É o social, estúpido!

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1 É o social, estúpido! TRÊS CONFUSÕES QUE DIFICULTAM O ENTENDIMENTO DAS REDES SOCIAIS Augusto de Franco Junho de 2011 Em geral damos de barato que todo mundo já entende o que é sociedade- em-rede. Mas não se pode entender sociedade-em-rede sem entender o que é rede.

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É o social, estúpido! TRÊS CONFUSÕES QUE DIFICULTAM

O ENTENDIMENTO DAS REDES SOCIAIS

Augusto de Franco Junho de 2011

Em geral damos de barato que todo mundo já entende o que é sociedade-

em-rede.

Mas não se pode entender sociedade-em-rede sem entender o que é

rede.

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Três confusões – que a maioria das pessoas faz

entendimentos das redes:

1) confundir descentralizaç

2) confundir participaç

3) confundir o site da rede com a rede.

A PRIMEIRA CONFUS

Ninguém pode entender o que é rede se não entender a diferença entre

descentralização e distribuição.

O melhor caminho para e

distributed communications

mencionado paper sugiro espiar

1 BARAN, Paul. On distributed communications

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que a maioria das pessoas faz hoje em dia

entendimentos das redes:

confundir descentralização com distribuição;

confundir participação com interação; e

confundir o site da rede com a rede.

PRIMEIRA CONFUSÃO

inguém pode entender o que é rede se não entender a diferença entre

descentralização e distribuição.

O melhor caminho para entender tal diferença é ler o velho

distributed communications, que Paul Baran publicou em 1964

sugiro espiar diretamente a figura abaixo:

On distributed communications. Santa Mônica: Rand Corporation, 1964.

hoje em dia – dificultam o

inguém pode entender o que é rede se não entender a diferença entre

o velho paper On

blicou em 1964.1 No

abaixo:

Santa Mônica: Rand Corporation, 1964.

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Os diagramas de Baran são auto-explicativos. Mas as conseqüências que

podemos deles tirar não são.

O primeiro corolário relevante é que a conectividade acompanha a

distribuição. Inversamente, quanto mais centralizada for uma rede, menos

conectividade ela possui.

O segundo corolário relevante é que a interatividade acompanha a

conectividade e a distributividade. Inversamente, quanto mais

centralizada é uma rede, menos interatividade ela possui.

Essas leis regem o multiverso das interações (e valem, portanto, para o

que chamamos de sociedade-em-rede).

Chamamos de redes sociais as redes mais distribuídas do que

centralizadas. Redes mais centralizadas do que distribuídas são

hierarquias. É uma convenção, mas é uma convenção razoável.

A SEGUNDA CONFUSÃO

Pouca gente se dá conta, mas – no sentido da convenção acima – redes

sociais são ambientes de interação, não de participação.

Assim, não se pode entender a sociedade em rede sem entender a

fenomenologia da interação.

O diabo é que, em geral, estamos tão intoxicados pelas ideologias

participacionistas do século passado que confundimos participação com

interação.

Está aí a chamada web 2.0 para não me deixar mentir: tudo lá se resume a

gostar, curtir, votar, preferir, adicionar, escrever dentro de uma caixinha e

depois clicar em “enviar”. As caixinhas já estão prontas. Quando você clica

nelas, guarda um pedaço do passado em algum lugar. E aí, babau! A

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interação já se perdeu, o fluxo já passou. Em geral só os donos das

plataformas têm acesso aos dados que você e todos os outros

participantes jogaram nos alçapões que eles construíram. Típico do

participacionismo, onde há sempre uma oligarquia com poderes

regulatórios aumentativos em relação aos poderes dos “usuários”. Eles

podem programar nas plataformas, você não. Argh!

Na interação é muito diferente. Nela as coisas acontecem

independentemente de nossas intenções de disciplinar o fluxo, guardá-lo,

congelá-lo. E nela não dá para gerar artificialmente escassez introduzindo

processos de votação ou preferência. Nela não dá para arrebanhar as

pessoas em um espaço participativo para depois tentar conduzi-las para

ali ou acolá.

O participacionismo foi uma espécie de tentativa de salvar do incêndio os

esquemas de comando-e-controle. Foi um esforço para ficar fora do

abismo da interação. A participação está para a interação mais ou menos

como o Creative Commons está para o Domínio Público.

Sim, entender a sociedade-em-rede é entender as redes, e entender as

redes é entender a fenomenologia da interação.

A meu ver as quatro grandes descobertas da nova ciência das redes foram

descobertas dos fenômenos associados à interação: o clustering, o

swarming, o cloning e o crunching.

A primeira grande descoberta é: tudo que interage clusteriza. Quando

não entendemos o clustering não deixamos atuar as forças do

aglomeramento. Tudo clusteriza, independentemente do conteúdo, em

função dos graus de distribuição e conectividade (ou interatividade) da

rede social. Ao articular uma organização em rede distribuída não é

necessário predeterminar quais serão os departamentos, aquelas

caixinhas desenhadas nos organogramas. Estando claro, para os

interagentes, qual é o propósito da iniciativa, basta deixar atuar as forças

do aglomeramento.

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A segunda grande descoberta é: tudo que interage pode enxamear.

Quando não entendemos o swarming não deixamos o enxameamento

agir. Swarming (ou swarming behavior) e suas variantes como herding e

shoaling, não acontecem somente com pássaros ou com outros animais,

como insetos, formigas, abelhas, mamíferos e peixes. Em termos

genéricos esses movimentos coletivos (também chamados de flocking)

ocorrem quando um grande número de entidades self-propelled

interagem. E algum tipo de inteligência coletiva (swarm intelligence) está

sempre envolvido nesses movimentos. Mas isso também ocorre com

humanos, quando multidões se aglomeram (clustering) e “evoluem”

sincronizadamente sem condução alguma (nem pelas ordens brutas dos

esquemas de comando-e-controle, nem pela doce indução inerente aos

processos participativos). Sem condução exercida por algum líder, quando

muitas pessoas enxameiam provocam grandes mobilizações. Sem

convocação ou coordenação centralizada (como ocorreu em Madri em

março de 2004 ou, mais recentemente, na Praça Tahir, no Cairo, em 11 de

fevereiro de 2011).

A terceira grande descoberta é: a imitação é uma clonagem. Quando não

entendemos o cloning não deixamos a imitação exercer o seu papel. Como

pessoas – gholas sociais –, todos somos clones na medida em que

culturalmente formados como réplicas variantes (embora únicas) de

configurações das redes sociais onde estamos emaranhados. O termo

clone deriva da palavra grega klónos, usada para designar “tronco” ou

“ramo”, referindo-se ao processo pelo qual uma nova planta pode ser

criada a partir de um galho. Mas é isso mesmo. A nova planta imita a

velha. A vida imita a vida. A convivência imita a convivência. A pessoa

imita o social.

Sem imitação não poderia haver ordem emergente nas sociedades

humanas ou em coletivo algum capaz de interagir. Sem imitação os cupins

não conseguiriam construir seus maravilhosos cupinzeiros. Sem imitação,

os pássaros não voariam em bando, configurando formas geométricas tão

surpreendentes e fazendo aquelas evoluções fantásticas.

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Quando tentamos orientar as pessoas sobre o quê – e como, e quando, e

onde – elas devem aprender, nós é que estamos, na verdade, tentando

replicar, reproduzir borgs: queremos seres que repetem. Quando

deixamos as pessoas imitarem umas as outras, não replicamos; pelo

contrário, ensejamos a formação de gholas sociais. Como seres humanos

somos seres imitadores.

Nada a ver com conteúdo. Nos mundos altamente conectados o cloning

tente a auto-organizar boa parte das coisas que nos esforçamos por

organizar inventando complicados processos e métodos de gestão.

Mesmo porque tudo isso vira lixo na medida em que os mundos começam

a se contrair sob efeito de crunching.

A quarta grande descoberta: small is powerful. Quando não entendemos

o crunching não deixamos os mundos se contraírem. Essa talvez seja a

mais surpreendente descoberta-fluzz de todos os tempos. Em outras

palavras, isso (small is powerful) quer dizer que o social reinventa o poder.

No lugar do poder de mandar nos outros, surge o poder de encorajá-los (e

encorajar-se): empowerment! Você deve estar se perguntando: mas o que

é fluzz? Ora, fluzz é empowerfulness.

Quando aumenta a interatividade é porque os graus de conectividade e

distribuição da rede social aumentaram; ou, dizendo de outro modo, é

porque os graus de separação diminuíram: o mundo social se contraiu

(crunch). Os graus de separação não estão apenas diminuindo: eles estão

despencando. Estamos agora sob o efeito desse amassamento (Small-

World Phenomenon).

Outra vez: nada a ver com conteúdo. Tudo que interage tende a se

emaranhar mais e a se aproximar, diminuindo o tamanho social do

mundo. Quanto menores os graus de separação do emaranhado em que

você vive como pessoa, mais empoderado por ele (por esse emaranhado)

você será. Mais alternativas de futuro terá à sua disposição.

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A esta altura, você, leitor deste artigo, pode estar se perguntando: mas

esse cara – falando coisas tão estranhas... – será que não veio de Marte? E

eu já respondo. Se você não sabe essas coisas poderia viver

tranquilamente em Marte, mas não na bio-antroposfera deste planeta

Terra. Porque em Marte não tem nada disso (presume-se). Mas aqui é

assim, desde que existem vida e convivência social.

A TERCEIRA CONFUSÃO

A terceira confusão que dificulta o entendimento das redes é a confusão

do site da rede (a mídia) com a rede. Redes sociais existem desde que

existe sociedade humana, quer dizer, pessoas interagindo (segundo a

nossa convenção, interagindo em um padrão mais distribuído do que

centralizado).

Pessoas podem interagir usando diferentes mídias: por gestos ou sinais ou

conversando presencialmente, por tambores (como faziam os pigmeus) e

sinais de fumaça (como faziam os Apaches), por cartas escritas em papel e

levadas a cavalo (como foi feito no chamado Network da Filadélfia, que

escreveu a várias mãos a Declaração de Independência dos Estados

Unidos), por telefone fixo ou móvel (inclusive por SMS – e isso pode levar

a verdadeiros swarmings, como ocorreu em Madri em março de 2004 ou

na Praça Tahir, no Cairo, em fevereiro de 2011) e... por sites de

relacionamento na Internet (como o Orkut, o Facebook e o Twitter) ou por

plataformas desenhadas para a interação (como o Ning, o Grou.ps, o

Grouply, o Elgg, o WP Buddy – ainda que, na verdade, tais plataformas

tenham sido desenhadas mais para a participação do que para a

interação).

Ao confundir o site da rede com a rede estamos dizendo que não existe

rede (uma realidade social) se não houver o site (um artefato digital). Ora,

isso é um absurdo. Não é o digital o responsável pela manifestação da

fenomenologia da interação: “É o social, estúpido!”.