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que corpo é aquele que imerge no mar? Trabalho final de História Antiga II Prof. Francisco Murari Pires Felipe de Medeiros Guarnieri, No USP 5712278 Dept. de História, FFLCH, USP Uma análise do mito de Ícaro em quatro instâncias e além que corpo é aquele que imerge no mar? e d

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que corpo é aquele que imerge no mar?

Trabalho final de História Antiga II Prof. Francisco Murari Pires Felipe de Medeiros Guarnieri, No USP 5712278

Dept. de História, FFLCH, USP

Uma análise do mito de Ícaro em quatro instâncias

e além

que corpo é aquele que imerge no mar? e d

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PINDARVM·QVISQVIS·STVDET·AEMVLARI

IVLE·CERATIS·OPE·DAEDALEA

NITITVR·PENNIS·VITREO·DATVRVS

NOMINA·PONTO.

PÍNDARO QUEM QUER QUE DESEJA EMVLAR,

JULO, AO CÉU MUNIDO DE DEDÁLIAS ASAS

ALÇA DE CERA, CONDENADO À FAMA

EM NOVÍSSIMO MAR.

Pindarum quisquis studet aemulari, Iule, ceratis ope Daedalea nititur pennis vitreo daturus

nomina ponto.

Quem com Píndaro se esforça por rivalizar, Julo, fia-se em asas com cera unidas pelo engenho de Dédalo, e o seu nome dará

a um limpído mar.

Q. HORATI FLACCI CARMINVM

LIBER IV.II vv.1-4 trad. Pedro Braga Falcão (Cotovia, 2008)

* Queda de Ícaro Anônimo

Marfim?, s.XVII

Musée Antoine Vivenil, s.XVII

Fonte: Wikipedia

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Apontamentos: significações.

O texto não tem maiores pretensões que apontar significados

– tem ele caráter pro(me)téico, inacabado, no que o autor confessa

humildemente ainda não ter capacidade para concluir, posto que

propôs-se o desafio de enfrentar esta quimera. O pano do texto,

todavia, cai a cabo da análise de James Joyce, no que os fragmentos

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de uma conclusão são afterthoughts, a partir de Hannah Arendt e

Walter Benjamin e outros autores, das implicações da balança entre

fardo/fio da tradição rastreada partir das fontes no texto.

O rodapé aponta para trechos usados no corpo do texto, ao

passo que as obras referidas estão todas listadas na bibliografia.

Citações de autores e teorias não foram todas referenciadas, para não

acumular discussões paralelas nas notas. Tomamos a liberdade de

revolver num mito a partir de diversas fontes diferentes, nem todas

disponíveis no Heros, para assim estabelecer o diálogo entre antigos

e moder(íssim)os e questionar, mesmo que minimamente, as

modalidades da construção da tradição no corpo (textual?) da

história humana e as vicissitudes, sempre reinterpretadas, da

condição humana a partir de Ícaro, fundamentando-nos em Hannah

Arendt. Tomamos a liberdade de perder-nos nel mezzo del cammin –

convidamos o leitor para uma viagem, do labirinto de Knossos, ao

suor da terra, para as profundezas do Oceano e, após, à Lua.

Questionamos a tradição: o que ela é? Sua função:

movimento. Certamente, não um museu onde os bustos empoeirados

dos “grandes homens” são expostos como modelares; a tradição,

antes, é um embate do histórico com o (pretensamente) ahistórico.

Formula-se como a herança do pecado original em Santo Agostinho,

em dialética com o livre-arbítrio: a busca de redenção. Em Hegel, o

particular e o geral no Espírito. No marxismo, a tradição é a dialética

entre os homens que fazem sua história e a história herdada de

gerações anteriores que lhes pesam como a corda da forca no

pescoço: entre o trabalho humano e leis (quase) naturais também

feitas pelo homem. Aqui, tomaremos a tradição como o conjunto de

símbolos revolvendo em círculos narrativos –μύθορ.

Interpretações, se múltiplas, estabelecidas em dois núcleos

distintos, entre positivo e negativo: há como fugir da dialética, e

estabelecer núcleos hermenêuticos em constante movimento de

estilhaço e constante (re)construção do saber (histórico)? Quatro

importantes autores apontaram esta possibilidade entre os séculos

XIX e XX, em aspecto teórico; o terceiro, poético. Friedrich

Nietzsche em Além do bem e do mal (1885), o eterno retorno e o

esforço em estabelecer um tempo não-linear, isento da ingenuidade

dos fatos e (in)sustentado em interpretações sempi-dependentes do

observador. O Jetztzeit de Walter Benjamin emerge nos escombros

da dialética da experiência, não mais possível após ruírem as vigas –

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físicas e intelectuais – do “Zeitgeist/mind of Europe”: o romance,

gênero trágico por excelência, vem no resgate da tradição ao elevar a

experiência individual do sujeito à experiência comunal da narração

histórica (e ficcional). Hannah Arendt em A Condição Humana

(1958) afirma que, no caminhar das coisas, a tradição aponta seu

precipício – implicações estéticas, filosóficas, sociais e até mesmo

físicas. Tomaremos aqui a figura de Ícaro como arquétipo do mito

de/reconstruído: a condição humana, embate entre trabalho e

natureza, mãos e molde, por excelência. Em terceiro lugar, afamada

postulação de T. S. Eliot no ensaio Tradition and the individual

talent (1919), a constante reinterpretação do passado (e,

consequentemente, do presente) segundo os (sempi-novos)

preconceitos do presente: na crítica literária, interpretação

potencializada já em Samuel Johnson e Samuel Taylor Coleridge. O

quarto registro, poético: Ezra Pound, il miglior fabbro, n‟Os Cantos:

to “see again”

the verb is “to see,” not “walk on”

i.e., it all coheres all right

even if my notes do not cohere.1

1 Ezra Pound, Canto CXVI In The Cantos (New Directions, 1993), p.816.

Hércules vintecentista cuja tentativa de construir um épico

homérico, abarcando a multiplicidade das fraturas do tempo de

indivíduos e massas, deu com a(s) história(s) n‟água. Pound

demorou décadas para perceber que o século XX não abarcaria um

novo Homero, nem um novo Dante. A tradição – se ocidental,

europeia, inglesa-francesa-alemã; aqui não nos importa o viés

antropológico da história, e sim seu aspecto ontológico, o

maquinário da construção da tradição na supervivência de todos os

tempos. Isto é, o pensamento político e filosófico inventado por

Platão, o histórico por Tucídides, o poético por Homero –

despedaçou-se e precisa ser (re)construída por seu interlocutor: nas

palavras de T. S. Eliot, permanentemente conquistada pelo talento

individual de cada um.

Portanto, até que ponto não é esta tradição uma invenção e

interpretação ela-mesma? E existiu uma unidade de fato de

pensamento sobre a multiplicidade no mundo antigo, ou trata-se de

uma idéia propagada pela coleção de ruínas elevadas pelos

Renascentistas? Um exemplo, que “Aristóteles” é o de Descartes, e o

de outros homens e tempos, cuja parte mais importante da obra –

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seus diálogos – perdeu-se? E os ideais moldados pelas mãos dos

alexandrinos, dos renascentistas? Homero toma forma primeira

apenas no governo de Pisístrato, e o Homero de Platão é deveras

diferente do de Calímaco, e do Homero preservado nos códices

medievais. O homem do século XX inventou ou descobriu que a

história está em constante movimento? Ambos? E até que ponto os

modernistas não se apoiam numa reconstrução da tradição, longe da

ideia futurista de construir à revelia do herdado? Foi o fio que ligava

Homero a Wilamowitz arrebentado? Existiu esse fio?

E, no entanto, deve haver, no mais pequeno poema de um

poeta qualquer coisa por onde se note que existiu Homero2.

A tradição: conjunto de símbolos revolventes em núcleos

narrativos, estabelece-se em mitos, arquétipos, alegorias, sendo todas

representações de verdades idealizadas; isto é, sempre

(re)interpretadas. Ícaro se nos apresenta como alegoria do embate

entre trabalho e natureza nas Metamorfoses de Ovídio; alegoria,

veremos, retomada por Peter Bruegel, William Carlos Williams e

James Joyce. E, se os Renascentistas apoiaram-se na autoridade de

Cícero e Aristóteles, e na redescoberta do grego, os modernistas

2 Fernando Pessoa, Obra em prosa (Nova Aguilar, 1995), p.147.

apoiam-se em Virgílio e Horácio conjugados por Dryden e Golding,

Petrarca e Shakespeare. Não queremos aqui afirmar uma construção

retilínia de uma tradição que se confunde muitas vezes com o

pensamento histórico: a história, a nosso ver, é constante movimento

entre lembrar-se e esquecer-se: seu reduto mais secreto é a memória.

O triálogo entre antigos e modernos e moderníssimos. Santo

Agostinho aparecerá nos penhascos destas montanhas, cuja encosta

ainda se encontra a nossa vista: nos sumus tempora: quales sumus,

talia sunt tempora3.

A tradição é (re)construção: trabalho humano fundamentado

dentro do, a partir do, no tempo: memória. Abaixo, o material da

forja modifica o conjunto das idéias; e vice-versa: há o movimento.

A história descasca-se em camadas de uma cebola.

Este texto terá quatro faces:

I. MITO. Apresentação e a alegoria de Ícaro em Ovídio.

II. O ARTÍFICE. A representação do arquétipo no

diálogo dos antigos e modernos. A μίμηζιρ visual de

3 Santo Agostinho, sermão 80,8. Encontramos a versão latina em

http://www.augustinus.it/latino/discorsi/index2.htm. A sentença é proverbial.

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Ovídio na Paisagem com queda de Ícaro de Pieter

Bruegel, o Velho.

III. O OBSERVADOR. A representação da representação

no diálogo entre modernos e moderníssimos. A

μίμηζιρ verbal de Bruegel em Williams Carlos

Williams.

IV. DÉDALO. A representação da representação da

representação. O triálogo entre antigos e modernos e

moderníssimos. Aqui, a geometria temporal não é

linear, tampouco platônica. O cume em James Joyce.

As implicações do diálogo entre antigos e modernos

no modernismo.

Comecemos por Ovídio.

I. Ikarus! Ikarus! Jammer genug.4

Daedalus interea Creten longumque perosus

exsilium tactusque loci natalis amore

clausus erat pelago. “terras licet” inquit “et undas

obstruat: at caelum certe patet; ibimus illac.

omnia possideat, non possidet aera Minos.”

dixit et ignotas animum dimittit in artes

naturamque novat. nam ponit in ordine pennas,

a minima coeptas, longam breviore sequenti,

ut clivo crevisse putes. sic rustica quondam

fistula disparibus paulatim surgit avenis.

tum lino medias et ceris adligat imas,

atque ita compositas parvo curvamine flectit,

ut veras imitetur aves. puer Icarus una

stabat et, ignarus sua se tractare pericla,

ore renidenti modo, quas vaga moverat aura,

captabat plumas, flavam modo pollice ceram

mollibat lusuque suo mirabile patris

impediebat opus. postquam manus ultima coepto

imposita est, geminas opifex libravit in alas

4 O coro espanta-se e ecoa Ovídio com o alçar de Euforião no Fausto II, ato III,

vv.9901-9902 de Goethe (editora 34, 2007); na trad. de Jenny Klabin Segall:

“Ícaro! Ícaro, ah! Mortal pesar!”, p.723.

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ipse suum corpus motaque pependit in aura.

Instruit et natum “medio” que “ut limite curras,

Icare,” ait “moneo, ne, si demissior ibis,

unda gravet pennas, si celsior, ignis adurat.

inter utrumque vola. Nec te spectare Booten

aut Helicen iubeo strictumque Orionis ensem:

me duce carpe viam.” pariter praecepta volandi

tradit et ignotas umeris accommodat alas.

Inter opus monitusque genae maduere seniles,

et patriae tremuere manus. dedit oscula nato

non iterum repetenda suo, pennisque levatus

ante volat comitique timet, velut ales, ab alto

quae teneram prolem produxit in aera nido,

hortaturque sequi damnosasque erudit artes

et movet ipse suas et nati respicit alas.

hos aliquis tremula dum captat harundine pisces,

aut pastor baculo stivave innixus arator

vidit et obstipuit, quique aethera carpere possent

credidit esse deos. et iam Iunonia laeva

parte Samos (fuerant Delosque Parosque relictae),

dextra Lebinthos erat fecundaque melle Calymne,

cum puer audaci coepit gaudere volatu

deseruitque ducem caelique cupidine tractus

altius egit iter. rapidi vicinia solis

mollit odoratas, pennarum vincula, ceras.

tabuerant cerae: nudos quatit ille lacertos,

remigioque carens non ullas percipit auras,

oraque caerulea patrium clamantia nomen

excipiuntur aqua: quae nomen traxit ab illo.

at pater infelix, nec iam pater, “Icare,” dixit,

“Icare,” dixit “ubi es? qua te regione requiram?”

“Icare” dicebat: pennas adspexit in undis

devovitque suas artes corpusque sepulcro

condidit, et tellus a nomine dicta sepulti.5

O testemunho poético mais contundente6 da história de Ícaro

e Dédalo na antiguidade é uma pequena seção no canto VIII das

Metamorfoses do poeta latino Públio Ovídio Nasão (43 a.C. – 17

d.C.), as quais provavelmente vieram a tona no ano 8, sob o

principado de Augusto, antes do poeta ser condenado ao exílio no

Ponto. As Metamorfoses são uma coleção de mitos, transformações

5 P. Ovidi Nasonis Metamorphoses VIII, vv.183-235 (Oxford, 2004), p.222-224.

Referimos a tradução de Paulo Farmhouse Alberto em Ovídio, Metamorfoses, pp.201-202 (Cotovia, 2007). 6 Não é, porém, o único. O evento é mencionado passim em poetas gregos

arcaicos, embora, no que constam as fontes conhecidas, o enfoque seja sempre em

Dédalo. Pseudo-Apolodoro narra o episódio na Biblioteca, Diodoro Sículo na

Biblioteca da História (4.64) e Higino nas Fábulas.

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mitológica Greco-romana que, na esteira da poesia alexandrina,

(re)constrói-se ludicamente (com)funde deliberadamente realidade

com ficção.

Ícaro e Dédalo tentam fugir do labirinto em Creta, construído

a mando de rei Minos a fim de esconder o Minotauro. O Hades não

comporta rotas de escape por terra: por mar, a fúria de Netuno os

acabrunha, como a Odisseu. Resta fugir pelo céu – omnia possideat,

non possidet aera Minos – e, assim, naturamque novat - (re)inventa

a natureza. Ícaro e Dédalo tentam vencer a força natural através da

arte humana: do trabalho. Falham miseravelmente.

A queda de Ícaro é a glorificação de Apolo: do Sol que

derrete as ceras daquele que tenta alcançar os deuses. É a

insignificância do craft, da Kunst do homem frente ao poder

incomensurável do natural. Empédocles afogando-se no Etna: Ícaro

afoga-se na costa de Samos. Excesso de transgressão do homem:

como Creso em Heródoto, como a Atenas de Tucídides, Ícaro é a

acometido pela ὕϐπιρ – no mito, seu arquétipo – incorre-lhe, por isso

mesmo, a νέμεζιρ. Ou é ele vítima da inexperiência, da atmosfera? O

artista é transgressor ao desafiar a natureza e tentar imitá-la – ut

veras imitetur aves? Voa, tentando atingir o Sol: tenta ser um deus.

Transgride ao desafiar as leis (políticas) dos deuses (chefes)? Foi

esta precisamente a causa do exílio de Ovídio: questionar a

veracidade do mito – e o mito é, em Roma, arma política.

Lembremo-nos da dimensão política do mito.

Encontramo-nos, nas Metamorfoses, em violento embate

entre a imitatio e a aemulatio da natureza: fas ou nefas? Até que

ponto os autores antigos poderiam entortar o mito, e, no caso da

natureza, tomando as rédeas da (μεηά)θύζιρ, submetê-la à ηέχνη?

Esta dimensão também seria (im)possível na historiografia,

submetendo as res gestae ao domínio da ars, nos termos latinos? Em

que medida podemos confiar na veracidade postulada por Tito Lívio

na Ab urbe condita, a narrativa oficial do Império Romano?

Bastante conhecida é a censura que Platão faz à μίμηζιρ no

livro X da República e no Íon: o poeta, representante de terceira

instância, pois (re)representa a partir das representações materiais na

natureza, está demasiadamente longe da verdade cujo monopólio

pertence ao filósofo, e assim não será admitido na vivência da πόλιρ.

Poetas são perigosos: (re)representam a realidade com mentiras e, no

aspecto construtivo, procuram emular o movimento da natureza: da

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realidade fenomênica7: para Platão, um absurdo em termos. A

história, fria, não tem, a princípio, tais pretensões. Ela trata de

particulares, não de gerais. A dimensão idealista da poesia em Platão

é complementada pela análise técnica da tragédia na Poética

aristotélica; nela, o filósofo recupera a função social da poesia, e

releva a importância do provável frente ao possível e efetivo8.

Importa a verossimilhança e unidade do enredo: para a tragédia ser

verídica, ela deve ser falsa: tenhamos aqui qualquer tipo de texto.

Até que ponto o mito (não) é uma invenção do homem? Até que

ponto os deuses (não) são invenções humanas? Até que ponto a

história dos particulares (não) se pauta por um geral, fio condutor do

7 Platão, República, trad. Anna Lia Amaral de Almeida Prado (Martins Fontes,

2006) 396b-400e, seguindo a discussão acerca da elocução na poesia; “Então,

disse eu, se não for um orador como esse, quanto mais reles for, mais imitará tudo

e nada julgará indigno de si, a tal ponto que imitará com seriedade, e diante de

muitas pessoas, mesmo aquilo de que falávamos agora, trovões, rumor do vento e

do granizo, ruído dos eixos e das roldanas dos carros e som de trombetas, flautas,

siringes e de todos instrumentos e ainda a voz de cães, ovelhas e pássaros.”,

pp.102-103. Até que ponto o historiador, ao tentar aproximar-se do wie es

eingtlich gewesen, não é culpado da mesma transgressão em relação ao tempo? 8 Aristóteles sobre a Tragédia e a Epopéia em On Poetics, trad. Ingram Bywater

(University of Chicago, 1952), 1460a; “A likely impossibility is always preferable

to an unconvincing possibility. The story should never be made up of improbable

incidents; there should be nothing of the sort in it”, p.696. Ainda mais verdadeiro

para a escrita crítica historiográfica: verossimilhança: a construção da verdade

numa narrativa coesa e concisa, interpretar os indícios deixados pelo/no tempo.

fardo narrativo, ficção que sustenta os detalhes, verdade construída

no e a partir do texto? O mesmo em Tucídides: a causalidade é o

falseamento – verdadeirização – dos eventos reais. Nenhuma história

é compreensível se não narrada – se não se constrói uma verdade

unívoca para que a compreendamos.

Longa digressão cujo ponto é unívoco: encontramo-nos, em

Ovídio, no berço da tradição ocidental. E, no que tange à História

que garante sua (pretensa) objetividade ao trabalhar cientificamente

com documentos, interessa-nos lembrar que tal método não foi

descoberto, e sim inventado por Tucídides. A tradição é uma

invenção.

Estabeleçamos os núcleos em Ovídio: de um lado, a tradição

literário-mitológica (a imitatio); de outro, o trabalho (o aemulatio); a

tradição e a possibilidade de transgredi-la: no mito de Ícaro, a

natureza e a ciência humana. Utilizando conceitos gregos,

construamos um tripé entre θύζιρ e νόμορ e ηέχνη.

Caelique cupidine tractus altius egit iter: voltamos a Ovídio;

saltemos para Bruegel.

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II. né quando Icaro misero le reni9

Representação imagético-narrativa do mito de Ícaro e Dédalo é o

quadro Paisagem com queda de Ícaro, de Pieter Bruegel, o Velho.

Feito pelo pintor durante sua estadia em Bruxelas, na década de

1560, a tela nos apresenta interpretação outra da queda de Ícaro.

Ovídio estranhado: Ícaro, mero detalhe no canto inferior

esquerdo do quadro. A representação aqui não é o puro mito, mas o

resultado alegórico que se encontra no trecho acima: a dialética entre

o homem que molda e batalha a natureza através do trabalho e a

inexorabilidade desta, uma vez que o homem dela depende para

sobreviver – e, segundo suas leis, condenado a morrer. Nos sumus

etiam tempora.

Primeiro, a superfície. Os trajes do agricultor e do pastor, os

instrumentos, a cidadela na encosta, as embarcações: elementos

todos pintados como se do século de Bruegel, em nenhum momento

9 Dante Alighieri, Inferno, canto XVII, vv.109-111 – “né quando Icaro misero le

reni / senti spennar per la scaldata cera, / gridando il padre a lui: „Mala vita

tieni!‟”; Dante Alighieri, Commedia: Inferno (Mondadori Meridiani, 1991), p.529.

da Antiguidade – e, no entanto, personagens já presentes em Ovídio,

espécie de ut poesis pictura10

de sua fonte.

hos aliquis tremula dum captat harundine pisces

aut pastor baculo stivave innixus arator

vidit et opstipuit, quique aethera carpere possent

credidit esse deos.

Acreditaram serem Dédalo e Ícaro deuses. Ícaro, do qual vemos

apenas as pernas de um corpo que i/emerge n/do mar, dista das

idealizações e dramaticidade de um Rubens. O retrato de Bruegel é

bastante sóbrio e tácito, sem paixão. Encobre o quadro a perspectiva

comezinha de mais um dia de trabalho; o sofrimento de quem se

afoga é ignorado: about suffering they were never wrong, the Old

Masters11

; de Ícaro não mais que uma mão o aponta. A

10 O expressão inversa é de Horácio, v.361 da Ars Poetica, In Opera (Oxford,

1901), p.264 11 Ver W. H. Auden, Collected poems (The Modern Library, 2007), p.179.

Preferimos não nos estender sobre o poema no texto, por acreditar que fugiria da

interpretação proposta; embora seja interessante compará-lo ao Landscape with

the fall of Icarus, de William Carlos Williams: ambos são registros poemáticos,

assaz diferentes, do mesmo quadro de Bruegel.

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impessoalidade é conquistada pela perspectiva quase puramente

espacial do quadro: momento comedido de um movimento.

Aprofundemos. Um peregrino, trabalhador comum, desloca a

queda de Ícaro do centro do quadro: o agricultor no centro

conduzindo o arado. Quem é ele? É Adão, o homem após a queda,

que no suor do rosto comerás o pão, até que se torne a terra; porque

dela foi tomado; porquanto é pó e em pó se tornará12

? Bruegel, ao

adaptar o trecho de Ovídio, realiza-o através de seu resultado

alegórico, adicionando o elemento cristão, e invertendo a

interpretação mito: o resultado da ὕϐπιρ humana não é a efetivação

da νέμεζιρ olímpica: a razão humana molda a matéria-bruta da

natureza: o primado da ηέχνη, do trabalho. Hélio, Apolo, o Sol

abateram o homem e reduziram-lhe novamente a sua insignificância:

pouco importa. A morte de Ícaro é o negativo do trabalho dedáleo –

lembremos, o mito continua. Dédalo consegue fugir do labirinto e

pousar no reino de Cocalo, onde se torna amigo íntimo do rei e

mecânico da corte, gozando de sua genialidade.

12 Gênesis, 3:19.

O mito descentralizado pelo trabalho cotidiano. A história do

passado a serviço da história do presente: Maquiavel reescreve Tito

Lívio13

. Os modernos dialogam com os antigos.

A tradição é uma (re)construção e o passado é uma

(re)interpretação: “deslocamentos da pintura bruegeliana operados

pela e contra a memorização ovidiana”14

.

Ícaro afoga-se.

O fazendeiro continua a arar seu campo.

III. and the European mind stops15

According to Brueghel

when Icarus fell

it was spring

13 Maquiavel, nos Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio (Martins

Fontes, 2007), pp.5-7, toma empreitada filosófica semelhante à recriação visual de

Bruegel em Paisagem com queda de Ícaro. O florentino esforça-se para

compreender seu tempo tomando os livros de Lívio como exemplares, longe de

tornar-se servo de seu mestre; imita-o, contudo adaptando-o ao presente; sua obra

ainda é, portanto, uma imitatio, de Tito Lívio. 14 Francisco Murari Pires, em “A morte do herói(co)”, cf. Bibliografia. 15 Ezra Pound, Canto CXV In The Cantos (New Directions,1993), p.814.

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a farmer was ploughing his field

the whole pageantry

of the year was

awake tingling near

the edge of the sea

concerned

with itself

sweating in the sun

that melted

the wings‟ wax

unsignificantly

off the coast

there was

a splash quite unnoticed

this was

Icarus drowning16

16 William Carlos Williams, “Landscape with the fall of Icarus”, orig. pub. o em

Pictures from Bruegel, 1943; In The collected poems of William Carlos Williams,

vol.2 (New Directions, 2001), p.385.

William Carlos Williams, poeta norte-americano, amigo de

infância de Ezra Pound e conhecido explorador do desconhecido no

verso.

Bruegel adapta Ovídio: Williams adapta Bruegel – according

to Brueghel. Terceira instância a partir do mito. Bruegel viu a queda

de Ícaro com os olhos de Ovídio: Williams vê a queda de Ícaro com

os olhos de Bruegel com os olhos de Ovídio.

A concisão e economia de meios em Williams poderiam,

numa primeira leitura, suscitar a mera descrição do quadro; o poema,

entretanto, é narrativo, como o quadro. Versos que se aproximam da

inversão colocada por Bruegel – é, por assim dizer, uma adaptação

verbal consumada do visual – representação da representação. A

disjunção da expectativa, no que Bruegel descentraliza o mito,

traduz-se na sintaxe quebrada, típica da obra de Williams. Os

elementos relevados individualmente por Bruegel são transcriados

entre as paredes do verso por Williams: it was spring, a farmer was

ploughing his field, the edge of the sea <concerned with itself> (a

ação adjunta), a splash quite unnoticed. Ícaro aparece duas únicas

vezes: segundo verso, após o poeta tomar os olhos de Bruegel (com

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os olhos de Ovídio), e no último, ação contínua e perene no passado

– presente – futuro.

Ícaro afogando-se.

O fazendeiro continua a arar seu campo.

O poema de Williams nos oferece narração fria e objetiva,

minimamente construída, do quadro de Bruegel. Ausenta-se o mito

em completude; Ícaro, esvaziado da tradição que carrega, subsiste

apenas como substantivo próprio, como subsistiu como duas

pequeninas pernas na tela. Williams, por sua vez, adiciona um

elemento ao episódio a partir de Bruegel a partir de Ovídio: mesmo

se narrativo, o quadro é sempre um momento do movimento – a

perspectiva de Bruegel é quase puramente espacial – off the coast

baliza qual ablativo anglicizado. A poesia, no entanto, é movimento,

ao que se consuma no tempo – na fala. Ícaro cai entre um advérbio –

unsignificantly – e um particípio adjetivado – unnoticed. Contra as

ondas de verbos narrativos no imperfeito batendo nas encostas da

sintaxe rompendo-se, marés obrigam-nos a pausar atentivamente a

leitura de cada ofensiva súbita da cesura e de conjunções; analisa-se

o movimento. Vemos Ícaro cair – it was spring – of the year was –

there was – this was. E Ícaro realiza apenas duas ações – fell e

drowning. Um verbo contínuo inicia o poema, outro finaliza:

according / drowning. Persiste o movimento e a tradição, em cacos

após duas grandes guerras, é (re)construída pelos modern(íssim)os.

O mito, no entanto, esvazia-se, para ser preenchido novamente.

A tradição é uma (re)(re)construção e o passado é uma

(re)(re)interpretação a encosta do mar absorta em si mesma suando

no Sol que derreteu a cera das asas –

IV. et ignotas animum dimittit in artes17

Ícaro afogando-se na costa de Samos: seu nome no mar.

Subimos as rochas da encosta cuja base é o mito nascente em

Ovídio. Meio do caminho, nossos olhos foram os do artífice de

Bruegel, o trabalhador que observa a paisagem e nela a queda de

Ícaro. Alguns metros acima, tomamos os olhos de Williams,

observador dos trabalhadores observando a paisagem e nela a queda

17 P. Ovidi Nasonis, Metamorphoses VIII, v.188; ou, a epígrafe de James Joyce, A

portrait of the artist as a young man (W. W. Norton, 2007).

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de Ícaro. O observador do artífice é ele mesmo um artífice. Olhemos

agora aos olhos do vento: aos olhos de Dédalo.

James Joyce, household name do modernismo anglo-

americano, elabora toda sua obra fundamentando-se no triálogo entre

os antigos, modernos e modernistas. O Ulysses, dito inúmeras vezes,

é a Odisséia do modernismo, e não só – é também sua Eneida, seu

Fausto e sua Divina Comédia. Em A portrait of the artist as a young

man, novamente Ícaro e Dédalo, Joyce elabora um bildungsroman a

partir das mudanças estético-sociais na Irlanda no entre-séculos,

entremeio ao embate entre o protestantismo e catolicismo na tradição

cristã da Irlanda, entremeio ao material dos tumultos políticos à beira

da Guerra de Independência do país. Consumando uma comunhão

entre as Metamorfoses de Ovídio – a reelaboração do mito em

personagens arquetípicos – e Santo Agostinho – o Confiteor, centro

do romance, lembra-nos as Confissões do bispo de Hipona, Joyce

recuperará, na queda de Stephen Dedalus, a dimensão política do

mito – desnudar a forja onde se (re)produz a tradição.

O protagonista sofre duas quedas. A primeira queda, icária e

inconsciente, acontece devido à ὕϐπιρ na desobediência da lei divina

pelo pecado da impureza: o sexo com prostitutas. Estamos no

capítulo central do livro, o terceiro. Segue o sermão de São

Francisco, a morte e o inferno divino, lar dos pecadores:

A wasting breath of humiliation blew bleakly over his soul to

think of how he had fallen, to feel that those souls were dearer to God

than his. The wind blew over him and passed on to the myriads and

myriads of other souls, on whom God's favour shone now more and now

less, stars now brighter and now dimmer, sustained and failing. And the

glimmering souls passed away, sustained and failing, merged in a moving

breath. One soul was lost; a tiny soul: his. It flickered once and went out,

forgotten, lost. The end: black cold void waste. (p.122)

A queda, entre Ícaro e também Adão: a ὕϐπιρ é o pecado. A

Dedalus, diferente de Ícaro, é permitida absolvição através do

confessionário e da entrega da alma a Deus, dimensão agostiniana da

obra, consumando-se no capítulo quarto.

Há, no mesmo capítulo, uma segunda queda, mas é ela

Icária? É o mesmo mito, sem dúvidas. Agora, a queda não se dá

ocorre pela ὕϐπιρ, mas pela recusa consciente da lei divina, a

afirmação da lei humana, o alçar vôo do Dédalo:

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Now, as never before, his name seemed to him a prophecy. So

timeless seemed the grey warm air, so fluid and impersonal his own

mood, that all ages were as one to him. [...] Now, at the name of the

fabulous artificer, he seemed to hear the noise of dim waves and to see a

winged form flying sunward above the sea, a prophecy climbing the air.

What did it mean? Was it a quaint device opening a page of some

medieval book of prophecies and symbols, a hawlike man flying sunward

above the sea, a prophecy of the end he had been born to serve and had

been following through the mists of childhood and boyhood, a symbol of

the artist forging anew in his workshop out of the sluggish matter of the

earth a new soaring impalpable imperishable being?

[...]

His soul had arisen from the grave of boyhood, spurning her

graveclothes. Yes! Yes! Yes! He would create proudly out of the freedom

and power of his soul, as the great artificer whose name he bore, a living

thing, new and soaring and beautiful, impalpable, imperishable. (pp.148-

149)

Dois passos além de Bruegel, no qual o contraste entre o

artífice observador – Adão – e aquele que cai – Ícaro – ainda é tênue

e vaga; e, noutra direção, um passo além da frieza narrativa de

Williams; em Joyce, as tradições Greco-romana e Cristã copulam:

Stephen Dedalus (con)funde-se com Ícaro e é o mesmo que Adão e é

além – existe no único presente, tempo de agoras, ao que Dedalus

alça o vôo para além da adolescência – é a maturidade do

pensamento, a afirmação do homem seguinte à recusa de Deus, o

surgimento do indivíduo, o artífice consciente de si, o longtemps, je

me suis couché de bonne heure de Proust, o romper final do fio da

tradição!

Stephen Dedalus, o Ícaro-Adão joyceano, procura fugir do

labirinto do próprio subconsciente ao alçar vôo em direção às nuvens

– to live, to err, to fall, to triumph, to recreate life out of life! (p.150)

– se cair, que abracemos as ondas e vasculhemos o desconhecido no

fundo do mar! – tornando-se uma força natural ao modificar the

sluggish matter of the earth em uma new soaring impalpable

imperishable being. A queda de Ícaro não será mais a mesma como

interpretamos até então. Entretanto, no cume da montanha, voltamos

a sua encosta: Ovídio. Perfaz-se o trabalho humano frente às leis

divinas na natureza na afirmação da ποίηζιρ, a criação: o mito

reinterpretado.

Joyce, igualmente, recupera a dimensão política do mito ao

tomar como pano-de-fundo as turbulências na Irlanda pré-Guerra de

Independência: estamos nas décadas finais do século XIX e iniciais

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do XX, já após Marx, Kierkeegard e Nietzsche. Embora Dedalus

seja omisso à política em grande parte da obra, sendo exposto a ela

no início, e escondendo-se, quando adolescente, no manto jesuítico;

ao que, na universidade, esconde-se nas elucubrações filosóficas

acerca de Tomás de Aquino e Platão e na busca do belo na poesia;

acaba por sujar as mãos na argamassa política ao final da obra.

The soul is born [...] first in those moments I told you of. It has a

slow and dark birth, more mysterious than the birth of the body. When the

soul of a man is born in this country there are nets flung at it to hold it

back from flight. You talk of me of nationality, language, religion. I shall

try to fly by those nets. (p.179)

Não se escapa da tradição: mesmo que seu fio, segundo

Hannah Arendt, tenha-se rompido, sua força coercitiva permanece-

se: we shall try to fly by those nets. Numa re(des)interpretação,

devemos, pois, superá-la, e gritar a plenos pulmões: Welcome, O

life! I go to encounter for the millionth time the reality of experience

and to forge in the smithy of my soul the uncreated conscience of my

race (p.224).

O coming-of-age de Dedalus é o coming-of-age da tradição.

A tradição é uma (re)(des)(re)construção: movimento de

constante construção, reconstrução, desconstrução. O passado é uma

(re)(des)(re)interpretação: esquecer-se, lembrar-se. A tradição como

batalha entre o histórico e o (pretensamente) ahistórico no que se

rompe o fio e o fardo da história – simultaneidade: o Erwige

Wiederkunft de Nietzsche: a tradition de Eliot: a Jetztzeit em

Benjamin. Passado e futuro dissolvem-se no presente.

A tradição, longe de etérea, faz-se na forja do tempo e da

memória: emerge em dialética com o histórico, com o trabalho

material e intelectual. Na encosta, a manjedoura ovidiana: o mito

como arma política em Roma; o imitatio dos Renascentistas em

Bruegel; o esvaziamento do mito em Williams; a

re(des)interpretação do mito como arma política em Joyce.

A voz que ecoa da garganta humana não é mais a da Musa,

torna-se a do indivíduo. Ποίηζιρ: triálogo entre antigos, modernos e

moderníssimos; superação do trinônimo θύζιρ e νόμορ e ηέχνη.

Subsiste o tempo e nunca é ele o mesmo e é sempre o

mesmo. Uma vez o dito o feito o sonho não perece. Há o

movimento: vórtice da memória. Abraça-se o escuro do mar: se ao

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homem não é dado chegar ao Sol, o que o impede de explorar as

profundezas do Oceano ou de conquistar a Lua?

There questions are very profound, Mr. Dedalus, Said the dean.

It is like looking down from the cliffs of Mother into the depths. Many go

down into the depths and never come uip. Only the trained diver can go

down into those depths and explore them and come to surface again.

(p.163)

Verte-se ao princípio inverso: Ovídio. O μύθορ persiste na

memória do mundo, constantemente (re)interpretado. A tragédia do

heróico de Ícaro será agora, em Dedalus, a tragédia do trabalho e da

política. et nos fuimus/sumus/erimus tempora.

Tomemos uma última fonte, visual: o Ícaro de Matisse,

gravura feita em pochoir no ano de 1947. É ainda Ícaro? O que

sugere? Ele se afigura – apresenta-se – em simples cores, simples

formas, simples linhas. A noite cobre azul o cosmo e o ser explode,

os astros cortam de amarelo, massa solta em todo breu; o mito que

em Ovídio aclara se dissolve: nem a narrativa de Bruegel, tampouco

a concisão de Williams. Um ponto rubro, entanto, aclara a negra

essência: oníricos recônditos em Joyce, o tempo em Agostinho, o

homem sobrehumano, a recuperação da dimensão heróica: a partir

do homem comum humano? Entre antigos, modernos,

moderníssimos.

O fardo e o fio da tradição realmente se romperam?

E que corpo que sempre e ainda e/imerge d/no mar?

ῥῆμα δ᾽ ἑπγμάηων χπονιώηεπον βιοηεύει,

ὅ ηι κε ζὺν Χαπίηων ηύχᾳ

γλῶζζα θπενὸρ ἐξέλοι βαθείαρ.18

18 Píndaro, IV Neméia, vv.6-8; citado de Pindar, Nemean Odes, Isthimian Odes,

Fragments (Loeb Classical Library, 1997) – na trad. de William H. Race, “For the

words live longer than deeds, / which, with the Graces‟ blessing, / the tongue

draws from the depths of the mind.”

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This lantern doth the hornèd moon present.

Myself the man i'th’ moon do seem to be.19

[fragmentos de uma conclusão]

A ruptura de nossa tradição é realmente um fato acabado?

Em Joyce, inverte-se o primado da razão/providência para dar vazão

à supremacia do trabalho/homem. [A condição humana só será

superada no momento em que o homem conquistar a morte, ou ao

menos saber o que está para além dela.]

A tradição aparece-nos como a encosta acidentada, montanha

de píncaros e cavernas perigosíssimas, onde nos metemos em

passagens obscuras, becos sem saída, corredores íngremes, caminhos

maravilhosos nunca percorridos. O homem, ao atravessá-los,

modifica-os, dando nova feição à montanha, cuja base, neste caso, é

Ovídio. Atravess(ar)am-na, mediante tortuosos dutos, Dante;

Bruegel; Goethe; Pound; Williams no mesmo caminho de Bruegel;

Joyce no caminho de Píndaro, Ovídio, Dante, Bruegel, Goethe,

Santo Agostinho; viram-na Hannah Arendt e Nietzsche.

19 Starveling [como Moonshine] em A midsummer’s night dream V, ato 1, vv.235-

236; citado de The Norton Shakespeare (W. W. Norton, 2005), pp.891.

* Ícaro Henri Matisse, 1947

© The Metropolitan Museum of Art, NY

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[Da tradição à história: as vicissitudes do mito na construção

da memória em Tucídides. Elementos da tragédia, construção da

verdade.]

[Notre héritage n’est précedée d’aucun testament em René

Char. Kafka como a flor da estufa do horror, início e fim da

literatura moderna.]

[Veracidade no trabalho histórico? Tucídides e os problemas

da causalidade e do tempo linear. Recuperar os antigos como

homens, seres humanos.]

[Joyce entre Dédalo e Jesus Cristo – Ovídio e Santo

Agostinho. Et tu cum Iesu Galilaeo eras – Matheus 26.69)]

[Romper com a natureza e conquistar por vez o espaço:

tornar-se sobrehumano, segundo Hannah Arendt, é romper

(definitivamente?) com a tradição de idéias que se constrói desde os

antigos; ou, reinterpretá-la à luz de novos dados? Inclinamo-nos ao

segundo; no entanto, a tradição assenta-se em uma idéia, mesmo que

vaga, do que é o homem... haverá rompimento. O tempo será outro.]

O ano é 1957, uma década antes de 2001: Uma odisseia no

espaço e do Ubik de Philip K. Dick. E, todavia, a realidade torna-se

cada vez mais semelhante à ficção científica.

Os soviéticos lançam o Sputnik no espaço. O mesmo

permanece durante algumas semanas e, depois, cai. Os deuses ainda

não admitem a presença de objetos humanos entre eles.

Hannah Arendt, no prólogo à Condição Humana, declara as

palavras de um repórter americano, cujo nome, omitido pela autora,

destaca a mensagem na ausência de qualquer atribuição: “a

humanidade não permanecerá para sempre presa a terra.”

[Joyce e Benjamin, no que resta ao homem, mediante sua

sensibilidade, elevar sua experiência individual (Erlebnis) aos

patamares da experiência comunal (Erfahrung) da narrativa, através

da reavaliação da tradição e da semelhança.]

[Hannah Arendt: “A era moderna trouxe consigo a

glorificação do trabalho, e resultou na transformação efetiva de toda

a sociedade em uma sociedade operária. A sociedade que está para

ser libertada dos grilhões do trabalho é uma sociedade de

trabalhadores...O que se nos depara, portanto, é a possibilidade de

uma sociedade de trabalhadores sem trabalho, isto é, sem a única

atividade que lhes resta. Certamente nada poderia ser pior.”]

Horácio, Ode segunda do livro IV:

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Pindarum quisquis studet aemulari,

Iulle, ceratis ope Daedalea

nititur pinnis, uitreo daturus

nomina ponto.

monte decurrens uelut amnis, imbres

quem super notas aluere ripas,

feruet inmensusque ruit profundo

Pindarus ore,

[...]

multa Dircaeum leuat aura cycnum,

tendit, Antoni, quotiens in altos

nubium tractus; ego apis Matinae

more modoque

grata carpentis thyma per laborem

plurimum circa nemus uuidique

Tiburis ripas operosa paruus

carmina fingo.

[...]20

20 Q. Horati Flacci, Carminum Liber IV.II, vv.1-8 & 25-32, In Opera (Oxford,

1901), pp.88-89; a trad. de Pedro Braga Falcão encontra-se em Horácio, Odes

(Cotovia, 2008), pp.262-265.

[Ícaro, Prometeu, condição humana coloca – o homem entre

passado e futuro no eterno presente – o homem que desobedece a lei

divina: o primeiro tenta vencer as forças da natureza através da arte

humana. Joyce no ápice da criação: Stephen Dedalus abandona a lei

divina e afirma-se na ποίηζιρ, em todas suas conseqüências positivas

e negativas – os antigos dialogam com os modern(íssim)os: a arte,

ainda em Bruegel e Maquiavel, é imitatio de uma tradição, e imitatio

da natureza, natura naturata. A arte em Joyce e no modernismo

recupera a latência em Píndaro: natura naturans. Dois núcleos a

partir da epígrafe: entre o apis Matinae more modoque de Horácio e

o monte decurrens velut amnis de Píndaro: a natura naturans.

Empédocles afogando-se no Etna para provar que é um Deus. O

homem pindárico. O Sputnik no espaço e o homem pisando na Lua

em 1969. Modernismos entre Píndaro, Prometeu e o Sputnik: o

homem conquistando o espaço divino: natura naturans.]

[Hannah Arendt: “Esse homem futuro, que segundo os

cientista será produzido em menos de um século, parece motivado

por uma rebelião contra a existência humana tal como nos foi dada -

um dom gratuito vindo do nada (secularmente falando), que ele

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deseja trocar, por assim dizer, por algo produzido por ele mesmo.

Não há razão para duvidar de que sejamos capazes de realizar essa

troca, tal como não há motivo para duvidar de nossa atual

capacidade de destruir toda a vida orgânica da Terra. A questão é

apenas se desejamos usar nessa direção nosso novo conhecimento

científico e técnico - e esta questão não pode ser resolvida por meios

científicos: é uma questão política de primeira grandeza, e, portanto,

não deve ser decidida por cientistas profissionais nem por políticos

profissionais.” Dedalus afirma-se como artífice: o Deus da criação

poética – The artist, like the God of the creation, remains within or

behind or beyond or above his handiwork, invisible, refined out of

existence, indifferent, paring his fingernails – Flaubert, 1857.]

[Marx: “O trabalho criou o homem” – e vice-versa: a natura

naturans em Píndaro – homem como força da natureza.]

I have brought the great ball of crystal;

who can lift it?21

21 Ezra Pound, Canto CXVI In The Cantos (New Directions,1993), p.815.

[Formulamos a pergunta não mais como o que somos, mas o

que seremos. Quase sabemos para onde vamos. Ícaro agora poderá

alçar voo, tomar o coche apolíneo sem cair no mar? Verte-se ao

princípio inverso: Ovídio. Júlio César já se transforma em um

cometa ao fim das Metamorfoses.

hanc animam interea caeso de corpore raptam

fac iubar, ut semper Capitolia nostra forumque

divus ab excelsa prospectet Iulius aede!”

vix ea fatus erat, medi cum sede senatus

constitit alma Venus nulli cernenda suique

Caesaris eripuit membris nec in aera solvi

passa recentem animam caelestibus intulit astris

dumque tulit, lumen capere atque ignescere sensit

emisitque sinu: luna volat altius illa

flammiferumque trahens spatioso limite crinem

stella micat natique videns bene facta fatetur

esse suis maiora et vinci gaudet ab illo.22

22 P. Ovidi Nasonis Metamorphoses XV, vv.840-851, pp.479-480; na trad., p.388

(v. nota 5).

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O trabalho da aemulatio Caminhamos para uma sociedade

sem trabalho? Onde o trabalho, finalmente consumado, dominará

por vez a natureza, desligando o homem de suas raízes, tornando-o

sobrehumano, desligando-o da necessidade de trabalhar? Torná-lo

independente da terra e das condições às quais, do primeiro homem

em milhões de anos a fio até hoje, foi submetido? Politicamente

viverá no ócio, como Hannah Arendt acreditava ter sido o caso na

πολιρ grega, retomando o primado da razão sobre o trabalho? Ou o

dualismo será finalmente superado? A condição humana deixa de ser

icária, tampouco prometéica. Tamborilar as asas em direção à Lua.

O homem está preparado para carregar o fardo do fio rompido?

[A condição humana só será superada no momento em que o

homem conquistar a morte, ou ao menos saber o que está para além

dela. Até então, o único meio encontrado pelo homem foi a memória

solidificada no verbo.]

E qual será o papel da (meta)história nesta nova ordem de

coisas? Após longa subida na escarpa da tradição, ainda foi/é/será

possível a história reter seu papel de magistra vitae na medida em

que (re)construiremos novas verdades? Voltamos a Ovídio na

dissolução dos tempos: mesmo além do homem, (a memória d)o

homem sobreviverá. E talvez tais dúvidas alhures consumar-se-ão na

forja de novas Ilíadas, Odisséias.

„αὐηὰπ ἐπεί ῥ᾽ ἐπὶ νῆα καηήλθομεν ἠδὲ θάλαζζαν,23

23 Odisséia, canto XI, v.1; no que ecoamos Ezra Pound no verso primo do Canto I

– “and then went down to the ship”. Trajano Vieira traduz como “quando nos

deparamos com a nave no mar”, cf. Odisséia (editora 34, 2011).

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ΑΙΑΣ. ἅπανθ᾽ ὁ μακρὸς κἀναρίθμηηος χρόνος θύει η᾽ ἄδηλα καὶ θανένηα κρύπηεηαι: κοὐκ ἔζη᾽ ἄελπηον οὐδέν,

AJAX. O tempo, em sua sucessão de números, revela e encobre o que trazia à luz, inexiste o imprevisto.

ΑΙΑΣ ΣΟΘΟΚΛΗΣ vv.346-348 trad. Trajano Vieira

(São Paulo: Perspectiva, 1997)

* Cartão-postal comemorando o lançamento do

Sputnik N. Shishlovsky, 1958

© Rykoff Collection

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