Ead- De Cabeça Aberta Para a Educação

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Pesquisa sobre as maneiras de ensinare à formação de professores.

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  • DE CABEA ABERTA PARA A EDUCAO Para Helosa Dupas Penteado, a Educao precisa ser repensada para atender s necessidades contemporneas

    elosa Dupas Penteado uma educadora no sentido amplo do termo. Profissional da edu- cao, dedicou-se longopen-

    do a ensinar crianas no chamado curso primrio, nas escolas de fazenda; ensinou, depois, a jovens, no Interior e na Cidade. E, devido sua inquietao frente cu- riosidade fresca e ingnua das crianas e dos jovens. ps-se a indagar sobre os mtodos de ensina,: Foi essa qualidade de perguntadora que a levou a dedicar-se pesquisa sobre as maneiras de ensinar e formao de professores. Com o mestrado e o doutorado chegou Facul- dade de Educao da USe instituio que abrigou suas inquietaes e lhe propor- cionou o convvio de colegas que com ela compatilharam as preocupaes sobre as novas linguagens dos meios de comuni- cao que circulam na sociedade e a in- sensibilidade da instituio educacional em relao a elas. Como uma das precur- soras dos temas sobre comunicao/edu-

    cao tem atravs de artigos, livros e con- ferncias manifestado seu pensamento sobre o tema, veja-se sua mais recente publicao, Comunicao escolar, uma metodologia de ensino. Recebeu o prmio Mariazinha Fusari de Educomunicao, em agosto de 2002, no VI Simpsio Bra- sileiro de Comunicao & Educao, rea- lizado em Ponta Grossa, PR. Declara-se preocupada com os rumos da escola e da formao de professores, mas estimulada e incansvel diante de jovens numa sala de aula

    Por Roseli Fgam

    Revista Comunicao & Educao: Fale sobre sua formao e seu interesse pela preparao de professores.

    Helosa Dupas Penteado: Sou do tempo do curso normal. Fiz o curso nor- mal, fiz clssico, e comecei a lecionar em fazendas. Da vim para So Paulo e fiz vestibular para o curso de Cincias

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    Sociais. Quando terminei, em 1962, vol- tei para a fazenda para dar aulas, no pri- mrio. Essa passagem da minha vida profissional muito interessante, foi muito formativa, porque voltei tendo de reaprender a falar com as crianas. E isso para mim foi muito bom. Depois fui trabalhar na Escola Normal, nas cidades de Monte Alto e de Taquaritinga, dali vim para So Paulo para ver se conseguia al- guma oportunidade de trabalho. Encon- trei uma amiga que fazia pesquisa, no Servio do Ensino Vocacional. Ela me props substitu-la no trabalho com pes- quisa. Aceitei e fiquei um tempo traba- lhando, at eclodir o golpe de Estado, a chamada Revoluo de 64; a a situao ficou muito complicada. Nesse mesmo tempo abriu concurso para professor na Escola Experimental da Lapa. Gosto de pesquisa, mas gosto muito de ser pro- fessora tambm. Fui aprovada neste con- curso e fiquei atuando como professora de ginsio. Fiquei seis ou sete anos. De- pois fui convidada para trabalhar na Es- cola de Aplicao da Universidade de So Paulo e para fazer orientao de pro- fessores de Estudos Sociais, coisa alis, que j estava fazendo na Escola Experi- mental. Nesse meio tempo, fui chama- da para dar aulas no curso de formao de professores de Cincias Sociais na Faculdade de Educao. Quando entrei para dar aulas na Faculdade de Educa- o, a Profa. Amlia Americano Franco Domingos de Castro era a chefe do De- partamento. Fui convidada porque esta- va fazendo rnestrado com a Dra. Aparecida Joly Gouveia e ela me indi- cou. Fiz mestrado em Sociologia Edu- cacional na FFLCH e o doutorado em Didtica, na Faculdade de Educao.

    Depois fiz o ps-doutorado, tambm sobre tema formao de professores, com a professora Menga Ludke, da PUC do Rio de Janeiro. Eu havia conhecido os trabalhos da Profa. Menga no Centro Regional de Pesquisas Educacionais, que funcionava, na dcada de 60, onde hoje a Faculdade de Educao da USP.

    Sempre gostei de ser professora e de- diquei a minha vida a isso. Desde que co- mecei, chamava muito a minha ateno a questo da televiso. Na escola da fazen- da, na dcada de 50, era interessante por- que as crianas no tinham televiso e nunca tinham sado daquele lugar, ento elas ouviam falar do mar, arranha-cus e faziam perguntas. Como era viver em uma casa em cima da outra?, como era o mar? Elas s conheciam o aude que havia na fazenda. Mas quando fui dar aula no cur- so Normal numa cidadezinha ali perto, j havia influncia da televiso nas coi- sas que os alunos falavam. Quando vim para So Paulo, dar aulas na Escola Ex- perimental da Lapa, foi uma coisa inte-

  • Decabeaaberta para a educao

    ressantssima. Os meninos perguntavam assim: "professora, a senhora viu o pro- grama tal ontem na televiso?'Comecei a notar que o que eles viam na televiso estava legitimado, era verdade absoluta, interessava muito. Naquele tempo, havia uma novela, nem me lembro mais o nome, era sobre escravido, e ento tive a idia de trabalhar alguma coisa daqui- lo com as crianas, usando aqueles co- mentrios que elas faziam. Resolvi de- pois fazer o meu mestrado sobre essa questo: a televiso e os adolescentes. Fiz uma pesquisa com os alunos e professo- res da Escola Experimental da Lapa e tambm com os alunos e professores de uma escola comum da rede de ensino. Meu objetivo era o de verificar como cada um percebia a interferncia da tele- viso em sua vida. A pesquisa tambm foi realizada com os pais. Foi uma pes- quisa bem ampla e foi publicada na Re- vista Estudos e Documentos, da FEUSP, em 1983. E foi muito interessante, porque na Escola Experimental, onde tnhamos professores com ps-graduao, ou fazen- do, e professores oriundos de cursos da PUC ou da USP, escolas, portanto, bem qualificadas, ningum usava a televiso no trabalho em sala de aula. A sensao que tinha era de que se eles usassem sujariam as suas mos. Ou qualquer coisa assim. Mas a crianada estava vendo televiso. Na outra escola, onde os professores tinham uma formao modestssima, formados em faculdades desconhecidas, ningum fazia ps-graduao, quando eu perguntava para eles se usavam a televiso e que interfe- rncia havia, a resposta era imediata. O professor de ingls usava os shows de m- sica, os filmes; o professor de educao fsica utilizava quando tinha algum cam-

    peonato, ou algum programa que achasse interessante. E isso me intrigou. O profes- sor com uma formao to menor no tinha preconceito. Ento, no doutorado, resolvi pesquisar as atividades dos professores que utilizavam a televiso no seu trabalho, at como uma tentativa de contribuio para o adequado emprego desta mdia no ensino. Resumidamente, foi mais ou menos assim o despertar do meu interesse pela comuni- cao, pelos meios de comunicao na edu- cao e na formao de professores.

    PROFESSOR-APRENDIZ

    RCE: Qual o papel que, na sociedade contempornea, a escola tem na educao?

    Helosa Dupas Penteado: Estamos vi- vendo um momento de grandes re- definies. O modelo tradicional de escola alicerado no modelo informacional de educao: a escola era o emissor do conhe- cimento; o professor era tido como o emis- sor, o detentor de conhecimento e o aluno o receptor. Hoje este um modelo total- mente enviesado, quer dizer, h muito tem- po, s que infelizmente ainda ele perma- nece. A escola um ponto de encontro de conhecimentos. O corpo docente representa dentro da escola o conhecimento elabora- do, da norma culta, da cincia, da arte, da filosofia. Por mais precria que seja a for- mao do professor, ele deve ter tido um contato com esse tipo de conhecimento. E o corpo discente tem toda a cultura de sua vida, de seu meio social, dos meios de co- municao. O que fica como funo para a escola hoje fazer uma reelaborao dos conhecimentos que esto presentes ali. Ou seja, no penso s no professor com o seu cabedal de conhecimento cientfico, arts- tico, filosfico, reelaborando o conheci-

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    mento do aluno. Mas penso tambmno co- nhecimento que o aluno traz para a escola. Pois, o conhecimento do aluno tambm faz o professor reelaborar a sua relao com o conhecimento cientfico.

    Penso a escola como um cadinho de conhecimentos e, ao mesmo tempo, como um

    ponto irradiador desse conhecimento que ela elabora,

    porque ali se produz um conhecimento sobre a vida, e

    se utiliza o conhecimento elaborado para ressignificar

    vises, compreenses.

    RCE: Nspoderamos dizel; ento, em sntese, que a escola muito mais do que uma transmissora de conhecimentos e in- formaes, ela seria um local onde sepro- duz, se elabora conhecimento?

    Helosa Dupas Penteado: Elabora e reelabora constantemente conhecimentos e penso que ela tem a funo e a responsa- bilidade de irradiar o conhecimento elabo- rado ali. No s atravs dos alunos, mas diretamente para a comunidade, trazendo a comunidade para a escola. No do jeito que ela faz, atravs da reunio de pais, para puxar a orelha do pai, que ningum agen- ta, e por isso quase ningum vai. Mas com a funo de esclarecer o pai a respeito de qual o papel da escola, para adquirir co- nhecimento sobre os alunos, para coloc- 10 a par do que a escola est fazendo, para que ele possa atuar como um colaborador da escola, para que se abra mais um canal

    A mofa. Helosa dedicou-se ao ensino em todos o; nveis: da alfabetizao ps-graduao

    de comunicao. Lembro-me de quando comecei a fazer trabalho em grupo com as crianas, acho que foi uma me que me perguntou o que eu tinha feito em tal dia, porque o filho dela no tinha nada no ca- demo. Percebi que ela tinha razo. A esco- la tinha um canal de comunicao dirio com ela. Ou melhor, o canal de comunica- o eram os cadernos dos alunos. Ento passei a adotar, sistematicamente, todos os dias, o registro de todas as atividades, mes- mo daquelas que prescindiam da escrita. Isso tranqilizava os pais. Se voc se colo- car na posio dos pais, entender perfei- tamente essa cobrana. Mas acho que a escola ainda no tem a preocupao de en- tender a educao como comunicao, ela passa por cima disso e cria um oponente ao trabalho dela.

    RCE: A tarefa de educar uma tarefa da escola?

    Helosa Dupas Penteado: No s, mas da escola tambm. A escola uma insti- tuio que, historicamente, surgiu em socie- dades mais complexas, em que o contato com a famlia no suficiente para se apren-

  • Decabeaabertaparaaeducao

    der tudo o que se precisa para viver. Ela sur- ge com a Revoluo Francesa. Mas aconte- ce que essa sociedade complexa se alterou muito, e a escola ficou parada naquele pri- meiro modelo. Haja vista que o meio de co- municao que a escola mais usa o livro didtico. No tenho nada contra, nunca tive, nem na dcada de 70 quando muita gente pichava o livro didtico. Sempre pensei as- sim: tem escola que s vai ter como recurso o livro didtico.

    O livro didtico no bom nem mau em si. Depende do uso que

    se v fazer dele. Ele tem que ser usado como um meio.

    Ele tem um autor, esse autor tem nome. Nunca na escola, especialmente no ensino fundamental, se destaca essa questo da au- toria, de quem aquele ponto de vista. O livro utilizado como bz%lia, a suprema au- toridade. No o livro e nem o meio de comunicao, que so ruins em si. Pois mesmo um mau livro didtico, ou um pro- grama de TV ruim, podem vir a ser timos instrumentos de ensino. O professor pode despertar o aluno justamente para a crtica, para uma postura de sujeito, dialogando com aquele texto. A verdade absoluta no existe e nem est ali. Por isso essa concep- o de educao como comunicao im- portante para a escola. Justamente por ter esta concepo, o professor sabe que no educa sozinho. O aluno no uma ilha. Ele tem famlia, tem amigos, tem religio, tem time de futebol, em todos estes lugares ele est aprendendo. Ele gosta de msica, ele ouve pagode, tudo isso educa. Ento a es- cola um dos locais onde a gente se educa.

    RCE: Como a senhora v a idia da educao para o trabalho?

    Helosa Dupas Penteado: Penso que a coisa mais importante , primeiro, a pr- pria concepo de trabalho. Lembro-me de um dia, eu dava aula numa escola na Vila Mariana, So Paulo, ali havia uma concentrao de alunos que viviam nos cortios, e estava chegando o Dia das Mes. Comecei a perguntar para as crian- as a respeito das mes. Perguntei quem tinha me que trabalhava e uns poucos me- ninos levantaram a mo. Perguntei para esses o que a me fazia. Em geral elas eram empregadas, ou de escritrio, ou do- msticas. Para os outros, que a me no trabalhava, perguntei como que as coi- sas aconteciam na casa deles? Quem fa- zia a comida, cuidava da roupa etc.? A me, respondiam. E a fomos discutir o conceito de trabalho. Perguntei se eles tra- balhavam. Ento aqueles que ajudavam os pais levantaram a mo, os outros no. Fui conversando com eles a respeito do que fazamos na escola. Estvamos brincan- do na sala de aula? No recreio, em geral, as crianas brincam. E na sala de aula, o que se faz? Portanto, a primeira coisa enfrentar, mesmo com a criana, o con- ceito de trabalho. Procurar entend-lo como uma ao exercida pelos homens para organizao da sua prpria vida, da vida dos seus semelhantes. E, segundo, comear a observar como a realizao do trabalho na nossa sociedade e em ou- tras. Pensar o conceito de trabalho numa linha antropolgica. Isso muito interes- sante porque quando voc olha s para dentro da sua cultura sua viso fica lirni- tada e, quando os estudantes so mais jo- vens, eles tendem a achar que natural, que ter trabalho ter um patro. Da a im-

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    portncia de se discutir tanto a histria do trabalho quanto discutir o trabalho nas di- ferentes sociedades. Isso muito interes- sante, para a criana ir se formando como um observador atento, analtico, pensan- do que o trabalho feito pelas pessoas e ento ele pode ser transformado.

    ESCOLA E TECNOLOGIA

    RCE: Como ns podemos relacionar a preocupao pedaggica, didtica e o uso da tecnologia?

    tir que o sujeito, com o qual se est lidan- do, reelabore seus pontos de vista, seus valores, compreenso de mundo etc. E as- sim, pensando sobre isso que falei, a di- dtica uma parte da pedagogia que no pode ignorar as tecnologias, no podem ser ignoradas, pois elas compem o nos- so mundo. Elas compem inclusive, o mundo da populao que mora na rua, por- que as vitrinas tm televiso, existem os outdoors, alto-falantes, rdios ligados por a em toda a parte.

    Helosa Dupas Penteado: A preocu- Ignora a tecnologia pao pedaggica implica a viso do sujeito aprendiz e a do sujeito profes- coiriprorneter a qualidade do sor. Sujeitos da escola, inseridos em um ensino. preciso que o seu mundo que no se resume escola. O nlanuseio seja inserido na professor vem de um grupo social, de uma determinada formao, de uma formao inicial do professor. histria de vida, e o mesmo acontece com todos os seus alunos, e com os fun- cionrios da escola. Ento deve-se pri- meiro munir o professor, na sua forma- o, desta compreenso, da educao como um fenmeno da vida de cada um, e que agora, com os meios de comuni- cao ganha dimenso universal. Mes- mo aqueles que no tm acesso a meios como internet, computador, recebem, atravs dos que tm, as notcias, os co- mentrios das imagens, a publicidade. A questo da didtica diz especifica- mente respeito relao professor-alu- no, trabalhando com o saber, e isto que toma a comunicao escolar um processo especfico de comunicao. Essa relao professor-aluno se d em funo da relao que essas pessoas tm com o conhecimento, e de como lidar com ele, de tal forma que possa enriquecer, embasar, iluminar, permi-

    No entanto, h professores que no per- cebem este fato. No esto suficientemen- te convencidos e preparados para ousar le- var o rdio, por exemplo, para a sala de aula, e trabalhar com um texto de rdio, ou um segmento de algum programa de televiso ou com o texto de uma propa- ganda ou ousar pensar no computador, in- clusive isso implica um know how mais elaborado. Essas coisas no so espont- neas, no podemos pensar que atitudes im- portantes como essas aconteam esponta- neamente. Elas tm de ser inseridas na formao inicial do professor. E na for- mao continuada daqueles que j esto lecionando e no tiveram a oportunidade de trabalhar com todas essas linguagens. possvel, se a universidade assessorar, desenvolver e dar esta segurana ao pro- fessor, para que ele possa trabalhar com os meios de comunicao.

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    RCE: Por outro lado, ser que o pro- fesso~ com essas novas tecnologias, com as possibilidades que elas trouxeram, dei- xou de ser importante para a escola?

    Helosa Dupas Penteado: No! O pro- fessor extremamente importante. Agora eu mesma estou dedicada a estudar, por- que sei muito pouco, as questes de edu- cao a distncia. Sempre fui entusiasta dessa possibilidade desde que ela surgiu. Num pas como o nosso, com dimenses continentais, isso tem que ser usado, sem dvida nenhuma. E estou chegando con- cluso, pelos meus estudos que, so mui- to modestos ainda, de que o que assusta o professor e faz circular uma certa idia de que ele est sendo descartado, a idia de que a educao a distncia possibilita que o aluno descubra os seus prprios cami- nhos de aprendizagem. E isso acaba, no com a autoridade do professor, porque o aluno descobre os caminhos e precisa do professor para alimentar esses caminhos, mas isso acaba com o autoritarismo, ou seja, com o "eu, professor, defino o seu caminho de aprendizagem". Claro, s ve- zes o professor de educao a distncia faz uma proposta e os alunos no aceitam, seguem outra. Mas se ele segue essa ou- tra proposta e isso resulta em aprendiza- do, qual o problema? Na verdade, o pro- fessor fica temeroso, achando que ele est descartado. No, o professor no est des- cartado. Esta idia existe porque h des- conhecimento por parte do professor de como lidar com as mdias no ensino e ele pensa que elas o substituem. Absoluta- mente, no substituem.

    RCE: Como desenvolver uma pedago- gia que atenda s necessidades do aluno e s expectativas do mercado?

    Helosa Dupas Penteado: Uma coisa em que tenho pensado muito que ns no trabalhamos quase, na escola, com a questo da mudana, como lidar com ela, como introduzi-la, como lidar com as reaes s mudanas, e nos conhecermos em relao a elas.

    O mercado de trabalho hoje um mercado altamente em

    miitao. Portanto, o sujeito tem de estar preparado para essa flexibilidade. Ter uma

    formao muito mais h~inzanstica, baseada nas

    Cincias Sociais, na Sociologia, na Antropologia, para entender

    o significado das coisas que esto acontecendo.

    Isso fundamental e uma das exi- gncias do trabalho. Muitas coisas po- dem ser resolvidas numa conexo mais ativa, mais viva entre escola e traba- lho. Com os Parmetros Curriculares Nacionais se tem uma previso de par- ceria nessa formao. Muita gente cri- tica os Parmetros mas acho que eles so um passo adiante. Tm problemas? Tm, como tudo. Mas essa resistncia frrea que as pessoas pem justamen- te pelo fato de no trabalharmos a ques- to da mudana. A combinao entre as exigncias do trabalho e uma boa for- mao humana vm de o sujeito se des- cobrir sujeito, de se fortalecer este lado das pessoas e, segundo, de procurar

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    entender as mudanas. Por exemplo, voc forma um professor para trabalhar A televiso altamente com os meios e ele chega escola ani- pedaggica. Vejo a necessidade mado e vem um colega e diz: "Ih, voc de uma poltica de distribuio saiu agora da Faculdade, imagina, aqui nada disso possvel!" Precisamos tra- de canais, com balhar com os profissionais no sentido responsabilidade por parte dos de que eles compreendam que poss- que recebem as concesses, vel transformar. Ns temos o poder da transformao, claro que instituciona- responsabilidades educacionais. lizar a transformao no ajuda muito, mas as instituies so feitas de pesso- as, elas no so lugares harmnicos, dentro delas, mesmo das mais conser- vadoras, h conflito de idias, e pre- ciso que ns aprendamos a lidar com os conflitos de uma forma mais sere- na, positiva. No acho que seja fcil mas acho que possvel. Quando o pro- fessor mais jovem tem mais garra, mais energia para fazer isso. E se ele dispe do saber e de formao para poder chegar a um lugar e explorar o que de positivo tem ali, porque sempre se pode aprender, ele crescer e aquele local estar mais aberto a mudanas.

    RCE: Muito do mundo que ns conhe- cemos nos chega atravs da TL? A senho- ra acha que a televiso est educando as novas geraes?

    Helosa Dupas Penteado: Acho. Inclu- sive porque a palavra educar tanto pode ter um sentido positivo quanto negativo. Ela pode educar para a violncia, pode educar para a solidariedade, pode educar para o crime, para a droga ou pode educar para uma vivncia emancipadora. Porque educar implica abrir caminhos, mostrar ca- minhos, convencer, discutir.

    A televiso poderosssima. Veja voc, mesmo sem termos essas polticas que implicam responsabilidades sociais por parte de quem usa a concesso do canal, uma campanhazinha que se faz nas frias, dizendo: "no jogue lixo na praia", per- mite notar a diferena no comportamento das pessoas. Isso numa campanhazinha que entra e sai, sem grandes comprornis- sos de ficar lidando com isso. A TV edu- ca. A TV tem de ser um rgo sob contro- le. Esta palavra assusta as pessoas. Mas isso no significa ser a favor da censura. Fao uma distino entre controle e cen- sura. O controle social o controle da so- ciedade sobre a televiso. Advogados, mdicos, professores, empresrios, secre- trios, ofJice-boys, velhos, adultos, jovens e crianas todos se servem da TV. Ento, por que no fazer conselhos em que essas pessoas estejam representadas e expres- sem as suas idias a respeito de determi- nados programas, a respeito do que gos- tariam de ter na TV, dizendo o que aprendem de bom, o que vem de mau? Isso um controle democrtico. Isso no tem nada a ver com censura. Censura quando uma dada instituio se arroga o poder de achar que ela dona da verdade, que ela sabe o que bom ou o que mau na televiso, seja qual for esta instituio,

  • Decabeaaben'aparaaeducao

    seja a igreja, uma escola, uma secretaria do governo. Ningum tem esse poder. Agora a sociedade, representada em seus diferentes segmentos, ela sim poderia fa- zer um controle que exploraria ao mxi- mo esse potencial pedaggico, educativo, riqussimo que tem a TV.

    RCE: Sem esse controle, a instituio- empresa concessionria estaria exercen- do um poder nico sobre o di peito de co- municao na TV?

    Helosa Dupas Penteado: Io acho que nico. Veja voc: todas as empresas agre- gam dentro delas pessoas de diferentes pro- cedncias sociais, de formao educacional, poltica etc. Dentro da prpria TV existem contradies, existem profissionais compro- metidos com as responsabilidades sociais e que buscam as brechas possveis para exer- cer esse poder pedaggico de uma maneira positiva, humana, pensando em qualidade social de vida. Isso na prpria empresa vivido de maneira conflitiva. No sei como os profissionais que trabalham na produo de programas como Casa dos Artistas, Big Bmther Brasil etc., se sentem a respeito, mas tenho certeza de que muitos deles se questi- onam quanto qualidade, sobre o que esses programas tm de ruim. A TV encerra mui- to poder. Em toda sociedade, no adianta querermos ser ingnuos, ela est a servio do sistema poltico.

    RCE: Como a senhora entende o cam- po comunicao-educao?

    Helosa Dupas Penteado: Para falar a verdade, o que penso est contido neste livro: Comunicao escolar, uma metodologia de ensino'. Fiz esse livro

    exatamente com esta inteno. Hoje sou aposentada, tenho vnculo com a ps-gra- duao, oriento os mestres e doutores. Penso que fui uma pessoa privilegiada na minha carreira, pois tenho uma experin- cia de trabalho, desde ensinar crianas, at ensinar a mestres e a doutores. Isso uma coisa rara na carreira de professor. Tive a oportunidade de experimentar na minha pele, ocupando a posio de professor nesses diferentes momentos, vrios nveis de dificuldade e desafios, os quais fui en- frentando e utilizando como reflexo para a minha docncia. A descoberta da impor- tncia de trabalhar com os meios de co- municao na educao uma descober- ta vicria, no aprendi isso em lugar nenhum, aprendi da experincia, depois que fui estudar mais. Queria deixar re- gistrada essa experincia e se ela servir para outro professor, uma coisa muito boa. Quando comecei a lecionar existi- am uns caderninhos do governo sobre como dar aulas, faa isso, faa aquilo. Eu discordava de muitas coisas que estavam ali, mas aquilo era bom, porque era um referencial, eu podia dialogar com ele, ousar o meu caminho, s vezes no dava certo, ficava meio perigoso, eu voltava.

    Hoje tenho uma experincia acumulada, uma experincia diversificada, que nem todos

    os professores tm. Ento registrei isso nesse livro.

    Ele tem um captulo chave que teri- co e se chama O agir comunicacional.

    1. Livro editado pela Editora Salesiana (http://www.editorasalesiana.com.br).

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    Nele defendo a idia de que o professor transita por vrias instncias decisrias. Desde decidir um planejamento de ensi- no, quais so os objetivos, que recorte do contedo vai trabalhar, como que vai verificar se os alunos esto aprendendo. Nesses momentos de deciso, no ensino tradicional, est muito claro para todos os professores como que se faz. Mas, quan- do se entra com a questo das m'dias, isso tudo balana. Como que o professor vai planejar, vai trabalhar com um trecho de programa de televiso? Ele precisa conhe- cer os alunos para isso. E isso gera uma insegurana no professor. Como o profes- sor deve fazer? Que objetivo tem o aluno em relao a isso? Qual a importncia e como trabalhar esses novos contedos? O professor tem um conhecimento a respei- to do desenvolvimento psicolgico dos alunos que passam por ele. Isso uma competncia profissional do professor. Mas tambm ele no pode trabalhar sem saber o que que o aluno pensa a respeito do tema. O professor tambm no pode trabalhar sem desafiar o aluno. Uma coi- sa que aprendi no meu trabalho, ao longo da minha carreira, que quando o pro- fessor abre a possibilidade do dilogo, de dizer que a idia do aluno boa e de admitir quando est errado, ele desper- ta no outro uma disponibilidade para ouvi-lo. Ento, neste livro, estudo cada uma dessas instncias decisrias, plane- jamento, seleo de objetivos, recorte de contedo, formas de trabalho e avaliao. Trato o modelo tradicional, que todo mundo tem claro, como referncia e como deveramos fazer para estar toman- do estas decises num modelo comunica- cional de ensino, em que todas as pesso- as tm voz, tm direito a se expressar.

    FORMAO DE PROFESSORES RCE: As Faculdades de Educao e

    Pedagogia tm correspondido aos novos desafios que se colocam aos professores que esto se formando?

    Helosa Dupas Penteado: De manei- ra nenhuma. A nossa faculdade, por exemplo, falo isso com muito pesar, ti- nha avanado bastante nessa direo, mas agora anda parada. A professora Mariazinha Fusari tinha criado discipli- nas no curso de Pedagogia que tratavam de comunicao e educao; eu traba- lhava com isso na licenciatura; outros professores e professoras tambm eram sensveis a isso. Desenvolvemos traba- lhos juntos, enfim, havia vrios profes- sores sensibilizados. Institucionalmente a Profa. Mariazinha tinha criado duas disciplinas que permitiam levar adiante este conhecimento. Ela faleceu, eu e outros professores nos aposentamos e espervamos que fosse aberto concurso para preencher essas vagas. Mas no, ex- tinguiram as disciplinas. Ento temos discutido muito que todos os encontros de comunicao e educao deviam ter- minar com uma moo para ser enca- minhada para o MEC, exigindo que se criassem disciplinas que garantissem ao professor o aprendizado de trabalho com os meios de comunicao no ensino e que se cobrasse da Faculdade de Edu- cao da USP essa atitude. Qual a fun- damentao, qual a justificativa para extinguir as disciplinas? No compreen- do o que aconteceu. Acho que tnhamos avanado tanto. O que fica claro, infe- lizmente, que esta uma preocupao pontual. Na verdade, a instituio como um todo no assumiu essa mudana.

  • Decabeaabertaparaaeducao

    Somos alguns professores que lidamos com isso. um comeo, mas acho que no devamos ter voltado para trs, de jeito nenhum.

    RCE: Principalmente quando o tem- po urge.

    Helosa Dupas Penteado: Pois . Quantos cursos de formao continua- da fazemos para as pessoas que esto na ativa, pois elas esto sentindo falta. No entanto, estamos avanando na for- mao continuada e na formao ini- cial no. Destes outros cursos criados por causa das reformas educacionais, as chamadas Escolas Normais Supe- riores, eu at gosto. Acho que chacoalha um pouco os cursos de Pedagogia. O lamentvel, no entanto, que as boas idias, na maioria das vezes, na hora de serem implementadas, acabam se es- vaziando. Mas este pode ser um curso no qual se coloquem disciplinas rela- cionadas comunicao-educao e se possa constatar a importncia delas na formao dos professores.

    RCE: Por que a formao de profes- sores continua to precria? Seria este, a qualidade das faculdades, um dos componentes da m qualidade do ensi- no no Brasil?

    Helosa Dupas Penteado: Na verdade os nossos projetos polticos no tm apos- tado na formao do professor. O profes- sor vem baila s no momento de cam- panha eleitoral, muita gente aparece, e professor vira um ttulo bonito. As nossas polticas na verdade no tm valorizado devidamente a funo do professor. E isso se reflete nas escolas, na qualidade das es- colas pblicas, na falta de verbas, no se

    tem verba para nada. E o que me intriga muito por que ns professores no con- seguimos nos unir, embora sejamos um grupo grande, e conquistar espao na so- ciedade, apresentando projetos etc. Fato que tem muito a ver com a direo que a poltica mundial tomou hoje.

    Isso de o mercado poder tudo no deve continuar.

    Hoje j se v o esgotamento desse mercado,

    porque as pessoas no tm capacidade de compra, no tm capacidade de compreenso, no tm capacidade de trabalho.

    Isso vai acabar empenando o prprio mercado.

    Acredito que da, dessas dificuldades, que vai decorrer um despertar para a importncia da formao humanstica de que falamos no comeo. No encontro outra explicao. H muitos professo- res devotados, que no perdem a espe- rana. Eu, s vezes, perco a esperana, mas quando me colocam diante de uma classe, pronto, a estou com a corda toda. Gosto desse trabalho, gosto do ser hu- mano. Mas h vrios obstculos no ca- minho e compreendo os professores que sucumbem, que desanimam, h razes histricas para isso.

    RCE: Quais so os principais desa- fios para a formao de professores na

  • Comunicao & Educao, So Paulo, (26): 62 a 74,jan.Iabr. 2003

    contemporaneidade, medida que o co- nhecimento fragmentado e comparti- mentado em disciplinas cada vez mais questionado?

    Helosa Dupas Penteado: H essa questo da guerra s disciplinas. Sou por um estudo disciplinar. Entendo por dis- ciplinas campos de conhecimento. Nos- sa possibilidade de abordagem da reali- dade mltipla, infinita e seletiva.

    Cada um de ns no d conta seno de um pequeno espao,

    de se dedicar a estudar determinado aspecto.

    O problema no a disciplina mas , de novo, a forma como se trabalham es- sas disciplinas. Para que serve a disci- plina? Ela deveria servir, a rigor, para que o sujeito que est na escola com- preenda melhor a vida, os valores, os re- lacionamentos humanos, os relaciona- mentos de trabalho, o significado das religies, enfim, tudo o que nos cerca importante para o ser humano. No en- tanto, essa forma organizada de manei- ra fragmentada levou a uma viso erra- da de que o professor tem que dar conta de compreender o mundo a partir do pe- dao da disciplina que ele ensina. Quan- do um professor tem uma viso mais avanada e quer trabalhar em conjunto com outro, ele encontra muitas barrei- ras institucionais na forma de organiza- o da escola. Mas o professor que quer mesmo, acaba conseguindo, muitos pro- fessores conseguem. Mas a instituio deveria assumir isso. Quando surgiu a idia de as escolas fazerem os seus pro-

    jetos pedaggicos, esse foi um passo in- teressantssimo, porque o diretor teve que sentar com seus professores e con- versar. "Quais os problemas que vocs encontram? Como que podemos lidar com eles? Como cada disciplina pode contribuir para a resoluo das questes dessa populao que est aqui?" Mas ouvi relatos de muitos diretores dizen- do que os professores tinham sido for- mados para cumprir um programa e no para elaborar uma proposta. E no seria de um dia para o outro, no na primeira reunio, que se conseguiria um projeto de escola. Mas o caminho realmente trabalhar projetos com esses professo- res. H professores que polarizam, que atraem. O projeto da escola vai surgir quando houver professores j familiari- zados com esse tipo de trabalho, ou usando esses caminhos. Mas, no pode funcionar como uma camisa de fora. Se um ou outro professor no quer partici- par, no tem importncia, ele no est convencido disso, ento a nica coisa que ele tem de fazer o seu prprio pro- jeto. Que no se tenha preconceito ne- nhum com o projeto dele, que os dois projetos, ou trs ou quatro, se encontrem nas reunies pedaggicas e, de repente, possamos aprender muito com o profes- sor que resistente. O fato de estarmos fazendo um projeto interdisciplinar no significa que o projeto ser perfeito, pode ser um projeto ruim. E pode haver um professor que est enxergando isso. Deveramos ter essa mentalidade volta- da para a elaborao de projetos, a qual reunisse pessoas, mas no exclusse. Aquele que no quer no ser excludo, ignorado. Ele ser aquela outra voz, e tambm tem direito de ser ouvida. Acre-

  • Decabeaaberfaparaaeducao

    dito que o caminho seja esse. Na hist- ria, tudo o que foi feito fora s triun- fou porque se cortou a cabea dos que pensavam o contrrio. O caminho que estamos defendendo o da discusso, da convivncia das diferenas. Passa por a, por essa experincia com projetos. Tem muito professor com garra, queren- do fazer e fazendo isso.

    Resumo: Em entrevista a Comunicao & Educaz70 a Professora Livre-Docente Helo- sa Dupas Penteado, da Faculdade de Educa- o da USP, fala de suas experincias e ex- pectativas com relao a Educao. Sociloga, educadora, especialista em didti- ca do ensino, primeiro, ministrou aulas para crianas e jovens na rede de ensino do Esta- do de So Paulo; depois, dedicou-se a pes- quisa e a formao de professores. Foi uma das pioneiras a introduzir as linguagens e as temticas dos meios de comunicao na sala de aula, bem como a pesquisar sobre sua influncia em jovens estudantes. Autora en- t re outros de Comunica50 esco/ar, uma metodo/ogia de ensino, falou sobre a impor- tncia de os cursos de formao de professo- res abrirem-se a complexidade da comunica- o na sociedade contempornea, entre outros temas.

    Pa/avras-chave: Helosa Dupas Penteado, di- dtica, pedagogia, formao de professores, comunicao, educao, mdia

    RCE: Voc acha que esse seria um ca- minho ideal para a escola do JUturo, dos tempos vindouros?

    Helosa Dupas Penteado: Tenho a im- presso de que vamos caminhar para isso, devido s necessidades da vida social que est cada vez mais complexa. Ento quan- do temos grandes problemas, temos que comear a pedir ajuda.

    (An open mind for education) Abstract ln an interview given to Comuniao & EucaoProfessor Helosa Dupas Pentea- do, post-doctor of USP's College of Education, talks about her experiences and expectations regarding Education. A sociologist, educator, specialist in teaching didactics, she taught children and young people in the State of So Paulo's public school education system. She then dedicated herself to research and to training teachers and was one of the pioneers in introducing the means of mass communication languages and themes in the classroom and in researching its influence on young students. Author, among others, of ComuniaHo esm- /a6 uma metodo/ogia de ensino, she tal ked about the importance of teacher-training courses being open to the complexity of communication in the contemporaneous society and on other themes.

    Key words: Heloisa Dupas Penteado, didactics, pedagogy, training teachers, communication, education, media