E o que é Comunicação Comunitária?

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E o que é Comunicação Comunitária? Donizete Soares 1 Se comunicação é o mesmo que ação em comum, portanto, sempre coletiva; se, como fenômeno social, é uma expressão das relações que os homens estabelecem entre si; se nos últimos tempos o que tem vingado é um tipo especial de comunica - ção que, como tal, se impôs, encontrou e continua encontrando ressonância em meio ao corpo social que, por sua vez, aceitou e continua aceitando a condição de mero consumidor – então, não há o que dizer sobre a comunicação comunitária. É claro que não se pode generalizar, mas é igualmente claro o fato de que o núme- ro de pessoas que tem relações muito próximas, não raro de submissão, com esse tipo de comunicação é altamente significativo. Como negar, por exemplo, a quanti- dade de aparelhos de tevê anualmente vendida no Brasil? Como negar a maciça au- diência das emissoras de rádio, em geral, vendedoras de músicas e shows, mistura- dos a cremes, remédios, choros e dor de cotovelo? Como negar a influência da im- prensa escrita pautando informativos audiovisuais e enchendo os olhos de quem fo- lheia cadernos e revistas coloridas? Por outro lado, o que chamamos comunicação comunitária, com raríssimas exce- ções, nada mais é do que cópia mal feita da comunicação oficial/comercial. Utilizan- do os meios de comunicação comunitária legalizados, por exemplo, encontramos, na maioria das vezes, gente pensando e querendo fazer o mesmo que pensam e fa- zem os que trabalham na grande mídia. Valores, intenções e objetivos – não são os mesmos? A não ser a qualidade dos equipamentos que manipulam e, obviamente, a fama acompanhada da boa remuneração, há algo que os diferencia? Não sonham poder ocupar os mesmos lugares daqueles na programação ou nas redações? Tanto é assim que, independente do veículo em que atuam, absolutamente tudo vale: de falar como criança imbecilizada a vender qualquer tipo de coisa, passando por fazer-se engraçado, por pastor que expulsa demônio ou publicar receita de bolo... Vale tudo porque os valores, intenções e objetivos são exatamente os mes- mos: 'competir e vencer na vida' – não é isto o que realmente importa? Tão urgente quanto entendermos o que historicamente aconteceu e tem acontecido conosco é, objetivamente, avaliarmos as consequências desse feito bem sucedido, que é a comunicação oficial/comercial 2 . Caso contrário, nem ao menos conseguimos falar em comunicação comunitária, simplesmente porque, neste caso, não é o con- sumidor que interessa, mas homens e mulheres (o cidadão, se quisermos) decidin- do tanto o que querem para si mesmos e para os outros, como os lugares em que vivem ou querem viver. É possível que a rede mundial de computadores seja um forte aliado aos propósitos dos que se interessam ou venham a se interessar pelos reais objetivos da comuni- cação comunitária. Há, inclusive, quem venha se envolvendo com esta possibilida- de... Mas, infelizmente, também aí são muitos os que olham e tratam as pessoas como meros consumidores de ideias, produtos e serviços. 1 Professor de filosofia e diretor do INSTITUTO GENS 2 Leia também “Comunicação Oficial/Comercial”, disponível em http://www.portalgens.com.br/portal/comcom

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É mesmo possível falar em Comunicação Comunitária em nosso país?

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E o que é Comunicação Comunitária?Donizete Soares1

Se comunicação é o mesmo que ação em comum, portanto, sempre coletiva; se, como fenômeno social, é uma expressão das relações que os homens estabelecem entre si; se nos últimos tempos o que tem vingado é um tipo especial de comunica-ção que, como tal, se impôs, encontrou e continua encontrando ressonância em meio ao corpo social que, por sua vez, aceitou e continua aceitando a condição de mero consumidor – então, não há o que dizer sobre a comunicação comunitária.

É claro que não se pode generalizar, mas é igualmente claro o fato de que o núme-ro de pessoas que tem relações muito próximas, não raro de submissão, com esse tipo de comunicação é altamente significativo. Como negar, por exemplo, a quanti-dade de aparelhos de tevê anualmente vendida no Brasil? Como negar a maciça au-diência das emissoras de rádio, em geral, vendedoras de músicas e shows, mistura-dos a cremes, remédios, choros e dor de cotovelo? Como negar a influência da im-prensa escrita pautando informativos audiovisuais e enchendo os olhos de quem fo-lheia cadernos e revistas coloridas?

Por outro lado, o que chamamos comunicação comunitária, com raríssimas exce-ções, nada mais é do que cópia mal feita da comunicação oficial/comercial. Utilizan-do os meios de comunicação comunitária legalizados, por exemplo, encontramos, na maioria das vezes, gente pensando e querendo fazer o mesmo que pensam e fa-zem os que trabalham na grande mídia. Valores, intenções e objetivos – não são os mesmos? A não ser a qualidade dos equipamentos que manipulam e, obviamente, a fama acompanhada da boa remuneração, há algo que os diferencia? Não sonham poder ocupar os mesmos lugares daqueles na programação ou nas redações?

Tanto é assim que, independente do veículo em que atuam, absolutamente tudo vale: de falar como criança imbecilizada a vender qualquer tipo de coisa, passando por fazer-se engraçado, por pastor que expulsa demônio ou publicar receita de bolo... Vale tudo porque os valores, intenções e objetivos são exatamente os mes-mos: 'competir e vencer na vida' – não é isto o que realmente importa?

Tão urgente quanto entendermos o que historicamente aconteceu e tem acontecido conosco é, objetivamente, avaliarmos as consequências desse feito bem sucedido, que é a comunicação oficial/comercial2. Caso contrário, nem ao menos conseguimos falar em comunicação comunitária, simplesmente porque, neste caso, não é o con-sumidor que interessa, mas homens e mulheres (o cidadão, se quisermos) decidin-do tanto o que querem para si mesmos e para os outros, como os lugares em que vivem ou querem viver.

É possível que a rede mundial de computadores seja um forte aliado aos propósitos dos que se interessam ou venham a se interessar pelos reais objetivos da comuni-cação comunitária. Há, inclusive, quem venha se envolvendo com esta possibilida-de... Mas, infelizmente, também aí são muitos os que olham e tratam as pessoas como meros consumidores de ideias, produtos e serviços.

1 Professor de filosofia e diretor do INSTITUTO GENS2 Leia também “Comunicação Oficial/Comercial”, disponível em http://www.portalgens.com.br/portal/comcom