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EBITDA QUAL O REAL VALOR DESSA MÉTRICA? Indicador em moda desde meados da última década, embora muito mais antigo do que alguns imaginam, o EBITDA transformou-se na principal métrica usada por empresas, analistas e investidores para relatar ou avaliar a performance de qualquer negócio. por Rubens Marçal * Transformou-se também no principal múltiplo utilizado na seleção de portfólio, relacionando-se ao “Enterprise Value” ou “Firm Value”. E assim empresas e mercado têm-se guiado para tomar decisões relevantes sobre seus investimentos e, pensando igual, acabam - até certo ponto - condicionando o valor de mercado ao desem- penho do negócio em termos de EBITDA. Diante desse quadro, parece perigoso ou, no mínimo insensato, pensar diferente. Mas o que vamos fazer a seguir é exatamente isso: ousar um pouco, para trazer a questão para um plano pretensamente mais técnico. Conceito e Perspectiva Histórica EBITDA é sigla de “Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization” que, traduzida para o português, transforma-se em LAJIDA ou “Lucro Antes dos Juros, Impostos, Depreciação e Amortização”. Seu nome já enuncia sua forma de cálculo: LUCRO ANTES DO IMPOSTO DE RENDA E DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL (+) DESPESAS FINANCEIRAS LÍQUIDAS (+) DEPRECIAÇÕES (+) AMORTIZAÇÕES (=) EBITDA (LAJIDA) Sua aplicação deve ser feita em conjunto com outros indicadores. É um indicador útil em casos específicos, quando se não dispõe do fluxo de caixa ou quando utilizado como acessório na aná- lise ampla dos componentes do fluxo de caixa. O uso do EBITDA aplica-se à análise de empresas em situação de insolvência e/ou de em- presas formadas por ativos de longa vida útil (como algumas indústrias de capital intensivo), sendo inadequado na análise de empresas em si- tuação normal ou formadas por ativos de curta vida útil, como as indústrias “HI-TEC” cujos ati- vos se tornam obsoletos em poucos anos. Numa perspectiva histórica, o EBITDA deri- vou do EBIT, que foi útil décadas atrás quando se estudava operações de underwriting para substi- tuição de passivo oneroso por capital próprio. Como tais operações envolviam empresas defici- tárias, supostamente em razão do alto custo finan- ceiro provocado pelo excesso de endividamento, a primeira averiguação que se fazia era se tal suposi- ção estava correta, isto é, se a única causa do preju- ízo era o elevado endividamento. E o EBIT (“Earnings Before Interest and Taxes”), pela sua simplicidade e facilidade de cálculo, por utilizar apenas informações disponíveis nos Demonstrati- vos de Resultados, permitia deduzir de imediato se a empresa, uma vez capitalizada, seria rentável. Se o EBIT fosse negativo ou insuficiente para cobrir o custo de capital próprio, a operação era descartada. Durante a onda de fusões, aquisições e take- overs dos anos ’80, adaptou-se o EBIT para se justificar certas operações de leverage-buyout, transformando-o no EBITDA, o qual ganhou inadequadamente status de indicador de geração de caixa. Seu uso, porém, ficou restrito a métrica exclusiva desse tipo de operação, tendo sido ig- norado pelo mercado de ações e por companhias abertas em seus relatórios. Passada a referida onda, o indicador caiu temporariamente em de- suso. A esta altura, empresas abertas america- nas e européias já publicavam demonstrativos de fluxo de caixa, municiando o investidor com informações suficientes para o cálculo e o uso de métricas muito mais importantes, como o Free Cash Flow (Fluxo de Caixa Livre) ou a Geração Operacional de Caixa do próprio fluxo de caixa. Deve-se destacar que a introdução do EBITDA durante a leverage-buyout mania dos anos ’80 - quando muitas companhias pagavam mais do que o valor de mercado justo pelos ati- vos que adquiriam - foi feita pelos patrocinado- res das operações de leverage-buyout e seus financiadores. Analistas experientes viam o EBITDA, nessas circunstâncias, como uma farsa para enganar desavisados ou inocentes, não como ferramenta de análise capaz de expressar o poder de geração de caixa dos ativos de uma empresa. Com o passar do tempo, o EBITDA voltou a ser usado como ferramenta de medida de geração de caixa, aplicada de início somente a empresas em situação pré-falimentar e mais tarde a empre- sas com ativos de longa vida útil, tais como for- nos siderúrgicos, torres de rádio-transmissão, etc.. CELEUMA CONTÁBIL 6 Revista RI fevereiro 2006

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EBITDAQUAL O REAL VALOR DESSA MÉTRICA?

Indicador em moda desde meados da última década, embora muito mais antigo doque alguns imaginam, o EBITDA transformou-se na principal métrica usada por empresas,

analistas e investidores para relatar ou avaliar a performance de qualquer negócio.

por Rubens Marçal *

Transformou-se tambémno principal múltiploutilizado na seleção deportfólio, relacionando-seao “Enterprise Value” ou“Firm Value”. E assimempresas e mercado têm-seguiado para tomar decisõesrelevantes sobre seusinvestimentos e, pensandoigual, acabam - até certoponto - condicionando ovalor de mercado ao desem-penho do negócio emtermos de EBITDA.

Diante desse quadro,parece perigoso ou, nomínimo insensato, pensardiferente. Mas o que vamosfazer a seguir é exatamenteisso: ousar um pouco, paratrazer a questão paraum plano pretensamentemais técnico.

Conceito e Perspectiva Histórica

EBITDA é sigla de “Earnings Before Interest,Taxes, Depreciation and Amortization” que,traduzida para o português, transforma-se emLAJIDA ou “Lucro Antes dos Juros, Impostos,Depreciação e Amortização”. Seu nome jáenuncia sua forma de cálculo:

LUCRO ANTES DO IMPOSTO DE RENDAE DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL(+) DESPESAS FINANCEIRAS LÍQUIDAS(+) DEPRECIAÇÕES(+) AMORTIZAÇÕES(=) EBITDA (LAJIDA)

Sua aplicação deve ser feita em conjunto comoutros indicadores. É um indicador útil em casosespecíficos, quando se não dispõe do fluxo decaixa ou quando utilizado como acessório na aná-lise ampla dos componentes do fluxo de caixa.

O uso do EBITDA aplica-se à análise deempresas em situação de insolvência e/ou de em-presas formadas por ativos de longa vida útil(como algumas indústrias de capital intensivo),sendo inadequado na análise de empresas em si-tuação normal ou formadas por ativos de curtavida útil, como as indústrias “HI-TEC” cujos ati-vos se tornam obsoletos em poucos anos.

Numa perspectiva histórica, o EBITDA deri-vou do EBIT, que foi útil décadas atrás quando seestudava operações de underwriting para substi-tuição de passivo oneroso por capital próprio.Como tais operações envolviam empresas defici-tárias, supostamente em razão do alto custo finan-ceiro provocado pelo excesso de endividamento, aprimeira averiguação que se fazia era se tal suposi-ção estava correta, isto é, se a única causa do preju-ízo era o elevado endividamento. E o EBIT(“Earnings Before Interest and Taxes”), pela sua

simplicidade e facilidade de cálculo, por utilizarapenas informações disponíveis nos Demonstrati-vos de Resultados, permitia deduzir de imediato se aempresa, uma vez capitalizada, seria rentável.Se o EBIT fosse negativo ou insuficiente para cobrir ocusto de capital próprio, a operação era descartada.

Durante a onda de fusões, aquisições e take-overs dos anos ’80, adaptou-se o EBIT para sejustificar certas operações de leverage-buyout,transformando-o no EBITDA, o qual ganhouinadequadamente status de indicador de geraçãode caixa. Seu uso, porém, ficou restrito a métricaexclusiva desse tipo de operação, tendo sido ig-norado pelo mercado de ações e por companhiasabertas em seus relatórios. Passada a referidaonda, o indicador caiu temporariamente em de-suso. A esta altura, empresas abertas america-nas e européias já publicavam demonstrativosde fluxo de caixa, municiando o investidor cominformações suficientes para o cálculo e o usode métricas muito mais importantes, como o FreeCash Flow (Fluxo de Caixa Livre) ou a GeraçãoOperacional de Caixa do próprio fluxo de caixa.

Deve-se destacar que a introdução doEBITDA durante a leverage-buyout mania dosanos ’80 - quando muitas companhias pagavammais do que o valor de mercado justo pelos ati-vos que adquiriam - foi feita pelos patrocinado-res das operações de leverage-buyout e seusfinanciadores. Analistas experientes viam oEBITDA, nessas circunstâncias, como uma farsapara enganar desavisados ou inocentes, não comoferramenta de análise capaz de expressar o poderde geração de caixa dos ativos de uma empresa.

Com o passar do tempo, o EBITDA voltou aser usado como ferramenta de medida de geraçãode caixa, aplicada de início somente a empresasem situação pré-falimentar e mais tarde a empre-sas com ativos de longa vida útil, tais como for-nos siderúrgicos, torres de rádio-transmissão, etc..

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A evolução do EBITDA dessa posição deferramenta válida para negócios no “fundo dopoço”, com uso restrito à avaliação de créditos debaixa classificação, para uma nova posição comoferramenta analítica para empresas ainda em seusdias de glória, como ocorre na atualidade, é algode difícil aceitação por um analista experiente que,sobretudo hoje, dispõe de métricas muito superi-ores e de comprovada eficiência. Por isso, é nor-mal que este analista experiente se pergunte“como” e “por qual razão” o mercado de ações eas grandes empresas aceitaram tão facilmente oEBITDA como um dos indicadores mais impor-tantes, passando a mostrá-lo em suas análises eseus relatórios e a utilizá-lo na construção de ín-dices como o “moderno” Firm Value / EBITDA.

Não há uma explicação convincentepara o uso generalizado do EBITDA, sal-vo talvez o desconhecimento ou o inte-resse em maquiar a empresa para que semostre mais atraente do que na realidadeé. Por trás de tal atitude, fica a dúvidasobre se há algum interesse dirigido porparte de quem o usa ou se apenas se en-trou na onda por inexperiência técnica.

O forte ressurgimento do EBITDA nostempos atuais coincidiu com o boom dasempresas “PONTO COM” na Nasdaq, oqual foi alimentado, não pelo maior valorintrínseco dessas empresas ou pelo valoragregado dos serviços por elas prestados,mas pela teia construída por “investidores”de ganho fácil, interessados no IPO (venda,no mercado de ações, da posição detida nes-sas empresas). Como a farsa não poderiadurar para sempre, um dia esta “corrente dafelicidade” se rompeu, a bolha de prosperi-dade estourou e a Nasdaq desabou. Note-seque, neste caso, havia um interesse dirigidopor trás da adoção do EBITDA como métri-ca para qualquer fim.

Um argumento levantado a favor do usodo EBITDA, também dessa época, é o deser ele um bom indicador para administra-dores de portfólios globais que investem recur-sos em ações de empresas de diferentes paísesemergentes. Como cada um desses países vivesua própria conjuntura econômica, há entre elesdiferenças marcantes em suas políticas monetári-as e fiscais, vale dizer, em suas taxas de juros esuas alíquotas de impostos. Assim, nada maislógico do que adotar um indicador como oEBITDA, que, desconsiderando os juros e os im-postos locais, pudesse colocar empresas de dife-rentes países em um mesmo padrão comparati-vo. E por que desconsiderar a realidade monetá-ria e fiscal de cada país? Porque, com aglobalização, haveria uma tendência à unificaçãode políticas econômicas no longo prazo (uma fa-lácia que vingou temporariamente como “verda-de”, graças à união de interesses dirigidos de algunscom a “inocência” ou inexperiência de outros).

Como se vê, o EBITDA nasceu sob a égidede interesses não muito corretos e sua consagra-ção, modernamente, é uma idéia que corre o riscode, a qualquer momento, ficar também refém des-tes mesmos interesses.

Restrições Técnicas ao uso Generalizadodo EBITDA

O Moody’s Investors Services foi uma dasmuitas instituições que pesquisaram a valida-de do EBITDA como métrica. Suas conclu-sões estão reunidas no estudo “PuttingEBITDA in Perspective - Ten Critical Failingsof EBITDA as the Principal Determinant ofCash Flow”, publicado em 2000. A pesquisaé rica em estudos de casos que mostram

Investidores mais sofisticados utilizam oFree Cash Flow (FCF) em substituição ao lu-cro tradicional, atribuindo àquele maiorconfiabilidade, porque representa o quantoefetivamente sobra de dinheiro no “caixa” daempresa, depois de se deduzir os investimen-tos em capital fixo e de giro necessários paramanter o crescimento das vendas, mas antesde pagar seus financiadores: acionistas (divi-dendos) e bancos (juros). O FCF representamais fielmente o quanto um determinado “ne-gócio” é capaz de gerar em termos de caixa,antes de distribuir a remuneração a seusfinanciadores.

2o. O EBITDA ignora as necessidadesadicionais de capital de giro indicando um

fluxo de caixa superior em períodosde crescimento destas.

Vendas crescentes, na maioria dos ca-sos, implicam maiores necessidades derecursos de giro para financiar estoquese clientes. Por não considerar tais neces-sidades, o EBITDA superestima o fluxode caixa que a empresa é capaz de gerar,comprometendo uma visão realista dasituação de liquidez, da capacidade depagamento e do retorno.

3o. O EBITDA não considera omontante de reinvestimento reque-rido, o que é especialmente grave nocaso das empresas com ativos de vidaútil curta.

Para manter suas vendas e seu retor-no, atuando em um mercado competiti-vo, a empresa precisa reinvestir cons-tantemente recursos na atualização deseus ativos fixos. Quanto mais curta fora vida útil destes, maior a freqüência comque tais reinvestimentos devem ser fei-tos. Empresas de alta tecnologia, empre-sas de transportes e várias outras cujosativos tornam-se obsoletos em curto es-paço de tempo correm o risco de perderespaço de mercado ou até desaparecer

se não se atualizarem na mesma velocidadedos concorrentes. Empresas de capital inten-sivo formadas por ativos de longa vida útil,embora se modernizem em espaço de tempomuito maior, quando o fazem, investem so-mas vultosas, cuja disponibilidade não seráproblema se recursos equivalentes à deprecia-ção tiverem sido provisionados ao longo dosanos anteriores, formando um fundo de reser-va para investimento. O EBITDA, aodesconsiderar a depreciação como uma despe-sa, sem considerar também as saídas efetivasde caixa para aquisição de capital fixo (como éfeito no caso do Free Cash Flow), cria a ilu-são de um fluxo de caixa melhor do que narealidade é, algumas vezes transformando avisão de uma realidade crítica de falta de caixanum cenário róseo de excesso de liquidez.

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claramente a falência do EBITDA quando usadofora das condições limitadas a que se aplica.Dentre as dez principais restrições menciona-das no título, o Moody’s destaca:

1o. O EBITDA é tão manipulável quanto oLucro Econômico.

A exemplo do Lucro Econômico, oEBITDA é um item manipulável, mesmo semse desobedecer qualquer regra legal oucontábil. Mudanças de critérios de deprecia-ção e amortização, de avaliação de estoques,de remuneração da Administração, de apro-priação de variações patrimoniais de investi-mentos em controladas, entre outras, sãoexemplos de como se pode melhorar ou pioraro Lucro e o EBITDA da companhia, sem sequebrar qualquer regra ou lei estabelecida.

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4o. O EBITDA pode ser uma enganosamedida de liquidez.

A Geração Operacional de Caixa e o FreeCash Flow são medidas importantes para ava-liar a capacidade dos ativos da empresa degerar recursos financeiros para pagar bancos(juros + pagamento do principal) e acionistas(dividendos) e ainda garantir recursos rema-nescentes que possam ser acessados a qual-quer momento, servindo também como medi-da de liquidez. Ao confundir-se o EBITDAcom a Geração de Caixa e atribuir-se a ele opoder de medir liquidez comete-se um enganoque pode distorcer gravemente a visão da rea-lidade financeira da empresa.

5o. O EBITDA não diz nada sobre a qua-lidade do lucro.

O EBITDA, isoladamente, nada revelasobre a qualidade do lucro da companhia.Ao somar-se a depreciação e a amortização,um EBIT negativo pode transformar-se numEBITDA positivo se aqueles valores foremsuficientemente grandes para cobrir o pre-juízo e deixar um saldo. Em geral, quantomaior a proporção do EBIT no EBITDA,maior é o fluxo de caixa. E, ainda, quanto

maior a proporção da depreciação noEBITDA, maior a importância de a empre-sa gastar um montante igual ao valor da de-preciação para manter seus equipamentosatuais. Por outro lado, ainda que em geral aamortização possa ser trazida de volta nocálculo do fluxo de caixa, há casos em quehá limites para isso. Amortização de des-pesas diferidas que são recorrentes, de cus-tos capitalizados que seriam mais apropri-adamente considerados como despesas oude valores futuros incertos não deveria sertrazida de volta e, no entanto, é computadaindiscriminadamente no EBITDA.

6o. O EBITDA é uma medida inade-quada para ser usada isoladamente nocálculo de múltiplos na aquisição de umaempresa.

O EBITDA é comumente usado como me-dida para comparar preços pagos por compa-nhias, sendo utilizado como um múltiplo dofluxo de caixa corrente ou esperado da empre-sa adquirida. Ainda que isso possa servir comouma “conta de padeiro” (sem qualquer críticaà categoria), é bom lembrar que o EBITDAnão corresponde ao fluxo de caixa. Usuáriosdessa “aproximação” deveriam saber que osmúltiplos calculados com o EBITDA criam ailusão de um preço de aquisição baixo e menordo que o real. Por exemplo, um múltiplo utili-zando o EBITDA de 5 vezes, para uma com-panhia cujo EBITDA seja composto por 50%de EBITA e 50% de Depreciação, equivale aum múltiplo substancialmente maior, de 10vezes, utilizando o lucro operacional maisamortização.

7o. O EBITDA ignora distinções na qua-lidade do fluxo de caixa resultantes de di-ferentes critérios contábeis – nem todasas receitas são caixa.

Diferentes critérios contábeis podem terprofundo efeito no EBITDA tornando-o umaferramenta pobre na comparação de resulta-dos financeiros entre diferentes empresas.Políticas de reconhecimento de receitas quetêm pouca correlação com entradas de caixa,como as adotadas por vários tipos de empre-sas que fazem apropriações pelo critério deporcentagem concluída da obra ou do serviço(empresas de Internet, construtoras, indústri-as de equipamentos sob encomenda de longoprazo etc.), podem levar a um distanciamentosignificativo entre EBITDA e fluxo de caixa.

8o. O EBITDA não é um denominadorcomum para critérios contábeis de diferen-tes países.

O EBITDA de uma mesma companhiapode variar dependendo de onde ele é calcula-do. Cada país, independentemente das dife-renças conjunturais, tem seus próprios pa-drões de contabilidade e as práticas diferemem termos de reconhecimento de receitas,

metodologias para capitalizar custos e despe-sas, reconhecimento de goodwill e deprecia-ção de ativos fixos. Mesmo diferenças modes-tas podem tornar-se significativas quando adespesa financeira líquida é pequena (compouco peso na formação do EBITDA).

9o. O EBITDA oferece proteção limita-da quando usado em contratos de associa-ções, cartas de intenções e outros acordosque envolvam limites financeiros de ação.

O EBITDA tem sido usado em vários ti-pos de contratos que restringem o nível per-mitido de endividamento da empresa envolvi-da, normalmente compondo índices de cober-tura ou de alavancagem (exemplo: “Dívida/EBITDA” não superior a 6,0 vezes). Tais clá-usulas de garantia à outra parte baseiam-se naidéia errônea de que o EBITDA está integral-mente disponível para cobrir o custo financei-ro, o que, pelo exposto nos itens 2o. e 3o., nãoé verdadeiro. A experiência tem demonstradoque o cumprimento das cláusulas de teste-EBITDA não evitam necessariamente os pro-blemas que se queria evitar.

10o. O EBITDA não é apropriado para aanálise de muitas indústrias porque igno-ra seus atributos únicos.

O EBITDA é um indicador exclusivo paraempresas de capital intensivo com ativos delonga vida útil. Sua generalização é algo nãoapropriado. O fato de em seu cálculo não seconsiderar os atributos específicos de cadaatividade, avaliando-se todas elas da mesmaforma, traz profundas distorções à análise,sendo exemplos críticos dessas distorçõesaquelas que se encontram em atividades queestão no extremo oposto da que o indicadormelhor se aplica. Dentre esses setores, paraos quais o uso do EBITDA é inadequadopor não considerar suas particularidades,destacam-se TV a Cabo, Serviços de Paging,Construção Civil, Gás e Petróleo, Trans-portes, Restaurantes, Serviços de Locação,Internet, Construção de Redes de Fibras,Serviços Funerários e Cemitérios, ExibiçõesTeatrais, Turismo Timeshare etc., apenaspara ficar nos mais críticos.

Mas não é só o Moody’s que faz críticasao EBITDA. A Stock Diagnostics, empre-sa de pesquisa que desenvolveu um softwareproprietário, desenhado para estudar as re-lações lógicas entre as informações econô-mico-financeiras e a performance do preçoda ação no mercado, considera o uso doEBITDA pelos analistas de Wall Street comoum expediente para promover ações paraum público desavisado. Em sua opinião,quando um analista ou CFO usa o EBITDA,o que ele está realmente dizendo é: “Isto é oque os lucros poderiam ter sido se não ti-véssemos que tomar empréstimos, se nãotivéssemos que pagar impostos, se não ti-

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“O EBITDA é umindicador exclusivopara empresas de capitalintensivo com ativosde longa vida útil.Sua generalização éalgo não apropriado.O fato de em seu cálculonão se considerar osatributos específicosde cada atividade,avaliando-se todaselas da mesma forma,traz profundas distorçõesà análise, sendo exemploscríticos dessas distorçõesaquelas que se encontramem atividades que estãono extremo oposto daque o indicadormelhor se aplica.”

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véssemos que investir em nada e se não tivés-semos que amortizar recursos ativados”.E ainda mais: “Por ser um indicador baseadono lucro, o EBITDA nada tem a ver com ofluxo de caixa”, acrescenta.

Casos Ilustrativos

Um episódio abalou a credibilidade doEBITDA: o escândalo da gigante americanaWorldCom, que, no ano de 2001 e no primeirotrimestre de 2002, ostentava EBITDAs capa-zes de convencer qualquer analista desavisadode estar navegando de “vento em popa” e, noentanto, a empresa estava literalmente insol-vente e amargando prejuízos monumentais. Éverdade que houve uma gigantesca fraude, ca-racterizada pela transformação de US$ 3,8 bi-lhões de despesas operacionais acumuladasnesses cinco trimestres em despesas de capi-tal que foram ativadas (superestimando oEBITDA, o lucro, o valor dos ativos e o valordo patrimônio). No entanto, mesmo nessa si-tuação de fraude, o usuário do Free Cash Flowenxergava outra coisa muito diferente, pois nocálculo deste os US$ 3,8 bilhões de falso “in-cremento de capital fixo” são excluídos.Descoberta a fraude, o lucro líquido deUS$ 1,4 bilhão de 2001 transformou-se numprejuízo de US$ 1.7 bilhão e o lucro deUS$ 130 milhões do primeiro trimestre de2002 virou um prejuízo de US$ 667 milhões.O Free Cash Flow de 2001, reportado pelaempresa antes da fraude ser descoberta, foi demíseros US$ 108 milhões, o que já levaria qual-quer analista experiente à desconfiança de quealgo deveria estar errado, valendo uma pes-quisa mais profunda. Para os investidores usu-ários do EBITDA, acreditar no indicador deforma isolada resultou num prejuízo pratica-mente total de seus investimentos na empre-sa, conforme mostra o gráfico abaixo. Enquan-to isso, alguns mais “espertos” que advogamo uso desse indicador encheram seus bolsos.Não é à toa que os Corporate Filings da SEC(Security and Exchange Commission)freqüentemente incluem uma clara advertên-cia de que EBITDA não significa Lucro, nãomede a liquidez e não é parte dos Princípiosde Contabilidade Normalmente Aceitos.

O que aconteceu com a WorldCom acon-teceu também com várias outras grandescorporações americanas que entraram emmoda na virada do século (Enron etc.) e, emtodos os casos, usuários do EBITDA quenão tiveram a preocupação de olhar outrosindicadores melhores transformaram-se emperdedores ludibriados.

Nem sempre a questão é de fraude e nemsempre é preciso ir longe para encontrarexemplos de mal uso do EBITDA. Pode-mos olhar o caso da nossa VARIG, ilustra-do a seguir.

Os gráficos ao lado mostram que, demarço/1999 a março/2002, as ações PN daVARIG tiveram uma valorização de 261%na BOVESPA (Bolsa de Valores de São Pau-lo) contra apenas 24% do índice de merca-do (Ibovespa). Observando o gráfico da açãoem conjunto com os gráficos de EBITDA,Lucro e Patrimônio Líquido da empresa, so-mos forçados a deduzir que a lógica doEBITDA prevaleceu sobre a dos demais in-d icadores , f avorecendo um ganhoinjustificado com as ações da empresa. Qual-quer um que olhasse a sucessão de prejuí-zos exponenciais e as perdas patrimoniaisque vinham ocorrendo desde 1998, culmi-nando com um passivo a descoberto supe-rior a meio bilhão de reais ao final de 2001,não teria acreditado na alta da ação nesseprimeiro período. E, com a realidade vindoà baila através de conflitos entre a princi-pal instituição credora, a Fundação RubenBerta, o Sindicato dos Aeroviários e oBNDES, chegando-se até a debates no Con-gresso, a situação mudou de figura: de mar-ço/2002 a maio/2003, as ações tiveram umaqueda de 44% no mercado, contra uma pe-quena alta de 1% do Ibovespa. Certamenteos muitos defensores inocentes do EBITDAperderam e os poucos defensores intencio-nais do EBITDA ganharam.

No caso de VARIG, o erro foi não consi-derar o acúmulo de dívidas, o serviço dadívida, o lado negativo do impacto do câm-bio sobre essa dívida e a enorme crise de

liquidez que tudo isso ge-rou. Neste caso, nem mes-mo o Free Cash Flowpode ser olhado isolada-mente, mas sim a relaçãodeste com os ativos ope-rac iona i s da empresa(Free Cash Flow / AtivoOperacional Médio) a fimde se compará-la com ocusto de capital (total,próprio e de terceiros). Seaquela for menor que este,haverá problemas.

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VARIG PN x IBOVESPA(31/03/99=100) • Fech. mensal (Mar/99 a Mar/02)

VARIG PN x IBOVESPA(31/03/02=100) • Fech. mensal (Mar/02 a Mar/03)

Lucro Líquido (R$ milhões)

Patrimônio Líquido (R$ milhões)

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EBITDA (R$ milhões)

Valorização da Açãoem comparação com o IBOVESPA

Período: 6/junho/2002 a 6/junho/2003

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Mas, além da Varig, há muitas outras empre-sas que registraram prejuízos e apresentaram FreeCash Flows negativos, mas mostraram EBITDAspositivos. Algumas delas tiveram prejuízoselevadíssimos, gerações próprias de caixa-livrenegativas, mas ostentam EBITDAs elevados,sugerindo um negócio em franca prosperidade.Entretanto, a realidade não é bem assim. OsEBITDAs dessas empresas mascaram a realida-de de insuficiência de geração de caixa, por nãoestarem levando em conta que:

(1o) a depreciação não é suficiente para cobriros investimentos em capital fixo necessári-os para atingir as receitas esperadas (quemuitas vezes não vêm);

(2o) o serviço da dívida é, em geral, maior doque o EBITDA.

O EBITDA na Construção de Indicadoresde Seleção de Ações

Quando se trata de selecionar ações em blo-co, isto é, quando se precisa selecionar as melho-res alternativas de um universo de trabalho queinclua todas as ações possíveis, os múltiplos sãosem dúvida os indicadores mais poderosos e prá-ticos de que se dispõe.

Poderosos porque produzem um resultadoseletivo, concreto e superior à maioria dos outrosindicadores de igual custo de construção. Práti-cos porque apresentam grande facilidade de serelacioná-los com outras variáveis fora do merca-do de ações e, sobretudo, porque exigem um “cus-to” de trabalho muito menor do que o de outrosmétodos que, ainda que superiores quanto aopoder de seleção, são extremamente mais traba-lhosos, praticamente inviabilizando o seu usoextensivo para todas as ações do universo de tra-balho.

É claro que, num processo de seleção, outrosíndices são também necessários. Assim como osmúltiplos estarão avaliando o retorno relativo,esses outros índices estarão avaliando o risco re-lativo.

Mas, ainda assim, há vários múltiplos que sepode utilizar no processo de seleção, desde otradicional P/L até o moderno e inadequadoFV/EBITDA. O objetivo aqui é explicar este novomúltiplo e avaliar o seu poder de seleção.

Fórmula de cálculo:

FV/EBITDAFV = Firm Value (Valor da Empresa) =Market Capitalization + Net Debt(Valor de Mercado + Dívida Líquida)

Conceituação:

O FV/EBITDA foi concebido como ferramen-ta de uso para analistas e administradores deportfólios globais, que necessitavam compararmúltiplos entre vários mercados emergentes, su-jeitos a diferentes conjunturas de taxas de jurosdas respectivas economias, diferentes alíquotasde impostos sobre o lucro e com diferentes crité-rios de depreciação e amortização.

A maneira de resolver tais diferenças foi subs-tituir o Lucro (utilizado no múltiplo P/L) peloEBITDA (utilizado no múltiplo FV/EBITDA),uma vez que este não leva em conta aquelas vari-áveis acima mencionadas.

dividendos e aferindo os ganhos de capital). Oque passou, na realidade, não interessa mais.

Poder de seleção:

É inegável que o indicador FV/EBITDA podeproduzir bons resultados no processo de seleçãode ações e que passou a ser superior ao P/L apartir de 2000, ano em que o uso do indicador seconsagrou no mercado. Mas isso pode ser sinto-ma de “profecia auto-realizável”, ou seja, se to-dos no mercado pensam da mesma forma, aindaque pensem errado, as ações vistas como melho-res subirão mais do que as demais, mesmo quenão sejam melhores. Não é por coincidência queesse período tenha se caracterizado por uma per-da de “tecnicismo” pelo mercado, pelo aumentoda volatilidade e prevalência da especulação, atéque a bolha da Nasdaq estourasse e isso deixa emdúvida a qualidade do EBITDA como indicadorna construção de múltiplos.

Conclusões

O valor que pode ser atribuído ao EBITDA écomo ferramenta acessória para ser utilizada emconjunto com outros indicadores e restrita a de-terminados tipos de empresas ou a empresas emdeterminadas situações.

É preciso ter-se muito claramente queEBITDA não é Geração Operacional de Caixa enão a substitui no fluxo de caixa. Sua aplicação aempresas pré-falimentares faz sentido, porquenessa situação a empresa se vê forçada a suspen-der investimentos, podendo considerar a depre-ciação como um recurso disponível; caso contrá-rio, a depreciação é um valor necessário para co-brir investimentos na renovação necessária dosativos da empresa. Para companhias formadaspor ativos de longa vida útil, é possível lançarmão da depreciação, momentaneamente, numcurto período de tempo, como se fosse recursode caixa disponível para outra finalidade qual-quer; mesmo assim, tal atitude não pode perdu-rar e haverá necessidade de se repor no futuro osrecursos assim utilizados.

Há certo abuso no uso do EBITDA comoindicador isolado, tanto por analistas quanto porcompanhias. Para se ter uma melhor avaliação dacompanhia, o Free Cash Flow é uma métrica su-perior ao EBITDA e deve ser preferido a este,embora também em conjunto com outros indica-dores complementares.

(*) RUBENS MARÇAL é consultor daFIRB – Financial Investor Relations Brasil.(E-mail: [email protected])

Mas, para poder utilizar o EBITDA no lugardo Lucro, era preciso acrescentar algo ao valor daempresa (preço da ação multiplicado pelo núme-ro de ações emitidas) a fim de que a lógica domúltiplo não se perdesse. E, assim, como oEBITDA desconsidera os juros dos empréstimosfornecidos por bancos, somou-se ao valor demercado (capital próprio) o valor líquido da dívi-da com bancos (capital de terceiros). Deve-senotar que a palavra bancos, aqui, tem um signifi-cado mais amplo, envolvendo também aplicadoresem títulos de dívida emitidos pela companhia,órgãos de fomento fornecedores de recursos eoutros financiadores.

O indicador (FV/EBITDA) opera com valo-res projetados, a exemplo do P/L e de todos osindicadores de seleção. Se quero comprar umaação hoje, só me interessa o passado como basepara projetar o futuro (período em que realmenteestarei sendo sócio da empresa, recebendo seus

“O valor que pode seratribuído ao EBITDA

é como ferramentaacessória para ser

utilizada em conjuntocom outros indicadores

e restrita a determinadostipos de empresasou a empresas em

determinadas situações.”