E-Book Educação 360 - 2016

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360 educação Realização Parceria Apoio

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360educação

Realização

Parceria Apoio

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A terceira edição do Educação 360 aconteceu num

momento crucial para a educação do país: no ano da definição da Base Nacional Comum Curricular e um dia depois do anúncio da MP da reforma do ensino médio. Os dois assuntos pautaram muitas discussões no evento. Mas o debate sobre educação é muito mais amplo. E envolve toda a sociedade. Essa é a proposta

do encontro internacional, que reuniu grandes pensadores, debatedores dos quatro cantos do país, e um público de três mil pessoas, entre professores, gestores, alunos, familiares, membros da comunidade, representantes de ONGs, e do poder público e empresários, que se encantaram com as apresentações de dezenas de exemplos de sucesso.Realizado pelos jornais O GLOBO e EXTRA, em parceria com a Prefeitura do Rio e o Sesc, e o apoio da Coca-Cola Brasil, da TV Globo e do Canal Futura, o seminário aconteceu nos dias 23 e 24 de setembro de 2016, na Escola Sesc de Ensino Médio, no Rio de Janeiro. A programação foi tão eclética

quanto a plateia. As palestras magnas foram ministradas pelo catalão Manuel Castells, um dos maiores pensadores da atualidade, o sociólogo francês Michel Maffesoli, o reitor honorário da Universidade de Lisboa António Nóvoa e a secretária executiva do MEC, Maria Helena Guimarães. Oito mesas abordaram tópicos como Educação e Cultura, Gestão, Clima Escolar, Inovação, Currículo e Protagonismo do Aluno. Cada mesa contou com dois debatedores e a apresentação de três estudos de casos, exemplos que estão dando certo em educação, no país e no mundo, com o objetivo de inspirar o público para que sejam replicados.

apresentaçãoRoberta Ferraz,coordenadora

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Participaram delas o sociólogo César Callegari, o educador português José Pacheco, o economista do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper Ricardo Paes de Barros, o diretor regional do Sesc SP Danilo Miranda, a pedagoga e ex-presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) Cleuza Repulho, o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Eduardo Deschamps, o CEO do Instituto Alana, Marcos Nisti, e o pesquisador americano do Media Lab do Massachusetts

Institute of Technology (MIT) David Cavallo, entre outros. As novidades deste ano foram os espaços de degustação de novidades tecnológicas em educação e as oficinas maker com aulas bem diversas, onde se era possível aprender desde holografia e realidade aumentada até o uso de smartphones na sala de aula. Por ser um evento voltado para a sociedade, e não restrito a educadores, a cenografia tinha um papel fundamental e cumpriu sua missão: integrar-se de forma bela e criativa ao conteúdo. Assinada por Abel Gomes, foi inspirada em temas abordados

nas atividades. Fitas coloridas simbolizavam as conexões em rede e o compartilhamento de informações, e cadeiras no lago — marca registrada do evento — a desconstrução da sala de aula, reforçando o conceito de que Educação hoje está em todo lugar. E deve ser discutida e aprimorada por todos. A terceira edição acabou, mas a proposta do Educação 360 permanece o ano inteiro, em encontros menores com temas específicos, no site www.educaçao360.com e na página no Facebook. Junte-se ao Educação 360: participe, discuta, sugira, inspire-se, informe-se, faça acontecer.

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A educação brasileira precisa de ideias inspiradoras para inovar.

Necessita também conhecer mais e melhores práticas bem-sucedidas, executadas por educadores brasileiros nos mais diferentes contextos. Tudo isso precisa vir à tona, mas sem deixar de debater de forma franca e honesta nossas feridas e graves problemas no setor. Tudo isso aconteceu na terceira edição do Educação 360. Como nos anos anteriores, o evento de 2016 contou com pensadores de prestígio internacional,

como Manuel Castells, Michel Maffesoli e António Nóvoa. Mas a edição deste ano ganhou ainda mais temperatura pelo fato de ter acontecido dois dias depois de o governo ter enviado uma proposta de reforma do ensino médio, tema que ocupou boa parte da apresentação de Maria Helena Guimarães de Castro e que acabou sendo debatido pelo público em várias outras apresentações e em conversas durante os intervalos das sessões. Na edição de 2016, houve também uma inovação

INSPIRAÇÃO E EDUCAÇÃO DEQUALIDADEAntonio Gois,colunista do Globo

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no formato das mesas. O público teve acesso a estudos de casos apresentados por seus protagonistas e depois debatidos por especialistas nos temas. Em praticamente todas as mesas ficava uma pergunta no ar: se somos capazes, mesmo em contextos desafiadores, de encontrar soluções criativas e efetivas para nossos problemas, por que não conseguimos avançar no ritmo que precisamos? Quem estudou na escola pública do passado costuma dizer que lá havia ensino de qualidade. Não há avaliações que nos permitam comparar com precisão os níveis de aprendizagem dos alunos em meados do século passado e hoje, mas é bem provável que seja verdade. A

questão, que nunca podemos esquecer, é que aquela era uma escola pública para poucos. O Censo do IBGE de 1940, por exemplo, mostra que apenas 31% das crianças de 7 a 14 anos tinham acesso à escola naquela época, percentual hoje que está próximo de 100%. Perdemos muito tempo e sofremos os efeitos desse atraso histórico até hoje, acreditando que era possível ter desenvolvimento social e econômico dando educação

de qualidade para poucos. Hoje, o desafio é garantir qualidade para todos. Temos um grande esforço pela frente, que exige investimento e a garantia de que educação seja mesmo prioridade. Se analisarmos seriamente nossos problemas, inspirarmos-nos no que vem dando certo aqui ou lá fora, e não deixar nunca de buscar inspiração em grandes ideias, essa tarefa ficará muito mais fácil.

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657.099PESSOAS ALCANÇADAS PELA

FANPAGE DO EVENTO

10hTRANSMISSÃO ON-LINE NOS

SITES DO GLOBO E DO EXTRA

10.125CURTIDAS NA FANPAGE NO

MÊS DO EVENTO

10.972INTERAÇÕES NOS

POSTS DO EVENTO

511MENÇÕES NAS REDES SOCIAIS NA SEMANA

DO EVENTO

3.000PESSOAS PARTICIPARAM

DAS ATIVIDADES66

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59PALESTRANTES

21ESTUDOS DE CASO

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ÍNDICEMAGNAS

MARIA HELENA GUIMARÃES

PÁGINA 10

MANUELCASTELLS

PÁGINA 14

MICHELMAFFESOLI

PÁGINA 18

ANTÓNIONÓVOA

PÁGINA 22

OFICINAPÁGINA 80 TECNOLOGIA

PÁGINA 81

MESAS DE DEBATETECNOLOGIA E INOVAÇÃO .................PÁGINA 26

EDUCAÇÃO E CULTURA .......................PÁGINA 32

CLIMA ESCOLAR ..................................PÁGINA 38

EDUCAÇÃO E COMUNIDADE ..............PÁGINA 44

GESTÃO ................................................PÁGINA 50

O ALUNO COMO PROTAGONISTA ....PÁGINA 56

CURRÍCULO E AVALIAÇÃO ................PÁGINA 62

ESCOLA CONSCIENTE,NUTRIÇÃO INTELIGENTE ....................PÁGINA 68

TV GLOBO:QUANTIDADE x QUALIDADEMITOS & FATOS ............................ PÁGINA 72

CANAL FUTURA:ESCOLAS QUE DERAMA VOLTA POR CIMA ...................... PÁGINA 76

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A CRISESIGNIFICAQUE OMODELONÃOFUNCIONA,FALIU

Em meio à polêmica do anúncio de uma Medida Pro-visória para reforma do ensino

médio, a secretária executiva do Mi-nistério da Educação (MEC), Maria

Helena Guimarães, foi a primeira a ministrar palestra na terceira edi-

ção do Educação 360. Em pauta estavam os grandes desafios da

educação brasileira. — Tivemos avanços impor-

tantes nos últimos 20 anos, sobretudo em matéria de co-

bertura e inclusão. De forma geral, o Brasil melhorou muito no quesito da educação, mas ainda temos alguns proble-mas que, se não forem re-solvidos, se transformarão em dificuldades muito fortes num futuro imediato — aler-tou a secretária, que assumiu o cargo em maio deste ano.

Para Maria Helena, o aprendizado dos alunos de forma geral está melhoran-do devagar em comparação com os investimentos que foram feitos na educação. A secretária também mostrou que, segundo o Índice de De-senvolvimento da Educação Básica (Ideb), o desempenho das crianças vem melhorando desde 2007 nos anos iniciais

do ensino fundamental, mas o mesmo não ocorre nos anos

finais e no ensino médio. — De 2003 a 2014, os da-

dos do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educa-

cionais Anísio Teixeira) mostram a evolução do investimento em

educação pública, especialmen-te na básica. No entanto, a me-

lhora do ensino não acompanhou os investimentos feitos nos três

níveis de governo e no setor priva-do. Temos um quadro muito preocu-

pante, os jovens de 14 e 15 anos não

estão alcançando o mínimo espe-rado nem em Português nem em

Matemática. Os jovens não es-tão preparados para enfrentar

o currículo do ensino médio — declarou.

O mau desempenho dos jo-vens no ensino médio é uma

grande preocupação da se-cretária, que usou dados do Ideb e do Sistema de Ava-

liação da Educação Básica (Saeb) para mostrar como essa etapa de ensino não tem evoluído.

— No caso do ensino médio, a situação é um pouco pior. Não só o Ideb não é alcançado, como nos dados da prova do Saeb o desempenho em matemá-tica piorou em comparação a 2013 e em Português fi-cou estagnado.

Em relação às prioridades do MEC, Maria Helena afir-mou, durante a palestra, que a de número um é a con-clusão da Base Nacional Co-mum Curricular (BNCC) para o ensino infantil e fundamen-tal, para ser enviada ao Con-selho Nacional de Educação até o final de 2016.

A formação de professo-res foi considerada pela se-cretária o maior desafio da

pasta, por conta da falta de comunicação entre os pro-

jetos existentes nessa área. Segundo Maria Helena, o

governo pretende articular os cursos de formação existentes

em duas grandes linhas: uma voltada para a formação inicial

e outra, para formação conti-nuada. — Não temos uma proposta

pronta, estamos iniciando um grupo de trabalho. Vamos fazer

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debates e convidar as associa-ções e entidades para discutir a melhor forma de integração. A necessidade de juntar esses programas é enorme, para via-bilizar a criação de uma política de formação que leve em conta os grandes desafios da educa-ção brasileira.

O aumento do número de va-gas nas creches e a universaliza-ção da pré-escola também estão na lista de urgências do MEC, que, segundo Maria Helena, vai buscar apoio de outras esferas de poder para concluir a meta.

— Pretendemos incentivar os estados e municípios para pro-mover a ampliação da educação infantil, especialmente a univer-salização da pré-escola, que de-veria ter sido concluída no final deste ano, mas não aconteceu. Temos ainda 700 mil crianças fora da pré-escola, é uma meta importante que precisa ser al-cançada — afirmou.

Outro item destacado pela secretária foi a alfabetização in-fantil e a necessidade de maio-res investimentos nos municí-pios para viabilizar o alcance da meta dessa etapa de ensino.

— Nossas crianças não estão sendo devidamente alfabetiza-das. Os municípios são respon-sáveis por 82% das matrículas nos anos iniciais e precisam de apoio na formação de profes-sores, no fornecimento de ma-teriais e na criação de progra-mas que funcionem bem para a meta de alfabetização infantil ser alcançada.

A secretária aproveitou sua fala para tentar esclarecer as im-plicações da Medida Provisória da reforma do ensino médio, que, por conta dos maus resulta-dos que vem apresentando con-

tinuamente, é uma das maiores prioridades do MEC.

Os principais pontos do do-cumento determinam a divisão do ensino médio em duas par-tes: uma obrigatória para todos, definida pela BNCC do ensino médio, que na época ainda não existia; e a outra voltada para o aprofundamento em cinco ênfases que serão escolhidas pelos alunos. Outra mudança mostrada pela secretária du-rante a palestra é a ampliação gradual da jornada escolar para turno integral.

— A flexibilização do cur-rículo é a mudança principal. Hoje nós temos as 13 discipli-nas obrigatórias nos três anos. O que será obrigatório é a base, que ainda vai ser formulada. A metade da carga horária total do ensino médio pode ser flexí-vel — contou.

Durante toda a palestra, o mediador da mesa, o colunista do GLOBO Antônio Gois, rece-beu perguntas escritas pela pla-teia sobre a reforma do ensino médio. Para a sessão de deba-tes, ele escolheu os tópicos mais

sensíveis do momento e que geraram polêmica entre profissionais da educação, para esclarecer com a secretária.

Maria Helena foi questiona-da sobre a utilização de uma medida provisória para imple-mentar as reformas; a queda da obrigatoriedade no currículo do ensino médio de Filosofia, Sociologia, Artes e Educação Física; a mudança das escolas dessa etapa de ensino para o horário integral; e a permissão de professores com notório sa-ber para dar aulas.

— A criação da MP não signi-fica falta de debate e de conheci-mento, mas, sim, o caráter de ur-gência dessa questão. Sabemos que o fracasso do ensino médio brasileiro é um dado apontado por especialistas na área. A cri-se significa que o modelo não funciona, faliu. O ensino médio brasileiro é o único do mundo

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engessado com 13 dis-ciplinas obrigatórias. O jovem precisa ter a possibilidade de se aprofundar em áreas de conhe-cimento, faz muito mais sentido para ele — explicou.

Em relação à verba de R$ 1,5 bilhão que será oferecida aos estados para implementação das medidas, principalmente do ensino integral, a secretária admitiu que é um valor peque-no, considerando-se o tama-nho da rede de ensino no país. Porém, defendeu a importância de expandir a integralização aos poucos, conforme a meta do Plano Nacional de Educação:

— O nosso projeto está mui-to bem formulado e não que-remos errar. O MEC tem inves-tido muitos recursos em ensino integral que não estão dando resultado. Para ser bem feito, precisa ser administrável, ter acompanhamento e avaliação

para fazermos cor-reções, melhorando o

projeto para expandir aos poucos e não começar tudo de uma vez, sem ter avaliação. As-sim se gasta um monte de di-nheiro e não se tem resultado. Nosso objetivo é fazer com res-ponsabilidade e muito cuidado.

Outra polêmica envolvendo a leitura da MP e a falta de uma BNCC aprovada é a confusão em torno da obrigatoriedade ou não de Educação Física, Artes, Filosofia e Sociologia no currí-culo. Maria Helena garantiu que essas disciplinas estarão presen-tes no documento e poderão ser aprofundadas conforme as escolas organizarem as áreas de conhecimentos com ênfases em determinados temas.

— Acho praticamente im-possível imaginar essas quatro disciplinas fora da BNCC, é claro que estarão. Na metade flexível do currículo, por exem-plo, na ênfase em Humani-dades, é possível contemplar mais profundamente Filosofia, Sociologia, História... Já numa ênfase em Matemática, é possí-vel contemplar arte, diagrama-

ção, linguagem de programa-ção. Também vai ser possível, por exemplo, criar uma ênfase numa área que valorize o de-senvolvimento do esporte e a preparação de atletas. A escola vai ter liberdade para fazer es-sas escolhas — garantiu.

Quanto à questão do reco-nhecimento de profissionais com notório saber para dar au-las em áreas afins à sua forma-ção, a secretária esclareceu que a medida foi pensada para en-sino técnico e educação profis-sional. Porém, ela garantiu que, mesmo com o notório saber, os profissionais obrigatoriamente têm que ter um complemento pedagógico para dar aulas.

— Sem essa complemen-tação, não tem como o pro-fissional ter a didática que ele precisa para dar aulas e ser um bom professor. Isso (o notório saber) não exclui a importância de ter uma complementação didático-pedagógica para que o profissional atue na escola — assegurou.

A secretária também ressal-tou a importância do papel da formação de professores nos próximos dois anos para imple-mentação da reforma do ensi-no médio e da BNCC:

— Já está sendo discutida uma proposta de apoio aos es-tados na área de formação. Os recursos previstos para os dife-rentes cursos vão ter um rede-senho considerando a reforma do ensino médio e a nova base. A BNCC só vai se concretizar se os professores estiverem bem preparados para serem os agentes dessa mudança.

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O renomado soció-logo espanhol Ma-nuel Castells encerrou o primeiro dia do encon-

tro Educação 360 discursando so-bre as condições da universidade

na sociedade contemporânea, como ela está se transformando

e quais os principais obstáculos burocráticos e econômicos para

essas mudanças. Autor da trilo-gia “A era da informação: eco-

nomia, sociedade e cultura”, o acadêmico também criticou a divisão entre instituições públicas e privadas no Brasil, ressaltando que esse modelo reproduz a desigualdade so-cial do país.

— O sistema educacional brasileiro tem qualidades, mas é injusto. As universida-des públicas são de relativa boa qualidade, algumas a ní-veis internacionais e são em grande parte gratuitas. Por conta dos critérios de sele-ção, elas são destinadas para a classe média. E os setores populares pagam muito mais caro por universidades priva-das que têm qualidade du-vidosa. Isso é um sistema de injustiça social — avaliou.

Castells criticou a burocrati-zação do ensino superior e a

falta de adaptação de algumas instituições ao seu entorno tec-

nológico. Outro ponto que pre-cisa sofrer mudanças urgentes,

segundo o sociólogo, que teve apoio da plateia, é a tendência

de as instituições servirem aos interesses dos professores, antes

dos do aluno. Para ele, isso é ca-racterizado pelo conflito entre en-

sinar bem e publicar artigos cien-tíficos, cobrados pelo sistema como

forma de promoção dos docentes. — Nos pagam para ensinar, mas

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O SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO TEM QUALIDADES MAS É INJUSTO

O renomado soció-logo espanhol Ma-nuel Castells encerrou o primeiro dia do encon-

tro Educação 360 discursando so-bre as condições da universidade

na sociedade contemporânea, como ela está se transformando

e quais os principais obstáculos burocráticos e econômicos para

essas mudanças. Autor da trilo-gia “A era da informação: eco-

nomia, sociedade e cultura”, o acadêmico também criticou a divisão entre instituições públicas e privadas no Brasil, ressaltando que esse modelo reproduz a desigualdade so-cial do país.

— O sistema educacional brasileiro tem qualidades, mas é injusto. As universida-des públicas são de relativa boa qualidade, algumas a ní-veis internacionais e são em grande parte gratuitas. Por conta dos critérios de sele-ção, elas são destinadas para a classe média. E os setores populares pagam muito mais caro por universidades priva-das que têm qualidade du-vidosa. Isso é um sistema de injustiça social — avaliou.

Castells criticou a burocrati-zação do ensino superior e a

falta de adaptação de algumas instituições ao seu entorno tec-

nológico. Outro ponto que pre-cisa sofrer mudanças urgentes,

segundo o sociólogo, que teve apoio da plateia, é a tendência

de as instituições servirem aos interesses dos professores, antes

dos do aluno. Para ele, isso é ca-racterizado pelo conflito entre en-

sinar bem e publicar artigos cien-tíficos, cobrados pelo sistema como

forma de promoção dos docentes. — Nos pagam para ensinar, mas

nos promovem por publicar. A minha paixão, a minha vida é a

universidade, por isso posso cri-ticá-la. Se não formos capazes

de mudar o ensino superior, perderemos o privilégio que é

dedicar a vida à educação — afirmou.

Outro problema do ensi-no superior atualmente, de acordo com o especialista,

é a facilidade do setor em se tornar vulnerável às deci-sões mercadológicas.

— A universidade é o mer-cado mais apetecível para grandes empresas mercená-rias. Precisamos defender a universidade das deforma-ções causadas pelo merca-do. Em todo o mundo está se perdendo a legitimidade por conta disso.

O sociólogo também ana-lisou os diferentes modelos de universidade que existi-ram ao longo da História e que, hoje, combinam-se nas distintas funções atribuídas ao ensino superior.

— Em primeiro lugar, as universidades se destina-vam à produção de valores e à sua legitimação social. Depois, passaram a fazer a seleção das elites e a forma-ção dos núcleos de poder,

tanto na educação especia-lizada quanto na formação

de um meio social dirigente da sociedade. É o caso da Ivy

League, nos Estados Unidos, e de Oxford e Cambridge, na

Inglaterra. No Brasil, a USP é a matriz das elites nacionais.

Essas universidades são um clube privado de relações so-

ciais — brincou. Outra função das universi-

dades, segundo Castells, é a

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formação de profissionais fun-damentais para o sistema pro-dutivo e para a organização da sociedade.

— No Brasil sempre se deu muita ênfase às escolas de for-mação de engenheiros e de advogados. Mais tarde, histo-ricamente, as escolas de negó-cios ingressaram nesse cenário, convertendo-se num dos inves-timentos dominantes dos siste-mas universitários.

De acordo com Castells, a universidade científica, com or-ganização econômica e produ-tiva voltada para a produção de conhecimento avançado, con-vertido em informação de alto nível, é recente. O sociólogo citou como exemplo a experi-ência das instituições públicas americanas. Outro modelo de ensino mencionado na pales-tra é mais generalista e voltado para melhorar o nível da educa-ção no conjunto da sociedade e acontece em instituições fran-cesas, italianas, espanholas e latino-americanas, a partir dos anos 40.

— Um modelo que vamos encontrar em qualquer instituição, com ênfases diferentes, é a univer-sidade empreendedora. Ela se organiza em torno do desenvol-vimento de capacidades profis-sionais ligadas à cadeia produ-tiva, sobretudo com a iniciativa privada. Mas, de qualquer ma-neira, todas essas funções es-tão presentes hoje de formas distintas em cada sistema de ensino superior — explicou.

Para o sociólogo espanhol, a produção de conhecimento e inovação tecnológica são a base da riqueza contemporâ-nea e se tornaram essenciais para a sociedade em rede, o que justifica, mais do que quaisquer outros fatores, a im-portância das universidades. Outro aspecto importante é a mudança na força de trabalho que vem acontecendo nos últi-mos anos e que ainda vai trans-formar muito as profissões no futuro. Castells acredita que o mais importante para o traba-lhador é adquirir a capacidade de ser autoprogramável.

— No nosso tipo de econo-

mia, as especialidades concretas que existem hoje vão desaparecer em cinco anos. O trabalhador precisa se adaptar, e uma formação muito especia-lizada não permite a capacida-de de adaptação tecnológica. Falta uma reciclagem constante em toda a etapa profissional, mas isso é muito difícil porque tem que ser feito ao mesmo tempo em que se trabalha. Nesse aspecto, as universidades à distância são fundamentais porque permitem essa atualiza-ção sem sair da rotina pessoal e profissional — defendeu.

Nessa linha, Castells de-fendeu que uma função im-portantíssima não só das uni-versidades, mas do sistema educacional como um todo atualmente, é a formação de indivíduos com um novo tipo de personalidade que seja, so-bretudo, mutável ao longo da

“Falta umareciclagem

constante em toda a etapa

profissional, mas isso é muito difícil porque tem que

ser feito ao mesmo tempo em que se

trabalha”

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vida. O sociólogo acre-dita que alguns valores preci-sam ser reforçados para fortale-cer a capacidade de adaptação.

— As condições de vida vão mudar constantemente. Isso re-quer pessoas com personalida-des flexíveis e adaptáveis, mas que ao mesmo tempo sejam suficientemente firmes para não se romperem em tempos de crise e manterem uma tra-jetória de vida. A família, não importa o tipo, é o valor mais importante do mundo no sen-tido profundo do termo, de que você sempre poderá contar com as pessoas. Isso se mol-da na escola primária, mas se acentua na universidade e pre-cisa de reforço — explicou.

Apesar da importância atri-buída ao ensino à distância para atualização profissional, Castells defendeu a importân-cia da existência das univer-

sidades presenciais, que, segundo ele, são

essenciais na formação dos jovens por se tratarem de um meio social. O sociólogo res-saltou, no entanto, que a dis-tinção feita entre universidades virtuais e reais é antiga e precisa ser repensada.

— Essa diferenciação não cor-responde à realidade. Todas as universidades são híbridas, elas combinam o real e o virtual. Os alunos passam muito tempo on--line, assim como os professores, que trocam muitas informações dessa maneira. O professor tem uma relação pessoal com o alu-no, mas no conjunto do sistema universitário move-se para uma nova pedagogia que integre os diferentes modos de comunica-ção no dia a dia das universida-des — avaliou.

Castells também criticou a explosão de universidades à distância no mundo porque, segundo ele, na maioria das vezes são instituições de má qualidade, que visam apenas ao lucro dos seus donos e não geram inovação e avanços tec-nológicos. O sociólogo citou o

sistema de regulação do Chile, que passou a regulamentar ins-tituições desse tipo, retirando sua acreditação quando não era atestada qualidade mínima.

— O grande problema dessas universidades digitais é a falta de qualidade por serem um simples negócio. O contato regular com os estudantes e as aulas são ex-tremamente limitados. A univer-sidade de qualidade é mais cara porque requer mais recursos, como monitoria individual por estudante — disse.

O sociólogo também conde-nou a divisão do sistema univer-sitário em disciplinas, alegando que a interdisciplinaridade é a base da formação e da ciência moderna.

— As fronteiras das discipli-nas desapareceram. As univer-sidades que mantêm a divisão por disciplina obrigam os pes-quisadores a colaborarem entre si em segredo. Nunca entendi a distinção entre ciência política e sociologia política — brincou, arrancando risos da plateia.

A falta de autonomia do en-sino superior em relação aos ór-gãos públicos foi apontada por Castells como um dos maiores entraves para o fomento da inovação no ensino superior.

— A inovação aproveita as brechas do sistema. Existe uma esfera maior que é o Ministério da Educação que foi feito para não permitir inovação. No Bra-sil, vocês têm mais flexibilida-de... Na Espanha, o ministério decide o programa de todas as disciplinas, de todas as universi-dade. Isso é o contrário de pro-gresso. O grande segredo das universidades americanas é que não há ministério da educação, elas têm autonomia total.

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Page 18: E-Book Educação 360 - 2016

O sociológo fran-cês Michel Maffe-soli abriu o segundo dia do encontro Edu-

cação 360 descrevendo uma era dos afetos. Na avaliação dele, a

era moderna chegou ao fim em meados do século XX, junto de

seus paradigmas. O individua-lismo deu lugar à “pessoa plu-

ral”, a crença no presente saiu de cena para a valorização do

presente, e o racionalismo caiu diante do sentimento. Este é, para o professor da Universidade Sorbonne, na França, o “espírito coletivo” da pós-modernidade.

— O que está em jogo na contemporaneidade é a diversidade, em todos os setores: cultural, sexual, reli-gioso. O século XIX buscava reduzir tudo a um, diminuir as diferenças. Não pode-mos mais. A imagem atual é como um mosaico. Existe uma coerência no todo, po-rém cada peça mantém sua própria configuração. Um policulturalismo. Pode haver uma harmonia a partir das diferenças, uma harmonia conflituosa. A diversidade é o fundamento da pós-mo-

dernidade — afirmou o pen-sador.

O centro da fala de Maf-fesoli são as formas de socia-

lização. Segundo o autor, a educação é o processo de tirar

a criança da barbárie e inseri-la na civilização, e isso funcionou

bem para a modernidade. Mas não mais. Na avaliação do soci-

ólogo, a História do mundo não é linear ou progressista — Maf-

fesoli critica a ideia de que a Hu-manidade saiu de um ponto de bar-

bárie para um ponto de progresso.

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O sociológo fran-cês Michel Maffe-soli abriu o segundo dia do encontro Edu-

cação 360 descrevendo uma era dos afetos. Na avaliação dele, a

era moderna chegou ao fim em meados do século XX, junto de

seus paradigmas. O individua-lismo deu lugar à “pessoa plu-

ral”, a crença no presente saiu de cena para a valorização do

presente, e o racionalismo caiu diante do sentimento. Este é, para o professor da Universidade Sorbonne, na França, o “espírito coletivo” da pós-modernidade.

— O que está em jogo na contemporaneidade é a diversidade, em todos os setores: cultural, sexual, reli-gioso. O século XIX buscava reduzir tudo a um, diminuir as diferenças. Não pode-mos mais. A imagem atual é como um mosaico. Existe uma coerência no todo, po-rém cada peça mantém sua própria configuração. Um policulturalismo. Pode haver uma harmonia a partir das diferenças, uma harmonia conflituosa. A diversidade é o fundamento da pós-mo-

dernidade — afirmou o pen-sador.

O centro da fala de Maf-fesoli são as formas de socia-

lização. Segundo o autor, a educação é o processo de tirar

a criança da barbárie e inseri-la na civilização, e isso funcionou

bem para a modernidade. Mas não mais. Na avaliação do soci-

ólogo, a História do mundo não é linear ou progressista — Maf-

fesoli critica a ideia de que a Hu-manidade saiu de um ponto de bar-

bárie para um ponto de progresso.

O FIM DE UM MUNDO NÃO É O FIM DO MUNDO

Segundo ele, a História do mundo é pendular.

— Para lembrar a etimologia da palavra, “época” significa,

em grego, parênteses, que se abre e fecha. Estamos fe-

chando o parênteses da épo-ca moderna e abrindo a pós-

-modernidade — disse ele. — Quando há mudanças de época, existe um processo

de saturação. A saturação é um conceito proposto por um sociólogo americano usando o exemplo da sa-turação química. Em certo ponto, as moléculas que formam um corpo não po-dem mais ficar juntas. Exis-te, então, uma destruição desse corpo e, ao mesmo tempo, essas mesmas mo-léculas vão entrar em ou-tro corpo, uma recomposi-ção. O fim de um mundo não é o fim do mundo.

É nesse ponto de re-construção que estamos vivendo, avalia Maffesoli. Há, inclusive, o desafio de nomeá-lo com exatidão. Segundo o sociólogo, cha-mamos isso de crise. Não só econômica, mas social. Cada época tem um imagi-nário específico. Um clima. E também uma “atmosfera

mental” diferente. Na modernidade, o ho-

mem era centrado no in-divíduo — aliás, para o

professor, é o conceito de individualidade, que nasce

no século XIX, a fundação dessa era. Naquele momen-

to, a Reforma Protestante traduziu a Bíblia para as lín-

guas profanas e pregou a va-lorização do trabalho — antes,

associado à desonra. A crença

1919

Page 20: E-Book Educação 360 - 2016

num futuro melhor — a ideia de que o mundo é um terreno de transição – e a dialética em alta criaram outras duas mar-cas dessa época: a postergação do gozo (a valorização do que vem depois) e o racionalismo (a crença absoluta na razão).

— Esses aspectos consti-tuem a paranoia moderna, que também chamo de para-noia educativa. Paranoia signi-fica um pensamento que vem do alto, que vai se impor. Isso me parece saturado, mas ain-da existe. Não acredito que podemos desperdiçar energia juvenil com esses valores. Os astrofísicos nos explicaram que ainda vemos a luz de uma es-trela muito depois de ela mor-rer. Vivemos essa situação. A grande paranoia moderna, que contribuiu para coisas lin-das, está saturada e não nos demos conta.

Michel Maffesoli é um teóri-co da pós-modernidade e um fenomenólogo das tribos. E é com base em suas especialida-des que ele prevê o futuro da socialização das crianças. Sua hipótese é que, com a pós--modernidade, a forma como socializamos nossas crianças não seja mais baseada na edu-cação, mas, sim, no conceito antropológico de iniciação — “Com outra palavra, talvez”, ressalta ele —, como numa volta ao passado das tribos.

— O desafio é como vamos mobilizar a energia dos jovens sem castrá-la demais. A gente vai acentuar imaginários cole-tivos, sonhos, ideais, fantasias. Existe nessas jovens gerações uma coisa que vai acentuar as emoções vividas em comum, dos afetos e sentimentos —

analisa: — As tribos são for-madas por compartilhamentos de gostos, não de ideias. Um gosto sexual, musical, esporti-vo. Não estamos mais enclau-surados no “eu mestre de mim mesmo”, mas, em primeiro lu-gar, privilegiamos a tribo onde vivemos.

Outra mudança seria a do

tempo. O presente passa a ser mais valorizado. O aqui e agora, como ele diz. O traba-lho perde valor para o sentido de criação. Na visão de Maffe-soli, o sonho agora é transfor-mar a própria vida em obra de arte. Há, segundo ele, ainda uma relação entre essa valori-zação do presente com o culto ao corpo:

— Não sentimos mais, como (Sigmund) Freud afirmou so-bre a modernidade, o poster-gamento do gozo, mas agora é o repatriamento do gozo. O correlato é a importância do corpo, que se veste, e a mus-culação. Presenteísmo é como eu chamo a importância do corpo.

Na avaliação de Maffesoli, a passagem da modernidade

“Pode haver uma harmonia a partir das diferenças, uma harmonia

conflituosa.A diversidade é

o fundamento da pós-modernidade”

2020

Page 21: E-Book Educação 360 - 2016

marca o fim do racionalismo: os seres pós-modernos acen-tuam o sentimento e as vibra-ções espirituais e artísticas. Segundo ele, a melhor palavra é “sintonia”, ou seja, estar no tom com os outros humanos. Para o autor, trata-se de uma ética da estética.

— Está se construindo um cimento ético a partir das emo-ções e do compartilhamento dos afetos. Essa ética da es-tética é que vamos encontrar nas diversas artes e esportes. As apostas são colocadas não mais na independência, mas na interdependência. Para mim, isso é que vai constituir a ordem pós-moderna.

Na visão do sociólogo, ou a escola passa por essas trans-formações ou será extinta.

As mudanças de paradigma reivindicam o fim da verticali-zação da educação. É por isso que os alunos nas salas de aula hoje precisam ser ouvidos:

— A educação está basea-

da na verticalidade. O oposto da paranoia vertical é o nas-cimento de um saber juve-nil que temos que compor e acompanhar, saber que isso vai reinvestir, reutilizar e reinte-grar uma série de parâmetros, como o lúdico, que está sendo colocado de lado. Não há mais separação entre corpo e men-te — disse Maffesoli: — A lei dos irmãos está em construção no pacto da sociedade basea-do no sentimento. É isso o que precisamos encontrar. Cada época sonha com a próxima, e é preciso acompanhar esse sentimento. É isso que está em jogo hoje em dia.

E se a escola resistir às mu-danças?, foi perguntado a Ma-ffesoli. O caminho seria a mor-te, assim como acontece com a política. De acordo com o pensador, o risco é a escola se tornar um dinossauro: aquele que morre por não saber se adaptar ao clima:

— Ou vai morrer ou vamos saber nos ajustar na horizonta-lidade. Foi isso que chamei de iniciação. Dou aula há 30 anos na Sorbonne. Há uns 10 anos, eu estava em uma aula com cem alunos, todos com note-book aberto. Um dia, um es-tudante falou: “O senhor está errado. Isso não aconteceu em 1826, e sim em 1823.” Existia a necessidade de interação. Com o desenvolvimento tec-nológico, não podemos mais impor as palavras. As escolas podem ser rígidas ou serem inteligentes de se adaptar. Há de se ficar atento a essa nova cultura para não ter uma des-conexão entre quem tem a pa-lavra, o professor, e a cultura juvenil.

“O desafio é como vamos

mobilizar aenergia dosjovens sem

castrá-la demais.A gente vai

acentuar os ima-ginários coletivos,

sonhos, ideais, fantasias”

2121

Page 22: E-Book Educação 360 - 2016

Educação para unir e li-bertar as crianças. Esse é o rumo proposto pelo portu-

guês António Nóvoa, reitor hono-rário e professor catedrático do

Instituto de Educação da Univer-sidade de Lisboa, em Portugal.

Na avaliação do especialista, é preciso ampliar o debate sobre

as transformações da escola. — Talvez consigamos en-

contrar o que possa nos unir, sabendo que a escola atual

não vai continuar igual, que há um movimento de tran-sição. O nosso trabalho é menos pedagógico, menos organizacional, menos so-bre a formação do professor e é mais do ponto de vista de uma reflexão filosófica da educação — defendeu o especialista: — Temos que aprender juntos os cami-nhos de cada aluno. A esco-la é o lugar da união. Só em comum, ou seja, uns com os outros, nos educaremos. De outra maneira, não percebe-mos os desafios da comuni-cação. Pertencer ao comum não implica homogeneiza-ção. Ao contrário. Significa o esforço de nos libertar-mos. Esses são movimentos

que devemos fazer para não perdermos o ato educativo –

afirmou.Nóvoa ainda criticou pro-

postas de currículos “corta-dos em fatias”. Ele defende

ser necessário que a grade de conteúdos tenha capacidade

de interligar o mundo em tor-no de grandes temas e de gran-

des problemas. Na avaliação do especialista, não se consegue

chegar a esse objetivo “diminuin-do as filosofias ou as artes ou as

educações físicas ou outra coisa

AN

TÓN

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ÓV

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2222

Page 23: E-Book Educação 360 - 2016

qualquer”. Na mesma semana em que foi realizado o Educa-

ção 360, o governo brasileiro lançou uma Medida Provisória

(MP) que tirava essas discipli-nas da grade obrigatória do

ensino médio nacional. Um dia depois, voltou atrás e

afirmou que elas não deixa-rão de ser obrigatórias.

— Deixo a seguinte pro-vocação: é preciso subs-tituir o aborrecimento do viver, de jogar um vide-ogame, pela alegria de trabalhar, de pensar. E só uma escola com cami-nhos, cooperação, comu-nicação e criação é capaz de resolver essa situação. O professor tem que en-sinar duas grandes coisas: a condição humana, que é tudo o que nos faz es-tar em paz com o outro, e a identidade terrena. Precisamos de um currícu-lo com a inteligência do mundo. Não um currículo de “especialistas especial-mente especializados”, como diria um amigo meu de forma irônica, em que tudo é cortado em fatias e não há inteligência — defendeu o educador por-tuguês, sem citar a MP.

— Reformas curriculares têm sido condenadas ao

fracasso nos países. Só os que desistiram de fazer isso

são os que deram certo.Nóvoa ainda defendeu a

liberdade para os professo-res nas escolas. Ele diz que

é comum ouvir o argumento de que as escolas brasileiras

não estão preparadas para ter mais liberdade e que os pro-

fessores não são bem forma-

Educação para unir e li-bertar as crianças. Esse é o rumo proposto pelo portu-

guês António Nóvoa, reitor hono-rário e professor catedrático do

Instituto de Educação da Univer-sidade de Lisboa, em Portugal.

Na avaliação do especialista, é preciso ampliar o debate sobre

as transformações da escola. — Talvez consigamos en-

contrar o que possa nos unir, sabendo que a escola atual

não vai continuar igual, que há um movimento de tran-sição. O nosso trabalho é menos pedagógico, menos organizacional, menos so-bre a formação do professor e é mais do ponto de vista de uma reflexão filosófica da educação — defendeu o especialista: — Temos que aprender juntos os cami-nhos de cada aluno. A esco-la é o lugar da união. Só em comum, ou seja, uns com os outros, nos educaremos. De outra maneira, não percebe-mos os desafios da comuni-cação. Pertencer ao comum não implica homogeneiza-ção. Ao contrário. Significa o esforço de nos libertar-mos. Esses são movimentos

que devemos fazer para não perdermos o ato educativo –

afirmou.Nóvoa ainda criticou pro-

postas de currículos “corta-dos em fatias”. Ele defende

ser necessário que a grade de conteúdos tenha capacidade

de interligar o mundo em tor-no de grandes temas e de gran-

des problemas. Na avaliação do especialista, não se consegue

chegar a esse objetivo “diminuin-do as filosofias ou as artes ou as

educações físicas ou outra coisa

A ESCOLA É O LUGAR DA UNIÃO

2323

Page 24: E-Book Educação 360 - 2016

dos para isso. Mas rebate.— Se isso for verdade, en-

tão, que se formem melhor os professores e se reforce a es-cola — defendeu.

O educador ainda criticou “projetos que proliferam no ano de 2016 que tentam fe-char as crianças” em seus meios sociais, como a famí-lia, a religião, a cultura ou a comunidade. Esse foi um posicionamento contrário às ideias da “escola sem parti-do” (uma suposta proibição a que os estudantes sofram ide-ologização nas salas de aula). De acordo com Nóvoa, o en-raizamento é importante, mas é preciso apresentar o mun-do aos estudantes, para uma educação libertadora.

— Claro que comunidade, família e religião têm direito e obrigação de educar. Mas a educação escolar é de outro tipo. Nós professores apresen-tamos o conjunto de toda a humanidade e visões do mun-do para que a criança queira novos olhares. Muitas políticas educativas são erradas porque acham que a educação é um serviço e as crianças, clientes. A escola não é um serviço, é uma instituição. É aquilo que nos institui como seres huma-nos e na vida em democracia.

O professor defende ainda que os professores assu-mam a formação uns dos outros, em troca de co-nhecimento. De acordo com Nóvoa, a educação não pode ser fechada apenas dentro da escola. Há, hoje, uma capilari-dade educativa que cria uma malha de conhecimento. Uma trama de possibilidades, como diz Nóvoa, que existe nas nossas cidades e sociedades. E esse espaço ocupado pela escola deve ter liberdade, par-ticipação e deliberação — se-gundo o especialista, não há compromisso sem essas con-dições. Os rumos das políticas públicas da educação não po-dem ser “ditados” apenas pe-los políticos.

— Nessa trama em que se faz o espaço público da edu-cação, o espaço da escola tem que ter, ao mesmo tempo, liberdade, participação e po-der de decisão. Nós (profes-sores) temos que decidir sobre a educação. Não podem ser apenas os políticos. A educa-ção existe num espaço público

de liberdade, participação e de-liberação. Nós professores te-mos a nossa palavra a dizer. Essa deliberação é absoluta-mente central. O espaço pú-blico tem que ser deliberativo, onde se envolvem professores e os pais, não como clientes do serviço, mas como cida-dãos com direito a falar sobre a instituição escola — afirmou Nóvoa: — Não há trabalho mais forte na pedagogia do que a palavra cooperação. Ela vem de muito tempo atrás. Vamos formar mutuamente uns aos outros. Sabemos que os alunos aprendem mais uns com os outros do que com o professor, o que não diminuiu em nada o nosso trabalho e nossa responsabilidade, mas nos faz organizar o trabalho de maneira diferente.

O esforço, segundo ele, é

“Muitas políticaseducativas sãoerradas porque acham que aeducação é um

serviço e ascrianças, clientes”

2424

Page 25: E-Book Educação 360 - 2016

parte funda-mental do proces-

so de aprendizado. Segundo Nóvoa, “a aprendizagem só acontece quando, juntos, nos descobrimos e nos recriamos”. Para ele, quando alunos e pro-fessores não fazem esforço, ficam “amputados” de uma parte da humanidade, daquilo que ele acredita que permite enxergar. Para Nóvoa, esse é um trabalho de autoconheci-mento, de interconhecimento, que une os atores da educa-ção em um conhecimento com consciência humana.

— O meu maior pesadelo é a indiferença. Esse pesade-lo estava adormecido há uns anos, mas renasceu muito forte para a preparação dessa palestra. Lembro-me de uma citação brutal. Dizia que a Pri-meira Grande Guerra Mundial não aconteceu porque havia

o mal, o crime e pessoas violen-

tas. Não foi por isso. Aconteceu, sobretudo,

pela indiferença de quase todos nós. Foi a incapacida-de de perceber que estava acontecendo alguma coisa que permitiu a guerra. Nós professores não podemos nos esquecer disso. Na escola, não podemos cultivar a indiferen-ça ou um conhecimento que não tenha humanidade — re-sumiu Nóvoa: — Nada substi-tui o bom professor.

O português ainda fez uma crítica à formação inicial do professor no Brasil. Para ele, há uma enorme fragmentação na graduação brasileira. Ele também cobrou maior parti-cipação das universidades do país. De acordo com Nóvoa, o Brasil tem um conjunto de boas universidades, sobretudo públicas, mas que não têm as-sumido um compromisso for-te com a educação básica. Por outro lado, ele vê uma multi-plicação perigosa de institui-ções privadas que, tirando, como diz, notáveis exceções,

têm pouca qualidade e recor-rem de forma muito generali-zada e medíocre a cursos de educação à distância.

— Digo duas coisas sobre a formação dos professores no Brasil. A primeira é sobre a formação inicial. A meu ver, isso acontece aqui de uma forma muito fragmentada. Há licenciaturas disso, daqui-lo, faculdades, institutos... Essa fragmentação impede que haja um lugar dentro da universidade que tenha como funcionalidade formar o professor. Todas as profis-sões têm. Há um lugar para os médicos serem formados, a escola de Medicina. E não há na Educação por quê? Por causa do pressuposto de que o professor exerce uma ativi-dade fragmentada. Professor de Matemática, de História... Enquanto não houver esse lu-gar, é muito difícil se construir uma identidade da formação de professores. Esse lugar é difícil de construir. Porque, além de ser um lugar dentro da universidade, tem que ter a profissão lá dentro. Não há formação sem a profissão, sem outros professores. Não posso formar médicos apenas com biólogos e químicos. Ao mesmo tempo, não posso for-mar médicos sem professores. E ter a profissão não necessa-riamente é ter a prática. É ser-mos capazes de construir um espaço em que essa formação e essa socialização se fazem. É fazermos a pergunta que nun-ca fazemos: como formar um professor profissional? Temos medo da palavra “profissio-nal“e não deveríamos ter — afirmou Nóvoa.

2525

Page 26: E-Book Educação 360 - 2016

mesas dedebate

TECNOLOGIA E INOVAÇÃO

O modelo tradicional de sala de aula pouco mu-dou no último século,

mas o advento de novas tecno-logias tem transformado a rela-ção dos alunos com o processo de aprendizagem. Enquanto alguns professores insistem

em considerar invasores ob-jetos como smartphones e tablets, outros já os veem como importantes aliados. O desafio dos educadores diante da era tecnológica foi o tema da mesa “Tec-nologia e inovação”. O debate, mediado pelo jornalista Octavio Guedes, contou com a presença da

professora Léa da Cruz Fa-

gundes, mestre em Educação e doutora em Psicologia pela Uni-versidade de São Paulo (USP), e de David Cavallo, professor vi-sitante da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFBS) e diretor do grupo de pesquisa Future of Learning no Media Lab do Ins-tituto de Tecnologia de Massa-chusetts (MIT).Ao longo do debate, foram apresentados três estudos de caso que mostraram que a tec-nologia pode — e deve — estar presente no dia a dia dos estu-dantes.— No século passado, o profes-sor tinha o papel de repetidor. Mas o professor não tem mais o mesmo papel, e a escola não

David Cavallo, Léa Fagundes, Bruna Waitman e André Ferreira

2626

Page 27: E-Book Educação 360 - 2016

deve ser mais esta que ainda vemos hoje. A sala de aula é ab-solutamente tradicional, fecha-da, com 30 alunos da mesma idade, estudando os mesmos conteúdos — disse a profes-sora Léa Cruz Fernandes, que lançou a seguinte provocação à plateia: — Por que tem que ser assim? Por que não pode-mos ter disposições diferentes,

modelos de ensino diferentes e até alunos de diferentes idades aprendendo juntos?O primeiro estudo de caso apre-sentado foi o do Media Educa-tion Lab (MEL), uma organiza-ção que acredita na rede digital como ferramenta de conexão entre alunos, empresas, gover-nos e organizações sociais para transformar a educação de for-ma criativa. A ideia foi aplaudi-da por David Cavallo. — O projeto é fantástico. Curio-samente, é a mesma filosofia que nos levou a criar, há 32 anos, o Media Lab do MIT. Isso me leva a pensar em uma única crítica, não ao projeto apresen-tado, mas ao problema estático do sistema educacional, que ainda funciona com soluções tecnológicas criadas no século XIX. Por isso precisamos incen-tivar cada vez mais a inovação e as boas ideias — diz.No segundo estudo de caso, foi apresentada a experiência da Escola Sesc de Ensino Médio, que investe na formação de do-centes para o ensino híbrido, no qual o formato tradicional é compartilhado com a aplica-ção de videoaulas. A metodolo-gia inclui o uso de dispositivos como smartphones e tablets em sala de aula.— Obrigado por compartilha-rem isso conosco — brincou a professora Léa, de 84 anos, usando a linguagem das redes sociais: — Não é comum ver novas técnicas e novos recursos nas escolas. Acho que ainda te-mos muito a aprender e a avan-çar. O terceiro estudo de caso, de-senvolvido por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), foi fo-

cado no uso de softwares edu-cacionais livres para dispositi-vos móveis. O professor Paulo Slomp e o bolsista André Ferrei-ra mostraram o site, criado por eles: uma lista com mais de 300 softwares livres voltados para o ensino que podem ser baixados e acessados por qualquer pes-soa.Para David Cavallo, referência mundial no uso de tecnologia

na educação, esse é o único ca-minho possível para um país de dimensões continentais, como o Brasil, garantir o ensino de qualidade a todos:— Quando falamos no uso de smartphones, tablets ou lap-tops, muitos vêm logo dizer que é caro. Há 32 anos, quando fun-damos nosso grupo de estudos, era impensável que hoje todos tivessem um smartphone em mãos. Quando todos começam a usar, a tecnologia se torna acessível. O baixo investimento em tecnologia na educação não ocorre por falta de recursos ou por falta de avanço tecnológico, mas, sim, por falta de vontade de experimentar coisas novas. Como oferecer educação de qualidade em escala nacional? Na minha opinião, sem tecnolo-gia, é impossível.

“O professor nãotem mais o mesmo

papel, e a escola nãodeve ser mais esta que ainda vemos hoje”

LÉA DA CRUZ FAGUNDES

“O baixo investimento em tecnologia na educa-ção não ocorre por falta de recursos ou por falta de avanço tecnológico, mas, sim, por falta de

vontade de experimentar coisas novas”

DAVID CAVALLO

2727

Page 28: E-Book Educação 360 - 2016

ESCOLA SESC EQUILIBRA O USO DE RECURSOSDIGITAIS E CLÁSSICOS

A educação híbrida sugere que sejam repensados os tempos e os espaços

da escolarização. Mas não é só. Também propõe a reorga-nização de currículos e meto-dologias de ensino, e que os processos sejam personalizados e plugados na rede digital. Sem esquecer, é claro, de convidar os alunos para participar com pro-tagonismo das novas propostas

pedagógicas. A formação de professores para o ensino híbri-do é o desafio que a Escola Sesc de Ensino Médio abraça desde a sua criação, em 2008.— No ano que vem, vamos re-ceber jovens nascidos no século XXI. O que muda na forma deles de pensar e sentir? Vimos dian-te dos nossos jovens diferenças enormes. Em 2008, recolhíamos os notebooks para os alunos não

Paulo Slomp, André Ferreira, André Ferreira (SESC), David Cavallo, Léa Fagundes e Bruna Waitman

2828

Page 29: E-Book Educação 360 - 2016

brincarem depois do horário. Mas esse processo foi derrubado quando surgiu o smartphone — contou André Ferreira, gerente acadêmico da Escola Sesc, que completou: — Não somos mais o professor clássico que os alu-nos reverenciavam e ouviam com uma certa honraria e te-mor. Também não somos os que superam, com domínio pleno, a tecnologia. Vivemos neste mun-do de frustração. Para os educadores, a entrada nesse mundo de performances virtuais não é menos complica-da do que a já desafiadora sala de aula física, na qual o caris-

ma, o domínio dos conteúdos específicos e suas possíveis ar-ticulações com outras áreas do conhecimento, capacidade de expressão e comunicação são também fundamentais.— No tempo do professor clássico, matéria nova era re-almente nova. Hoje, você en-tra em sala para apresentar o conteúdo aos estudantes e eles abrem no Google e já encon-tram tudo — disse Ferreira, que prega a atualização da escola: — Algumas instituições muda-ram rapidamente. Os bancos acompanharam a digitalização dos processos, modificaram

os fluxos, reorganizaram-se. A escola, não. Sair desse lugar é difícil. Não só do ponto de vista do professor, mas da sociedade, que clama por expectativas sem abrir mão de outras. Queremos metodologia inovadora desde que os resultados clássicos se-jam mantidos.Para o educador, o professor do

Terceiro Milênio deve valorizar as coisas não apenas pelo que guardam em si, mas pela sua potência de conexão e com-partilhamento. E, ainda, imple-mentar suas ações educativas com produtos que expressem a força da invenção, da autentici-dade e da originalidade:— Não é de tecnologia que estamos falando, mas de uma nova forma de aprender. A instantaneidade é uma carac-terística do pensamento tecno-lógico. A rede é outra. Mas eu posso dar uma aula tradicional usando um notebook e um e-board. Uma aula ao redor de uma mesa redonda pode ser mais tecnológica do que uma com alunos enfileirados. O va-lor não está no objeto, seja o notebook ou o iPad, mas na potencialização da conexão hu-mana. O valor do objeto está na capacidade de criar interfaces.

Escola Sesc de Ensino Mé[email protected]

“O valor nãoestá no objeto,seja o notebook

ou o iPad, mas napotencialização da conexão humana”

2929

Page 30: E-Book Educação 360 - 2016

Um disseminador de pro-dutos e soluções inova-doras em educação. Essa

é a definição do Media Educa-tion Lab (MEL) segundo seus fundadores, o jornalista Ale-xandre Sayad e a administrado-ra Bruna Waitman. A organiza-ção surgiu há quatro anos, com o propósito de transformar a educação por meio da tecnolo-

gia. Desde então, já nasce-ram mais de 30 projetos em parcerias com gover-nos, empresas, escolas e universidades que pro-porcionaram desde me-lhorias no processo do ensino à distância até o

desenvolvimento de apli-cativos educacionais.

— Em 2011, uma pesquisa feita nos Estados Unidos cons-

tatou que 65% dos alunos da educação básica teriam no fu-turo profissões que ainda não existem. Estamos falando de uma escola que está preparan-do adolescentes para criarem até suas próprias profissões. É preciso repensar o espaço da escola no sentido de estimular a criação, a autonomia e o pro-tagonismo dos alunos — disse Bruna.O projeto mais recente do MEL é a Plataforma Faz Sentido, lança-da no dia 12 de agosto, em par-ceria com as redes municipais de ensino de São Miguel dos Cam-pos, em Alagoas, e de Salvador, na Bahia. O objetivo é redese-nhar o segundo segmento do ensino fundamental com inova-ção e tecnologia. A plataforma, que é acessada pela internet, traz um compilado de 120 práti-cas pedagógicas que podem ser aplicadas em sala de aula.— O intuito é pensar em algo que faça mais sentido para os alunos. Esse é um segmento que tem grandes desafios em relação ao Ideb e no qual os estudantes estão enfrentando uma grande transformação, que é a chegada à adolescência — explicou Bruna.Outra ideia que nasceu no MEL foi a Oficina de Mídia, que vem mudando a rotina de uma ins-

MEDIAEDUCATION LABELABORA PROJETOS QUE UNEM TECNOLOGIA A CONTEÚDO

tituição particular de ensino em São Paulo, o Colégio Ban-deirantes.— Além de temáticas como li-teratura, gramática e redação, incluímos a alfabetização para as mídias no currículo da dis-ciplina Língua Portuguesa. Os alunos mergulham na mídia, conversam com produtores e, no fim do ano, são convidados a produzir um conteúdo para um meio de comunicação es-pecífico. O foco é na curadoria e na publicação — disse a ad-ministradora.A aplicação da tecnologia, por si só, não responde às necessi-dades dos jovens de hoje. Para a

fundadora do MEL, é preciso bo-tar as novas práticas a serviço da customização da educação e do protagonismo dos estudantes.— Num país como o Brasil, a tecnologia se mostra essencial para que possamos contemplar os interesses de cada estudan-te e, ao mesmo tempo, aten-der esses quase 40 milhões de alunos. É preciso oferecer uma educação para todos, mas tam-bém para cada um — resumiu.

Media Education Labmediaeducationlab.com.br

“Os alunosmergulham na

mídia, conversam com produtores e, no fim do ano, são convidados aproduzir um conteúdo

para um meio decomunicação específico”

Bruna Waitman

3030

Page 31: E-Book Educação 360 - 2016

Existem centenas de aplicati-vos para celulares e tablets que foram criados com fi-

nalidade exclusivamente peda-gógica. A dificuldade é saber onde encontrá-los. Para facili-tar a vida dos educadores que querem trazer tecnologia para dentro da sala de aula, o pro-fessor Paulo Francisco Slomp e o estudante André Ferreira Ma-chado, ambos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), desenvolveram o pro-jeto Software Educacional Livre para Dispositivos Móveis.O trabalho mapeou 305 apli-cativos, divididos por áreas de conhecimento, que podem ser usados como complemen-to para o processo de ensino--aprendizagem. Desses, 78 ser-vem para a educação infantil; 154, para os anos iniciais do ensino fundamental; 173, paraos anos finais do ensino fun-damental; 181, para o ensino médio; e 203, para o ensino su-perior.— Excluímos aplicativos como editores de vídeo e de texto, que também podem ser utili-zados por professores com fi-nalidade pedagógica em sala de aula, mas não trazem tecno-logia especificamente voltada para o conteúdo escolar — es-clareceu Slomp.A opção por softwares livres não se deu à toa. Na linguagem digital, “livre” é um software li-cenciado de forma pública, que permite a qualquer pessoa inte-ressada a alteração ou melhoria do conteúdo.— Às vezes, há uma certa in-compreensão em torno da ex-pressão “software livre”. Não é um sinônimo para gratuito, em-bora apenas dois dos 305 sof-

twares selecionados sejam pagos, mas significa que o programa preserva a liber-dade do usuário — expli-cou o professor, acrescen-tando que a opção vai ao encontro do protagonismo estudantil: — Hoje, o alu-no é criador do seu próprio conteúdo. Por isso, o softwa-re livre é o mais adequado para ele, permitindo que se façam alterações de acordo com suas necessidades.O trabalho de análise dos aplica-tivos começou em abril de 2015. O projeto foi finalizado em feve-reiro de 2016, quando a compi-lação foi lançada para o público, em forma de uma tabela. A lista, que pode ser acessada pela in-ternet, foi criada com a mesma configuração do site Wikipedia, que permite contribuições dos internautas. A tabela está dispo-nível em português, inglês, fran-cês e italiano.— O site com a lista está hospe-dado no portal da UFRGS. Para acessar, basta digitar o nome do projeto (“Software educacional livre para dispositivos móveis”) em qualquer sistema de busca e encontrar o link — disse Slomp.O próximo desafio do projeto é traduzir os aplicativos para as línguas nas quais a tabela está disponível.— Desses 300 aplicativos selec-cionados, 250 não estavam dis-poníveis em língua portuguesa. A prioridade será a tradução de programas já amplamente re-conhecidos para computadores de mesa que têm versão para celulares e tablets — contou o professor da UFRGS.

Software Educacional Livrehttps://goo.gl/Hov6ju

“Hoje, o aluno é criador doseu próprioconteúdo.Por isso, o

software livre é o mais adequado

para ele”

INICIATIVAMAPEIACENTENAS DE APLICATIVOS EDUCACIONAIS

Paulo Slomp

3131

Page 32: E-Book Educação 360 - 2016

Ao pensar sobre o futuro das escolas no país, não são raros aqueles que

voltam o olhar para o ensino integral, que é, inclusive, uma das metas do Plano Nacional de Educação (PNE) e foi priorizado na reforma do ensino médio proposta pelo governo. Na vi-são de especialistas, no entanto, mais do que se preocupar com o turno da escola, é necessário promover um ensino integral num sentido amplo, capaz de unir diversos campos e, princi-palmente, a educação e a cultu-ra. O tema foi debatido durante a mesa “Educação e Cultura”. — Quando a gente fala de en-sino integral, estamos falando

de muito mais que horários de estudo. Estamos falando de outros aspectos dos quais sen-timos falta na educação e que almejamos ver integrados de maneira completa — analisou Danilo Miranda, diretor regional do Sesc em São Paulo.Segundo Miranda, é preciso estabelecer a premissa de que educação e cultura devem estar entrelaçadas para promover um ensino de qualidade, o que não acontece em diversas escolas do país, onde as áreas são vistas isoladamente:— Muitas vezes há uma certa mentalidade que separa: edu-cação é uma coisa; cultura é outra. Na realidade, estamos fa-

lando da mesma coisa quando imaginamos a educação inte-gral ampla e completa.Durante o debate, foram apre-sentados três estudos de caso:

Pólen, dedicado à educação in-fantil; o Coletivo Escola Família Amazonas (Cefa), criado por pais preocupados com a quali-

EDUCAÇÃO E CULTURA

“Quando a gente fala

de ensino integral,

estamos falando de

muito mais que

horários de estudo”

DANILO MIRANDA

3232

Page 33: E-Book Educação 360 - 2016

dade do ensino oferecida a seus filhos; e o sistema de ensino in-tegral desenvolvido pela Secre-taria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Após conhecer cada caso, os pesquisadores evidenciaram a necessidade de transformar a educação brasileira para pro-mover um ensino global, que não leve em conta somente as-pectos conteudistas das discipli-nas, mas que esteja preparado para impulsionar a capacidade criativa e desenvolver habilida-des emocionais dos alunos. Fernando José de Almeida, edu-cador e filósofo, concorda que a mudança é necessária. Ele sublinhou, no entanto, que as

pessoas precisam estar cientes de que a escola não pode se desviar de sua função. Para ele, o aprendizado deve ser prazero-so, mas é natural que não seja assim o tempo todo. — A gente imagina que o es-pontâneo, o livre e o criativo é o lugar da escola, que deve dar prazer. Mas não vai dar prazer o tempo todo. Tem uma hora em que tem que sentar e es-tudar. Tem hora que tem que investir profundamente no que se está aprendendo. Há a ideia de imaginar que de um lado está a criatividade espontânea e, de outro, a organização ci-vilizatória. Mas há outro lado, está tudo do mesmo lado. Ou

aprendo com prazer, debate e empenho ou não terei prazer em aprender — argumentou o educador.Almeida defendeu ainda que a sociedade tenha mais paciência com a escola pública e lembrou que faz pouco tempo que o país conseguiu incluir a maior parte das crianças nas escolas e que isso deve ser celebrado.

Segundo ele, o sistema ainda é falho, mas é necessário olhar para os bons frutos do sistema de ensino.— Demoramos 500 anos para colocar todas as crianças na escola pública. Agora que co-locamos, vamos dizer que ela é ruim? Além de covardia, é uma falsidade ideológica. A espe-rança é que temos uma jovem escola republicana. A paciência que temos (com tudo), não te-mos com a escola pública, que deu um duro danado para colo-car todas as crianças lá dentro — defendeu Almeida, acres-centando: — Bem ou mal, hoje temos um nível de formação de professores completamente di-ferente de 15 anos atrás. Tam-bém alimentamos as crianças. Parte da responsabilidade pelo fim da fome endêmica no Bra-sil se deve à escola, que, mais do que a Igreja e o Exército, é o grande espaço de penetração na civilização brasileira.

“Ou aprendo comprazer, debate e

empenho ou não terei prazer em aprender”

JOSÉ DE ALMEIDA

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NO PROJETO PÓLEN, CRIANÇAS APRENDEM BRINCANDO“Acreditamos

que nãopodemos

padronizar as crianças. Por

exemplo,crianças da

mesma idade não precisam

ficar na mesma sala, aprendendo

as mesmascoisas.”

A quebra do modelo con-servador e a promoção da liberdade criativa das

crianças são algumas das mar-cas do projeto Pólen, do Rio de Janeiro. A proposta é que as crianças consigam otimizar seu aprendizado na educação infan-til por meio de um mecanismo bastante simples: o livre brincar. O aluno passa a descobrir o co-nhecimento a partir de seus im-pulsos criativos, e os professo-res respondem às curiosidades e estímulos que chegam a eles por parte das crianças. — Estamos falando de novas atitudes. Há uma educação que determina que as crianças têm que chegar a algum lugar,

cumprir algum objetivo, alcan-çar uma meta. Essa meta é nor-malmente extrínseca, ou seja, as crianças não participaram da sua construção. Os educadores, por sua vez, estão sempre pres-sionados a cumprir o que o cro-nograma diz. Precisamos atuali-zar nossa cultura. Acreditamos que não podemos padronizar as crianças. Por exemplo, crianças da mesma idade não precisam ficar na mesma sala, aprenden-do as mesmas coisas. Queremos mudar esta estruturação que temos na sociedade de adulti-zar a infância — afirmou Ma-riana Carvalho, coordenadora do Pólen.Nas palavras dos organizadores,

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trata-se de “uma educação para crianças e adultos se conecta-rem”. O projeto Pólen é uma iniciativa-piloto para uma esco-la de educação infantil que será inaugurada no ano que vem, no bairro do Cosme Velho, com o nome de “Espaço Cria”. Atual-mente, o Pólen atende 30 alu-nos, que têm autonomia para utilizar os espaços da escola sob a supervisão de educadores. — As crianças aprendem com educadores sensíveis e que es-tão dispostos a entrar em rela-ção. Temos como foco o encon-tro, a relação que se estabelece entre a criança e o educador. É a partir desse encontro que emer-gem os contextos nos quais a gente amplia território e cultu-ra. Os alunos vão aprendendo a partir dessas experiências — argumentou Mariana Carvalho. As atividades acontecem livre-mente. Se a criança manifesta seu interesse sobre uma planta,

os educadores orientam o de-senvolvimento de atividades a partir do que ela percebeu. Na área externa do imóvel onde funciona o Pólen, os alunos po-dem, por exemplo, utilizar um espaço destinado às artes plás-ticas da maneira que quiserem e pelo tempo que desejarem. As tarefas lúdicas, de acordo com Mariana Carvalho, potenciali-zam o desenvolvimento senso-rial e cognitivo dos pequenos:— Educação é processo, não é resultado. A criança tem que ter tempo para aprender não só cognitivamente, mas para utili-zar todas as suas inteligências emocionais, criativas, sensoriais e poder de fato ter um aprendi-zado integral.

Espaço Cria/ Pólenwww.espacocria.com.br

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ESCOLAS DO RIO DE JANEIROCOMEÇAM A COLHER OS FRUTOS DO TEMPO INTEGRAL

A união entre a eficácia no aprendizado e o pra-zer em estudar é o que

busca a Secretaria municipal de Educação do Rio de janeiro. Para viabilizar o projeto, o mu-nicípio concebeu um novo mo-delo de escola. Foram criados 38 ginásios cariocas, nos quais os alunos, que antes ficavam na escola quatro horas e meia, passaram a ter uma rotina de sete a oito horas. Nessas esco-las, além das disciplinas regu-lares, os alunos têm matérias eletivas e incentivo a outras ha-bilidades, como artes.De acordo com a secretária de Educação, Helena Bomeny, as turmas reorganizadas em turno único têm correspondido às ex-pectativas. No Índice de Desen-volvimento da Educação Básica (Ideb) de 2015, dos dez melho-res resultados da rede, sete são de ginásios experimentais.— Vimos que a gente tinha que mudar a organização das esco-las e propor turno único de sete horas. Estamos nesse processo e, para organizar a rede inteira dessa forma, precisamos cons-truir mais escolas — contou Helena.Algumas unidades são foca-das em outras atividades além

do ensino regular, como músi-ca, artes plásticas e esportes, o que, segundo a secretária, con-tribui para reduzir os índices de evasão. Em 34 ginásios, o turno é de sete horas, enquanto em outros quatro (voltados para o esporte) a carga horária é de oito horas por dia. No novo modelo, os alunos têm algumas disciplinas eletivas, como Pro-jeto de Vida, em que os jovens desenvolvem competências emocionais, discutem valores, aprendem a se relacionar com o outro e traçam caminhos que os ajudem a se aproximar de seus sonhos e escolhas. Segundo Helena, o formato encontrado será gradativamente incorpo-rado às demais unidades esco-lares do município, atendendo cerca de 640 mil alunos.— A gente não pode fazer uma coisa para um grupo pequeno de escolas que depois não pos-sa ser expandida para toda a rede — defendeu.Ao observar a transição do pri-meiro segmento do ensino fun-damental para o segundo seg-mento, a secretaria identificou que 25% dos alunos do sexto ano eram reprovados. Entre as causas está a mudança abrup-ta de estrutura, já que do 1° ao 5° ano o aluno tem somente uma professora e, quando pas-sa para o 6°, tem cerca de oito professores. Assim, a prefeitura constituiu o 6° ano experimen-tal. Nesse modelo, o professor generalista é mantido nos mol-des da estrutura do primário e,

além dele, as crianças têm aulas com professores específicos de Educação Física, Arte e Inglês. Atualmente, há 273 escolas totalizando 632 turmas que se-guem o modelo.Nas provas bimestrais e na Pro-va Rio — avaliação feita nos moldes da Prova Brasil —, o desempenho do 6° ano expe-rimental foi melhor que o dos

estudantes que estão em clas-ses regulares. Em 2015, a mé-dia dos alunos do novo modelo na Prova Rio de Matemática foi 7,06, enquanto a média da rede ficou em 6,27. Já na Prova Rio de Português, os alunos do 6° experimental obtiveram pontu-ação 7,01, enquanto os demais registraram 6,27.De acordo com a Secretaria de Educação, há 688 escolas com classes em turno único no mu-nicípio. Dessas, 214 no ensino fundamental e 474 na educa-ção infantil.

Secretaria municipal deEducação do Rio de Janeirohttp://www.rio.rj.gov.br/web/sme

Helena Bomeny

“Normalmente oaluno encontra uma

escola e tem que se adaptar a ela. Então, fizemos um modelo

voltado para esse aluno adolescente”

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Page 37: E-Book Educação 360 - 2016

EM MANAUS, GRUPO DE PAIS GERA POLÍTICA PÚBLICA

Escolher a escola para ma-tricular o filho nem sempre é fácil. Depois de procurar

aqui e ali, um grupo de pais de Manaus, insatisfeitos com o modelo que encontraram em grande parte das escolas da ci-dade, decidiu elaborar um for-mato próprio com o que consi-derava ideal para a educação de seus filhos. Perceberam, então, que uma boa escola não deve-ria ser um privilégio de poucos e resolveram se engajar na pro-moção de uma educação públi-ca inovadora e de qualidade. O resultado foi o Coletivo Escola Família Amazonas (Cefa), que desenvolve projetos educacio-nais em escolas públicas de Ma-naus.— Começamos em abril do ano passado com um grupo de pais e mães inquietos em busca de alternativa escolar para seus fi-lhos. Na rede particular, a gente via um padrão de escolas con-teudistas, mercantilizadas; na rede pública, um padrão caóti-co das escolas municipais e es-taduais — contou Ana Bocchini, uma das fundadoras do projeto.Para encontrar seu modelo, o Cefa buscou inspiração em es-colas com um ensino que inte-grasse melhor os alunos e os pais no processo educacional. Na conceito do projeto, des-tacam-se algumas premissas, como o envolvimento da famí-lia e a participação dos alunos nas decisões da escola, inclusi-ve com a promoção de assem-bleias estudantis, entre outras iniciativas.

— A gente se encantou com as escolas democráticas e a con-cepção de educação integral. Então, começamos a convidar as pessoas a romper com a escola tradicional — lembrou Ana.Cefa possui articulação direta com três escolas da rede e auxi-lia na formação de professores da prefeitura de Manaus. Após diversas reuniões com a Secre-taria de Educação, a prefeitura decidiu fazer um projeto-pilo-to para seguir as premissas do Cefa. Assim foi criada a Escola Municipal Maria das Graças An-drade Vasconcelos, conhecida como “Gracinha”. Para imple-mentar o novo formato, com ensino integral, a escola come-çou em julho deste ano ofere-cendo somente o 1° e o 2° ano do ensino fundamental, aten-dendo 50 crianças transferidas de outras escolas. — É um desafio porque temos que fazer uma caminhada de desconstrução com os alunos, com os pais, com os professo-res, com gestores e servidores para que possamos enxergar uma nova maneira de educar — afirmou Ana Regina Garcia, diretora da escola. Para a gestora, é preciso aten-ção especial à adaptação dos alunos ao novo ambiente esco-lar, que concede mais liberdade. No Gracinha, não há carteiras enfileiradas, os alunos compar-tilham mesas. Além disso, todas as crianças estão em um amplo salão, sob supervisão de três professores.

“A gente seencantou com

as escolasdemocráticase a concepçãode educação

integral”

— Estamos num ambiente bo-nito e amplo, e isso não faz parte do cotidiano das crian-ças. Geralmente, elas tinham aula em prédios escuros, sem quadra, sem área externa, com carteiras uma atrás da outra. Então, quando eles chegam àquele espaço aberto, é quase como uma colônia de férias. Aí começamos a trabalhar a liber-dade com responsabilidade — explicou Ana Regina.

[email protected]

Ana Bocchini

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Os alunos se sentem aco-lhidos na escola? Há es-paço para resolver con-

flitos por meio do diálogo? Os professores se sentem apoiados e seguros? Se a resposta para alguma dessas perguntas for “não”, talvez seja a hora de melhorar o ambiente.Esse foi o tema da mesa “Cli-ma escolar”, que contou com a participação da pedagoga e professora da Unicamp Telma Vinha e de Ricardo Paes de Bar-ros, economista-chefe do Insti-tuto Ayrton Senna e professor do Insper. Durante a conversa, mediada pelo jornalista Octavio Guedes, foram apresentados três estudos de caso que mos-

traram estratégias criativas e bem-sucedidas para melhorar o humor de professores e alunos em sala de aula.— Quando se pensa em reforma ou melhoria do clima escolar, é preciso focar em alguns itens: criar comunidades cooperati-vas dentro da escola, promover apoio a alunos e professores, garantir espaço para resoluções dialógicas de conflitos e incen-tivar a participação estudantil. Além disso, é preciso fazer com que os indivíduos se sintam respeitosamente desafiados. A escola tem que levar o aluno à superação de si mesmo — disse Telma Vinha.Foram esses os fatores que

transformaram a rotina do Cen-tro Integrado de Educação de Jovens e Adultos (Cieja) Cam-po Limpo, na Zona Sul de São Paulo. Há 18 anos, ao saber que ficaria à frente de uma escola

no Capão Redondo, bairro com maior índice de criminalidade da capital paulista, a diretora Êda Luiz abriu os portões para

“É preciso fazer com

que os indivíduos se

sintam respeitosamente

desafiados”

TELMA VINHA

CLIMAESCOLAR

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a comunidade e nunca mais fechou. A iniciativa chamou a atenção de Ricardo Paes.— Se existe um lugar onde a equidade da sociedade tem que

nascer, é na educação. Se a edu-cação começar com desigualda-des, a sociedade vai ser toda desigual — disse o economista,

que acrescentou: — Não exis-te educação sem quatro itens fundamentais, que devem estar presentes na formulação das políticas públicas: acolhimento, expectativa, protagonismo e ri-queza em oportunidades.O segundo estudo de caso fo-cou na inclusão. Idealizadora do Movimento Down, Maria Antonia Goulart mostrou que, com boa vontade e determina-ção, qualquer escola é capaz de atender alunos com necessida-des especiais.— Quando se fala em inclusão, o grande desafio é a mudança de cultura. Mais do que desen-volver conteúdo curricular, é preciso aprender a se relacio-

nar com o outro, a lidar com a diversidade. Para essas crian-ças, tanto a aprendizagem da igualdade como a da diferença se darão na escola — afirmou Telma Vinha.A alfabetização emocional foi o tema do terceiro estudo de caso. Depois de desenvolver uma oficina no sul da Itália, a artista plástica Lívia Moura trouxe para a escola america-na Our Lady of Mercy School (OLM), no Rio, um projeto vol-tado para as relações interpes-soais e para o trato dos senti-mentos.— O cuidado de olhar para os sentimentos é fundamental. Ninguém comete suicídio ou se divorcia porque não sabe raiz quadrada ou não gravou os nomes dos rios da Bacia do Amazonas, mas, sim, porque não soube expressar seus sen-timentos ou lidar com os dos outros. Olhar para os senti-mentos e desenvolver questões intrapessoais é o primeiro passo para regular os atos dos estu-dantes — analisou Telma Vinha.Ao fim da apresentação dos estudos de caso, Ricardo Paes de Barros se mostrou impressio-nado com as boas iniciativas e provocou:— Como um país que tem pro-blemas educacionais tão gra-ves apresenta soluções educa-cionais tão brilhantes? Vimos aqui três soluções fantásticas. E não são exceções. Temos isso espalhado pelo Brasil afora. Por que, na educação, ideias brilhantes não são copiadas? Evidentemente teriam que ser adaptadas, mas o problema educacional brasileiro não é falta de criatividade, é falta de difusão de boas ideias.

“O problema

educacional brasileiro

não é falta de

criatividade, é falta de

difusão de boas ideias”

RICARDO PAES DE BARROS

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NO CAPÃO REDONDO (SP), PORTAS ABERTAS TRANSFORMA O CLIMA NA ESCOLA

Há 18 anos, ao saber que ficaria à frente de uma escola localizada no Ca-

pão Redondo, bairro com maior índice de criminalidade da capi-tal paulista, a diretora Êda Luiz tomou uma atitude de cora-gem: escancarou os portões da unidade de ensino. Ainda hoje, quem passa na porta do Centro Integrado de Educação de Jo-vens e Adultos (Cieja) Campo Limpo, na Zona Sul de São Pau-lo, sente-se convidado a entrar. Não por acaso. O envolvimento da comunidade é um dos pila-res da construção de um bom clima escolar.— Começamos fazendo assem-

bleias para trabalhar o conceito de público e privado. Percebe-mos a necessidade de o prédio ter uma boa aparência física. Como o principal objetivo era o acolhimento, perguntamos o que eles gostariam de ter para frequentar e acreditar numa es-cola. Eles pediram carteiras para se sentar. Então, pensamos que eles também precisariam de um espaço harmonioso, alegre, e até de um bonito jardim — con-tou Êda.O Cieja conta atualmente com 1.300 alunos de 15 a 89 anos, sendo 285 portadores de ne-cessidades especiais. As aulas acontecem de segunda a quin-

ta-feira. Na sexta-feira, os alu-nos levam trabalhos para fazer em casa, enquanto os professo-res se reúnem para a formação continuada. Os portões ficam abertos das 7h às 21h30m.— Fico me perguntando por que uma escola pública é tão fechada se é pública. A gente trabalha com tanta sensibilida-de que todo mundo entende seu papel e respeita o espaço. A sala de informática, por exem-plo, é usada por toda a comuni-dade, em horários combinados — refletiu Êda.Para aproximar os alunos do conteúdo, no início do ano, os educadores perguntam que te-

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“A gentetrabalha

com tantasensibilidade

que todo mundo entende seu

papel e respeita o espaço”

mas eles gostariam de estudar. Os assuntos são selecionados e agrupados e, normalmente, gi-ram em torno de quatro temas principais: trabalho, comida, fa-mília, esporte/viagem. Os pro-fessores trabalham por um mês cada área de conhecimento. Nessa escola, não há séries. Os alunos aprendem em módulos.— Percebemos que esses temas eram as preocupações do nosso público, que, de maneira geral, é formado por excluídos ou por quem, de alguma maneira, pas-sou por uma escola, mas não conseguiu concluir o estudo. O acolhimento se dá pelo res-peito. Fazemos um diagnóstico para ver o que o aluno sabe, como entende a escola e como pretende se inserir nessa comu-nidade — explicou Êda.Em vez de disciplinas, a escola trabalha com quatro grandes áreas de conhecimento: lingua-gens e códigos (Português e Inglês), ciências humanas (Ge-ografia e História), ciências do pensamento (Ciências e Filoso-fia) e ensaios lógicos e artísticos (Matemática e Artes).Os alunos estudam cada uma delas durante quatro semanas e desenvolvem o que chamam de

sequência a partir de problemas que eles mesmos levam para as aulas. Os professores fazem a mediação do processo. Para isso, são usados livros, jornais, revistas e o que mais os estu-dantes considerarem relevante para a solução.

Cieja Campo [email protected]

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Page 42: E-Book Educação 360 - 2016

A invisibilidade da defi-ciência impressiona. A constatação é da advo-

gada Maria Antonia Goulart, uma das idealizadoras do Mo-vimento Down, iniciativa que reúne informações, conteúdos e experiências que contribuem para a inclusão de pessoas com síndrome de Down e deficiência intelectual na escola e em outros espaços da sociedade.Foi quando sua segunda filha nasceu com síndrome de Down que a gaúcha parou para pensar sobre a deficiência e percebeu que o tema não estava presente, até então, em suas práticas ou em suas preocupações. O mes-mo acontece com as instituições de ensino. A maioria das escolas

não está preparada para lidar com a educação in-clusiva. — Quando a escola é particular, diz na lata que não tem vaga. Quando é uma escola pública, fala que vai re-

ceber o aluno, mas que provavelmente ele não vai

aprender, pois a unidade não está preparada. É preciso

romper esse paradigma. A gen-te nunca está preparado para algo que não é do nosso dia a dia. Para lidar com um alu-no que não se encaixa naquilo que se esperava, é preciso reor-ganizar tudo, desde o material pedagógico até a nossa própria postura como educador — dis-se Maria Antonia.O movimento tem uma parceria com o Colégio Pedro II, para o qual presta uma espécie de as-sessoria. O desafio de receber o aluno com deficiência foi abra-çado há quase duas décadas pelo Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, desde que foi instituída a admissão de alunos por sor-teio. A mudança no perfil de estudantes que ingressavam na instituição federal provocou algumas mudanças. No ano 2000, foi criado um laboratório de aprendizagem. Depois, em 2004, criou-se uma secretaria de educação especial, pois até então a escola não tinha uma seção que respondesse por es-ses alunos. Em 2009, foram implantadas salas de recurso multifuncional e, mais recente-mente, foram criados núcleos de atendimento a pessoas com necessidades específicas.— Criamos um sistema de en-sino colaborativo para acom-panhar o aluno em sala. Além

MOVIMENTO DOWNDESENVOLVE PROJETOSVOLTADOS PARA A INCLUSÃO

disso, damos apoio no contra-turno e promovemos uma in-teração constante com os pro-fessores nas ações didáticas e na elaboração de materiais didáti-cos de estudo — disse Márcia Marin, professora de primeiro segmento do Colégio Pedro II.A ideia do ensino colaborativo pressupõe que o professor sirva como mediador da aprendiza-gem. Em alguns momentos, é

preciso individualizar o ensino, ajustar estratégias para que o objetivo comum seja alcançado.— Às vezes, um aluno pergun-ta: “Então ele é protegido?”. Sim, claro. Para garantir a equi-dade, é preciso tratar de forma diferente. Se um estudante é cego, não posso dar um texto em tinta. Para garantir justiça, é preciso garantir equidade — afirmou Márcia.Para a professora, a inclusão se dá a partir do acesso, da per-manência e da aprendizagem:— Não é simples. Sofremos muitos embates e enfrentamos situações cotidianas difíceis. É preciso pensar sempre os re-cursos e estratégias pedagógi-cas com um desenho universal, de forma a precisar de menos adaptações diante das mais va-riadas necessidades — disse.

Movimento Downmovimentodown.org.br

“Para lidar

com um aluno que

não se encaixa

naquilo que se

esperava, é preciso

reorganizar tudo”

Maria Antonia Goulart

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Page 43: E-Book Educação 360 - 2016

ALFABETIZAÇÃOEMOCIONAL ESTIMULAO CUIDADO COM OSSENTIMENTOS

A falta de um trabalho vol-tado diretamente para as relações interpessoais

e para o trato dos sentimentos na sua própria formação quando criança motivou a artista plástica Lívia Moura a desenvolver um projeto de alfabetização emo-cional voltado para os peque-nos. Depois de desenvolver uma oficina no sul da Itália, Lívia trou-xe para a escola americana Our Lady of Mercy School (OLM), no Rio, um projeto voltado para as relações interpessoais e para o trato dos sentimentos.Durante uma hora, uma vez por semana, as cadeiras da sala de aula são afastadas, e as crianças se sentam no chão para dar iní-cio à atividade.— A ideia é trabalhar a liberação das emoções e, depois de colo-cá-las para fora, transformá-las. É muito importante entrar em contato com esses sentimentos. A gente dá instrumentos para que as crianças resolvam os conflitos internos delas — disse a artista plástica.Cada aula tem uma dinâmica diferente, mas costuma envol-ver contação de histórias, ativi-dades com música e meditação. Depois, vem o ponto alto do encontro, que envolve dança ou teatro para liberar as emoções das crianças.Para encerrar, Lívia conver-sa com os alunos sobre o que eles sentiram na aula e oferece uma atividade relacionada às

emoções do encontro para eles pensarem durante a se-mana. O projeto foi realizado com estudantes do 3° ano do ensino fundamental.A psicóloga da OLM, Dul-ce Silveira, vinha ensinando para as crianças relaxamento e meditação, que, segundo ela, casam perfeitamente com a iniciativa de Lívia.— Nós somos mais do que uma escola tradicional, quere-mos dar estímulos para a crian-ça levar para a vida toda — ex-plicou Dulce.Diana Leite, professora da OLM, também participou da apresen-tação e acredita que a alfabe-tização emocional seja tão im-portante quanto o aprendizado de Português e de Matemática.— O projeto agregou não apenas do ponto de vista da educação formal, mas principalmente na questão emocional. A gente per-cebe como as crianças estavam precisando disso. Dentro daquele ambiente fechado, chega uma hora em que precisam levantar da cadeira e botar para fora os sentimentos. Tivemos vários ti-pos de catarse. Era um recreio das emoções — disse Diana.

Alfabetização [email protected]

“A gente dá instrumentos para que as

criançasresolvam os conflitos

internos delas”

Dulce Silveira

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Page 44: E-Book Educação 360 - 2016

Projetos que olham para o futuro da educação. Foi assim que a ex-secretária

nacional de Educação Básica do Ministério da Educação Maria do Pilar Lacerda e o sociólogo e membro do Conselho Nacio-nal de Educação César Callegari observaram os estudos de caso Territoriar, Alanna e Menino 23 apresentados na mesa “Educa-ção e Comunidade”.Pilar lembrou que a escola é feita de muros, físicos e sim-bólicos, que afastam as famí-lia das unidades escolares. Na avaliação de César Callegari, o projeto Territoriar, que chama a comunidade para debater quais espaços serão reformados, tam-

bém se destaca por fazer essa aproximação entre famílias, professores, alunos e diretores. A inicativa promove o espaço fí-sico de escolas como motor de uma transformação no aprendi-zagem dos alunos. — Não é a escola se colocando num altar. É ela tendo um proje-to de interação. Isso é indispen-sável. Qualquer escola boa tem, como prática, o envolvimento efetivamente participativo — defendeu. Para os especialistas, a dispo-sição das carteiras em círculo torna o ambiente mais demo-crático.— Um atrás do outro é sempre opressor. Esse projeto tem tudo

a ver com a educação integral como concepção. Não está pensando só na parte estética, o que por si só já é importante, está preocupado com o acolhi-mento e como isso impacta no projeto político-pedagógico do colégio — disse Maria do Pilar. O Instituto Alana apresentou o prêmio Criativos da Escola para o Brasil. Nele, projetos que valo-rizem a empatia, o protagonis-mo, a criatividade e o trabalho em equipe recebem R$ 3 mil e são destacados para que virem exemplos para outras ideias inovadoras. Para Callegari, o trabalho de autoria, desenvol-vido pela iniciativa, é um tema central no processo educativo.

“O que se precisa fazer são processos

integradores, quetenham significados

aos alunos, quesejam autorais”

CÉSAR CALLEGARI

EDUCAÇÃO E COMUNIDADE

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Page 45: E-Book Educação 360 - 2016

— Isso quebra a ideia clássica de que o aluno não é o autor e que só deveria receber infor-mações. A natureza criativa é fundamental para integrar co-nhecimentos. Às vezes, você vê propostas de reforma do ensino médio que pretendem comba-ter o número excessivo de dis-ciplinas diminuindo o currículo. E isso não é a solução. O que se precisa fazer são processos integradores, que tenham sig-nificados aos alunos, que sejam autorais — afirmou Callegari. Já a professora Maria do Pilar ressaltou que as característi-cas buscadas nos projetos pelo Criativos da Escola — como protagonismo escolar, empa-

tia, criatividade, entre outros — estão muito antenadas com o “aprender no século XXI”. De acordo com ela, intervenções como essas fazem as crianças ensinarem os professores. — O projeto tem essa delicade-za de colocar os meninos como autores. Dá protagonismo, é criativo e, ao mesmo tempo, garante a aprendizagem. Esse é o nosso desafio. Os jovens são capazes de aprender muito mais dessa maneira comparti-lhada — afirmou a gestora. Pilar e Callegari ainda comenta-ram a participação do historia-dor Sidney Aguilar Filho, autor da tese de doutorado em Histó-ria da Educação que se transfor-

mou no documentário “Meni-no 23”. O filme conta a história de 50 crianças negras levadas de um orfanato no Rio de Ja-neiro para a pequena Campina de Monte Alegre, interior de São Paulo, na década de 1930. Na avaliação de Maria do Pilar, a obra deve ser usada de forma pedagógica. — A gente tem essa coisa de dizer que o Brasil não tem ra-cismo. Lorota… O número de mortes de negros no país é impactante. Enquanto a gente esteve falando aqui, morreram quatro ou cinco. Ao negar o direito à educação à juventude negra e pobre, a gente conti-nua negando a infância dessas crianças, como aconteceu com as crianças do filme — afirmou Pilar. Já Callegari observou que a his-tória é um documento histórico de algo que, segundo ele, está sempre ameaçado: o direito à aprendizagem. De acordo com o especialista, esse problema se reflete, no Brasil contempo-râneo, em projetos como o de escola sem partido: — Eles pretendem amordaçar escolas cerceando a discussão de temas como gênero, sexua-lidade, política e desigualdades. Isso é ceifar os alunos da ne-cessária conscientização e for-mação completa. O estudante não pode ficar alheio aos temas sensíveis. Isso nos chama aten-ção de que temos que estar vi-gilantes e mobilizados. Não po-demos permitir uma educação pobre para os pobres.

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DOCUMENTÁRIO DESPERTA NOVAS FORMAS DE ENSINAR E DE APRENDER

Cinquenta crianças negras foram levadas de um or-fanato do Rio de Janeiro

para a pequena Campina de Monte Alegre, interior de São Paulo, na década de 1930. Lá, foram submetidas a trabalhos forçados. A história teria fica-do escondida caso o historiador Sidney Aguilar Filho não tivesse ouvido uma aluna. Durante uma aula, em 1998, uma jovem con-tou que havia tijolos com suás-ticas, o símbolo nazista, em sua fazenda. O pesquisador, então, foi atrás e descobriu o enredo, que virou uma tese de doutora-do em História da Educação e serviu de base para a produção do documentário “Menino 23”, de Belisario Franca.

— Uma das coisas mais encan-tadoras que ouvi aqui foi a de-fesa da necessidade de ouvir os nossos alunos. Ainda é muito comum nós, professores, não levarmos a sério quando um aluno fala. Isso é um erro — dis-se Aguilar.Em sua pesquisa, o historiador conseguiu encontrar duas víti-mas ainda vivas: Aloísio Silva e Argemino Santos. Os então ga-rotos viveram quase dez anos na fazenda. Lá, eram tratados apenas como números. Aloísio Silva foi o menino 23, que dá nome ao documentário. O cár-cere terminou quando o presi-dente Getúlio Vargas se aliou aos Estados Unidos, na Segun-da Guerra Mundial, e passou

a ser crime fazer menção ao nazismo. “Eles (os fazendeiros) abriram a porteira e mandaram a gente embora. Simplesmen-te, que nem gado”, lembra, na obra, o menino 23, que morreu em 2015.— Fiz o trabalho com a preo-cupação de formar professores. A ideia era pensar como uma história trágica de homens ricos que pegam 50 meninos pretos e pardos de 10 anos sob alega-ções educacionais e os levam para outro estado, que renas-ceu em sala, poderia colabo-rar para pensar a educação de hoje, a educação do futuro. Já ouvia meus alunos, mas ima-ginava, de maneira arrogante, que eu soubesse como educar.

Sidney Aguilar Filho

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Page 47: E-Book Educação 360 - 2016

“O filmevirou uma

ferramenta para processo de criação de cidadania”

Esse estudo me impôs a neces-sidade de repensar meu cotidia-no, de tomar mais cuidado com o que eu fazia e me indagar se eu não estava fazendo alguma coisa que hoje é natural, mas que, depois, ao olhar para trás, condenarei — contou Sidney. A ideia de repensar as práticas cotidianas levou a equipe do fil-me a fazer uma campanha de impacto para o debate. A res-ponsável foi a produtora Ros-sana Giesteira. O objetivo era levar o filme para discussão em diferentes espaços, uma sala de aula expandida para outros locais. Na avaliação com Agui-lar, a equipe começou a refletir com a sociedade os temas de que o filme trata. — A campanha serve para dis-cutir as camadas que o filme

traz e para fazer com que consi-ga ser, de fato, ferramenta para ajudar projetos político-peda-gógicos. Nós entendemos que ele tem uma vocação pedagó-gica e, por isso, começamos os debates um ano antes do lança-mento do filme com pequenos grupos, gerando conteúdo nas plataformas digitais — explica Rossana: — O filme virou uma ferramenta para processo de criação de cidadania. A gente aprendeu que, em cada con-texto, o documentário é único. Pode ver cem vezes que o con-texto será único, porque a visão daquelas pessoas vai ser sem-pre diferente.

Produtora [email protected]

Rossana Giesteira

4747

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Reconhecer projetos que valorizem a empatia, o protagonismo, a criativi-

dade e o trabalho em equipe. É isso que faz o prêmio Criativos da Escola, promovido no Brasil pelo Instituto Alana.— A grande narrativa da educa-ção fala sobre os piores, o que não está dando certo, o que é problema. Quando a gente olha para os piores, parece que o caminho é longo demais. A questão que a gente sempre pensou é como mudar essa nar-rativa. O Criativos é um movi-mento global, de protagonistas em intervenções da realidade. Esse prêmio é para as pessoas que buscaram encontrar o que incomoda naquela comunidade – explicou a diretora de comu-nicação do instituto, Carolina Pasquali.

O Criativos da Escola foi criado em 2009 pela de-signer indiana Kiran Bir

Sethi, com o movimento Design for Change, que já se espalhou por 35 países e impactou 25 milhões de crianças. Pasqua-li conta que os dois pilares do projeto são a defesa dos direi-tos da criança e o desenvolvi-mento integral dos estudantes. — A gente sabia que aqui no Brasil existiam muitas histórias para contar e lançamos a cha-mada com o objetivo de divul-gá-las, conectá-las e inspirar as pessoas. Existem escolas in-críveis, com professores muito engajados, projetos relevantes e transformadores. Só no pri-meiro ano, em 2015, chegaram 419 projetos de 201 municípios do país — contou.Um dos cinco projetos premia-dos foi o “História construí-da por blocos”, do Centro de Educação Nery Lacerda. Lá, os alunos tinham problemas na aula de História, que era muito distante da realidade deles. Foi quando um estudante sugeriu um jogo para aproximá-los do que estava sendo aprendido. O professor e a coordenadora não conheciam o Minecraft, mas es-tavam dispostos a ouvir. Os três dias de aula passaram a ser dois para teoria e um para o jogo. — Eu falei para eles que, para a gente poder passar uma aula jogando, era preciso ter a me-lhor aula teórica possível. E eles cumpriram — lembrou o pro-fessor Jefferson Alexandre Pra-do e Souza.

INSTITUTO ALANA DÁ PRÊMIOS A INICIATIVAS CRIATIVAS NAS ESCOLAS

O Minecraft é um jogo em que o usuário constrói cenários e objetos a partir de blocos que se encaixam. Os estudantes, então, passaram a fazer as suas construções a partir daquilo que eles aprendiam na aula de História. Então, reproduziram épocas como a Roma Antiga e os engenhos de açúcar do Brasil do século XVI. — Eles tinham que prestar atenção na aula para poder construir os cenários daquela época no jogo — explicou o professor. — Quando fui con-tratado nessa escola, uma das minhas missões era diminuir o número de alunos em recu-peração em História. Tentei de tudo: criei cineclube, fiz proje-tos, um monte de coisas. Até que um dia o aluno deu a ideia do jogo. Quando deixei eles falarem e passei a ouvi-los, diminuiu o número de alunos em recuperação. Eles sabiam como resolver esse problema — reconheceu o professor.

Instituto Alanaalana.org.br

“A gente sabia queaqui no Brasil existiam muitas histórias paracontar e lançamos a

chamada com oobjetivo de divulgá-las,

conectá-las einspirar as pessoas”

4848

Page 49: E-Book Educação 360 - 2016

TERRITORIAR DÁNOVOS SIGNIFICADOS AOS AMBIENTES ESCOLARES

A transformação do espaço físico como motor para as mudanças pedagógi-

cas. Essa é a ideia do projeto Territoriar, que já passou por 15 escolas em quatro estados (Pa-raná, Santa Catarina, São Paulo e Minas Gerais). Nelas, são os estudantes que decidem, a par-tir de um amplo debate dentro da escola, quais os ambientes dos colégios serão reformados — assim, são ressignificados, como diz a coordenadora do projeto, Scheila Pomilho.— O diálogo começa sobre os ambientes educativos como for-ma de inspirar a aprendizagem das crianças. A gente fala sobre o quanto a qualidade dos espaços pode contribuir com a qualidade da educação. Decidimos que não faríamos nenhuma intervenção que não pudesse ser pensada com a comunidade e as crianças — contou Scheila.— É importan-te olhar a qualidade dos espaços educativos das escolas, sobretu-do a escola pública. Percebemos que a maior demanda é por colo-car cor nas escolas. A avaliação do grupo é que o projeto não pode fazer uma in-tervenção na escola, mas, sim, dar uma ressignificação. Segun-do Scheila, o trabalho é olhar a potencialidade das escolas, pen-sar junto e ver o que as crianças gostariam de mudar na escola. — Primeiro, a gente constitui comitês, com os estudantes e a comunidade, que vão discutir o que gostariam de reformar. O comitê elege três espaços para

serem ressignificados, dizem o porquê e, ao final, definem o es-paço. Depois, os comitês de di-ferentes escolas em uma mesma cidade se reúnem para pensar juntos uma proposta curricular para a cidade — explicou. Marco Antônio Mattos de Abreu, diretor da Escola Mu-nicipal de Ensino Fundamental Dama Entre Rios Verdes, de São Paulo, contou a sua experiência com o Territoriar. O colégio foi um dos que tiveram um espaço ressignificado a partir das discus-sões fomentadas pelo projeto.— O Territoriar abre os nossos olhos para além do espaço da sala de aula. Depois do proje-to, chamamos a criança para debater. A primeira coisa que acontece é a violência cair. Agora, ouvir é a prática que a gente adotou no Dama. Fazer assembleias, chamar os pais e entender que, quando eles não vão, não é porque não querem. Tenho alunos, crianças, que se cuidam sozinhos porque a mãe mora no emprego. Não é desca-so. Vale muito estar aberto para olhar o que está ao redor do aluno — apontou o educador. O diretor contou ainda que sua escola, como todas as outras que ele conhece, foi construída se-guindo um modelo que remete às ideias de Michel Foucault so-bre a sociedade, de vigiar e punir. Ele explicou que a arquitetura do local é formada por um quadri-látero cujo objetivo seria apenas trancar as crianças lá dentro: — Aí, o Territorar nos ensi-

“Os comitês de diferentes

escolas em uma mesma cidade se reúnem para pensar juntos uma proposta

curricular para a cidade”

na que a escola é um espaço de formação e que, portanto, não pode ser árido, seco, sem se comunicar com a criança. O contato com o outro vai de-finir como ele vai se constituir como ser humano. E como é esse contato na escola? Muitas vezes violento, árido, totalitá-rio. Quando a gente abriu es-paço para as crianças falarem, a violência desapareceu. Não há briga, não há agressão física ou verbal contra o educador. E não é o paraíso. É um espaço de construção e de luta.

Territoriarterritoriar.org.br

Scheila Pomilho

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Uma boa gestão é capaz de operar grandes feitos. Essa foi a conclusão a

que chegaram os debatedores Ricardo Henriques, superinten-dente executivo do Instituto Unibanco, e o educador Binho Marques após a apresentação dos estudos de caso da mesa “Gestão”. Junior Achievement, Aprender Linguagem e Escola Darcy Ribeiro foram os exem-plos que estimularam o debate. Para os especialistas, o grande desafio agora é multiplicar ini-ciativas como essas. — Chega a ser um paradoxo o tamanho da crise que temos (na educação) e tantas experi-ências boas. Não se consegue traduzir a boa experiência em sistemas, padrões e regularida-des que possam ser escalados

— afirmou Ricardo Henriques, comentando em seguida: — O caminho é simples, porém mui-to trabalhoso. Os desafios da educação pública, sobretudo da gestão, são do campo do ordi-nário e não do extraordinário, mas nossa cultura é a de dificul-tar tudo. O simples implica uma mudança contínua, aprendiza-do contínuo.Nesse contexto, a formação de professores é um passo funda-mental para desenvolver a ca-pacidade de transformação dos docentes e impulsionar bons exemplos nas escolas do país, já que as instituições não podem ficar dependentes de talentos individuais.— Ainda há dificuldade de se ter um tempo relevante dedica-do à didática na estrutura curri-

cular da licenciatura de Pedago-gia. O peso disso na formação inicial é muito baixo. A didática não pode ficar refém de um es-tágio, de alguns exemplos e da capacidade criativa e inovado-

ra de cada professor. Isso é um desrespeito com o professor. Aliado a isso, o pesquisador

“Os desafios daeducação pública,

sobretudo da gestão, são do campo doordinário e não doextraordinário, mas

nossa cultura é a dedificultar tudo”

RICARDO HENRIQUES

GESTÃO

Binho Marques

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Page 51: E-Book Educação 360 - 2016

chamou atenção também para a distância entre as secretarias e as escolas. Para ele, uma maior proximidade entre as duas es-feras agilizaria a resolução dos problemas da escola e determi-nadas soluções poderiam ser re-produzidas pela rede em outras unidades.— Parte do dilema é como cor-responsabilizar o sistema. Não adianta resolver só na escola, é preciso corresponsabilizar o sistema, que deve atuar com os coordenadores pedagógi-cos para resolver os problemas e propor soluções — criticou Henriques. Durante o debate, o educador Binho Marques falou sobre a necessidade de transformação imediata das escolas, que de-vem buscar um modelo mais

democrático e conectado com os anseios dos jovens. Assim, Marques destacou que as ins-tituições pararam no tempo e precisam se modernizar para garantir que os jovens consigam

enxergar sentido na escola. — Olhamos para a escola e ve-mos que ela já ficou muito para trás. A escola do século XXI tem

que ser para todos. É inadmis-sível imaginar uma escola para poucos. Precisamos de uma es-cola que garanta autoestima e respeito pelo outro, onde o alu-no perceba que o que se faz lá dentro tem relevância — disse. Outro aspecto importante que a nova escola deve considerar é a diversidade dos alunos. Os educadores defendem que é fundamental que as instituições saibam constituir um ambiente tolerante.— O mundo de hoje está apren-dendo o valor da diversidade e que é bom ser multicultural. A escola do século XXI é uma es-cola que ensina a lidar com isso. Não só pela tolerância, mas pela riqueza do aprendizado que é lidar com essas diferen-ças — explicou Binho Marques.Para que a escola cumpra seu papel com excelência, é preciso extrapolar as atividades curricu-lares. Por isso, os gestores de-vem estar atentos em viabilizar uma instituição que ajude o aluno a construir uma trilha na vida, que possibilite um projeto de desenvolvimento pessoal.— O que faz a grande diferença entre o garoto que cometeu um crime e está privado de liberda-de e aquele que não cometeu crime, que tem sucesso na vida, é o fato de um ter um projeto e o outro, não. A possibilidade da nossa escola de nos motivar e fazer com que a gente trans-forme um sonho num projeto é fantástica — analisou Marques, acrescentando: — A escola que me permite ter um sonho já é muito boa. Mas a que me per-mite transformar um sonho num projeto é maravilhosa. E aquela que faz o projeto ser concluído é a escola que nós queremos.

“A escola que me permite ter um sonho já é muito boa. Mas a

que me permitetransformar um

sonho num projetoé maravilhosa”

BINHO MARQUES

Ricardo Henriques

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JUNIOR ACHIEVEMENT OFERECE APTIDÕES EMPREENDEDORAS AOS ALUNOS

Aprender fazendo é aproposta da Junior Achievement, associação

educativa que tem como obje-tivo impulsionar a capacidade empreendedora dos jovens em projetos em escolas públicas e privadas. Para isso, os estudan-tes participam da organização de miniempresas, pela qual en-tram em contato com diversas funções necessárias na adminis-tração de um empreendimento. Como o projeto é desenvolvido na escola, o vínculo do aluno com a instituição também é re-forçado. — O empreendedorismo é um caminho importantíssimo e de total transformação das pes-soas. Os programas da Junior Achievement abordam econo-

mia, aspectos financeiros, ci-dadania e ética — apresentou Mariana Carvalho, presidente da Junior Achievement Rio de Janeiro. A organização existe há mais de cem anos e está presente em 120 países. A Junior Achieve-ment desenvolve a capacidade empreendedora de dez milhões de jovens por ano. No Brasil, até o momento, a instituição já au-xiliou quatro milhões de alunos. No Rio de Janeiro, anualmen-te, 20 mil alunos são treinados. Embora existam iniciativas des-tinadas a diversas faixas etárias, merece destaque o programa Miniempresa, voltado para jo-vens do 2° ano do ensino médio. Nesse programa, os alunos entram em contato com a ex-

periência prática de projetar e administrar uma empresa. Eles selecionam um produto para produzir e comercializar, pas-sando por todas as fases do de-senvolvimento de um negócio. O programa é desenvolvido em escolas durante 15 semanas e, ao final, os jovens participam de uma feira onde expõem o produto para venda. Durante a confecção da miniempresa, os jovens têm orientação de profis-sionais de marketing, recursos humanos, finanças e produção.— Eles desenvolvem a capaci-dade técnica e as competências emocionais, que vão transmitir a mensagem de que ele pode criar seu próprio destino. Essas competências vão dizer que o aluno não precisa necessaria-

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“Essascompetências

vão dizer que o aluno não precisanecessariamente

buscar umemprego, ele

pode fazer seu próprio emprego”

mente buscar um emprego, ele pode fazer seu próprio empre-go. Empreendedorismo está li-gado a atitude, saber trabalhar em equipe, cuidar do planeja-mento — argumentou Maria-na. De acordo com ela, cerca de 80% dos projetos da Junior Achievement são desenvolvidos em escolas públicas. De cinco alunos que participam dos pro-gramas, ao menos dois fazem seu próprio negócio depois. Em alguns casos, alunos continuam mantendo a miniempresa após a conclusão das oficinas. — O jovem tem que negociar, tem que ter responsabilidade. É realmente algo que transforma o jovem — disse Mariana.Leonardo Medeiros participou do programa e contou que, de fato, viveu uma transformação:— Nós jovens temos muitas in-certezas, principalmente nessa idade escolar. Quando há um palco onde você pode aprender e atuar, é sensacional. Todos os programas e metodologias têm o sentimento de o jovem ser protagonista, de querer fazer acontecer, de buscar ir além, de entender como aquilo é feito. Então, o jovem começa a que-rer preencher as lacunas que às vezes não foram preenchidas pelo sistema de educação.

Junior Achievementjabrasil.org.br

Leonardo Medeiros

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Page 54: E-Book Educação 360 - 2016

No interior de São Paulo, na cidade de São José do Rio Preto, uma escola onde

ninguém mais queria estudar passou a ter o respeito da co-munidade de um ano para o ou-tro. O período curto pode dar a falsa impressão de um trabalho fácil. Mas foi preciso muito suor de Diego Lima, diretor da Escola Municipal Darcy Ribeiro, e sua equipe. Antes conhecida por ser uma das instituições mais vio-lentas da região, a escola deu a volta por cima após um trabalho intenso de reestruturação.— No meu primeiro dia, os alu-nos me jogaram maçãs, água, colocaram fogo nos banheiros e nos lixos da escola. Eu parei, disse que não iria embora e que iríamos reverter o olhar puniti-vo que a escola tinha. Foi assim que tudo começou: dando voz e valorizando o protagonismo dos alunos — contou Diego Lima, dizendo ainda que, quando che-gou à instituição, a escola estava com banheiros quebrados, corti-nas incendiadas e paredes van-dalizadas.Lima decidiu fazer um processo de escuta da comunidade es-colar e identificar os pontos de

crise da unidade. A partir das respostas de um questionário com pais e alunos, ele começou a reorganizar a Darcy Ribeiro e a implementar projetos que atraís-sem o interesse dos estudantes.— A partir do questionário, fi-cou evidente que a escola não tinha uma identidade perante a comunidade. Os pais tinham medo de colocar o filho na es-cola. Eles preferiam colocar o filho distante de casa do que matricular na escola Darcy Ri-beiro — disse Lima.O diretor passou a controlar também o número de faltas dos alunos. Lima constituiu um sistema no qual conseguia ras-trear o número de ausências dos estudantes.— Realizo visitas às famílias. Então, se o aluno falta mais de três dias, temos um sistema que nos avisa isso. Aí, eu vou à casa dele pela manhã. Se ele não está, eu volto na hora do almoço. Se não está novamen-te, me informo com a comuni-dade e volto à noite.O diretor conseguiu reduzir o ín-dice de evasão da escola de 202 alunos em 2013 para apenas dois em 2014. Antes da gestão de Lima, a punição era a única resposta ao mau comportamen-to dos alunos. A escola chegou a ter um índice de 60 suspensões por semana. Após as mudanças, a escola teve um salto no Índice de Desenvolvimento da Educa-ção Básica (Ideb). A nota passou de 3,5 em 2013 para 4,7 em

2015, no segundo segmento do ensino fundamental (6° ao 9°), superando em 0,3 a meta esta-belecida pelo Ministério da Edu-cação para o período.— A escola era anunciada como o pior Ideb da região num raio de 200 quilômetros. Quando eu cheguei, a sala de informática e a sala de jogos não eram apro-veitadas. A biblioteca funcionava como um depósito, então não ti-nha como incentivar a leitura.Atualmente, além da melhora no ensino das disciplinas regu-

lares, a instituição desenvolve outros projetos, como Came-rata Jovem Beethoven, pelo qual recebe semanalmente pais e alunos para aulas de música clássica. A iniciativa foi possível devido a uma parceria com uma escola de música que não tinha local para ensaiar e passou a uti-lizar as dependências da escola.

Escola Municipal Darcy [email protected]

“Os pais tinhammedo de colocar o

filho na escola. Eles pre-feriam colocar o

filho distante de casa do que matricular na escola Darcy Ribeiro”

NO INTERIOR DE SÃO PAULO,DIRETOR TRANSFORMA ESCOLA NUM EXEMPLO DE SUPERAÇÃO

Diego Lima

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Page 55: E-Book Educação 360 - 2016

APRENDER LINGUAGEM VALORIZAA FORMAÇÃO VOLTADA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL

A primeira infância é vista por pesquisadores como um período fundamen-

tal para o progresso cognitivo e emocional do ser humano. Entre os aspectos desenvolvidos nessa fase da vida, a linguagem é um dos mais importantes. Para possibilitar uma evolução satisfatória desse campo, a ONG Laboratório de Educação criou um programa para formar professores voltados para esta etapa da educação, o “Apren-der linguagem — Formação de educadores”.— Produzimos ferramentas pe-dagógicas que possam influen-ciar as práticas daqueles que interagem com crianças tanto no espaço escolar quanto fora dele. O foco da nossa atuação é a linguagem porque enten-demos que esse é um proble-ma invisível. A aquisição e o desenvolvimento da linguagem podem causar diferenças signi-ficativas em todo o desenvol-vimento cognitivo das crianças se as oportunidades não forem asseguradas a elas — explicou a educadora Paula Stella, que co-ordena o projeto.Com base na plataforma digital “Aprender linguagem”, uma espécie de guia que traz infor-mações sobre desenvolvimento e aprendizagem das crianças, o Laboratório de Educação criou um matéria exclusiva destinada à formação de coordenadores e professores. O material, que foi colocado em prática na forma-ção de educadores em Franco

da Rocha, na Região Me-tropolitana de São Paulo, reúne conteúdos relacio-nados ao desenvolvimento da linguagem, além de tra-zer orientações sobre práticas didáticas e pedagógicas.A equipe do Laboratório de Edu-cação realizou reuniões frequen-tes com os coordenadores, que por sua vez reuniam-se com os professores para orientá-los.— A maioria dos coordenadores é bem pouco experiente, o que deve influir na atuação que eles

têm como formadores de pro-fessores — constatou Paula, que já aponta bons resultados: — Houve progresso na gestão do tempo das reuniões. Além disso, a análise das atividades realiza-das em sala de aula durante a reunião dos coordenadores com os professores também melho-rou — contou Paula Stella.Também houve impacto dentro da sala de aula, já que os profes-sores eram orientados pelos co-ordenadores sobre como traba-lhar os conteúdos, sobretudo os linguísticos, com base no guia do “Aprender linguagem”.

— Os professores indicaram que as crianças demonstram interes-se crescente pelos livros de His-tória. Também afirmaram que os próprios educadores passaram a usar critérios para selecionar os livros, a prestar mais atenção nas falas dos alunos e a intervir de modo a favorecer o seu desen-volvimento linguístico — relatou Paula. — Os professores passa-ram a acreditar que as crianças podem acompanhar e entender a leitura de um livro literário. No início, eles preferiam contar his-tórias ao invés de ler e alegavam que era para que as crianças não se distraíssem.Em Franco da Rocha, há 36 co-ordenadores pedagógicos em formação que atuam em es-colas onde estão matriculadas 7.820 crianças. O projeto tam-bém irá se expandir para mais duas redes no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Aprender linguagemaprenderlinguagem.org.br

“A aquisição e o desen-

volvimento da linguagem

podem causar diferenças

significativas em todo o

desenvolvimento

cognitivo das crianças”

Paula Stella

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Page 56: E-Book Educação 360 - 2016

Ouvir o aluno e dar condi-ções para que ele acredi-te em suas ideias. Essas

foram ações recorrentes nas falas dos educadores presentes na mesa “O aluno como prota-gonista”, que contou com a par-ticipação da pedagoga Cleuza Repulho, ex-presidente da União Nacional dos Dirigentes Muni-cipais de Educação (Undime), e pelo educador português José Pacheco, referência internacio-nal em educação e idealizador da Escola da Ponte, em Portugal, que debateram sobre os projetos apresentados e a dificuldade de

multiplicá-los pelo Brasil.Três estudos de caso exemplifi-caram iniciativas inovadoras que valorizam o protagonismo do aluno: o projeto Acredite!, que se baseia no conceito de design thinking; a experiência da Escola Classe 314 Sul, em Brasília, que tem como uma de suas priorida-de ouvir as ideias e as necessida-des dos alunos; e o empenho da professora Jonilda Ferreira, que conquistou alunos com sua for-ma de ensinar Matemática.— O que experiências como essas mostram é que a escola fez o papel dela. Isso não pode

O ALUNO COMO PROTAGONISTA

“Fico cansada quando falam que a gente tem

que imitar a educação da Finlândia. Lá são cinco milhões de habitantes,

aqui tivemos mais de 40 milhões de matrículas na escola pública este ano”

CLEUZA REPULHO

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Page 57: E-Book Educação 360 - 2016

ser exceção, tem que ser regra. Fico cansada quando falam que a gente tem que imitar a edu-cação da Finlândia. Lá são cin-co milhões de habitantes, aqui tivemos mais de 40 milhões de matrículas na escola pública este ano. Quero muito a educa-ção da Finlândia, mas não que-ro o orçamento do Sudão para dar conta — criticou Cleuza. Ao fim das apresentações, Cleuza voltou a ressaltar a im-portância de espalhar iniciativas inovadoras por toda a rede de escolas do país. A pedagoga também defendeu a valorização do ensino público e a importân-cia da adoção da Base Nacional Comum Curricular para garan-

tir que todos tenham direito a uma educação de qualidade. — O que a gente viu aqui é o que o Brasil mais precisa: ga-rantir equidade. As pessoas não podem dar sorte ou azar de nascerem em lugares que se preocupam mais ou menos com educação. É possível e neces-sário fazer as coisas escaláveis para todo o país, mas para isso precisamos fazer uma mudança muito grande na formação bá-sica dos professores. Respeitar a escola pública e os profissionais que estão lá é tudo que a gente pede. Não podemos ter amado-res nas escolas porque eles for-mam pessoas — sentenciou. José Pacheco percebeu uma sé-

rie de elementos de cada pro-jeto que podem estimular a reflexão de seus criadores e o crescimento dessas iniciativas, além de inspirar a plateia a ado-tar práticas semelhantes. Para ele, a dificuldade de se melho-rar a qualidade da educação no Brasil está na forma como as políticas são geridas.— Estamos possuídos por um modelo educacional que está em vigor há 200 anos e não é substituído. Com tantos bons projetos e bons professores, o

problema da educação brasileira é ela ser conduzida por burocra-tas. É preciso formar boas equi-pes e reconfigurar a prática edu-cacional — afirmou Pacheco. Entre elogios e críticas à educa-ção no Brasil, o educador ressal-tou a necessidade de se avaliar as escolas de forma mais huma-na, levando-se em conta as ca-racterísticas específicas do país, e não de modelos importados:— É preciso que haja acompa-nhamento e avaliação das es-colas. O Brasil tem tudo o que precisa para melhorar a educa-ção, estou farto de repetir isso. Basta da síndrome de vira-lata! Só falta que o educador brasilei-ro tenha autoestima e pare de pegar exemplos vindos da Euro-pa. As escolas não são edifícios, são pessoas, e pessoas têm seus valores, que, quando transfor-mados em práticas e princípios, transformam-se em projetos.

“O problema daeducação brasileiraé ela ser conduzida

por burocratas” JOSÉ PACHECO

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Um colégio de gente feliz. Essa é a definição da Es-cola Classe 314 Sul, da

rede pública de Brasília. A dire-tora, Sandra Niel, e a professora Bernadete dos Santos traba-lham para garantir essa marca para a instituição desde que assumiram seus cargos, há 16 anos. A escola tem 300 alunos matriculados no primeiro seg-mento do ensino fundamental, sendo 39 deles portadores de necessidades especiais. — Quando assumi, tínhamos o desafio de fazer as crianças levantarem de manhã e terem

vontade de ir à escola. Para isso, precisamos ver a criança em pri-meiro lugar como um ser hu-mano único, completo — disse Sandra.Como forma de envolver a criança, a gestora ressaltou a importância de serem criados espaços mais agradáveis dentro do colégio, por isso foram ins-taladas mesas de xadrez, casa de boneca e quadra de futebol. Outra medida adotada pela ins-tituição e que norteia grande parte do seu projeto pedagógi-co é o envolvimento de toda a comunidade escolar no proces-

ESCOLA PÚBLICA DEBRASÍLIA INVESTE EM PROJETOS ATRAENTES AOS ALUNOS

“Pretendemosque o aluno

consiga caminharsozinho e passar

dos muros daescola, administrando

seus conflitos e aprendendo aconviver com

o outro”

Sandra Niel e Bernadete Santos

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Page 59: E-Book Educação 360 - 2016

so de ensino. Dessa forma, os pais se sentem corresponsáveis pela educação das crianças. — A família precisa estar den-tro da escola, são todos por um. Os pais se envolvem em todos os nossos projetos. Temos fre-quência de 80% a 90% de pais ativos dentro da escola — co-memorou Sandra. Pais e filhos acabam desenvol-vendo parceria em diversos pro-jetos da escola, como a Gincana Julina, que distribui tarefas que precisam ser cumpridas em fa-mília durante duas semanas. Os familiares também são convida-dos a darem palestras para os estudantes sobre assuntos nos quais tenham um certo domí-nio. Um pai com doutorado em africanidades, por exemplo, já falou sobre o assunto para to-das as turmas do colégio.

Os projetos não são poucos. Bernadete dos Santos, profes-sora na Escola Classe, contou que atualmente há um total de 13 iniciativas, e todas seguem o que ela chamou de “pedago-giada da sedução”.— Desenvolvemos esses proje-tos a partir das demandas que recebemos dos alunos. Eles en-volvem todos os funcionários e segmentos de ensino. Se não tivermos todos os professores conosco, nada acontece — con-tou Bernadete. Um grande desafio desse seg-mento de ensino é o ingresso de alunos do 1° ano do ensino fundamental. Não é raro ver o protesto dos pequenos, com direito a choro, na hora de en-trar na escola e se despedir dos pais. Para atrair essas crianças, foi criado um projeto específico,

Recebendo com Amor, no qual os alunos que estão no 5° ano recebem os que estão chegan-do à instituição. Dessa forma, os mais novos conhecem a es-cola de forma mais amigável, já criando vínculos afetivos.— O choro agora não é mais tão grande quanto antes. Nosso di-ferencial é o amor. Pretendemos que o aluno consiga caminhar sozinho e passar dos muros da escola, administrando seus con-flitos e aprendendo a conviver com o outro, com a sociedade e com ele mesmo — explicou Bernadete.

Escola Classe 314 [email protected]

5959

Page 60: E-Book Educação 360 - 2016

ACREDITE! LEVAPENSAMENTO CRÍTICOE CRIATIVIDADE PARASALAS DE AULA

“Não adianta só inspirar os

jovens, épreciso

estimulá-los a construir seus

própriosprojetos

desde cedo.”

Um coração para re-presentar a inspira-ção e um raio para

a transpiração. Esse é o signi-ficado do símbolo do projeto Acredite!, idealizado pelo de-signer Andre Bello, em parceria com sua filha Ana Helena, de 12 anos. A ideia surgiu quando Bello decidiu transmitir para a meni-na noções de design thinking, processo de pensamento que valoriza a crítica e a criativida-de para organizar informações e tomar decisões. Ele esperava que essa prática permitisse que ela pudesse traçar seu próprio destino sem se prender a ro-teiros preestabelecidos no pas-sado, estimulando-a a desen-volver valores como otimismo, criatividade e colaboração.— Não adianta só inspirar os jovens, é preciso estimulá-los a construir seus próprios projetos desde cedo. Eles precisam des-sas competências para desen-volver um raciocínio inovador — destacou o designer.Bello percebeu que poderia impactar outros jovens com os valores que transmitia para a filha e decidiu formatar um li-vro interativo, lançado em abril deste ano. O designer também trabalha em parceria com es-colas fornecendo oficinas para desenvolver a visão crítica dos estudantes, tornando-os pro-tagonistas de ações práticas de

mudança na sociedade a partir da resolução de problemas.— A escola é um dos sistemas mais cristalizados que a gente tem, e a revolução desse mo-delo em vigor não vai acontecer de forma imediata. É uma longa jornada, mas alguém tem que começar um dia, e eu me dispus a ajudar. Vou ajudar a empurrar essa jornada dentro das minhas possibilidades — garantiu. Brian Correia, de 16 anos, é bolsista de uma escola parti-cular em Cabo Frio, na Região dos Lagos do Estado do Rio de Janeiro, onde Bello realiza a ofi-cina do Acredite!. Apaixonado por cinema, ele percebeu que poderia usar o equipamento de audiovisual da escola privada, que fica muito tempo sem uso, para projetar filmes voltados para disciplinas como História e Geografia e promover a cidada-nia entre os alunos. A iniciativa acabou virando um novo proje-to, o Cineclube Social.— Fui estudante de escola pú-blica e senti na pele as dificul-dades do sistema de ensino. O meu objetivo era tirar os alunos dessa realidade dura, usando o cinema para transportá-los para um mundo onde a educação é feita pelos próprios alunos — explicou o aluno, que, a esta altura, já é um mobilizador.

Acredite!www.mundoacredite.com.br

Andre Bello e Ana Helena

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Page 61: E-Book Educação 360 - 2016

NA PARAÍBA, PROFESSORA DEMATEMÁTICA FORMA CAMPEÕES

Foi com trabalho árduo que a professora Jonilda Ferreira conseguiu transformar a ci-

dade de Paulista, no interior da Paraíba, em uma potência da Olimpíada Brasileira de Mate-mática das Escolas Públicas (Ob-mep). A partir de aulas práticas e criativas, a professora ganhou a confiança de seus alunos, me-lhorando o desempenho das turmas e estimulando a partici-pação na competição. Em dez anos, a parceria rendeu 14 me-dalhas de ouro, nove de prata, 39 de bronze e 112 menções honrosas.— Foi desmistificando a Ma-temática que descobrimos os nossos campeões. Todo mun-do sabe Matemática. Os livros também trazem realidades, mas mostrar a prática da disciplina ajuda muito o aluno a entender — contou. As reclamações constantes que os alunos faziam da disciplina e o mau desempenho motivaram Jonilda a buscar formas menos “traumáticas” de inserir os cál-culos na vida dos alunos. Foi assim que as aulas práticas en-traram no programa de aulas da professora.— Levo os alunos para pizzaria, mercado, posto de gasolina e faço receita de bolo para mos-trar que a matemática faz parte da vida. Quando o sinal toca, no fim da aula, os alunos la-mentam. Muito melhor do que a reclamação de ter que apren-der Matemática — comemorou a professora. Aos 8 anos, o filho de Jonilda

pediu para sair da escola parti-cular para poder participar das Olimpíadas de Matemática. Ele foi o primeiro a ganhar uma medalha de ouro, estimulan-do o interesse dos amigos pela competição. Outro aluno que ti-nha muitos problemas de com-portamento começou a estudar com a professora, melhorou seu desempenho e ganhou uma medalha de bronze. Hoje ele é bolsista de uma escola particu-lar no Recife e está estudando para fazer Medicina. — Acho que a minha vocação é ser professora mesmo. Quan-do vejo um sorriso deles, fico impressionada. Podemos fazer qualquer coisa nessa vida quan-do se trata de bens materiais, mas precisamos tomar o máxi-mo de cuidado quando se tra-ta de seres humanos — disse, emocionada. Com o sucesso na competição, Jonilda foi chamada para dar aulas numa escola particular em Campina Grande, a cerca de quatro horas de Paulista. Porém, a professora continua preparando os alunos da esco-la pública uma vez por semana, durante três horas. — Se você não souber tratar bem o seu aluno, principalmen-te o que tem dificuldade, ele vai se desestimular. É preciso ter muita coragem para inovar, mas nem todos têm — desabafou.

Professora Jonilda [email protected]

“Se você não souber tratar

bem o seu aluno, principalmente

o que temdificuldade,ele vai se

desestimular”

Jonilda Ferreira

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Desde o ano passado, o processo de construção da Base Nacional Comum

Curricular (BNCC) evidenciou a importância de um currículo eficaz na construção de uma educação de qualidade. Com a reforma do ensino médio, o documento ganhou ainda mais destaque. Na opinião dos es-pecialistas que participaram da mesa “Currículo e Avaliação”, a construção da BNCC e a re-formulação do ensino médio representam chances de ouro para que o Brasil finalmente trilhe um caminho de sucesso no âmbito da educação. Partici-param do debate Eduardo Des-champs, presidente do Conse-lho Nacional de Secretários de Educação (Consed), e a educa-dora Ilona Becskehazy.— Os professores estão claman-

CURRÍCULO E AVALIAÇÃO

do por estruturação do sistema de ensino. Estão pedindo que a gente possa dar um norte mais claro para eles, que os cursos de formação de professores que temos, infelizmente não estão dando — afirmou Deschamps.O educador criticou a postu-ra de parte da população e da comunidade educacional dian-te da Medida Provisória (MP) proposta pelo governo para reformar o ensino médio. Após a apresentação dos estudos de caso da Escola Sesc Teófilo Oto-ni, do Instituto Chapada e da ONG Dream Learn Work, Des-champs criticou a posição rea-tiva diante da reforma, o que, segundo ele, atravanca a evolu-ção da área.— Esses três exemplos apresen-tados aqui podem ser levados para a escola pública, desde que se faça um coisa: parar de criar as polêmicas erradas no âmbito da educação. Olhe para o que está dando certo lá fora,

trabalhe com evidências. Essa reforma do ensino médio está sendo discutida pelo Consed desde 2012. Estamos discutin-do se o projeto deveria ser ou não Medida Provisória. Há ain-da o Projeto de Lei que foi cons-tituído desde 2013 e tem gente dizendo que não tem debate sobre o assunto.

Nesse sentido, os educadores alertaram que é necessário per-manecer atentos às próximas discussões que ocorrerão sobre o tema e, inclusive, participar de debates ligados diretamente à reforma, como é o caso da Base Nacional Comum Curricular. — Passamos muitos anos da His-tória do Brasil tomando decisões erradas a respeito da educação.

“Os professoresestão clamando por

estruturação dosistema de ensino”

EDUARDO DESCHAMPS

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É a última chance de começar a parar de tomar decisões erradas. Estamos no processo de final-mente entrar com uma Base Na-cional Comum, que espero que vá na direção correta — comen-tou Ilona Becskehazy.

A educadora indicou que é ne-cessário seguir os passos de ou-tras nações que já reformaram seus currículos e passaram pelo mesmo processo. Segundo ela, a estratégia é necessária para que o Brasil não perca ainda mais tem-po de desenvolver a educação. — Agora teremos que quei-mar etapa, não adianta querer inventar a roda. Vamos olhar para o processo todo e queimar etapas. Quem pode nos dar um

norte? Países que já queimaram suas etapas. Temos que olhar um pouco para fora. Inglaterra, por exemplo, é um país pionei-ro em reforma curricular, dentro da perspectiva de consertar er-ros históricos — afirmou Ilona. Se a reforma curricular já es-tava sob holofotes, com a MP do ensino médio, as atenções se voltaram ainda mais para a nova base. Após a MP retirar a responsabilidade do ensino médio sobre Artes e Educação Física, para garantir que as dis-ciplinas apareçam nas salas de aula, é importante garantir que elas componham o conteúdo da Base Nacional Comum Cur-ricular para a etapa. — Educação Física, Artes, Filoso-fia, Sociologia, essas disciplinas são muito importantes. Ninguém discute a importância disso para a educação brasileira, mas será que eu preciso deixar na LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) a obrigatoriedade disso ou nós,

como educadores, vamos ter a capacidade e a competência de não precisar isso em lei porque vamos contemplá-la na Base Na-cional Comum? — questionou Deschamps, chamando ainda a responsabilidade dos professo-res para garantir os conteúdos: — Matemática e Português não constavam como obrigatório na lei e tínhamos isso como obriga-tório nas escolas. Nós, enquanto educadores, temos que começar a assumir a responsabilidade da-quilo que vamos fazer.Para viabilizar a implementação de um bom currículo, Ilona Be-cskehazy defende que haja uma melhor reestruturação do sistema brasileiro:— Precisamos começar a inves-tir mais em estruturas estáveis de educação. Isso é necessário para que se consiga oferecer para todos os alunos brasileiros, desde a educação infantil, uma estrutura que dê conta de um currículo realmente ambicioso.

“Passamos muitos anos da História do Brasil

tomando decisões erradas a respeito da educação”

ILONA BECSKEHAZY

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DREAM LEARN WORK FINANCIAA QUALIFICAÇÃO DE ESTUDANTES DE ÁREAS CARENTES

A Medida Provisória que pretende reformar o en-sino médio propõe uma

complementariedade entre o ensino regular e o profissiona-lizante. No entanto, enquanto essa nova estrutura não é posta em prática, algumas iniciativas como a da ONG Dream Learn Work tentam estreitar o contato de jovens com a escola técnica. A instituição seleciona jovens de áreas carentes para auxiliá--los na qualificação profissional.— Procuramos dar oportuni-dade ao jovem de conquistar um futuro melhor, de entender que pode avançar e ir para a frente. A gente foca bastante

na questão do curso técnico--profissionalizante, mas nossos alunos são muito estimulados a ir além. Esperamos que eles consigam conquistar a universi-dade, a graduação. Mas, nessa trajetória, para quem não tem essa perspectiva como primeiro passo, o curso de qualificação é importante — afirmou Ana Lui-za Carbonni, gerente geral da Dream Learn Work. A ONG foi criada em 2006 após a visita do ministro das Rela-ções Exteriores da Noruega ao Brasil. Na época, durante uma palestra, o ministro disse que as empresas norueguesas com filiais no país deveriam promo-

“A formaçãoprofissional

não é suficiente,então precisamos

dar apoio,estimular que

o alunocontinue para

evitar a evasão”

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ver ações de responsabilidade social e não só explorar o mer-cado brasileiro. Dessa forma foi criada a Dream Learn Work, que, por meio de parceria com outras organizações, passou a recrutar jovens de áreas caren-tes e financiar formação profis-sionalizante em escolas do Se-nac e do Senai. — O aluno tem um acompa-nhamento completo. Fazemos mentorias com os parceiros cor-porativos. Funcionários abrem espaço para receber nossos alu-nos com projetos nos quais o aluno passa um dia no trabalho fazendo determinada função. A intenção é que ele entenda o que é ser um administrador, um montador, um mecânico — ex-plicou Ana Luiza.Atualmente, a ONG atende 180 alunos do Rio de Janeiro. Num primeiro momento, os estudantes fazem treinamento específicos da área que dese-jarem atuar e depois são enca-minhados para cursos técnicos nas instituições parceiras. Entre as áreas oferecidas, há cursos em eletrotécnica, mecânica, informática, administração, lo-gística, segurança do trabalho, comunicação visual e gestão de recursos humanos.— Também damos apoio na busca por emprego. Nossos parceiros corporativos vão às ONGs, dão palestras, ministram oficinas sobre busca de empre-go e como fazer o currículo fi-car diferente para determinada vaga. Também pedimos para que nossos parceiros nos deem preferência para que possamos indicar nossos alunos. Temos ainda um banco de currículos e a empresa que quiser pode se cadastrar e ter acesso a ele —

contou Ana Luiza.De acordo com a gerente, a Dream Learn Work incentiva que o aluno continue os estu-dos e não pare a formação no ensino técnico. Também é feito um acompanhamento ao longo do processo para que esse estu-dante não abandone a carreira:— A ideia é que esteja mais pronto para entrar no mercado e com oportunidades melhores. A gente vê qual seria a trilha educacional do aluno, onde ele vai começar e aonde quer che-gar. Acreditamos que a forma-ção profissional não é suficien-te, então precisamos dar apoio, estimular que o aluno continue para evitar a evasão.

Dream Learn Workdreamlearnwork.com

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FORMAÇÃO NO INSTITUTOCHAPADA FEZ EDUCADA ENCARAR AVALIAÇÃO COM OUTROS OLHOS

Embora um currículo de qualidade seja um fator importante para influenciar

positivamente no aprendizado, a avaliação foi justamente o que permitiu que a professo-ra Janaína Barros, do Institu-to Chapada, promovesse uma mudança radical no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) da escola públi-ca Professora Ivani Oliveira, na Bahia. Após perceber que só 40% dos alunos tinham apren-dizado adequado, a professora iniciou um processo minucioso de revisão das provas às quais os estudantes eram submetidos e identificou a desconexão en-tre avaliação e o que era ensi-nado em sala. Após um processo de munici-palização da escola, com medo de que houvesse queda na qua-lidade do ensino, grande parte dos pais decidiu retirar seus filhos da instituição. A evasão dos alunos foi outro problema que precisou ser enfrentado pela nova administração. — Quando o Estado saiu da es-cola, foi dito para os pais não ficarem na escola e que a equi-pe nova não teria compromisso com os alunos. Então, parte dos pais decidiu tirar os meninos da colégio. Quando chegamos, de 510 alunos, tínhamos 203; o restante havia ido embora.

Apenas 40% dos alunos que estavam na escola conseguiam aprender o que precisavam. A gente pegou uma escola nova, uma equipe totalmente nova, poucos alunos e todos que fica-ram tinham características muito particulares — contou Janaina. Para tentar reverter esse quadro, Janaina, que teve sua formação como coordenadora feita pelo Instituto Chapada, decidiu fazer uma análise minuciosa do co-nhecimento produzido na esco-la. Assim, passou a confrontar as provas feitas pelos profes-sores e o planejamento de aula com o conteúdo ministrado e o que os alunos registravam em seus cadernos. Dessa forma, a educadora percebeu que as avaliações cobravam tópicos distintos do que era aprendido pelo aluno durante as aulas ex-positivas e diferente até mesmo da proposta do professor no planejamento.— Passei a analisar e comparar as perguntas que tinham nas provas com o que eu disse que tinha ensinado; o meu planeja-mento com o currículo da esco-la. Fui em cada sala da escola, peguei o caderno do melhor aluno e pensei: eu disse que ia ensinar isso, planejei isso, ava-liei isso e o caderno do menino diz que eu ensinei isso. Então, esses instrumentos que são re-gistros profissionais começaram a conversar entre si e aí foi pos-sível construir uma base mais segura sobre as hipóteses que

eu estava levantando — expli-cou a professora. A partir de então, a escola ado-tou um método de discussão sobre as avaliações entre os professores, de modo que cada prova só chegava ao aluno após mais de um profissional anali-sá-la. A instituição decidiu que o modelo de avaliação deveria ter questões mais objetivas, sem pegadinhas e com foco nas discussões mais relevantes apre-sentadas em sala. — Lembro-me da professora falando: “Depois de seis me-ses, nem eu consigo responder à prova que fiz, mesmo consul-tando o caderno da criança”. E não era qualquer criança, era a melhor criança. Aquele caderno não tinha diálogo com a avalia-ção — afirmou.Depois do alinhamento entre o que era ensinado e o que era cobrado em prova, a melhora dos resultados da escola Profes-sora Ivani Oliveira foi notável. As mudanças fizeram com que a instituição aumentasse um ponto no Ideb, saltando de 4,8, em 2011, para 5,8, em 2015, nos anos finais do ensino fun-damental. — Tive cuidado em ver como os professores aprendiam, e eles também foram vendo como os alunos estavam aprendendo, e fomos aprendendo juntos a fa-zer avaliação — concluiu.

Instituto Chapadainstitutochapada.org.br

Janaina Barros

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NO COLÉGIO SESC TEÓFILOOTONI, OS ALUNOS DESENVOLVEMHABILIDADES DIVERSAS

Turno integral e foco na formação global do indiví-duo. É assim que o Colégio

Sesc Teófilo Otoni, em Minas Gerais, pretende contribuir para o desenvolvimento das habili-dades de seus alunos. Constituída em 2014 para rece-ber alunos do ensino médio, a escola funciona das 7h às 17h. Para ocupar essa grade horária, a instituição oferece disciplinas diversificadas, como empreen-dedorismo, oficinas de dança e aulas de música, teatro e pin-tura, entre outras. No aprendi-zado das matérias regulares, os 140 alunos não ficam restritos à sala de aula. O Sesc dispõe de laboratórios de ciências e biblioteca e promove atividades extraclasse para complementar o ensino. Os estudantes têm aulas quinzenais aos sábados, quando são ministradas ativida-des de arte e esportes. No caso do terceiro ano, é feito um pre-paratório para o Enem. — Temos uma disciplina cha-mada Nivelamento, que é dada pelos professores de Matemá-tica e de Português. Essa dis-ciplina passou a existir porque percebíamos uma grande he-terogeneidade quando os alu-nos ingressavam no Sesc. Eles chegavam com níveis diferen-tes de conhecimento. Então, percebemos que era necessário resgatar os conteúdos do ensi-no fundamental que de alguma forma não foram trabalhados ou que eles não aprenderam de maneira adequada e reforçar o

que está sendo visto no ensino médio — explicou Elen Ferrari, coordenadora técnico-social da Gerência de Educação do Sesc em Minas. A maneira de ensinar posta em prática pelo Sesc Teófilo Oto-ni tem como premissa aproxi-mar os conteúdos do cotidiano desses estudantes. Assim, uma aula de Matemática sobre aná-lise combinatória, por exem-plo, transforma-se quase em um desfile de moda, no qual o professor tinha apenas algumas peças disponíveis e precisava combiná-las de diversas manei-ras, formando looks diversos. — Tentamos trabalhar da ma-neira mais interdisciplinar pos-sível para que esse aluno não visse os conteúdos de forma fragmentada e que ele pudesse fazer a associação sobre o por-quê estar estudando aquilo. A avaliação também é pautada a partir disso e analisa as habilida-des e competências dos alunos — explicou Carlos Henrique Pi-menta, professor de Matemáti-ca do Sesc Teófilo Otoni. A preocupação com temáticas além dos conteúdos tradicio-nais é expressa em diversas ati-vidades, como os debates sobre temas de interesse público. No último ano, os alunos foram di-vididos em grupos pró e contra redução da maioridade penal, por exemplo, e realizaram dis-cussões sobre o assunto, cul-minando em uma simulação de júri sobre o tópico, feita pelos próprios estudantes.

— Focamos na preparação para a vida. Então, o que queremos é que os alunos fiquem esse período com a gente no ensino médio, mas que adquiram ha-bilidades para fazer escolhas ao longo da vida. Escolhas saudá-veis e assertivas que contribu-am para o desenvolvimento in-tegral deles. Nosso foco é fazer com que eles tenham o maior número de experiências no âm-bito educacional e que isso con-tribua para o crescimento deles enquanto pessoas e cidadãos — afirmou Elen. Colégio Sesc Teófilo [email protected]

“O que queremos é que os alunosfiquem esse

período com agente no ensinomédio, mas que

adquiramhabilidades para fazer escolhas ao longo da vida”

Carlos Henrique Pimenta

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Estabelecer um diálogo am-plo entre sociedade civil, in-dústria e estado pode ser a

principal ferramenta para com-bater um dos problemas mais preocupantes da contempora-neidade: a obesidade infantil. Nesse contexto, a escola se tor-na um terreno importante para promover uma nutrição mais saudável para as crianças. As instituições de ensino podem, por exemplo, ser alvo de medi-das que ajudem a inibir o con-sumo de alimentos que fazem

mal à saúde. A conclusão foi tirada durante as discussões da mesa “Escola consciente, nu-trição inteligente”, que contou com a presença de Marcos Nisti, CEO do Instituto Alana, Andréa Mota, diretora de categorias da Coca-Cola Brasil, e a psicóloga Maria Tereza Maldonado, sob mediação da jornalista Viviane Nogueira.— Quando os dois lados gritam, ninguém escuta nada. A obesi-dade infantil tem que ser trata-da com um esforço conjunto e

ESCOLACONSCIENTE, NUTRIÇÃOINTELIGENTE

Marcos Nisti, Andrea Mota, Viviane Nogueira e Maria Tereza Maldonado

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“A criança até12 anos não tem

maturidade defazer escolhas”

ANDRÉA MOTA

“A publicidade fala com nossas crianças

todo santo dia, o tem-po todo, muito mais

que os pais”

MARCOS NISTI

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integrado. O diálogo é a grande chave. Um diálogo de propósi-tos, com transparência, vontade de fazer mudança e capacidade de ouvir — explicou Nisti.Sobre a gravidade do contex-to atual, Nisti destacou que as crianças são expostas a car-gas exageradas de publicidade quanto ainda não têm o discer-nimento necessário do que é bom ou não para seu corpo. O resultado são enormes deman-das de consumo desnecessárias. — A publicidade fala com nossas crianças todo santo dia, o tem-po todo, muito mais que os pais. Os pais trabalham, se deslocam, chegam à noite e o que eles en-contram são filhos pedindo al-guma coisa, movidos por uma publicidade que eles viram nesse tempo — ressaltou Nisti.A necessidade de encontrar res-

postas para evitar que as crian-ças sejam alvo de publicidades que conduzam ao consumo em excesso de determinados ali-mentos e aumentem os índices de obesidade levou a uma co-municação bem-sucedida entre o Instituto Alana e a Coca-Co-la Brasil. Discussões constantes culminaram em uma primeira ação da empresa de bebidas, que informou que não faria mais publicidade destinada a crianças, porque não as conside-rava capazes de tomar decisões de consumo sozinhas. A movimentação para minimi-zar o consumo de refrigerantes e sucos açucarados na infância resultou na decisão conjunta da corporação com outras duas empresas do ramo, a PepsiCo e a Ambev, de não fornecer mais esses produtos para cantinas de

escolas nas quais a maior parte das crianças seja menor de 12 anos. A partir daí, as empresas passaram a fornecer para essas instituições apenas água mine-ral, suco com 100% de fruta, água de coco e bebidas lácteas “que atendam a critérios nutri-cionais específicos”. No caso da Coca, serão fornecidos somente suco natural e água. — A criança até 12 anos não tem maturidade de fazer esco-lhas. Não consegue discernir o que é bom para ela e o que não é, que é possível consumir com moderação. Temos que trazer essa conversa para a escola, para os pais. Esse é um problema não só da Coca-Cola, mas de toda a indústria. Quero muito que outros setores se juntem a esse movimento — afirmou Andréa Mota, diretora de categorias da

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As famílias decrianças obesas,

muitas vezes,também estão

muito alémdo peso”

MARIA TEREZA MALDONADO

Coca-Cola Brasil. No âmbito familiar, a psicóloga Maria Tereza Maldonado afir-mou que os pais devem apren-der a conhecer seus filhos para saber entender suas necessida-des, e não decifrá-las de manei-ra incorreta, gerando dano para a criança. Ela também alerta para o perigo de atrelar emo-ções à alimentação. — Se a família está mais sinto-nizada, os pais vão saber que aquele choro é de fome, aquele outro é para colo ou outro tipo de estimulação. Muitas vezes essa leitura não é feita adequa-damente e qualquer coisa que a criança expressa é vista como fome. Isso tudo vai formando uma raiz de que a comida vai servir para aliviar frustração, su-prir carinho e atenção, acalmar e distrair — explicou.

A psicóloga chama atenção ain-da para a importância de dar o bom exemplo. Segundo ela, fa-mílias com maus hábitos alimen-tares tendem a transferir essa característica para os filhos.— Quando a gente fala de nutri-ção consciente, estamos falando também que essa nutrição está sujeita à influência de muitos fa-tores inconscientes que a gente simplesmente não percebe. Mui-tas famílias não se dão conta de que agem como espelho para a criança. As famílias de crianças obesas, muitas vezes, também estão muito além do peso. E a família não é a única influên-cia das crianças. Elas vão cres-cendo e têm influências dos amigos e da publicidade, por exemplo. As crianças estão sujeitas a múltiplas influências.

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Protagonismo juvenil, valo-rização do professor e en-gajamento social. Foram

esses os conceitos que deram o tom do debate “Quantidade x qualidade — Mitos & fatos”, organizado pela TV Globo e mediado pela jornalista Mônica Waldvogel, no Educação 360. A mesa, que se debruçou sobre o desafio da universalização do ensino, contou com a participa-ção das educadoras Maria do Pilar Lacerda e Luciana Hubner, do advogado Gabriel Dolabella e da atriz Andréa Beltrão.Um breve panorama sobre a evolução do Brasil em relação ao acesso à educação foi apre-sentado por Mônica para fo-mentar a discussão: o número

de jovens e adolescentes na escola saltou de 7% para 86% em pouco mais de 50 anos.Na visão de Maria do Pilar, di-retora da Fundação SM/Brasil e ex-secretária de Educação Bási-ca do Ministério da Educação, o atual cenário brasileiro pede políticas públicas que foquem menos em quantidade e mais em qualidade da educação.— Nos últimos 20 anos, fizemos um esforço sensacional para garantir o acesso dos alunos. Antes, a escolaridade era obri-gatória para crianças de 7 a 10 anos, depois passou para a faixa de 7 a 14 anos e, desde 2009, a escolaridade é obrigatória para crianças e adolescentes dos 4 aos 17 anos. A permanência

desses alunos também foi con-solidada graças a políticas pú-blicas que garantem merenda, transporte e material didático. Agora, o grande desafio que te-mos é garantir a aprendizagem. E uma aprendizagem significa-tiva, digna do século XXI — diz Maria do Pilar.A principal questão da mesa também foi analisada pelos de-mais debatedores. “Educação de qualidade para todos é im-possível?”, provocou a media-dora.— É uma inverdade. O fato de termos todos dentro da escola nos traz novos problemas, os que estavam fora dos muros da escola. No entanto, temos óti-mos exemplos de iniciativas que

QUANTIDADE x QUALIDADEMITOS & FATOS

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“A permanência desses alunos também foiconsolidada graças a

políticas públicas quegarantem merenda,

transporte e material didático”

MARIA DO PILAR LACERDA

“É preciso olhar para esses jovens porque, se a escola não for o lugar em

que eles querem estar, esse ambiente torna-se

quase um estado de sítio”LUCIANA HUBNER

“Hoje o jovem é muito

inquieto, quer enxergar o

propósito das coisas”

GABRIEL DOLABELLA

dão certo na educação pública. O desafio é tornar isso mais uni-versal. Educação é direito e res-ponsabilidade para todos nós — disse Luciana Hubner, ges-tora de projetos educacionais e avaliadora do Prêmio Educador Nota Dez.

Ao longo do debate, foram apresentadas reportagens sobre experiências de escolas públicas no Ceará, no Amazonas e no Rio de Janeiro. Em cada caso, uma mostra de como criatividade e determinação podem ser uma boa combinação para vencer dificuldades socioeconômicas e garantir bons resultados. Para o advogado Gabriel Dola-bella, cofundador do movimen-to Mapa Educação, o incentivo

ao protagonismo juvenil é o elemento-chave para atrair a atenção e despertar a participa-ção dos estudantes no mundo atual:— Hoje o jovem é muito inquie-to, quer enxergar o propósito das coisas. Uma pesquisa reali-zada recentemente com jovens de todo o Brasil mostrou que todos têm vontade de mudar o sistema de ensino e partici-par ativamente dessa mudan-ça. Quem não tiver a intenção de escutar o jovem tende a ter mais resistência a cada dia.Luciana Hubner partilha da mesma opinião. Para a educa-

dora, é fundamental observar de perto e conversar com as novas gerações para entender as demandas.— A gente tem o hábito de di-zer que os meninos dão traba-lho e não gostam da escola. É preciso olhar para esses jovens porque, se a escola não for o lu-gar em que eles querem estar, esse ambiente torna-se quase um estado de sítio. A escola vira um lugar de espera, onde os meninos aguardam chegar o vestibular para simplesmente passar mais um ciclo — afirmou a educadora. A atriz Andréa Beltrão, que é filha de professor e estudou a

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vida toda na rede pública, teve a oportunidade de visitar dife-rentes realidades em escolas de diversos estados do Brasil para encarnar uma professora no fil-me “Verônica” (2009), de Mau-rício Farias.— Conversei com várias profes-soras que atuavam em lugares de risco e conseguiam trans-formar aqueles locais e, além disso, comprometer todos da comunidade. São professores que saem de uma ilha de isola-mento e negatividade. São he-róis que puxam pelo exemplo e contaminam as crianças com um desejo intelectual e uma vontade de fazer da escola um lugar importantíssimo — con-

Luciana Hubner, Andrea Beltrão, Gabriel Dolabella, Pilar Lacerda e Monica Waldvogel

Luciana Hubner

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tou a atriz.A busca de uma educação de qualidade para todos passa também pela valorização do professor e pelo investimento na formação. — Assim como as demais pro-fissões, os docentes também têm a necessidade de formação constante. Pesquisas revelam a importância de voltarmos à sala de aula na condição de alunos. Vejo muita gente na educação resistente a isso, mas acho que temos que parar e pensar. Só assim teremos os resultados es-perados, com professores capa-citados para oferecer uma edu-cação de qualidade para todos — afirmou Luciana Hubner.

Andrea Beltrão

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Não há escola perdida. É isso que mostra o Canal Futura com a história de

cinco colégios na série de re-portagens “Era uma vez outra escola”, lançada no Educação 360. Nela, o jornalista Antô-nio Gois, colunista do GLOBO, passou por colégios de São Luís dos Montes Belos, em Goiás, Campinas, no interior paulista, Campo Alegre, em Alagoas, Rio de Janeiro e Teresópolis (RJ). No lançamento, duas diretoras es-tiveram presentes: Leslie Maria de Oliveira, da Escola Municipal

Costa e Silva, no interior goia-no, e Valquíria Batista de Assis, da Escola Municipal Dom Cons-tantino Luers, em Alagoas. — Apaixonei! — brincou a mineira Maria do Pilar, ex-se-cretária de Educação Básica do Ministério da Educação que par-ticipou da mesa do lançamento: — A gente fala muito de comu-nidade que participa, mas tem participação que é muito super-ficial. E ela vai se tornando de verdade quando há identidade e reconhecimento, como o que aconteceu nesse colégio de São

Luís dos Montes Belos. Eu re-comendaria trocar o nome da escola. Estudar em escola com nome de ditador... sem chances — referindo-se ao ex-presidente da república Costa e Silva. O Educação 360 exibiu com ex-clusividade o primeiro episódio da série, que contou a história de como Leslie encontrou um colégio onde alunos consu-miam e traficavam drogas em suas dependências. A gestora decidiu pôr as coisas em ordem transformando primeiro o espa-ço físico da unidade: chamou

CANAL FUTURA LANÇA SÉRIE SOBREESCOLAS QUE DERAM A VOLTA POR CIMA

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“A gente vive dedetalhes. São pequenas coisas que fizeram aescola ser o que ela é hoje. Comprar umamáquina de lavar fez

uma enorme diferença” LESLIE MARIA DE OLIVEIRA

“Quando assumi,tínhamos em torno de

700 alunos. Agora, são 1.250, e alunos de ou-

tras cidades e de colégios particulares estão vindo estudar com a gente”

VALQUÍRIA BATISTA DE ASSIS

pais e professores para limpar a escola. Foram 14 caminhões de entulho jogados fora. Depois de pôr a casa em ordem e con-quistar a comunidade, veio a ameaça da militarização. O es-tado de Goiás tem um progra-ma que coloca escolas na mão da Polícia Militar. Os alunos, então, compraram as ideias

de Leslie e ocuparam a escola. A mobilização cresceu e todos os pais de alunos assinaram um documento contra a medida. E a escola venceu. — A gente vive de detalhes. São pequenas coisas que fizeram a escola ser o que ela é hoje. Quer um exemplo? Comprar uma máquina de lavar fez uma enor-me diferença. Na época de chu-va, muitos alunos que vêm das áreas rurais chegam molhados e sujos. Então, eles pegam uni-formes que já estão lá na escola e botam os dele para lavar. No fim da aula, pegam as suas rou-pas que já estão limpas e voltam para a casa — explicou Leslie, que, por uma questão de per-tencimento, não abre mão da obrigatoriedade dos uniformes.

Ricardo Henriques, superinten-dente executivo do Instituto Unibanco, ressaltou que em quase todas as experiências há um componente de simplici-dade para resolver problemas complexos. — Há nessas histórias deter-minação em torno de soluções simples para resolver coisas

Ricardo Henriques, Pilar Lacerda, antônio Gois, Leslie Oliveira e Valquíria Assis

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complicadas. Quem já andou em escolas onde há tráfico sabe que é dificílimo — apontou. Já no colégio de Valquíria, em Alagoas, o problema era a indis-ciplina. O nome dela como dire-tora não foi bem recebido num primeiro momento. Os homens, segundo os alunos, não aceita-

vam ser liderados por uma mu-lher. Valquíria enfrentou até ata-ques contra seu carro — cada dia, um pneu era esvaziado e estudantes chegaram a tentar arrancar as placas do veículo. Passado o batismo de fogo, ela se aproximou dos meninos, o que demorou uns três meses, segundo ela. Um mutirão foi feito para reformar a escola. Nele, trabalharam o marido da diretora e os amigos da igreja. Os alunos passaram a ajudar. E a escola se transformou.— Só estudava no Dom Cons-tantino quem não tinha como ir para outro lugar. Quando assu-mi, tínhamos em torno de 700 alunos. Agora, são 1.250, e alu-

nos de outras cidades e de co-légios particulares estão vindo estudar com a gente — contou Valquíria. A inspiração para a série do Fu-tura surgiu da história do diretor vencedor do prêmio Educador Nota Dez de 2015. Ele transfor-mou a realidade de uma escola em São Paulo que era conheci-da pela violência entre alunos e contra professores. Para mudar, o diretor Diego Mahfouz Faria Lima — que apresentou o estu-do de caso Escola Darcy Ribeiro — criou com os alunos um novo código disciplinar, que deu voz aos jovens. A partir desse exem-plo, o Canal Futura buscou ou-tras iniciativas no país.

“Há nessas histórias determinação em torno

de soluções simplespara resolver coisas

complicadas” RICARDO HENRIQUES

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oficinaENSINO NA ERA DIGITAL

Imagine uma aula de Biologia na qual o corpo humano seja projetado num holograma

para que os alunos explorem cada detalhe. Agora, pense num livro didático com reali-dade aumentada, que permita aos estudantes se aprofundar ou tirar dúvidas sobre a maté-ria. Não são coisas do futuro. As técnicas da holografia e da rea-lidade aumentada, e suas possí-veis aplicações em sala de aula, foram algumas das inovações apresentadas em oficinas reali-zadas durante o Educação 360. Na oficina “Dos fantasmas de Pepper à holografia”, o geren-te de Informática da MultiRio, Nuno Caminada, e a diretora de Mídia e Educação da empresa municipal, Marinete D’Angelo, ensinaram educadores a aplicar a técnica da holografia sem pre-cisar gastar muito dinheiro. Com uma transparência de ace-tato, tesoura e fita adesiva, os participantes da oficina constru-íram pequenas pirâmides trans-parentes. Cada um posicionou a estrutura em cima de seu smartphone e, em seguida, bas-

tou acessar na internet imagens criadas especialmente para pro-jeção holográfica. Resultado: as imagens flutuaram diante dos olhos dos participantes.— É um recurso novo, e ainda estamos descobrindo juntos as muitas possibilidades de uso. Além de ter uma funcionalidade nova, atrai os alunos pela curio-sidade – disse Marinete.A ideia empolgou a professora de Matemática Pâmela Azeve-do, de 24 anos, que pretende fazer a experiência com os es-tudantes do 9º ano do Colégio ProUni, em Campos dos Goyta-cazes, no Norte Fluminense.— Como no fim do ano vou tra-balhar pirâmides e prismas com os alunos, acho que será um bom incentivo para ensiná-los a calcular as medidas necessárias para a construção da estrutura para a holografia — diz.Em outra oficina conduzida pela dupla da MultiRio, foram apre-sentados livros didáticos desen-volvidos com a tecnologia da realidade aumentada. Em algu-mas páginas, há o ícone de uma câmera, indicando que o leitor deve aproximar a câmera de seu smartphone. Ao fazer isso, com um aplicativo específico, o leitor reconhece a imagem do livro em movimento. Numa pu-blicação infantil, por exemplo, cuja temática é o medo, uma

das páginas mostra o pintinho dentro de um ovo. Ao aproxi-mar o smartphone, o leitor vê o pintinho saindo da casca e des-cobrindo o mundo.O uso de smartphones em sala de aula foi o tema da oficina “Laboratório de experimentos com aplicativo”, conduzida por Bruna Nunes, coordena-dora pedagógica da ONG Re-code, voltada para o empode-ramento digital.— Pesquisas mostram que 78% dos jovens se conectam quase todos os dias à internet. O desa-fio é transformá-los de inimigos em aliados — diz Bruna Nunes.Durante a oficina, os partici-pantes foram apresentados a alguns aplicativos educacionais e convidados a pensar em ati-vidades que poderiam ser feitas em sala de aula com o uso de smartphones. Entre os progra-mas apresentados estavam o Socrative, que permite a cria-ção de questionários para que os alunos respondam em seus smartphones ou tablets; a Fá-brica de Aplicativos, uma plata-forma digital que permite criar aplicativos básicos; o Office Mix, uma extensão do Power-Point que facilita a inserção de vídeos, links e questionários nas apresentações; e o Audaci-ty, que permite gravação e edi-ção de áudio.

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STARTUPSDENTRO E FORA DASALA DE AULA

Contratar um professor particular nem sempre é uma tarefa fácil. Con-

seguir referências, escolher o professor e combinar as agen-das pode levar um bom tempo. Mas é aí que a tecnologia pode dar uma mãozinha. Se surgir uma dúvida em Geografia, por exemplo, o aluno pode, por meio de um aplicativo, contra-tar um professor particular para solucionar seu problema em até quatro minutos. Essa é uma das funções desenvolvidas pela Educare, uma das cinco startups presentes durante o Educação 360. A iniciativa conecta alunos e professores particulares do se-gundo segmento do ensino fundamental e do ensino médio a qualquer hora via internet. A plataforma oferece uma opção para ser usada pelas escolas como forma de complementar o aprendizado do estudante on--line. De acordo com uma grade de horários e disciplinas escolhi-das pela escola, a Educare entra

com os professores e a tecnolo-gia, o que pode incluir monito-ria, plantão de dúvidas, reforço escolar e revisão para prova. — Aulas particulares sempre estiveram presentes na nossa vida e, vendo essa ascensão das tecnologias, tivemos a ideia de criar a Educare. É um misto de necessidade do mercado com a necessidade dos alunos — con-tou Gabriel Marques, aluno de Ciências da Computação na Universidade Paulista e um dos criadores da startup.Criado no Rio de Janeiro, o Des-complica, espécie de Netflix do ensino, ajuda os jovens na pre-paração para o Enem em todo o Brasil por meio de vídeos com os conteúdos que caem na pro-va, aulas ao vivo e um aplicativo, que permite ao estudante assis-tir aos conteúdos sem precisar de acesso à internet. A platafor-ma tem versões gratuita e paga, que pode oferecer monitorias e correção de redação.Outra empresa presente no evento foi a carioca Tamboro,

startup voltada para a cons-trução de processos lúdicos de aprendizagem a partir do uso de jogos e tecnologias de comuni-cação. Foram desenvolvidas três plataformas de aprendizagem: a Vivaz, voltada para o ensino fun-damental 1; a Ludz, com jogos feitos a partir de conteúdos de Matemática do 5° ao 9° ano; e aplicativo Sr.x, com conceitos de álgebra para ajudar a diminuir as dificuldades na disciplina. Já a startup Diário Escola, do Rio Grande do Sul, criou um serviço eletrônico para facilitar a comu-nicação entre os pais e a escola. A Fundação Geniantis, também de São Paulo, desenvolve um trabalho voltado para a divulga-ção das Forças de Caráter, teoria desenvolvida por pesquisado-res que realizaram durante três anos um estudo mundial, che-

gando a 24 características uni-versais para o desenvolvimen-to pessoal. Sobre esse tema, a empresa desenvolveu um jogo da memória, um de tabuleiro, Pessoas Geniais, e o aplicativo Geniantis, que busca facilitar o cultivo dessas competências de forma lúdica e intuitiva.

Tecnologia

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EDITORA:Roberta Ferraz

DESIGNER: José Wagner

REDATORA:Vivi Fernandes de Lima

TEXTOS:Bruno AlfanoMarta SzpancenkopfPaula FerreiraPedro ZuazoVivi Fernandes de Lima

REVISÃO:José Figueiredo

Expediente

Encontro Internacional Educação 360 (2016: Rio de Janeiro, RJ).

Documentário do 3º Encontro Internacional Educação 360. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 23 e 24 de setembro de 2016. Rio de Janeiro: O GLOBO e EXTRA, 2016. Livro + e-book ISBN 978-85-8457-029-4

82p. 1. Educação. 2. Ensino. 3. Encontro Internacional. 4.Mídia e Educação. 5.Educação e Sociedade. 6.Educação e Tecnologia. 7.Currículo e avaliação. 8.Manuel Castells. 9.Michel Maffesoli. 10.António Nóvoa. 11.Maria Helena Guimarães

FOTOGRAFIA:Gustavo AzeredoLeo AckermannSylvia Freitas

TRATAMENTODE FOTOS:Luiz Alberto Rocha da Cruz

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