E M E N T A - trf5.jus.br · Evidencia-se que na data supra indicada, aproximadamente às 23h20min,...

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maa APTE : ARMANDO FIGUEIREDO DE FRANÇA ADV/PROC : PAULO ROBERTO LEITE BULHÕES APDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ORIGEM : 9ª VARA FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE (COMPETENTE P/ EXECUçõES PENAIS) RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE LUNA FREIRE (CONVOCADO) E M E N T A PENAL. CRIME AMBIENTAL. PESCA PROIBIDA. AUSÊNCIA DE DANO AO MEIO AMBIENTE. MÍNIMA OFENSIVIDADE DA CONDUTA. ATIPICIDADE MATERIAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PESCA PARA SACIAR A FOME DO AGENTE E DA FAMÍLIA. EXCLUDENTE DE ILICITUDE. 1. Não é sempre que a ofensa a bem jurídico penalmente protegido é hábil a caracterizar a tipicidade. Esta exige, além da adequação entre a conduta do agente e a lei penal (tipicidade formal), ofensa de alguma gravidade ao bem jurídico (tipicidade material). Bem por isso, a insignificância da ofensa, aferida a partir de um juízo de proporcionalidade entre a relevância da conduta e o mal da intervenção penal, afasta tipicidade material do fato. 2. Pescar com apetrecho proibido e em época de defeso caracteriza Concurso Formal de crimes previstos no art. 34, caput e parágrafo único, II, da Lei nº 9.605/98. 3. Acusado/Apelante que, sendo pessoa sem antecedentes criminais e de origem simples, foi surpreendido pescando com uma tarrafa (apetrecho proibido), em período de defeso, tendo sido apreendido em poder do agente tão só 1 (um) espécime de peixe, a evidenciar a mínima ofensividade da ação. Sendo insignificante a ofensa ao meio ambiente, bem jurídico tutelado, não está caracterizada a tipicidade material. Aplicação do princípio da insignificância. Precedentes do STJ. 4. Mesmo superado o juízo de tipicidade da conduta, há excludente de ilicitude. O Acusado é pessoa de parcos recursos, que se declara pobre na forma da lei, e, à míngua de alternativas para a complementação de seu sustento, procedeu à pesca com o fim de saciar sua fome e a de sua família, o que configura estado de necessidade. Provimento da Apelação. A C Ó R D Ã O Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do egrégio Tribunal Regional Federal da 5.ª Região, por 1 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO APELAÇÃO CRIMINAL n.º 10876/RN 0000196-22.2011.4.05.8402

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APTE : ARMANDO FIGUEIREDO DE FRANÇAADV/PROC : PAULO ROBERTO LEITE BULHÕESAPDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALORIGEM : 9ª VARA FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE (COMPETENTEP/ EXECUçõES PENAIS)RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE LUNA FREIRE

(CONVOCADO)

E M E N T A

PENAL. CRIME AMBIENTAL. PESCA PROIBIDA. AUSÊNCIA DE DANO AO MEIOAMBIENTE. MÍNIMA OFENSIVIDADE DA CONDUTA. ATIPICIDADE MATERIAL.PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PESCA PARA SACIAR A FOME DO AGENTE EDA FAMÍLIA. EXCLUDENTE DE ILICITUDE.1. Não é sempre que a ofensa a bem jurídico penalmente protegido é hábil acaracterizar a tipicidade. Esta exige, além da adequação entre a conduta do agentee a lei penal (tipicidade formal), ofensa de alguma gravidade ao bem jurídico(tipicidade material). Bem por isso, a insignificância da ofensa, aferida a partir deum juízo de proporcionalidade entre a relevância da conduta e o mal da intervençãopenal, afasta tipicidade material do fato.2. Pescar com apetrecho proibido e em época de defeso caracteriza ConcursoFormal de crimes previstos no art. 34, caput e parágrafo único, II, da Lei nº9.605/98.3. Acusado/Apelante que, sendo pessoa sem antecedentes criminais e de origemsimples, foi surpreendido pescando com uma tarrafa (apetrecho proibido), emperíodo de defeso, tendo sido apreendido em poder do agente tão só 1 (um)espécime de peixe, a evidenciar a mínima ofensividade da ação. Sendoinsignificante a ofensa ao meio ambiente, bem jurídico tutelado, não estácaracterizada a tipicidade material. Aplicação do princípio da insignificância.Precedentes do STJ.4. Mesmo superado o juízo de tipicidade da conduta, há excludente de ilicitude. OAcusado é pessoa de parcos recursos, que se declara pobre na forma da lei, e, àmíngua de alternativas para a complementação de seu sustento, procedeu à pescacom o fim de saciar sua fome e a de sua família, o que configura estado denecessidade.Provimento da Apelação.

A C Ó R D Ã O

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide aPrimeira Turma do egrégio Tribunal Regional Federal da 5.ª Região, por

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unanimidade, dar provimento à Apelação, nos termos do relatório e voto constantesdos autos que integram o presente julgado.

Recife, 03 de setembro de 2015 (data do julgamento).

ALEXANDRE LUNA FREIRE,Relator (Convocado).

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V O T O

O Desembargador Federal ALEXANDRE LUNA FREIRE (Relator):

Narra a Denúncia (fls. 04-05), aditada às fls. 119-120v, que ARMANDOFIGUEIREDO DE FRANÇA, em 15.01.2010, por volta das 23h20min, estavapescando com equipamento proibido (tarrafa), em período de defeso, no AçudeMacheral Dutra (Açude Gargalheiras), no Município de Acari-RN, pertencente aoDNOCS. Por tanto, o Ministério Público Federal atribui-lhe a prática das condutastipificadas no art. 34, caput e parágrafo único, II, da Lei nº 9.605/981:

"No dia 15 de janeiro de 2010, por volta das 23h20min, os denunciados, de modovoluntário e consciente e em concurso de propósito, foram surpreendidos no AçudeGargalheiras, pertencente ao DEPARTAMENTO NACIONAL DE OBRAS CONTRA ASSECAS, quando procediam à pesca utilizando-se de petrechos, técnicas e métodosnão permitidos (uso de tarrafas).Evidencia-se que na data supra indicada, aproximadamente às 23h20min, os réus foipreso em flagrante, quando pescava no Açude Gargalheiras, pertencente aoDEPARTAMENTO NACIONAL DE OBRAS CONTRA AS SECAS.Quando da lavratura do auto de prisão em flagrante foram apreendidos com osacusados um saco com diversos peixes e tarrafas, o que demonstra que os denunciadosagiam em desconformidade com o previsto no artigo 1º e §1° da Instrução Normativa doIBAMA de n° 43, de 23 de julho de 2004, que proíbe, no exercício da atividade de pesca,inclusive em açudes ou qualquer depósitos de água doce, de redes de espera commalha inferior a 70mm, entre ângulos opostos, medidas esticadas e cujo cumprimentoultrapasse a 1/3 da largura do ambiente aquático...., bem como o exercício de pescacom fisca e garatéia, pelo processo de lambada.Quanto á época em que ocorreu a conduta delituosa, insta ressaltar que estaocorreu no dia 15 de janeiro de 2010, portanto durante o período estabelecidocomo de defeso, ou seja, período de paralisação temporária da pesca para apreservação da espécie, tendo como motivação a reprodução das espécies. Consoanteo disposto no art. 3º, inciso IV da Lei 11.959/2009, cabe ao órgão ambiental competenteo estabelecimento deste período, in verbis: (...)Ex positis, resulta que a conduta levada a cabo pelos denunciados, de pescarmediante utilização de aparelhos, técnicas, petrechos, técnicas e métodos nãopermitidos, ressaltando que esta conduta ocorreu durante o período de defeso,configura os crimes ambientais tipificados no artigo 34 Caput e parágrafo único,inciso II, da Lei n.º 9.605/1998, c/c art. 70 código Penal. (...)"

1 Art. 34. Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente:�Pena - detenção de um ano a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.�Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem:�I - pesca espécies que devam ser preservadas ou espécimes com tamanhos inferiores aos permitidos;�II - pesca quantidades superiores às permitidas, ou mediante a utilização de aparelhos, petrechos, técnicas e métodos não permitidos;�III - transporta, comercializa, beneficia ou industrializa espécimes provenientes da coleta, apanha e pesca proibidas.

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Decisão recebendo a Denúncia às fls. 126-128, por "conter a peça delatóriatodos os requisitos necessários ao seu recebimento, visto ter exposto com clareza eprecisão o fato criminoso que imputa aos réus, os quais foram devidamentequalificados, emergindo do auto de prisão em flagrante confissão dos réus quantoao exercício de pesca com equipamentos proibidos e fotos acostadas aos autosdemonstrando a existência de materialidade do delito e indícios de autoria".

Defesa prévia apresentada às fls. 232-234, em que requer a designação deaudiência de instrução e julgamento, oportunidade em que se discutirá o mérito daação.

Decisão não vislumbrando as hipóteses de Absolvição Sumária (art. 397 doCPP2) às fls. 236-238.

O MPF apresentou alegações finais em audiência (fls. 273-274), requerendo acondenação do Acusado, nas penas do art. 34, caput e parágrafo único, II, da Lei nº9.605/98 c/c art. 70 do CP, e a aplicação da sanção penal em seu quantum mínimo.

Alegações Finais do Acusado às fls. 280-289, alegando estado denecessidade, pois o objetivo da pesca era complementar a alimentação de suafamília, e a aplicação do princípio da insignificância.

A Sentença julgou procedente a Pretensão Punitiva do Estado, condenandoARMANDO FIGUEIREDO DE FRANÇA, pela prática, em concurso formal, doscrimes previstos no art. 34, caput e parágrafo único, II, da Lei nº 9.605/98, à penaprivativa de liberdade de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de detenção, substituída porduas restritivas de direito (fls. 300-304):

"(...) Trata-se de ação penal instaurada para a apuração dos delitos previstos no artigo34, caput e parágrafo único, inciso II, todos da Lei nº 9.605/98, que assim preceituam:"Art. 34. Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados porórgão competente:Pena - detenção de um ano a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem:I - omissis;

2 Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).�I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).�II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).� III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).�IV - extinta a punibilidade do agente. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).�

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II - pesca quantidades superiores às permitidas, ou mediante a utilização de aparelhos,petrechos, técnicas e métodos não permitidos;."De início, convém analisar a materialidade do crime previsto no art. 34 caput da Lei nº9.605/98.Interpretando referido dispositivo, Guilherme de Souza Nucci elucida:"(...) pescar (apanhar da água o peixe, é o equivalente a matar o animal terrestre, poistermina eliminando o capturado, ou pode ser similar à caça, no tocante ao animal,quando se busca apreender peixes, sem matá-los) durante a época em que se proíbe apesca ou nos locais vedados pelo órgão competente."Trata-se o referido dispositivo de norma penal em branco suplantada pela Lei nº11.959/09 e pela Instrução Normativa do IBAMA nº 209/2008, que assim preceituam:Lei nº 11.959/09:Art. 3º Compete ao poder público a regulamentação da Política Nacional deDesenvolvimento Sustentável da Atividade Pesqueira, conciliando o equilíbrio entre oprincípio da sustentabilidade dos recursos pesqueiros e a obtenção de melhoresresultados econômicos e sociais, calculando, autorizando ou estabelecendo, em cadacaso:I a III- omissis;IV - os períodos de defeso;Instrução Normativa nº 209, de 25 de novembro de 2008:Art. 1º Proibir, a partir das 00h00min horas do dia 1º de dezembro, até as 24h00minhoras do dia 28 de fevereiro, anualmente, o exercício da pesca das espécies curimatã(Prochilodus spp), piau (Schizodon sp), sardinha (Triportheus angulatus) e branquinha(Curimatidae), nos rios, riachos, lagoas, açudes públicos e privados e represas doestado do Rio Grande do Norte, bem como o transporte, a industrialização, oarmazenamento e a comercialização dessas espécies e suas respectivas ovas.A materialidade do delito e a correspondente autoria encontram-se sobejamentedemonstrada nos autos, porquanto o autor confessou em juízo ter efetuado apesca em período vedado por lei, tendo conhecimento de tal imposição(depoimento contido na mídia anexa à fl. 278, intervalo 00:55 a 01:10).Da mesma forma, as testemunhas assentiram ter flagrado o réu e os demais agentesefetuando pesca no açude Gargarelhas, localizado no município de Acari:Que o acusado foi pego com tarrafas, juntamente com mais dois indivíduos; queposteriormente encontraram o peixe podre escondido no local (testemunha JoséAmbrósio da Silva, intervalo 01:38 a 02:38, mídia anexa à fl. 278).Que ajudava voluntariamente na fiscalização da colônia de pescadores; que foiencontrado com o acusado uma tarrafa e no outro dia o peixe foi localizado, isso empleno período da piracema; que os tipos de peixes eram curimatã, traíra e tilápia(testemunha José Gregório da Silva, intervalo 01:07 a 01:47, mídia anexa à fl. 278).Que é pescador; que chamou o pessoal da polícia e com o acusado foi encontrado umatarrafa com um peixe (testemunha Marco Antônio da Silva, intervalo 00:54 a 01:00,mídia anexa à fl. 278).Que é policial militar e trabalhava com o pessoal no açude; que o acusado e mais duaspessoas foram encontrados pescando com tarrafa (testemunha Reginaldo Mateus daSilva, intervalo 01:23 a 01:30, mídia anexa à fl. 278).Ocorre que o acusado aponta, em sua defesa, o fato de ter perpetrado tal conduta como intuito de angariar alimentação para sua família, reclamando incidência do princípio dainsignificância.Com efeito, a jurisprudência pátria tem defendido a aplicação desse postulado, desdeque reconhecida a evidência de requisitos por ela mesma definidos, quais sejam amínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação,

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reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídicaprovocada.O delito em enfoque não reclama a existência de um resultado material, mas apenas aproteção de um bem intangível, qual seja o meio ambiente ecologicamente equilibrado,bem de uso comum do povo (art. 225, caput, da CF).No caso dos autos, o acusado asseverou que a conduta versada destinava-se a suprir asnecessidades alimentares de sua família, a denotar a pequena expressão da lesão aobem jurídico tutelado e diminuto o desvalor de sua conduta.Contudo, muito embora demonstrado que pequena foi a quantidade de peixesdecorrente de seu comportamento ilícito, não se pode acolher a tese de delito debagatela, dado que a prova colacionada pelo próprio defendente bem demonstraque ele dispõe de outros meios para prover o sustento de sua companheira efilha, além de perceber auxílio assistencial do governo federal.Com efeito, houve efetiva periculosidade na ação, pois que o denunciado tinha plenoconhecimento da vedação legal que impunha a proibição de pesca durante o período dedefeso, tendo agido com consciência voltada para o crime.Ademais, muito embora se reconheça as peculiaridades que revestem a modestacondição social em que vive o autor do fato, não se pode assentir - a custa de se fazerpouco caso da legislação - que o caso versado nos autos constitua situação deatipicidade. Do contrário, haveria verdadeiro estímulo ao descumprimento da lei.Vale salientar, também, que o reconhecimento da insignificância da ação não sesustenta unicamente na expressão econômica da lesão, mas tem lugar quando ainterferência do Direito Penal se mostrar desproporcional à ação promovida pelosujeito ativo do crime.Sobre a matéria, a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 5ª região assim temse posicionado:'PENAL. CRIME AMBIENTAL. ART. 34 DA LEI Nº 9.605/98. PESCA DE LAGOSTA EMPERIODO PROIBIDO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE.DELITO FAMÉLICO NÃO COMPROVADO. RÉU POSSUIDOR DE MAUSANTECEDENTES. NÃO FAZ JUS A SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DELIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. ART. 44, CP. REQUISITOSCUMULATIVOS.1. Não é cabível o princípio da insignificância ou bagatela na presente demanda, emrazão da natureza do bem jurídico tutelado e da impossibilidade de se constatar oslimites do dano efetivamente causado pela conduta do agente ao meio ambiente.2. No que diz respeito à ocorrência do delito famélico, não há elementos quecomprovem ter o réu praticado a conduta em estado de necessidade. Afastada,portanto, a incidência do art.37, I, da lei 9605/98.3. O acusado não faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva dedireitos, pois não preenche os requisitos do inciso III, do art. 44, CP visto que épossuidor de maus antecedentes. Ressalte-se, para que seja efetuada a substituição dapena, os requisitos do art.44, CP têm que ser aplicados cumulativamente.4. Afastada a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.Mantida a condenação proferida antes da referida substituição, qual seja, 1 (um) ano e 6(seis) meses de detenção, a ser cumprida em regime aberto.5. Apelação do MPF provida.6. Apelação do réu desprovida.'Não merece amparo a alegação da defesa, de forma que presentes as elementares dotipo e configurada a responsabilidade do agente, deve ser aplicada a pena em espécie.Com relação ao delito previsto no parágrafo único, inciso II (pesca mediante utilizaçãode aparelhos, petrechos, técnicas e métodos não permitidos), com maior razão ainda éde se entender configurado o ilícito.

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Em lúcido comentário acerca desse dispositivo, enfatizam Vladimir Passos de Freitas eGilberto Passos de Freitas:No inc. II proíbe-se a pesca de quantidades superiores às permitidas ou mediante autilização de instrumentos vedados. Como é intuitivo, a pesca não poderá serindiscriminada. O excesso na captura, por vezes apenas por prazer e sem destinar oproduto à alimentação, poderá significar diminuição e até mesmo extermínio dasespécies. Por outro lado, métodos nocivos também não podem ser admitidos, eis quecausam graves danos ao meio ambiente. São, entre outros, as redes de malha fina,tarrafas, covões, espinhéis, joães bobos (armadilhas com bóias que acompanham aágua) ou anzóis de galho. Todos esses meios são nocivos, pois alcançam grandenúmero de espécies e de tamanho pequeno. A proibição deve ser objeto de ato daautoridade administrativa3Ora, restou evidenciado que a pesca promovida pelo autor e os demais sujeitosdo crime se deu mediante utilização de tarrafa.Esse artefato, por sua vez, tem a característica de potencializar a ação, pois proporcionaa apreensão de uma quantidade maior de peixes, de variado tamanho.Dessa forma, também não calha absolver o acusado com esteio em delito debagatela, pois a conduta praticada revela-se com maior ofensividade, resultandouma lesão jurídica ainda mais expressiva.Destarte, os crimes praticados pelo acusado, muito embora não tenham resultado emum dano de maior relevo, lesionou o meio ambiente, predispondo-se a por em risco odireito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, fato que impede oreconhecimento da atipicidade da conduta.Logo, tem-se que o denunciado praticou ilícitos previstos em duas formas vedadas pelanorma penal, pois que procedeu a pesca em época proibida, mediante a utilização depetrechos não permitidos, fatos que precisam ser levados em conta na avaliação dareprovabilidade da conduta, havendo necessidade de se resguardar a proteção ao meioambiente.Assim, uma vez que os crimes foram praticados por meio de uma só ação, restaconfigurado o concurso formal previsto no art. 70 do CP, consoante indicação contida noaditamento da denúncia, a merecer o respectivo aumento de pena.III - DISPOSITIVODiante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido deduzido pelo MPF às fls. 04/05 e119/121 para CONDENAR o acusado ARMANDO FIGUEIREDO DE FRANÇA comoincurso nas penas previstas no art. 34 da Lei nº 9.605/98.1.1. Quanto ao crime previsto no art. 34, caput, da Lei nº 9.605/98:* Culpabilidade: consubstancia reprovabilidade social mínima, tendo em vista ascircunstâncias fáticas do crime e as suas condições pessoais; * Antecedentes: circunstância favorável, ante a inexistência de decisões condenatóriastransitadas em julgado e que não configurem reincidência; * Conduta social: circunstância favorável, ante a inexistência de informaçõesdepreciativas acerca da conduta social do réu;* Personalidade: inexistem elementos nos autos aptos à constatação dessacircunstância;* Motivos: circunstância favorável, visto que decorrente de sua condição social;* Circunstâncias: se encontram relatadas nos autos, nada tendo a se valorar;* Consequências: irrelevantes, pois pertinentes à própria tutela estatal;* Comportamento da vítima: em sendo a sociedade, em nada contribuiu para ocometimento do ilícito;* Gravidade da infração: circunstância favorável, pois pequena foi a quantidade de peixeapreendida.

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Com lastro nas circunstâncias judiciais analisadas (art. 6º da Lei nº 9.605/98 c/c o art. 59do CP), fixo, enquanto necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime, apena-base do réu em seu mínimo legal, qual seja, 01 (um) ano de detenção. Deixo deaplicar a pena isolada de multa, consoante faculta o preceito secundário do art. 34 daLei nº 9.605/98, tendo em vista a situação econômica do réu (art. 6º, III, da Lei nº9.605/98).Inexistem circunstâncias agravantes. Dada a aplicação da pena no mínimo legal, não écabível a incidência da atenuante de confissão espontânea (art. 65, III, "d" do CP) ou debaixa escolaridade do agente (art. 14, I da lei nº 9.605/98), nos termos da Súmula 231do STJ, permanecendo a pena em 1(um) ano de detenção.2.1. Quanto ao crime previsto no art. 34, parágrafo único, inciso II, da Lei nº 9.605/98:* Culpabilidade: consubstancia reprovabilidade social mínima, tendo em vista ascircunstâncias fáticas do crime e as suas condições pessoais;* Antecedentes: circunstância favorável, ante a inexistência de decisões condenatóriastransitadas em julgado e que não configurem reincidência;* Conduta social: circunstância favorável, ante a inexistência de informaçõesdepreciativas acerca da conduta social do réu;* Personalidade: inexistem elementos nos autos aptos à constatação dessacircunstância;* Motivos: circunstância favorável, visto que decorrente de sua condição social;* Circunstâncias: se encontram relatadas nos autos, nada tendo a se valorar;* Consequências: irrelevantes, pois pertinentes à própria tutela estatal;* Comportamento da vítima: em sendo a sociedade, em nada contribuiu para ocometimento do ilícito;* Gravidade da infração: circunstância favorável, pois pequena foi a quantidade de peixeapreendida.Com lastro nas circunstâncias judiciais analisadas (art. 6º da Lei nº 9.605/98 c/c o art. 59do CP), fixo, enquanto necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime, apena-base do réu em seu mínimo legal, qual seja, 01 (um) ano de detenção. Deixo deaplicar a pena isolada de multa, consoante faculta o preceito secundário do art. 34 daLei nº 9.605/98, tendo em vista a situação econômica do réu (art. 6º, III, da Lei nº9.605/98).Inexistem circunstâncias agravantes. Dada a aplicação da pena no mínimo legal, não écabível a incidência da atenuante de confissão espontânea (art. 65, III, "d" do CP) ou debaixa escolaridade do agente (art. 14, I da lei nº 9.605/98), nos termos da Súmula 231do STJ, permanecendo a pena em 1(um) ano de detenção.Em razão da prática dos delitos em concurso formal e tendo em vista que ambas aspenas são iguais, acresce-se à pena-base do art. 34, caput, da Lei nº 9.605/98, a causade aumento prevista no art. 70 do CP, em razão do cometimento do segundo delito (art.34, parágrafo único, inciso II, da Lei nº 9.605/98), no percentual de 1/6, a conduzir auma pena concreta e definitiva de 1(um) ano e 2(dois) meses de detenção.Do regime inicial de cumprimento da pena:A pena privativa de liberdade deverá ser cumprida, nos termos do art. 33, § 2º, alínea"c", do Código Penal, em regime inicialmente aberto e em estabelecimento penal a serdefinido pelo Juízo das Execuções Penais.Substituição da pena privativa de liberdade:De outra parte, uma vez satisfeitos os requisitos do art. 7º da Lei nº 9.605/98, pois apena aplicada é inferior a 4 (quatro) anos; o réu é primário; a culpabilidade, osantecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivose as circunstâncias do delito indicam que a substituição ali prevista é suficiente àrepressão do delito perpetrado, substituo a pena privativa de liberdade fixada por duaspenas restritivas de direito, nos termos do referido art. 44, § 2º, 1ª parte, do CP c/c o

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parágrafo único do art. 7º da Lei nº 9.605/98, quais sejam: prestação de serviços àcomunidade (art. 9º da Lei nº 9.605/98), consistente na atribuição ao condenado detarefas gratuitas junto a parques e jardins públicos e unidades de conservação, a seremdefinidos pelo Juízo da Execução, à razão de 01 (uma) hora de tarefa por dia decondenação, nos termos do art. 46, § 3º, do Código Penal, e recolhimento domiciliar nosdias e horários de folga, em local destinado à sua moradia habitual (art. 13 da Lei nº9.605/98). (...)"

O Acusado interpôs Apelação às fls. 320-326. Sustentou a ocorrência deestado de necessidade, pois o objetivo da pesca era complementar a alimentaçãode sua família, e a aplicação do princípio da insignificância:

"(...) Os fatos narrados na peça acusatória de fato aconteceram, conforme ficoudemonstrado no decorrer da Instrução Processual, através dos depoimentos dastestemunhas arroladas pela Autora, porém há desdobramentos reais, que precisamser esclarecidos o que passaremos a fazê-lo agora, dentro de todo um cenário davida real, nas linhas abaixo:Em data de 15 de janeiro de 2010, conforme narrado o acusado Sr. ArmandoFigueiredo de França, realmente encontrava-se pescando utilizando-se de tarrafa,durante o período estabelecido como de defeso, época em que é proibida a pesca.A pesca realizada no Açude Gargalheiras, pertencente ao Departamento Nacionalde Obras Contra as Secas — DNOCS, neste período recebe a fiscalização dealguns agentes fiscalizadores para garantir a paralisação temporária da pesca paraa preservação das espécies.No dia supracitado o acusado foi preso em flagrante de posse de uma tarrafa ecom um único peixe (da espécie tilápia), conforme ficou demonstrado no curso dainstrução processual quando da oitiva das testemunhas arroladas pela própriaautora (vide gravação realizada por meio eletrônico).O acusado colaborou com a autoridade policial entregando o material de pesca que seencontrava sob seu domínio e o peixe.Ocorre, ínclito julgador, que o acusado é pessoa bastante humilde. Estavatentando pescar algum peixe, como de fato estava com um exemplar, paralevar para a sua casa, objetivando a complementação da alimentação de suafamília (convivente e filha), haja vista que sobrevivem com parcos recursos.A atividade laboral desenvolvida pelo acusado, onde retira todo o sustento de suafamília, advém do corte manual de granito bruto. Trabalho eminentemente braçal,rudimentar e mal remunerado, haja vista que é realizado a céu aberto e no solcausticante que castiga diariamente o nosso sertão seridoense. Segue em anexodeclaração de hipossuficiência do acusado em que este assume sua condição depessoa pobre na forma da lei (doc. 02).Pelo fato da família ser bastante humilde, esta se enquadra no perfil quebeneficiários do Programa do Governo Federal Bolsa Família, ganhando a bagatelamensal de R$ 32,00 (trinta e dois) reais, conforme segue em anexo comprovaçãoda família do Sr. Armando no aludido Programa Federal de assistência às famíliascarentes (doc. 03).Ressalte-se que o acusado é pai de uma garotinha de 07 (sete) anos de idade e quemuitas vezes solicita do seu pai, não entendendo bem ainda a situação financeirada família, alimentação complementar básica, como carne, frango, peixe, etc.Segue em anexo Certidão de Nascimento da filha menor (doc. 04).Gize-se aqui, Excelência, que o acusado não foi pescar para vender e auferir lucro,obtendo vantagem econômica para si ou para outrem. A realidade em tela é bem outra

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e nobre. A pesca foi realizada com o intuito único de dotar a sua família de nutrição queestava sem dotação para tal desiderato. Procurou o acusado, então um meio de obteralimentação. E não foi furtando, tampouco se apropriando de algo alheio. Foirealizando a pesca, porém em período de defeso com uma única espécie na mão (umatilápia).É importante esclarecer que o acusado convive em união estável com a pessoa deMaria José de Oliveira, com quem tem uma filha, conforme narrado retro e mora emuma humilde residência, conforme segue fotos em anexo (doc. 05 e 06).Em razão de tudo que foi apresentado não merece prosperar a denúncia ofertada peloIlmo. Representante do Ministério Público Federal, pois conforme precedentes doSuperior Tribunal de Justiça — STJ tem-se admitido a aplicação do Princípio daInsignificância quando demonstrada, a partir do exame do caso concreto, a ínfimalesividade ao bem ambiental tutelado pela norma, como é o caso em análise, razãopela qual o acusado ARMANDO FIGUEIREDO DE FRANÇA deve ser absolvido, nostermos do art. 386, III, do Código de Processo Penal, em virtude da atipicidade materialdo fato.3. PRINCÍPIO DA INSIGNFICÂNCIA - TIPICIDADE MATERIAL NÃOCARACTERIZADA INTERVENÇÃO MÍNIMA DO ESTADO - ABSOLVIÇÃO QUE SEIMPÕE:A aplicabilidade do Princípio da Insignificância deve observar as peculiaridades docaso concreto, de forma a aferir o potencial grau de reprovabilidade da conduta,valendo ressaltar que delitos contra o meio ambiente, a depender da extensão dasagressões, têm potencial capacidade de afetar ecossistemas inteiros, podendogerar dano ambiental irrecuperável, bem como a destruição e até a extinção deespécies da flora e da fauna.No caso dos autos, constatou-se que a pesca artesanal, realizada pelo acusadoArmando Figueiredo de França, de 01 (um) único peixe da espécie Tilápia, nãoocasionou expressiva lesão ao bem jurídico tutelado, devendo ser afastadadessa forma a incidência da norma penal.Neste sentido a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça — STJ tem admitido aaplicação do Princípio da Insignificância quando, no exame do caso concreto, restaevidenciada a ínfima lesividade ao bem ambiental tutelado. Vejamos alguns julgados:"RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME AMBIENTAL. FALTADEPREQUESTIONAMENTO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIALNÃOCOMPROVADA. RESERVA BIOLÓGICA MARINHA. UNIDADEDE CONSERVAÇÃOFEDERAL. MAR TERRITORIAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. APLICAÇÃODOVERBETE SUMULA N.' 283 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.AUSÊNCIA DE ANÁLISE DE TODAS AS TESES DEFENSIVAS. DESNECESSIDADE.REEXAME DO CONJUNTOFÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA N.' 07 DESTA CORTE.APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ANÁLISE DOCASO CONCRETO.L..]7. A aplicabilidade do princípio da insignificância deve observar as peculiaridades docaso concreto, de forma a aferir o potencial grau de reprovabilidade da conduta, valendoressaltar que delitos contra o meio ambiente, a depender da extensão das agressões,têm potencial capacidade de afetar ecossistemas inteiros, podendo gerar dano ambientalirrecuperável, bem como a destruição e até a extinção de espécies da flora e da fauna, amerecer especial atenção do julgador. 8. No caso dos autos, constatou-se que a pescaartesanal de 03 ou04 peixes não ocasionou expressiva lesão ao bem jurídico tutelado,afastando a incidência da norma penal. 9. Recurso especial conhecido parcialmente e,nessa parte, provido para, cassando o acórdão impugnado e a sentença de primeirograu, absolver o Recorrente em face da atipicidade da conduta pela incidência doprincípio da insignificância.

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(REsp 905.864/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA,DJe 7/6/2011).HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME AMBIENTAL. ART. 34 DA LEI 9.605/98.TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PRINCÍPIO DAINSIGNIFICANCIA. INCIDÊNCIA.AUSÊNCIA DE TIPICIDADEMATERIAL. TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO DELITO.INEXPRESSIVA LESÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO. ORDEMCONCEDIDA.1. 0 princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva dotipo penal que, de acordo com a dogmática moderna, não deve ser consideradoapenas em seu aspecto formal, de subsunção do fato à norma, mas, primordialmente,em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido da sua efetiva lesividade aobem jurídico tutelado pela norma penal, consagrando os postulados dafragmentariedade e da intervenção mínima. 2. Indiscutível a sua relevância, namedida em que exclui da incidência da norma penal aquelas condutas cujodesvalor da ação e/ou do resultado (dependendo do tipo de injusto a serconsiderado) impliquem uma ínfima afetação ao bem jurídico. 3. A conduta dospacientes, embora se subsuma definição jurídica do crime ambiental e se amoldetipicidade subjetiva, uma vez que presente o dolo, não ultrapassa a análise datipicidade material,mostrando-se desproporcional a imposição de pena privativa deliberdade, uma vez que a ofensividade da conduta se mostrou mínima; não houvenenhuma periculosidade social da ação; a reprovabilidade do comportamento foide grau reduzidíssimo e a lesão ao bem jurídico se revelou inexpressiva.4. Ordemconcedida para determinar a extinção da ação penal instaurada contra ospacientes. Em conseqüência, tonto sem efeito o termo de proposta e aceitação dasuspensão condicional do processo, homologado pelo Juízo da 5' Vara Criminal daComarca de Londrina/PR.(HC 86.913/PR, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTATURMA, DJe4/8/2008).PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIMEAMBIENTAL. USO DEAPETRECHO DE PESCA PROIBIDO. CONDUTA QUE NÃO PRESSUPÔS MÍNIMAOFENSIVIDADE AOBEM JURÍDICO TUTELADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. É de se reconhecer a atipicidade material daconduta de uso de apetrecho de pesca proibido se resta evidente a completa ausênciade ofensividade, ao menos em tese, ao bem jurídico tutelado pela norma penal, qualseja, a fauna aquática.2. Ordem concedida para trancar a ação penal por falta de justacausa.(HC 93.859/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA,SEXTATURMA, DJe 31/8/2009).Assim, conforme decisórios jurisprudências muito embora a tutela penal ambiental viseproteger bem jurídico de indiscutível valor social, toda intervenção estatal deveráocorrer com estrita observância dos postulados fundamentais do Direito Penal,notadamente o Princípios da fragmentariedade e da intervenção mínima.É nesse sentido que a aplicação do Princípio da Insignificância — ou a admissãoda ocorrência de um crime de bagatela — reflete o entendimento de que o direitopenal deve intervir somente nos casos em que a conduta ocasionar lesão jurídicade certa gravidade, devendo se reconhecida a atipicidade material deperturbações jurídicas mínimas ou leves, considerada não só seu sentidoeconômico, mas também em função do grau de afetação da ordem social queocasionem.Veja-se, sobre o tema, a lição de CEZAR ROBERTO BITENCOURT:"O princípio da insignificância foi cunhado pela primeira vez por Claus Roxin, em1964, que voltou a repeti-lo em sua obra Política Criminal y Sistema del DerechoPenal, partindo do velho adágio latino minima non curat praetor.A tipicidade penalexige uma ofensa de alguma gravidade a bens jurídicos protegidos, pois nemsempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o

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injusto típico. Segundo esse princípio, que Klaus Tiedemann chamou de princípiode bagatela, é imperativa uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade daconduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. Amiúde,condutas que se amoldam a determinado tipo penal, sob o pontode vista formal,não apresentam nenhuma relevância material. Nessas circunstâncias, pode-seafastar liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico nãochegou a ser lesado. [...]Assim, a irrelevância ou insignificância de determinada conduta deve ser aferidanão apenas em relação à importância do bem juridicamente atingido, masespecialmente em razão ao grau de sua intensidade, isto é, pela extensão dalesão produzida, como por exemplo, nas palavras de Roxin, 'mau-trato não équalquer tipo de lesão à integridade corporal, mas somente uma lesão relevante;uma forma delitiva de injúria é só a lesão grave a pretensão social de respeito.Como força deve ser considerada unicamente um obstáculo de certa importância,igualmente também a ameaça deve ser sensível para ultrapassar o umbral dacriminalidade".Concluindo, a insignificância da ofensa afasta atipicidade. Masessa insignificância só pode ser valorada através da consideração global daordem jurídica. Como afirma Zaffaroni, "a insignificância só pode surgir à luz dafunção geral que dá sentido à ordem normativa e,consequentemente, a norma em particular, e que nos indica que essespressupostos estão excluídos de seu âmbito deproibição, o que resulta impossível se estabelecer à simples luz de sua consideraçãoisolada"(Tratado de Direito Penal, Parte Geral 1, 14' ed., Saraiva:SP, 2009, p. 21 e22)."A orientação do Supremo Tribunal Federal quanto à matéria mostra-se no sentidode que a verificação da atipicidade material deve considerar os seguintes vetores:a mínima ofensividade da conduta, nenhuma periculosidade social da ação, oreduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesãojurídica provocada, salientando que o direito penal não deve ser ocupar decondutas que não evidenciem prejuízo relevante ao titular do bem tutelado ou aintegridade da própria ordem social. Nesse sentido, da Primeira Turma do SupremoTribunal Federal:"EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. INFRAÇÃO DOART. 344, CAPUT,DO CÓDIGO PENAL. PRETENSÃO DEAPLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DAINSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. REINCIDÊNCIA DO PACIENTE. I. Para aincidência do princípio da insignificância, devem ser relevados o valor do objeto docrime e os aspectos objetivos do fato, tais como, a mínima ofensividade da conduta doagente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidadedo comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada. 2.Nas circunstânciasdo caso, não se pode aplicar o princípio em razão da reincidência do Paciente. 3.Ordem denegada.(HC 113538, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em28-82012, PUBLIC 28-9-2012)."Com efeito, trata-se de hipótese em que o fato é manifestamente atípico. Não háque se falar em lesividade a bem jurídico no presente caso. Trata-se de flagrantecaso de atipicidade da conduta ante a aplicação do princípio da insignificância, de formaque deve o réu ser absolvido nos termos do art. 397, III, do Código de Processo Penal."

Contrarrazões do MPF às fls. 329-331v, requerendo o não-provimento daApelação:

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"(...) Aduz o apelante, em suma, estado de necessidade e que o caso comporta aaplicação do princípio da insignificância, à vista da inexpressiva quantidade de pescadopor ele capturada.As teses que embasam a pretensão recursal não merecem acolhimento.Quanto à alegação de estado de necessidade, o apelante não aportou aos autosqualquer elemento probatório nesse sentido. De outro lado, conforme restoureconhecido na sentença condenatória, há elementos nos autos indicativos deque o apelante dispõe de recursos para prover o sustento de sua família, a qual,aliás, percebe benefício assistencial.Portanto, considerando que não há qualquer prova indicativa de que o apelante seencostrava em estado de necessidade por ocasião da prática da conduta criminosa,certamente o fato de possuir poucos recursos financeiros e de ser pai de uma criança de7 (sete) anos, por si só, não favorece sua defesa, sobretudo quando o apelante revelater pleno conhecimento de que suas condutas eram proibidas.Quanto à alegação segundo a qual a conduta do apelante não projetasignificância para os fins tutelados pelo Direito Penal, o que excluiria a tipicidadematerial, tal não merece prosperar.Inicialmente, não se pode olvidar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiçatem se mostrado contrária à aplicação do princípio da bagatela aos crimes ambientaisem razão da importância do bem jurídico protegido e da circunstância de que a grandemaioria das infrações ambientais não reclamam a produção de resultado naturalísticopara sua configuração, afigurando-se, desta feita, como crimes formais e de perigo.Nesse sentido:PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME AMBIENTAL. PESCA EM ÁREA PROIBIDA. ART34, CAPUT, DA LEI N2 9.605/98. INSIGNIFICÂNCIA PENAL. INAPLICABILIDADE. BEMJURÍDICO TUTELADO. RELEVÂNCIA DA CONDUTA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA.IMPOSSIBILIDADE. A jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal, tem seorientado no sentido de que o Direito Penal não deve tutelar infrações consideradasinsignificantes em razão do seu pequeno valor monetário. Tal entendimento é excepcionadoquando o crime, além de despido de conotações econômicas, afronta bem jurídico abrangidopor especial proteção legal Não se aplica o princípio da insignificância em delitos ambientaisquando é destinada especial proteção legal ao bem jurídico tutelado pelo tipo penal, cujaviolação reveste-se de maior gravidade, como a pesca em local proibido (v.g., ReservasEcológicas) ou em período proibido (Piracema), ou a captura de espécimes ameaçados deextinção. A pesca em local proibido - área de proteção ambiental - unidade de conservaçãode proteção integral -, com a ciência da ilicitude da conduta, configura o crime previsto noartigo 34, caput, da Lei n° 9.605/98. Havendo circunstâncias negativas, o réu não preencheos requisitos para a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, nostermos do art. 44 do Código Penal.(ACR 00137244120094047200, LUIZ CARLOS CANALLI, TRF4 - SÉTIMA TURMA, D.E.18/12/2012.)Não bastasse a pouca aceitação quanto à aplicação do citado princípio aos crimesambiental (o STJ apenas admite em situações excepcionas), no presente caso, paraalém da possibilidade de aplicação do princípio da insignificância aos crimesperpetrados contra a higidez ambiental, há incisivos elementos que desaconselham suaaplicação.Em primeiro lugar, o próprio apelado confessou ter pleno conhecimento tanto de que suaconduta foi perpetrada em período em que a pesca se encontrava proibida, quanto dequanto de que foi manejada mediante a utilização petrecho sabidamente proibido,portanto agiu mesmo diante de dupla proibição, pelo que tinha cabal conhecimento dailicitude de ambas as condutas por ele levadas a cabo.

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Ademais, nos exatos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não sepode compreender como conduta bagatelar a pesca mediante a utilização de petrechoproibido, notadamente quanto realizada em período proibido.Não bastasse, a quantidade de pescado apreendido não desnatura o delito descrito noart. 34 da Lei 9.605/98, que pune a atividade pesqueira quando realizada emdeterminados períodos do ano, quando há necessidade de se garantir a reprodução deespécies. Ora, se a realização de pesca em determinados períodos do ano, por si só, jáse afigura passível de causar dano ao meio ambiente, que dirá quando associada àutilização de petrechos não permitidos.Ademais, em ambas as condutas o legislador previu que há perigo de lesão ao bemjurídico tutelado, sendo irrelevante a efetiva ocorrência prejuízo material. Dito de outromodo, tratam-se de infrações para as quais a lei se contenta com o perigo de dano, demaneira que sua efetiva ocorrência representa mero exaurimento. Portanto, a pescamediante a utilização de redes proibidas, sobretudo quando associada ao período dedefeso, põe em risco a preservação ambiental e, por se tratar de conduta formal, deperigo abstrato, não há que se perquirir sobre a existência ou não de lesão efetiva aomeio ambiente.Cuida ressaltar, ainda, que a atuação preventiva é princípio orientador do DireitoAmbiental, que, a toda evidência, inviabiliza a aplicação do princípio da insignificânciaaos crimes praticados contra o meio ambiente. (...)"

Por fim, Parecer Ministerial subscrito pelo Procurador Regional da RepúblicaUairandyr Tenório de Oliveira, assim ementado (fls. 340-341):

EMENTA: PENAL E AMBIENTAL. PESCA COM APETRECHO PROIBIDO EM ÉPOCADE DEFESO. PRINCÍPIO DA BAGATELA NÃO APLICÁVEL. ESTADO DENECESSIDADE NÃO COMPROVADO. PARECER PELO NÃO PROVIMENTO DAAPELAÇÃO.

É O RELATÓRIO. DECIDO.

Atribui-se ao Acusado a conduta de pescar com apetrecho proibido (tarrafa)em época de defeso, o que configura concurso formal de crimes previstos no art. 34,caput e parágrafo único, II, da Lei nº 9.605/98.

1) Em seu Apelo, apesar de não negar os fatos a si imputados, o Acusadorequer a aplicação do princípio da insignificância.

A conduta do Apelante, pessoa sem antecedentes criminais e de origemsimples, consistiu na pesca com simples apetrecho aproibido (uma tarrafa) e,embora tenha sido realizada em período de defeso, foi apreendido tão-só 1 (um)espécime em poder do agente, a evidenciar a mínima ofensividade da ação.Sendo insignificante a ofensa ao meio ambiente, bem jurídico tutelado, não estácaracterizada a tipicidade material.

Com efeito, não é sempre que a ofensa a bem jurídico penalmente protegido éhábil a caracterizar a tipicidade. Esta exige, além da adequação entre a conduta do

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agente e a lei penal (tipicidade formal), ofensa de alguma gravidade ao bemjurídico (tipicidade material). Bem por isso, a insignificância da ofensa, aferida apartir de um juízo de proporcionalidade entre a relevância da conduta e o mal daintervenção penal, afasta tipicidade material do fato, como no caso concreto.

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A propósito, há diversos precedentes do STJ, versando sobre caso análogo aopresente3

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3 RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME AMBIENTAL. ART. 34, CAPUT, DA LEI N.º 9.605/98. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ANÁLISE DO CASO CONCRETO. APLICABILIDADE. PRECEDENTES DO STJ E STF. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.�1. A aplicabilidade do princípio da insignificância deve observar as peculiaridades do caso concreto, de forma a aferir o potencial grau de reprovabilidade da conduta, valendo ressaltar que delitos contra o meio ambiente, a depender da extensão das agressões, têm potencial capacidade de afetar ecossistemas inteiros, podendo gerar dano ambiental irrecuperável, bem como a destruição e até a extinção de espécies da flora e da fauna, a merecer especial atenção do julgador.�2. Na hipótese dos autos, a conduta dos Acusados, consubstanciada na prática de pesca em local interditado pelo órgão competente, não ocasionou expressiva lesão ao bem jurídico tutelado, já que foram apreendidos apenas petrechos, sem, contudo, nenhum espécime ter sido retirado do rio, o que afasta a incidência da norma penal.�3. Recurso especial provido para absolver o Recorrente em face da atipicidade da conduta pela incidência do princípio da insignificância.�(REsp 1372370/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 27/08/2013, DJe 04/09/2013)��RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME DE PESCA COM PETRECHO NÃO PERMITIDO. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO II, DA LEI N.º 9.605/98. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. ANÁLISE DO CASO CONCRETO. IRRELEVÂNCIA PENAL DA CONDUTA. RECURSO PROVIDO.�1. A aplicação do princípio da insignificância nos crimes contra o meio ambiente, reconhecendo-se a atipicidade material do fato, é restrita aos casos onde e a conduta do agente expressa pequena reprovabilidade e irrelevante periculosidade social. Afinal, o bem jurídico tutelado é a proteção ao meio ambiente, direito de natureza difusa assegurado pela Constituição Federal, que conferiu especial relevo à questão ambiental.�2. Verifica-se que se insere na concepção doutrinária e jurisprudencial de crime de bagatela a conduta do Recorrente - sem antecedentes criminais, a quem não se atribuiu a pesca profissional ou reiteração de conduta -, que não ocasionou expressiva lesão ao bem jurídico tutelado, já que foi apreendido apenas petrecho (rede), sem, contudo, nenhum espécime ter sido retirado do local, o que afasta a incidência da norma penal. �3. Recurso ordinário provido para, aplicando-se o princípio da insignificância, determinar o trancamento da Ação Penal n.º 5003126-41.2012.404.7101 . �(RHC 35.122/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 26/11/2013, DJe 09/12/2013)��PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. USO DE APETRECHO DE PESCA PROIBIDO. CONDUTA QUE NÃO PRESSUPÔS MÍNIMA OFENSIVIDADE AO BEM JURÍDICO TUTELADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA.� 1. É de se reconhecer a atipicidade material da conduta de uso de apetrecho de pesca proibido se resta evidente a completa ausência de ofensividade, ao menos em tese, ao bem jurídico tutelado pela norma penal, qual seja, a fauna aquática.�2. Ordem concedida para trancar a ação penal por falta de justa causa.�(HC 93.859/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 13/08/2009, DJe 31/08/2009)

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2) Do estado de necessidade

Ainda que superado o juízo de tipicidade da conduta, haveria excludente deilicitude. Explico.

Embora o Apelante disponha de outros meios de subsistência, o trabalho nocorte manual de granito e a percepção de renda pelo programa Bolsa Família, novalor de tão-só R$ 32,00, ainda assim, a verba pecuniária obtida é insuficientepara manter a existência digna de sua família (integrada pela companheira e pelafilha). Bem por isso, considerando a falta de disponibilidade financeira, a pesca foirealizada com o objetivo, se não de saciar a fome, ao menos de complementar aalimentação do agente e de sua família.

Nessa situação, sendo o Apelante pessoa de parcos recursos, que se declarapobre na forma da lei, e à míngua de alternativas para a complementação de seusustento, há causa para a exclusão da ilicitude da conduta, eis que configurado oestado de necessidade.

Isto posto, dou provimento à Apelação para absolver o réu.

É O MEU VOTO.

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