E XERCÍCIOS DA F RATERNIDADE - it.clonline.org · no nada. A vida é, sim, drama: é dramática...

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  • R M I N I 2 0 0 9

    E X E R C C I O S D A F R A T E R N I D A D E

    D E C O M U N H O E L I B E R T A O

    DA F, O MTODO

  • Da f, o mtoDo

    Ex E rc c i o s d a Fr at E r n i d a d Ed E co m u n h o E Li b E rta o

    R m i n i 2 0 0 9

  • 2009 Fraternit di Comunione e LiberazioneTraduo do Italiano de Maria Nefita Oliveira (Primeira e segunda meditao) e Jos Maria Almeida (Introduo, assembleia e demais). Reviso final: Juliana Perez.

    Na capa: Barna de Siena, Vocao de So Pedro. Colegiada de San Gimignano (sculo XIV).

  • Cidade do Vaticano, 20 de abril de 2009

    ReverendoPadre Julin CarrnPresidente da Fraternidade de Comunho e Libertao

    Por ocasio Exerccios Espirituais Fraternidade de Comunho e Libertao sobre tema Da f, o mtodo, Sumo Pontfice dirige aos numerosos participantes cordial saudao com garantia Sua espiritual companhia, e ao mesmo tempo augura que providencial encontro susci-te renovada fidelidade a Cristo, para sempre maior empenho na obra de evangelizao, invoca larga efuso favores celestes e de corao envia ao senhor e aos responsveis Fraternidade e aos participantes especial bno apostlica.

    Cardeal Tarcisio Bertone, Secretrio de Estado de Sua Santidade

  • Sexta-feira 24 de abril, noiteNa entrada e na sada:

    Wolfgang Amadeus Mozart, Concerto para piano e orquestra n. 23em L maior, KV 488

    Wilhelm Kempff Ferdinand Leitner Bamberg Simphony OrchestraDeutsche Grammophon

    n INTRODUO

    Julin Carrn. Cada um de ns sabe das dificuldades que teve de enfrentar para estar aqui hoje. Essas dificuldades so a primeira expres-so do nosso grito, da nossa splica a Cristo.

    Invoquemos o Esprito Santo, invoquemos a ajuda dEle para que leve a termo esta nossa tentativa, este nosso grito.

    Vinde Esprito

    Damos as boas-vindas a todos e saudamos os nossos amigos que esto conectados via satlite: 23 pases ao vivo e, em seguida, outros quarenta, totalizando 63 naes. Pela primeira vez, Malta est ligada conosco ao vivo.

    Comeo este nosso encontro lendo o telegrama que o Santo Padre nos mandou.

    Por ocasio Exerccios Espirituais Fraternidade de Comunho e Libertao sobre tema Da f, o mtodo, Sumo Pontfice dirige aos numerosos participantes cordial saudao com garantia Sua espiritual companhia, e ao mesmo tempo augura que providencial encontro sus-cite renovada fidelidade a Cristo, para sempre maior empenho na obra de evangelizao, invoca larga efuso favores celestes e de corao envia ao senhor e aos responsveis Fraternidade e aos participantes especial bno apostlica. Cardeal Tarcisio Bertone, Secretrio de Estado.

    1. As circunstncias pelas quais Deus nos faz passar so fator essencial e no secundrio da nossa vocao, da misso a que Ele nos chama. Se o cristianismo anncio do fato de que o Mistrio se encarnou num homem, a circunstncia pela qual algum toma posio a esse respeito,

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    Sexta-feira, noite

    frente a todo o mundo, importante para a prpria definio do teste-munho1.

    Todos ns sabemos muito bem quais so as circunstncias que nos desafiaram ao longo deste ano: a crise econmica, o terremoto no Abru-zzo, as vrias formas de dor que nos fizeram refletir (sobretudo o caso Eluana), ver o naufrgio de um mundo, diante dos nossos olhos, com leis que no sabem mais defender o bem da vida ou da famlia, o ter-mos de viver cada vez mais a nossa vida sem ptria, as circunstncias dramticas pessoais e sociais da doena s dificuldades, perda do emprego, quando no a perda de tudo, como aconteceu com nossos amigos no Abruzzo. Por isso, diz-nos Dom Giussani, as circunstncias pelas quais Deus nos faz passar so fator essencial e no secundrio da nossa vocao. Portanto, para ns as circunstncias no so neu-tras, no so coisas que acontecem e no tm significado algum; isto , no so coisas que devemos apenas suportar estoicamente. So parte da nossa vocao, do modo como Deus, o Mistrio bom, nos chama, nos desafia, nos educa. Para ns, essas circunstncias tm todo o alcance de um chamado, por isso so parte do dilogo de cada um de ns com o Mistrio presente.

    Portanto nos dizia Dom Giussani quinze anos atrs, na introduo aos Exerccios da Fraternidade de 1994 , a vida um dilogo.

    No tragdia, a vida: a tragdia o que faz com que tudo termine no nada. A vida , sim, drama: dramtica porque relao entre o nos-so eu e o Tu de Deus, o nosso eu que tem de seguir os passos que Deus aponta2. essa Presena, esse Tu, que transforma a circunstncia, por-que sem esse Tu tudo seria nada, seria a passagem para uma tragdia cada vez mais escura. Mas justamente porque existe esse Tu, a circuns-tncia nos chama para Ele, Ele quem nos chama por meio dela, Ele quem nos chama para o destino por meio de tudo o que acontece. Ns no estamos imunes ao risco que Dom Giussani indicava anos atrs: viver a vida imersos na anestesia total criada pela nossa sociedade: O verdadeiro perigo de nossa poca, dizia Teilhard de Chardin, a perda do gosto de viver. Ora, a perda do gosto de viver envolve o no senti-mento de si, [...], a no afeio por si mesmo. Porm, seria preciso uma anestesia total para que um homem perca integralmente, inteiramente, o sentido do apego a si prprio e por isso uma, pelo menos embrionria,

    1 L. Giussani, Luomo e il suo destino, Marietti, Gnova 1999, p. 63.2 L. Giussani, O tempo se faz breve, Exerccios da Fraternidade de Comunho e Libertao. Rmini, 1994.

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    Exerccios da Fraternidade

    emoo por si mesmo, uma preocupao consigo prprio; seria neces-sria uma anestesia total. O tipo de sociedade em que vivemos consegue injetar essas anestesias totais [e ns o sabemos bem, porque em muitas ocasies ficamos como que entorpecidos na nossa distrao, na fuga de ns mesmos, onde a coisa mais distante essa afeio a si; basta pen-sar quando foi a ltima vez que cada um de ns (e digo primeiramente para mim mesmo) teve um instante verdadeiro de ternura por si prprio, sentiu vibrar dentro de si essa ternura por si mesmo], porm elas no podem ser permanentes. At essas anestesias totais extremamente difu-sas por isso uma sociedade caracterizada totalmente pela alienao tm um limite, no podem ser permanentes, e por isso o sofrimento [...] no evitvel. O sofrimento [...] indica a suspenso ou a ruptura ou o fim da anestesia total3.

    Por meio dessas circunstncias o Mistrio quer nos despertar dessa anestesia, nos educar para a conscincia de ns mesmos, para a nossa verdade, nos despertar para a conscincia a respeito de ns prprios, no nos deixa caminhar rumo ao nada, sem se preocupar conosco, por uma paixo pela nossa vida que o sinal mais poderoso da ternura de Deus por ns. E como nos educa? No atravs de um discurso, de uma reflexo que muitas vezes no estamos dispostos a ouvir , mas atravs da experincia do real, das circunstncias; por meio delas Ele nos chama, nos sacode (Voc no est percebendo?). Ns lemos na Escola de Comunidade: A vida, voc a aprende no concreto, no teo-ricamente4, e um pedao de realidade vale mais do que mil palavras. Ento, amigos, as circunstncias, os sofrimentos, as dificuldades, nos colocam diante da seriedade da vida, que tantas vezes ns gostaramos de censurar.

    Normalmente na vida, para todas as pessoas, srio o problema do dinheiro, srio o problema dos filhos, srio o problema do homem e da mulher, srio o problema da sade, srio o problema poltico. Para o mundo, tudo srio, exceto a vida. No digo a vida a vida como sade uma coisa sria, obviamente mas a vida [vocs precisariam sentir a vibrao de Dom Giussani quando diz a vida; ento, sentiriam toda a sua vibrao pela paixo dEle por cada um de ns]. Porm, o que a vida mais do que a sade, o dinheiro, o relacionamento entre homem e mulher, os filhos, o trabalho? O que a vida mais do que essas

    3 L. Giussani, Uomini senza patria (1982-1983), BUR, Milo 2008, pp. 292-293.4 L.Giussani, possvel viver assim?, Companhia Ilimitada, So Paulo 2008, p. 202.

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    coisas? O que implica? A vida implica tudo isto, mas com um objetivo, com um significado5.

    E as circunstncias nos desafiam a descobrir este significado.

    2. O verdadeiro problema, ento, no a crise, no so essas circunstncias mais ou menos dramticas que nos afetam de um modo ou de outro, mas como ns enfrentamos essas circunstncias, como nos colocamos diante delas. Muitas vezes essas circunstncias so a ocasio para percebermos como estamos deslocados, perdidos. Por qu? A realidade da Igreja, como evento cotidiano em que se torna presente o Acontecimento original, nos pe hoje diante do mundo, no digo esquecendo, mas considerando pres-suposto e bvio ao menos metodologicamente o contedo dogmtico do cristianismo, a sua ontologia, por isso, simplesmente, o acontecimento da f6. Conosco pode acontecer a mesma coisa: colocar-nos diante das circunstncias, no digo esquecendo, mas considerando pressuposto, con-siderando algo bvio o acontecimento da f. E a ficamos perdidos.

    Justamente por isso, as circunstncias que nos desafiam manifestam como veremos nestes dias o percurso feito neste ano, porque Dom Giussani nos ensina que a circunstncia o lugar em que a pessoa toma posio frente ao mundo, por seu modo de viv-la. Para quem recebeu o anncio cristo o Mistrio se encarnou num homem7 toda cir-cunstncia a ocasio pela qual cada pessoa mostra a sua posio frente a esse anncio, a esse fato.

    Ns dizemos diante de todos o que Cristo para ns pelo modo como vivemos as circunstncias. Cada um pode olhar para si mesmo, pode surpreender-se em ao, porque cada um se move dentro dessas circuns-tncias. Todos nos movemos, todos somos desafiados de um modo ou de outro por essas circunstncias. Todos somos forados a nos expor ningum poupado e assim ns dizemos o que significa para ns a vida, quem Cristo para ns, o que prezamos acima de tudo, para alm das nossas intenes. Digo para alm das nossas intenes porque muitas vezes ns confundimos as intenes com a realidade. As intenes muitas vezes so justas, mas depois descobrimos que na realidade ns nos move-mos segundo uma outra lgica. Por isso, pelo modo como ns enfrenta-mos os desafios das circunstncias que afirmamos de que lado estamos: Alis, pela forma como obtemos essa posio que se compreende se

    5 Ibidem, pp. 123-124.6 L. Giussani, Luomo e il suo destino, op. cit., pp. 63-64. 7 Ibidem, p. 63.

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    Exerccios da Fraternidade

    e o quanto vivemos a pertena, que a raiz profunda de toda expresso cultural8. Isto , ns dizemos a ns mesmos qual a nossa cultura, o que e quem amamos e valorizamos mais, pelo modo como enfrentamos as circunstncias. diante dos verdadeiros desafios do viver que se coloca em evidncia a consistncia de uma posio cultural, a sua capacidade de ficar em p diante de tudo, inclusive frente a um terremoto.

    A esse respeito, recebemos um testemunho impressionante dos nos-sos amigos do Abruzzo, que assim escreveram nesses dias:

    Segunda-feira, 6 de abril, foi o dia da angstia. O primeiro passo que demos foi nos encontrarmos, nos reunirmos, e fazer as contas. Em seguida, o maravilhamento e a gratido por termos sido todos preservados: o pri-meiro grande milagre. Logo depois nos colocamos disposio, em todos os cantos da regio, para atender s vrias necessidades que ocorriam. Essa tentativa de abraar, com todas as nossas imperfeies, os que estavam so-frendo, foi fundamental, porque atravs do simples relacionamento chega-mos a descobrir, em meio s runas, fatos que no eram nada parecidos com destroos. A dinmica da partilha tornou mais fcil descobrir inesperados e inimaginveis espetculos de beleza humana, que imediatamente nos fize-ram ver algo excepcional. Estava acontecendo algo grandioso. Justamente num momento em que se acreditava que nada podia acontecer. Justamente entre pessoas que pensvamos conhecer muito bem (nossas comunidades e a populao de quila) emergiu uma comovente e imprevisvel autoridade moral. Que podemos acompanhar. Em especial nos impressionaram Marco e sua esposa Daniela, que no dia seguinte ao terremoto decidiram estabe-lecer-se num trailer, em quila. Ontem noite ficamos comovidos quando ele nos disse: Aquilo de que o meu corao necessita est presente aqui! O terremoto tornou-o presente! Por entre as runas esto desabrochando flores. A flor no uma emoo, uma coisa presente. A flor so Gino e Grazia, minha mulher, o trailer que nos doaram, a Via Crucis, este lugar de comu-nho, ou Teresa, que depois de um ano e meio que foi embora, voltou para nos abraar e dizer: foi preciso um terremoto para me fazer voltar! A flor padre Eugenio, Ugo, Manlio e os outros amigos do grupo da cerveja e de Rmini. Um espetculo contnuo de ressurreio, depois de uma semana de paixo. Seriam necessrias muitas pginas para contar os fatos que vimos, porque o terremoto fez emergir toda a nossa pobreza e nos fez lembrar de todas as vezes que colocamos nossa esperanas em coisas materiais, que agora o terremoto destruiu. E muitas pginas para narrar como Jesus est

    8 Ivi.

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    Sexta-feira, noite

    nos mostrando que est vivo entre ns. Vm-nos as lgrimas quando Ele nos visita atravs da beleza incomparvel de alguns de ns que julgvamos normais, ou at mesmo das runas. A unidade e a pertena companhia so outro aspecto do milagre que estamos vendo. Quem poderia imaginar ver alguns de ns tomarem ao p da letra o que dizemos! [Aqui, diante de circunstncias to dramticas, se v quem leva a srio o que dizemos.]. On-tem, Marco, referindo-se a um dilogo entre ns dois, disse: Se parto de mim mesmo, consigo um, se parto dos outros, consigo cinco. No sei por qu, mas funciona. Fazer parte ao ponto de se dissolver na unidade, vejo que isso faz renascer. A evidncia que somos doidos como antes, mas Algum nos une. Estamos nos reunindo com muita frequncia e de vrias maneiras. No com o desejo de erguer as casas ou a regio (que podem ruir de novo a qualquer momento), mas com um desejo novo: poder usufruir do fascnio de Cristo, que reconstroi a Seu modo, e no abandon-Lo. A terra continua a tremer, acrescentando o medo dor. Temos a tentao de virar a pgina dizendo: Esperamos que essas coisas terminem logo, para podermos pelo menos recomear. Apesar disso, Ele est fazendo novas todas as coisas. Diz a Escola de Comunidade: Os inimigos da fidelidade, os inimigos mais importantes so o cansao e a dor. Ns nos deparamos com esses inimigos todos os dias, e s vezes eles nos derrotam. Que o Senhor nos perdoe. Que vocs todos, junto com Carrn, possam nos perdoar. Dando a vossa vida para nos fazer permanecer em Cristo.

    Quem no desejaria uma amizade como essa? Amigos que pedem para que demos a vida para eles permanecerem em Cristo.

    Os amigos chegam de todas as partes, at de Uganda. Escreve-me Rose:

    Li para as cem mulheres do Meeting Point de Kireka, bairro de Kam-pala (onde as mulheres quebram pedras para ganhar alguns trocados), na quinta-feira aps o terremoto, o panfleto do Movimento. Em lngua acioli, me disseram: So os nossos, desta vez os nossos foram atingidos. Preci-samos fazer alguma coisa. Perguntaram-me se havia alguma maneira de ajud-los, de chegar at l de nibus. Os jornais contavam que ainda havia pessoas sob os escombros, e elas queriam ir at l para quebrar o concreto e retirar os corpos. Eu disse a elas que era impossvel porque Abruzzo ficava muito longe, e o nico meio de transporte era o avio. E elas disseram: Precisamos fazer algo, porque nossa gente, pelo menos enviar alguma coisa para mostrar que so do nosso povo, que nos pertencemos. Uma delas disse: So pessoas da tribo de Dom Giussani. Estavam to tocadas,

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    Exerccios da Fraternidade

    que quando eu estava indo embora me deram o equivalente a R$ 750,00, uma cifra altssima para elas. E me disseram para encaminhar o dinheiro depressa, se fosse possvel, talvez pagar algum para ajudar a tirar as pes-soas dos escombros. Naquele dia, no fizemos as atividades bijuterias, dana, futebol porque as mulheres queriam saber dos fatos. Conversamos e, quando descobriram que eram italianos, disseram que eram da tribo de Dom Giussani, a mesma que a nossa. Elas se consideram da tribo de Dom Giussani. Ainda esto arrecadando dinheiro. Sempre me perguntam sobre nossos amigos porque no sabem muito bem onde fica Abruzzo, acham que toda a Itlia est envolvida no terremoto e, portanto, seus amigos. Ago-ra, querem escrever uma carta. realmente uma comoo, realmente ver-dade que a f tem um mtodo. Quando se est imerso no Mistrio no possvel no se dar conta daquilo que existe e comover-se. Essas mulheres me desafiam, a ponto de me comoverem. Elas no se movem porque o Movimento enviou um panfleto ou por causa de uma indicao, elas se comovem, ento, se movem. Se o corao est comovido, nos movemos.

    Quem no gostaria de ter vibrado assim? Quem no gostaria de vi-brar assim? Ao ouvir isso, quem pode evitar (eu, no!) de sentir vergo-nha por estarmos to distantes dessa experincia que vem dos nossos amigos do ltimo canto do mundo?

    Rose anexou tambm uma carta de Alice:Cara Rose, algum me abriu os olhos e me fez descobrir quem eu

    sou. To preciosa e amada. Posso dizer que somos da tribo de Dom Gius-sani e do Papa, que nos amaram e seguramente dariam e deram tudo pela nossa vida, foi isto o que aprendemos. Aqueles que esto sofrendo por causa do terremoto so da nossa tribo, quero enviar o que o meu corao sente e meu amor por eles, minha contribuio um sinal disto. Voc sabe, Rose, que uma pessoa que nunca experimentou o amor no pode entender o que ns sentimos por essas pessoas. Porque o amor o movi-mento do corao que ningum pode explicar. As pessoas que no amam podem responder apenas de maneira mecnica, no entanto, uma coisa muito grande o fato de que algum tenha se movido por voc e chore com voc, como aconteceu conosco. Diga quelas pessoas, se puder, que ns as amamos e pertencemos a elas. Ns sentimos sua dor porque algo pelo qual ns j passamos. Que Deus possa estar com elas neste momento de dificuldade, as proteja e as console por parte nossa. Alice9.

    9 Meeting Point de Kireka, bairro de Kampala.

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    Sexta-feira, noite

    Por isso, no incio desse nosso gesto dos Exerccios, sentimos a ur-gncia de uma converso. Neste comeo, podemos ter as duas atitudes, os dois tipos de atitude que Dom Giussani descortinava naqueles que comeavam a seguir Jesus:

    De um lado, havia aqueles que j tinham a soluo das coisas no bolso, ou pelo menos j sabiam quais eram os instrumentos para enfrentar o problema do homem e do povo (os escribas e os fariseus), e com eles todo o povo que participava do esprito dessa atitude. Imaginem qual era a sua postura ao ouvir Jesus; justamente como pedras sobre as quais caam inutilmente as suas palavras ou como pedras que contradiziam aquelas palavras, ceticamente ou com uma dialtica radicalmente oposta: a pedra dessa atitude recusava a oferta do discurso, contradizia-o ou deixava-o de lado. Por outro lado, tentemos imaginar o outro povo, os pobres; no porque no possussem nada Nicodemos e tantos outros no eram po-bres, nota o Evangelho mas pobres de corao, que iam ouvi-lo por-que jamais algum falou como este homem fala!, isto , porque eram, se sentiam animados, tocados, renovados na afeio por si mesmos, em sua humanidade, no sentimento da prpria humanidade. Essa gente o seguia [...] e esquecia at de se alimentar. E qual era o primeiro fator que definia esse fenmeno? Jesus Cristo? No! O primeiro fator a definir esse fen-meno que eram pobres, pessoas que sentiam [...] a piedade [dEle] em relao a elas, era gente que sentia fome e sede como Ele dir nas bem-aventuranas. Fome e sede significam o qu? Ter fome e sede de justia [...] significa desejar a realizao da prpria humanidade, o emergir do sentimento verdadeiro da prpria humanidade. [...] A pessoa, para dese-jar, para ter fome e sede de realizao da prpria humanidade, precisar ouvir a si prprio, sentir a prpria humanidade10.

    Comeamos este gesto com a conscincia da nossa necessidade. Co-meamos como pessoas necessitadas: decididos, por esta coincidncia com ns prprios e com a nossa necessidade, a estar abertos a tudo o que nosso gesto implica. Porque como uma splica o sacrifcio que fazemos para construir este gesto. Do silncio s dificuldades dos des-locamentos, tudo faz parte desse nosso grito, dessa nossa pobreza, a fim de que o Senhor tenha piedade de ns.

    10 L. Giussani, Uomini senza patria (1982-1983), op. cit., pp. 293-294.

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    Exerccios da Fraternidade

    SANTA MISSA

    HOmiLiA DO PADRE miCHELE BERCHi

    H dois mil anos, como hoje, participamos do mesmo acontecimen-to tornado maior, tornado mais verdadeiro; e h dois mil anos, como hoje, Jesus desafia-nos: onde podemos comprar o po para que estes tenham o que comer? Jesus desafia todos os nossos clculos, todas as nossas imagens, toda a nossa anestesia, toda a nossa dureza de corao, toda a falta de esperana.

    H dois mil anos, como hoje, Jesus, nestes trs dias, em todos os dias da nossa vida, desafia-nos, e este desafio a nossa salvao, a ternura para com o nosso corao para que se rompa a nossa medida, para que a nossa medida se converta na Sua medida, porque muito mais, infinita-mente melhor do que o po multiplicado, poder participar no grande acontecimento do milagre da Sua presena.

    Que a nossa vida, o nosso nada, possa ser instrumento desta Sua explosiva presena. isto que pedimos a Nossa Senhora para estes trs dias, assim como para todos os dias da nossa vida: que o nosso nada sirva Tua presena no mundo, Senhor.

  • Sbado, 25 de abril, manhNa entrada e na sada:

    Wolfgang Amadeus Mozart, Sinfonia n. 38 em r maior, K504 Praga,Wiener Philharmoniker Karl Bhn

    Deustsche Grammophon

    Padre Pino. O que a vida? A vida um dilogo, no uma tragdia. A tragdia o que faz com que tudo acabe no nada. A vida dramtica porque relao entre o nosso eu e o Tu de Deus, o nosso eu que deve seguir os passos que Deus indica.

    ngelus

    Laudes

    n PRimEiRA mEDiTAAO

    Julin Carrn

    Ns cremos e reconhecemos quetu s o Santo de Deus

    (Jo 6,69)

    1. O desmoronamento de velhas certezas religiosas

    a) A separao entre saber e crerO contexto no qual nos encontramos a enfrentar os desafios de que

    falvamos ontem noite o do desmoronamento das velhas certezas religiosas.

    Em seu livro F, verdade, tolerncia, o ento cardeal Ratzinger rela-ta um episdio narrado por Werner Heisenberg muito significativo, acontecido em Bruxelas no mbito de uma discusso entre cientistas.

    Ali se disse que Einstein falava frequentemente de Deus, e Max Planck era de opinio que no havia nenhuma contradio entre cin-cias naturais e religio [...]. Heisenberg [...] tinha por certo tratar-se de

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  • duas esferas totalmente diferentes que no estavam em competio uma com a outra. Nas cincias da natureza estava em causa o certo e o erra-do; na religio, o bem e o mal, o valor e o no-valor. [...] As cincias naturais so, de certo modo, a maneira como encaramos o lado objetivo da realidade [...] A f religiosa, ao contrrio, a expresso de uma de-ciso subjetiva, com a qual fixamos os valores que ho de guiar a nossa vida. Nessa altura, acrescenta Heisenberg: Devo confessar que no me sinto bem com essa separao. Duvido que as comunidades humanas possam conviver longamente com essa rigorosa separao entre crer e saber. Ento Wolfgang Pauli toma o fio do colquio, acentua a dvi-da de Heisenberg, erigindo-a em certeza: A completa separao entre saber e crer certamente um recurso provisrio por um tempo bem li-mitado. No mbito cultural ocidental, por exemplo, poder-se-ia chegar, num futuro no remoto, a um tempo onde os smbolos e as imagens das religies atuais no possussem mais fora convincente, nem mesmo para o povo simples; nessa altura, receio eu, tambm a tica habitual ruiria em pouco tempo e aconteceriam coisas de um horror tal que ns no podemos agora fazer idia alguma.11

    Era o ano de 1927. O que aconteceu depois todos ns sabemos. Con-tinua Ratzinger:

    Na nova situao do ps-guerra, estava viva a confiana de que isso nunca mais poderia acontecer. A Constituio da Repblica Fede-ral Alem de ento, adotada num esprito de responsabilidade perante Deus, pretendia ser expresso do vnculo do direito e da poltica com os grandes imperativos morais da f bblica. A confiana de ento em-palidece hoje ante a crise moral da humanidade, que assume formas novas e ameaadoras. O desmoronamento de velhas certezas religiosas que, h 70 anos, parecia ainda poder ser evitado, tornou-se, entretanto, em grande parte realidade [e ele dizia isso quinze anos atrs; imagine-mos agora...].12

    Esta a situao em que nos encontramos a enfrentar os desafios da realidade: o desmoronamento das certezas religiosas. Mas essa separa-o entre saber e crer tem uma origem ainda mais distante:

    O Iluminismo havia elevado como bandeira o ideal da religio dentro dos limites da simples razo. Mas essa religio puramente ra-

    11 J. Ratzinger, F, verdade, tolerncia: o cristianismo e as grandes religies do mundo. Traduo de Sivar Hoeppner Ferreira. So Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Cincia Raimundo Llio, 2007, p. 129-130.12 J. Ratzinger, F, verdade, tolerncia, op.cit., p.130-131.

    Exerccios da Fraternidade

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  • cional se despedaou rapidamente e, sobretudo, no possua nenhum vigor para sustentar a vida. [...] Procurou-se, ento, depois do fim do Iluminismo, [...] um novo espao para a religio [...]. Por isso, atribuiu-se religio o sentimento como seu setor particular no conjunto da existncia humana. Schleiermacher foi o grande terico dessa nova concepo de religio, que ele definia assim: Prxis arte, especulao cincia, religio sentido e gosto pelo infinito. Tornou-se clssica a resposta de Fausto pergunta de Margarida sobre a religio: O senti-mento tudo. O nome rudo e fumaa....13

    A ntida separao entre saber e crer, entre conhecimento e f, uma sntese das decises que atravessam e caracterizam a poca moderna. Tal separao define como vimos , de um lado, uma esfera de saber em que domina uma concepo racionalista da razo (uma razo como medida do real14, denominava Dom Giussani), que nada tem a ver com a questo do significado ltimo da vida, com o Mistrio e com a f; e, de outro lado e de forma correspondente, uma esfera do crer enten-dido como mbito no racional, do sentimento, de decises subjetivas acerca dos valores, em que est confinado todo o fenmeno religioso. O crer, portanto, encontra-se em drstica oposio a um saber concebido de forma racionalista.

    b) Arrancar do humano a hiptese da f cristMas existe ainda algo que para ns crucial. Junto a essa recondu-

    o de toda a experincia religiosa esfera do sentimento, sucede uma outra, mais insidiosa, denunciada diversas vezes por Dom Giussani: a reconduo da f crist (reconhecer como verdadeiro aquilo que uma Presena histrica diz de si)15 dinmica do senso religioso e da re-ligiosidade (pedido de totalidade constitutiva da nossa razo presente em cada ao).16 Para o homem moderno, a f nada mais seria ge-nericamente que um aspecto da religiosidade, um tipo de sentimento com o qual viver a irrequieta busca da prpria origem e do prprio destino, que justamente o elemento mais sugestivo de toda religio. Toda a conscincia moderna se agita para arrancar [esta a questo] do homem a hiptese da f crist e para reconduzi-la dinmica do senso

    13 J. Ratzinger, F, verdade, tolerncia, op.cit., p.132.14 L. Giussani, O senso religioso. Traduo de Paulo Afonso E. de Oliveira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000, p. 200.15 L. Giussani-S. Alberto-J. Prades, Generare tracce nella storia del mondo. Milano: Rizzoli, 1998, p.22.16 L. Giussani-S. Alberto-J. Prades, Generare tracce nella storia del mondo, op.cit., p. 21.

    Sbado, manh

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  • religioso e ao conceito de religiosidade, e essa confuso penetra, infe-lizmente, tambm na mentalidade do povo cristo.17

    Que essa mutilao da hiptese crist tenha acontecido, v-se pelo fato de que a grande maioria do povo cristo enfrenta a realidade sem ter diante dos olhos a tradio crist, isto , sem viver plenamente a memria. No mais essa tradio o critrio com o qual entrar na re-alidade, no mais o ponto de partida. Percebi a impresso que me causava ouvir de novo recentemente, na Liturgia, o relato da Criao. Eu j o terei escutado muitssimas vezes, e de novo me marcava o tipo de companhia e de educao que a Igreja realizou com as pessoas. E isso hoje falta. Vimos em tantas ocasies durante este ano: o que antes era normal pessoas que percebem que a realidade tem em sua origem um rosto bom, um Pai tornou-se quase uma exceo.

    Exatamente nesse contexto podemos entender todo o alcance da ten-tativa de Dom Giussani, que aceitou o desafio desse modo de conce-ber que descrevemos. O Movimento nasceu respondendo a esse desafio desde a primeira hora da aula de religio no Berchet, quando um aluno lhe disse que f e razo no tinham nada a ver uma com a outra. Dom Giussani jamais aceitou a reduo da f a sentimento, nem da razo a medida, e isso gerou uma modalidade de viver a experincia crist que a fez tornar-se interessante para ns, quando a encontramos. Na nossa vida, essa tradio, que em muitos desapareceu, tornou-se novamente interessante graas ao encontro cristo com o Movimento. Do contr-rio, ns tambm estaramos como tantos contemporneos nossos, per-didos.

    2. Um desmoronamento que diz respeito a ns

    Como sempre nos ensinou Dom Giussani, uma pessoa no pode vi-ver numa situao sem ser influenciada por ela. Por isso muitas vezes nos surpreendemos reagindo como todos. Como se percebe isso?

    A realidade o lugar da verificao da f. Por isso, nos aconteci-mentos que tivemos de enfrentar neste ano, o ponto crucial e dramtico que apareceu continuamente foi a questo da f e o nexo entre a f e a esperana. O confronto com o captulo sobre a esperana18 trouxe tona

    17 L. Giussani-S. Alberto-J. Prades, Generare tracce nella storia del mondo, op.cit., p. 22.18 Cf. L. Giussani, possvel viver assim? Traduo de Nefita Oliveira e Francesco Tremolada, 2. edio. So Paulo: Companhia Ilimitada, 2008, p. 147-210.

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  • uma fragilidade com relao f, que aparece em primeiro lugar como dificuldade em olhar para a experincia que se vive, como fraqueza de juzo, como reticncia para fazer aquele percurso de conhecimento que certos acontecimentos e certos fatos que nos tocam profundamente exigem. Existem inmeros exemplos que comprovam isso. Cito um, a partir de uma carta que me foi escrita:

    A Escola de Comunidade sobre esperana entrou na minha vida como uma pedrada. At antes do Natal a vida andava bem. Eu estava casado h mais de um ano. Em abril, nasceu minha primeira filha, lindssima, tenho um trabalho pelo qual sou apaixonado, ajudava os professores nos cole-giais, fazia muitssimas coisas. Depois, antes do Natal, aconteceu algo [e me fala de uma situao que o derrubou...]. Dominavam a insatisfao e a tristeza. Eu me perguntava: pelo qu eu me consumo todos os dias? E me vinham mente as suas palavras, quando voc diz que a nossa f tem um prazo de validade. Depois de alguns anos passados vivendo como um bom cielino, eu me achava com a f vacilante, no apoiada em nada, portanto o futuro era todo uma nvoa.

    E ns dizemos essas coisas depois de termos estado todos diante de uma proposta. No ano passado, fizemos todo o percurso na Escola de Comunidade, e tambm nos Exerccios: a f como mtodo de conheci-mento. Eu sou testemunha de que muitos de vocs trabalharam seria-mente, mas, quando a realidade aperta, o que domina o que acabamos de escutar: tudo desaparece. Como dizia Franco Nembrini, juntando todas as contribuies recebidas durante o meu encontro com os pro-fessores das escolas:

    uma avalanche de bem, de verdade, de iniciativas, mas tambm de certeza. Muitos desses relatos, verdade, falam de um milagre pre-sente, e no como visionrios; mas como se, no fundo, sofressem de uma incerteza [...]. quase como se, na manh seguinte, pudssemos nos levantar e a evidncia da experincia que fizemos evaporasse, pu-desse desaparecer no ar.19

    E assim prevalece a confuso. Como se todo o percurso feito sobre a f como mtodo de conhecimento desaparecesse de uma s vez. Isso nos torna conscientes, amigos, da longa marcha que ainda preciso percorrer, e nos testemunha que estamos na situao de todos. E prati-camos trs graves redues.

    19 J. Carrn. O que de verdade nos introduz no real? Um fato presente, encontro de padre Julin Carrn com os professores de Comunho e Libertao, no dia 15 de maro de 2009 em Milo. Traduzido por Durval Cordas.

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  • a) Reduo da f a senso religiosoAntes de mais nada, a reduo da f a senso religioso. Muitas vezes

    entre ns o cristianismo reduzido ao senso religioso. Na nossa vida cotidiana isto se traduz no fato de que a f vivida como uma das tantas hipteses que podemos formular para enfrentar as situaes, como se no tivesse acontecido nada e estivssemos sempre no comeo diante do desconhecido: eu, com o meu senso religioso, procurando s cegas construir o nexo com esse desconhecido. E como se percebe isso? Eu poderia contar vrios episdios, um aps o outro: percebe-se pelo fato de que o ponto de partida para enfrentar o dia no algo conhecido com certeza, e a razo oculta que esse algo no nos parece suficientemente real a ponto de no ser negligenciado. Ns nos surpreendemos por ser uma hiptese que sequer passa pela nossa cabea: passam pela nossa cabea todas as outras possibilidades, antes da f. Por qu? Porque a f no equivale a verdadeiro conhecimento. Eis o desmoronamento das velhas certezas. Qualquer coisa nos parece mais real do que a Presena reconhecida pela f. A incerteza e a fragilidade so a inevitvel con-sequncia da separao entre conhecimento e f. Ento, em vez de se partir de uma Presena encontrada e amada, parte-se de uma ausncia, do desconhecido. totalmente o contrrio para a pessoa para a qual a f verdadeiro conhecimento, conhecimento de algo real! Com efei-to, Dom Giussani afirma que o primeiro gesto de piedade para com voc mesmo, a primeira expresso do amor pela sua origem, pelo seu caminho e pelo seu destino [...] [...] confessar esse Outro [que voc reconheceu com a f].20 Este o primeiro gesto de piedade, antes de qualquer coerncia.

    visvel quando se parte de algo conhecido com certeza. Como me escreve essa moa:

    Acontecem tantas coisas, coisas bonitas, que me comovem, e coisas menos bonitas, dolorosas que, ao contrrio, me ferem, mas eu tenho nas mos um tesouro que uma coisa de louco pois tenho a possibilidade de olhar para tudo, de entrar em tudo. Primeiramente, de olhar, que no bvio, de olhar tudo de uma forma diferente, diferente e que d respiro em relao a todo o resto do mundo.

    Uma observao: embora acontea essa reduo, isto no nos im-pede de continuar a usar as palavras crists nem de participar de certos gestos cristos, mas como se tudo adquirisse um outro significado.

    20 L. Giussani, Uomini senza patria (1982-1983), op. cit., p. 270.

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  • b) Reduo da f a sentimentoA segunda reduo a da f a sentimento. Tambm entre ns pode-

    se afirmar essa concepo sentimental ou emocional da f, onde o crer, em vez de um reconhecimento da Presena encontrada, torna-se um salto, um ato irracional, um ato da vontade sem fundamento, no qual, no fim, a f que gera o fato e no o contrrio. Rudolf Bultmann o exegeta que dizia que a f que gera o cristianismo no est to dis-tante da nossa vida. Vejam que virada! Numa concepo sentimental da f, a fora do sentimento, a vontade de verdade21 estamos em m situao! que cria o seu objeto. Como escreveu um estudante de esquerda num panfleto dos nossos amigos universitrios: Isso que vocs dizem uma evidncia ou uma crena?. Muitas vezes para ns no conhecimento verdadeiro, mas uma crena: a f pertenceria a uma crena que no tem nada a ver com o conhecimento, com o uso da razo. Exatamente a primeira objeo feita a Dom Giussani na primeira hora de aula de religio! Nada de f como mtodo de conhecimento! E isso acontece depois de um ano de Escola de Comunidade sobre a f! Ento, quando se fala de Cristo, do objeto da f, no se fala de realida-de, portanto a razo no envolvida, e por isso no nos vem mente para enfrentar o desafio da vida. No consideramos como real o con-tedo da f: a f reduzida a sentimento.

    c) Reduo do cristianismo a tica ou culturaFinalmente, a terceira reduo a da f a tica. O que resta so

    alguns valores da cultura crist ou alguma regra da tica crist. Nos surpreendemos muitas vezes neste ano defendendo esses valores, mas sem a necessidade de falar dEle, da Presena reconhecida e amada. Defende-se a vida, mas quem de ns conseguiria ficar frente a um dra-ma como o de Eluana s defendendo a vida? Quem de ns, se no fosse a companhia de Algum presente, reconhecido e amado? Se no hou-vesse a carcia do Nazareno, quem teria condies de ficar frente a um drama como esse?! Se no existe essa Presena, ns desmoronamos por primeiro. Ns respiramos dentro e fora da Igreja essa reduo, a f reduzida a uma determinada viso do mundo e da vida, a uma moral ou a um conjunto de valores que, como tal, pode ser estimada ou combatida: existe quem, como os cristos ou certos leigos, a sustenta, e quem a combate em nome do princpio de autodeterminao radical do indivduo.

    21 E. Severino, La buona fede. Milano: Rizzoli, 1999, p.120.

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  • O cristianismo dos valores uma tentao a que ns no somos es-tranhos. o que Dom Giussani denunciava j em 1982, quando dizia amargamente aos responsveis dos universitrios que como se o Mo-vimento de Comunho e Libertao, de 1970 em diante, tivesse traba-lhado, construdo e lutado pelos valores que Cristo trouxe, enquanto o fato de Cristo [...] tivesse ficado como algo paralelo22. Mas um cristianismo assim insuficiente para sustentar a vida, e to logo a vida se complica, a incerteza predomina.

    3. A irredutibilidade de um fato

    Perguntava-se Ratzinger:Por que a f continua sendo ainda uma oportunidade [tambm para

    ns]? Eu diria: porque ela corresponde natureza do homem. [...] No homem vive indelvel o anseio do infinito. Nenhuma das respostas da-das foi suficiente: apenas o Deus que se fez a si mesmo finito, para romper a nossa finitude e nos conduzir imensidade da sua infinitude, responde ao questionamento do nosso ser. Por isso, hoje, a f crist recuperar o homem.23

    Por que todas essas redues no predominaram em ns? Ns sabe-mos bem: porque o Fato que encontramos graas a Deus, literalmen-te absolutamente irredutvel. No somos capazes de apag-lo. Ns, hoje no no passado, hoje! estamos diante de um fato absolutamente irredutvel, cheio de testemunhas, e isso o sinal mais evidente de que o Mistrio continua a ter piedade de ns.

    Existe um trecho em possvel viver assim? conhecido de todos que tem um grande alcance, pois contm toda a originalidade e a ra-cionalidade da f, toda a sua diferena de um sentimento religioso, de um crer oposto ao conhecer:

    Qual a primeira caracterstica da f em Cristo? Para Andr e Joo, qual foi a primeira caracterstica da f que tiveram em Jesus? [...] A primeira caracterstica um fato! Qual a primeira caracterstica do conhecimento? o impacto da conscincia com uma realidade.24

    O fato que continua a desafiar cada um de ns o ponto de partida pelo qual mais uma vez voltamos aqui neste ano: o pressentimento de

    22 L. Giussani, Uomini senza patria (1982-1983), op. cit., p. 56.23 J. Ratzinger, F, verdade, tolerncia, op.cit., p.128.24 L. Giussani, possvel viver assim? op.cit., p. 41.

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  • uma correspondncia que no podemos tirar de ns, porque o deparar-se com uma diversidade humana:

    O acontecimento de Cristo se faz presente hoje num fenmeno de humanidade diferente: um homem se depara com esse fenmeno e reconhece a um pressentimento novo de vida [...]. Esse deparar-se da pessoa com uma diversidade humana algo extremamente simples, absolutamente elementar, que vem antes de tudo, de qualquer cateque-se, reflexo ou desenvolvimento: algo que no precisa ser explicado, mas to-somente visto, interceptado, que suscita um maravilhamento, desperta uma emoo, constitui um chamado, move a seguir, por sua correspondncia espera estrutural do corao.25

    Sem essa contemporaneidade da Sua presena no fenmeno de uma humanidade diferente, no seria possvel a f crist. E a contemporanei-dade de Cristo hoje esse fato de humanidade diferente que muitos de vocs me testemunham , fato que desafia a minha razo e a minha liberdade.

    Mas por que se to evidente esse testemunho, se estamos rode-ados por to grande quantidade de testemunhas , por que depois de pouco tempo ficamos de novo perdidos, presos no nosso sentimento, sufocados na circunstncia?

    O que falta hoje entre ns no a Presena (estamos rodeados por sinais, por testemunhas!); falta o humano. Se a humanidade no en-tra em jogo, o caminho do conhecimento para. Amigos, no falta a Presena, falta o percurso, falta que ns nos decidamos a fazer todo o percurso da f como nos foi anunciado, porque dessa situao, desse contexto em que vivemos a f (que incide sobre ns muito mais do que tenhamos conscincia disso), ns no podemos sair automaticamente, esquentando a cadeira, sem um trabalho. uma escravido da qual no nos libertamos automaticamente, mas com uma ascese [...]: a ascese uma aplicao que o homem faz de suas energias num trabalho sobre si mesmo, no mbito da inteligncia e da vontade.26

    A experincia feita nesses anos nos torna conscientes de que no basta repetir certas frases de Dom Giussani reduzindo assim a sua pessoa a um catlogo de discursos ou participar de momentos boni-tos. preciso empenhar-se seriamente num caminho, num trabalho, e o desafio perante quem encontramos levar a srio ou no a proposta que nos fez Dom Giussani. Vamos parar de brincar conosco! Poucos lugares

    25 L. Giussani, Algo que vem antes, em Passos-Litterae Communionis, dezembro 2008, p.1-2.26 L. Giussani, O senso religioso, op. cit., p. 126.

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  • na Igreja de Deus tiveram a coragem de aceitar o desafio dos tempos modernos como fez a experincia nascida de Dom Giussani. Mas ns muitas vezes a reduzimos a uma srie de iniciativas, a participar de certos gestos, mas sem fazer um caminho humano, ou seja, da razo e da liberdade: levamos um pouco na esportiva, quase no realmente conscientes da situao dramtica em que nos encontramos, que, ao invs, requer todo o empenho da nossa pessoa para a verificao. Exa-tamente ele j tinha nos dito h muitos anos:

    Se o Movimento no uma aventura para si e no o fenmeno de um dilatar-se do corao, ento vira partido [...] que pode ser sobrecar-regado de projetos [que no faltam entre ns], mas no qual cada pessoa est fadada a ficar sempre mais tragicamente s [junto, mas s!] e a ser definida de forma individualista.27

    Qual o percurso que falta, qual a aventura?

    a) Percurso da fQuero de novo ressaltar dois aspectos do percurso da f que consi-

    dero decisivos.

    1) CorrespondnciaA primeira dificuldade que vejo que nos falta a conscincia daqui-

    lo que chamamos de correspondncia, que a palavra mais confusa de todo o vocabulrio cielino. Vejam que Dom Giussani adverte que o motivo pelo qual as pessoas no crem mais ou crem sem crer (re-duzem o crer a uma participao formal, ritualista, a gestos, ou a um moralismo) porque no vivem a prpria humanidade [falta o huma-no], no esto empenhadas com sua prpria humanidade, com a sua prpria sensibilidade, com a sua prpria conscincia, e portanto com a sua prpria humanidade.28 Ou seja, o empenho no caminho humano condio para que estejamos alerta quando Cristo nos oferece o seu encontro.29

    Quando falta o empenho da nossa humanidade, o resultado isso que ele descreve numa palestra em Chieti, em novembro de 1985: Ns, cristos, no clima moderno, fomos separados no das frmulas crists, diretamente, no dos ritos cristos, diretamente, no das leis do dec-logo cristo, diretamente. Fomos separados do fundamento humano,

    27 L. Giussani, Uomini senza patria (1982-1983), op. cit., p. 204.28 L. Giussani, Vivendo nella carne. Milano: BUR, 1998, p. 66.29 L. Giussani, Vivendo nella carne, op.cit. p.65.

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  • do senso religioso [do nosso humano]. Temos uma f que no mais religiosa. Temos uma f que no responde mais como deveria ao sen-timento religioso; ou seja, temos uma f no consciente, uma f no mais inteligente de si. Dizia um velho autor, Reinhold Niebuhr: No h nada de mais inconcebvel do que a resposta para um problema que no se coloca. Cristo a resposta ao problema, sede e fome que o homem tem da verdade, da felicidade, da beleza e do amor, da justia, do significado ltimo. Se isto no vivo em ns, se essa exigncia no educada em ns, para que serve Cristo? Isto , para que servem a mis-sa, a confisso, as oraes, o catecismo, a Igreja, padres e Papa? So tratados ainda com certo respeito conforme as reas de vida do mundo, so conservados por um certo perodo de tempo por fora da inrcia mas no so mais respostas a uma pergunta, portanto no tm mais uma longa sobrevivncia [tem um prazo de validade, justamente]. [...] Assim o cristianismo se tornou Palavra, palavras.30 Falao...

    Ratzinger j tinha percebido a importncia disso h muitos anos: A crise da pregao crist, que experimentamos em crescente medida, h um sculo, depende em muito do fato de que as respostas crists negli-genciam as interrogaes do homem; elas eram justas e continuavam a permanecer como tais; porm no tiveram influncia na medida em que no partiram do problema e no foram desenvolvidas no interior dele. Por isso um componente essencial da prpria pregao o tomar parte da busca do homem, pois s assim a palavra (Wort) pode fazer-se resposta (Ant-wort).31

    Esta a deciso que cada um de ns precisa tomar: ou tomar par-te da aventura do conhecimento, levando a srio as prprias perguntas humanas, ou repetir um discurso aprendido, cumprindo gestos formais e organizativos. Por isso Dom Giussani sempre nos convidou a levar a srio o humano, isto , a afeio por si mesmo:

    A primeira condio para que o acontecimento, o Movimento como acontecimento, como fenmeno imponente, se realize, a primeira con-dio exatamente esse sentimento pela prpria humanidade [...]: a afeio por si.32 E o que quer dizer essa afeio por si? No um sentimentalismo: A afeio por si reconduz redescoberta das exign-cias constitutivas, das necessidades originais, na sua nudez e vastido

    30 L. Giussani, A conscincia religiosa no homem moderno, Centro Cultural Jacques Maritain, pr-manuscrito, Chieti, 1986, p. 15.31 J. Ratzinger, Dogma e predicazione. Brescia: Queriniana, 2005, p. 75.32 L. Giussani, Uomini senza patria (1982-1983), op. cit., p. 294.

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  • [...]: uma espera sem limite. [...] Essa a originalidade do homem; com efeito, a originalidade do homem a espera do infinito.33

    Mas isso que tantas vezes falta entre ns, esse senso do mist-rio, de modo que, no final, faltando o Mistrio, tudo nos corresponde porque tudo a mesma coisa. esta a desgraa dos modernos: no possuem o senso do mistrio.34 Muitas vezes, falando entre ns, essa a coisa que mais falta. No Ele que falta, falta o senso do Mistrio. Por isso me volta sempre mente aquela frase de Gilbert Chesterton: Os sbios ouve-se no veem a resposta para o enigma da razo. O mal no que os sbios no veem a resposta, mas que no veem o enigma,35 no percebem o enigma, no percebem o Mistrio. Por isso Martin Heidegger dizia que nenhuma poca soube menos do que a nossa o que o homem.36 Tanto verdade que tudo se reduz ao sen-timento de prazer ou de desprazer. Vejam o que dizia Immanuel Kant (podemos quase nos reconhecer nestas palavras): Em que coisa cada um deva colocar a prpria felicidade depende do sentimento de prazer ou de desprazer prprio de cada um [...]; portanto uma lei necessria subjetivamente (como lei de natureza) , objetivamente, um princpio prtico totalmente acidental, que em sujeitos diferentes pode e deve ser muito diverso, e portanto no pode jamais fornecer uma lei.37 O critrio de juzo absolutamente subjetivo, por isso a palavra corres-pondncia (que aqui reduzida quilo que condiz com esse sentimento subjetivo) manipulada por cada um, pela escolha de cada um.

    Por isso repito a vocs aquilo que Dom Giussani diz em Si pu (ve-ramente?!) vivere cosi? a respeito da experincia da correspondncia, porque me marcou quando o reli:

    O contedo da experincia a realidade. Um homem se apaixo-na por uma mulher: isto um fato, um fenmeno. O poeta caminha com as mos no bolso e chega a esse fato. Esse fato entra na esfera do horizonte do seu olhar, ou seja, entra no mbito do seu conhecer. Tratando-se de um fenmeno real, torna-se objeto de conhecimento. Isso o comeo do fenmeno, mas no tudo. Frente a esse objeto de conhecimento, os olhos do poeta se incendeiam de curiosidade, de simpatia, de aprovao, porque ele v no fenmeno algo que tambm ele gostaria de ter, mas sendo um jovem poeta de 15 anos ainda no o

    33 L. Giussani, Uomini senza patria, op.cit., p. 297-298.34 B. Marsall, Tutta la gloria nel profondo. Milano: Jaca Book, p. 149.35 G. K. Chesterton, Ortodossia. Milano: Edizioni Martello, 1988, p. 49.36 M. Heidegger, Kant e il problema della metafsica. Roma/Bari: Editori Laterza, 1981, p. 181.37 I. Kant, Critica della ragion pratica. Milano: Bompiani, 2000, p.75-77.

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  • tem dessa forma. Ele prova nostalgia: ele prova, isto , reage com um sentimento de inveja e com um desejo de ele tambm possuir aquele fenmeno.38

    Eu devia parar aqui e lhes perguntar: isto experincia? essa a correspondncia? Aposto que a maioria de vocs responderia sim: pro-vo uma nostalgia, provo essa curiosidade, provo essa simpatia, logo, me corresponde. E essa a justificativa; a pessoa pode ir atrs de qualquer coisa, e depois justificar qualquer tipo de naturalismo (ir at o fundo das prprias nostalgias sentimentais) em nome da correspondncia, e justificar tambm entre ns qualquer estupidez em nome da correspon-dncia. Frequentemente para ns correspondncia sinnimo de desejo de ter. Mas prestem ateno em como prossegue Dom Giussani:

    At aqui no correspondncia, mas algo que se prova. [...] satisfao real? resposta verdadeira minha necessidade? felicida-de? verdade e felicidade?. Essas so as exigncias que no nascem naquilo que ele prova, mas nascem nele diante daquilo que prova, nele empenhado com aquilo que prova. Essas perguntas julgam aquilo que ele prova.39 Esta, sim, a correspondncia! Aqui se torna experin-cia o puro e mero provar. [...] Torna-se experincia quando o provar ao mesmo tempo julgado com os critrios do corao: se realmente verdadeiro, se realmente bonito, se realmente bom, se realmente feliz. Com base nessas perguntas ltimas do corao, nesses critrios ltimos do corao, o homem governa a sua vida.40 Caso contrrio, uma criana que vai atrs daquilo que prova sem julgar! Por isso a confuso entre o provar e a correspondncia o que nos impede, no fim das contas, de reconhecer a correspondncia de Cristo. A questo no s que eu erre constantemente que j seria o bastante , mas que no entendo qual a novidade que Cristo introduz. Por isso achamos que no vemos a resposta, mas na realidade no vemos o enigma. Com efeito, uma resposta s entendida na medida em que a pessoa perce-be a pergunta em si.41 Somente uma pessoa assim entende a resposta. Por isso no h nada de mais inconcebvel do que uma resposta dada a um problema que no se coloca. E voc v logo quando a pessoa tem essa humanidade, quando tem o humano e quando no tem. Sempre me lembro do exemplo da Cleuza, que um instante depois de ter escutado

    38 L. Giussani, Si pu (veramente?!) vivere cos?. Milano: BUR, 1996, p. 81.39 L. Giussani, Si pu (veramente?!) vivere cos?, op.cit., p. 81-82.40 L. Giussani, Si pu (veramente?!) vivere cos?, op.cit., p. 82-83.41 L. Giussani, Uomini senza patria, op. cit., p. 62.

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  • que at os cabelos da prpria cabea esto contados e ramos sete-centas pessoas ouvindo aquilo experimentou logo a correspondncia impossvel. Podemos voltar pra casa, disse ao Marcos. Por que ela entendeu? Por qu? Porque sentia o enigma muito mais do que muitos entre ns, sabiches, que estvamos l, muito mais! Como se v que ela entendeu, ou seja, que para ela a f era conhecimento? Pelo modo como ela colocou a f em jogo na realidade, diante de todos e muito mais que todos. O juzo sobre a excepcionalidade de Cristo, sobre a corres-pondncia impossvel, s possvel para quem tem esse humano. Se falta o humano, mesmo que tenhamos na nossa frente a Presena, ns a trocamos por qualquer satisfao barata. A a f para ns no conheci-mento, continuamos perdidos como todos. No fundo no entendemos: ns, os sbios, no entendemos nada.

    2) Quem este?O segundo ponto sobre o qual gostaria de me deter, depois da cor-

    respondncia, que isso o incio de um percurso que culmina com a pergunta: quem Este que me corresponde assim? Ns estamos circun-dados, como dizamos antes, por fatos excepcionais, que s vezes fazem disparar a pergunta; mas normalmente ns no fazemos esse percurso e ficamos ali, como os judeus, suspensos. Os judeus, ento, o rodearam e lhe disseram: At quando nos deixars em suspenso? Se s o Cristo, dize-nos abertamente.42 Querem uma resposta que lhes poupe o empe-nho da sua prpria humanidade, da prpria razo e da prpria liberdade. Mas Jesus no cede sinto muito : Jesus lhes respondeu: Eu j vos disse, mas vs no acreditais. As obras que fao em nome de meu Pai do testemunho de mim. Vs, porm, no acreditais, porque no sois das minhas ovelhas. As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheo e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna e elas jamais perecero, e nin-gum vai arranc-las da minha mo. Meu Pai, que me deu tudo, maior do que todos e ningum pode arranc-las da mo do Pai. Eu e o Pai somos um43 Antes ele tinha dito: Mas eu tenho um testemunho maior que o de Joo: as obras que o Pai me concedeu realizar. As obras que eu fao do testemunho de mim, pois mostram que o Pai me enviou.44

    Ns estamos, como os judeus, diante das obras, dos fatos, das teste-munhas, dessa diversidade humana. Vemos uma avalanche de sinais de

    42 Jo 10,24.43 Jo 10,25-30.44 Jo 5,36.

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  • um milagre presente; mas existe como um medo de perder isso. Porque no sabemos de que se trata (se a pessoa experimentou que a gua mo-lha, possvel que no dia seguinte duvide se vai molhar de novo?). Ou seja, no conhecimento. O nosso medo comea no instante em que bloqueamos o percurso do conhecimento, do conhecimento daquela beleza que me fere, que eu no posso evitar que esteja diante de mim. Quem pode ter medo de que no permanea, de que desaparea depois de pouco tempo? Quem no chegou at a f. Quem no percebe nessas obras, nessa beleza o sinal da Sua presena. E por que no percebe? Porque fica preso na aparncia, como os judeus: veem as obras, mas no chegam a reconhecer a origem ltima delas. Para ns como se essa beleza que temos a nossa frente fosse separada dEle, no fosse a prova de que Ele est agindo no nosso meio: fazemos sempre uma separao entre o sinal e a origem do sinal. Ento os sinais no nos confirmam que Ele est agindo, a f no um conhecimento dEle por meio daquilo que faz. Se Ele, ser Ele que se preocupar em dar-me outros sinais ainda, ser Ele que se preocupar em permanecer presente, pois o nico que disse se chegssemos a reconhecer Quem faz essa beleza que temos nossa frente, sequer pensaramos em como permanece que ficar conosco at o fim do mundo. Como Ele ficar conosco no um problema nosso. Se no chegamos a esse conhecimento verdadeiro, estamos sempre no incmodo da incerteza.

    b) Verificao da fMas o percurso no acaba aqui. Uma vez reconhecido, preciso

    fazer a verificao, na experincia, dessa Presena que reconhecemos. Dizia ainda Ratzinger:

    A f crist no um sistema [no um pensamento]. No pode ser apresentada como uma construo intelectual fechada. um caminho, e prprio de um caminho que, s andando por ele, se possa saber como caminhar nele. Isso vlido num duplo sentido: a cada um, individual-mente, o cristianismo apenas se abre na experincia do caminhar-com [Cristo se revela aos nossos olhos na medida em que se manifesta pelo modo com que Ele nos muda e nos acompanha]; e s se deixa captar na sua totalidade como caminho histrico.45

    necessrio, portanto, que deixemos f o espao para manifestar a sua verdade, para que possa mostrar-se capaz de sustentar a vida, de ficar de p frente s circunstncias. O nosso Deus um Deus que se

    45 J. Ratzinger, F, verdade, tolerncia, op.cit., p.135.

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  • revela na histria, no nos nossos pensamentos. a que revela a Sua diversidade em relao a todos os nossos dolos.

    Por isso se no arriscarmos na realidade, no trabalho, na crise, na doena, nos relacionamentos, nas circunstncias, no poder vir tona a evidncia de que necessitamos aderir razoavelmente a Cristo. Pois aquilo de que necessitamos da evidncia de Cristo na nossa experin-cia, no de repetir um discurso. E no precisamos de algum que nos explique isso, precisamos ver isso: que fica de p frente s circunstn-cias, que capaz de sustentar a vida. No precisamos de direo espi-ritual, mas do convite a uma verificao dentro das circunstncias. exatamente isso que pode nos dar aquela certeza da qual necessitamos. S quem arrisca fazer essa verificao pode chegar certeza do conhe-cimento do qual todos necessitamos: poder verificar que quem cr no Filho tem a vida eterna e faz a experincia do cntuplo aqui. Sem isso, aderir f no razovel, porque no O conhecemos em ao. Ao invs, quem verifica pode chegar quela certeza.

    Escreve a uma amiga uma me que teve um lindo filho, e com sn-drome de Down:

    O que gostaria de te dizer que nestes trs meses de hospital eu e meu marido ficamos diante das circunstncias que se apresentavam com um desejo de abraar toda a realidade pela forma como ela se revelou. H vinte anos eu encontrei Comunho e Libertao, mas s nesta circunstn-cia, neste fato, revelou-se para mim o mistrio da grande Presena. Ele existe, um fato, como um fato o meu filho. A partir dessa nossa posi-o, nasceram tantos belssimos encontros, relacionamentos, revelou-se a unidade com os nossos amigos. Por isso me marcou a Escola de Comuni-dade quando dizia: ficar dentro da realidade pedindo quem a d para ns, ficando at o fundo e pedindo, perguntando at o fundo de que coisa sou constituda, desejando, esperando Aquele que me faz.

    c) A f um mtodo de conhecimentoAssim a f pode voltar a ser conhecimento. A f um mtodo de

    conhecimento! Esse caminho dramtico faz parte da certeza, amigos, da superao daquela separao entre saber e crer. A histria no in-til, as circunstncias por meio das quais o Mistrio nos faz passar no so inteis; so a possibilidade de ver, que se revele diante dos nos-sos olhos quem Aquele nos qual acreditamos. Por meio dessa histria ns conhecemos Aquele no qual acreditamos. Acreditamos, como os discpulos, porque vimos; no acreditamos por um sentimentalismo ou porque decidimos acreditar, decidimos criar a f. Ns O vimos em ao,

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  • as Suas obras falam dEle. Isso superar a separao entre saber e crer. Ns vimos, quando fizemos esse percurso, os traos inconfundveis da Sua presena. Nada de reduo da f a senso religioso e a sentimento!

    Quem aceitou esse desafio que Dom Giussani nos fez, quem aceitou percorrer todo o caminho da f como caminho de conhecimento, poder testemunhar isso, como muitos nos testemunham. Pois, nas circunstn-cias que cada pessoa tem de viver, o que aparece? Que ningum, quan-do fez esse percurso, pde eliminar a experincia de correspondncia que viveu e que vive. A correspondncia o sinal de que por meio dos fatos (uma quantidade sem fim de experincias, de eventos e de prod-gios) pudemos tocar com a mo a Sua presena no nosso meio (tanto que ficaram na memria, penetraram em cada fibra do nosso ser). A correspondncia em cada pessoa porque a pessoa pode ficar de p somente graas a isso : o Senhor de cada corao, e por isso o Se-nhor de todos. O cristianismo, quando fazemos esse caminho, um fato que ningum pode nos arrancar, que resiste a qualquer crise, a qualquer desmoronamento, a qualquer terremoto. Alis, qualquer crise, qualquer desafio, a oportunidade para reconhec-Lo em ao. o espetculo da Sua presena em ao na realidade, no nos nossos pensamentos. a certeza dEle que cresce. E por isso existe uma gratido infinita para com Ele, com Ele que se torna presente dessa forma na nossa vida.

    O que se revelou mais consistente do que qualquer outra coisa, do que qualquer desafio? Esse pertencer a Ele, como nos testemunhavam os nossos amigos de quila: um pertencer Presena que ningum pode derrotar. A consistncia da nossa vida depende do relacionamento com aquela Presen-a. O valor da nossa vida depende desse relacionamento, dessa familiarida-de: mas quem s Tu que cuidas assim do meu nada? Essa a grandeza do carisma ao qual pertencemos: pertencer a uma histria, a uma experincia de fatos que nos tornam protagonistas, no no sentido de ter poder, mas de reconhecer uma Presena que responde, que corresponde espera do nosso corao, tambm em meio a todas as dificuldades e a todas as condies. Por isso, tudo me dado para reconhecer os traos inconfundveis da Sua presena no nosso meio, que se revelam no nos nossos pensamentos, mas na vida. Entende-se por que So Paulo dizia com gratido: Foi ele que nos livrou do poder das trevas, transferindo-nos para o reino do seu Filho amado, no qual temos a redeno, o perdo dos pecados.46

    Por isso peamos: no me abandones nunca, Presena que sempre me surpreendes!

    46 Cl 1,13-14.

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  • SANTA MISSA

    SAUDAO INICIAL DE SUA EMINNCIA O CARDEAL STANISAW RYKO

    PRESIDENTE DO PONTIfCIO CONSELhO PARA OS LEIgOS

    Carssimos amigos, a minha cordial saudao a todos: a vs que es-tais reunidos em Rmini no encontro anual dos Exerccios Espirituais da Fraternidade de Comunho e Libertao, e a vs que, espalhados pelo mundo, participam em ligao via satlite.

    Ao v-los reunidos to numerosos e to recolhidos em silncio e orao diante do altar do Senhor, vm-me espontaneamente aos lbios as palavras do Salmo responsorial de hoje: Feliz da nao que sabe louvar-Te, Senhor, que sabe caminhar na luz do teu rosto (Sl 88).

    Dizia Dom Giussani: Deus para o homem misericrdia e a paz em ns tem um s nome: a misericrdia de Deus. Com o eco destas palavras no corao, reconheamo-nos pecadores, pobres, verdadeiros mendigos da divina misericrdia que no conhece limites, nem medida, e digamos juntos:

    Confesso a Deus...

    HOmiLiA

    Eis-me aqui, envia-me... (Is 6,8)

    1. O Senhor concede-vos de novo o dom deste importante encontro anual: os Exerccios Espirituais da Fraternidade. um dom da graa, porque os Exerccios so um tempo forte de regresso ao essencial, quer na vida do movimento, quer na vida pessoal de cada um de vs. En-contrais-vos em Rmini todos os anos. Mas no se trata, certamente, de repeties de rito de um evento sempre igual a si mesmo. Cada encontro diferente do que o antecedeu e do que o seguir. Hoje no como o ano passado.

    Porque a nossa histria pessoal est diferente, est mudada. E ines-gotvel a capacidade de Cristo de surpreender-nos com a novidade do seu Evangelho em cada fase da nossa existncia.

    Os Exerccios Espirituais, ento, so o tempo do silncio que permi-te escutar o Senhor que no se rende nossa sordidez, nossa distra-o, nossa indiferena e continua a bater porta da nossa vida: Olha que Eu que estou porta e bato: se algum ouvir a minha voz e abrir a

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  • porta, Eu entrarei na sua casa e cearei com ele e ele comigo (Ap 3,20). Podemos dizer, com Dom Giussani, que o verdadeiro protagonista dos Exerccios Espirituais o mendicante: Cristo mendicante do corao do homem e o corao do homem mendicante de Cristo (30 de maio de 1998).

    Este o tempo em que o Senhor d novo vigor nossa esperana. Essa esperana sem a qual o homem no pode viver, como nos recorda o Santo Padre Bento XVI. E que no uma esperana qualquer, mas sim a grande esperana fundada na rocha que o prprio Cristo. Mas que tambm, face s provas que a vida no poupa a ningum, com fre-quncia vacila. Como reavivar a sua chama que corre sempre o risco de se apagar? Onde e como reacend-la? Na primeira leitura que escu-tamos, So Pedro explica-nos: Humilhai-vos [...] sob a poderosa mo de Deus, para que Ele vos exalte no devido tempo. Confiai-lhe todas as preocupaes, porque Ele tem cuidado de vs [...] o Deus que todo graa [...] h-de restabelecer-vos e consolidar-vos, tornar-vos firmes e fortes (1 Pe 5,6-10). Esta a mensagem que nos reconforta: Deus cui-da de ns! Deus ama-nos! No livro do profeta Isaas, Deus fala com palavras que exprimem bem o kairs destes Exerccios: Nada temas, porque Eu te resgatei, e te chamei pelo teu nome; tu s meu (Is 43,1).

    2. Hoje a Igreja celebra a festa de So Marcos Evangelista, primo de Barnab, colaborador de Paulo na sua primeira viagem apostlica, e sobretudo discpulo de So Pedro Apstolo, o qual, na sua carta lhe chama, afetuosamente: meu filho (1 Pe 5,13). O evangelho que aca-bamos de escutar que precisamente retirado do Evangelho segundo So Marcos convida-nos a confrontar-nos seriamente com o mandato missionrio que Cristo ressuscitado confiou Igreja, isto , a cada um de ns: Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatu-ra (Mc 16,15). Evangelizar o mundo , portanto, em todos os tempos, o dever fundamental da Igreja a sua prpria razo de ser! E um desafio permanente que nos interpela a todos ns, discpulos de Cristo. Bento XVI no esconde a dramatismo da situao do Evangelho no mundo de hoje e inclusivamente em pases de antiga tradio crist nos quais sobrevive um cristianismo cansado, esgotado e desencorajado, di-funde-se um estranho esquecimento de Deus, d-se uma preocupante apostasia silenciosa dos batizados que, por isso, se convertem em autnticas terras de misso. Diz o Papa: deveramos refletir seriamente sobre o modo como hoje podemos realizar uma verdadeira evangeli-zao, e no somente uma nova evangelizao, mas muitas vezes uma

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  • autntica primeira evangelizao. As pessoas no conhecem Deus, no conhecem Cristo. Existe um novo paganismo e no suficiente que ns procuremos conservar o rebanho j existente, embora isso seja mui-to importante [...]. Penso que todos juntos devemos procurar descobrir novos modos de apresentar o Evangelho ao mundo contemporneo, de anunciar de novo Cristo e de estabelecer a f (Colonia, 21 de agosto de 2005).

    Infelizmente, o crescente pluralismo religioso e a mentalidade re-lativista prpria da ps-modernidade semeiam tambm neste campo vital para a Igreja uma perigosa confuso. E at em determinados m-bitos eclesiais se ouve hoje dizer que basta ajudar os homens a serem mais homens ou mais fiis s suas tradies religiosas no importa quais sejam , sem favorecer necessariamente a converso a Cristo e a adeso Igreja. Tudo isto em nome dum falso respeito e duma mal-entendida promoo da liberdade de conscincia. Aos defensores desta corrente de pensamento decididamente no agradam as palavras evangelizao e anncio. Em alternativa evangelizao, eles pre-ferem falar de dilogo, referindo-se a um dilogo que pe todos os interlocutores no mesmo plano e prescinde do critrio da verdade. Mas, assim, atraioa-se o mandato do Ressuscitado de anunciar o Evangelho a todas as criaturas. Estamos, por isso, agradecidos Congregao para a Doutrina da F por ter publicado h um par de anos uma Nota doutrinal sobre alguns aspectos da evangelizao (3 de dezembro de 2007). O documento fornece esclarecimentos fundamentais a este pro-psito e recorda que evangelizar significa no s ensinar uma dou-trina, mas anunciar Jesus Cristo com palavras e aes, isto , fazer-se instrumento da sua presena e aco no mundo (n. 2). Deus no um pretexto para falar de outra coisa (de qualquer coisa que se considere mais interessante para a mentalidade dominante). Deus deve tornar a ser o corao do anncio cristo. Quem no d Deus, d demasiado pouco (Mensagem para a Quaresma 2007), adverte Bento XVI. E no se est a referir a um deus qualquer, mas sim ao Deus que se revelou no rosto de Jesus Cristo, o seu Filho Unignito, que se fez homem para nossa salvao. Todas as pessoas tm o direito de ouvir de ns cristos esta boa notcia para poderem viver em plenitude a sua prpria vocao. Um direito a que corresponde o nosso dever de evangelizar segundo as palavras do Apstolo dos gentios: Porque, se eu anuncio o Evangelho, no para mim motivo de glria, antes uma obrigao que me foi imposta: ai de mim, se eu no evangelizar! (1 Cor 9,16). Ns, os batizados, devemos encontrar de novo a coragem e o orgulho

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  • de ser cristos e missionrios do Evangelho no nosso mundo. Hoje h verdadeira necessidade de despertar as conscincias crists! No po-demos deixar-nos intimidar pelas formas de intolerncia que ganham p mesmo nas nossas democracias ocidentais, nem por um laicismo agressivo que pretende eliminar Deus do horizonte da vida do homem. H quem fale, e no sem razo, dum novo anti-cristianismo e de uma certa cristianofobia. Mas ns no podemos esconder-nos atrs de um silncio inerte. Temos de redescobrir a vocao proftica que prpria dos batizados. Tal como Isaas, pergunta do Senhor: Quem enviarei, quem ser o nosso mensageiro?, temos de estar prontos a responder: Eis-me aqui, enviai-me! (Is 6,8).

    A verdade, depois, impe-se por si. Por esta razo l-se na citada Nota doutrinal solicitar honestamente a inteligncia e a liberdade de uma pessoa, no encontro com Cristo e o seu Evangelho, no uma indevida intromisso em relao a ela, mas uma legtima oferta e um servio que pode tornar mais fecundas as relaes entre os homens [...] Quem anuncia o Evangelho participa na caridade de Cristo, que nos amou e se deu a si mesmo por todos ns (cf. Ef 5, 2) (n. 5, 11). O tes-temunho pessoal e a transmisso da f de pessoa a pessoa como nas primeiras comunidades crists continuam a ser as vias privilegiadas da evangelizao tambm nos nossos tempos. Retomando o pedido de alguns gregos a Filipe: Queremos ver Jesus! (Jo 12,21), o Servo de Deus Joo Paulo II, no incio do terceiro milnio da era crist, escrevia: os homens do nosso tempo, talvez sem se darem conta, pedem aos crentes de hoje no s que lhes falem de Cristo, mas tambm que de certa forma faam v-Lo. E no porventura a misso da Igreja re-fletir a luz de Cristo em cada poca da histria e, por conseguinte, fazer resplandecer o seu rosto tambm diante das geraes do novo milnio? (Novo millennio ineunte, n. 16). uma indicao importante.

    Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura (Mc 16,15). Nos nossos dias, este dever como vimos tornou-se es-pecialmente rduo. Todavia, no faltam sinais de esperana. Primeiro entre todos, o grande florescimento de novos carismas que geraram o povo dos movimentos eclesiais. Estes so uma resposta oportuna do Esprito Santo aos desafios que o mundo continua a lanar sua misso evangelizadora da Igreja. Basta pensar nas fileiras de homens e mulhe-res do nosso tempo, que precisamente graas a estes novos carismas, encontraram Cristo, descobriram a fascinante beleza de ser cristos e se deixaram conquistar por da uma extraordinria paixo missionria ao servio do Evangelho. E todos vs sois disto um exemplo vivo!

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  • 3. Para concluir a nossa meditao dirigimos nosso olhar quele que se tornou modelo eminente para os evangelizadores de todos os tem-pos: Paulo de Tarso. A Igreja est no ponto culminante das celebraes do Ano Paulino proclamado pelo Papa Bento XVI para comemorar os dois mil anos do nascimento do Apstolo dos gentios. Todos ns temos necessidade de abeirar-nos idealmente da chama que brilha simbo-licamente na baslica de So Paulo Fora dos Muros, em Roma, para reavivar em ns a audcia da f e a paixo missionria num mundo que se vai afastando de Deus.

    De onde irrompe a gigantesca obra evangelizadora realizada por Paulo? A resposta simples: do encontro com Cristo ressuscitado s portas de Damasco, que transformou a vida de Saulo. Ele caiu do cavalo e, quando se levanta da terra, o brutal perseguidor da Igreja nascente outro. Saulo torna-se Paulo, discpulo de Cristo, apstolo intrpido que pelo Evangelho um dia ir derramar o sangue. Desta experincia na es-trada de Damasco o Santo Padre disse: Esta mudana da sua vida, esta transformao de todo o seu ser no foi fruto de um processo psicolgi-co, de uma maturao ou evoluo intelectual e moral, mas vem de fora: no foi o fruto do seu pensamento, mas do encontro com Cristo Jesus. Neste sentido no foi simplesmente uma converso, uma maturao do seu eu, mas foi morte e ressurreio para si mesmo: morreu uma sua existncia e outra nova nasceu com Cristo Ressuscitado (Audincia Geral, 3 de setembro de 2008). O que para ele fora importante, essen-cial, torna-se perda, lixo (cf. Fl 3,8). Agora, o que conta s Cristo e a sua palavra de salvao que Paulo quer levar a todo o mundo. Aos destinatrios das suas cartas ir escrever: j no sou eu que vivo, mas Cristo que vive em mim (Gl 2,20); Para mim, viver Cristo (Fl 1,21); O amor de Cristo exerce presso sobre ns (2 Cor 5,14). A sua vida de apstolo de Jesus Cristo foi tudo menos fcil: Viagens a p sem conta escreve perigos nos rios, perigos de salteadores, perigos da parte dos meus irmos de raa, perigos da parte dos pagos, perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar, perigos da parte dos fal-sos irmos; trabalhos e duras fadigas, muitas noites sem dormir, fome e sede, frequentes jejuns, frio e nudez (2 Cor 11,26-27). E para as ad-versidades da vida apostlica tem uma s resposta: Estou crucificado com Cristo (Gl 2,19); De tudo sou capaz naquele que me d fora (Fl 4,13). Este Paulo. Tudo na vida dele comeou com o encontro com o Ressuscitado. No por acaso que Bento XVI repete incansavelmente que o cristianismo no uma nova filosofia ou uma nova moral. So-mos cristos unicamente se encontramos Cristo (Audincia Geral, 3 de

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  • setembro de 2008). De gerao em gerao, os verdadeiros evangeliza-dores testemunhas persuasivas do Evangelho nascem precisamente assim. Tambm hoje vs sois a prova.

    AnTES DA BnO

    Julin Carrn. Permita-me, Eminncia, que lhe agradea em nome de todos os nossos amigos pela sua presena entre ns, que torna pre-sente o Santo Padre, como testemunho da contemporaneidade de Cristo entre ns, e por nos recordar que a graa que ns recebemos para todos, para a misso, para comunicar a todos a beleza que ns encon-tramos.

    Obrigado, Eminncia.

    Cardeal Ryko. Obrigado a todos vs por este esplndido testemu-nho de f que dais Igreja e ao mundo todas as vezes que vos en-contram durante os Exerccios Espirituais. Para mim, pessoalmente, vir aqui e celebrar convosco a Eucaristia sempre um dom, uma recarga espiritual. Obrigado.

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  • Sbado, 25 de abril, tardeNa entrada e na sada:

    Ludwig van Beethoven, Quarteto para arcos em l menor, op. 132Quarteto Italiano

    Spirto Gentil n. 49, Decca

    n SEGUnDA mEDiTAO

    Julin Carrn

    A contemporaneidade de Cristo

    1. Da f, o mtodo

    a) Algo que vem antesNa primeira palestra, procurando responder fratura que existe en-

    tre saber e crer, tivemos de percorrer novamente o que o cristianismo: um Fato, o deparar-se com uma Realidade diferente e irredutvel. Mas se a f um conhecimento e requer constantemente o uso da razo, ela precisa estar sempre diante desse Acontecimento presente que a desafia. J no ano passado tnhamos dito que o conhecimento novo implica o estar em contemporaneidade com o Acontecimento que o gera e conti-nuamente o sustenta.

    Por isso no responderemos completamente pergunta colocada pela situao em que nos encontramos enquanto no tivermos respon-dido a esta outra: como o Acontecimento cristo permanece continua-mente contemporneo? s respondendo a essa pergunta que podemos superar definitivamente a fratura entre saber e crer. E para responder no basta reconhecer o que dissemos hoje manh (que o cristianismo um acontecimento histrico), como se v pelo fato de que em muitas ocasies, mesmo reconhecendo que o cristianismo um acontecimen-to histrico, aquilo que permanece desse evento histrico somente a Bblia. Assim, da religio do evento passamos logo religio do livro: perdemos pelo caminho a histria, o evento se torna s palavra.

    E ns entendemos bem o alcance dessa questo graas ao aconte-cimento histrico do carisma que nos fascinou. Ns tambm tivemos e temos de enfrentar o mesmo problema. Ningum dentre ns duvida

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  • que o carisma um fato histrico, o deparar-se com uma diversidade humana, a de Dom Giussani. Mas agora que ele no est se torna mais urgente o como permanece hoje o carisma que nos fascinou, e a nossa tentao tambm dizer que permanece por meio dos textos. Alm da lembrana da sua pessoa, que com o tempo tenderia inevitavelmente a se achatar, o que temos de mais concreto devemos dizer so os textos, os livros.

    Os livros, com certeza, so um bem enorme, como Dom Giussani sempre nos disse. Permanecero para ns sempre como cnone, como regra da experincia de vida que Dom Giussani fez graas a sua f. Mas se ficassem s os livros, cedo ou tarde nos acharamos na mesma situao dos judeus quando a voz proftica se apagou: sozinhos com os textos, resta s interpret-los. E foi o momento histrico em que nas-ceram os escribas, os doutores da lei, os especialistas em interpretao. Ns sabemos que esse risco no s um jeito de falar, que muitas vezes a Escola de Comunidade pode se tornar isso, e sabemos muito bem o quanto pode ser uma chatice.

    Se fosse esse o nosso destino, logo perceberamos ficarmos presos nas nossas interpretaes, seramos como todos e no conseguiramos compreender Dom Giussani alm da nossa capacidade de compreenso, porque no conseguiramos sair dos nossos pressupostos: e o carisma, nessa altura, se acabaria. Porque a interpretao no seria suficiente para sustentar a vida, para interessar vida.

    Em fevereiro de 1984 Dom Giussani dizia:Mas o que pode fazer permanecer [...] o amor por si, a ternura para

    consigo mesmo e, portanto, como reflexo, como refluxo, a ternura pe-los outros, o amor pelo destino, o amor pelo prprio destino e pelo dos outros? O que pode sustentar tudo isso? Eis, um Cristo como fato hist-rico distante pode ser lido como uma pgina de literatura bonita, pode at dar um impulso momentneo, pode gerar emoo, pode despertar nostalgia, mas agora, [...] com esse cansao, com essa facilidade para a melancolia, com esse estranho masoquismo que a vida de hoje tende a favorecer ou com essa indiferena e esse cinismo [...], como aceitar a si e aos outros em nome de um discurso? [...] Dessa forma, digo que no possvel permanecer no amor por si mesmo sem que Cristo seja uma presena, como presena uma me para uma criana que no sabe como fazer [...]. Sem que Cristo seja presente agora agora! , eu no posso me amar agora e no posso amar voc agora. Se Cristo no ressuscitou, estou acabado, mesmo tendo todas as Suas palavras, mes-mo tendo todos os Seus Evangelhos. Com os textos dos Evangelhos, no

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  • mximo, eu poderia tambm me suicidar, mas com a presena de Cristo no, com a presena reconhecida de Cristo no!.47

    Por isso temos urgncia de responder com clareza a essa questo. E aqui nos ajuda de forma impressionante o texto Algo que vem antes. Vimos nesta manh quando nos lembrou que o cristianismo um fato, e isto todos ns assinaramos em baixo. Mas a questo mais perturbante comea depois: a grande revoluo dizer que o cristianismo permane-ce como fato. E isso no bvio:

    Deparar-se com uma presena de humanidade diferente vem antes no apenas no incio, mas em cada um dos momentos que se seguem ao incio: um ano ou vinte anos depois. O fenmeno inicial o impacto com uma diversidade humana, o maravilhamento que nasce desse im-pacto est destinado a ser o fenmeno inicial e original de qualquer momento do desenvolvimento. Pois no se d nenhum desenvolvimento se esse impacto inicial no se repete, ou seja, se o acontecimento no continua a ser contemporneo. [...] O fator que est na origem sempre o impacto com uma realidade humana diversa.48

    Por isso precisamos acrescentar ao que foi dito nesta manh: a con-temporaneidade de Cristo no condio s do incio, mas de cada passo do caminho. A alternativa clara: ou se renova, reacontece, ou nada avana, no se d verdadeira continuidade e o carisma est morto e sepultado. Mas a coisa mais perturbante que se no se renova agora, sequer entendemos o que tinha nos acontecido no incio, porque se a pessoa no vive agora o impacto com uma realidade humana nova, no entende o que lhe aconteceu antes. S se o acontecimento reacontece agora que o acontecimento inicial se esclarece e se aprofunda e, as-sim, se estabelece uma continuidade, um desenvolvimento.49

    Se isso no acontece, no quer dizer que no fazemos nada: logo a pessoa teoriza o acontecimento que ocorreu, e tateia em busca de pontos de apoio que substituam [apoios substitutivos para viver, porque um dis-curso no consegue sustentar a vida] Aquilo que realmente est na origem da diversidade.50 E quais so os apoios substitutivos? Os de todo mundo: O poder, principalmente o poder econmico, a eliminao de todos os deuses, com exceo de um na sua trplice verso: usura, luxria, po-

    47 Refere-se ao texto de uma Equipe contida no volume de L. Giussani, Qui e ora (1984-1985), em fase de publicao pela BUR, p. 76-77.48 L. Giussani, Algo que vem antes, op. cit.,p. 2.49 L. Giussani, Algo que vem antes, op. cit.,p. 2.50 L. Giussani, Algo que vem antes, op. cit.,p. 2.

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  • der, como diz Eliot.51 No porque sejamos piores do que os outros, mas porque inevitvel. Se Ele no est presente nem capaz de atrair toda a nossa afeio e todo o nosso corao, procuramos apoios substitutivos.

    Vive-se por algo que est acontecendo agora. Por isso, querendo saber se permanece entre ns aquilo que o Esprito iniciou anos atrs por in-termdio de Dom Giussani, eis o critrio que ele mesmo nos deixou: A continuidade com o que aconteceu no incio s se realiza [...] mediante a graa de um impacto sempre novo e maravilhado, como se fosse a primei-ra vez. [E se no for claro, nos oferece tambm a contraprova:] Do contr-rio, em lugar desse maravilhamento dominam os [nossos] pensamentos.52 Essa a alternativa. Portanto, diante da tentao de reduzi-lo a textos, a organizao, ele insiste que no h diferena de mtodo entre o incio e a continuao, porque a f que dita o mtodo sempre: da f, o mtodo. Isto quer dizer que o carisma permanece na diversidade humana que nos toca agora; a diversidade humana que continua a acontecer agora aquilo que testemunha que Cristo permanece contemporneo e que nos confir-ma que ns estamos seguindo Dom Giussani da forma como nos ensinou. essa diversidade que O torna presente entre ns.

    A diferena entre os escribas e o cristianismo ns vimos nestes dias de Pscoa de forma espetacular, porque o que permanece no so os discur-sos, no so os textos que, alm do mais, no existiam ainda! ; perma-nece a Sua presena, que prolonga no presente aquilo que tinha sido no incio. E o que tinha sido no incio? Todos os Evangelhos documentam a diversidade entre Cristo e os escribas, at o ponto em que todos ficavam admirados com Ele: Todos ficaram admirados com o seu ensinamento, pois ele os ensinava como quem tem autoridade, no como os escribas.53 E mais adiante: Todos ficaram admirados e perguntavam uns aos outros: Que isto? Um ensinamento novo, e com autoridade; ele d ordens at aos espritos impuros, e eles lhe obedecem!.54 No como os escribas. Ensinava-lhes com autoridade e no como os seus escribas (todos ns lemos esses textos; mas como diferente a lealdade de Dom Giussani para com o que testemunhado no Evangelho). E como permanece essa diversidade? impressionante percebermos o que acontece todos os dias na liturgia. A Igreja nos faz ler os Atos dos Apstolos, onde se narram os fatos, os milagres, a diversidade humana que permanece, a mudana das

    51 L. Giussani, Avvenimento di libert, Gnova: Marietti, 2002, p. 188.52 L. Giussani, Algo que vem antes, op. cit., p. 2.53 Mc 1,22.54 Mc 1,27.

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  • pessoas que acontece; e ao mesmo tempo nos faz escutar no Evangelho os relatos das aparies de Jesus. So duas realidades que se iluminam reciprocamente: como dizer que a ressurreio verdadeira, real, se v no s pelas aparies de Cristo (que no so alucinaes de visionrios dos apstolos, mas so verdadeiras aparies, como demonstram os fatos que lemos nos Atos dos Apstolos). E para no ficarmos nos fatos, pen-sando que no tenham a ver com Cristo, a liturgia da Igreja junta o relato das aparies: para que vejam que os fatos que escutam so a documen-tao da Sua presena. Que educao a Igreja nos oferece todos os dias! Aquilo que Dom Giussani nos diz nada mais seno a documentao daquilo que o cristianismo .

    Agora podemos entender melhor o alcance metodolgico do ttulo dos Exerccios, Da f, o mtodo, porque a nica possibilidade para no sucumbir a ser escriba, para no sucumbir s interpretaes, a permanncia de Cristo no tempo, a Sua contemporaneidade: ou o cris-tianismo acontecimento a cada momento, ou no mais cristianismo. Estaramos falando de uma outra coisa, porque as escrituras (os Atos dos Apstolos, os Evangelhos) permanecem como o cnone daquilo que sempre ser os cristianismo: se no for assim, no cristianismo, mesmo que usemos as mesmas palavras.

    De forma anloga, acontece o mesmo entre ns. A morte de Dom Giussani poderia ter-nos feito pensar em continuar apenas com o seu discurso ou com os seus textos. Ao invs, cada um de ns pode ver o que est acontecendo: testemunhas e fatos. E essa a modalidade como permanece e continua a nos acompanhar e a nos gerar como filhos, at o ponto de hoje o sentirmos mais pai do que nunca. bem diferente do que s um texto, do que s uma lembrana! Isso no pode e no deve querer dizer desprezar, desvalorizar ou esvaziar o passado que me trouxe at aqui. Isso pertence a um nico desgnio. O carisma de Dom Giussani vive agora pela fora do Esprito, mas a pessoa de Dom Gius-sani no pertence ao passado.

    Cientes disso, podemos enfrentar uma falsa questo que muitas ve-zes reaparece entre ns. A pergunta: Como permanece? muitas vezes carrega em si uma incerteza. O como permanece, na verdade, sig-nifica para ns: Como eu o fao permanecer? Como fao para fazer permanecer o acontecimento que me tomou?. No encontro com os professores, por exemplo, muitos, para explicar a expresso como per-manece? diziam como fazer para que essa coisa permanea?. E essa pergunta no a mesma! Dom Giussani viveu sem jamais se colocar o problema de como fazer permanecer. Justamente aqui est a nossa

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  • insegurana. Estou marcado com um fato que antes tinha me escapado lendo Algo que vem antes. Se vocs olharem atentamente aquele texto, em Dom Giussani no h sinal dessa preocupao. Em Dom Giussani o como permanece? uma pergunta que parte de uma certeza, como para nos ajudar a entender: Vejam como permanece!, no como dis-curso, no como organizao, mas como evento de uma humanidade mudada. E repete incansavelmente que o mtodo sempre o mesmo: deparar-se com uma diversidade humana, sem jamais enfrentar aquela que, ao contrrio, a nossa preocupao constante: Como fao para que permanea?. Insistir nessa pergunta mostra mais uma vez que so-mos incertos, que no entendemos o que aconteceu, que para ns a f no um percurso de conhecimento, que existe ainda a fratura entre o saber e o crer. Continuamos a achar que somos ns a gerar, a segurar a onda, e que precisamos nos preocupar com isso.

    Em como permanece pensa Cristo ressuscitado! Esse problema no nosso. A ns cabe reconhec-Lo toda vez que acontece na nossa vida. Por isso o cristianismo vivido assim uma coisa de arrepiar. E as-sim desafia constantemente a nossa liberdade, por meio dessa diversida-de presente. Essa diversidade um bem, um sinal da preferncia que Cristo tem por ns, no algo de que a pessoa precise se defender. Essa contemporaneidade desafia cada um de ns colocando-nos diante desta alternativa: ou agarrar-se ao j sabido (considerando o passado como um dolo), quer dizer posse de certos textos e de um certo pensamento, ou abrir-se ao imprevisto de como acontece agora, ficando disponveis para seguir aquilo que Cristo faz hoje (a modalidade sempre nova com a qual se manifesta). Essa a verdadeira deciso, porque frente ao novo h sem-pre o risco do medo do novo. Mas ns amigos, sejamos sinceros na maioria das vezes nos defendemos da novidade. Quando alguma coisa se move, quando uma novidade se mostra no horizonte, logo nos retramos. Mas justamente isso Cristo: o novo todos os dias da vida.

    Por isso no existe descr