É Preciso Consumir
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INSTITUTO DE COMUNICAO E ARTE ICA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAO
ESPECIALIZAO EM TEORIAS DA COMUNICAO E DA IMAGEM
KLYCIA FONTENELE OLIVEIRA
PRECISO CONSUMIR!
OS MEIOS DE COMUNICAO DE MASSA NA
LGICA DO CAPITAL
FORTALEZA CEAR
2009
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KLYCIA FONTENELE OLIVEIRA
PRECISO CONSUMIR!
OS MEIOS DE COMUNICAO DE MASSA NA
LGICA DO CAPITAL
Monografia apresentada como pr-requisito
parcial para concluso do curso de
especializao em Teorias da Comunicao
e da Imagem pela Universidade Federal do
Cear.
Orientador: Prof. Mes. Ricardo Jorge de Lucena Lucas
FORTALEZA CEAR
2009
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RESUMO
A nossa reflexo volta os olhos para o papel dos meios de comunicao de
massa inseridos na lgica do capital contemporneo. Buscamos compreender
como os processos comunicativos, especificamente os processos relacionados
aos meios de comunicao de massa, contribuem para o fomento do consumo ao
estimular a criao de necessidades inspiradas em nossos desejos, fetiches,
fantasias e sonhos de felicidade. Por fim, focaremos no uso das formaes
discursivas pelos meios de comunicao de massa como um aliado no processo
de sensibilizao para o despertar de novas vontades a serem saciadas.
Optamos por esse caminho por compreender a linguagem como um conjunto de
sinais, visuais ou fonticos, atravs dos quais se expressa o pensamento humano
e se estabelece a comunicao; como algo intrnseco ao ser humano e que o
distingue do restante da natureza. Construmos a linguagem e nos constitumos a
partir dela, estando esta presente como mediadora das relaes sociais e ainda
como elemento constituidor das relaes em sociedade. Assim, discutiremos
como os meios de comunicao de massa se apegam s palavras que mexem
com o nosso emocional para nos convencer a consumir. Como metodologia para
elaborao do presente trabalho, utilizamos a reviso bibliogrfica, perpassando
por autores como Karl Marx, Dominique, Maingueneau, Wolfgang Fritz Haug,
Nestor Garca Canclini, Helena H. Brando, Messias Guimares Bandeira.
Palavras-Chave: lgica do capital, meios de comunicao de massa, consumo, formaes discursivas.
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SUMRIO
INTRODUO.........................................................................................................5
CAPTULO 1: A LGICA DO CAPITAL................................................................10
CAPTULO 2: A TECNOLOGIA E A INFORMAO NA LGICA DO CAPITAL.19
CAPTULO 3: OS MEIOS DE COMUNICAO DE MASSA................................24
CAPTULO 4: DAS REMINISCNCIAS EMOTIVAS S PRTICAS CONSUMISTAS.....................................................................................................28
CONSIDERAES FINAIS...................................................................................36
REFERNCIAS.....................................................................................................38
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INTRODUO
[...] Meu isso, meu aquilo,/desde a cabea ao bico dos sapatos,/so mensagens,/letras falantes,/gritos visuais,/ordens de uso, abuso, reincidncia,/ costume, hbito, premncia,/indispensabilidade,/e fazem de mim homem-anncio itinerante,/escravo da matria anunciada [...]1.
Pode parecer exagero literrio esse fragmento potico do mineiro
Drummond, mas o fato que o poema "Eu, etiqueta" descreve com primazia um
hbito cada vez mais incrustado no cotidiano das sociedades contemporneas: o
consumismo.
Tudo hoje mercadoria: a roupa, a gua, a comida, a educao, a arte, o
trabalho, o corpo humano... Pois da cerveja que tomamos com amigos comida
que nos alimenta, ou ainda, do filho que resolvemos ter ao tempo dedicado aos
estudos; tudo est submetido, direta ou indiretamente, ao dinheiro, o mediador
das relaes de troca, mesmo que em nveis de influncia e importncia distintos.
Somos o que consumimos. assim que a lgica do sistema capitalista nos
faz pensar sobre a nossa identidade e nossas relaes sociais quando interliga "o
ter" ao sinnimo de status e respeito e quando ns acatamos essa ligao como
verdade para a sociabilidade. Na ordem da economia mundial, preciso consumir
para que se mantenha em funcionamento a mquina do capital que norteia a atual
vida em sociedade. Mas, consumir o que, para que? De imediato responderemos:
o que necessitamos para viver e ser felizes. Mas, ser que precisamos de tanto?
Se necessitamos ter 50 camisas, 40 calas, 60 pares de sapatos, celular de
ltima gerao, todos os best sellers da livraria, carro do ano, o ltimo lanamento
em DVD e assim por diante... Se preciso comprar algo j pensando quando
iremos descartar o que compramos para comprar um novo produto.
Possivelmente, no ser por causa das necessidades primrias do ser humano
que se fundam no princpio da manuteno da vida. Haver outros motivos que
nos impulsionam a consumir mais e mais. Mas que motivos seriam esses? De
onde eles vm?
1 Eu, Etiqueta. Poema de Carlos Drummond de Andrade. O Corpo. Rio de Janeiro: Record, 1994.
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O porqu de tanto consumo ainda assunto para longas reflexes e estudos
mais aprofundados, mas podemos aqui especular uma das razes que nos levam
a consumir ininterruptamente, intensificando o consumo. A criao de
necessidades para alm das questes fisiolgicas. Necessidades inspiradas em
nossos desejos, fetiches, fantasias e sonhos de felicidade. Podemos, assim dizer,
que o sistema para garantir a circulao de mercadorias cria em ns novas
necessidades para alm das necessidades sensitivas. Mas que mecanismos
seriam utilizados para esse fim?
Poderamos tambm enumerar uma infinidade de elementos que exerceriam
essa funo de criar necessidades que gerem o consumo, a partir das
necessidades elementares ao ser humano. Mas ns nos atentaremos ao uso das
formaes discursivas como um aliado no processo de sensibilizao para o
despertar de novas vontades a serem saciadas com "o ter" e como essas
formaes discursivas, inseridas nos meios de comunicao de massa situados
dentro da lgica do capital, trabalham em prol da sustentao da prtica
consumista.
importante, desde j, apresentarmos, tomando o conceito utilizado pela
Anlise do Discurso2, nossa compreenso sobre formao discursiva que
utilizada para designar o lugar onde se articulam discurso e ideologia. Podemos dizer, ento, que uma formao discursiva governada por uma formao ideolgica. Como uma formao ideolgica coloca em relao mais de uma fora ideolgica, uma formao discursiva colocar em jogo mais de um discurso (VILELA, 2009, p. 2).
Optamos por enveredar nossa pesquisa, tendo como base as reflexes
acerca das formaes discursivas, por compreendermos a linguagem3 que se
funda no exerccio da lngua como algo intrnseco ao ser humano, distinguindo-
o do restante da natureza. Construmos a linguagem e nos constitumos a partir
dela; e esta est presente como mediadora das relaes sociais e ainda como
elemento constituidor das relaes em sociedade. Assim, discutiremos como os
2 De origem francesa, a Anlise do Discurso surge na dcada de 1960, atravs dos pensamentos de Jean Dubois e Michel Pcheux que trazem, em comum, a influncia do marxismo e da poltica, e compartilham convices sobre luta de classes, histria e movimento social.3 Entendendo a linguagem como um conjunto de sinais, visuais ou fonticos, atravs dos quais se expressa o pensamento humano e se estabelece a comunicao. No presente artigo, centraremos a discusso da linguagem a partir dos elementos da lngua, especialmente, atravs da palavra.
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meios de comunicao de massa se apegam a aspectos lingsticos que mexem
com o nosso emocional (de forma positiva ao nos remeter a coisas agradveis ou
de forma negativa ao nos lembrar de sensaes que nos incomodam) para nos
convencer a consumir. Importante j frisar que trabalharemos os meios de
comunicao de massa a partir de sua lgica empresarial, ou seja, sua insero
no mercado e, por conseguinte, no capitalismo, sistema vigente de forma
hegemnica no mundo contemporneo.
A nossa reflexo que tambm volta os olhos ao advento frentico das
tecnologias busca compreender como os processos comunicativos,
especificamente os processos relacionados aos meios de comunicao de
massa, encaixam-se no contexto de mundializao do capital contemporneo.
Assim partindo do contexto mundial onde as fronteiras dos estados-nao esto
fragilizadas e onde grande a propulso com que surgem e so ultrapassadas as
descobertas e invenes tecnolgicas, como resultado da ordem capitalista
discutiremos o papel das formaes discursivas, encontradas nos meios de
comunicao de massa, na perpetuao do sistema das mercadorias.
Porm, antes de adentrar no tema central de nossa pesquisa, precisamos
entender as sociedades contemporneas tendo em vista a lgica capitalista
porque h muito que a sociedade a das mercadorias. Afinal, as relaes sociais
esto mediadas pelas relaes de troca. Para entender as sociedades atuais e
suas nuanas necessrio compreender a lgica do sistema que as rege e o
momento atual de seu desenvolvimento. A apropriao privada dos meios de
produo e a busca incansvel pelo lucro que obrigam o capital a explorar a mo-
de-obra trabalhadora e a ampliar ininterruptamente o mercado consumidor. E a
ideologia, apoiada em instituies como famlia, escola, igreja, mdia, que
procurando justificar, legitimar a propriedade privada e estimular o consumo,
naturaliza e perpetua a viso de um capitalismo inerente ao ser humano.
Faremos isso por compreender a importncia de as pesquisas de
comunicao mirarem o sistema organizador das sociedades atuais. Pois, a
humanidade, ao longo de sua histria, estrutura sua organizao social a partir da
organizao dos seus meios de produo. E, no caso das sociedades
contemporneas, estamos falando do capitalismo e de sua interferncia direta na
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forma como os meios de comunicao de massa esto inseridos nos cotidianos
sociais.
Vale ressaltar que o estudo cientfico est atrelado tambm lgica do
sistema. A cincia em muitos momentos de sua histria serviu para legitimar o
capitalismo, alm de ser, na maioria das vezes, financiada por instituies
intrinsecamente ligadas aos grupos que sustentam e so sustentados pelo capital.
Apesar disso, preciso manter a busca constante e vigilante pela autonomia no
fazer cientfico que nos permita questionar o status quo.
Afinal, como crianas que brincam despreocupadas sombra de usinas
nucleares sem se aperceber dos perigos radioativos iminentes; nos dias de hoje,
a pesquisa sobre os meios de comunicao de massa que, em sua
contextualizao, fecha as portas para a compreenso da lgica do sistema
capitalista comete o mesmo ato leviano. As crianas, porm, esto protegidas
pelo estigma da inocncia. Regalia essa no permitida a quem se prope a
observar aspectos da realidade e a analis-los cientificamente.
Portanto, nas pginas seguintes, tentaremos discutir a influncia dos meios
de comunicao de massa no acirramento do consumo que fortalece o sistema
das mercadorias, levando em considerao as nuanas que permeiam o
capitalismo, a partir de sua premissa maior que a acumulao privada da
riqueza.
Logo no primeiro captulo, tendo como base a teoria marxista sobre a
organizao da lgica do capital, explicitaremos como o surgimento do dinheiro
vem emancipar o valor de troca das mercadorias, libertando-o do valor de uso. E
como tal emancipao foi a catalisadora para o acirramento do processo de
acumulao privada da riqueza que resultou em um sistema mundializado,
constitudo por uma economia monopolizada e hegemnica.
Ainda neste captulo, analisaremos como a finalidade de acumular, de forma
privada, a riqueza que a base do sistema das mercadorias foi responsvel
pela criao de instrumentos que fomentassem o consumo dos bens
(mercadorias) produzidos. Ressaltaremos, aqui, a construo de novas
necessidades mesmo que baseadas nas necessidades sensveis como uma
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estratgia de estmulo ao consumismo, assumida pela ordem capitalista, fazendo
surgir, assim, uma sociedade de consumo de massa.
J o segundo captulo trata do desenvolvimento cientfico tecnolgico que
dentro da dinmica do capitalismo contemporneo vive seu apogeu, iniciado
aps o fim da Segunda Guerra Mundial (1945) e alimentado, por dcadas,
durante a Guerra Fria. Veremos ainda como a profuso de informaes
acelerada desde a inveno de equipamentos como fax, modem, computadores
etc. vem transformando as sociedades em sociedades da informao. Como
tambm o paradoxo entre disseminar e reter as informaes, de acordo com os
interesses do capital.
No terceiro captulo, discutiremos a transformao dos meios de
comunicao de massa em empresa e como tais meios se tornaram aliados na
perpetuao do capitalismo. Finalizando, no quarto e ltimo captulo, com uma
anlise de como as formaes discursivas propagandeadas pelos meios de
comunicao de massa estimulam o consumo. Com alguns exemplos, veremos
como o uso da palavra, carregada de reminiscncias emotivas, estimula o
consumo, seja atravs de textos publicitrios ou de textos jornalsticos.
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CAPTULO 1 - A LGICA DO CAPITAL
O capital desde sua origem regido por uma lgica de desenvolvimento que
se mantm at os dias atuais, apesar de suas diferentes nuanas (e fases
vividas) que acompanham as mudanas de conjuntura poltico-social e o aumento
da complexidade desse sistema econmico, por conseguinte, da sociedade onde
ele est inserido. A troca de mercadoria4 est na base do capital. Ela surge da
necessidade no possuidora de um coincidindo com a posse no necessria de
outro (HAUG, 1997).
Assim, "toda mercadoria se apresenta sob duplo ponto de vista de valor de
uso e valor de troca" (MARX, 1991, p. 35). Valor de uso a funo que o objeto
tem. Ou seja, a caneta tem a funo, a utilidade de escrever, a cadeira serve para
sentar, o arroz, o feijo so fontes de alimentos etc.. Esses produtos atenderiam,
pois, s necessidades sensitivas do ser humano. Atender tais necessidades, em
um primeiro momento, que d s coisas razo para existir e motivo para serem
produzidas.
Na sociedade capitalista, esses objetos para serem adquiridos passam pelo
processo da troca. Iniciada a troca, os objetos melhor dizendo, o produto do
trabalho humano transformam-se em mercadorias. Valor de troca , portanto, o
valor que a mercadoria assume no momento da troca. Quando o capitalismo
ainda era embrionrio, as mercadorias eram trocadas sem nenhum mediador,
trocavam-se os excedentes. Assim, quem plantava arroz trocava o que sobrava
por aquilo que necessitava.
Era preciso, pois, definir o valor de troca de cada mercadoria e a
equivalncia entre tais valores. No primeiro momento do capital, o valor era
definido a partir do trabalho desprendido na sua fabricao: quanto mais trabalho
humano, mais valor (MARX, 1991). Com o desenvolvimento do sistema
capitalista, porm, tornaram-se complexas as relaes de troca no momento de
se comparar as mercadorias. Comeava-se a exigir um parmetro menos
4 Entenda-se mercadoria como o objeto destinado troca, ao comrcio; o bem econmico.
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subjetivo do que o trabalho humano para se delimitar, por exemplo, quantos
quilos de feijo valeriam em tecidos para roupas.
Tal complexidade fez surgir o dinheiro como a 'terceira mercadoria' que
serviria para mediar a troca. "O dinheiro atua como material comum na linguagem
de valor [...] O dinheiro facilita, acelera e generaliza a troca." (HAUG, 1997, p. 24).
O valor de troca de cada mercadoria passa a valer uma quantia definida. Cada
quilo de arroz, metro de tecido, mesa e cadeiras fabricadas passam a ter valores
definidos com base no dinheiro. No mais trocaramos X quilos de arroz por Y
metros de tecido, mas X moedas que valeriam uma quantidade especfica de
arroz e Y moedas com que se pagaria o tecido.
A terceira mercadoria atua como material para expressar o valor das duas mercadorias a serem trocadas. A relao com a terceira mercadoria fundamenta a linguagem de valor, por meio da qual, as duas mercadorias a serem trocadas podem expressar sua equivalncia (HAUG, 1997, p. 24).
O surgimento do dinheiro dividiu, em dois, o momento da troca. Quem
compra e quem vende. O primeiro que parte de uma necessidade, atrs de um
valor de uso e que usa o dinheiro para assumir o valor de troca da mercadoria
almejada. O segundo para o qual o valor de uso no tem importncia alm de ser
um meio para transformar em dinheiro o valor de troca de sua mercadoria. Quem
vende quer acumular dinheiro e quem compra quer satisfazer uma necessidade
no possuidora.
Como a acumulao de dinheiro torna-se um princpio do sistema das
mercadorias, o valor de troca se emancipa libertando-se do valor de uso.
Sob a forma de dinheiro, o valor de troca no est mais ligado a nenhuma necessidade sensvel, acabando assim com toda qualidade sensivelmente diversificada. [...] Com o dinheiro no incio a mera coisificao de uma funo da troca surge no mundo um poder com uma qualidade nova: a riqueza abstrata, o valor de troca emancipado (HAUG, 1997, p. 28).
A troca j no depende mais unicamente das necessidades sensitivas, pois
sua razo de existir passa a ser acumular dinheiro. Quanto mais dinheiro
acumulado, mais poder de troca se possui, j que o dinheiro se tornou o mediador
de todas as trocas. Assim, a funo acumulativa do capitalismo passa a ser
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estimulada. O lucro5 se consolida como principal objetivo do capital. A busca
incessante pelo lucro faz o sistema encontrar mecanismos no s de ordem
mercadolgica, mas tambm cultural, social, religiosa... que o ajudem nessa
tarefa.
O capitalismo comea, ento, a criar novos motivos para se consumir para
alm das necessidades sensitivas, mesmo que estes motivos tenham como ponto
de partida as necessidades humanas (fisiolgicas, psquicas, espirituais etc.).
Passamos, pois, a explorar as fantasias, desejos, sonhos, crenas humanas e a
criar novas necessidades a fim de trocar mercadorias por dinheiro. As
necessidades que estimularo o consumo comeam, ento, a se afastar do
campo estritamente biolgico e sensvel para se aproximarem, cada vez mais, do
campo das relaes e interaes sociais.
O consumo passa a ser comandado muito mais por fetiches embutidos nas
mercadorias do que pela necessidade crua, vinda dos estmulos biolgicos e
sensitivos. No compramos comida apenas para saciar a fome fisiolgica, mas
tambm para satisfazer desejos estimulados pelos prazeres gustativos,
minuciosamente incorporados em nosso cotidiano. No compramos determinada
roupa para proteger nossos corpos das intempries, mas tambm para
resguardar nossos pudores ou ainda satisfazer fantasias geradas a partir de uma
pea de vesturio ou de uma marca da indstria txtil. Consumimos celulares de
ltima gerao no propriamente pelos recursos tecnolgicos que eles porventura
trazem, mas pela ascenso social que possuir um produto de ponta representa.
Toda pessoa especula sobre a possibilidade de criar no outro uma nova necessidade, a fim de obrig-lo a um novo sacrifcio, de impingir-lhe uma nova dependncia, de induzi-lo a uma nova forma de prazer levando-o assim runa econmica (MARX apud HAUG, 1997, p. 31).
Mesmo inventando novas necessidades para que estas estimulassem a
produo e o consumo de mercadorias, o capitalismo, em fases anteriores ao
capitalismo contemporneo, voltava-se, principalmente, para a explorao das
necessidades sensitivas do ser humano. Aqui, o objetivo do lucro j existia
"hoje, como antes, produz visando ao lucro" (ADORNO, 1986, p. 68 apud
5 Entenda-se como lucro o rendimento conseguido a partir de um capital investido para produo. A diferena positiva entre gastos e ganhos.
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SEVERIANO, 2001, p. 61) mas este era quase totalmente saciado pelo
consumo do que fosse realmente necessrio para a sobrevivncia. Assim, eram
as necessidades bsicas o ponto de partida para o consumo.
Mas, o capitalismo no se contentaria em viver somente da produo e do
consumo de mercadorias que suprissem apenas as necessidades bsicas do ser
humano. A dinmica do lucro no permitiria tal estagnao. Era preciso, portanto,
aumentar a produo, atravs do desenvolvimento de meios de produo mais
eficazes (tecnologias cada vez mais avanadas, por exemplo), e crescer o
consumo alargando o mercado consumidor (extrapolando as barreiras
geogrficas dos estados-nao), instituindo uma sociedade de consumo de
massa.
A busca racional de lucro que animou os primeiros produtores capitalistas se inscreveu dentro de um ethos e de um contexto material especfico, tambm, a atual busca 'irracional' e desejante por consumo possui um ethos especfico, desenvolvendo-se atravs de um longo processo histrico, donde a complexificao das relaes econmicas, nas sociedades capitalistas avanadas, veio a ocasionar a inverso de uma mxima da tica protestante, responsvel, ento, pelo impulsionamento do sistema capitalista: no consumir, ou consumir somente aquilo que absolutamente necessrio para a sobrevivncia e para uma vida sbria. A atual mxima da 'sociedade de consumo' inverte-se: consumir sempre para muito alm do necessrio (SEVERIANO, 2001, p. 64).
As sociedades contemporneas so as prprias sociedades de consumo.
Tudo gira em torno da produo e consumo de mercadorias. A valorizao dessa
sociedade consumista a fonte de vida do capital contemporneo. Tal
consumismo potencializou a tendncia mundializao do sistema das
mercadorias quando as fronteiras geogrficas e alfandegrias das naes tiveram
que se abrir para incorporar, atravs do consumo, bens materiais de outros
estados-nao. A mundializao do capital, portanto, aproxima e at fragmenta as
fronteiras nacionais. E o mundo parece menor.
A subordinao do estado-nao contemporneo no processo de internacionalizao dos mercados e das economias vai facilitar a conformao de uma sociedade mundializada na segunda metade do sculo XX (BANDEIRA, 2005).
Nessa conjuntura, os estados nacionais se apresentam, cada vez mais,
fragilizados pelo capital transnacional que internacionalizou a produo e alargou
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o mercado consumidor. Na indstria automobilstica, por exemplo, um carro
montado com peas produzidas em diferentes pases. Ou ainda, na grade de
programao de uma rede de televiso nacional, filmes ou sries estrangeiras
dividem espaos com produes locais. Assim, ao se fragmentar o processo de
produo, fabricando cada parte dos bens nos pases em que o custo menor, os
objetos perdem a relao de fidelidade com os territrios originrios (CANCLINI,
2001).
Atualmente, o capitalismo j derrubou as fronteiras dos estados nacionais e
fortalece dia-a-dia o seu carter internacional. Afinal, a busca por novos
consumidores no permite (e nunca permitiu) barreiras geogrficas, culturais ou
mesmo alfandegrias. Alem disso, se em um determinado momento consumir o
que era produzido em nosso pas era sinal de gastar pouco por serem os
produtos nacionais mais baratos que os importados, hoje, essa prerrogativa no
existe mais. E a racionalidade econmica que justificava a preferncia pelo
nacional, facilmente, cai por terra dentro das relaes de competio do mercado.
Comer como espanhol, brasileiro ou mexicano significava no apenas guardar tradies especficas, como tambm alimentar-se com os produtos da prpria sociedade, que estavam mo e costumavam ser mais baratos que os importados. [...] O valor simblico de consumir o nosso era sustentado por uma racionalidade econmica. [...] Esta oposio esquemtica, dualista entre o prprio e o alheio, no parece conservar muito sentido quando compramos um carro Ford montado na Espanha, com vidros feitos no Canad, carburador italiano, radiador austraco, cilindros e bateria ingleses e eixo de transmisso francs (CANCLINI, 2001, p. 40).
No difcil perceber o atual momento do capitalismo, basta olhar nossa
volta para constatar a infinidade de produtos que consumimos cujas origens no
esto em nosso pas, mas em empresas transnacionais.
Viabilizada pela substituio das rgidas plantas industriais de carter fordista por plantas mais leves, enxutas e flexveis, a fragmentao das atividades produtivas d aos conglomerados transnacionais um extraordinrio poder para barganhar e decidir a localizao de suas unidades fabrs. (LATOUCHE apud FARIA, 2009).
Essa estrutura mundializada que o capital assume, nos dias atuais, apesar
de possuir fases distintas de desenvolvimento entre as diversas regies do
mundo, interliga praticamente todo o Planeta em um nico sistema. Mesmo
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regendo quase a totalidade dos pases do mundo, o capitalismo no uniforme;
isso facilmente comprovado pelas disparidades econmicas e sociais entre as
naes.
Tais diferenas entre os pases tm como fonte a dinmica de
desenvolvimento do capital cuja lgica de um desenvolvimento desigual e
combinado onde se faz necessrio um crescimento mundial ordenado, mas no
homogneo, devido ao aspecto intrnseco ao capitalismo que a acumulao
privada da riqueza numa sociedade cujo trabalho socializado (o trabalho
coletivizado, mas o que o trabalho produz propriedade privada do dono dos
meios de produo).
Nas sociedades contemporneas, o desenvolvimento do capitalismo,
especialmente por conta dos avanos tecnolgicos e cientficos e do acirramento
das relaes mercantis ampliou essa duplicidade do capital. E se antes a
discrepncia entre desenvolvimentos econmicos era analisada dentro de uma
esfera menor (um mesmo estado, uma mesma regio, um mesmo pas, ou pases
vizinhos), hoje a anlise tem alcance mundial e o comparativo de
desenvolvimento pode ser feito entre pases longnquos.
Essa proximidade das economias dos estados-nao6 acontece no s para
efeito de anlise, mas fundamentalmente para o desenvolvimento da economia
mundial. E, apesar de, atualmente, ser maior o entrelaamento entre as
economias, gerando uma relao de dependncia entre os pases, ainda se
mantm dspares as condies de desenvolvimento de um pas para outro,
reafirmando o princpio do capital de sintonizar o crescimento mundial, mas
mantendo as desigualdades necessrias para a acumulao privada da riqueza.
Muitas diferenas nacionais persistem sob a transnacionalizao, mas tambm o modo pelo qual o mercado reorganiza a produo e o consumo para obter maiores lucros e concentr-los converte essas diferenas em desigualdades (CANCLINI, 2001:43-44).
6 Os estados-nao vm perdendo seu carter protecionista com a quebra, cada vez mais freqente, das fronteiras pelas empresas multinacionais, no s no que se refere ao consumo, mas tambm pelo prprio processo de produo que j no se restringe a acontecer dentro de um mesmo pas. Mas, se pensarmos na lgica de expanso do capitalismo, tais estados j surgiram ameaados de extino.
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Alm disso, o capitalismo dos nossos dias est cada vez mais
monopolizado. Dados do Centro de Estudos e Pesquisas sobre as Empresas
Multinacionais da Universidade de Paris (Nanterre) informam que, no incio da
dcada de 1980, os 886 maiores conglomerados transnacionais j controlavam
76% da produo manufatureira mundial (LATOUCHE apud FARIA, 2009). Essa
concentrao, ao longo das dcadas, s aumentou.
Observa-se que o mundo atual capitalista sobrevive s custas dessas associaes, ou conglomerados, que buscam a especializao da produo, o aprimoramento da tecnologia e, sobretudo, uma limitao do mercado para poucos usufrurem seus lucros e suas deliberaes, de o que e como produzir (GONZAGA DE SOUSA, 2004: 101).
Hoje, em todo o mundo, quem controla a maioria dos meios de produo e,
portanto, define os caminhos que a economia mundial deva seguir, um punhado
de gigantescas corporaes econmicas.
Pela imposio neoliberal de globalizao, para qual os direitos so desiguais, as novidades modernas aparecem para a maioria apenas como objeto de consumo, e para muitos apenas como espetculo. O direito de ser cidado, ou seja, de decidir como so produzidos, distribudos e utilizados esses bens, se restringe novamente s elites (CANCLINI, 2001:54).
E o Brasil no foge regra. Com mais de 90 anos, um dos maiores
conglomerados econmicos privados do Brasil o Grupo Votorantim gerencia
um portflio de negcios e produtos focado em atividades de capital intensivo e
indstria de base. Suas empresas so lderes ou tm posies destacadas em
mercados como cimento e concreto, minerao e metais, celulose e papel, suco
de laranja concentrado, especialidades qumicas e na produo e distribuio de
energia eltrica. O Grupo tambm atua no setor financeiro com o Banco
Votorantim (concentrado no segmento corporativo) e ainda investe em reas ditas
promissoras, como biotecnologia agrcola e tecnologia da informao.
A comparao da soma da receita operacional lquida dos 10 maiores grupos com produto interno do pas segundo estimativa do IESP/FUNDAP mostra que a receita chega a alcanar, nesse ano de 1993, cerca de 80% do produto, o que mostra o peso dos maiores conglomerados na economia nacional. (...) Os dados mostram as tendncias de concentrao quando revelam, por exemplo, que os 10 maiores grupos privados registram um aumento na participao de sua receita operacional lquido do produto interno do pas de 6,3% em 1978 para 21,8% em 1990. J os 100 maiores grupos econmicos privados que atuam no pas passam, considerando-se as mesmas variveis, de 21,7% em 1978 para 50,6% em 1990 (GUIMARES, 2009).
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Se h uma monopolizao crescente dos meios de produo e do capital em
si, h, tambm, uma carncia econmica que atinge quase a totalidade do
Planeta.
Em 18 de junho de 2007, um relatrio da Conferncia das Naes Unidas
para Comrcio e Desenvolvimento (Unctad) apontou que o nmero de pessoas
vivendo com menos de 1 dlar por dia7 nos 49 pases mais pobres do mundo
localizados, principalmente na frica mais do que duplicou nos ltimos 30 anos,
chegando a 307 milhes, o equivalente a 65% da populao. As estimativas so
de que esse nmero possa chegar a 420 milhes em 2015. Este relatrio
considerado o estudo mais completo sobre pobreza j realizado nos 49 pases
mais pobres do mundo.
Ainda segundo o estudo, apesar do crescimento econmico, dois teros da
populao viveriam com menos de 2 dlares por dia na segunda metade da
dcada de 1990, com uma mdia de consumo dirio de 1,42 dlares. Nos pases
mais pobres da frica que inclui 34 dos 49 pases mais pobres do mundo
quase nove, entre cada dez pessoas, vivem com menos de 2 dlares por dia, em
comparao com o consumo per capita de 41 dlares por dia nos Estados
Unidos.
De um lado, h riqueza que incentiva a produo capitalista; do outro lado,
existe a misria que mina o mercado consumidor. Fica, ento, a pergunta: como
manter forte a mquina capitalista se a base que a sustenta est fragilizada por
uma produo acelerada e um mercado consumidor em decadncia?
A busca por mercados consumidores ainda a sada. Porm, buscar esses
novos consumidores j no mais s buscar um contingente cada vez maior de
pessoas comprando. Em outros tempos, a sada foi oferecer aos trabalhadores
poder aquisitivo para a compra das mercadorias produzidas, como nos anos de
Fordismo8. A atual fase de acumulao e monopolizao do capital no permitiria
7 O Banco Mundial define a pobreza extrema como viver com menos de 1 dlar por dia (PPP) e pobreza moderada como viver com entre 1 e 2 dlares por dia. Estima-se que 1 bilho e 100 milhes de pessoas, em nvel mundial, tenham nveis de consumo inferiores a 1 dlar por dia e que 2 bilhes e 700 milhes tenham um nvel inferior a 2 dlares.8 O Fordismo teve seu pice no perodo posterior Segunda Guerra Mundial, nas dcadas de 1950 e 1960, que ficaram conhecidas na histria do capitalismo como Os Anos Dourados.
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utilizar somente essa estratgia. Hoje, ampliar o mercado consumidor, alm de
alargar o contingente de consumidores ultrapassando os limites dos pases, ,
mais do que nunca, criar novas necessidades para o consumo.
Educarem as massas, na cultura do consumo, criando nelas o desejo de melhores coisas, mesmo quando elas no queriam ou no podiam comprar. Para tal, a necessidade de se criarem mecanismos extra-econmicos fez-se urgente, surgindo assim a Indstria do Desejo Abstrato: uma unidade de produo preocupada em mexer com elementos guardados no psiquismo dos indivduos, acomodados desde a remota infncia, cheia de recordaes afetivamente carregadas, para, a partir disso, desencadear nos consumidores desejos inconscientes e imperiosos por rdio, televisores, automveis, roupas... (MARCONDES FILHO, 1991, p. 144 apud SEVERIANO, 2001, p. 67).
Nessa fase do capitalismo contemporneo que mais do que nunca precisa
gerar necessidades alimentar as fantasias, fetiches e sonhos humanos na
eterna busca pela felicidade, associando tais desejos ao consumo, a estratgia
mais adotada. Nessa estratgia, surgem importantes aliados do capital, entre
eles, os sistemas de informao e a tecnologia, os quais, nas ltimas dcadas,
desenvolveram-se vertiginosamente.
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CAPTULO 2 - A TECNOLOGIA E A INFORMAO NA
LGICA DO CAPITAL
1945. Termina a Segunda Guerra Mundial e comea outra guerra com
trincheiras que ultrapassaram os campos de batalhas convencionais. Como o jogo
infantil WAR onde o objetivo secretamente idealizado conquistar o mundo, o
ps-guerra abre uma era de disputa entre dois sistemas econmicos, polticos e
sociais que se propem a ser totalizantes.
O mundo estava dividido em dois grandes blocos: capitalismo e comunismo
quando se inicia o que conheceremos como Guerra Fria. Sem combates armados
declarados, a Guerra Fria foi polarizada pelos Estados Unidos e a Unio
Sovitica: capitalistas x comunistas. Essa Guerra que perduraria at o incio da
dcada de 1990 no s acirrou o desenvolvimento cientfico-tecnolgico no
mundo, como tambm favoreceu o avano dos meios de comunicao de massa.
O perodo do ps-guerra ver um rpido avano dos meios de comunicao de massa, bem como do desenvolvimento cientfico e tecnolgico. [...] A disputa se estendia aos mbitos cientifico e tecnolgico, do desenvolvimento de armas nucleares aos requintes da corrida espacial (BANDEIRA, 2005).
Alm dessa disputa poltico-ideolgica e econmico-social, outros aspectos
influenciaram, com igual fora e em alguns momentos at com mais intensidade,
a acelerao do desenvolvimento cientfico-tecnolgico nos pases de ordem
capitalista. Aspectos esses relacionados com a lgica de acumulao do capital.
Novos produtos para o consumo; meios de produo mais modernos e geis;
concorrncia no mercado etc.. Podemos dizer, ento, que o ritmo acelerado das
inovaes tecnolgicas est intimamente relacionado ao ritmo frentico do
consumo e s relaes sociais do trabalho, importantes para a acumulao
capitalista.
Muitos estudiosos costumam dizer que as atuais tecnologias resultam sempre da necessidade que as grandes empresas internacionais possuem de manter ocupados seus cientistas contratados, de modo que eles esto sempre a revisar suas descobertas a fim de encontrar novas utilizaes para aqueles elementos que foram apenas parcialmente desenvolvidos ou utilizados (HOHLFELDT, 2001, p. 95).
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Esse desenvolvimento acelerado da mesma forma que o capital
acontece de maneira desigual e combinada. O mundo inteiro respira a era da
tecnologia, mas a tecnologia de ponta est concentrada em poucos pases e em
um nmero reduzido de conglomerados econmicos. O relatrio "The Global
Information Technology Report", elaborado pelo Frum Econmico Mundial, que
pesquisou o uso e a distribuio da tecnologia em 102 pases no perodo de
2003-2004, explicita essas desigualdades.
Os dados do relatrio sobre o acesso tecnologia da informao9, por
exemplo, reiteram o princpio do desenvolvimento combinado e desigual do
capitalismo, liderado pelos grandes conglomerados econmicos. A concentrao
de capital diretamente associada ao desenvolvimento tecnolgico desmascara por
sua vez a falsa idia de uma aldeia global tecnolgica.
Apesar de o relatrio sugerir que a 'diviso digital' entre os pases desenvolvidos e os mais pobres vem diminuindo a cada aferio anual e que a 'tecnologia da informao uma poderosa ferramenta na luta contra a pobreza', o amplo domnio da lista pelos mesmos pases industrializados demonstra, certamente, a relao entre concentrao de capital e desenvolvimento tecnolgico (BANDEIRA, 2005).
Percebemos, portanto, que o avano cientfico-tecnolgico est diretamente
associado acumulao do capital. Onde o sistema acirrou suas relaes
econmico-sociais impulsionando o consumismo na sociedade, o
desenvolvimento cientfico-tecnolgico viveu e vive um momento de apogeu.
Dentre as tecnologias, a criao e popularizao do computador e do modem foi
um marco, repercutindo em diversos aspectos da vida social. E se tal
desenvolvimento obedece lgica do mercado, a informatizao se tornou
importante instrumento na disputa mercadolgica.
Necessrio compreender tambm que a informatizao da sociedade
contempornea vem tornando mais complexa a condio da comunicao. Os
pases, movidos por seus grupos econmicos, precisam estar conectados para
garantir seu espao no dinmico e concorrido mercado internacional. O domnio
da informao, portanto, amplia seu poder nessa sociedade tecnolgica,
interferindo na gerao e acumulao de riquezas.
9 Entenda-se por tecnologia da informao o conjunto de recursos tecnolgicos e computacionais para gerao e uso da informao (hardware, software, sistemas de telecomunicaes, gerenciamento de dados e informaes).
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O domnio da informao ser fundamental para a composio da riqueza na sociedade contempornea, embora seu processamento esteja aqum da capacidade dos indivduos, continuamente submetidos rapidez e ao excesso de informaes (BANDEIRA, 2005).
Fica, porm, a pergunta: como dominar a informao em um mundo onde
grande o turbilho de informaes repassadas todos os dias (especialmente,
depois do advento da internet) tanto que nos d a sensao de vivermos em um
processo de profuso de informaes quase catico? E ainda, possvel
controlar a informao dentro do grande fluxo comunicacional em que vivemos?
Em um primeiro momento, a tentao responder que no possvel
controlar a informao e que no h uma maneira de domin-la. Mas, ao
apurarmos a nossa viso para o caos gerado pela rapidez na disseminao da
informao, veremos que tal rapidez no to desordenada assim e que h um
sentido por detrs desse processo. Claro que inegvel que nunca houve um
perodo na histria da humanidade onde o acesso informao estivesse to
facilitado, mas essa liberdade de informao aparente.
A popularizao (a partir de 1980) dos computadores, a modernizao das
redes telefnicas, a criao do modem e o crescimento do nmero de usurios e
de servios na rede mundial de computadores (a internet) agem como
mediadores de todos os sistemas das comunicaes (GOHN, 2000). A
informao lanada no mundo, especialmente depois da ajuda do
ciberespao10, mas ela no est liberta dos interesses econmicos. E o capital
apresenta-nos mais uma contradio.
De um lado o acesso informao necessrio para inspirar novos desejos
e necessidades e, portanto, estimular o consumo de novas mercadorias, muitas
destas desenvolvidas por conseqncia dos avanos tecnolgicos. De outro, o
acesso no pode ser livre, pois algumas informaes precisam ser retidas por
causa das disputas de mercado (concorrncia; domnio dos processos da
produo; necessidade de consumo etc.). Essa dualidade est cotidianamente
exposta nos anncios de produtos tecnolgicos, por exemplo. Sabemos qual o
10 O ciberespao um ambiente virtual criado por meios de comunicao modernos, cujo maior exemplo a internet. No ciberespao as noes de espao e tempo so bruscamente modificadas.
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ltimo modelo de computador da Microsoft e suas funes de ltima gerao, mas
reduzidssimo o nmero de pessoas que conhecem a tecnologia para fabric-lo.
Mas no so apenas as informaes de ordem tcnica ou cientfica que
precisam ser controladas. Os indivduos que consomem precisam ser seduzidos
para o consumismo, da informaes aparentemente distanciadas dessa lgica do
capital precisam ser conhecidas (vida de artistas, obras de arte, novas formas de
entretenimentos, para citar alguns aspectos). Para se manter, porm, a aura da
fantasia preciso manter segredos e mais uma vez traos da informao
precisam ser retidos.
Quem dominaria, portanto, as informaes ditas estratgicas para o domnio
do capital? Suspeitamos que os grandes conglomerados de empresas cujo
carter mundializado e que se apresentam como grupos econmicos atuando
em diversos setores da economia da mdia construo civil, de instituies
financeiras a fundaes culturais tm toda a chance de dominar a maior parte
de tais informaes que circulam no mundo, por seu poder econmico, poltico e
social.
A tecnologia da informao ganha, portanto, papel fundamental na
estruturao da sociedade. Este papel, porm, est sob influncia direta das
relaes econmicas, ou seja, do capital.
Sem que nos dssemos conta, a informao e a comunicao viraram negcios sob a gide de grandes conglomerados que exercem um controle consentido, buscado avidamente pelos defensores da liberdade de imprensa e dos ideais democrticos da sociedade. Assim, todos os que participam da cadeia de comunicao jornalistas, empresrios da mdia, polticos e os megaempresrios comportam-se como se existisse, no mundo da comunicao de massas, um discurso natural, que no atendesse a interesses econmicos e ideolgicos daqueles que detm os meios. (...) Ao contrrio, sabemos que as relaes entre comunicao e economia so cada vez mais difceis de serem detectadas. Essas esferas esto sempre e mais entrelaadas, comprometidas, pois a informao, como bem a sabemos, se transformou tambm em um produto, um negcio altamente rentvel em termos econmicos e polticos (SANTOS, 2009, p. 6).
Podemos, assim, falar de uma simbiose entre capital e tecnologia da
informao. Nessa relao de entendimento ntimo entre capital e tecnologia da
informao, chamamos ateno para a participao dos meios de comunicao
de massa nesse processo.
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CAPTULO 3 - OS MEIOS DE COMUNICAO DE MASSA
Jornal, revista, rdio, televiso, cinema, internet... Os meios de comunicao
de massa esto cada vez mais inseridos no cotidiano das sociedades
contemporneas. Em conseqncia, no seria um equvoco dizer que as
sociedades contemporneas so tambm sociedades da informao.
Associando a caracterstica humana de se comunicar aos interesses do
capital, os meios de comunicao de massa tornaram-se empresas eficientes no
seu objetivo de conseguir lucro para si. Eles so, hoje, grandes empresas
associadas a importantes grupos econmicos.
Segundo Morgado (2009), em seu artigo Os maiores grupos de
comunicao do Brasil, podemos encontrar esses grandes conglomerados de
mdia nas mos de equipes esportivas, como as Organizaes Cisneros e o time
de beisebol Los Leones de Caracas, a Mediaset e o Milan e a Televisa. Muitos
desses complexos empresariais tambm se estenderiam para outros setores da
economia como aviao, loterias, varejo, finanas, cerveja, restaurantes,
cosmticos e agropecuria.
Todas essas outras atividades beneficiam-se do brao miditico dessas corporaes, pois tem seu espao garantido para divulgar seus produtos e servios. Na Venezuela, por exemplo, os Cisneros, proprietrios da maior rede de TV de l, a Venevision, so donos do Miss Venezuela. Quando os Cisneros lanaram sua empresa de cosmticos nos anos 1970, a Fisa Kapina, eles empregaram o concurso de beleza para divulgar suas marcas. Resultado: em questo de dias, a empresa tornou-se uma das lderes do setor (MORGADO, 2009).
Os meios de comunicao de massa se mostram, tambm, eficazes na
funo de estimular o consumo mundial e a perpetuao do capitalismo. Visto que
a instituio mdia11 instrumento para criao de necessidades consumistas e
para a legitimao do sistema. Mas, tambm, pelos meios de comunicao de
11 A mdia pode ser vista como uma instituio por sua interferncia no cotidiano da sociedade contempornea que a tornou necessria para a fluncia das relaes sociais. Os cdigos de conduta da produo miditica, como tambm os cdigos de comportamento que a mdia injeta na sociedade sugerem aos meios de comunicao de massa um carter de relativa permanncia.
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massa assumirem, para si, uma credibilidade junto sociedade que antes era
dividida entre as instituies tradicionais.
Desiludidos com as burocracias estatais, partidrias e sindicais, o pblico recorre rdio e televiso para conseguir o que as instituies cidads no proporcionam: servios, justias, reparaes ou simples ateno (CANCLINI, 2001, p. 50).
Alm disso, os avanos cientfico-tecnolgicos e a mundializao do capital
impulsionaram o desenvolvimento dos meios de comunicao de massa. O
desenvolvimento da mdia que trouxe como conseqncia o aumento do alcance
de tais meios e, portanto, ampliao do seu poder dentro da sociedade a deixou
ainda mais cativa do sistema das mercadorias.
Em comparao com a imprensa da era liberal, os meios de comunicao de massas alcanaram, por um lado, uma extenso e uma eficcia incomparavelmente superiores e, com isso, a prpria esfera pblica se expandiu. Por outro lado, assim, eles tambm foram cada vez mais desalojados dessa esfera e reinseridos na esfera, outrora privada, do intercmbio de mercadorias; quanto maior se tornou sua eficcia jornalstico-publicitria, tanto mais vulnervel eles se tornaram presso de determinados interesses privados, sejam individuais, sejam coletivos (HABERMAS [1962], 1984, p. 221 apud RDIGER, 2003, p. 141).
fcil perceber a atuao dos meios de comunicao de massa, dentro do
mercado, seguindo a lgica empresarial. A concorrncia miditica na venda de
seus produtos pode ser rapidamente percebida pela enxurrada de revista, jornal,
programas de TV e de rdio, filmes, servios para internet que nos atinge todos
os dias. Como tambm pelas fuses entre grupos de comunicao, ou entre
grupos de comunicao e grupos que atuam em outros setores da economia.
Ao final da Segunda Guerra Mundial, 80% dos jornais dirios nos Estados Unidos eram independentes, mas, em 1984, esta proporo inverteu-se, e 80% deles passaram para a propriedade de cadeias corporativas. Em 1981, vinte corporaes controlavam a maior parte das atividades das onze mil revistas do pas, mas, apenas sete anos depois, esse nmero havia encolhido para trs corporaes (BAGDIKIAN, 1990:24).
Para exemplo mais recente, citamos a fuso do grupo Time Warner que
dentre suas empresas tem a CNN (Cable News Network), uma das maiores redes
de televiso do mundo, com a AOL (Amrica On Line, maior provedor de internet
da Amrica), construindo um imprio miditico com grandes divises de internet,
publicao, filmes, telecomunicaes e televiso: a AOL Time Warner.
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Ou a expanso das Organizaes Globo, cuja origem foi na rea da
comunicao, e que hoje so um conglomerado de empresas com atuao
tambm no mercado imobilirio, em bancos e na indstria alimentcia. Ou ainda a
criao do Sistema Brasileiro de Televiso em 1981, uma rede formada por
emissoras de TV que pertencem ao grupo empresarial encabeado por Slvio
Santos.
Pode-se ainda pensar que essa dinmica de transformar os meios de
comunicao de massa em grandes empresas seja uma especificidade dos
Estados Unidos e da Amrica Latina; esta ltima influenciada poltica e
economicamente pelos norte-americanos. Mas, como bem lembra Canclini, as
privatizaes dos meios de comunicao na Frana e Espanha, ocorridas
especialmente no comeo desse sculo (XXI), "obrigam-nos hoje a sermos menos
otimistas a respeito da capacidade da comunidade europia de proteger a esfera
pblica miditica das coaes do mercado internacional" (2001, p. 21).
J o papel, assumido pela mdia dentro da lgica do capital, de perpetuar o
sistema contribuindo para sua legitimao ou ainda estimulando a sociedade no
to perceptvel ao olhar do senso comum. Pois essa funo apesar de existir
de forma ostensiva construiu-se dentro de uma nvoa que naturaliza as
relaes comunicativas mediadas pela mercadoria.
Exercendo essa funo ao procurar recriar a realidade como fuga do
cotidiano estressante do mundo do trabalho (GOHN, 2000), os meios de
comunicao de massa usam de um poder onde as construes discursivas so
o elemento principal que vai sorrateiramente se infiltrando nas mentes e nos
coraes humanos e se refletindo nos cotidianos sociais.
As disposies discursivas so encontradas, em especial, na mdia dirigida s massas. Elas criam e afirmam padres estticos e atuam sobre a subjetividade das pessoas, agenciando os comportamentos. Dessa forma, o sistema capitalista atual produz no apenas mercadorias, mas tambm subjetividades. E a mdia o veculo por excelncia de divulgao das propagandas que criam desejos, modelam o imaginrio das pessoas, despertam anseios etc.. Substitui-se a informao pela propaganda. Todos so tratados como consumidores, numa lgica de escolhas, numa economia de mercado (GOHN, 2000, p. 9-10).
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incontestvel tanto pelo poder exercido nas construes discursivas
como tambm pelo aparato financeiro que os cerca a interveno dos meios de
comunicao de massa em todos os aspectos social, econmico, poltico, cultural,
religioso das sociedades contemporneas. Eles poderiam, inclusive, ser
associados a um deus todo poderoso que tem o mundo a seus ps se no fosse a
engrenagem capitalista que os move. Engrenagem essa que regula as relaes
sociais, atravs das relaes de troca. Pois h muito que o capitalismo penetrou
no campo da formao da conscincia, convertendo os bens culturais em
mercadoria (RDIGER, 2003).
Nas sociedades capitalistas avanadas, a populao mobilizada a se engajar nas tarefas necessrias manuteno do sistema econmico e social atravs do consumo esttico massificados, articulado pela indstria cultural. As tendncias crise sistmica e desero individual so combatidas, entre outros meios, atravs da explorao mercantil da cultura e dos processos de formao da conscincia. Assim sendo, acontece, porm, que seu contedo libertador se v freado e, ao invs do conhecimento emancipador em relao s vrias formas de dominao, as comunicaes se vem acorrentadas ordem social dominante (RDIGER, 2003, p. 133).
Atrelada lgica do capital mundializado, os meios de comunicao de
massa apresentam-se como importante aliado na manuteno do sistema.
A distribuio global dos bens e da informao permite que o consumo dos pases centrais e perifricos se aproximem [...] Somos subdesenvolvidos na produo endgena para os meios eletrnicos, mas no para o consumo (CANCLINI, 2001, p. 53-54).
Nessa aliana entre capital e meios de comunicao de massa, uma
competncia da mdia que destacamos a capacidade desta de "atingir seus
objetivos por estratgias de convencimento, pela persuaso/seduo que apelam
para as emoes das pessoas" (GOHN, 2000, p. 35). Esse apelo s emoes,
fantasias e aos fetiches humanos to bem utilizado pelos meios de
comunicao de massa o ponto de partida para se criar necessidades que
estimulem o consumo e para perpetuar a sociedade das mercadorias.
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CAPTULO 4 - DAS REMINISCNCIAS EMOTIVAS S
PRTICAS CONSUMISTAS
Apropriar-se da natureza pela capacidade de trabalho, de criar simbolismo e de usar a linguagem so caractersticas natas do ser humano que o diferenciam
do restante da natureza. Podemos pensar, ento, que se o ser humano se
distingue pela linguagem, suas diferentes prticas discursivas agem na
constituio da subjetividade humana (FOUCAULT apud BRANDO, 1998).
Entendendo a subjetividade afastada da noo de representao onde o real
era apreendido pela conscincia e no se admitia contradies na constituio da
verdade e da realidade, devido ao pressuposto de que o entendimento seguia
fielmente o princpio da identidade. O sujeito se apropriaria, ento, de algo
heterogneo a ele e, ao conceber a idia, transformaria essa heterogeneidade em
algo homogneo conscincia. A subjetividade no est, portanto, na identidade,
mas na relao opositiva que um ser mantm com outro e se manifesta pelo
conhecimento sendo ela mesma objeto de conhecimento (BRANDO, 1998).
Deslocando-se o lugar da funo representativa do real, a lngua adquire espessura prpria, pois livre das amarras que a prendiam a uma concepo centrada na capacidade de exprimir representaes, passa a ser desvendada na sua especificidade (BRANDO, 1998, p. 37).
A linguagem ento liberta e com ela a subjetividade, ou melhor, as
subjetividades, pois cada ser humano ao produzir e usar a linguagem se constitui
por ela. Podemos dizer que "pela linguagem que o homem se constitui como
subjetividade, porque abre espao para as relaes intersubjetivas e para o
reconhecimento recproco das conscincias" (BRANDO, 1998, p. 38). Se o
sujeito ao produzir a linguagem se constitui por ela, a subjetividade ser, ento, "a
capacidade de o locutor se propor como sujeito do seu discurso e ela
[subjetividade] se funda no exerccio da lngua" (BRANDO, 1998, p. 38).
Na dcada de 1960, Mikhail Bakhtin, contrariando Saussure e os demais
estruturalistas que consideravam a lngua um sistema sincrnico homogneo e
rejeitavam suas manifestaes individuais, valoriza a fala, a enunciao, e afirma
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sua natureza social, no individual. A fala estaria indissoluvelmente ligada s
condies da comunicao, que, por sua vez, esto sempre ligadas s estruturas
sociais (VILELA, 2009). Convm ressaltar ainda que
as estruturas sociais so governadas por ideologias, que, segundo Althusser, manifestam-se nos ARE (aparelhos repressores do Estado) ou nos AIE (aparelhos ideolgicos do Estado). As ideologias determinam as formaes discursivas. Uma formao discursiva, segundo Mussalim, marcada por regularidades, ou seja, por regras de formao, tidas como mecanismos de controle do que pertence e do que no pertence a uma formao discursiva. A FD, portanto, no um espao fechado, sempre invadida por elementos que vm de outro lugar, de outras FDs (VILELA, 2009).
As formaes discursivas, porm, no esto atreladas apenas capacidade
humana de dar sentido s coisas, constituindo sua subjetividade. Existem
elementos ideolgicos que influenciam na relao sentido e sujeito.
As palavras, expresses, proposies mudam de sentido segundo posies sustentadas por aqueles que as empregam, o que significa que elas tomam o seu sentido em referncia a estas posies, isto , em referncia s formaes ideolgicas nas quais essas posies se inscrevem (PCHEUX apud BRANDO, 1998, p. 40).
Na sociedade contempornea, cujo consumismo o motor do sistema
hegemnico, o discurso um agente que contribui para estimular o consumo.
Alimentamos a idia do consumo pela palavra, transformando em algo nato ao ser
humano a prtica de consumir tudo o tempo todo. Sejam de forma indireta ou
direta, como as campanhas publicitrias, as formaes discursivas
especialmente as miditicas, pois os meios de comunicao de massa respaldam
a lgica capitalista utilizam-se de estratgias para o convencimento ao
consumo.
Dentre as estratgias, o apelo ao emocional uma das mais importantes,
pois outro elemento que age na formao dos discursos o inconsciente. Afinal,
se entendemos o sujeito numa relao com a linguagem, no se poder tratar o
discurso como uma fala homognea e sim compreend-lo na heterogeneidade da
fala, fruto da diviso do sujeito entre consciente e inconsciente. "O discurso no
se reduz a um dizer explcito, pois ele permanentemente atravessado pelo seu
avesso que a pontuao do inconsciente" (BRANDO, 1998, p. 43). E a partir
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do inconsciente que surge a pulso do desejo que incita a atividade humana,
inclusive o ato de consumir.
Podemos ainda dizer que "no o simples conhecimento da gramtica e do
lxico da lngua que permite interpretar adequadamente o enunciado"
(MAINGUENEAU, 2001, p. 25). Pois, quando falamos em formas discursivas,
pressupomos um ato de comunicao, portanto, uma relao que se estabelece
entre sujeitos a produzir e a consumir sentidos.
O discurso resultante constitui uma espcie de projeo imaginria do vnculo locutor/interlocutor. Nessa projeo o discurso articula-se a contextos, situaes, configurando o nvel de funcionamento, denominado enunciao. A enunciao est assim relacionada tanto aos elementos pertencentes ao cdigo da lngua como ao contexto, e seu sentido depende de fatores que variam de uma enunciao a outra (CASTRO, 2001, p. 99).
Por ser um ato de comunicao e assim, apresentar-se como uma relao
social, um mesmo discurso pode sofrer interpretaes diferentes que resultam em
compreenses distintas sobre ele. Assim, no h garantia de que o sentido inicial
de um discurso e, por conseguinte, suas intenes seja compreendido e
assimilado em sua totalidade.
Todo ato de enunciao fundamentalmente assimtrico: a pessoa que interpreta o enunciado reconstri seu sentido a partir de indicaes presentes no enunciado produzido, mas nada garante que o que ela reconstri coincida com as representaes do enunciador (MAINGUENEAU, 2001, p. 20).
Se de um lado no h essa garantia de compreenso do discurso dentro das
intenes de quem emite o enunciado e por outro lado h a inteno de se
estimular o consumismo e a legitimao do sistema do capital, as grandes
corporaes que detm quase a totalidade do poder econmico mundial
buscam mecanismos para ter o mximo de controle possvel para que suas
mensagens sejam apropriadas o mais prximo das intenes que motivaram a
produo de tais mensagens.
O monoplio dos meios de comunicao de massa na tentativa de unificar o
discurso " medida que a propriedade desses meios torna-se mais e mais
concentrada sua orientao social e poltica torna-se mais uniforme"
(BAGDIKIAN, 1990, p. 39) e formas discursivas que buscam nos desejos,
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fetiches e fantasias humanas o impulso para gerar a necessidade de consumo
so dois mecanismos que contribuem para que a palavra miditica tenha uma
grande influncia na sociedade consumista.
Dentro das programaes, dos contedos editoriais dos veculos e fora deles, nos intervalos dos comerciais, as mensagens so implcita e explicitamente inoculadas dose a dose nos receptores da mdia at a imperceptvel intoxicao. Desta maneira, todo um modo de vida comunicado subliminarmente, tal qual uma neblina, suave e dissimulada, bombardeando o receptor-consumidor de mensagens por todos os canais sensrios, sinestesicamente, em todas as mdias (jornais, revistas, cinema, rdio, televiso etc)12 num ininterrupto crculo vicioso (SANTOS, 2009, p. 7).
Usar de palavras e expresses que nos remetam a sensaes boas ou ms
que esto enraizadas em nosso inconsciente uma forma que os meios de
comunicao de massa encontraram para conseguir o resultado esperado na
decodificao e ressignificao que a recepo far de o produto/marca a ser
vendido/comprado. "Na grande maioria dos casos, as frases so portadoras de
marcas de tempo e de pessoa e se encontram inseridas em unidades mais
amplas, os textos" (MAINGUENEAU, 2001, p. 24). O texto miditico, ento, utiliza
das nossas reminiscncias emotivas incrustadas no inconsciente para nos
sensibilizar ao consumo.
Porm, importante j que no se tem garantia de que a recepo se
apropriar da idia total do discurso primeiro que o interlocutor se reconhea no
produto a ser consumido para que a finalidade principal (o consumo) se
concretize. Para criar esse reconhecimento entre consumidor e produto, as
construes discursivas dos meios de comunicao de massa utilizam todos os
meios disponveis. Meios esses encontrados, por exemplo, ao se reconhecer as
diferenciaes do grupo que pretende atingir, levando em conta a natureza
psicolgica, econmica e social dos envolvidos. Da a diversidade de estilos de
programas de TV, de rdio ou de revistas e jornais ou ainda de sites.
Faamos, agora, o seguinte exerccio: ao lermos a palavra "sadia", o que
pensamos de imediato? Que relao fazemos com essa palavra? Possivelmente,
no primeiro momento, relacionaremos a palavra "sadia" a algo ou algum
12 CALAZANS, 1992, P. 17.
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saudvel, que d sade, salubre ou ainda, j fazendo uma associao entre
sade e higiene, poderemos relacionar a palavra "sadia" a algo higinico.
Interessante perceber que uma idia associa-se rapidamente a outra idia e
nesse processo associativo que damos sentidos s coisas. "A seqncia de
idias supe obedincia a uma regra pela qual as idias nascem umas das
outras, organizadas pela natureza daquela regra associativa que as comanda
(FERRARA, p-171)".
Mas, se ao lermos a palavra "sadia", ela esteja grafada da seguinte maneira:
Do que nos lembraremos?
Possivelmente, associaremos a grafia acima marca de produtos
alimentcios to bem conhecida no Brasil e cujos investimentos e produtos j
alcanam mais de cem pases. Pois as cores usadas na palavra, a tipologia, tudo
influencia para nos direcionar a uma interpretao desejada pelo enunciado. Isso
acontece porque "as condies materiais de apresentao intervm de maneira
decisiva na recepo (MAINGUENEAU, 2001, p. 21).
Pensando, pois, na lgica de estmulo ao consumo, crucial a preocupao
com a produo das formas discursivas pelos meios de comunicao de massa,
sob pena de se ver frustrada uma das principais funes da mdia dentro da
engrenagem capitalista que angariar novos consumidores e manter em
atividade quem j consome.
Cabe ao sujeito comunicante escolher o termo mais marcado que, de certa forma, assegura algum elo associativo com o imaginrio da recepo (...) Trata-se aqui de reconhecer atitudes e comportamentos dos protagonistas, maneira de falar, papis linguageiros assumidos, formas verbais, empregadas em funo das instrues contidas nas relaes situacionais (CASTRO, 2001, p. 99-101).
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Continuando nosso exerccio, teremos, ento, duas idias que se relacionam
palavra "sadia". Sadia, como sinnimo de algo saudvel e ,
como marca de produtos alimentcios. No jogo de associao de idias trazidas
pela palavra "sadia", no ser difcil ligarmos a marca de produtos alimentcios a
algo saudvel, que d sade, salubre ou higinico.
Relacionando por fim, a marca a algo bom que deve e pode
ser consumido sem ressalvas. "Essa interpretao s nos parece imediata porque
no temos conscincia de que estamos mobilizando vrias instncias para chegar
a ela" (MAINGUENEAU, 2001, p. 20-21). Aqui, mais uma vez, percebemos o
inconsciente na relao de recepo e reformulao do sentido das prticas
discursivas.
E por nos parecer imediata e por no termos essa conscincia do percurso
que fazemos at chegar a essa concluso de que a marca tem
produtos saudveis que devem ser consumidos, tudo nos parece natural. Assim,
comprar produtos dessa marca algo normal, melhor dizendo, necessrio para a
nossa sade, nosso bem-estar.
E so vrias as situaes onde os meios de comunicao de massa se
utilizam desse recurso de buscar em nossas recordaes emocionais elementos
que facilitem a assimilao e a vontade de consumir algum produto. Podemos
citar ainda outros exemplos, no campo da publicidade, como e
, marcas de uma gua sanitria e de sorvete, respectivamente, mas
que nos remontam a expresses de aprovao "Que Boa!" e "Que Bom!".
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Apesar das grafias diferentes diferenciao, inclusive, necessria para se
criar o diferencial da marca as sonoridades so iguais, mantendo a relao
entre marca e expresso que ajudar na associao da sensao de bem-estar
ao consumo dos produtos por essas marcas representados.
Assim, mais do que a funo do produto seu valor de uso o que nos
importa e nos motiva a adquiri-lo a fantasia que envolve o produto. a sua
relao com nossos anseios em busca da felicidade e sua capacidade de nos
instigar a vontade de possu-lo. Esse poder de mexer com o nosso imaginrio a
ponto de nos parecer ser impossvel viver sem tal produto exercido pelo uso da
palavra miditica que vem transformando as mercadorias em fetiches,
acirrando o consumo.
Poderamos, precipitadamente, concluir que os meios de comunicao de
massa s estimulariam o consumo quando inseridos no campo publicitrio. Ledo
engano, essa prtica no restrita publicidade cuja funo primeira promover
o consumo imediato de bens materiais, atravs da compra. Afinal,
as fronteiras do discurso publicitrio e do discurso jornalstico so cada vez mais tnues e imperceptveis. Tal fenmeno foi possibilitado graas ao acelerado processo que se desenvolve a partir da sociedade industrial e que encontrou o seu pice na sociedade informacional e globalizada. Tal processo responde pelo nome de estetizao das relaes sociais e culturais de uma sociedade cujos valores se apiam nas teias do consumo. Nesse processo, o jornalismo fica submetido s imposies econmicas aqui capitaneadas pela publicidade e propaganda. As relaes entre o jornalismo e a publicidade e propaganda cada vez mais so interdependentes (SANTOS, 2009, p. 8).
Tal recurso que se apia em nossas reminiscncias emocionais para
estimular o consumo utilizado pelos meios de comunicao de massa de uma
maneira em geral, inclusive pelos veculos jornalsticos. Pois a imprensa tem seu
desenvolvimento atrelado ao desenvolvimento do capitalismo.
Imprensa e capitalismo so pares gmeos. Dificilmente pode-se imaginar a atividade jornalstica, nascida no ncleo e dentro da lgica do modo de produo capitalista como algo muito distinto dele (MARCONDES, 1984, p. 13).
Chamamos ateno para Watergate histrico escndalo poltico, ocorrido
nos Estados Unidos nos anos de 1970 que culminou com a renncia do ento
presidente norte-americano Richard Nixon e que teve como estopim reportagens
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do Washington Post que associavam o assalto ao Comit Nacional Democrata
(Complexo Watergate) a Nixon. E aqui, abrimos espao para as reflexes de
Baudrillard quando este questiona se Watergate fora mesmo um escndalo ou
uma grande encenao em prol do capital.
Tendemos a nos inclinar idia de que a defesa da moralidade embutida no
caso em questo tambm uma forma de legitimar o sistema das mercadorias,
concedendo-lhe uma boa injeo de nimo. Afinal, como diz o terico francs:
a denncia do escndalo sempre uma homenagem que se rende lei. [...] O capital, imoral e sem escrpulos, s pode exercer-se por detrs de uma superestrutura moral, e quem quer que seja que regenere esta moralidade pblica (pela indignao, pela denncia etc.) trabalha espontaneamente para a ordem do capital. Foi esse o caso dos jornalistas do Washington Post. (1991, p. 23).
Embora tal discusso merecesse espao maior, nossa pesquisa se
concentra em apenas discutir como os meios de comunicao de massa podem
seja na sua forma publicitria, seja na sua forma jornalstica estimular o
consumo. Mesmo que tal estmulo no resulte na ao imediata da compra e
venda de bens materiais, pois estimular o consumismo perpassa por fortalecer os
pilares de sustentao do capital, entre estes, sua tica e moral que tornam
estrategicamente nebulosa a lgica capitalista que mantm tal sistema.
Alm disso, o consumo no se resume somente ao ato de se adquirir algum
bem material atravs do dinheiro, pois h outras formas de consumo como o
consumo de bens simblicos que so fundamentais na perpetuao do status
quo por fortalecer o imaginrio que permeia as relaes sociais embutidas na
ordem do sistema.
Entender a posio de aliado que o uso da palavra, atravs das formaes
discursivas, pode assumir na perpetuao do sistema das mercadorias e no
estmulo ao consumo desmedido compreender um aspecto que ajuda a girar a
engrenagem do capital onde todos que vivem em sociedade esto inseridos.
Buscar essa compreenso buscar tambm uma reflexo sobre a vida cotidiana
onde o ato de consumir se tornou quase a razo de existirmos.
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Tal discusso pode, ainda, apontar caminhos para uma reflexo crtica sobre
as formas discursivas com as quais somos bombardeados, cotidianamente, a
cada contato nosso com os meios de comunicao de massa. Ou ainda estimular
uma autocrtica sobre o que produzimos (ou reproduzimos) nos discursos que
assumimos como nossos.
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CONSIDERAES FINAIS
Neste trabalho, procuramos trazer alguns elementos que podem suscitar um
estudo e uma reflexo mais profundos sobre a lgica do capital e sua relao com
os meios de comunicao de massa e sobre os meios de comunicao de massa
e as formaes discursivas, por eles, produzidas. Longe de encerrar questo,
queremos fomentar e aguar o pensamento. Se conseguirmos pelo menos
chamar ateno para essa nuana do capital, traremos a satisfao de trabalho
iniciado e o estmulo para continuar esta pesquisa.
preciso frisar, porm, alguns aspectos no aprofundados neste trabalho.
Pois, existem infinitas nuanas nos processos comunicativos regidos pelos meios
de comunicao de massa que no contemplamos aqui. Embora tenhamos falado
dos meios de comunicao de massa a partir do seu papel empresarial, no
negamos o carter heterogneo que tais meios possuem e nem as inmeras e
distintas reaes dos receptores.
H de se levar em conta, tambm, as linguagens distintas entre os veculos
de comunicao; os aspectos histricos e culturais que constituem diferenas
significativas entre pases; as desigualdades econmicas; as diversas conjunturas
polticas, enfim, toda a dinmica social e da vida humana que interferem no s
na emisso das mensagens, mas tambm na forma de receb-las, consumi-las.
Afinal, mesmo os meios de comunicao de massa atuando diretamente na
vida poltica e na conservao cotidiana da ideologia hegemnica, a linguagem
dos meios de comunicao de massa tem uma relao com o pblico; ela no
simplesmente imposta (MARCONDES FILHO, 1984, p. 20). Alm disso, as
resistncias das massas so mais slidas do que supe a investigao mais
superficial (MARCONDES FILHO, 1984, p. 21).
Apesar disso, no se pode negar a relao intrnseca dos meios de
comunicao de massa com o sistema onde estes estejam inseridos. E, nos dias
de hoje, dias de um capitalismo mundializado, o sistema o das relaes de
troca. A sociedade a das mercadorias.
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A mdia no pode ser vista como entidade homognea e outras variveis devem ser discutidas. Mas h um denominador comum: os sistemas da mdia so articulados com o sistema poltico, econmico, cultural e social onde eles operam (COLE, 1996 apud GOHN, 2000, p. 36).
Como Maffesoli, tambm chamamos ateno para o risco de se limitar a
pesquisa sobre comunicao, quando esta baseada em teorias da manipulao,
ao poder exercido na emisso, renegando recepo a um papel secundrio no
processo comunicativo e tirando desta qualquer forma de reao.
As crticas da mdia baseadas na teoria da manipulao no percebem esse distanciamento, essa resistncia passiva, essa astcia do popular contra as intenes do poder. [...] A populao, mesmo as pessoas mais simples, no passiva e inventa formas de resistncia contra as tentativas de manipulao (MAFFESOLI, 2003).
Ressaltamos, porm, que trabalhar os meios de comunicao de massa
submetidos lgica do capital, portanto, lgica da acumulao privada da
riqueza; compreender o poder miditico, especialmente com os avanos
tecnolgicos, sobre as relaes sociais e a utilizao desse poder pelo capital
para a sustentao do sistema das mercadorias, seja na criao de necessidades
que estimulem o consumo, seja na naturalizao do sistema; e entender a
manipulao das formaes discursivas em prol do status quo no renegar a
recepo a uma condio de passividade, mas atentar para a organizao, de
ordem superestrutural da sociedade capitalista, existente na emisso das
mensagens miditicas.
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A obra
Preciso Consumir! Os meios de comunicao
de massa na lgica do capital de Klycia
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