E eu te encontrei, num alcantil agreste - Alexandre Herculano

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E eu te encontrei, num alcantil agreste

E eu te encontrei, num alcantil agreste,

Meia quebrada, ó cruz. Sozinha estavas

Ao pôr do Sol, e ao elevar-se a Lua

Detrás do calvo cerro. A soledade

Não te pôde valer contra a mão ímpia,

Que te feriu sem dó. As linhas puras

De teu perfil, falhadas, tortuosas,

Ó mutilada cruz, falam de um crime

Sacrílego, brutal e ao ímpio inútil!

A tua sombra estampa-se no solo,

Como a sombra de antigo monumento,

Que o tempo quase derrocou, truncada.

No pedestal musgoso, em que te ergueram

Nossos avós, eu me assentei. Ao longe,

Do presbitério rústico mandava

O sino os simples sons pelas quebradas

Da cordilheira, anunciando o instante

Da ave-maria; da oração singela,

Mas solene, mas santa, em que a voz do homem

Se mistura nos cânticos saudosos,

Que a natureza envia ao Céu no extremo

Raio de sol, pasmado fugitivo

Na tangente deste orbe, ao qual trouxeste

Liberdade e progresso, e que te paga

Com a injúria e o desprezo, e que te inveja

Até, na solidão, o esquecimento!

Alexandre Herculano