespara ciência, tecnologia & inovação,sugere a nota técnica, deveria ter pornúcleo o que o autor chama de“estruturas sociais centradas noterritório”. Ele explica. A partirde 2003, o Estado iniciou, ouampliou, o estímulo a certasiniciativas autônomas e locais dasociedade civil, constituídas em tornode distintos objetivos. Os Territóriosda Cidadania promovem aarticulação de comunidades rurais,nas regiões mais desfavorecidas, parauniversalizar programas básicos decidadania. Há 120 em atividade – amaior parte no Norte e Nordeste.Cada um deles abrange um conjuntode municípios com característicasgeográficas, econômicas e ambientaissemelhantes, além de coesão culturale geográfica. Os Pontos de Cultura,mais específicos e numerosos(eram 800 no início do ano e devemser 2 mil até o final de 2009)nucleiam um grupo social em tornode um projeto cultural qualquer: daprática do maracatu, ou do bordado

artesanal, à criação de uma WebTVou uma rede de blogs. Partem deiniciativas já existentes, que secredenciam por meio de editais efirmam convênio com o Ministério daCultura. Os Comitês de BaciasHidrográficas, criados pela Lei 7.663/91,são tripartites (prefeituras, órgãosestaduais e sociedade civil), formadospara tomar decisões que influenciemna melhora da qualidade de vida e nodesenvolvimento sustentado darespectiva bacia. Por isso, há quem oschame de “parlamentos das águas”.

126. Essas instituições inovadoras,acredita Cabral Pinto, reúnem diversascaracterísticas favoráveis aodesenvolvimento da C, T & I. Sãopolos de articulação da sociedade civile repertórios de saberes – tantotradicionais quanto ligados a novastecnologias (da informação, porexemplo). Estão em contato com asrealidades, problemas e reivindicaçõeslocais. Permitiriam explorar múltiplosconhecimentos e experiênciasdisponíveis no País, ao mesmo tempoem que aproximariam a comunidadebrasileira de ciência e tecnologia dosproblemas enfrentados fora dosgrandes centros urbanos.

127. A crise financeira, conclui emsíntese a nota, pode ser favorável àsantigas periferias do planeta e aoBrasil. Mas os desafios são complexos.Por um lado, devemos conquistarautonomia na produção de

Uma ação essencial seria implantar

um programa de apoio a Pequenas

Empresas de Base Tecnológica.

Consistiria em alterar as bases do

modelo de mera transposição das

experiências do Vale do Silício.

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conhecimento ligado ao padrãoindustrial vigente. Por outro, criarcadeias produtivas associadas ao novoparadigma – em que se imbricamtecnologia digital, biotecnologia enanotecnologia –, que transfere ocentro da produção de riquezas para oimaterial. No novo cenário, a C, T & Ibrasileira poderá desempenhar umpapel central, deslocando-se daposição sempre secundária a que arelegou nossa condição de economiasubalterna. Para isso, será precisoaproveitar o impulso a ser geradopelas necessidades do pré-sal e de umnovo padrão de desenvolvimento paraa Amazônia; espalhar pelo territórionacional (inclusive as regiões Norte eNordeste) pequenas empresas de basetecnológica e capital nacional; epromover intenso intercâmbio cominstituições e práticas sociais queexpressam a emergência de novossujeitos, relações com o Estado eformas de democracia.

Os engenheiros queo Brasil precisa

128. A busca de autonomiatecnológica, tão crucial para engendrarum desenvolvimento de novo tipo,

levou o Cresce Brasil a encomendar umanota técnica adicional. De autoria doengenheiro e professor José RobertoCardoso, ela trata especificamente dauniversidade: como resgatá-la da “torrede marfim” em que às vezes pareceadormecida e aproximá-la mais dasnecessidades do País no terreno dainovação? Em seu estudo, Cardosochega a um diagnóstico curioso e auma proposta instigante. Eleidentifica, como causas dodistanciamento entre a academia e aprodução, não apenas o velhoacademicismo, mas também aresistência das empresas a investiremna criação autônoma. E sugere quese institua um novo sistema depós-graduação, em paralelo ao atual.

129. O trabalho resgata dadosmuito relevantes. O País atingiu, doponto de vista acadêmico, algumasmarcas importantes. Em 2008,autores brasileiros publicaram maisde 16 mil artigos científicos emrevistas internacionais conceituadas.Esse esforço nos colocou na oitavaposição no ranking da difusão denovos conhecimentos. Estamosmuito abaixo dos EUA, responsáveispor 33% das publicações científicas

no planeta. Mas nossa participação,de 2%, fica um pouco mais próxima,por exemplo, da dos alemães, nasegunda colocação, com 8%.

130. Essa classificação razoável nãose traduz, porém, em desenvolvimentotecnológico. Cardoso traz ao debate atendência exagerada de nossospós-graduandos a permanecer naacademia. Nos países desenvolvidos,informa em seu texto, 70% dosdoutores dirigem-se ao setor produtivo,após a titulação. No Brasil, prevalece ooposto. Uma análise do Centro deGestão e Estudos Estratégicos doMinistério da Ciência e Tecnologiarevelou que, entre cerca de 1.500doutores em engenharia titulados em2007, apenas 310 (20,6%) optaram pelaindústria de transformação.

131. Tais números expressam adificuldade de superar uma fase quefoi importante no desenvolvimentocientífico do País, mas já deveria terse encerrado. O sistema brasileiro depós-graduação foi organizado no finalda década de 60 com o objetivoprincipal de assegurar a qualidade dasuniversidades públicas, que viviamum processo de rápida expansão. Osresultados apareceram: o alto nível denosso ensino superior público é umaconquista estratégica. Mas se criou oparadigma segundo o qual o bomprograma de pós-graduação é aquelecapaz de formar professores universitários.

132. O estudo de Cardoso chamaatenção para a outra ponta, em geralmenos debatida, do problema. O setorprodutivo resiste a atrair ospós-graduados. Seu foco está nosprofissionais recém-formados. Essapostura tem a ver, é claro, com aprópria dependência tecnológica. Ahegemonia do capital estrangeiro emnosso processo de desenvolvimento

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+ENGENHARIA+DESENVOLVIMENTO

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A conquista da engenharia públicaLei da assistência técnica contempla projeto antigo e deve ser colocada em prática

137. O último capítulo do CresceBrasil, em sua versão 2009, tem umtom distinto de todos os demais. Odocumento tratou, até aqui, deesperanças e visões de futuro.Agora, já não se trata disso, mas derealidades. Redigida pelo

engenheiro Carlos Augusto RamosKirchner, a nota técnica que fecha oCresce Brasil narra o surgimento daengenharia e arquitetura públicas noPaís. Foi um plano alimentadodurante anos. Os que o cultivaramtiveram a ousadia de torná-lo

público, formularam propostas,identificaram parceiros,conquistaram aliados. Perceberamque as transformações que importamjá não virão apenas por iniciativa dosgovernantes em quem votamos, masde nossa ação consciente. Também

Deve-se interromper o ciclo vicioso,

em que baixo desenvolvimento

em C, T & l desestimula os

pesquisadores talentosos a se

aventurarem na produção, o que

impede a autonomia nacional.

industrial gerou entre osdirigentes empresariais, segundoa nota técnica, “uma mentalidadede dependência das decisões einiciativas tecnológicas dasmatrizes”. A atitude “leva aadotar soluções de curto prazo ea buscar resultados imediatos, aoinvés de um investimentoconcomitante na capacitaçãoprofissional como forma de conquistarindependência tecnológica”.

133. Como interromper esse ciclovicioso, em que baixodesenvolvimento em C, T & Idesestimula os pesquisadorestalentosos a se aventurarem naprodução e em que a falta de cérebrosna indústria nos impede de conquistarautonomia? É para responder a essaquestão que Cardoso propõe “umnovo modelo de pós-graduação”, quepoderia ser chamada de tecnológica e“conviver com a acadêmica”. Eladeveria “reunir pesquisadoresorientados para o desenvolvimento deprodutos e processos com elevadograu de inovação tecnológica”. Taisprofissionais teriam a oportunidade de“se familiarizar e relacionar com osetor produtivo, dominando as maismodernas ferramentas disponibilizadaspela tecnologia da informação”.

134. A nota técnica avança algunspassos no desenho dessa novapós-graduação. Ela “deve ser únicapor instituição e multidisciplinar pornatureza, estar de olho no setorprodutivo e manter relacionamentointenso com a pós-graduaçãoacadêmica”. Os processos deavaliação, uma grande conquista daCapes (Coordenação deAperfeiçoamento de Pessoal de NívelSuperior), precisam ocorrer tambémaqui. Porém, “sob a luz de parâmetrosdistintos dos que prevalecem napós-graduação acadêmica”, orientadospara garantir “transferência efetiva,para a sociedade, dos frutos da buscada independência tecnológica”.

135. O autor esboça umaproposta de financiamento para onovo sistema: “O relacionamentodessa pós-graduação com as agências

de fomento deve ser da mesmaqualidade do já praticado com aacadêmica.” Ele quer evitar,sobretudo, que se repita ogargalo que impediu o avançodos chamados “mestradosprofissionais”. Esperava-se,nesse caso, que o setorprodutivo cumprisse papel deagente financiador – o que não

ocorreu, “pois o investimento empesquisa da maioria das indústriasbrasileiras é um conto de fadas”.

136. A nota técnica dedica-se, aofinal, a considerações sobre osinstitutos de pesquisa não vinculadosa universidades. Sugere que tambémeles sofrem com os critérios estreitosdo academicismo. Seus pesquisadores,às voltas com o trabalho direto naprodução industrial, têm, muitas vezes,menos disponibilidade para produzir epublicar artigos em revistas indexadas.Ainda assim, os institutos nãoacadêmicos são avaliados segundocritérios idênticos aos demais – o queacarreta prejuízo na busca de verbaspúblicas destinadas à pesquisa.Ainda que polêmica, uma possívelsolução, sugere Cardoso, seria aabertura de editais específicos parapesquisas propostas pelos institutosde vocação tecnológica.

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se deram conta de que, apesar disso,o Estado ainda é o espaço principalem que os direitos se efetivam.

138. Em dezembro de 2008,a Lei 11.888/08 transformou emrealidade a ideia da engenharia earquitetura públicas. Sete meses depois,a Lei 11.977/09 criou, além doprograma Minha Casa, Minha Vida,instrumentos jurídicos para superarempecilhos à reforma urbana. Numpaís em que, segundo estudos, 70% dasconstruções habitacionais são informais,a nova lei encarrega o Estado de“assegurar o direito à assistência técnicagratuita”. Não se trata, portanto, deesmolas – mas, sim, de respeitar oartigo 25 da Declaração Universal dosDireitos Humanos, entre os quais está ahabitação. A lei determina que,independentemente de seu poderaquisitivo, os cidadãos devem dispor deapoio para viver em casas seguras esalubres, em condições dignas e embairros urbanizados. A assistênciapermanente de engenheiros earquitetos permitirá assegurar que essedireito não seja letra morta.

139. Os interessados em contribuircom esse processo terão seus direitosprofissionais respeitados. As entidadesde engenheiros e arquitetos participarão,inclusive, da definição dasremunerações, a ser acatada pelosgovernos estaduais e municipais que seadequarem à proposta. O dispositivoevita que parte dos recursos destinadosao trabalho seja apropriada pelaintermediação. Em contrapartida,deverá haver mecanismos quetransfiram às comunidades participantessaberes relacionados à construção,ao manejo e à sustentabilidade desuas moradias e bairros.

140. A nova lei depende, emgrande medida, da regularização

fundiária das regiões possivelmentebeneficiadas. Por razões políticas ejurídicas, mesmo as prefeituras quedesejem promover a reforma urbananão podem fazê-lo em áreas depropriedade em litígio. Por isso,a Lei 11.977/09 é tão importante. Doisde seus mecanismos inovadores – ademarcação urbanística e a legitimaçãode posse dão, a governos estaduais eprefeituras que o desejarem, condiçõesde efetivar o direito a uma moradiadigna. Como decorrência direta,multiplicam o poder de reivindicaçãodos movimentos sociais.

141. A demarcação urbanísticapermite ao poder público definir, pormedida administrativa, o “interessesocial” sobre certas áreas dasmetrópoles. O dispositivo dá aogovernante que assim o desejarcondições mais favoráveis paraestabelecer uma negociação justa como proprietário privado.

142. Já a legitimação de possecria um “usucapião administrativo”

efetivado aos cinco anos, para punira especulação imobiliária. Ao mesmotempo, procura assegurar queprevaleçam os interesses sociais(ao estabelecer, por exemplo, quea titularidade dos imóveis deve sertransferida preferencialmente àmulher), evita as ocupações poroportunismo (ao proibir que sebeneficiem os que já possuem imóveise ao vedar o remembramento dosterrenos). Por fim, permiteestabelecer compromissos com osbeneficiários. A autoridadelicenciadora pode exigir deles, porexemplo, medidas de mitigação ecompensação urbanística e ambiental.

143. Essas duas grandes mudançassinalizariam que o caminho está abertopara leis e decisões de Estado capazesde desencadear uma reforma urbana?Kirchner não parece acreditar em talhipótese. Ele ressalta que as lógicasconservadoras se apresentam mesmonos momentos de avanços importantes.Ao sancionar a Lei 11.977/09, noâmbito do Minha Casa, Minha Vida,o Presidente da República vetou, porexemplo, um dispositivo quefacilitava os mutirões assistidos paraconstrução de residências. Trata-sede algo que, além de dar enormeimpulso à engenharia e arquiteturapúblicas, permitiria construirmilhares de moradias a preços muitomais baixos (e com melhorqualidade) que os praticados pelasconstrutoras industriais.

Concluindo

144. Ao propor esta segunda ediçãodo Cresce Brasil, a FNE tem clareza deque construir um país mais justo não éobra tranquila. Porém, é não sónecessária como urgente e, maisimportante, perfeitamente exequível.