Políticas curriculares: a luta pela significação no campo ...
E O MEIO AMBIENTE - midia.atp.usp.br · A Geologia aparece, a partir do final do século XVIII,...
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190
AMBIENTE NA TERRA Evolução
13 TÓPI
CO
Umberto G. Cordani
13.1 Introdução e Histórico13.2 Desenvolvimento Sustentável13.3 Aquecimento Global13.4 O papel das Ciências da Terra
13.4.1 Busca, gerenciamento e fornecimento de recursos minerais13.4.2 Busca, gerenciamento e fornecimento de recursos energéticos13.4.3 Conservação e gerenciamento de recursos hídricos13.4.4 Conservação e gerenciamento de solos agrícolas13.4.5 Monitoramento do Sistema Terra em relação às mudanças climáticas13.4.6 Redução de desastres naturais13.4.4 Conservação e gerenciamento de solos agrícolas
13.5 Conclusões
AS CIÊNCIAS DA TERRAE O MEIO AMBIENTE
191
AS CIÊNCIAS DA TERRA 13
13.1 Introdução e HistóricoA questão ambiental assumiu importância fundamental a partir dos anos 60, época em que
foi despertada a consciência de muitos para os problemas globais da Terra. Foi reconhecido que
o planeta é finito e encontra-se em vias de saturação em vários aspectos. O problema maior é o
crescimento populacional (DEMENY, P., 1984), que afeta seriamente todos os demais aspectos
ambientais, como, por exemplo, o consumo e a qualidade da água potável, a criação de rejeitos
tóxicos e radioativos, a acidificação dos oceanos, a perda de biodiversidade, o esgotamento de
recursos energéticos, as mudanças climáticas e o aquecimento global, a erosão dos solos agrí-
colas, os desastres naturais e induzidos. Muitos desses aspectos são relacionados com processos
geológicos. Daí a importância fundamental da Geologia.
Preocupações com o futuro da humanidade, em vista da expansão populacional, já existiam
desde muito tempo atrás, pelo menos desde o ensaio de Malthus de 1778, em que se alerta-
va que o crescimento demográfico seria mais rápido que os recursos disponíveis. Entretanto,
estas preocupações começaram a ser seriamente discutidas apenas em 1971, com o relatório do
Clube de Roma (os limites do crescimento), e com a organização da conferência mundial de
Estocolmo, pelas Nações Unidas, em 1972. Nesta conferência foram mencionadas oficialmente
as expressões “poluição da pobreza”, e “ecodesenvolvimento”, e na ocasião foi também reconhe-
cido o inter-relacionamento entre os conceitos de conservação ambiental e desenvolvimento
socioeconômico, quando entre os fatores da degradação ambiental foram incluídos os efeitos
causados pela falta de desenvolvimento. Nos anos seguintes, os estudos se avolumaram, mere-
cendo destaque o terceiro relatório do Clube de Roma, em 1976, a respeito da insegurança
alimentar e da nova ordem mundial. Em seguida, durante os anos 80, em vista dos vários alertas
e do aparente agravamento da situação ambiental global, as Nações Unidas encarregaram uma
comissão internacional de alto nível, presidida pela então Primeira Ministra da Noruega, Mrs. Gro
Brundtland, de efetuar um amplo estudo a respeito dos problemas globais relacionados com am-
biente e desenvolvimento. O Relatório Brundtland foi publicado como um livro: “Nosso futuro
comum” (UN WORLD COMMISSION ON ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT,
1987), que se tornou “best seller” de ampla repercussão e levou as Nações Unidas a organizarem a
Conferência do Rio de Janeiro sobre Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92. Ainda na década
de 80, como resposta à crescente pressão da comunidade científica internacional, foi iniciado um
192
AMBIENTE NA TERRA Evolução
grande programa internacional e interdisciplinar, o Programa Internacional Geosfera-Biosfera,
o IGBP, cujas atividades continuam intensas até o presente, e cujos objetivos são os de descrever
e entender os processos interativos físicos, químicos e biológicos que regulam o Sistema Terra,
bem como as mudanças que ocorrem neste sistema, e a maneira em que são influenciadas pelas
atividades humanas. No final da mesma década de 80, foi instituído o Painel Intergovernamental
para Mudanças Climáticas, o IPCC, para auxiliar na formação de políticas públicas a partir de
relatórios sobre aspectos científicos conhecidos a respeito de mudanças climáticas.
Se a Conferência da ONU sobre o Desenvolvimento Humano, Estocolmo-72, fez despertar
a humanidade para a questão ambiental e para o ecodesenvolvimento, a Rio-92 acabou sendo
a maior reunião de chefes de Estado da história da humanidade, fazendo com que a questão
ambiental e suas relações com o desenvolvimento se tornassem assunto familiar, amplamen-
te conhecido no mundo inteiro. Houve diversos acordos importantes, como as convenções
sobre clima e sobre biodiversidade. O principal documento resultante, a Agenda 21 (SENADO
FEDERAL, 1997), mostrou que já existiam capitais, tecnologia e conhecimento especializados,
suficientes para enfrentar a poluição ambiental e o desperdício de recursos naturais. Além disso,
incorporou o conceito de “desenvolvimento sustentável”, que já havia sido caracterizado no
Relatório Brundtland, e mostrou que proteção do ambiente, desenvolvimento socioeconômico
e erradicação da pobreza eram elementos absolutamente interligados.
13.2 Desenvolvimento SustentávelDesenvolvimento sustentável significa uma situação de justiça social, para toda a humani-
dade, onde o desenvolvimento socioeconômico seria atingido em harmonia com os sistemas
de suporte da vida na Terra. Em tal situação, todas as necessidades básicas da presente geração, e
alguns de seus desejos, estariam satisfeitos, sem prejuízos para as gerações futuras (CORDANI,
U.G., 1995). A dificuldade principal para a sustentabilidade global é a da expansão populacional.
Foram necessárias talvez umas 100.000 gerações para que o Homo Sapiens atingisse uma popu-
lação de seis bilhões de pessoas. Apesar de todas as advertências, desde Malthus até o Clube de
Roma e o Relatório Bruntland, parece que não escaparemos do fato de que a população mun-
dial praticamente dobrará ainda durante o século XXI (figura 13.1a e b). A questão essencial
é a seguinte: a Terra é finita e os seus sistemas de suporte para a vida são limitados (SKINNER,
B.J., 1989). Para quantas pessoas os recursos terrestres seriam suficientes para uma vida decente?
193
AS CIÊNCIAS DA TERRA 13
O uso de energia é um dos melhores indicadores de desenvolvimento, tendo em vista que
muitos indicadores sociais (por exemplo, mortalidade infantil, expectativa de vida, índice de
alfabetização, índice de fertilidade total etc.) podem ser claramente correlacionados com o
consumo de energia per capita. No caso do índice de desenvolvimento humano (HDI), utili-
zado em muitos relatórios da ONU, verifica-se que ele é pouco maior do que 0.8 e permanece
essencialmente constante para os países desen-
volvidos, independentemente de seu consumo
de energia, como pode ser visto na figura
13.2 (GOLDEMBERG, J., 1996). O valor de
1 toe per capita por ano parece ser adequado
como valor mínimo para um nível de vida
aceitável, em termos de HDI. Ao mesmo
tempo, o gráfico HDI vs. uso de energia mostra
que há enorme desperdício de energia em
alguns países desenvolvidos. Por exemplo, por
que os países norte-americanos precisam utili-
zar praticamente o dobro de energia per capita,
em relação aos países da Europa Ocidental?
Ou por outra, o que ocorreria neste planeta se
Figura 13.1: Crescimento populacional. a) População mundial no último milênio. b) Projeções para o crescimento populacional
Figura 13.2: Índice de desenvolvimento humano (idh) vs. Consumo energético
194
AMBIENTE NA TERRA Evolução
a inteira população mundial pudesse alcançar o nível de consumo de energia dos Estados
Unidos e do Canadá? O gráfico indica claramente que uma situação de sustentabilidade global,
em que os países em desenvolvimento possam utilizar energia em níveis aceitáveis e compatí-
veis com a disponibilidade de recursos, deve ser acompanhada por uma redução importante nos
níveis de consumo exagerado exibidos por muitos países industrializados.
Globalmente, os padrões de consumo atuais são seguramente não-sustentáveis. Com nosso
planeta “finito”, e com seus recursos diminuindo continuamente, como será possível administrar
uma vida “decente” para dez ou onze bilhões de pessoas? Obviamente, os países industrializados
se iludem pensando que podem permanecer indefinidamente com práticas socioeconômicas
consumistas. Por outro lado, em seu caminho para o desenvolvimento socioeconômico, os
países emergentes não poderão repetir os padrões não-sustentáveis que incluem desperdício e
consumo excessivo.
13.3 Aquecimento GlobalLamentavelmente, progressos reais na sequência da Rio-92 foram muito pequenos. Países
doadores não cumpriram suas metas nem os compromissos de ajuda externa. Países emergentes
de maior território, como a China, o Brasil e a Índia, cresceram em população e economia, e
passaram a consumir mais recursos naturais. Houve muita discussão a respeito de clima, bio-
diversidade, população, economia e recursos. Houve várias tentativas de colocar em prática os
acordos da Rio-92, como o Protocolo de Kyoto, o instrumento que deveria estar implementando
as resoluções da convenção climática, mas a agenda da ONU acabou sendo tomada muito mais
pelos conflitos mundiais que ocorreram recentemente, e menos com as questões ambientais.
Nas duas últimas décadas, houve muita discussão, especialmente no tocante aos assuntos do IGBP
ou do IPCC. Em 2002, em Johannesburg, ocorreu a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento
Sustentável, a Rio+10. Nela ficou claro que as metas estabelecidas na Rio-92 nada tinham per-
dido de sua urgência. O assunto mais debatido na conferência foi o da convenção climática, visto
que muitos países deveriam assumir suas responsabilidades na proteção do clima, contribuindo
para a redução das emissões de gases relevantes para o assim chamado problema do aquecimento
global. Entretanto, os que lá estiveram não estavam dispostos a adotar metas precisas e fixar datas.
Mais recentemente, na reunião de Copenhagen de 2010, também organizada pela ONU, ocorreu
nova desilusão pela incapacidade política de conseguir um acordo internacional efetivo a respeito
195
AS CIÊNCIAS DA TERRA 13
da redução global de gases de efeito estufa. No momento, encontra-se em preparação a Rio+20,
que deverá ser realizada de novo no Rio de Janeiro, em 2012.
13.4 O papel das Ciências da TerraA importância da Geologia nas questões ambientais é inquestionável. Das atividades geológicas
dependem grandemente muitas áreas cruciais para a sustentabilidade do planeta. Os pesquisa-
dores e profissionais das Geociências têm a responsabilidade pelo conhecimento que têm dos
fenômenos inerentes à dinâmica natural do planeta Terra, bem como pelo manejo tecnológico
de muitos processos e materiais que ocorrem em sua superfície, ou próximo desta. Em virtude
do crescimento das questões ambientais, e também da constatação de que o planeta Terra é um
sistema em que a maioria de seus fenômenos naturais é interconectada, e de âmbito global, as
Ciências da Terra seguramente terão um papel de importância crescente, tanto para a obtenção
do conhecimento, melhor possível, de como funciona o nosso planeta como para determinar os
muitos caminhos e tecnologias necessárias para o gerenciamento de atividades sustentáveis.
A Geologia aparece, a partir do final do século XVIII, como uma das Ciências Naturais, com
os objetivos de caracterizar e buscar a significação de minerais, rochas, fósseis e tudo o que não
fazia parte da matéria viva na superfície da Terra. Em vista da curiosidade que sempre acompa-
nhou o gênero humano, ela continuará a ser objeto da atenção de geólogos com vocação para
a pesquisa científica, e será naturalmente essencial para o seu próprio desenvolvimento e para o
entendimento da dinâmica do planeta em que vivemos. Por outro lado, atividades que podem
ser consideradas “geológicas” existem desde a pré-história, e a Geologia a serviço da sociedade
está ligada às suas próprias origens, quando os primeiros mineiros buscaram e forneceram bens
minerais para vários usos, e quando foram desenvolvidas certas técnicas de extração de recursos
utilizados pelo Homem. Durante séculos, este foi o principal papel socioeconômico da Geologia.
Nas últimas décadas, entretanto, ocorreram grandes transformações na atuação da Geologia.
Em quase todos os países, sejam eles desenvolvidos ou não, os serviços geológicos ou entidades
congêneres já efetuaram profundas reformulações estruturais, de certa forma impostas pelas res-
pectivas sociedades, para poder atuar em atividades voltadas para o ambiente. Em vista disso, de
que forma podem e poderão contribuir as Ciências da Terra numa sociedade sustentável? Existem
pelo menos seis missões fundamentais voltadas para atender às necessidades da sociedade a serem
exercidas para garantir situações de sustentabilidade, e que serão enfatizadas a seguir. Trata-se de
196
AMBIENTE NA TERRA Evolução
ações relacionadas com recursos minerais e energéticos, água potável e solo arável, bem como o
monitoramento do Sistema Terra quanto a mudanças climáticas e desastres naturais.
13.4.1 Busca, gerenciamento e fornecimento de recursos minerais
Praticamente, todos os objetos, equipamentos, construções, feitos pelo homem, e quase
todas as formas de energia por ele utilizadas, têm a participação de bens minerais. A sociedade
mais e mais fica dependente desses bens para a sua sobrevivência e bem-estar, à medida que a
população mundial cresce e a tecnologia se desenvolve. A busca e o fornecimento de minerais
sempre foram a missão original e mais visível das Geociências a serviço da sociedade. Todavia,
esses são bens não renováveis e, em geral, têm distribuição errática, o que lhes aumenta o custo
de extração e aproveitamento (SUSLICK, S.B. e outros.2005).
Levando em conta todos os tipos de ações humanas na superfície da Terra, desde construções
urbanas e estradas até mineração, sabe-se que nos países industrializados, onde há informações,
o consumo médio anual de recursos minerais per capita situa-se entre 15 e 20 toneladas . Nos
países em desenvolvimento, é muito menor, mas estima-se que cada indivíduo neste planeta
utilize em média cerca de 8-10 toneladas anuais, o que significa que o movimento global anual
seria da ordem de 50-60 bilhões de toneladas. Ou seja, o fluxo de material movimentado pela
ação antrópica na superfície da Terra é da mesma ordem de grandeza daquele resultante da
somatória de processos naturais da dinâmica do planeta, e o homem é atualmente um fator
geológico dos maiores e, possivelmente, é o mais efetivo agente geomorfológico.
Especificamente no caso de recursos minerais, a demanda seguramente vai crescer com a
expansão populacional. Além disso, a mineração continuará a ser essencial para a sociedade, com
a continuada incorporação de materiais pouco ou nada utilizados anteriormente, bem como a
manutenção e expansão das novas tecnologias. No futuro, as indústrias poderão ser muito dife-
rentes das de hoje em dia, mas continuarão a necessitar de materiais oriundos do subsolo. Novos
nichos para as operações mineiras terão de ser encontrados em regiões mais profundas da Terra
e também em domínios oceânicos. Apesar da reciclagem industrial, bem como da substituição
de metais por plásticos ou outros materiais sintéticos, o fluxo de materiais na superfície da Terra
deverá continuar em grande escala.
Entre as várias distorções socioeconômicas que ainda persistem nas relações Norte-Sul a
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AS CIÊNCIAS DA TERRA 13
mineração é uma das mais importantes. Para os países em desenvolvimento, onde ocorre grande
parte das extrações de bens minerais, os preços dos minérios (considerados mercadorias padro-
nizadas ou “commodities”) são fixados em níveis quase sempre baixos, sob controle dos países
consumidores, e dessa forma boa parte das operações mineiras é predatória, com reflexos futu-
ros imprevisíveis para os países que as abrigam. Além disso, o fornecimento de recursos minerais
apresenta grandes flutuações, na escala global, em função da evolução imprevista de diversos
fatores socioeconômicos. Por exemplo, nos anos 80, a mineração entrou em séria recessão por
causas diversas, entre as quais a redução da demanda, em vista do aumento da reciclagem indus-
trial e da substituição de metais por novos materiais. Ao contrário, na primeira década do século
XXI, o crescimento econômico de vários países, e especialmente da China, provocou grande
aumento nos preços de certas “commodities” mineiras, favorecendo os países produtores, como
foi o caso do Brasil em relação ao Ferro (Figura 13.3), ou o Chile em relação ao Cobre. Por
outro lado, a crise econômica global de 2008-2009, de certa forma, estabeleceu novo patamar
para os preços dos minérios.
Figura 13.3: Evolução no preço de vários tipos de Minério de Ferro Período 1993 – 2005 – MME, Brasil
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AMBIENTE NA TERRA Evolução
Para a extração de qualquer recurso mineral devem ser considerados devidamente os custos
indiretos decorrentes da escassez do bem, e aqueles relativos à degradação ambiental provocada
pelas operações mineiras (ASWATHANARAYANA, U., 2003). Cada vez mais, e com razão, as
populações estão preocupadas com o impacto ambiental das operações mineiras. Em consequ-
ência disso legislações ambientais severas foram estabelecidas em certos países industrializados,
o que acarretou o aumento dos custos operativos de muitas empresas mineiras, no sentido de
restaurar o ambiente e estabelecer condições de mantê-lo limpo. Em vista disso, essas empresas
do setor mineral têm buscado alternativas que lhes permitam a melhor combinação possível de
custo-benefício, levando em conta potencial mineral e arcabouço institucional. Exemplo disso
é o fechamento de muitas minas de cobre no Canadá, nos últimos vinte anos, apesar das boas
qualidades e das reservas importantes de minério, e a transferência das atividades das empresas
mineiras (tanto canadenses quanto multinacionais) para outros países, como o Chile, onde se
instalaram com custos operacionais menores.
Nesse cenário, é claro que o custo das commodities minerais para os consumidores deverá
aumentar em função dos custos ambientais. Em consequência, o planejamento de qualquer
extração mineral deverá considerar com cuidado, desde o princípio, fatores tais como a escassez
do bem mineral, a degradação ambiental causada pela mineração, o gerenciamento dos rejeitos,
bem como a restauração da paisagem após o término das operações mineiras. A mineração tem
sido olhada pela sociedade como um dos maiores inimigos do ambiente (Figura 13.4).
Entretanto, se for comparada com outros processos sociais, como por exemplo a urbanização, a
Figura 13.4: Garimpo de Poconé, MT
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AS CIÊNCIAS DA TERRA 13
indústria ou a agricultura, ela tem consequências muito menores para o ambiente, por ser loca-
lizada, afetando normalmente áreas reduzidas, e ser temporária, visto que a vida média de uma
mineração, por mais importante que seja, é de não mais do que algumas décadas. Em última
análise, são os geólogos e demais profissionais envolvidos com mineração que terão a missão de
determinar a melhor maneira de retirar os bens minerais disponíveis na natureza, minimizando
os rejeitos e os custos ambientais, e proporcionando melhor planejamento, estabilidade e avanço
social nas atividades extrativas, sempre em um clima de desenvolvimento sustentado. Se os
empreendimentos mineiros forem bem planejados, com os devidos cuidados ambientais, a mi-
neração, na verdade, atua como defensora do ambiente. Exemplo paradigmático é oferecido
pela mineração de escala muito grande operada pela Cia. Vale do Rio Doce em Carajás. Os
depósitos minerais foram descobertos nos anos 60 e as operações mineiras foram desenvolvidas
a partir dos anos 70. A mineração em si começou logo após, cuidando ao mesmo tempo de
grande área florestada que deveria ser conservada intacta, a Floresta de Carajás (Figura 13.5a).
Cerca de 25 anos depois, essa área florestada permanece de fato intacta, enquanto enorme área
da região vizinha foi devastada por urbanização descontrolada (Figura 13.5b). Olhando
Figura 13.5: Desmatamentamento na região de Carajás. a) 1975. b)2000
200
AMBIENTE NA TERRA Evolução
especificamente a região da Vale do Rio Doce, na figura 13.6, verifica-se que, apesar da enorme
jazida em exploração, apenas cerca de 2% da região foi desmatada, com o compromisso da
mineradora de restaurar o ambiente após a plena extração do bem mineral.
2 - Busca, gerenciamento e fornecimento de recursos energéticos
Um componente importante que influencia a qualidade de vida é a disponibilidade de
energia para quaisquer atividades (GOLDEMBERG, J.; VILLANUEVA, L.D., 2003). Em nosso
mundo, há muitas regiões diferentes e algumas nações necessitam de mais energia do que outras.
Por outro lado, está claro (ver, por exemplo, figura 13.2) que diversas nações desenvolvidas
consomem mais energia do que realmente precisam.
Presentemente, o grosso da energia produzida no mundo provém da combustão de com-
bustíveis fósseis, petróleo, carvão e gás natural, que não são recursos renováveis e que sempre
estiveram na esfera de atividades dos profissionais das Geociências. Em especial, petróleo no
momento é a fonte de energia mais importante no mundo. Computando-se as reservas exis-
tentes, e estimando-se as que ainda poderão ser desenvolvidas no futuro, petróleo e gás serão
suficientes pelo menos até o fim do século. Por outro lado, mesmo que possa ser explorado o
potencial existente em áreas remotas e em águas profundas dos oceanos, e que a recuperação
dos fluidos em seus reservatórios possa ser melhorada, esses recursos poderão esgotar-se em
Figura 13.6
201
AS CIÊNCIAS DA TERRA 13
três ou quatro séculos, se continuar a sua utilização no ritmo presente e levando em conta
o crescimento populacional. Carvão mineral ainda poderá ser utilizado por mais tempo pela
humanidade, mas de qualquer forma trata-se, também, de recurso não renovável. Países extre-
mamente populosos, como a China e a Índia, estão utilizando energia produzida de carvão e
dela dependerão ainda por muito tempo.
Pelo exposto, embora petróleo, gás e carvão sejam recursos não-renováveis, ainda permane-
cerão como essenciais e estratégicos para a sociedade durante muitas décadas. Por outro lado, a
humanidade terá de resolver, a médio prazo, a questão da disponibilidade de fontes alternativas
de energia limpa, renovável, sustentável, de utilização com impacto ambiental mínimo, com
custo suportável e em quantidade compatível com as necessidades futuras. Nesse sentido, entre
outras menos desenvolvidas, as fontes alternativas principais são as de energia hidroelétrica,
nuclear, geotérmica e solar.
Energia hidroelétrica pode ser um excelente complemento para a matriz energética em al-
gumas regiões, mas não pode ser uma solução definitiva global, visto que muitos países não têm
potencial suficiente em seus rios. Energia nuclear, alternativa utilizada intensamente em alguns
países, como a França ou o Japão, apresenta diversos problemas cruciais ainda não resolvidos,
como a questão dos rejeitos e da segurança dos reatores. Energia geotérmica tem condição de
ser desenvolvida em algumas regiões vulcânicas do globo com elevado fluxo térmico, como
a Islândia, a Nova Zelândia ou o Chile. Finalmente, energia solar em suas múltiplas vertentes
(fotovoltaica, biomassa, vento, mares, correntes oceânicas), poderá vir a ser a fonte de energia
mais adequada, (e talvez definitiva para a humanidade) quando forem desenvolvidos dispositivos
tecnológicos mais eficientes a custos razoáveis.
Com relação a impactos ambientais, os combustíveis fósseis têm um grande problema asso-
ciado, visto que a sua queima está mudando rapidamente a química da atmosfera pelas enormes
quantidades de gás carbônico emitidas por veículos, sistemas de aquecimento, usinas industriais
etc. Essas emissões parecem ser o fator de maior impacto no aumento do efeito estufa e do
aquecimento global. Além disso, há degradação ambiental associada à mineração de carvão,
e há também a possibilidade de acidentes desastrosos durante as extrações e o transporte de
petróleo, como ocorreu em 2010 com a quebra de tubulações submersas no Golfo do México,
que produziu um enorme desastre tecnológico. Outros tipos de fontes de energia também
têm os seus calcanhares de Aquiles. Energia hidroelétrica é muito dependente do regime de
chuvas e as barragens necessitam de muito espaço, submergindo áreas importantes. Energia
202
AMBIENTE NA TERRA Evolução
nuclear apresenta o problema dos rejeitos radioativos, cujos sítios de armazenamento “definiti-
vo” devem ser buscados de modo racional. Além disso, há riscos de desastres tecnológicos, como
o vazamento de material altamente radioativo em Tchernobil, na Ucrânia, em 1985 e mais re-
centemente em Fukushima, no Japão, após o forte terremoto seguido do tsunami devastador de
2011. Finalmente, energia geotérmica tem associação direta com vulcões ativos, o que apresenta
risco intrínseco relacionado com possíveis atividades vulcânicas destrutivas.
Os desafios maiores em relação ao desenvolvimento das fontes alternativas de energia
foram assumidos por físicos, engenheiros, químicos e outros; entretanto, os profissionais das
Geociências poderão colaborar nos aspectos regionais em que as condições geológicas tenham
importância fundamental, tais como os locais para a localização das usinas geotérmicas, ou os
sítios de colocação dos rejeitos radioativos, bem como os estudos relativos à implantação de
grandes barragens para usinas hidroelétricas.
13.4.3 Conservação e gerenciamento de recursos hídricos
Água doce é um dos bens naturais mais preciosos, possivelmente o mais importante para o
bem-estar da humanidade, e seguramente o fator mais crítico para o desenvolvimento susten-
tável global, em vista da expansão populacional que levará o planeta a ter de tomar conta de
10-11 bilhões de pessoas, ainda neste século XXI (REBOUÇAS, A. DA C., 1999).
As águas subterrâneas, que na atualidade são um dos principais campos de atuação dos
geólogos, constituem as principais reservas de água doce aproveitável para o homem. Os reser-
vatórios subterrâneos, denominados aquíferos, representam cerca de 98% to total de água doce
do mundo, ocorrendo em praticamente todos os ambientes geológicos e nos mais diversos tipos
de rocha, preenchendo espaços entre grãos ou nos fraturamentos. O seu volume de água, muito
maior do que o das águas superficiais, permite certa tranquilidade em relação à disponibilidade
do recurso no futuro, isto sem pensar na possibilidade alternativa de dessalinização da água do
mar. Por outro lado, por causa da distribuição desigual das águas superficiais alimentadas pelas
chuvas, em muitas regiões as águas subterrâneas constituem-se na única fonte de abastecimento.
Além disso, apesar do seu emprego crescente para utilização humana e animal, na irrigação e na
indústria, o conhecimento sobre esse recurso ainda é relativamente pequeno em certas regiões,
em especial as menos desenvolvidas.
As águas superficiais, em várias regiões e países, já sofrem os efeitos da superexplotação, e em
203
AS CIÊNCIAS DA TERRA 13
muitos casos a poluição de seus reservatórios. Entretanto, a renovação rápida das águas superficiais
permite a sua recuperação, em tempo razoável, se forem tomadas as medidas adequadas. Por outro
lado, nos aquíferos subterrâneos, a velocidade de fluxo é muito baixa, de modo que podem ser
necessários centenas ou milhares de anos para que, a partir da incidência de chuva ou da infiltração
de rios, as águas cheguem ao seu destino. Nesse caso, superexplotação pode ser extremamente
danosa, quando a retirada de água é inferior à recarga natural. É o caso das reservas de água “fóssil”,
armazenadas em épocas com regimes climáticos diferentes, com muita chuva, e que podem ser
utilizadas de modo exagerado, causando diminuição drástica e até esgotamento. Com efeito, em
muitas partes do mundo, os aquíferos subterrâneos são fontes maiores, ou mesmo únicas, de
abastecimento, e nesse caso sua explotação desordenada constitui-se num problema maior.
Quando bem pesquisadas e explotadas, as águas subterrâneas podem ter um papel de enorme
alcance social. A partir da década de 80, os países industrializados, preocupados com a conta-
minação por resíduos industriais, lixos urbanos e pesticidas, começaram a se preocupar também
com a qualidade das águas subterrâneas. Por um lado, os aquíferos estão mais protegidos da po-
luição e, portanto, não necessitam de tratamento importante para o uso da população, o que, ao
lado dos custos de captação e distribuição mais baixos em relação às águas superficiais, as torna
mais econômicas. Por outro lado, todo cuidado é pouco em sua conservação e gerenciamento,
pois eles são muito vulneráveis à poluição, em contraste com as águas de superfície, que são
constantemente renovadas pelo ciclo hídrico. Não é esse o caso dos aquíferos, quando poluição
deve ser sempre evitada, tendo em vista que a sua recuperação é muito difícil, e até mesmo
impossível em muitos casos.
Finalmente, cabe aos geólogos o gerenciamento das águas subterrâneas, armazenadas nos di-
ferentes sistemas de aquíferos, bem como estabelecer os mecanismos para a sua proteção. Entre
as iniciativas geológicas mais importantes estão as investigações sobre recargas, fluxo e descargas
nos sistemas superficiais e o mapeamento dos reservatórios subterrâneos. Além disso, é também
importante o papel dos geólogos para estudos de impacto ambiental e desenvolvimento de
estratégias para a conservação dos aquíferos.
13.4.4 Conservação e gerenciamento de solos agrícolas
Os solos são sistemas de suporte fundamentais para a vida humana e o seu bem- estar.
Neles se assentam as culturas agrícolas, de onde vem a alimentação principal da humanidade.
204
AMBIENTE NA TERRA Evolução
Construímos sobre e neles; plantamos neles e deles colhemos os vegetais que formam a base
da nossa comida. Neles vivem milhões de organismos e micro-organismos responsáveis por
múltiplas reações bioquímicas, desde a fixação do nitrogênio da atmosfera até a decomposição
de matéria orgânica, que irão produzir os materiais necessários à cadeia alimentar que termina
em nós, humanos. O devido cuidado com os solos para o seu aproveitamento adequado só traz
benefícios, mas, se maltratados ou retirados, podem ser gerados muitos problemas.
Para o gerenciamento dos solos, a principal característica que tem de ser levada em conta em seu
manejo, é a de que eles, como produto final da alteração intempérica das rochas, levam muito tempo
para serem formados. Sua taxa de produção é de não mais do que alguns milímetros por ano, na
dependência de clima, tipo de rocha do subsolo e de condições geomorfológicas. Isto quer dizer que
certos solos podem levar milhares de anos para se formar e, portanto, têm de ser considerados na
prática como recursos não renováveis. Em consequência, a sua conservação através de procedimen-
tos adequados é de extrema importância (JAMES, C. e outros. 1992). Por exemplo, se forem mal
manejados por utilização exagerada de mecanização, ou cultivo em declives, ou desflorestamento,
haverá enormes perdas de terras aráveis, que irão parar nos oceanos, sem possibilidade de reposição
(Figura 13.7). Além disso, em regiões utilizadas exaustivamente para agricultura, outras atividades
antropogênicas inadequadas, tais como uso incorreto de fertilizantes e pesticidas, ou salinização
devido à irrigação malfeita, podem levar rapidamente à toxificação e à degradação geral dos solos.
Figura 13.7: Grande voçoroca formada por erosão em sedimentos
205
AS CIÊNCIAS DA TERRA 13
Com o aumento da população mundial ao longo deste século XXI, serão necessários muito
mais alimentos em quantidade e qualidade. Grande parte deverá corresponder à produtividade
mais elevada, em especial por parte dos países em desenvolvimento. Outra parcela deverá vir da
expansão de terras aráveis, e o restante de colheitas mais frequentes. Para evitar a desestruturação
de muitos solos no mundo, trazendo repercussão ao meio ambiente, além do aumento do custo
por unidade produzida, deverão ser gradualmente substituídas as práticas agrícolas baseadas
em maciças doses de fertilizantes e pesticidas, bem como determinadas formas de agricultura
mecanizada, as quais normalmente acarretam grandes perdas de solos aráveis.
Obviamente, para uma economia agrária global sustentável, a erosão do solo e a degradação
da terra não podem exceder a acumulação de solos novos, formados pelos processos naturais de
alteração de rochas. Cabe aos geocientistas, neste caso em colaboração direta com agrônomos,
biólogos, geógrafos e demais pesquisadores interessados, zelar pela conservação dos solos e sua
adequada utilização. Finalmente, há uma relação estreita entre a geologia e a saúde humana, visto
que os materiais consumidos pelo homem provêm, em última análise, do material geológico que
se encontra na natureza. Esta relação é óbvia quanto ao uso de água potável. Por outro lado, a
relação com o solo é também fundamental, visto que, desde o alimento que consumimos à poeira
e gases que respiramos, tudo está relacionado à geologia e às partículas minerais contidas nos solos.
O próprio homem e os demais seres viventes são repositórios de bens minerais, essenciais à vida.
Esta constatação deu origem recentemente ao aparecimento de uma nova disciplina, a Geologia
Médica. Nessa disciplina, os geólogos têm de interagir com médicos e outros profissionais da saúde
para identificar com segurança as características geoquímicas de solos, sedimentos, rochas e água,
que podem causar impacto direto ou indireto à saúde humana ou animal.
13.4.5 Monitoramento do Sistema Terra em relação às mudanças climáticas
Nosso planeta apresenta dinâmica natural muito intensa, com flutuações em quaisquer escalas
de tempo, e cabe aos geocientistas, em especial os voltados para as ciências da atmosfera, o seu
monitoramento, através de observações regionais e globais coordenadas, efetuadas na superfície
do planeta. Trata-se de medições sistemáticas de temperatura, incidência de chuvas e outras de
relevância para o estudo do clima, o que está sendo realizado por muitos observatórios, por
satélites, por levantamentos temáticos específicos locais ou regionais etc. Com a constatação
206
AMBIENTE NA TERRA Evolução
de que o planeta é finito, sabe-se que há limites que não deveriam ser transgredidos pela ação
humana, sob pena de criar dificuldades irreversíveis. Por isso, o planejamento ambiental para a
tomada de decisões corretas é crucial, inclusive para reverter certas tendências não sustentáveis,
sendo absolutamente necessário o entendimento dos processos que fazem funcionar o Sistema
Terra (JACOBSON, M.C.; CHARLSON, R.J.; RODHE, H.; ORIANS, G.H., 2000). Cada
vez mais as decisões políticas, em nível nacional ou internacional, dependem desse conheci-
mento e da capacidade de previsão de eventos futuros de modo realístico (FYFE, W.S., 1997).
No caso das mudanças climáticas, as variações podem ser muito lentas e graduais, com
efeitos aparecendo a longo prazo, na escala de tempo de décadas ou séculos, mas que podem
revelar-se catastróficos e sem condições de serem impedidos ou controlados. Os programas
científicos internacionais instituídos na década de 80, o IGBP e o IPCC, indicam que aumen-
tam, continuamente, certos gases na atmosfera pela queima de combustíveis fósseis. Este fato
estaria provocando aumento no efeito estufa natural - aquele que condiciona uma temperatura
média amena e favorável à vida na superfície da Terra - levando à instalação do que se conven-
cionou chamar de “aquecimento global”. Entre outros problemas graves, uma consequência facil-
mente previsível seria a de que boa parte das geleiras existentes nas calotas polares da Terra
Figura 13.8: Introdução de gases de efeito estufa na atmosfera por ação antrópica
207
AS CIÊNCIAS DA TERRA 13
derreteria, causando um aumento de muitos decímetros no nível médio dos oceanos, e, obvia-
mente, condições desastrosas para muitas das regiões litorâneas do planeta.
Em especial, em seu quarto relatório, de 2007, o IPCC concluiu que nas últimas três décadas
houve aquecimento global inequívoco da superfície do planeta, consubstanciado por medidas
observacionais da temperatura média global de oceanos e da atmosfera. Ao continuar, nas próxi-
mas décadas, a humanidade sofreria por causa de extremos climáticos decorrentes de uma maior
dinâmica da troposfera, acompanhada do aumento do nível do mar já mencionado, grandes
inundações, e migração do zoneamento climático, afetando a biodiversidade. Esse relatório
atribuiu esse aquecimento global observado, com grande probabilidade, à ação antropogênica
que teria provocado grande aumento dos gases de efeito estufa na atmosfera desde o início da
Revolução Industrial do século XVIII até os dias de hoje (Figura 13.8). Por outro lado, os
modelos teóricos que procuram reconhecer os impactos antropogênicos sobre as mudanças
climáticas ainda são discutidos, visto que as relações de causa e efeito entre processos aparente-
mente conectados não estão plenamente caracterizadas.
Entre os geocientistas, que verificam no registro geológico do passado a grande variabilidade
natural do clima, há certo ceticismo em relação à importância do fator antropogênico nas mudan-
ças climáticas observadas. São conhecidas grandes variações climáticas no tempo geológico, e es-
pecialmente as glaciações do período Quaternário (os últimos 2-3 milhões de anos). No momento
encontramo-nos num período interglacial, em que o nível dos mares é próximo de seu máximo
(Figura 13.9). A temperatura média do planeta está diminuindo gradualmente, de maneira muito
lenta, a partir do fim do último período glacial, e o seu registro nos últimos 18 mil anos apresenta
Figura 13.9: Oscilações do Nível do Mar como conseqüência das glaciações do Quaternário nos últimos 600 mil anos.
208
AMBIENTE NA TERRA Evolução
flutuações climáticas, que se sucedem de forma mais ou menos cíclica (Figura 13.10 a, b e c).
Na própria história recente, flutuações climáticas são bem conhecidas, como o período quente da
era medieval (anos 900-1100) e a época denominada “Pequena idade do gelo” (anos 1500-1700)
(Figura 13.10b). Ou seja, a variabilidade natural do clima é evidente e pode exceder os efeitos
produzidos pelo homem. Além disso, há fatores geológicos que podem ter influência climática,
Figura 13.10: Flutuações na temperatura da Terra. a) A partir de 18 mil anos. b) A partir do ano 1000. c) A partir de 1870
209
AS CIÊNCIAS DA TERRA 13
como, por exemplo, as grandes erupções vulcânicas, e também fatores relacionados com possíveis
variações na intensidade da radiação solar, de difícil caracterização.
Por outro lado, o clima continua a mudar, e a observação de um aquecimento global, indi-
cado pelo aumento gradativo da temperatura de cerca de 0,5 grau nas últimas quatro décadas
é factual (Figura 13.10c). Além disso, na atualidade, o impacto humano sobre as forçantes cli-
máticas parece ser muito importante. O assunto é de grande atualidade e tem a maior relevância
científica. Observações, investigações, modelagens, simulações etc. continuam, com grande in-
tensidade, no âmbito de programas como o IGBP. Em última análise, o clima continua a flutuar
naturalmente, com ou sem modificações importantes induzidas pelo Homem. Prevenção e
preparação são até possíveis; entretanto, seria muita pretensão imaginar que a humanidade possa
controlar e dirigir as mudanças climáticas futuras. A sociedade precisa adaptar-se às mudanças
sejam elas para dias mais quentes ou para dias mais frios, como sempre ocorreu na história da
humanidade.
13.4.6 Redução de desastres naturais
Fenômenos naturais, inerentes à própria dinâmica do planeta, podem por vezes provocar
grandes catástrofes, como é o caso de terremotos, erupções vulcânicas, ciclones tropicais, inun-
dações, deslizamentos de terra, secas prolongadas etc. Tais desastres podem acarretar importantes
perdas de vidas humanas e grandes danos materiais, com reflexos socioeconômicos (UNESCO,
1991). Conhecer, o melhor possível, os fenômenos naturais potencialmente causadores de gran-
des catástrofes é outra das missões originais dos geólogos, para poder fornecer às comunidades
vulneráveis os instrumentos para a sua prevenção ou prepará-las para a redução de seus efeitos.
A dinâmica interna da Terra condiciona os movimentos das placas tectônicas, em cujas inte-
rações ocorrem as principais manifestações de sua energia interna. Os terremotos e erupções
vulcânicas que ocorrem ao longo de seus limites são as maiores evidências dos seus movimentos
de aproximação ou afastamento relativo. Por outro lado, a dinâmica externa do planeta, cuja
energia tem origem na radiação solar, também pode produzir desastres naturais, que podem ser
agudos, como grandes inundações, furacões, tornados, ou deslizamentos de terra, ou crônicos,
como as grandes secas que assolam periodicamente certas regiões do globo. Os fenômenos
naturais potencialmente causadores de desastres, e que fazem parte da dinâmica do planeta, não
podem ser impedidos. Eles nada mais são do que manifestações normais inerentes aos processos
210
AMBIENTE NA TERRA Evolução
naturais do Sistema Terra, que em muitos casos podem ser violentas, implacáveis, levando à
destruição de parte da biosfera, incluindo-se aí o Homem e suas coisas. Desastres naturais
agudos, nas últimas quatro décadas, provocaram a morte de pelo menos quatro milhões de
pessoas, no mundo inteiro, e perdas enormes de propriedades. Por outro lado, desastres graduais,
como as secas, não foram menos complacentes: no mesmo período, somente no continente
africano, cerca de 200 milhões de pessoas foram afe-
tadas pela fome associada, com a morte de muitos
milhares. Não há possibilidade de levantar, em termos
econômicos, as perdas materiais diretas e indiretas re-
lacionadas com desastres naturais, mas as estimativas
existentes em alguns casos específicos situam-se na
ordem de grandeza de dezenas de bilhões de dólares.
Por outro lado, os riscos relacionados com os
fenômenos naturais são conhecidos, assim como as
áreas geográficas e as situações específicas de risco.
Estas são inúmeras, e não há como impedir a ocor-
rência desses fenômenos naturais potencialmente
causadores de desastres. Entretanto, em muitos casos,
muitos dos danos possíveis podem ser evitados, ou
pelo menos mitigados, por medidas preventivas
tais como o planejamento adequado da ocupação
humana ou a fabricação de construções e estruturas
apropriadas (por exemplo, antissísmicas). Ou seja,
aumentou muito a capacidade de defesa das socie-
dades, e as atitudes fatalísticas do passado em relação
aos desastres naturais não são mais aceitáveis. Muitas perdas de vidas seriam evitadas e muitos
danos materiais seriam diminuídos se algumas medidas de prevenção fossem tomadas a tempo.
Já existem conhecimentos tecnológicos específicos, e muito melhorou, nos anos recentes, a
capacidade de defesa das sociedades devidamente instruídas e educadas nas técnicas de pre-
venção, preparação e segurança. Os instrumentos principais são conhecidos: uma educação
adequada, desde a primeira infância, acompanhada de legislação adequada do país ou da região,
bem como investimentos nas áreas de prevenção e de segurança, e treinamento especializado
Figura 13.11: Devastação na região costeira de Sumatra (2004)
211
AS CIÊNCIAS DA TERRA 13
nos setores críticos. A preparação e a educação de populações inteiras para desastres naturais e
a implantação de sistemas de alarme também fazem parte das medidas possíveis de prevenção.
Catástrofes naturais podem ocorrer em qualquer parte do mundo, afetando tanto países
desenvolvidos como aqueles em desenvolvimento. Por exemplo, são emblemáticos os casos re-
centes de grandes terremotos que atingiram o Japão e a Indonésia, seguidos de tsunamis devas-
tadores (Figura 13.11a e b), ou grandes deslizamentos de terra acompanhados de corridas de
lama, como ocorreu na Venezuela em 1999 (Figura 13.12). Acresce que países em desenvolvi-
mento sofrem mais com desastres, por serem muito mais vulneráveis e menos preparados. Mais
de 90% de perda de vidas ocorre no mundo em desenvolvimento. Além disso, nesses países, que
têm menos recursos para a sua prevenção ou mitigação, as consequências são mais graves, cau-
sando sérios atrasos no desenvolvimento socioeconômico.
Cabe registrar que muitas ações humanas podem provocar desastres ou agravar as conse-
quências de desastres naturais. Em muitos casos, é impossível distinguir, nas causas diretas de
grandes catástrofes, os elementos naturais dos elementos humanos indutores, visto que estes
últimos estão sempre presentes, especialmente no tocante aos aspectos de vulnerabilidade.
Para dar alguns exemplos, desflorestamentos em encostas induzem deslizamentos de terra ou
Figura 13.12: Deslizamento de terra acompanhado de corrida de lama, na Cordillera de la Costa, Venezuela (1999)
212
AMBIENTE NA TERRA Evolução
aumentam a probabilidade de estes ocorrerem. Aglomerados urbanos sem as devidas precauções
de construções antissísmicas tornam catastróficas as possíveis ocorrências de terremoto. Da
mesma forma, serão duramente atingidas populações não preparadas para enfrentar situações de
ciclones tropicais ou de grandes inundações. Finalmente, devem ser considerados também os
assim chamados “desastres tecnológicos”, que acarretam principalmente danos ambientais de
grande monta, como a perda do controle sobre resíduos químicos tóxicos, ou, pior ainda, sobre
resíduos radioativos, como nos casos de Tchernobil e de Fukushima, ou como vazamentos
de petróleo em áreas populosas ou em regiões costeiras, ou nos oceanos, como recentemente
ocorreu no Golfo do México.
Pelo seu conhecimento específico, cabe aos geólogos e demais profissionais das ciências da
Terra lidar com as causas e em parte também com as consequências de desastres naturais. Tendo
em vista que a vulnerabilidade é o maior fator agravante, torna-se imperiosa uma mudança de
mentalidade, especialmente naquelas populações dos países mais vulneráveis a desastres. Ou seja,
ênfase muito maior deve ser conferida às atividades de planejamento, prevenção e preparação,
ao invés de manter atitude passiva e limitar-se às atividades posteriores de reparação dos danos
e restauração das estruturas sociais.
13.5 ConclusõesGeneralizando em termos da pressão exercida pela sociedade moderna sobre o meio am-
biente, os economistas gostam de utilizar a expressão I = f (P, C, T) (Figura 13.13), em que
impacto ambiental (I) é função de população (P), consumo per capita (C) e tecnologia de
produção (T) correspondente a esse consumo. Desde que tanto população quanto consumo per
capita tendem a crescer, um valor próximo de zero para (T) é essencial para a obtenção de
sustentabilidade, para manter o impacto ambiental dentro da capacidade de regeneração do
ambiente. Obviamente, para garantir nessa equação o valor da tecnologia de produção “T”
próximo de zero, a Ciência e Tecnologia em geral, e as Ciências da Terra em particular, têm um
papel essencial a exercer. Embora muitas dificuldades ainda se encontrem pendentes de uma
solução viável, (por exemplo, o problema não resolvido das fontes renováveis de energia), muitos
dos conhecimentos necessários para o desenvolvimento sustentável já são disponíveis, como
muitos tipos de tecnologias “limpas” para o ambiente, muitos processos de reciclagem industrial,
muitas técnicas de agricultura sustentável. No caso específico das Geociências, pelo que foi
213
AS CIÊNCIAS DA TERRA 13
exposto nos itens anteriores, é muito clara a sua relevância para o bem-estar da sociedade. No
conhecimento global do planeta, as Geociências possuem posição central e integradora, ao
fornecerem os elementos factuais a respeito de sua superfície, seus ambientes, relevo, clima,
solos, águas territoriais etc. e soluções tecnológicas para dificuldades advindas dos muitos pro-
cessos naturais do Sistema Terra.
Tanto em termos globais como regionais, para evitar decisões ambientais equivocadas, que leva-
riam a situações calamitosas a médio ou longo prazo, ou viriam a exigir enormes investimentos no
futuro para a sua remediação, torna-se cada vez mais crítico o planejamento correto das ações de de-
senvolvimento. São os geólogos e outros profissionais das Geociências que possuem o conhecimento
principal dos problemas que afligem o planeta, e são eles, portanto, que têm a responsabilidade de
fazer chegar aos detentores de poder, aos legisladores, aos educadores, bem como às comunidades em
geral, a sua visão, e as suas possíveis propostas para enfrentar os desafios relacionados com o ambiente
em que vivemos e com o desenvolvimento socioeconômico regional.
Finalmente, para onde caminha a humanidade? Seria viável o sonho utópico do desenvol-
vimento sustentável? Claramente, seus rumos não podem ser considerados sem que tenhamos
uma visão global a respeito da sociedade em que estamos inseridos. Tendo em vista os muitos
problemas ambientais aqui apontados, e que tendem a se agravar, para onde caminha a Geologia,
nesta segunda década do século XXI? Sem dúvida, ela terá relevância crescente na questão
ambiental, e será indispensável para a definição dos caminhos a serem encontrados em busca de
situações de sustentabilidade.
Figura 13.13: Formulação empírica para o impacto ambiental de atividades humanas e sua dependência de tecnologias limpas.
214
AMBIENTE NA TERRA Evolução
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