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  • ASSOCIAO BRASILEIRA DE DIREITOS REPROGRFICOS

    Fredric M. LittoMarcos Formiga

    Organizadores

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    So Paulo

    Brasil Argentina Colmbia Costa Rica Chile EspanhaGuatemala Mxico Peru Porto Rico Venezuela

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  • 2012 by Fredric Michael Litto e Marcos Formiga

    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicao poder ser reproduzida ou transmitidade qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrnico ou mecnico, incluindo fotocpia, gravao ou

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    Diretor editorial: Roger TrimerGerente editorial: Sabrina Cairo

    Coordenadora de produo editorial: Thelma BabaokaEditor de desenvolvimento: Jean Xavier

    Preparao: Olivia ZamboneReviso: Carmen Teresa Simes da Costa

    Capa: Alexandre MiedaProjeto grfico e diagramao: Figurativa Editorial MM Ltda..

    2011Direitos exclusivos para a lngua portuguesa cedidos

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    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Educao a distncia : o estado da arte, volume 2 /Fredric Michael Litto, Marcos Formiga (orgs.). -- 2. ed. -- So Paulo : Pearson Education do Brasil, 2012.

    vrios autores.Bibliografia.ISBN 978-85-7605-883-0

    1. Educao a distncia - Histria I. Litto, Fredric Michael. II. Formiga, Marcos.

    11-02298 CDD-371.309

    ndice para catlogo sistemtico:1. Educao a distncia : Histria 371.309

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    1a reimpresso novembro 2012Direitos exclusivos para a lngua portuguesa cedidos

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  • Dedicamos este volume s futuras geraes de EAD do Brasil, em especial aos nossos netos: Max, Paloma, Manuela, Liam, Gabriela e Peter; que vocs recebam todos os benefcios que a EAD capaz de oferecer!

    Fredric M. Litto e Marcos Formiga

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  • Apresentao .......................................................................................................................... xi

    PRIMEIRA PARTE ASPECTOS HISTRICOS E CULTURAS NA EDUCAO A DISTNCIA 1

    Captulo 1 Os primrdios da EAD na educao superior brasileira

    Jos Carlos de Azevedo ....................................................................................... 2

    Captulo 2 Superando barreiras naturais: a EAD na regio amaznica

    Jos Augusto de Melo Neto ................................................................................. 6

    Captulo 3 tica e a EAD

    Mara Yskara Nogueira Paiva Cardoso.............................................................. 11

    SEGUNDA PARTE ASPECTOS TECNOLGICOS NA EDUCAO A DISTNCIA .............. 17

    Captulo 4 Satlites artificiais e aEAD

    Elisa Maria de Assis ........................................................................................... 18

    Captulo 5 TV digital e a EAD

    Diogo Santana Martins e Maria da Graa Campos Pimentel ............................. 26

    Captulo 6 Os padres ISO para EAD

    Ftima Cristina Nbrega da Silva ...................................................................... 35

    TERCEIRA PARTE ASPECTOS PEDAGGICOS E ANDRAGGICOS NA EDUCAO A DISTNCIA ........................................................................ 45

    Captulo 7 Psicologia humana e a EAD

    Maria Amlia Azevedo ...................................................................................... 46

    Captulo 8 Neurocincias aplicadas EAD

    Susane Martinos Lopes Garrido ......................................................................... 61

    Captulo 9 Competncia digital e a EAD

    Mariana Raposo ................................................................................................ 71

    Sumrio

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  • viii

    O estado da arte

    Educao a distncia

    Captulo 10 A estruturao de cursos em EAD

    Luciano Gamez ................................................................................................. 75

    Captulo 11 Objetos de aprendizagem e a EAD

    Liane Margarida Rockenbach Tarouco .............................................................. 83

    Captulo 12 Ferramentas da Web 2.0 associadas aos LMS no ensino presencial

    Marta de Campos Maia ..................................................................................... 93

    Captulo 13 Recursos educacionais abertos e formao continuada de agentes pblicos

    Claudia Cristina Mller ................................................................................... 103

    Captulo 14 Redes sociais e a EAD

    Iara Cordeiro de Melo Franco ......................................................................... 116

    QUARTA PARTE ASPECTOS DE SUPORTE AO ALUNO E SUA AVALIAO .................... 125

    Captulo 15 O aluno e a sala de aula virtual

    Luciano Sathler Rosa Guimares ..................................................................... 126

    Captulo 16 Formao tcnica de alunos usando a EAD

    Claudio Fernando Andr e Demerval Guilarducci Bruzzi ............................... 134

    Captulo 17 Formao e inveno do professor no sculo XXI

    Cristovam Buarque .......................................................................................... 145

    Captulo 18 O novo papel do professor na EAD

    Rita Maria Lino Tarcia e Ana Lcia Tinoco Cabral ........................................... 148

    QUINTA PARTE APLICAES NA EAD NA EDUCAO FORMAL.................................. 155

    Captulo 19 O pblico infantil e juvenil e a EAD

    Cristiana Mattos Assumpo ........................................................................... 156

    Captulo 20 O sistema prisional e a EAD

    Bernadette Bebber ........................................................................................... 163

    Captulo 21 Aprendizagem de cincias e a EAD

    Jlio Wilson Ribeiro ........................................................................................ 174

    SEXTA PARTE APLICAES DE EAD NA EDUCAO NO FORMAL ............................. 181

    Captulo 22 Educao continuada e a EAD

    Carina Bossu ................................................................................................... 182

    Captulo 23 Sistema de educao corporativa e a EAD

    Marisa Pereira Eboli ........................................................................................ 189

    Captulo 24 O setor de sade e a EAD

    Renato Marcos Endrizzi Sabattini e Silvia Helena Cardoso .............................. 198

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  • ixSumrio

    Captulo 25 O setor de indstria e a EAD

    Ricardo Santos Lima ........................................................................................ 209

    Captulo 26 Empreendedorismo e a EAD

    nio Duarte Pinto ............................................................................................ 216

    Captulo 27 As Foras Armadas e a EAD

    Daniel Duarte de Carvalho ............................................................................. 224

    Captulo 28 O Poder Judicirio e a EAD

    Noeme Julia do Nascimento Silva e Diogo Albuquerque Ferreira ................... 234

    Captulo 29 O Poder Legislativo e a EAD

    Maurcio Silva ................................................................................................. 241

    Captulo 30 O frum digital discursivo na aprendizagem jurdica

    Izilda Maria Nardocci ..................................................................................... 248

    STIMA PARTE ASPECTOS DA APRENDIZAGEM ABERTA E FLEXVEL ............................. 257

    Captulo 31 A docncia on-line independente

    Leonel Tractenberg, Rgis Tractenberg e Wilson Correia de Azevedo Jnior .... 258

    Captulo 32 A aprendizagem por meio de comunidades virtuais na prtica

    Eliane Schlemmer ........................................................................................... 265

    Captulo 33 A Universidade Aberta do Brasil

    Daniel Mill ...................................................................................................... 280

    OITAVA PARTE ASPECTOS DA OPERAO DA EDUCAO A DISTNCIA ................... 293

    Captulo 34 A insero de EAD em uma instituio de ensino convencional

    Maria Beatriz Ribeiro de Oliveira Gonalves .................................................. 294

    Captulo 35 Aspectos econmicos da EAD

    Enilton Ferreira Rocha ..................................................................................... 303

    Captulo 36 Livros e apostilas na educao superior a distncia

    Roger Trimer ................................................................................................... 311

    Captulo 37 Consrcios nacionais de instituies na EAD

    Jeferson Pistori ................................................................................................ 319

    Captulo 38 Consrcios internacionais de instituies na EAD

    Stavros Panagiotis Xanthopoylos e Mary Kimiko Guimares Murashima ......... 324

    Captulo 39 Propriedade intelectual e a EAD

    Augusto Tavares Rosa Marcacini ..................................................................... 333

    Captulo 40 Direitos autorais em EAD

    Dilermando Piva Junior e Joni de Almeida Amorim ........................................ 340

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  • x

    O estado da arte

    Educao a distncia

    Captulo 41 Regulao da modalidade de EAD no Brasil

    Hlio Chaves Filho .......................................................................................... 344

    Captulo 42 Regulamentao e a desburocratizao da EAD no Brasil

    Fabrizio Cezar Chiantia ................................................................................... 362

    Captulo 43 Infraes que prejudicam a imagem da EAD

    Fredric Michael Litto ....................................................................................... 367

    NONA PARTE TENDNCIAS RECENTES E FUTURAS DA EAD ......................................... 375

    Captulo 44 Aprendizagem alm-fronteiras e a EAD

    Manuel Marcos Maciel Formiga ...................................................................... 376

    Captulo 45 Certificao dos profissionais de EAD

    Arlette Azevedo de Paula Guibert ................................................................... 389

    Captulo 46 organizaes internacionais e a EAD

    Susane Martinos Lopes Garrido e Paraskevi Bessa Rodrigues .......................... 396

    Captulo 47 Revistas cientficas nacionais e internacionais de EAD

    Benedito Barraviera, Rui Seabra Ferreira Junior e Ana Silvia Sartori Barraviera Seabra Ferreira e. ................................................ 403

    Captulo 48 Crescimento bibliogrfico na EAD

    Willian Victor Kendrick de Matos Silva e Ludhiana Bertoncello ...................... 410

    Glossrio .............................................................................................................................. 421

    ndice onomstico ................................................................................................................ 429

    ndice remissivo ..................................................................................................................... 441

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  • Apresentao

    Como organizadores do primeiro volume de Educao a distncia: o estado da arte, fomos surpreendidos quando a obra foi agraciada, em 2008, com o Prmio Jabuti, da Cmara Brasileira do Livro, na categoria de Psicologia, Psiquiatria e Educao. Meritria conquista: uma coletnea de 61 captulos sobre tpicos superespecializados (muitos dos quais es-critos em linguagem acadmica, outros mais jornalsticos), apresentando experincias e analisando tecnologias de ensino/aprendizagem cuja permanente renovao impe-se diante das resistncias de um meio educacional que ainda no se rendeu modernidade: a evoluo e a disseminao da EAD no Brasil e no mundo. Laureada, a obra comprovou que a cultura brasileira est aberta a temticas que mobilizam estudiosos de diferentes reas do saber. Os autores representados neste volume conseguiram, com a clareza que cada abordagem exige, comunicar o valor dessa modalidade e os ilimitados contedos informativos cujo alcance souberam ultrapassar.

    O prmio nos motivou a pensar na elaborao de um segundo volume, com novo time de autores e novos tpicos. Mas seria possvel? So poucos os pases que se destacam pela profundidade de campo em EAD (isto , estudiosos e profi ssio-nais em nmero e capacidade elevada) para consumar uma iniciativa de carter plural. Depois de compulsar a produo de pesquisadores de todo o pas, foi possvel reunir mais de 50 autores capazes de produzir textos inditos, sucintos e academicamente respeitveis sobre as especialidades nas quais se distinguem. Embora entrando tardiamente no uso da modalidade a distncia para o ensino superior e para a educao corporativa, o Brasil apresenta hoje um contingente re-lativamente grande de especialistas nos diversos nveis que compem a rea de EAD, assegurando o sucesso da expanso nas prximas dcadas.

    Este segundo volume de Educao a distncia: o estado da arte surge no mercado editorial no ano em que a Abed completa 16 anos de atuao. Unindo profi ssionais de EAD de todas as comunidades educacionais do Brasil, de colgios e universidades pblicos e privados, do Sistema S, de rgos governamentais e de organizaes empresariais, bem como de entidades sindicais, ONGs, bibliotecas e museus, a Abed intensifi ca sua contribuio para o desenvolvimento qualita-tivo da EAD no pas, no apenas por meio de publicaes especiais (nossa revista cientfi ca e livros, como o Censo Anual de EAD no Brasil), mas tambm de eventos como o Congresso Internacional, o Seminrio Nacional e o Dia Nacional de EAD. Apenas no setor de ensino superior, nos ltimos anos, a EAD cresceu mais de 900% em nmero de alunos. Podemos perguntar: de onde vieram os profi ssionais aptos a dar conta dessa expanso vertiginosa? A resposta simples: ocorreu exatamente como no incio das atividades envolvendo tecnologia da informao, nas dcadas de 1950 e 1960, quando no havia cursos de graduao e ps-graduao em cincias das computao; os primeiros profi ssionais vieram de todas as reas acadmicas (fsica, qumica, matemtica, cincias sociais e humanas), fenmeno que est se repetindo nesta fase de expanso de EAD. Acreditamos que livros do tipo que o leitor agora tem em mos so necessrios para acelerar o amadurecimento dos educadores e de outros profi ssionais que agora trabalham com a EAD, ou que desejam comear nesse nicho. Desenvolvimento profi ssional o propsito deste volume, organizado como um compndio (em ingls, um handbook obra que seja til, prtica e ampla em sua cobertura).

    Todos os captulos deste segundo volume so inditos e abordam assuntos no includos no Volume 1. Alguns apontam questes que, embora j apresentadas, diferem na perspectiva que as atualiza. Estamos especialmente satisfeitos em poder oferecer ao leitor um fascinante texto assinado por um dos pioneiros da EAD universitria no pas, Jos Carlos de Azevedo, ex-reitor da Universidade de Braslia (UnB): trata-se do relato de sua experincia ao encetar um programa de EAD em sua instituio, estendendo-se sobre as difi culdades de ordem poltica e cultural que se interpuseram. Pouco tempo depois da sua apresentao no 15o Congresso Internacional Abed de EAD (Fortaleza, 2009), o professor Jos Carlos veio a falecer; mas seu texto, que representa to bem o clima de hostilidade e descrdito reinante no Brasil por muitas dcadas (subsistin-

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  • xii

    O estado da arte

    Educao a distncia

    do em vrias formas e em diferentes lugares), e seu enfrentamento, e tambm o de outros desbravadores de EAD, esto aqui com seu perfil lcido, preciso, vigoroso e cndido.

    Esperamos que o leitor encontre utilidade no glossrio e nos ndices fornecidos nesta obra, os quais cobrem os volumes 1 e 2. Tendo em vista a natureza interdisciplinar das ideias em circulao na EAD, alm da necessidade de dar conta dos neologismos e particularidades terminolgicas, acreditamos que sejam oportunas para o leitor essas duas ferramentas.

    Nos preparos para a publicao deste segundo volume, mesmo percebendo que ainda no foram esgotados todos os assuntos que se sobressaem no vasto espectro da abordagem de aprendizagem designada educao aberta e a distn-cia, deixamos reticente o espao a ser preenchido com as evolues que marcam essa modalidade, cuja atualizao se faz permanente.

    Queremos agradecer aqui s pessoas que contriburam significativamente para a preparao deste volume: em pri-meiro lugar, aos autores de todos os captulos, que no somente se submeterem s configuraes editoriais estabeleci-das, mas tambm (como os organizadores) cederam seus direitos autorais Abed. Essa afinidade de interesses garantiu a conquista da nossa associao para formar uma comunidade de profissionais comprometidos com o progresso de uma rea que impe desafios, antecipando o cenrio futuro que ora divisamos. Em segundo lugar, equipe de assessores editoriais, todos associados da Abed, que trabalharam com excepcional apuro em prol do sucesso do volume: Arlette Guibert, Consuelo Fernandes, Ivete Palange, Adylles Castelo Branco, Izilda Maria Nardocci, Mrcia Rodrigues e Gian-carlo Colombo. Tambm a equipe administrativa na sede da Abed, que manteve o projeto em andamento, executando o fluxo de trfego de captulos entre autores, revisores e a editora: Beatriz Roma Marthos, Srgio Krambeck, Alessandra Pio, Bruna Medeiros e Pamela Oliveira. Ao staff da Pearson Education do Brasil, notavelmente Guy Gerlach, Larcio Dona, Roger Trimer, Sabrina Cairo, Jean Xavier e Thelma Babaoka, foram colaboradores empenhados rigorosos nas questes editoriais, mas sempre bem-humorados e compreensveis. A todos, nossos profundos agradecimentos!

    Fredric M. Litto e Marcos FormigaSo Paulo e Braslia, 2011

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  • Captulo 1 Os primrdios da EAD no ensino superior brasileiro

    JOS CARLOS DE ALMEIDA AZEVEDO ............................................................................ 2

    Captulo 2 Superando barreiras naturais: a EAD na regio amaznica

    JOS AUGUSTO DE MELO NETO .................................................................................. 6

    Captulo 3 tica e a EAD

    MARA YSKARA NOGUEIRA PAIVA CARDOSO ............................................................... 11

    PRIMEIRA PARTEAspectos histricos e

    culturais da educao a distncia

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  • Aps a divulgao do Relatrio Robbins (1963), que analisou o estado da educao inglesa aps a 2 Guerra Mundial, o governo do primeiro ministro Harold Wilson tomou duas providncias para corrigir o enorme dfi cit de matrculas e de escolas de nvel superior: criar universidades e escolas politcnicas de pequeno e mdio portes em locais estrategicamente selecionados; assim nasceram nove universidades, nove escolas politcnicas e a Open University (em ingls UKOU United Kingdon Open University).

    O esforo bem sucedido para desenvolver um sistema de ensino a distncia integrando meios eletrnicos e material impresso surgiu com a criao da ento chamada Universidade do Ar, fruto de compromisso eleitoral do Partido Trabalhista. Aps o anncio da sua criao, em 8 de setembro de 1963, toda a imprensa, as universidades e at o Ministrio da Educao e Cincia foram desfavorveis ao empreendimento. Mesmo com toda essa oposio, foi organizado um Comit de Planejamento, formado pela ministra da educao e cincia e pelo vice reitor do empreendimento, que mudaram o nome de Universidade do Ar para Open University (UKOU). A partir da, o apoio do parlamento ingls foi vital para o sucesso desse novo mtodo de ensino que existe hoje em quase todo o mundo civilizado, mas at bem pouco tempo era malvisto pelo MEC.

    Quando a Universidade de Braslia (UnB) decidiu encampar a questo da Universidade Aberta no Brasil, em 1979, o modelo ingls j havia sido copiado ou adaptado em muitos pases. No Brasil, havia apenas o parecer que Newton Lins Buarque Sucupira, conselheiro do Conselho Federal de Educao (CFE), apresentou ao ento ministro da Educao, Jarbas Gonalves Passarinho um estudo fundamentado sobre a UKOU e a viabilidade de sua criao no pas.

    Em 1979, na Inglaterra, uma equipe com centenas de professores e nenhum aluno preparava o material didtico mais sofi sticado existente; milhares de livros e fascculos, fi lmes, udios e videocassetes, feitos com a BBC de Londres, que reunia quela poca mais de 60 anos de experincia na produo de material educativo.

    O aluno aprovado nos cursos fundamentais seguia estudos que levavam a vrias profi sses, excetuadas, pelo menos, as de direito e medicina. Havia, em 1979, cerca de 8 mil tutores

    espalhados pela Gr Bretanha que fi cavam disposio dos alunos para tirar dvidas e orient los. Desde essa ocasio, o ensino na UKOU oferecido em dosagem equilibrada de recursos audiovisuais (TV, rdio, vdeos, CDs, discos e DVD), computador, textos de leitura dirigida, livros, seminrios e cursos intensivos feitos em universidades, alm de aulas regulares nas rdios e televises.

    O material didtico da UKOU tinha em mdia a seguinte utilizao: textos de leitura dirigida, 65 por cento; rdio e TV, 10 por cento; ensino orientado, 15 por cento; avaliaes, provas e exerccios, 10 por cento. Alm disso, a BBC divulgava dezenas de horas semanais de cursos e milhares de programas de rdio.

    Por ser uma universidade ofi cial, os diplomas da UKOU valem tanto quanto os de Oxford e Cambridge; a qualidade de seus cursos pode ser medida pelo resultado dos exames prestados por seus alunos para o ingresso nos cursos de psgraduao nacionais, que tem sido superior a 85 por cento nmero bastante elevado, visto que essa Universidade congrega hoje cerca de 25 por cento dos universitrios ingleses a um custo unitrio 60 por cento menor que o custo de um estudante de curso presencial.

    As vantagens desse sistema de ensino eram e ainda so, 30 anos depois:1) oferecer ensino de qualidade a grandes contingentes humanos; 2) ser mais efi caz que os mtodos tradicionais, por alguns cha

    mado, depreciativamente, de talk and chalk (em portugus cuspe e giz);

    3) ser menos custoso que o mtodo tradicional em 1979, o custo de um aluno da UKOU era 60 por cento mais baixo que o de outras universidades;

    4) evitar as macroconcentraes de alunos, servidores e professores, que exigem grandes edifcios, laboratrios e infraestrutura;

    5) viabilizar o desenvolvimento rural com a qualifi cao dos que habitam essa regio;

    6) reduzir o fl uxo migratrio para os centros urbanos;7) assegurar o ensino superior de alto nvel onde no h insti

    tuies para oferec lo.A ideia central do ensino a distncia pode ser resumida em

    uma frase: no o professor quem ensina; o aluno quem aprende.

    Os primrdios da EAD no ensino superior brasileiro1

    CAPTULO 1

    Jos Carlos de Almeida Azevedo

    1. Este texto foi o pronunciamento do professor Azevedo na Cerimnia de Abertura do XV Congresso Internacional Abed de Educao a Distncia, realizado em Fortaleza, Cear, em 27 de setembro de 2009.

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  • 3

    Jos Carlos de Almeida Azevedo

    Captulo 1: Os primrdios da EAD no ensino superior brasileiro

    A primeira tentativa de criar no Brasil um sistema semelhante UKOU inglesa foi feito pela UnB que, em fevereiro de 1979, assinou convnio com a UKOU e recebeu gratuitamente os direitos de traduo e de distribuio de todo o seu acervo para a lngua portuguesa; nessa ocasio, pareceu prudente adquirir experincia com a metodologia da UKOU mediante a oferta de cursos de 1 grau em escala nacional e assim surgiu o Telecurso de 1 grau. Isso foi feito em convnio com a Fundao Roberto Marinho (FRM) e recursos obtidos na presidncia da Repblica, graas ao apoio do ministro da Casa Civil, Golbery do Couto e Silva, e do secretrio particular do presidente Joo Batista de Oliveira Figueiredo, dr. Heitor Aquino Ferreira.

    Por iniciativa exclusiva da UnB e do reitor da Universidade Ntre Dame, padre Theodor Martin Hesburgh, e do vicepresidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), dr. Michael Curtin, a UnB obteve 10 milhes de dlares do BID para criar uma estrutura de ensino a distncia, com uma central de produo na UnB; na mesma ocasio, o BIRD ofereceu mais 3 milhes de dlares para o mesmo empreendimento. Concomitantemente e com recursos prprios, a universidade ampliou o seu programa editorial e chegou a publicar, apenas em 1980, mais de 250 ttulos.

    Empreendimento dessa importncia fatalmente suscitaria a m vontade dos que cuidam melhor de seus interesses pessoais e no do que importante para a nao. O ministro da Educao de planto na poca, Eduardo Portela, por exemplo, fez o que podia fazer e fez muito para impedir a iniciativa e, sem entender nada de nada, declarou que a UKOU era um supletivo de black tie, expondo se ao ridculo no exterior e, com essas duas palavras, exaurindo todos os seus conhecimentos da lngua inglesa. O anncio da doao obtida do BID pela UnB com a colaborao do padre Hesburgh gerou mais problemas, pois o MEC, sob a direo de Esther de Figueiredo Ferraz, quis apropriar se do dinheiro, mesmo sem saber o que fazer com ele. Por tudo isso, houve atraso no envio dos recursos e, aps a mudana da administrao da UnB, eles foram reduzidos a cerca da metade. Ao final, a UnB recebeu apenas metade dessa metade, pois o restante, 25 por cento do total inicialmente obtido, foi entregue pelo reitor Cristvam Buarque a outra instituio.

    Para assessorarem a UnB na criao da UKOU brasileira, vieram ao Brasil Anastasios Christodoulos, secretrio geral da UKOU, Peter Calvocoressi, presidente da UKOU, e John Cox, diretor editorial da UKOU. O dr. Antnio Brito da Cunha, eminente professor da Universidade de So Paulo (USP) e membro do conselho editorial da Editora da Universidade de So Paulo (Edusp), coordenou a mesa redonda promovida pelo jornal O Estado de S. Paulo que, ao lado do Jornal do Brasil e outros jornais, estimulou a criao da UKOU. Essa iniciativa foi bem recebida nacionalmente; exceto pelo MEC, ainda condicionado a usar giz, apagador e quadro negro. Por isso, esse projeto teve o mesmo destino do outro empreendimento congnere feito no Brasil no mesmo decnio, o projeto Saci, de autoria do dr. Fernando de Mendona, criador e ento diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Esse foi considerado um modelo de ensino pela UKOU que at hoje lhe rende elogios em um de seus cursos fundamentais.2

    Por mais de 20 anos, no surgiu no MEC ou em qualquer outro rgo do governo federal uma nica iniciativa capaz de salvar o Brasil do caos educacional em que se encontra, e do

    qual no sair sem desenvolver e amparar entusiasticamente um sistema de ensino de qualidade para grandes contingentes humanos. O analfabetismo continua elevado, mesmo aps a experincia do Movimento Brasileiro de Alfabetizao (Mobral), que se desvirtuou aps a administrao de Mrio Henrique Simonsen: no conteve o aumento numrico do analfabetismo e consumiu recursos que seriam de melhor utilidade no ensino de base. Em 1979, na zona rural do Nordeste, o percentual de professores leigos era de 73,8 por cento e era tambm elevado em outras regies do Brasil. Passados 30 anos, o poder pblico no corrigiu ainda os salrios aviltantes pagos aos professores do ensino fundamental, nem as ms condies materiais de suas escolas, o que agrava a situao do ensino superior.

    O crescimento da matrcula na escola de base no Brasil foi vertiginoso; passou de aproximadamente 30 por cento nos anos 1950 para mais de 90 por cento nos anos 1980. Mas o esforo que levou ao aumento das matrculas no foi acompanhado pela soluo dos problemas que fatalmente adviriam em funo do prprio aumento; at o estado mais rico do Brasil no investe o necessrio e ainda mantm escolas de lata, salas de aula em contineres. De maneira geral, o ensino no Brasil ruim, e isso comprovado pelo pssimo desempenho de seus alunos em exames de avaliao, como o Programa Internacional de Avaliao de Alunos (Pisa), que sempre nos situa ao lado de pases africanos pauprrimos. A maior parte dos recursos pblicos federais destinada s suas universidades gratuitas, custosas, ineficientes e em greves sem fim. Os reflexos negativos desse atraso na qualidade, nos custos e nas distores do ensino pblico, principalmente o superior, s poderiam ser alarmantes como so hoje.

    O descaso e a incompetncia de tantas administraes pblicas deixaram nos o maior contingente de analfabetos do mundo ocidental e um sistema educacional inoperante. Se no adotarmos mtodos de ensino modernos, continuaremos na mesma situao de hoje, que a mesma de ontem e ser tambm a de amanh, porque os governos brasileiros preferem alterar dispositivos constitucionais, editar leis, decretos e portarias, em particular em momentos de crise; parecem desconhecer o exemplo da Coreia do Sul que, h meio sculo, era um dos pases mais pobres do mundo, mas reformulou e investiu no seu ensino compulsrio pblico e hoje um dos mais ricos.

    O territrio brasileiro coberto por satlites, sistema eficiente de correio, por rdios, telefones e TVs, porm s no final dos anos 1990 foram concedidos 80 canais de TVEs (televises educativas); salvo engano, poucas tm capacidade de gerar programas educacionais de nvel comparvel ao existente em pases avanados, e boa parte delas usa programao estrangeira, a Globo e a Fundao Padre Anchieta. H ainda 21 TVEs em universidades, com programas insatisfatrios e pouca audincia.

    H duas dificuldades cruciais na implantao de um sistema de ensino a distncia: a no homogeneidade lingustica e a inexistncia de um sistema de telecomunicaes. No Brasil h uma impressionante unidade lingustica que nem a diminuta Holanda possui e est coberto por um sistema de telecomunicaes moderno. A ndia, entretanto, com sua enorme disparidade de lnguas e dialetos, 850 milhes de habitantes e 180 milhes de crianas entre 6 e 14 anos, no teve outra opo a no ser adotar o ensino a distncia.

    2. OPEN University. The Man Made World, Technology Foundation Course, Education by Satellite in Brazil. Inglaterra, Open University Press, 1971.

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    O estado da arte

    Educao a distncia

    O progresso das telecomunicaes no pas foi vertiginoso nos ltimos 50 anos, mas, apesar disso, os governos brasileiros descuidaram dessa importante metodologia de ensino e encerraram os projetos Saci e o da UnB. Satlites estacionrios, celulares, computadores ultrarrpidos e de memrias colossais, transmisso em UHF e VHF, fibras ticas, TVs a cabo e por assinatura constituem uma parafernlia de alta sofisticao tecnolgica e custos decrescentes que muito podem contribuir para disseminar no mundo a metodologia do ensino a distncia basta mencionar que a Public Broadcasting System (PBS) nos Estados Unidos, uma das muitas ali existentes, atendia, em 1984, 337 estaes comerciais, ilhas americanas no Pacfico e muitas universidades e escolas; um levantamento feito, entre outubro de 1988 e setembro de 1989, revelou que mais de 87 milhes de pessoas assistiam PBS pelo menos uma vez por semana.

    J no Brasil, em 1984, cerca de 8 mil escolas pblicas complementavam o ensino que ofereciam com vdeos, e a Cooperativa dos Trabalhadores em Informao havia produzido 50 programas sobre agricultura para mais de 400 cooperativas; a Associao Paulista de Medicina mantm um acervo de 200 filmes para intercmbio e distribuio e h outros inmeros exemplos. Assim, no h outra opo para aprimorar a educao no Brasil alm da tele educao. No entanto, os motivos polticos e econmicos dificultaram a adoo do sistema de ensino a distncia em nosso pas. O corporativismo no ensino superior pblico, por exemplo, posiciona se contra essa iniciativa porque, medida que a tele educao oferece cursos com contedos atualizados e bem elaborados, com metodologia moderna, fica exposto o ensino de m qualidade que ministrado a tantos alunos por professores despreparados. No difcil constatar o quanto j havia feito a iniciativa particular, com recursos prprios e riscos imprevisveis e elevados, para modernizar e aprimorar o ensino brasileiro. O esforo bem sucedido retratado com dados oficiais.

    Quando comparamos as enormes diferenas de custos por aluno, de taxas de crescimento de matrculas e de instituies nas redes particular e pblica de ensino, comprova se uma enorme disparidade em favor do ensino privado. Dizem que isso ocorre porque o ensino oficial de melhor qualidade e faz pesquisa. Mas, na realidade, isso reflete apenas que os poderes pblicos destratam o ensino particular, dificultando o acesso de seus alunos a bolsas de estudo e complicando ou impedindo a concesso de crditos para pesquisa e aquisio de equipamentos, livros e revistas. Esquece o poder pblico que o Brasil um s e no se pode dividir entre os que trabalham pelo seu desenvolvimento nesses dois setores.

    Entre 2003 e 2006, o nmero de cursos de EAD aumentou 571 por cento, passou de 52 para 349; em nmero de matrculas, cresceu 315 por cento. A Abed calcula que, em 2007, mais de 2 milhes de brasileiros utilizaram a educao a distncia. Na Inglaterra e em outros pases, o desempenho dos graduados em cursos a distncia em diversos exames, em particular nos de acesso ps graduao, tem sido melhor que o dos alunos dos cursos tradicionais e igual resultado tem sido observado no Brasil; segundo os resultados do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade),

    das 13 reas em que se podem comparar estudantes da educao presencial com aqueles a distncia, observa se que em sete administrao, biologia,

    cincias sociais, fsica, matemtica, pedagogia e turismo os alunos de curso a distncia foram melhores do que os alunos de aulas presenciais.

    Os avanos do ensino a distncia nos ltimos anos foram importantes para o Brasil e sabe se que atualmente o MEC no mais hostiliza esse ensino como ocorria h pouco tempo e at os ampara; isso provado com a existncia de uma Secretaria de Educao a Distncia no MEC, o que era inconcebvel h alguns anos. A anlise desses avanos ser considerada por outros conferencistas. O meu dever era escrever algumas palavras sobre as origens da UKOU no Brasil; para desincumbir me desse compromisso, bastaria ter escrito: tudo deu errado em virtude da influncia negativa, da falta de viso e da incompetncia de administraes do MEC naqueles anos. Entretanto, at paradoxalmente, esse desastre teve um lado salutar, pois o EAD saiu do controle dos rgos pblicos e cresceu e se consolidou nas mos da iniciativa particular. O elevado nmero de alunos nos cursos de ensino a distncia mais de 2,5 milhes de alunos e o seu melhor desempenho nos exames do Enade em relao aos de cursos tradicionais so prova disso.

    A dificuldade maior existente no EAD a produo do material de ensino. O projeto da UnB dos anos 1970 previu a construo de uma central de produo que geraria o material didtico para todo o Brasil em convnio com a UKOU inglesa, a FRM e as UKOU existentes no Brasil. Quem sabe se ainda conveniente e exequvel associar todos os estabelecimentos de ensino a distncia para criarem essa central de produo, nos moldes existentes em Milton Keynes e em outros pases?

    O desenvolvimento da fsica no sculo passado possibilitou a compreenso correta da natureza da matria e viabilizou sistemas de acesso e de comunicao em tempo real. Hoje, pela Internet, esto disposio de todos os livros das grandes bibliotecas, a Bibliothque Nacionale da Frana e a Library of Congress nos Estados Unidos, por exemplo. Isso diminuiu a importncia do ensino tradicional e valorizou o ensino a distncia, por ser este o nico capaz de garantir a qualidade uniforme do ensino, a diminuio dos custos, alm de outros benefcios conhecidos.

    Mas nem tudo est livre de dificuldades e entraves burocrticos. H dias, o Senado aprovou o projeto de lei do Senado PLS n. 119/2004, de autoria do senador Hlio Costa, que exige, paradoxalmente, a presena em salas de aula dos alunos dos cursos a distncia por determinados perodos e para cumprirem certas obrigaes. Isso implica, alm da deturpao desse tipo de educao, a impossibilidade de atender os alunos residentes em locais distantes dos grandes centros urbanos e impe a contratao de nmero elevado de professores desnecessrios.

    No Brasil, perdemos tempo com reformas e contrarreformas, Leis de Diretrizes e Bases inconsequentes, pareceres lricos, decretos e portarias que cuidaram de Dcadas da Educao, proibio de contratar professores estrangeiros nas universidades, disciplinas obrigatrias prescritas pelo Legislativo, exames nacionais disso e daquilo cuja nica consequncia de natureza contemplativa a posteriori, e assim por diante. Bastava ter atuado no plano administrativo para nos livrar de vez do desastre educacional: valorizar o mrito de professores e alunos; pagar melhor os professores dos ensinos fundamental e mdio; equipar as escolas desses dois nveis com bibliotecas, laboratrios, computadores, recursos audiovisuais, sistemas de transporte e segurana; exigir

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    Jos Carlos de Almeida Azevedo

    Captulo 1: Os primrdios da EAD no ensino superior brasileiro

    e assegurar a todos os alunos em idade escolar o acesso s escolas do ensino de base; amparar efetivamente o ensino a distncia em todos os nveis; exigir melhor desempenho das universidades pblicas e delas afastar os professores que nada produzem e esto em permanente regime de cio exclusivo.

    O que aconteceu com a Dcada da Educao e o Plano Nacional de Educao aprovados pelo Congresso? Mais uma vez, os esforos para aprimorar a educao nacional esbarram na morosidade burocrtica, no gigantismo e em confl itos da administrao pblica, e no empenho de rgos pblicos, o Congresso Nacional em particular, de tudo controlarem, em tudo interferirem e decidirem o que deve ser feito e ensinado. Ocorre em nossa nao o oposto do que ocorreu nos Estados Unidos: dezesseis anos aps a chegada do Mayfl ower, foi criada a Universidade Harvard, em 1636; em 1647, a colnia de Massachusetts aprovou a lei que obrigou as comunidades com 50 ou mais famlias a contratarem um professor e a pag

    lo com dinheiro dos impostos. As que tivessem cem ou mais famlias deveriam contratar um professor de gramtica latina e preparar os estudantes para entrar no ensino superior. A Constituio norte americana no deu poder ao governo federal para controlar a educao, tarefa que fi cou a cargo dos estados, das comunidades e das entidades pblicas e particulares de qualquer natureza que poderiam criar escolas e estabelecimentos de nvel superior, estabelecer currculos e critrios de matrcula e de graduao.

    Quando o poder pblico brasileiro der tratamento igual s instituies particulares e pblicas, descentralizar a administrao da educao, exigir padres de mrito, estabelecer a meritocracia para alunos e professores em todas as instituies e amparar sem restries o ensino a distncia, sairemos da situao difcil e vexatria em que nos encontramos. Tudo comprova ser esse o caminho certo, mas, no Brasil, faltam vontade poltica e deciso administrativa, bem mais do que recursos.

    RefernciasOPEN University. the Man Made World, Technology Foundation Course, Education by Satellite in Brazil. Inglaterra, Open University Press, 1971.RIBEIRO, Vera Masago. Alfabetismo funcional: referncias conceituais e metodolgicas para a pesquisa in educao & sociedade. Ano XVIII, n. 60, dez. 1997.

    Fsico e ex reitor da Universidade de Braslia (UnB), Jos Carlos de Almeida Azevedo fez estudos e pesquisas cientfi cas nas reas de engenharia e arquitetura e, posteriormente, fsica e energia nuclear. Em 1965 recebeu o ttulo de doutor em fsica conferido pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) uma das mais respeitadas instituies de pesquisa do mundo. De volta ao Brasil, no fi nal da dcada de 1960, tornou se vice reitor da UnB e, em 1976, foi designado para assumir a reitoria, onde permaneceu por dois mandatos, at 1985, quando foi substitudo pelo atual senador Cristovam Buarque (PDT DF). Sua passagem pela reitoria foi marcada pela polmica. Enfrentou forte resistncia dos estudantes e de parte do meio acadmico, que sempre o viram como uma espcie de interventor a servio da ditadura. Por outro lado, era elogiado pela sua capacidade realizadora e apurada formao tcnica. Ele ampliou o nmero de cursos de graduao e ps graduao, contratou professores no exterior e deu mais vigor s atividades de pesquisa na instituio. Membro da Academia Brasiliense de Letras, mesmo aps a aposentadoria Azevedo continuou exercendo atividades intelectuais e fomentando polmicas por meio de seus artigos. Crtico da teoria corrente sobre o aquecimento global, insistia no fato de que no existia prova cientfi ca de que o dixido de carbono (CO2), emitido por excesso de atividade econmica, seja responsvel pelo aumento da temperatura da terra. Ele sustentava que a adeso ao protocolo de Kioto, alm de no surtir efeito sobre o clima, causaria desastres econmicos em diversos pases, principalmente os mais pobres.

    Sobre o autor

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  • Superando barreiras naturais: a EAD na regio amaznica

    CAPTULO 2

    Jos Augusto de Melo Neto

    IntroduoOs mltiplos conceitos da educao a distncia podem revelar

    a difi culdade da sociedade em defi nir algo em movimento. Duas palavras, no entanto, so recorrentes entre pesquisadores e educadores, independentemente da natureza multidimensional da EAD: espao e tempo. Os agentes do processo educacional estariam, de alguma forma, separados pelo tempo, pelo espao ou por ambos durante o ensino aprendizagem. Assim, essa seria uma prtica educacional antiga, desde quando, por exemplo, comeou a utilizar se da tecnologia da correspondncia escrita ou impressa como didtica de ensino, no sculo XIX.

    Com a atualizao e o surgimento de novas tecnologias, uma terceira palavra evidenciou se no que se conhece por educao a distncia, ou seja, a relao espao e tempo j no seria mais sufi ciente para defi nir a EAD. A interatividade tornou se essencial neste trinmio conceitual.

    O objetivo deste captulo apresentar formas diferenciadas de EAD, com diferentes graus de interatividade, implementadas em regies de difcil acesso, como o interior do estado do Amazonas, por meio de experincias realizadas entre 2001 e 2011, especialmente pela Secretaria de Estado de Educao (Seduc/AM).

    EAD no AmazonasRealizar projetos educacionais no estado do Amazonas tem

    como desafi o inicial sua imensa malha hidrogrfi ca natural, considerada a maior do mundo. De acordo com o IBGE,1 so mais de mil rios, limitando o acesso rodovirio no Estado. So apenas 62 municpios em 1,6 milho de km2, o que equivale a um quinto do territrio nacional, com baixa densidade demogrfi ca. O desafi o logstico esbarra ainda no fornecimento precrio de energia eltrica na Regio Amaznica, principalmente nas comunidades rurais, e na carncia de infraestrutura em telecomunicaes.

    1. Disponvel em: . Acesso em: 21 jan. 2011.

    2. O pargrafo 4o do Artigo 87 da Lei no 9.394/96 (LDB) determinava que at o fi m da Dcada da Educao (2007) somente seriam admitidos professores habilitados em nvel superior ou formados por treinamento em servio.

    3. As nomenclaturas da funo dos professores, titular e assistente, provavelmente so herana da Academia. O professor titular preparava o material didtico e ministrava as aulas no estdio, e era responsvel pelo processo de avaliao, ao passo que o professor assistente era o articulador local e orientador pedaggico dos alunos.

    4. Disponvel em: . Acesso em: 24 mar. 2011.

    Nesse cenrio, a Secretaria de Estado de Educao do Amazonas solicitou, em 2001, da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), a execuo de um programa especial de formao de professores, o Proformar, para a oferta do curso de licenciatura plena em normal superior, com habilitao para a educao infantil e sries iniciais do ensino fundamental, visando atender demanda da Dcada da Educao.2

    O desafio do ProformarA operacionalizao do Proformar (Programa de Formao e

    Valorizao de Profi ssionais da Educao) somente foi possvel no Amazonas em virtude da metodologia e da tecnologia escolhidas, adequadas para a realidade geogrfi ca e dimenso territorial do Estado, a exemplo de experincias similares em regies remotas de pases com a dimenso continental do Brasil, como o Canad e a Austrlia. A metodologia Ensino Superior Presencial Mediado por tecnologia ou Ensino Superior Presencial com Mediao tecnolgica foi uma adaptao realizada por consultores da Fundao Getlio Vargas, por meio de seu conveniado em Manaus: o ISAE (Instituto Superior de Administrao e Economia), contratado pela UEA para a realizao inicial do Programa.

    O ttulo ajuda a esclarecer dois aspectos importantes desta metodologia: o termo presencial e a expresso mediado por tecnologia refl etem a opo da proposta pedaggica para realizar um projeto com caractersticas de educao a distncia, mas com difi culdades em aprov lo como tal, seja por falta de amparo legal para cursos de graduao na poca (2001), seja por no ser uma oferta clssica de EAD. Uma diferena metodolgica importante foi a presena de um professor local em cada sala de aula, que atuava como professor assistente.3

    Alm disso, se a legislao para a educao a distncia no Brasil ainda se demonstra tmida at para os prximos dez anos, como revela a proposta do Plano Nacional de Educao (PNE) 2011 2020,4 compreensvel que dez anos atrs a resistncia e

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    Jos Augusto de Melo Neto

    Captulo 2: Superando barreiras naturais: a EAD na regio amaznica

    as dificuldades fossem ainda maiores. A UEA, inclusive, s teve a aprovao para realizar cursos superiores nesta modalidade com o cadastramento na Universidade Aberta do Brasil (UAB) em 2009, um ano aps o encerramento do Proformar. Porm, at o primeiro trimestre de 2011 nenhum curso havia sido oferecido na modalidade EAD. Todos os cursos convencionais de graduao da Instituio no tiveram caractersticas do sistema presencial mediado, como as licenciaturas em matemtica, educao fsica, e os cursos de tecnologia em anlise e desenvolvimento de sistemas e cincia poltica, alm do Proind licenciatura intercultural indgena.

    Mediado por tecnologia certamente uma expresso genrica, pois no especifica a tecnologia, porm a escolha foi baseada na disponibilidade da poca para atender em tempo real salas de aula separadas espacialmente em um estado como o Amazonas. Outras expresses utilizadas, como educao mediada por tv ou ensino mediado pela tv eram bastante limitadas e no traduziam a realidade metodolgica implementada, pois, segundo Barbosa e Ramos (2008), o uso tecnolgico deste equipamento (televisor) era apenas como um dos elementos da plataforma, sendo esta baseada mais em processos do que nas tecnologias em si. Para justificar isso, o grau de interatividade era realizado da seguinte forma:

    A comunicao por meio do vdeo caracterizava por sua simultaneidade. Completava se de forma interativa por intermdio da participao dos professores em formao e dos professores assistentes, que recorriam Internet ou ao fax e ao telefone para formular questes, comentrios e opinies sobre os contedos trabalhados. Essas manifestaes eram debatidas e analisadas em estdio e na prpria sala de aula, de maneira coletiva, confrontando conceitos e concepes para dirimir dvidas e conferir a compreenso com o fim do processo ensino aprendizagem. (Barbosa e Ramos, p. 45)

    A tecnologia que possibilitou esse atendimento baseava se em transmisso de sinal digital de vdeo e udio, associado ao uso de segmento espacial via satlite. O servio contratado foi o RTV Digital Plus, tambm conhecido como TV Executiva (Uplink unidirecional), utilizando Banda C de 2,5 Mbps. Com isso, podia se transmitir as aulas do Proformar para todos os municpios amazonenses. Foram instalados pontos de recepo, com antenas parablicas e equipamentos em 162 turmas no interior e 44 na capital. Era a educao sem distncias, viabilizada no Amazonas.

    O Proformar teve duas verses. A primeira foi realizada no perodo de 2002 a 2004; a segunda, o Proformar II, foi realizada de 2005 a 2008, formando 15 mil professores5 nessa metodologia. A demanda inicial da Seduc/AM se transformou em poltica pblica da UEA. Essa caracterstica de atendimento poderia estar limitada ao industrialismo instrucional inerente EAD, se no fosse o contraponto da democratizao das oportunidades educacionais, considerando a demanda e a dificuldade operacional do contexto. De acordo com Barbosa e Ramos (2008), a especificidade do Proformar credenciou se como tecnologia

    5. De 9.345 matriculados em 2004, 8.840 se formaram, e 6.470, de 7.221, em 2008, totalizando 15.310 concludentes.

    6. Resoluo no 27/06 CEE/AM, que aprovou o ensino mdio presencial com mediao tecnolgica, de maneira modular, pelo perodo de quatro anos; e autorizou seu funcionamento.

    social aplicada formao continuada a distncia.No foi apenas o fato de viabilizar com sucesso um pro

    jeto indito dessa escala para a formao de professores no Amazonas, utilizando a transmisso via satlite, que diferenciou a proposta do Proformar. Outras solues anteriores baseadas em tecnologias miditicas e TV no tiveram o feedback sncrono do aluno como requisito e o uso integrado da telemtica. Na leitura de Barbosa e Ramos (2008), com o Proformar comeava uma nova experincia de educao, que inspirou a criao de outro projeto no Amazonas, dessa vez para resolver a demanda de atendimento na educao bsica, conforme se explica no tpico seguinte.

    Uma nova demandaEm 2004, a Seduc/AM iniciou um levantamento de deman

    da escolar nos municpios amazonenses e constatou que muitos alunos, residentes nas comunidades rurais, concluam a segunda etapa do ensino fundamental e no davam sequncia aos seus estudos. Isso acontecia porque o modelo da educao tradicional no conseguia atender demanda desses alunos, pois as escolas que ofereciam o ensino mdio eram, em sua maioria, localizadas nas sedes municipais, em razo da concentrao demogrfica. As comunidades, em geral dispersas, estavam excludas de vrios servios pblicos pela dificuldade de acesso s zonas urbanas.

    As caractersticas geogrficas, a topografia peculiar das diferentes localidades, os meios de transporte disponveis aos moradores das comunidades com populao rarefeita, o fornecimento irregular da energia eltrica, alm da sazonalidade da regio com extremos opostos entre vazante e enchente, elevaram os obstculos da implementao para outro nvel. Alm disso, havia o caso da falta de profissionais habilitados em quantidade suficiente para atender ao crescimento da oferta educacional no interior do estado. Isso ainda uma realidade global, segundo a Unesco, mas que se agrava nas regies de difcil acesso do Brasil, como o caso amazonense, que tem necessidade de logstica diferenciada.

    Atualizao da soluoA soluo encontrada pela Seduc/AM para atender a

    essa demanda foi inspirada na experincia de formao de professores no estado para unir a tecnologia de transmisso via satlite, a videoconferncia multiponto como ferramenta pedaggica e metodologia presencial com mediao tecnolgica.

    Para isso, foi idealizado o ensino mdio presencial com mediao tecnolgica, cuja proposta pedaggica foi aprovada pelo Conselho Estadual de Educao do Amazonas (CEE/AM), em abril de 2006.6 Novamente, um projeto de educao no convencional era classificado como sistema presencial mediado, apesar de suas caractersticas de EAD, como se nessa modalidade no fosse possvel uma atividade pedaggica a distncia predominantemente sncrona e com o apoio de um professor presencial. Por causa da concepo tradicional de educao e no pelo formato implementado, as estatsti

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    O estado da arte

    Educao a distncia

    cas publicadas neste perodo, como as do Anurio Brasileiro Estatstico de Educao Aberta e a Distncia (Abraead), no puderam registrar esses importantes resultados que certamente contribuiriam para demonstrar a real expanso da EAD na regio Norte do Pas.

    Alm disso, o projeto foi elaborado para ter como pblicoalvo os alunos das comunidades rurais, de localidades sem o atendimento da rede regular de ensino, incluindo regies de difcil acesso, como ampara o Decreto n 5.622/2005 (que regulamentou o artigo 80 da LDB). A proposta pedaggica previa ainda metodologia, gesto e avaliao peculiares, mas o encaminhamento foi feito inicialmente de maneira conservadora. A infraestrutura tcnica montada para atender metodologia do projeto de ensino mdio via satlite, com a tecnologia bidirecional, logo deu lugar ao conceito de um Centro de Mdias, para ampliar as possibilidades de atendimento da sociedade amazonense.

    O Centro de Mdias de Educao do Amazonas iniciou, em 2007, o atendimento aos alunos da rede pblica de ensino do estado, com a proposta de oferecer educao inovadora e de qualidade, por meio de tecnologias da informao e comunicao, diversificando o atendimento. Os recursos de transmisso via satlite, assim como a plataforma de servios de comunicao, foram atualizados para atender em larga escala educao bsica, alm das reas urbanas nas sedes municipais.

    A plataforma tcnicaPara realizar o atendimento a distncia, uma Central de

    Produo Educativa passou a transmitir diariamente aulas ao vivo, por meio de TV interativa por IP, conectada a uma rede de telecomunicao, inicialmente com 203 antenas VSATs bidirecionais, o que permitiu mais interatividade entre as salas de aula. A soluo de videoconferncia escolhida foi o software IP.TV. Este ambiente operacional uma plataforma multisservios sobre IP, podendo, alm da realizao de TV executiva e videoconferncia para a transmisso das aulas, utilizar recursos integrados de quadro interativo digital, chat, enquetes, transferncia de arquivos eletrnicos, entre outros. A criao de canais exclusivos de vdeo IP possibilitou uma maneira diversificada de atendimento, com os servios de telecomunicaes via satlite, expandidos para 540 escolas nos primeiros quatro anos do projeto.

    No entanto, a oferta foi progressiva; iniciou apenas com o 1 ano do ensino mdio em 2007. Em 2009, chegou a todas as sries do ensino mdio. Nesse mesmo ano foi tambm oferecido 6 ano do ensino fundamental, como complemento de demanda.7 Em 2011 foram disponibilizados seis canais IP.TV na rede pblica educacional de ensino no Amazonas: 6, 7 e 8 anos do ensino fundamental, no turno vespertino; 1, 2 e 3 anos do ensino mdio, no perodo noturno. Os cursos foram planejados para oferecer a mesma proposta curricular e carga horria do ensino convencional, com 200 dias de aula por ano. A diferena consiste na mediao tecnolgica via satlite e na preparao das aulas, roteirizadas com produo profissional de TV para enriquecer as possibi

    lidades de aprendizagem. O professor ministrante o autor intelectual das aulas e conta com assessoria pedaggica e tecnolgica personalizada para atender metodologia proposta. Assim como o professor assistente da experincia anterior, foi prevista a contratao de professores presenciais, um para cada sala de aula.

    ResultadosDessa maneira, dez mil alunos de 334 comunidades rurais,

    em 42 municpios, puderam continuar seus estudos e cursar o 1 ano do ensino mdio em 2007. Aps quatro anos, em 2011, esses nmeros de atendimento chegaram a cerca de 30 mil alunos de 1.500 comunidades, em todos os 62 municpios do Amazonas. Alm disso, em 2009 e 2010, 14 mil alunos se formaram no ensino mdio presencial com mediao tecnolgica. Os resultados e nmeros expressivos, rapidamente alcanados, foram objeto de desconfiana em relao eficincia da metodologia, caracterstica ainda comum aos projetos de EAD. Como seria possvel gerenciar a aprendizagem de milhares de alunos do modo no convencional? Como fazer com que os alunos de comunidades rurais tivessem o mesmo desempenho de alunos de reas urbanas? Qual a possibilidade de um Estado perifrico inovar no uso da tecnologia na educao?

    Sobre o processo de inovao, Litto e Formiga (2009), no material de divulgao do 15o CIAED, realizado em Fortaleza, cujo tema foi A procura de inovaes no processo ensinoaprendizagem em EAD, fizeram os seguintes questionamentos:

    O Brasil um pas inovador em EAD ou apenas um seguidor? Quem, entre ns, indivduos ou instituies, tem demonstrado ser um verdadeiro inovador? A cultura brasileira encoraja ou inibe o esprito inovador, ou cria barreiras ao seu funcionamento? Qual seria a infraestrutura ideal de condies para fomentar a inovao na aprendizagem a distncia dentro da realidade brasileira?

    Alm dessas barreiras no processo de inovao na EAD, muitas crticas se baseavam em um comparativo com uma escola presencial urbana perfeita que no existe. Na verdade, a soluo implementada pela Secretaria de Estado de Educao do Amazonas no genrica nem esttica. necessrio destacar: quem desenhou, aprovou e implementou a metodologia e a tecnologia escolhidas foram pessoas. Uma proposta e um meio tecnolgico em si no teriam o resultado socioeducacional expressivo sem a deciso poltica, a gesto e o comprometimento coletivo.

    O desempenho de um projeto como o Centro de Mdias da Seduc/AM assim como foi o Proformar da UEA e outros projetos similares depende do ambiente cognitivo formado e das relaes humanas, que so dinmicos e precisam ser construdos diariamente. Uma proposta metodolgica inovadora pode se tornar retrgrada na execuo se no for reconfigurada permanentemente. O desafio interno passa a ser maior que o externo.

    7. A oferta do fundamental se caracterizou como complemento de demanda, pois, diferentemente do ensino mdio, prioritrio s prefeituras municipais. A mdia de atendimento nos primeiros anos no ultrapassou 10% do total do atendimento do Centro de Mdias e teve ainda a gesto pedaggica terceirizada.

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    Jos Augusto de Melo Neto

    Captulo 2: Superando barreiras naturais: a EAD na regio amaznica

    InteratividadeA interatividade requer bidirecionalidade. Uma transmisso

    via satlite unidirecional reproduziria o conceito de broadcasting (de um para muitos) da TV convencional e eliminaria possibilidades interativas; mas, no caso do Proformar, preciso considerar que havia uma plataforma de servios baseada em telemtica, por isso a expresso mediado por tv ou mesmo mediado por satlite incompleta. A mediao era amplificada pelos vrios canais de comunicao. Como as aulas eram transmitidas em tempo real e havia na metodologia um espao previsto para o retorno dos alunos, isso podia ser feito potencialmente de vrias maneiras.

    Evidentemente, dependendo da execuo pedaggica, a interatividade, ainda que em baixo grau por causa das possibilidades de determinada soluo tecnolgica , poderia ter se limitado a uma proposta reativa, sem alterao na conduo das aulas. No caso do Centro de Mdias, a tecnologia, a infraestrutura e o contexto eram outros. Tentar reproduzir a mesma metodologia significaria uma miopia pedaggica. Alm das transmisses do IP.TV serem bidirecionais,8 baseadas principalmente em videoconferncia, vrias interfaces da Web9 foram incorporadas como complemento de aprendizagem e como fomento de uma cultura de uso da Internet, para reverter o quadro de excluso digital anterior.

    Portanto, a proposta metodolgica no poderia ser a mesma, para no haver subutilizao do potencial de interatividade da plataforma de servios de telecomunicaes implantado, pois o Proformar de 2001/2002 teve tecnologia e pblico alvo distintos do Centro de Mdias de 2007.

    O que pode se afirmar que sem a experincia anterior da UEA dificilmente haveria condies de se implementar um Centro de Mdias no Amazonas. Em primeiro lugar, ficou como referncia no estado a execuo bem sucedida da metodologia do sistema presencial mediado para formar professores. Alm disso, passou se a ter professores residentes nas comunidades rurais com licenciatura plena, o que os credenciava para a exigncia de nvel superior na contratao dessa

    8. A UEA, no segundo semestre de 2009, passou a utilizar a mesma tecnologia IP.TV da Seduc/AM, porm isto no se aplicou no Proformar.

    9. Ambientes virtuais de aprendizagem customizados baseados no Moodle, redes sociais personalizadas com a tecnologia Ning e, mais recentemente, um portal educacional para acesso s aulas, como modo de reposio e reforo escolar, alm da criao de um repositrio de objetos de aprendizagem para reutilizao do material produzido diariamente nas aulas do Centro de Mdias.

    10. Sntese de Indicadores Sociais 2010, do IBGE.

    nova demanda de trabalho. Ou seja: sem os professores formados pelo Proformar no teramos os professores presenciais qualificados em nmero suficiente nas salas de aula do Centro de Mdias, pois professores residentes nas reas urbanas no teriam como se deslocar diariamente para as comunidades rurais, o que inviabilizaria o projeto.

    Com as primeiras duas turmas de ensino mdio formadas pelo Centro de Mdias, uma nova demanda de alunos para o ensino superior tambm foi criada. Sem os recursos de EAD nas solues adotadas no Amazonas, no seria possvel mudar o paradigma do ambiente educacional elitista, mantendo estratgias pedaggicas incompatveis com os tempos atuais.

    Consideraes finaisA EAD em si um termo amplo e genrico. Certamente,

    h vrias maneiras de realizar a EAD, porm muitas instituies ainda parecem ver a educao a distncia apenas como oposio da educao presencial. preciso entender que se vive um momento de transio para uma educao mais flexvel. As polticas pblicas precisam atender s demandas da sociedade e a legislao educacional precisa se antecipar s mudanas.

    Os modelos utilizados no Amazonas foram solues encontradas para resolver problemas especficos, mas importante lembrar que o Brasil continua com problemas na formao de professores, no atendimento do setor rural e ainda est distante da universalizao do ensino mdio, que em 2009 era de apenas de 50,9 por cento.10

    Entre as metas para 2020, do Plano Nacional de Educao, por exemplo, esto relacionadas: garantir que todos os professores da educao bsica possuam formao especfica de nvel superior; elevar a escolaridade mdia da populao do campo; e projetar a taxa lquida de matrculas no ensino mdio para 85 por cento da populao de 15 a 17 anos. Solues apresentadas neste captulo, alm de outras estratgias de EAD, podem certamente ajudar a antecipar essas metas, com qualidade e equidade.

    RefernciasABRAEAD Anurio Brasileiro Estatstico de Educao a Distncia 2005, 2006 e 2007, Instituto Monitor, So Paulo SP.ANURIO Brasileiro Estatstico de Educao Aberta e a Distncia. Disponvel em: . Acesso em: 8 dez. 2010.ASSOCIAO Brasileira de Educao a Distncia. Disponvel em: . Acesso em: 8 dez. 2010.BARBOSA, W. de A.; RAMOS, J. A. G. Proformar e a Educao no Amazonas. Manaus: UEA Edies/Editora Valer, 2008. BELLONI, M. L. Educao a distncia. Campinas: Autores Associados, 1999. BRASIL. Casa Civil. Decreto n 5.622, de 19 de dezembro de 2005. Regulamenta o art. 80 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educao nacional. Disponvel em: . Acesso em: 14 jan. 2011.BRASIL. Congresso Nacional. Lei n 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de diretrizes e bases da educao nacional (LDB). Estabelece as diretrizes e bases da educao brasileira. Disponvel em: . Acesso em: 14 jan. 2011.CENSOEAD.BR Relatrio Analtico da EAD no Brasil 2008 e 2009, Abed, So Paulo SP.

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    O estado da arte

    Educao a distncia

    CENTRO de Mdias de Educao do Amazonas. Disponvel em: . Acesso em: 14 jan. 2011.CENTRO de Mdias de Educao do Amazonas. Disponvel em: . Acesso em: 14 jan. 2011.INSTITUTO Brasileiro de Geografi a e Estatstica. Disponvel em: . Acesso em: 21 jan. 2011.ESTADO DO AMAZONAS. Conselho Estadual de Educao (CEE). Resoluo n 27/06 CEE/AM, de 4 de abril de 2006. Autoriza o funcionamento do Ensino Mdio Presencial com Mediao Tecnolgica. Manaus: CEE, 2006.ESTADO DO AMAZONAS. Conselho Estadual de Educao (CEE). Resoluo n 65/09 CEE/AM, de 10 de julho de 2009. Autoriza o funcionamento do Ensino Fundamental (6 ao 9 ano) Presencial com Mediao Tecnolgica. Manaus: CEE, 2006.ESTADO DO AMAZONAS. Conselho Estadual de Educao (CEE). Resoluo n 77/10 CEE/AM, de 17 de agosto de 2010. Reconhece o Ensino Mdio Presencial com Mediao Tecnolgica. Manaus: CEE, 2010.ESTADO DO AMAZONAS. SEDUC. Projeto de Implantao do curso Ensino Mdio Presencial com Mediao tecnolgica no Interior do Estado do Amazonas. Manaus, 2006.LITTO, F.; FORMIGA, M. Educao a distncia: o estado da arte. So Paulo: Pearson Education do Brasil, 2009. MINISTRIO da Educao. Disponvel em: . Acesso em: 24 mar. 2011. REPRESENTAO DA UNESCO NO BRASIL. Disponvel em: . Acesso em: 8 dez. 2010.SECRETARIA de Estado de Educao do Amazonas. Disponvel em: . Acesso em: 14 jan. 2011.SILVA, M. Sala de aula interativa: educao, comunicao, mdia clssica. 5. ed. So Paulo: Edies Loyola, 2010. UNIVERSIDADE do Estado do Amazonas. Disponvel em: . Acesso em: 24 nov. 2010.UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS/PR REITORIA DE ENSINO DE GRADUAO/Proformar I. Relatrio de atividades. Manaus: UEA, 2005.UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS/PR REITORIA DE ENSINO DE GRADUAO/Proformar II. Relatrio de atividades. Manaus: UEA, 2008.

    Jos Augusto de Melo Neto natural de Manaus/AM. Atua na rea educacional desde 1992. graduado em letras, com especializao em informtica na educao e mestrado em educao, pela Universidade Federal do Amazonas UFAM. Cursou tambm MBA executivo internacional em gerenciamento de projetos pela Fundao Getulio Vargas com mdulos nos Estados Unidos (Ohio University) e em Portugal (Instituto Superior de Cincias do Trabalho e da Empresa ISCTE). membro da Associao Brasileira de Educao a Distncia Abed e do Project Management Institute PMI. Trabalha desde 2000 na Secretaria de Estado de Educao do Amazonas e autor do livro Tecnologia educacional: formao de professores no labirinto do ciberespao, publicado em 2007.

    Sobre o autor

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  • tica e a EAD

    CAPTULO 3

    Mara Yskara Nogueira Paiva Cardoso

    IntroduoNa era da comunicao e da informao imediata, em que

    os meios de comunicao esto ao alcance de qualquer pessoa, recebem se, constantemente, informaes relacionadas a quase tudo o que se pode imaginar. Alm da instantaneidade, pode se, com apenas um toque, verifi car a exatido e a idoneidade da informao recebida.

    H um novo paradigma, uma nova cultura que afeta as relaes humanas e encerra em si outra forma. So relaes realizadas por instrumentos fsicos e virtuais. Ora, a sociedade est sob a jurisdio da informao, e todos os segmentos sociais inclusive a educao foram pouco a pouco cedendo e encontrando maneiras de lidar com essa nova cultura que se instalou na sociedade. As Tecnologias da Informao e Comunicao (TICs) foram absorvidas pelo contexto educacional, e a educao a distncia, foco desta anlise, foi uma das benefi ciadas pelos novos recursos tecnolgicos.

    Nas relaes aluno professor, aluno aluno, alunoescola, qualquer tipo de formao a distncia possui caractersticas especfi cas por conta da distncia e do tempo. Essa uma modalidade de ensino que apresenta os seus pares presentes no no mesmo espao e tempo. O meio virtual, comum nessa maneira de ensinar, como uma extenso sem limite que anula a distncia entre as pessoas e coloca a presena sem necessitar do corpo fsico, criando outro espao que no o real.

    Contudo, interessante observar que, nessa relao humana que mescla o ensino aprendizagem com a tecnologia, em que personagens reais esto em espaos virtuais, foram adotados termos com princpios ticos j consolidados: autonomia, direitos e interatividade, que incluem conceitos como liberdade e ato de se comunicar. Assim, importante ter um olhar especfi co para esses aspectos e verifi car na educao a distncia como se do, por exemplo, os conceitos de autonomia e liberdade.

    Na relao tica e Educao entende se que o aprender para a vida, para o agir no mundo, papel da educao, mas no pode existir sem a tica. H um vnculo entre tica e educao; a primeira permite a uma pessoa estar na vida regida por princpios e valores, mas a segunda tambm responsvel, embora no isoladamente, por conceituar essa moralidade.

    Ao se analisar a etimologia da palavra tica (ethos), Lastria (2001) nos coloca o conceito grego de moradia do homem que transcende para a vida em sociedade.

    A palavra ethos signifi cava, para os gregos antigos, a morada do homem, isto , a natureza, uma vez processada mediante a atividade humana sob a forma de cultura, e fazia com que a regularidade prpria aos fenmenos naturais fosse transposta para a dimenso dos costumes de determinada sociedade. Em lugar da ordenao observvel no ciclo natural das coisas (as mars ou as fases da Lua, por exemplo), a cultura promove a sua prpria ordenao ao estabelecer normas e regras de conduta que devem ser observadas por cada membro.

    Note tambm a distncia nesse tipo de educao, que representa a cultura restrita desse meio educacional. Cultura da tecnologia, do ambiente virtual que oferta peculiaridades especfi cas com a sua prpria ordenao de normas e regras. No ensino que faz uso da tecnologia, a autonomia do aluno restrita e h um direcionamento organizado: o estudante possui prazos para a entrega das tarefas, ou seja, no pode, por exemplo, solicitar mais tempo por necessidade de maior aprendizagem e deve executar as atividades de acordo com a ordem e o tempo predeterminados. Alm disso, precisa dominar a tecnologia e, ao us la, acompanhado e monitorado.

    Conhecer a educao EAD nas suas orientaes ticas importante para que ocorra um direcionamento correto s propostas nas instituies e aos projetos de cursos a distncia a serem desenvolvidos. Assim, primeiramente empreenderemos anlise dos documentos que norteiam a tica na EAD, para saber se est proposta uma refl exo sobre essa questo.

    Uma anlise do Cdigo de tica da Associao Brasileira de Educao a Distncia realizada para uma equiparao com os documentos legais. Como ilustrao de uma lacuna de conduta tica, tambm examinaremos pesquisas sobre temas como o do plgio na Internet, alm do desenvolvimento de sistemas computacionais, como simuladores e detectores de atitudes no ticas.

    Por fi m, no mbito da prtica, analisaremos exemplos do que se pensa sobre educao e tica no Brasil com rpido exame do assunto tica em trs diferentes projetos pedaggicos de cursos de graduao a distncia.

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    O estado da arte

    Educao a distncia

    Orientaes oficiais para a EAD e os conceitos ticos

    Em 2003 agregaram se regulamentao de EAD os Referenciais de Qualidade para Cursos a Distncia (BRASIL, 2003). Referem se a princpios, diretrizes e critrios que sejam referenciais de qualidade para as instituies que oferecem cursos nessa modalidade. O documento enfatiza a preocupao com as questes ticas nesse contexto da EAD:

    A base sobre a qual se fundamenta este trabalho a de que o compromisso tico daquele que educa a distncia o de desenvolver um projeto humanizador, capaz de livrar o cidado da massificao, mesmo quando dirigido a grandes contingentes. Para isso, preciso ter como foco a aprendizagem do aluno e superar a racionalidade tecnolgica que valoriza meios em detrimento dos fins. (BRASIL, 2003)

    Esse documento, preocupado com a qualidade dos processos constituintes da EAD, procura ser um referencial norteador para futuras avaliaes de especialistas que analisam projetos de cursos a distncia. Sobre o aluno, enfatiza sua autonomia; e fornece orientaes aos programas para que prestigiem a liberdade do aluno de controlar o desenvolvimento de seu aprender e de organizar seu tempo, a fim de que ele construa a sua autonomia.

    Quatro anos depois, em 2007, o documento foi atualizado em decorrncia das mudanas ocorridas com a nova Lei n. 5.622, de 2005. A nova verso se direciona especificamente educao superior. Todavia, continuam nos novos Referenciais de Qualidade para Educao Superior a Distncia (BRASIL, 2007) as mesmas orientaes referentes autonomia do aluno.

    Apesar de louvvel, a preocupao do documento com a autonomia, que no se coloca como fora de lei, evidenciase no fato de que, nos documentos de 2003 e 2007, h uma conceituao da palavra autonomia, na medida em que designa em sua etimologia: auto significa por si mesmo, e nomia, normas/regras e, em sua definio, a capacidade de se autogovernar, a autossuficincia.1

    Os documentos se referem autonomia do aluno em uma modalidade de ensino que usa TICs na mediao das relaes entre tecnologias da informao e comunicao. Afinal, a legislao brasileira da EAD, em sua definio de educao a distncia, afirma que a mediao entre os pares realizada por instrumento externo: as tecnologias da informao e comunicao.

    Assim, as tecnologias encerram na sua comunicao com o homem uma determinao em sua ao, dirigindoo com os seus comandos, sejam mecnicos, digitais, sejam lgicos.

    Autonomia, autodeterminao, liberdade so inerentes ao homem. E como citado anteriormente nos prprios Referenciais de 2003, aspectos ticos so relevantes neste contexto da educao a distncia. H um incentivo ao aluno para que este adquira uma autonomia, sim, porm esta organizacional ao seu aprender, inteiramente administrada.2

    Autonomia sempre foi um tema que muitos pensadores trouxeram em suas reflexes, sejam de filosofia ou educao. Kant (1980) nos apresenta uma autonomia que precisa estar na vontade humana segundo um dever, mas um dever moral, com livre arbtrio, sem regras externas impostas por outrem. Desse modo, para Kant a ao apenas moral se ela for livremente estabelecida como um dever, de modo que no basta apenas a obedincia lei para que haja moralidade.

    A partir de Kant, como se pode afirmar a autonomia do aluno de um curso a distncia se, na realidade, o que existe uma heteronomia, estabelecida pela mediao da tecnologia?3

    Pode se tambm pensar que, com a autonomia declarada, cada aluno seja compreendido individualmente, segundo a ptica construtivista. E que toda a administrao feita pela tecnologia seja utilizada a favor da aprendizagem, com mecanismos de busca de informaes que ofeream ao professor/tutor olhares especficos ao aluno e sua aprendizagem. Assim, tambm seria uma autonomia administrada pelos pares que possuiriam uma ascenso sobre o aluno.

    J Piaget (1994) elege a autonomia como o fim da Educao, com seus princpios e normas. Ele indica que a educao deve ser construda pela cultura, por reciprocidades que, consequentemente, produzem a reflexo da pessoa sobre suas aes. E, assim, a pessoa realmente se autogovernar.

    Por consequncia, o processo de ensino aprendizagem precisa ser concebido por meio de inspiraes ticas, polticas e pedaggicas. Para que a autonomia, administrada, seja incentivada, promovida e construda pelo aluno, faz se necessrio que os programas de educao a distncia considerem a tcnica como uma extenso do brao dos homens, para que no se encubra e se desconecte da conscincia das pessoas uma vida humana, como nos diz Adorno (2000):

    Um mundo em que a tcnica ocupa uma posio to decisiva como acontece atualmente, gera pessoas tecnolgicas, afinadas com a tcnica. Isso tem a sua racionalidade boa: em seu plano mais restrito elas sero menos influenciveis, com as correspondentes consequncias no plano geral. Por outro lado, na relao atual com a tcnica existe algo de exagerado, irracional, patognico. Isso se vincula ao vu tecnolgico. Os homens inclinam se a considerar a tcnica como algo em si mesmo, um fim em si mesmo, uma fora prpria, esquecendo que ela a extenso do brao dos homens.

    Quando em educao a distncia coloca se a autonomia, mesmo que totalmente administrada, como um fim que deva

    1. Dicionrio Eletrnico Houaiss: autonomia dotado da faculdade de determinar as prprias normas de conduta, sem imposies de outrem (diz se de indivduo, instituio etc.).

    2. Dicionrio Eletrnico Houaiss: autonomia na administrao direito de se administrar livremente, dentro de uma organizao mais vasta, regida por um poder central.

    3. Segundo o dicionrio Houaiss: sujeio a uma lei exterior ou vontade de outrem; ausncia de autonomia; Kant (1724 1804), sujeio da vontade humana a impulsos passionais, inclinaes afetivas ou quaisquer outras determinaes que no pertenam ao mbito da legislao estabelecida pela conscincia moral de maneira livre e autnoma.

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    Mara Yskara Nogueira Paiva Cardoso

    Captulo 3: tica e a EAD

    ser realizado para o aluno progredir, no pode haver uma iluso, muito bem sucedida,4 tem de haver clareza.

    Esta autonomia necessria ao estudante a distncia envolve um processo de reflexo anlogo ao existente na tica quando o ser humano exercita sua liberdade em optar conscientemente por uma das possibilidades que se apresentam para a sua escolha.5

    Na educao a distncia, a Abed, desde 2000, com seu Cdigo de tica6 direcionado a qualquer instituio de ensino que possua a educao a distncia, estabelece que, apesar das diferenas presentes nas instituies, necessrio que um conjunto de princpios esteja presente em todas para a garantia de uma ordem e qualidade da EAD no Brasil.

    O cdigo apresenta uma srie de normas de procedimentos e condutas que garantiro a melhoria contnua sobre padres de qualidade que permitam a avaliao dos cursos a distncia e tambm a preocupao de proteo dos interesses dos alunos. H, no cdigo de tica da Abed, um compromisso inicial que as instituies firmam ao se filiar, que :

    Divulgar para qualquer curso ou programa de estudos a ser implementado, amplamente e com antecedncia, um planejamento formal descrevendo em detalhes: objetivos; contedo; critrios de avaliao; natureza dos trabalhos dos alunos; bibliografia bsica; cronograma de atividades; tipo de apoio dado ao aluno individualmente; exigncias, sempre que for o caso, para um diploma ou certificado, e sua validade legal, ou seja, seu reconhecimento oficial e as responsabilidades financeiras de ambas as partes.7

    As normas descritas anteriormente j no podiam ser negligenciadas pelas instituies afiliadas muito antes da presente legislao oficial, visto que garantem respeito moral ao aluno que procura esse tipo de formao. A viso global que esse princpio possui oferece aos itens seguintes do cdigo uma continuidade e afirmao que partem dele. Por esse motivo, e fixando se nas relaes humanas presentes na educao a distncia, o Cdigo de tica visa:

    proteger o direito de liberdade de expresso de professores e alunos, evitando qualquer tipo de censura ideolgica, poltica ou religiosa e criando condies para a manifestao de diversas tendncias de opinio social ou cientfica, assim como permitir que as equipes pedaggicas tenham plena liberdade de escolher e aplicar as melhores estratgias e formas de dispor contedos e utilizar mtodos.8

    4. CARVALHO A. M. Educao a distncia: esboo de uma anlise tico poltica. Revista PucViva n. 24. Disponvel em: . Acesso em: 10 ago. 2009.

    5. OLIVEIRA, C. C.; CARNEIRO, L. M. Referenciais ticos da educao a distncia: uma experincia em cursos da UERGS. Disponvel em: . Acesso em: 11 jan. 2010.

    6. ABED. CDIGO DE TICA Cdigo de tica para Educao a Distncia. Disponvel em: . Acesso em: 17 set. 2010.

    7. Abed. Cdigo de tica, artigo 21. Disponvel em: . Acesso em: 31 maio 2011.

    8. Abed, Cdigo de tica, artigo 4. Disponvel em: . Acesso em: 17 set. 2010.

    9. FASS, R. A. (1990), apud GEARHART, D., 2001, p. 2.

    Neste texto esto includos conceitos de liberdade de ao de professores e alunos, como respeito tico pessoa e ao profissional. Outro ponto considerado tico ao aluno, principalmente, o de preservar o direito privacidade dele e da equipe pedaggica, no repassando a terceiros qualquer tipo de informao sobre suas vidas pessoais. H tambm a recomendao de que as instituies usem pessoas ntegras como autores e monitores e que os direitos e deveres estejam em contratos firmados com profissionais como consultores, autores e monitores. Por fim, o cdigo de tica recomenda que as instituies se comprometam a sempre respeitar a legislao vigente.

    Ao analisarmos os dois documentos sob o vu dos pensadores da filosofia e da educao, fica claro que ambos tm poucas coincidncias. Os Referenciais de Qualidade utilizam essa denominao errnea de autonomia, que poderia ser alterada para uma recomendao ao aluno na administrao e na organizao de seu tempo e de sua disciplina de estudo, por exemplo; mas se relacionam liberdade de expresso dos professores nos materiais didticos e dos alunos em seu aprender, assim como tambm no Cdigo de tica da Abed. Neste ltimo, a autonomia do aluno no citada, mas h uma preocupao constante de que ele seja informado, comunicado, acompanhado e protegido em qualquer ao de EAD que a instituio fizer. A estrutura acadmica, operacional e pedaggica, segundo esse Cdigo de tica, o que o aluno necessita para ter um bom curso a distncia.

    Por serem os nicos documentos que se posicionam em relao tica no mbito da EAD, precisam estar refletidos no ensino dessa modalidade. Enfim, os Projetos Polticos Pedaggicos (PPP) dos cursos no podem negligenciar esses elementos ticos presentes nos documentos se buscam a qualidade na EAD brasileira, pois so eles, afinal, que indicaro nos PPP como ser a formao do aluno em todas as suas aes, apesar de apresentarem falhas em algumas afirmaes.

    Tendncias no exterior sobre tica e educao a distncia

    Deb Gearhart, diretor de educao a distncia da Universidade do Estado de Dakota, em seu artigo Ethics in Distance Education: Developing Ethical Policies, apresenta o tema tica e aprendizagem com uma discusso diferenciada, voltada s tecnologias. No artigo, escrito em 2001, ele afirma que as TICs permitiro um crescente nmero de ensino a distncia, oferecendo oportunidade ao ensino superior para quem no a possui. Todavia, o autor apresenta um quadro desolador quando justifica, citando Fass,9 a ocorrncia do plgio entre os alunos de cursos a distncia:

    Sondagens informais mostram que cerca de trs quartos dos alunos nos campi, atualmente admitem algum tipo de fraude acadmica. Essa uma preocupao

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    O estado da arte

    Educao a distncia

    crescente do corpo docente do ensino a distncia que o aluno a distncia fazendo o trabalho de fato o aluno matriculado e que ele no est enganando.

    Gearhart demonstra ser esse o foco de sua preocupao quando questiona sobre a compreenso da fraude pelos alunos: presso para a qualidade? Ambiente de teste? Falta de compreenso das regras acadmicas? Caractersticas de personalidade e desenvolvimento do raciocnio moral?. Podemos tambm unir a essas dvidas a limitao do tempo e os prazos insuficientes para o desenvolvimento das tarefas?

    Na Universidade de Uppsala,10 na cidade de mesmo nome na Escandinvia, Iordanis Kavathatzopoulos, Ph.D. em psicologia e docente dessa disciplina, possui projeto no departamento de tecnologia da informao da universidade, que tem como objeto a construo de sistema que identificar as habilidades de desenvolvedores e usurios do sistema para lidar com problemas morais e ticos.

    Ferramentas ticas so necessrias no s para construir um sistema que evita conflitos com importantes princpios morais, mas principalmente para construir um sistema bem sucedido, que desempenhar um papel significativo no cumprimento dos valores mais importantes de usurios e interessados.11

    Retomando o problema da autonomia administrada, das ferramentas tecnolgicas, dos sistemas virtuais de aprendizagem, este projeto parece corroborar as preocupaes ticas relacionadas aos critrios da mediao entre o ensinar e o aprender, quando so definidas normas impostas pelas TICs.

    Tendncias no Brasil para o temaCom o apontamento no mais importante documento legal

    brasileiro (a Lei n. 5.622) de que na educao a distncia a mediao entre professor e aluno, ou seja, o ensino e a aprendizagem, feita preferencialmente pelas tecnologias existentes, necessrio analisar de que maneira estamos preocupados com os aspectos ticos.

    Vejamos o que Johann (2008) diz em sua pesquisa sobre tica e educao:

    Tomamos como pressuposto que a educao formal tem como objetivo a construo de um ser humano e de uma sociedade marcados por valores que os harmonizem sob todos os pontos de vista, superando as contradies, ambivalncias e paradoxos do mundo contemporneo. Essa afirmao aponta para a aproximao entre a educao e a tica. Porm, de imediato, temos de admitir que a prpria educao nem sempre se volta para esses objetivos e, contudo, continua sendo uma prtica educativa. A educao est inserida no contexto que a realiza e, em princpio, ela o dever reproduzir.

    Por essa afirmao pode se conceituar tica na educao a distncia, com todas as suas especificidades? Para tudo o

    10. Uppsala a mais antiga universidade da Escandinvia, fundada em 1477. Veja mais em: . Acesso em: 19 set. 2010.

    11. TICA EM TI, Uppsala University, Tecnologia da Informao. Disponvel em: . Acesso em: fev. 2010.

    que existe na sociedade atual, haver uma nova tica a ser elaborada?

    Acredita se que a EAD, em sua maneira de ensinar e consequente aprendizagem, coincida com o que Johann afirma sobre as relaes ticas. Como seria, ento, o tratamento dado liberdade de expresso dos professores nos contedos?

    Responde se com Freire (2001) quando se pondera sobre a maneira como os contedos so importantes na prtica educativa, trazendo tona a pedagogia do oprimido: O problema fundamental saber quem escolhe os contedos, a favor de quem e de que estar o seu ensino, contra quem, a favor de que, contra o qu.

    Projetos Polticos Pedaggicos de cursos de ensino superior a distncia no Brasil preocupaes com os aspectos ticos

    Por meio de alguns exemplos de Projetos Polticos Pedaggicos de cursos de ensino superior a distncia brasileiros, poderemos verificar as preocupaes ticas referentes formao do aluno e se elas esto concordantes com os dois documentos analisados e com os pensamentos e as inquietaes relacionadas.

    Um primeiro exemplo o curso da Universidade A, universidade pblica que oferta o curso de licenciatura em matemtica a distncia (Souza et al., 2010). O curso, em seu PPP, explicita a responsabilidade presente na formao do aluno, principalmente porque ele se tornar um educador. No PPP encontramos palavras referentes tica, como auxlio entre pessoas que querem aprender, comprometimento, entusiasmo, liberdade de busca de conhecimentos, autonomia de trabalho, situadas como base de uma prtica constante nessa proposta de licenciatura (Souza, ibid.).

    Concordando com pontos referidos nesta anlise, h referncia ao material didtico e ao corpo docente como capazes de condicionar o aluno para a competncia e as responsabilidades como futuro docente. E, em acordo com o que Freire nos orienta, encontra se o principal ponto para o aprender a distncia:

    Deve se levar em considerao a necessidade de aprender no somente no domnio dos recursos informticos e manuseio de tecnologias diversas, mas especialmente a mudana de mentalidade e de paradigmas de educao. Ao entrar nessa nova modalidade de ensino, os sujeitos devem assumir novas posturas em relao ao seu papel. No basta ensinar ou aprender, mas perceber sua responsabilidade na construo dos novos conhecimentos. (Souza, ibid.)

    Outro exemplo interessante, por ser bastante atual, o da Universidade B, que em seu PPP do curso de licenciatura em letras a distncia escreve que:

    O objetivo formar sujeitos capazes de intervir no desenvolvimento social e na melhoria das condi

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    Mara Yskara Nogueira Paiva Cardoso

    Captulo 3: tica e a EAD

    es de vida de sua regio e de seu pas, bem como profissiona