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13 TÓPICO Umberto G. Cordani 13.1 Introdução e Histórico 13.2 Desenvolvimento Sustentável 13.3 Aquecimento Global 13.4 O papel das Ciências da Terra 13.4.1 Busca, gerenciamento e fornecimento de recursos minerais 13.4.2 Busca, gerenciamento e fornecimento de recursos energéticos 13.4.3 Conservação e gerenciamento de recursos hídricos 13.4.4 Conservação e gerenciamento de solos agrícolas 13.4.5 Monitoramento do Sistema Terra em relação às mudanças climáticas 13.4.6 Redução de desastres naturais 13.4.4 Conservação e gerenciamento de solos agrícolas 13.5 Conclusões AS CIÊNCIAS DA TERRA E O MEIO AMBIENTE

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AMBIENTE NA TERRA Evolução

13 TÓPI

CO

Umberto G. Cordani

13.1 Introdução e Histórico13.2 Desenvolvimento Sustentável13.3 Aquecimento Global13.4 O papel das Ciências da Terra

13.4.1 Busca, gerenciamento e fornecimento de recursos minerais13.4.2 Busca, gerenciamento e fornecimento de recursos energéticos13.4.3 Conservação e gerenciamento de recursos hídricos13.4.4 Conservação e gerenciamento de solos agrícolas13.4.5 Monitoramento do Sistema Terra em relação às mudanças climáticas13.4.6 Redução de desastres naturais13.4.4 Conservação e gerenciamento de solos agrícolas

13.5 Conclusões

AS CIÊNCIAS DA TERRAE O MEIO AMBIENTE

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AS CIÊNCIAS DA TERRA 13

13.1 Introdução e HistóricoA questão ambiental assumiu importância fundamental a partir dos anos 60, época em que

foi despertada a consciência de muitos para os problemas globais da Terra. Foi reconhecido que

o planeta é finito e encontra-se em vias de saturação em vários aspectos. O problema maior é o

crescimento populacional (DEMENY, P., 1984), que afeta seriamente todos os demais aspectos

ambientais, como, por exemplo, o consumo e a qualidade da água potável, a criação de rejeitos

tóxicos e radioativos, a acidificação dos oceanos, a perda de biodiversidade, o esgotamento de

recursos energéticos, as mudanças climáticas e o aquecimento global, a erosão dos solos agrí-

colas, os desastres naturais e induzidos. Muitos desses aspectos são relacionados com processos

geológicos. Daí a importância fundamental da Geologia.

Preocupações com o futuro da humanidade, em vista da expansão populacional, já existiam

desde muito tempo atrás, pelo menos desde o ensaio de Malthus de 1778, em que se alerta-

va que o crescimento demográfico seria mais rápido que os recursos disponíveis. Entretanto,

estas preocupações começaram a ser seriamente discutidas apenas em 1971, com o relatório do

Clube de Roma (os limites do crescimento), e com a organização da conferência mundial de

Estocolmo, pelas Nações Unidas, em 1972. Nesta conferência foram mencionadas oficialmente

as expressões “poluição da pobreza”, e “ecodesenvolvimento”, e na ocasião foi também reconhe-

cido o inter-relacionamento entre os conceitos de conservação ambiental e desenvolvimento

socioeconômico, quando entre os fatores da degradação ambiental foram incluídos os efeitos

causados pela falta de desenvolvimento. Nos anos seguintes, os estudos se avolumaram, mere-

cendo destaque o terceiro relatório do Clube de Roma, em 1976, a respeito da insegurança

alimentar e da nova ordem mundial. Em seguida, durante os anos 80, em vista dos vários alertas

e do aparente agravamento da situação ambiental global, as Nações Unidas encarregaram uma

comissão internacional de alto nível, presidida pela então Primeira Ministra da Noruega, Mrs. Gro

Brundtland, de efetuar um amplo estudo a respeito dos problemas globais relacionados com am-

biente e desenvolvimento. O Relatório Brundtland foi publicado como um livro: “Nosso futuro

comum” (UN WORLD COMMISSION ON ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT,

1987), que se tornou “best seller” de ampla repercussão e levou as Nações Unidas a organizarem a

Conferência do Rio de Janeiro sobre Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92. Ainda na década

de 80, como resposta à crescente pressão da comunidade científica internacional, foi iniciado um

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AMBIENTE NA TERRA Evolução

grande programa internacional e interdisciplinar, o Programa Internacional Geosfera-Biosfera,

o IGBP, cujas atividades continuam intensas até o presente, e cujos objetivos são os de descrever

e entender os processos interativos físicos, químicos e biológicos que regulam o Sistema Terra,

bem como as mudanças que ocorrem neste sistema, e a maneira em que são influenciadas pelas

atividades humanas. No final da mesma década de 80, foi instituído o Painel Intergovernamental

para Mudanças Climáticas, o IPCC, para auxiliar na formação de políticas públicas a partir de

relatórios sobre aspectos científicos conhecidos a respeito de mudanças climáticas.

Se a Conferência da ONU sobre o Desenvolvimento Humano, Estocolmo-72, fez despertar

a humanidade para a questão ambiental e para o ecodesenvolvimento, a Rio-92 acabou sendo

a maior reunião de chefes de Estado da história da humanidade, fazendo com que a questão

ambiental e suas relações com o desenvolvimento se tornassem assunto familiar, amplamen-

te conhecido no mundo inteiro. Houve diversos acordos importantes, como as convenções

sobre clima e sobre biodiversidade. O principal documento resultante, a Agenda 21 (SENADO

FEDERAL, 1997), mostrou que já existiam capitais, tecnologia e conhecimento especializados,

suficientes para enfrentar a poluição ambiental e o desperdício de recursos naturais. Além disso,

incorporou o conceito de “desenvolvimento sustentável”, que já havia sido caracterizado no

Relatório Brundtland, e mostrou que proteção do ambiente, desenvolvimento socioeconômico

e erradicação da pobreza eram elementos absolutamente interligados.

13.2 Desenvolvimento SustentávelDesenvolvimento sustentável significa uma situação de justiça social, para toda a humani-

dade, onde o desenvolvimento socioeconômico seria atingido em harmonia com os sistemas

de suporte da vida na Terra. Em tal situação, todas as necessidades básicas da presente geração, e

alguns de seus desejos, estariam satisfeitos, sem prejuízos para as gerações futuras (CORDANI,

U.G., 1995). A dificuldade principal para a sustentabilidade global é a da expansão populacional.

Foram necessárias talvez umas 100.000 gerações para que o Homo Sapiens atingisse uma popu-

lação de seis bilhões de pessoas. Apesar de todas as advertências, desde Malthus até o Clube de

Roma e o Relatório Bruntland, parece que não escaparemos do fato de que a população mun-

dial praticamente dobrará ainda durante o século XXI (figura 13.1a e b). A questão essencial

é a seguinte: a Terra é finita e os seus sistemas de suporte para a vida são limitados (SKINNER,

B.J., 1989). Para quantas pessoas os recursos terrestres seriam suficientes para uma vida decente?

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AS CIÊNCIAS DA TERRA 13

O uso de energia é um dos melhores indicadores de desenvolvimento, tendo em vista que

muitos indicadores sociais (por exemplo, mortalidade infantil, expectativa de vida, índice de

alfabetização, índice de fertilidade total etc.) podem ser claramente correlacionados com o

consumo de energia per capita. No caso do índice de desenvolvimento humano (HDI), utili-

zado em muitos relatórios da ONU, verifica-se que ele é pouco maior do que 0.8 e permanece

essencialmente constante para os países desen-

volvidos, independentemente de seu consumo

de energia, como pode ser visto na figura

13.2 (GOLDEMBERG, J., 1996). O valor de

1 toe per capita por ano parece ser adequado

como valor mínimo para um nível de vida

aceitável, em termos de HDI. Ao mesmo

tempo, o gráfico HDI vs. uso de energia mostra

que há enorme desperdício de energia em

alguns países desenvolvidos. Por exemplo, por

que os países norte-americanos precisam utili-

zar praticamente o dobro de energia per capita,

em relação aos países da Europa Ocidental?

Ou por outra, o que ocorreria neste planeta se

Figura 13.1: Crescimento populacional. a) População mundial no último milênio. b) Projeções para o crescimento populacional

Figura 13.2: Índice de desenvolvimento humano (idh) vs. Consumo energético

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AMBIENTE NA TERRA Evolução

a inteira população mundial pudesse alcançar o nível de consumo de energia dos Estados

Unidos e do Canadá? O gráfico indica claramente que uma situação de sustentabilidade global,

em que os países em desenvolvimento possam utilizar energia em níveis aceitáveis e compatí-

veis com a disponibilidade de recursos, deve ser acompanhada por uma redução importante nos

níveis de consumo exagerado exibidos por muitos países industrializados.

Globalmente, os padrões de consumo atuais são seguramente não-sustentáveis. Com nosso

planeta “finito”, e com seus recursos diminuindo continuamente, como será possível administrar

uma vida “decente” para dez ou onze bilhões de pessoas? Obviamente, os países industrializados

se iludem pensando que podem permanecer indefinidamente com práticas socioeconômicas

consumistas. Por outro lado, em seu caminho para o desenvolvimento socioeconômico, os

países emergentes não poderão repetir os padrões não-sustentáveis que incluem desperdício e

consumo excessivo.

13.3 Aquecimento GlobalLamentavelmente, progressos reais na sequência da Rio-92 foram muito pequenos. Países

doadores não cumpriram suas metas nem os compromissos de ajuda externa. Países emergentes

de maior território, como a China, o Brasil e a Índia, cresceram em população e economia, e

passaram a consumir mais recursos naturais. Houve muita discussão a respeito de clima, bio-

diversidade, população, economia e recursos. Houve várias tentativas de colocar em prática os

acordos da Rio-92, como o Protocolo de Kyoto, o instrumento que deveria estar implementando

as resoluções da convenção climática, mas a agenda da ONU acabou sendo tomada muito mais

pelos conflitos mundiais que ocorreram recentemente, e menos com as questões ambientais.

Nas duas últimas décadas, houve muita discussão, especialmente no tocante aos assuntos do IGBP

ou do IPCC. Em 2002, em Johannesburg, ocorreu a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento

Sustentável, a Rio+10. Nela ficou claro que as metas estabelecidas na Rio-92 nada tinham per-

dido de sua urgência. O assunto mais debatido na conferência foi o da convenção climática, visto

que muitos países deveriam assumir suas responsabilidades na proteção do clima, contribuindo

para a redução das emissões de gases relevantes para o assim chamado problema do aquecimento

global. Entretanto, os que lá estiveram não estavam dispostos a adotar metas precisas e fixar datas.

Mais recentemente, na reunião de Copenhagen de 2010, também organizada pela ONU, ocorreu

nova desilusão pela incapacidade política de conseguir um acordo internacional efetivo a respeito

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AS CIÊNCIAS DA TERRA 13

da redução global de gases de efeito estufa. No momento, encontra-se em preparação a Rio+20,

que deverá ser realizada de novo no Rio de Janeiro, em 2012.

13.4 O papel das Ciências da TerraA importância da Geologia nas questões ambientais é inquestionável. Das atividades geológicas

dependem grandemente muitas áreas cruciais para a sustentabilidade do planeta. Os pesquisa-

dores e profissionais das Geociências têm a responsabilidade pelo conhecimento que têm dos

fenômenos inerentes à dinâmica natural do planeta Terra, bem como pelo manejo tecnológico

de muitos processos e materiais que ocorrem em sua superfície, ou próximo desta. Em virtude

do crescimento das questões ambientais, e também da constatação de que o planeta Terra é um

sistema em que a maioria de seus fenômenos naturais é interconectada, e de âmbito global, as

Ciências da Terra seguramente terão um papel de importância crescente, tanto para a obtenção

do conhecimento, melhor possível, de como funciona o nosso planeta como para determinar os

muitos caminhos e tecnologias necessárias para o gerenciamento de atividades sustentáveis.

A Geologia aparece, a partir do final do século XVIII, como uma das Ciências Naturais, com

os objetivos de caracterizar e buscar a significação de minerais, rochas, fósseis e tudo o que não

fazia parte da matéria viva na superfície da Terra. Em vista da curiosidade que sempre acompa-

nhou o gênero humano, ela continuará a ser objeto da atenção de geólogos com vocação para

a pesquisa científica, e será naturalmente essencial para o seu próprio desenvolvimento e para o

entendimento da dinâmica do planeta em que vivemos. Por outro lado, atividades que podem

ser consideradas “geológicas” existem desde a pré-história, e a Geologia a serviço da sociedade

está ligada às suas próprias origens, quando os primeiros mineiros buscaram e forneceram bens

minerais para vários usos, e quando foram desenvolvidas certas técnicas de extração de recursos

utilizados pelo Homem. Durante séculos, este foi o principal papel socioeconômico da Geologia.

Nas últimas décadas, entretanto, ocorreram grandes transformações na atuação da Geologia.

Em quase todos os países, sejam eles desenvolvidos ou não, os serviços geológicos ou entidades

congêneres já efetuaram profundas reformulações estruturais, de certa forma impostas pelas res-

pectivas sociedades, para poder atuar em atividades voltadas para o ambiente. Em vista disso, de

que forma podem e poderão contribuir as Ciências da Terra numa sociedade sustentável? Existem

pelo menos seis missões fundamentais voltadas para atender às necessidades da sociedade a serem

exercidas para garantir situações de sustentabilidade, e que serão enfatizadas a seguir. Trata-se de

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AMBIENTE NA TERRA Evolução

ações relacionadas com recursos minerais e energéticos, água potável e solo arável, bem como o

monitoramento do Sistema Terra quanto a mudanças climáticas e desastres naturais.

13.4.1 Busca, gerenciamento e fornecimento de recursos minerais

Praticamente, todos os objetos, equipamentos, construções, feitos pelo homem, e quase

todas as formas de energia por ele utilizadas, têm a participação de bens minerais. A sociedade

mais e mais fica dependente desses bens para a sua sobrevivência e bem-estar, à medida que a

população mundial cresce e a tecnologia se desenvolve. A busca e o fornecimento de minerais

sempre foram a missão original e mais visível das Geociências a serviço da sociedade. Todavia,

esses são bens não renováveis e, em geral, têm distribuição errática, o que lhes aumenta o custo

de extração e aproveitamento (SUSLICK, S.B. e outros.2005).

Levando em conta todos os tipos de ações humanas na superfície da Terra, desde construções

urbanas e estradas até mineração, sabe-se que nos países industrializados, onde há informações,

o consumo médio anual de recursos minerais per capita situa-se entre 15 e 20 toneladas . Nos

países em desenvolvimento, é muito menor, mas estima-se que cada indivíduo neste planeta

utilize em média cerca de 8-10 toneladas anuais, o que significa que o movimento global anual

seria da ordem de 50-60 bilhões de toneladas. Ou seja, o fluxo de material movimentado pela

ação antrópica na superfície da Terra é da mesma ordem de grandeza daquele resultante da

somatória de processos naturais da dinâmica do planeta, e o homem é atualmente um fator

geológico dos maiores e, possivelmente, é o mais efetivo agente geomorfológico.

Especificamente no caso de recursos minerais, a demanda seguramente vai crescer com a

expansão populacional. Além disso, a mineração continuará a ser essencial para a sociedade, com

a continuada incorporação de materiais pouco ou nada utilizados anteriormente, bem como a

manutenção e expansão das novas tecnologias. No futuro, as indústrias poderão ser muito dife-

rentes das de hoje em dia, mas continuarão a necessitar de materiais oriundos do subsolo. Novos

nichos para as operações mineiras terão de ser encontrados em regiões mais profundas da Terra

e também em domínios oceânicos. Apesar da reciclagem industrial, bem como da substituição

de metais por plásticos ou outros materiais sintéticos, o fluxo de materiais na superfície da Terra

deverá continuar em grande escala.

Entre as várias distorções socioeconômicas que ainda persistem nas relações Norte-Sul a

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AS CIÊNCIAS DA TERRA 13

mineração é uma das mais importantes. Para os países em desenvolvimento, onde ocorre grande

parte das extrações de bens minerais, os preços dos minérios (considerados mercadorias padro-

nizadas ou “commodities”) são fixados em níveis quase sempre baixos, sob controle dos países

consumidores, e dessa forma boa parte das operações mineiras é predatória, com reflexos futu-

ros imprevisíveis para os países que as abrigam. Além disso, o fornecimento de recursos minerais

apresenta grandes flutuações, na escala global, em função da evolução imprevista de diversos

fatores socioeconômicos. Por exemplo, nos anos 80, a mineração entrou em séria recessão por

causas diversas, entre as quais a redução da demanda, em vista do aumento da reciclagem indus-

trial e da substituição de metais por novos materiais. Ao contrário, na primeira década do século

XXI, o crescimento econômico de vários países, e especialmente da China, provocou grande

aumento nos preços de certas “commodities” mineiras, favorecendo os países produtores, como

foi o caso do Brasil em relação ao Ferro (Figura 13.3), ou o Chile em relação ao Cobre. Por

outro lado, a crise econômica global de 2008-2009, de certa forma, estabeleceu novo patamar

para os preços dos minérios.

Figura 13.3: Evolução no preço de vários tipos de Minério de Ferro Período 1993 – 2005 – MME, Brasil

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AMBIENTE NA TERRA Evolução

Para a extração de qualquer recurso mineral devem ser considerados devidamente os custos

indiretos decorrentes da escassez do bem, e aqueles relativos à degradação ambiental provocada

pelas operações mineiras (ASWATHANARAYANA, U., 2003). Cada vez mais, e com razão, as

populações estão preocupadas com o impacto ambiental das operações mineiras. Em consequ-

ência disso legislações ambientais severas foram estabelecidas em certos países industrializados,

o que acarretou o aumento dos custos operativos de muitas empresas mineiras, no sentido de

restaurar o ambiente e estabelecer condições de mantê-lo limpo. Em vista disso, essas empresas

do setor mineral têm buscado alternativas que lhes permitam a melhor combinação possível de

custo-benefício, levando em conta potencial mineral e arcabouço institucional. Exemplo disso

é o fechamento de muitas minas de cobre no Canadá, nos últimos vinte anos, apesar das boas

qualidades e das reservas importantes de minério, e a transferência das atividades das empresas

mineiras (tanto canadenses quanto multinacionais) para outros países, como o Chile, onde se

instalaram com custos operacionais menores.

Nesse cenário, é claro que o custo das commodities minerais para os consumidores deverá

aumentar em função dos custos ambientais. Em consequência, o planejamento de qualquer

extração mineral deverá considerar com cuidado, desde o princípio, fatores tais como a escassez

do bem mineral, a degradação ambiental causada pela mineração, o gerenciamento dos rejeitos,

bem como a restauração da paisagem após o término das operações mineiras. A mineração tem

sido olhada pela sociedade como um dos maiores inimigos do ambiente (Figura 13.4).

Entretanto, se for comparada com outros processos sociais, como por exemplo a urbanização, a

Figura 13.4: Garimpo de Poconé, MT

199

AS CIÊNCIAS DA TERRA 13

indústria ou a agricultura, ela tem consequências muito menores para o ambiente, por ser loca-

lizada, afetando normalmente áreas reduzidas, e ser temporária, visto que a vida média de uma

mineração, por mais importante que seja, é de não mais do que algumas décadas. Em última

análise, são os geólogos e demais profissionais envolvidos com mineração que terão a missão de

determinar a melhor maneira de retirar os bens minerais disponíveis na natureza, minimizando

os rejeitos e os custos ambientais, e proporcionando melhor planejamento, estabilidade e avanço

social nas atividades extrativas, sempre em um clima de desenvolvimento sustentado. Se os

empreendimentos mineiros forem bem planejados, com os devidos cuidados ambientais, a mi-

neração, na verdade, atua como defensora do ambiente. Exemplo paradigmático é oferecido

pela mineração de escala muito grande operada pela Cia. Vale do Rio Doce em Carajás. Os

depósitos minerais foram descobertos nos anos 60 e as operações mineiras foram desenvolvidas

a partir dos anos 70. A mineração em si começou logo após, cuidando ao mesmo tempo de

grande área florestada que deveria ser conservada intacta, a Floresta de Carajás (Figura 13.5a).

Cerca de 25 anos depois, essa área florestada permanece de fato intacta, enquanto enorme área

da região vizinha foi devastada por urbanização descontrolada (Figura 13.5b). Olhando

Figura 13.5: Desmatamentamento na região de Carajás. a) 1975. b)2000

200

AMBIENTE NA TERRA Evolução

especificamente a região da Vale do Rio Doce, na figura 13.6, verifica-se que, apesar da enorme

jazida em exploração, apenas cerca de 2% da região foi desmatada, com o compromisso da

mineradora de restaurar o ambiente após a plena extração do bem mineral.

2 - Busca, gerenciamento e fornecimento de recursos energéticos

Um componente importante que influencia a qualidade de vida é a disponibilidade de

energia para quaisquer atividades (GOLDEMBERG, J.; VILLANUEVA, L.D., 2003). Em nosso

mundo, há muitas regiões diferentes e algumas nações necessitam de mais energia do que outras.

Por outro lado, está claro (ver, por exemplo, figura 13.2) que diversas nações desenvolvidas

consomem mais energia do que realmente precisam.

Presentemente, o grosso da energia produzida no mundo provém da combustão de com-

bustíveis fósseis, petróleo, carvão e gás natural, que não são recursos renováveis e que sempre

estiveram na esfera de atividades dos profissionais das Geociências. Em especial, petróleo no

momento é a fonte de energia mais importante no mundo. Computando-se as reservas exis-

tentes, e estimando-se as que ainda poderão ser desenvolvidas no futuro, petróleo e gás serão

suficientes pelo menos até o fim do século. Por outro lado, mesmo que possa ser explorado o

potencial existente em áreas remotas e em águas profundas dos oceanos, e que a recuperação

dos fluidos em seus reservatórios possa ser melhorada, esses recursos poderão esgotar-se em

Figura 13.6

201

AS CIÊNCIAS DA TERRA 13

três ou quatro séculos, se continuar a sua utilização no ritmo presente e levando em conta

o crescimento populacional. Carvão mineral ainda poderá ser utilizado por mais tempo pela

humanidade, mas de qualquer forma trata-se, também, de recurso não renovável. Países extre-

mamente populosos, como a China e a Índia, estão utilizando energia produzida de carvão e

dela dependerão ainda por muito tempo.

Pelo exposto, embora petróleo, gás e carvão sejam recursos não-renováveis, ainda permane-

cerão como essenciais e estratégicos para a sociedade durante muitas décadas. Por outro lado, a

humanidade terá de resolver, a médio prazo, a questão da disponibilidade de fontes alternativas

de energia limpa, renovável, sustentável, de utilização com impacto ambiental mínimo, com

custo suportável e em quantidade compatível com as necessidades futuras. Nesse sentido, entre

outras menos desenvolvidas, as fontes alternativas principais são as de energia hidroelétrica,

nuclear, geotérmica e solar.

Energia hidroelétrica pode ser um excelente complemento para a matriz energética em al-

gumas regiões, mas não pode ser uma solução definitiva global, visto que muitos países não têm

potencial suficiente em seus rios. Energia nuclear, alternativa utilizada intensamente em alguns

países, como a França ou o Japão, apresenta diversos problemas cruciais ainda não resolvidos,

como a questão dos rejeitos e da segurança dos reatores. Energia geotérmica tem condição de

ser desenvolvida em algumas regiões vulcânicas do globo com elevado fluxo térmico, como

a Islândia, a Nova Zelândia ou o Chile. Finalmente, energia solar em suas múltiplas vertentes

(fotovoltaica, biomassa, vento, mares, correntes oceânicas), poderá vir a ser a fonte de energia

mais adequada, (e talvez definitiva para a humanidade) quando forem desenvolvidos dispositivos

tecnológicos mais eficientes a custos razoáveis.

Com relação a impactos ambientais, os combustíveis fósseis têm um grande problema asso-

ciado, visto que a sua queima está mudando rapidamente a química da atmosfera pelas enormes

quantidades de gás carbônico emitidas por veículos, sistemas de aquecimento, usinas industriais

etc. Essas emissões parecem ser o fator de maior impacto no aumento do efeito estufa e do

aquecimento global. Além disso, há degradação ambiental associada à mineração de carvão,

e há também a possibilidade de acidentes desastrosos durante as extrações e o transporte de

petróleo, como ocorreu em 2010 com a quebra de tubulações submersas no Golfo do México,

que produziu um enorme desastre tecnológico. Outros tipos de fontes de energia também

têm os seus calcanhares de Aquiles. Energia hidroelétrica é muito dependente do regime de

chuvas e as barragens necessitam de muito espaço, submergindo áreas importantes. Energia

202

AMBIENTE NA TERRA Evolução

nuclear apresenta o problema dos rejeitos radioativos, cujos sítios de armazenamento “definiti-

vo” devem ser buscados de modo racional. Além disso, há riscos de desastres tecnológicos, como

o vazamento de material altamente radioativo em Tchernobil, na Ucrânia, em 1985 e mais re-

centemente em Fukushima, no Japão, após o forte terremoto seguido do tsunami devastador de

2011. Finalmente, energia geotérmica tem associação direta com vulcões ativos, o que apresenta

risco intrínseco relacionado com possíveis atividades vulcânicas destrutivas.

Os desafios maiores em relação ao desenvolvimento das fontes alternativas de energia

foram assumidos por físicos, engenheiros, químicos e outros; entretanto, os profissionais das

Geociências poderão colaborar nos aspectos regionais em que as condições geológicas tenham

importância fundamental, tais como os locais para a localização das usinas geotérmicas, ou os

sítios de colocação dos rejeitos radioativos, bem como os estudos relativos à implantação de

grandes barragens para usinas hidroelétricas.

13.4.3 Conservação e gerenciamento de recursos hídricos

Água doce é um dos bens naturais mais preciosos, possivelmente o mais importante para o

bem-estar da humanidade, e seguramente o fator mais crítico para o desenvolvimento susten-

tável global, em vista da expansão populacional que levará o planeta a ter de tomar conta de

10-11 bilhões de pessoas, ainda neste século XXI (REBOUÇAS, A. DA C., 1999).

As águas subterrâneas, que na atualidade são um dos principais campos de atuação dos

geólogos, constituem as principais reservas de água doce aproveitável para o homem. Os reser-

vatórios subterrâneos, denominados aquíferos, representam cerca de 98% to total de água doce

do mundo, ocorrendo em praticamente todos os ambientes geológicos e nos mais diversos tipos

de rocha, preenchendo espaços entre grãos ou nos fraturamentos. O seu volume de água, muito

maior do que o das águas superficiais, permite certa tranquilidade em relação à disponibilidade

do recurso no futuro, isto sem pensar na possibilidade alternativa de dessalinização da água do

mar. Por outro lado, por causa da distribuição desigual das águas superficiais alimentadas pelas

chuvas, em muitas regiões as águas subterrâneas constituem-se na única fonte de abastecimento.

Além disso, apesar do seu emprego crescente para utilização humana e animal, na irrigação e na

indústria, o conhecimento sobre esse recurso ainda é relativamente pequeno em certas regiões,

em especial as menos desenvolvidas.

As águas superficiais, em várias regiões e países, já sofrem os efeitos da superexplotação, e em

203

AS CIÊNCIAS DA TERRA 13

muitos casos a poluição de seus reservatórios. Entretanto, a renovação rápida das águas superficiais

permite a sua recuperação, em tempo razoável, se forem tomadas as medidas adequadas. Por outro

lado, nos aquíferos subterrâneos, a velocidade de fluxo é muito baixa, de modo que podem ser

necessários centenas ou milhares de anos para que, a partir da incidência de chuva ou da infiltração

de rios, as águas cheguem ao seu destino. Nesse caso, superexplotação pode ser extremamente

danosa, quando a retirada de água é inferior à recarga natural. É o caso das reservas de água “fóssil”,

armazenadas em épocas com regimes climáticos diferentes, com muita chuva, e que podem ser

utilizadas de modo exagerado, causando diminuição drástica e até esgotamento. Com efeito, em

muitas partes do mundo, os aquíferos subterrâneos são fontes maiores, ou mesmo únicas, de

abastecimento, e nesse caso sua explotação desordenada constitui-se num problema maior.

Quando bem pesquisadas e explotadas, as águas subterrâneas podem ter um papel de enorme

alcance social. A partir da década de 80, os países industrializados, preocupados com a conta-

minação por resíduos industriais, lixos urbanos e pesticidas, começaram a se preocupar também

com a qualidade das águas subterrâneas. Por um lado, os aquíferos estão mais protegidos da po-

luição e, portanto, não necessitam de tratamento importante para o uso da população, o que, ao

lado dos custos de captação e distribuição mais baixos em relação às águas superficiais, as torna

mais econômicas. Por outro lado, todo cuidado é pouco em sua conservação e gerenciamento,

pois eles são muito vulneráveis à poluição, em contraste com as águas de superfície, que são

constantemente renovadas pelo ciclo hídrico. Não é esse o caso dos aquíferos, quando poluição

deve ser sempre evitada, tendo em vista que a sua recuperação é muito difícil, e até mesmo

impossível em muitos casos.

Finalmente, cabe aos geólogos o gerenciamento das águas subterrâneas, armazenadas nos di-

ferentes sistemas de aquíferos, bem como estabelecer os mecanismos para a sua proteção. Entre

as iniciativas geológicas mais importantes estão as investigações sobre recargas, fluxo e descargas

nos sistemas superficiais e o mapeamento dos reservatórios subterrâneos. Além disso, é também

importante o papel dos geólogos para estudos de impacto ambiental e desenvolvimento de

estratégias para a conservação dos aquíferos.

13.4.4 Conservação e gerenciamento de solos agrícolas

Os solos são sistemas de suporte fundamentais para a vida humana e o seu bem- estar.

Neles se assentam as culturas agrícolas, de onde vem a alimentação principal da humanidade.

204

AMBIENTE NA TERRA Evolução

Construímos sobre e neles; plantamos neles e deles colhemos os vegetais que formam a base

da nossa comida. Neles vivem milhões de organismos e micro-organismos responsáveis por

múltiplas reações bioquímicas, desde a fixação do nitrogênio da atmosfera até a decomposição

de matéria orgânica, que irão produzir os materiais necessários à cadeia alimentar que termina

em nós, humanos. O devido cuidado com os solos para o seu aproveitamento adequado só traz

benefícios, mas, se maltratados ou retirados, podem ser gerados muitos problemas.

Para o gerenciamento dos solos, a principal característica que tem de ser levada em conta em seu

manejo, é a de que eles, como produto final da alteração intempérica das rochas, levam muito tempo

para serem formados. Sua taxa de produção é de não mais do que alguns milímetros por ano, na

dependência de clima, tipo de rocha do subsolo e de condições geomorfológicas. Isto quer dizer que

certos solos podem levar milhares de anos para se formar e, portanto, têm de ser considerados na

prática como recursos não renováveis. Em consequência, a sua conservação através de procedimen-

tos adequados é de extrema importância (JAMES, C. e outros. 1992). Por exemplo, se forem mal

manejados por utilização exagerada de mecanização, ou cultivo em declives, ou desflorestamento,

haverá enormes perdas de terras aráveis, que irão parar nos oceanos, sem possibilidade de reposição

(Figura 13.7). Além disso, em regiões utilizadas exaustivamente para agricultura, outras atividades

antropogênicas inadequadas, tais como uso incorreto de fertilizantes e pesticidas, ou salinização

devido à irrigação malfeita, podem levar rapidamente à toxificação e à degradação geral dos solos.

Figura 13.7: Grande voçoroca formada por erosão em sedimentos

205

AS CIÊNCIAS DA TERRA 13

Com o aumento da população mundial ao longo deste século XXI, serão necessários muito

mais alimentos em quantidade e qualidade. Grande parte deverá corresponder à produtividade

mais elevada, em especial por parte dos países em desenvolvimento. Outra parcela deverá vir da

expansão de terras aráveis, e o restante de colheitas mais frequentes. Para evitar a desestruturação

de muitos solos no mundo, trazendo repercussão ao meio ambiente, além do aumento do custo

por unidade produzida, deverão ser gradualmente substituídas as práticas agrícolas baseadas

em maciças doses de fertilizantes e pesticidas, bem como determinadas formas de agricultura

mecanizada, as quais normalmente acarretam grandes perdas de solos aráveis.

Obviamente, para uma economia agrária global sustentável, a erosão do solo e a degradação

da terra não podem exceder a acumulação de solos novos, formados pelos processos naturais de

alteração de rochas. Cabe aos geocientistas, neste caso em colaboração direta com agrônomos,

biólogos, geógrafos e demais pesquisadores interessados, zelar pela conservação dos solos e sua

adequada utilização. Finalmente, há uma relação estreita entre a geologia e a saúde humana, visto

que os materiais consumidos pelo homem provêm, em última análise, do material geológico que

se encontra na natureza. Esta relação é óbvia quanto ao uso de água potável. Por outro lado, a

relação com o solo é também fundamental, visto que, desde o alimento que consumimos à poeira

e gases que respiramos, tudo está relacionado à geologia e às partículas minerais contidas nos solos.

O próprio homem e os demais seres viventes são repositórios de bens minerais, essenciais à vida.

Esta constatação deu origem recentemente ao aparecimento de uma nova disciplina, a Geologia

Médica. Nessa disciplina, os geólogos têm de interagir com médicos e outros profissionais da saúde

para identificar com segurança as características geoquímicas de solos, sedimentos, rochas e água,

que podem causar impacto direto ou indireto à saúde humana ou animal.

13.4.5 Monitoramento do Sistema Terra em relação às mudanças climáticas

Nosso planeta apresenta dinâmica natural muito intensa, com flutuações em quaisquer escalas

de tempo, e cabe aos geocientistas, em especial os voltados para as ciências da atmosfera, o seu

monitoramento, através de observações regionais e globais coordenadas, efetuadas na superfície

do planeta. Trata-se de medições sistemáticas de temperatura, incidência de chuvas e outras de

relevância para o estudo do clima, o que está sendo realizado por muitos observatórios, por

satélites, por levantamentos temáticos específicos locais ou regionais etc. Com a constatação

206

AMBIENTE NA TERRA Evolução

de que o planeta é finito, sabe-se que há limites que não deveriam ser transgredidos pela ação

humana, sob pena de criar dificuldades irreversíveis. Por isso, o planejamento ambiental para a

tomada de decisões corretas é crucial, inclusive para reverter certas tendências não sustentáveis,

sendo absolutamente necessário o entendimento dos processos que fazem funcionar o Sistema

Terra (JACOBSON, M.C.; CHARLSON, R.J.; RODHE, H.; ORIANS, G.H., 2000). Cada

vez mais as decisões políticas, em nível nacional ou internacional, dependem desse conheci-

mento e da capacidade de previsão de eventos futuros de modo realístico (FYFE, W.S., 1997).

No caso das mudanças climáticas, as variações podem ser muito lentas e graduais, com

efeitos aparecendo a longo prazo, na escala de tempo de décadas ou séculos, mas que podem

revelar-se catastróficos e sem condições de serem impedidos ou controlados. Os programas

científicos internacionais instituídos na década de 80, o IGBP e o IPCC, indicam que aumen-

tam, continuamente, certos gases na atmosfera pela queima de combustíveis fósseis. Este fato

estaria provocando aumento no efeito estufa natural - aquele que condiciona uma temperatura

média amena e favorável à vida na superfície da Terra - levando à instalação do que se conven-

cionou chamar de “aquecimento global”. Entre outros problemas graves, uma consequência facil-

mente previsível seria a de que boa parte das geleiras existentes nas calotas polares da Terra

Figura 13.8: Introdução de gases de efeito estufa na atmosfera por ação antrópica

207

AS CIÊNCIAS DA TERRA 13

derreteria, causando um aumento de muitos decímetros no nível médio dos oceanos, e, obvia-

mente, condições desastrosas para muitas das regiões litorâneas do planeta.

Em especial, em seu quarto relatório, de 2007, o IPCC concluiu que nas últimas três décadas

houve aquecimento global inequívoco da superfície do planeta, consubstanciado por medidas

observacionais da temperatura média global de oceanos e da atmosfera. Ao continuar, nas próxi-

mas décadas, a humanidade sofreria por causa de extremos climáticos decorrentes de uma maior

dinâmica da troposfera, acompanhada do aumento do nível do mar já mencionado, grandes

inundações, e migração do zoneamento climático, afetando a biodiversidade. Esse relatório

atribuiu esse aquecimento global observado, com grande probabilidade, à ação antropogênica

que teria provocado grande aumento dos gases de efeito estufa na atmosfera desde o início da

Revolução Industrial do século XVIII até os dias de hoje (Figura 13.8). Por outro lado, os

modelos teóricos que procuram reconhecer os impactos antropogênicos sobre as mudanças

climáticas ainda são discutidos, visto que as relações de causa e efeito entre processos aparente-

mente conectados não estão plenamente caracterizadas.

Entre os geocientistas, que verificam no registro geológico do passado a grande variabilidade

natural do clima, há certo ceticismo em relação à importância do fator antropogênico nas mudan-

ças climáticas observadas. São conhecidas grandes variações climáticas no tempo geológico, e es-

pecialmente as glaciações do período Quaternário (os últimos 2-3 milhões de anos). No momento

encontramo-nos num período interglacial, em que o nível dos mares é próximo de seu máximo

(Figura 13.9). A temperatura média do planeta está diminuindo gradualmente, de maneira muito

lenta, a partir do fim do último período glacial, e o seu registro nos últimos 18 mil anos apresenta

Figura 13.9: Oscilações do Nível do Mar como conseqüência das glaciações do Quaternário nos últimos 600 mil anos.

208

AMBIENTE NA TERRA Evolução

flutuações climáticas, que se sucedem de forma mais ou menos cíclica (Figura 13.10 a, b e c).

Na própria história recente, flutuações climáticas são bem conhecidas, como o período quente da

era medieval (anos 900-1100) e a época denominada “Pequena idade do gelo” (anos 1500-1700)

(Figura 13.10b). Ou seja, a variabilidade natural do clima é evidente e pode exceder os efeitos

produzidos pelo homem. Além disso, há fatores geológicos que podem ter influência climática,

Figura 13.10: Flutuações na temperatura da Terra. a) A partir de 18 mil anos. b) A partir do ano 1000. c) A partir de 1870

209

AS CIÊNCIAS DA TERRA 13

como, por exemplo, as grandes erupções vulcânicas, e também fatores relacionados com possíveis

variações na intensidade da radiação solar, de difícil caracterização.

Por outro lado, o clima continua a mudar, e a observação de um aquecimento global, indi-

cado pelo aumento gradativo da temperatura de cerca de 0,5 grau nas últimas quatro décadas

é factual (Figura 13.10c). Além disso, na atualidade, o impacto humano sobre as forçantes cli-

máticas parece ser muito importante. O assunto é de grande atualidade e tem a maior relevância

científica. Observações, investigações, modelagens, simulações etc. continuam, com grande in-

tensidade, no âmbito de programas como o IGBP. Em última análise, o clima continua a flutuar

naturalmente, com ou sem modificações importantes induzidas pelo Homem. Prevenção e

preparação são até possíveis; entretanto, seria muita pretensão imaginar que a humanidade possa

controlar e dirigir as mudanças climáticas futuras. A sociedade precisa adaptar-se às mudanças

sejam elas para dias mais quentes ou para dias mais frios, como sempre ocorreu na história da

humanidade.

13.4.6 Redução de desastres naturais

Fenômenos naturais, inerentes à própria dinâmica do planeta, podem por vezes provocar

grandes catástrofes, como é o caso de terremotos, erupções vulcânicas, ciclones tropicais, inun-

dações, deslizamentos de terra, secas prolongadas etc. Tais desastres podem acarretar importantes

perdas de vidas humanas e grandes danos materiais, com reflexos socioeconômicos (UNESCO,

1991). Conhecer, o melhor possível, os fenômenos naturais potencialmente causadores de gran-

des catástrofes é outra das missões originais dos geólogos, para poder fornecer às comunidades

vulneráveis os instrumentos para a sua prevenção ou prepará-las para a redução de seus efeitos.

A dinâmica interna da Terra condiciona os movimentos das placas tectônicas, em cujas inte-

rações ocorrem as principais manifestações de sua energia interna. Os terremotos e erupções

vulcânicas que ocorrem ao longo de seus limites são as maiores evidências dos seus movimentos

de aproximação ou afastamento relativo. Por outro lado, a dinâmica externa do planeta, cuja

energia tem origem na radiação solar, também pode produzir desastres naturais, que podem ser

agudos, como grandes inundações, furacões, tornados, ou deslizamentos de terra, ou crônicos,

como as grandes secas que assolam periodicamente certas regiões do globo. Os fenômenos

naturais potencialmente causadores de desastres, e que fazem parte da dinâmica do planeta, não

podem ser impedidos. Eles nada mais são do que manifestações normais inerentes aos processos

210

AMBIENTE NA TERRA Evolução

naturais do Sistema Terra, que em muitos casos podem ser violentas, implacáveis, levando à

destruição de parte da biosfera, incluindo-se aí o Homem e suas coisas. Desastres naturais

agudos, nas últimas quatro décadas, provocaram a morte de pelo menos quatro milhões de

pessoas, no mundo inteiro, e perdas enormes de propriedades. Por outro lado, desastres graduais,

como as secas, não foram menos complacentes: no mesmo período, somente no continente

africano, cerca de 200 milhões de pessoas foram afe-

tadas pela fome associada, com a morte de muitos

milhares. Não há possibilidade de levantar, em termos

econômicos, as perdas materiais diretas e indiretas re-

lacionadas com desastres naturais, mas as estimativas

existentes em alguns casos específicos situam-se na

ordem de grandeza de dezenas de bilhões de dólares.

Por outro lado, os riscos relacionados com os

fenômenos naturais são conhecidos, assim como as

áreas geográficas e as situações específicas de risco.

Estas são inúmeras, e não há como impedir a ocor-

rência desses fenômenos naturais potencialmente

causadores de desastres. Entretanto, em muitos casos,

muitos dos danos possíveis podem ser evitados, ou

pelo menos mitigados, por medidas preventivas

tais como o planejamento adequado da ocupação

humana ou a fabricação de construções e estruturas

apropriadas (por exemplo, antissísmicas). Ou seja,

aumentou muito a capacidade de defesa das socie-

dades, e as atitudes fatalísticas do passado em relação

aos desastres naturais não são mais aceitáveis. Muitas perdas de vidas seriam evitadas e muitos

danos materiais seriam diminuídos se algumas medidas de prevenção fossem tomadas a tempo.

Já existem conhecimentos tecnológicos específicos, e muito melhorou, nos anos recentes, a

capacidade de defesa das sociedades devidamente instruídas e educadas nas técnicas de pre-

venção, preparação e segurança. Os instrumentos principais são conhecidos: uma educação

adequada, desde a primeira infância, acompanhada de legislação adequada do país ou da região,

bem como investimentos nas áreas de prevenção e de segurança, e treinamento especializado

Figura 13.11: Devastação na região costeira de Sumatra (2004)

211

AS CIÊNCIAS DA TERRA 13

nos setores críticos. A preparação e a educação de populações inteiras para desastres naturais e

a implantação de sistemas de alarme também fazem parte das medidas possíveis de prevenção.

Catástrofes naturais podem ocorrer em qualquer parte do mundo, afetando tanto países

desenvolvidos como aqueles em desenvolvimento. Por exemplo, são emblemáticos os casos re-

centes de grandes terremotos que atingiram o Japão e a Indonésia, seguidos de tsunamis devas-

tadores (Figura 13.11a e b), ou grandes deslizamentos de terra acompanhados de corridas de

lama, como ocorreu na Venezuela em 1999 (Figura 13.12). Acresce que países em desenvolvi-

mento sofrem mais com desastres, por serem muito mais vulneráveis e menos preparados. Mais

de 90% de perda de vidas ocorre no mundo em desenvolvimento. Além disso, nesses países, que

têm menos recursos para a sua prevenção ou mitigação, as consequências são mais graves, cau-

sando sérios atrasos no desenvolvimento socioeconômico.

Cabe registrar que muitas ações humanas podem provocar desastres ou agravar as conse-

quências de desastres naturais. Em muitos casos, é impossível distinguir, nas causas diretas de

grandes catástrofes, os elementos naturais dos elementos humanos indutores, visto que estes

últimos estão sempre presentes, especialmente no tocante aos aspectos de vulnerabilidade.

Para dar alguns exemplos, desflorestamentos em encostas induzem deslizamentos de terra ou

Figura 13.12: Deslizamento de terra acompanhado de corrida de lama, na Cordillera de la Costa, Venezuela (1999)

212

AMBIENTE NA TERRA Evolução

aumentam a probabilidade de estes ocorrerem. Aglomerados urbanos sem as devidas precauções

de construções antissísmicas tornam catastróficas as possíveis ocorrências de terremoto. Da

mesma forma, serão duramente atingidas populações não preparadas para enfrentar situações de

ciclones tropicais ou de grandes inundações. Finalmente, devem ser considerados também os

assim chamados “desastres tecnológicos”, que acarretam principalmente danos ambientais de

grande monta, como a perda do controle sobre resíduos químicos tóxicos, ou, pior ainda, sobre

resíduos radioativos, como nos casos de Tchernobil e de Fukushima, ou como vazamentos

de petróleo em áreas populosas ou em regiões costeiras, ou nos oceanos, como recentemente

ocorreu no Golfo do México.

Pelo seu conhecimento específico, cabe aos geólogos e demais profissionais das ciências da

Terra lidar com as causas e em parte também com as consequências de desastres naturais. Tendo

em vista que a vulnerabilidade é o maior fator agravante, torna-se imperiosa uma mudança de

mentalidade, especialmente naquelas populações dos países mais vulneráveis a desastres. Ou seja,

ênfase muito maior deve ser conferida às atividades de planejamento, prevenção e preparação,

ao invés de manter atitude passiva e limitar-se às atividades posteriores de reparação dos danos

e restauração das estruturas sociais.

13.5 ConclusõesGeneralizando em termos da pressão exercida pela sociedade moderna sobre o meio am-

biente, os economistas gostam de utilizar a expressão I = f (P, C, T) (Figura 13.13), em que

impacto ambiental (I) é função de população (P), consumo per capita (C) e tecnologia de

produção (T) correspondente a esse consumo. Desde que tanto população quanto consumo per

capita tendem a crescer, um valor próximo de zero para (T) é essencial para a obtenção de

sustentabilidade, para manter o impacto ambiental dentro da capacidade de regeneração do

ambiente. Obviamente, para garantir nessa equação o valor da tecnologia de produção “T”

próximo de zero, a Ciência e Tecnologia em geral, e as Ciências da Terra em particular, têm um

papel essencial a exercer. Embora muitas dificuldades ainda se encontrem pendentes de uma

solução viável, (por exemplo, o problema não resolvido das fontes renováveis de energia), muitos

dos conhecimentos necessários para o desenvolvimento sustentável já são disponíveis, como

muitos tipos de tecnologias “limpas” para o ambiente, muitos processos de reciclagem industrial,

muitas técnicas de agricultura sustentável. No caso específico das Geociências, pelo que foi

213

AS CIÊNCIAS DA TERRA 13

exposto nos itens anteriores, é muito clara a sua relevância para o bem-estar da sociedade. No

conhecimento global do planeta, as Geociências possuem posição central e integradora, ao

fornecerem os elementos factuais a respeito de sua superfície, seus ambientes, relevo, clima,

solos, águas territoriais etc. e soluções tecnológicas para dificuldades advindas dos muitos pro-

cessos naturais do Sistema Terra.

Tanto em termos globais como regionais, para evitar decisões ambientais equivocadas, que leva-

riam a situações calamitosas a médio ou longo prazo, ou viriam a exigir enormes investimentos no

futuro para a sua remediação, torna-se cada vez mais crítico o planejamento correto das ações de de-

senvolvimento. São os geólogos e outros profissionais das Geociências que possuem o conhecimento

principal dos problemas que afligem o planeta, e são eles, portanto, que têm a responsabilidade de

fazer chegar aos detentores de poder, aos legisladores, aos educadores, bem como às comunidades em

geral, a sua visão, e as suas possíveis propostas para enfrentar os desafios relacionados com o ambiente

em que vivemos e com o desenvolvimento socioeconômico regional.

Finalmente, para onde caminha a humanidade? Seria viável o sonho utópico do desenvol-

vimento sustentável? Claramente, seus rumos não podem ser considerados sem que tenhamos

uma visão global a respeito da sociedade em que estamos inseridos. Tendo em vista os muitos

problemas ambientais aqui apontados, e que tendem a se agravar, para onde caminha a Geologia,

nesta segunda década do século XXI? Sem dúvida, ela terá relevância crescente na questão

ambiental, e será indispensável para a definição dos caminhos a serem encontrados em busca de

situações de sustentabilidade.

Figura 13.13: Formulação empírica para o impacto ambiental de atividades humanas e sua dependência de tecnologias limpas.

214

AMBIENTE NA TERRA Evolução

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