Ecologia da informação nas bibliotecas comunitárias do Salvador

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IX CINFORM A ECOLOGIA DA INFORMAÇÃO NAS BIBLIOTECAS COMUNITÁRIAS DO SALVADOR ANALICE F. OLIVEIRA * ([email protected]) LUIS RICARDO A. SILVA ** (ricardo.bibliotecá[email protected]) VANDA ANGÉLICA DA CUNHA *** ([email protected]) RESUMO: Apresenta resultados parciais de pesquisa do projeto de iniciação cientifica Ciranda de leitura: espaços, (im)pactos, desejos e carências na perspectiva da inclusão social, que tem por universo de estudo os ambientes tradicionais de leitura em Salvador nas bibliotecas públicas mantidas pelo Governo do Estado da Bahia e pela Prefeitura Municipal, nas bibliotecas comunitárias como espaços alternativos e o Programa Livro Livre Salvador Fazendo o Povo Pensar como espaço emergente. Mostra os três eixos que a pesquisa se apóia: necessidade e importância de se realizar estudo aprofundado sobre teoria e práticas de leitura, o processo da pesquisa Ciranda de leitura e a ênfase nas bibliotecas comunitárias de Salvador; para compreender o fenômeno da leitura nesses espaços educativos e culturais, a partir do significado da leitura como instrumento de exercício da cidadania e da responsabilidade social que cabe às unidades de informação e ao Projeto de Extensão objeto da pesquisa em andamento. Palavras-chave: Leitura; pesquisa; espaços de leitura; ecologia da informação. * Graduanda do Curso de Biblioteconomia e Documentação do Instituto de Ciência da Informação / UFBA * * Graduando do Curso de Biblioteconomia e Documentação do Instituto de Ciência da Informação / UFBA * * * Mestre em Ciência de Informação / UFBA. Graduada em Biblioteconomia e Documentação / UFBA. Orientadora da Pesquisa.

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Apresenta resultados parciais de pesquisa do projeto de iniciação cientifica Ciranda de leitura: espaços, (im)pactos, desejos e carências na perspectiva da inclusão social, que tem por universo de estudo os ambientes tradicionais de leitura em Salvador nas bibliotecas públicas mantidas pelo Governo do Estado da Bahia e pelaPrefeitura Municipal, nas bibliotecas comunitárias como espaços alternativos e o Programa Livro Livre Salvador Fazendo o Povo Pensar como espaço emergente. Mostra os três eixos que a pesquisa se apoia: necessidade e importância de se realizar estudo aprofundado sobre teoria e práticas de leitura, o processo da pesquisa Ciranda de leitura e a ênfase nas bibliotecas comunitárias de Salvador; para compreender o fenômeno da leitura nesses espaços educativos e culturais, a partir do significado da leitura como instrumento de exercício da cidadania e da responsabilidade social que cabe às unidades de informação e ao Projeto de Extensão objeto da pesquisa em andamento.

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Page 1: Ecologia da informação nas bibliotecas comunitárias do Salvador

IX CINFORM

A ECOLOGIA DA INFORMAÇÃO NAS BIBLIOTECAS COMUNITÁRI AS

DO SALVADOR

ANALICE F. OLIVEIRA * ([email protected]) LUIS RICARDO A. SILVA **

(ricardo.bibliotecá[email protected]) VANDA ANGÉLICA DA CUNHA ***

([email protected])

RESUMO: Apresenta resultados parciais de pesquisa do projeto de iniciação cientifica Ciranda de leitura: espaços, (im)pactos, desejos e carências na perspectiva da inclusão social, que tem por universo de estudo os ambientes tradicionais de leitura em Salvador nas bibliotecas públicas mantidas pelo Governo do Estado da Bahia e pela Prefeitura Municipal, nas bibliotecas comunitárias como espaços alternativos e o Programa Livro Livre Salvador Fazendo o Povo Pensar como espaço emergente. Mostra os três eixos que a pesquisa se apóia: necessidade e importância de se realizar estudo aprofundado sobre teoria e práticas de leitura, o processo da pesquisa Ciranda de leitura e a ênfase nas bibliotecas comunitárias de Salvador; para compreender o fenômeno da leitura nesses espaços educativos e culturais, a partir do significado da leitura como instrumento de exercício da cidadania e da responsabilidade social que cabe às unidades de informação e ao Projeto de Extensão objeto da pesquisa em andamento. Palavras-chave: Leitura; pesquisa; espaços de leitura; ecologia da informação.

* Graduanda do Curso de Biblioteconomia e Documentação do Instituto de Ciência da Informação / UFBA * * Graduando do Curso de Biblioteconomia e Documentação do Instituto de Ciência da Informação / UFBA * * * Mestre em Ciência de Informação / UFBA. Graduada em Biblioteconomia e Documentação / UFBA. Orientadora da Pesquisa.

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1 INTRODUÇÃO

A pesquisa Ciranda de Leitura: espaços (im)pactos, desejos e carências na perspectiva da

inclusão social investiga o fenômeno da leitura e suas estratégias desenvolvidas nos espaços

tradicionais, neste estudo identificados por seis bibliotecas públicas mantidas pelo Poder Público

Estadual e duas pelo Poder Municipal. Em complemento são incluídos os espaços alternativos

representados por doze bibliotecas comunitárias e uma mantida por fundação de direito privado,

totalizando 21 bibliotecas, ambiente no qual se espera entender de que forma se dá a contribuição

social das práticas de leitura para o acesso e uso da informação, construção de conhecimento,

consciência e exercício da cidadania e inclusão social das pessoas da comunidade nesses

ambientes.

Uma metodologia apropriada conduz o percurso em busca de cumprir os objetivos

traçados no estudo e destaca aspectos inovadores a exemplo de estímulo à equipe do projeto no

aprofundamento teórico do tema com discussões internas, participação em eventos científicos e

em Grupo de |Pesquisa.

Neste artigo dá-se ênfase a uma reflexão sobre a ecologia da informação, portanto da

leitura, nas bibliotecas comunitárias em estudo o que possibilita o entendimento da contribuição

que poderá trazer para a pesquisa, conhecer a natureza, fluxo, forma e conteúdo das práticas de

leitura e prováveis impactos nos leitores.

2 DEMANDA POR UMA IMERSÃO CIENTÍFICA NO FENÔMENO DA LEITURA

A leitura como prática social é indispensável a todo o indivíduo que busca o direito à

cidadania, sendo seu exercício pressuposto para a formação do hábito de ler por ser um meio de

socialização para o crescimento individual e coletivo. Nesse contexto é indispensável a

participação de instituições e mediadores capazes de viabilizar a leitura para o desenvolvimento

de pessoas e comunidades buscando formar o leitor crítico para o exercício da cidadania, o que

pressupõe ações para desenvolver o letramento.

Nessa direção, a pesquisa Ciranda de leitura: espaços, (im)pactos, desejos e carências na

perspectivas da inclusão social, estuda o fenômeno da leitura como prática social, haja vista a

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importância e necessidade de se realizar estudo aprofundado que mostre os fundamentos,

percursos e estratégias que dêem embasamento teórico para uma melhor prática social de leitura.

Entre os fundamentos sobressai a questão do letramento.

O letramento conforme Magda Soares (1998, p.18) “é uma forma de inserção social do

indivíduo de acordo com o uso competente que ele pode fazer da leitura e da escrita”. No Brasil,

as abordagens sobre o ato de ler, seus problemas e condições de produção ganham espaço em

torno de 1980, determinadas pela abertura política conforme Rangel (2004).

Para Kleiman (1995), é na metade de 1990 que os estudos sobre letramento começam a

destacar-se com pesquisas que buscavam compreender não só o “impacto social da escrita”, mas

também a inserção dos indivíduos no universo da palavra escrita em que se inscrevem os atos de

ler e escrever.

Como se observa, a leitura é vista como condição essencial para a cidadania e o acesso às

informações veiculadas nas mais diversas mídias, bem como para o ingresso do indivíduo no

mundo de trabalho. Mas, diante de sua importância, a leitura, em alguns países ainda é prática de

um número muito reduzido de pessoas como ocorre no Brasil.

Para que haja desenvolvimento de leitura é necessário o gosto pelas histórias infantis,

hábito a ser cultivado pela família. O ensino da leitura e da escrita, portanto o letramento compete

à escola. À biblioteca e demais espaços cabe se manterem envolvidos na questão de leitura

apoiando o trabalho da escola.

Dentre vários estudos sobre o fenômeno social da leitura destaca-se o Projeto Estação de

Leitura que desenvolveu uma pesquisa cujo escopo é coletar e analisar memórias em narrativas

da comunidade acadêmica da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB)/Campus de

Jequié, com o intento de traçar o perfil do leitor regional.

Conforme Matos e Santos (2006, p.59) “são os relatos de formação que apresentam cenas

que reenviam o ato de ler aos primeiros passos rumo ao mundo da leitura: seus mediadores, suas

condições e o pano de fundo sobre o qual acontece a leitura”. Isso porque segundo as autoras:

“ao evocar a infância e as primeiras leituras para relatar uma trajetória, o discurso memorialístico põe em tela questões dignas de atenção: os motivos do leitor; os indicadores de leitura, o horizonte cultural do leitor, suas condições de leitura e suas práticas, os conceitos de leitura e os pré-conceitos a propósito do ato de ler, os reconhecimentos e estranhamentos diante de um livro e a emancipação do leitor”. (MATOS; SANTOS, 2006, p.63).

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Diante desta realidade, essa pesquisa confirmou a idéia de que, para a constituição do

leitor, é de fundamental relevância a participação do “outro”, ou seja, a família, a escola e demais

espaços envolvidos no ensino e prática da leitura, que devem desenvolver atividades que

promovam, apóiem e conduzam à ação e reflexão do indivíduo, transformando-o em leitor.

Neste sentido, Leite e Oliveira (2004 apud MATOS, SANTOS 2006, p. 63) aponta que

“Ler não é um ato natural do ser humano, mas sim, uma prática social e, visto desse modo, sua

aprendizagem não pode ocorrer sem a mediação do Outro Social”.

Nesta perspectiva as formulações teóricas da psicologia e da sociologia afirmam que o

processo de leitura significa investigar as condições intrínsecas e extrínsecas de seu

desenvolvimento, com o foco no sujeito enquanto persona individual e social.

Considerando esses dois pólos da questão – o individual e o social – para tornar-se leitor,

o sujeito precisa sair do pensamento mítico/público para o individual/privado, o que corresponde

à passagem da cultura oral para a escrita. E compreender esse processo é a tarefa da

psicossociologia da leitura segundo Aguiar (2006, p.39).

Para Lajolo (2004, p. 107), a formação também se amplia do individual para o coletivo,

pois “a história da literatura de um povo é a história das leituras de que foram objetos os livros

que integram o corpus dessa literatura”. Ou seja, o individuo torna-se leitor na medida em que

“vive” a história de suas leituras.

Os autores, Paulo Freire e Jorge Larrosa também são unânimes ao afirmar que é

necessária a interação do leitor em contextos diversos de leitura para sua formação. Porque para o

primeiro, a leitura tem um sentido revolucionário e para o segundo, o ato de leitura é parte do

processo formador dos sujeitos, pois “a leitura [...] tem a ver com aquilo que nos faz ser o que

somos” (LARROSA, 2002, p. 134), alertando que considerá-la como formação é pensá-la “como

algo que nos forma (ou nos de-forma e nos trans-forma)” (ibid, 2002, p. 133).

3 CIRANDA DE LEITURA: ESPAÇOS, (IM)PACTOS, DESEJOS E CARÊNCIAS NA PERSPECTIVA DA INCLUSÃO SOCIAL: O PROC ESSO DA PESQUISA

A pesquisa em andamento Ciranda de Leitura: espaços, (im)pactos, desejos e carências na

perspectiva da inclusão social se propõe a conhecer a realidade de estratégias de leitura e seus

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resultados, nas bibliotecas objeto do estudo buscando verificar as semelhanças ou diferenças de

estratégias de leitura nesses espaços e quais os benefícios reconhecidos pelos leitores.

Um terceiro espaço que se pretende estudar é o Programa Livro Livre Salvador Fazendo o

Povo Pensar, levando livros e ações de leitura em bairros centrais, populares e periféricos de

Salvador. É de iniciativa da UFBA através do Instituto de Ciência da Informação (CUNHA,

2008). No entanto percebemos que até o momento não oferece condições de avaliação por ser

uma experiência recente, com apenas catorze meses, que se desenvolve em locais diversificados

de público e infra-estrutura e haver a ausência de dados quantitativos e qualitativos sobre a leitura

promovida nessas ações. Mas se constitui um espaço interessante de observação.

A primeira etapa da pesquisa se deu com as bibliotecas públicas, sendo iniciada na

Biblioteca da Fundação João Fernandes da Cunha, onde foi realizada a observação in loco no

Setor Circulante, para verificar o comportamento dos leitores na preferência de títulos do acervo,

autonomia no acesso ou busca de mediador na indicação e decisão pela leitura.

A segunda etapa focaliza as bibliotecas comunitárias devido à necessidade de conhecer

mais de perto estes espaços, suas práticas de leitura, estratégias utilizadas pelos mediadores,

como também registrar sua contribuição social para a cidadania e a inclusão social.

Do universo de doze bibliotecas comunitárias, sete já foram visitadas, no período de

janeiro a maio de 2009, com o objetivo de conhecer seus ambientes, interagir com os mediadores

de leitura e registrar as estratégias utilizadas pelas bibliotecas como meio de socialização e

integração da comunidade a esses ambientes.

O procedimento da observação in loco até o momento se deu em apenas três das sete

bibliotecas visitadas, considerando que as demais estavam sem condições de atender aos usuários

por questões de estrutura, dificuldade econômica e financeira para manter os espaços

funcionando. Outro ponto foi a coincidência de horários de trabalho e estudo dos responsáveis

por essas bibliotecas, assim como a ausência de voluntários para substituí-los.

Desse modo a observação se deu na Biblioteca Comunitária do Calabar, Biblioteca Paulo

Freire e Biblioteca Comunitária Sete de Abril. No formulário de observação aplicado,

destacaram-se os seguintes aspectos: gênero, categoria (criança, jovem, adulto e idoso),

comportamento do usuário no local (com as opções de espera, busca atendimento, vai ás

estantes).

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A metodologia da pesquisa se caracteriza como exploratória para a melhor aproximação e

conhecimento do objeto de estudo. É de natureza aplicada vez que busca propor intervenção que

mude a realidade encontrada. Busca entender como se processa a leitura no universo de estudo, se

às estratégias de mediação de leitura usadas nos espaços sob observação contribuem para elevar o

número de leitores e a qualidade de leitura como lazer, construção do conhecimento, consciência

de cidadania e inserção social.

A metodologia é norteada por revisão de literatura, estudo de campo com utilização de

instrumentos de pesquisa que viabilizem a análise das entrevistas com os mediadores de leitura e

análise dos discursos dos leitores das bibliotecas comunitárias.

BIBLIOTECA COMUNITÁRIA DO CALABAR

A Biblioteca Comunitária do Calabar foi inaugurada em 22 de abril de 2006, criada pelo

Grupo Jovens em Ação em parceria com a ONG Avante Educação e Mobilização Social, a

Sociedade Beneficente e Recreativa do Calabar - SBRC e o Instituto C&A. Essas parcerias

apóiam os componentes do Grupo Jovens em Ação na mediação de leitura.

Além disso, a biblioteca recebe recursos para manutenção e funcionamento garantindo

uma estrutura adequada às necessidades dos leitores, proporcionando conforto, segurança,

cultura, lazer, bem-estar, e inclusão social da comunidade.

Assim, a Biblioteca Comunitária do Calabar tornou-se um espaço de fomento à leitura e à

escrita, de acesso à informação e ao conhecimento. Seu acervo consta de seis mil e quinhentos

livros catalogados, sendo a maior parte doada pela comunidade local, e possui uma média mensal

de empréstimo de 100 livros, fomentando uma rotina de atividades de incentivo à leitura na

biblioteca, nas escolas e na creche do bairro.

BIBLIOTECA COMUNITÁRIA PAULO FREIRE (SOFIA CENTRO DE ESTUDOS)

A Biblioteca Comunitária Paulo Freire (Sofia Centro de Estudos), localizada no bairro de

Escada, foi criada em 2 maio em 2001. O espaço é uma chácara que pertence ao belga Jan Karel

Maria Van Mol. O acervo da instituição é composto por livros de literatura brasileira, literatura

estrangeira, dicionários, enciclopédias, biografias, periódicos e livros infanto-juvenis, estes

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renovados periodicamente em um Baú de Leitura para despertar o interesse dos leitores. No

momento, uma das metas da biblioteca é a implantação do Setor Infantil. Para manter suas

atividades a biblioteca conta com o financiamento de projetos do Ministério da Educação e outros

órgãos.

BIBLIOTECA COMUNITÁRIA SETE DE ABRIL (ASSOCIAÇÃO CULTURAL UGO MEREGALI)

A Biblioteca Sete de Abril está localizada no bairro Sete de Abril, e foi criada em 27 de

julho de 2002. Funciona em tempo integral, com apoio de quatro voluntárias da própria

comunidade e conta também com uma aluna do Curso de Letras, bolsista do Programa

Permanecer da Universidade Federal da Bahia.

O espaço foi cedido pela Igreja Católica da comunidade que arca com as despesas da

biblioteca desde sua criação. Atualmente a responsável pela biblioteca ganhou um terreno

próximo à escola e creche para a construção da nova biblioteca.

Em relação ao acervo é composto de literatura brasileira, livros infanto-juvenis e

didáticos. A Fundação Pedro Calmon foi a responsável pela doação da maior parte do acervo. A

biblioteca possui alguns computadores recebidos como doação, mas precisam de manutenção

para funcionar. As mesas e cadeiras são adequadas para as crianças. As estantes adaptadas para

os livros infantis, porém, percebe-se a necessidade de esteiras com almofadas, para as crianças

ficarem integradas ao ambiente infantil.

4 A ECOLOGIA DA INFORMAÇÃO NAS BIBLIOTECAS COMUNITÁRIAS

Ao reconhecer a importância histórica das bibliotecas comunitárias como ambientes

alternativos de inclusão social e formação cidadã através da leitura, assim como sua função no

desenvolvimento de comunidades ativas por meio da informação e do saber coletivo, buscamos,

neste sentido, um maior enfoque no estudo da temática para a construção de um referencial

teórico fazendo uma prospecção nessas bibliotecas ainda carentes de uma base de teoria que

explique sua natureza, missão, funções e a ecologia da informação que elas representam.

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Nesta abordagem da ecologia da informação, a biblioteca é vista como um ambiente que

favorece as relações que envolvem o fluxo da informação. Os ambientes se apresentam inter-

relacionados à própria sociedade na qual pertence, e por isso, livres dos antigos “muros”, de

restrições e dominação social de antigas políticas de caráter elitista.

Assim, é a própria sociedade local que admite suas relações, sentidos e necessidades,

reconhecendo ainda a possibilidade da participação de agentes internos e externos para que esses

ambientes de informação continuem se adaptando às novas realidades sociais, cumprindo assim

sua função de transmissão do conhecimento.

Ribeiro e Prado (2006, p.3 apud WERSING, NEVELING, 1975, p. 134) retomam a idéia

de que as práticas da pesquisa científica nos dias de hoje devem estar pautadas em alguma

necessidade social. Desse modo, a transmissão de conhecimento nestes ambientes é também uma

responsabilidade social, e assim sendo deve ser analisada pela Ciência da Informação.

Para o melhor entendimento da questão, previamente, vamos revelar um apanhado da

revisão de literatura sobre as bibliotecas comunitárias brasileiras na perspectiva da Ciência da

Informação e em seguida discutiremos o tema no contexto da atual sociedade brasileira,

enfocando as bibliotecas comunitárias na Cidade do Salvador.

Analisar o fenômeno das bibliotecas comunitárias no Brasil sempre foi algo desafiador e

complexo para os pesquisadores da Ciência da Informação e da Biblioteconomia, considerando a

escassez de documentos sobre o tema, e o tipo de abordagem do pesquisador e principalmente do

profissional bibliotecário, ao visualizar seu campo de pesquisa e ação profissional restritos apenas

aos espaços tradicionais de informação, “entre muros”, ignorando outros espaços alternativos de

inclusão pelo conhecimento na Sociedade da Informação e da Aprendizagem.

Entre os estudos mais importantes na literatura brasileira sobre a temática da biblioteca

comunitária destacamos Ribeiro e Prado (2006) e Prado e Machado (2008). Ambos enfatizam a

biblioteca comunitária como um espaço singular para o desenvolvimento da educação por meio

de ações sócio-culturais para uma formação cidadã prática, mediada pelo uso e produção da

informação pela comunidade local, direcionando os participantes da mesma a uma construção

crítica de sua identidade individual e coletiva.

Mas escolhemos direcionar como estudo inicial para formulação do que hoje

relacionamos como biblioteca comunitária, o artigo de Rabello (1987), que ainda se utilizando da

terminologia da época – biblioteca popular – colocou-se de maneira singular em sinalizar a

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formulação histórica desta comunidade informacional alternativa na concepção da sociedade

brasileira.

Esse fenômeno não se deu de maneira límpida, mas é produto das relações dialéticas entre

o Estado e a sociedade, nos períodos de 1930 até meados dos anos 1980, onde o tema passa a ser

enraizado e notada a existência desse espaço de informação, identificando dessa maneira sua

criação pela comunidade local, assim como sua importância e características próprias que a

diferenciavam de outros espaços, como a biblioteca pública e a biblioteca escolar.

O termo biblioteca popular é utilizado na literatura estrangeira por autores que

denominam as bibliotecas públicas que atuam junto à comunidade (PRADO e MACHADO;

2008), diferenciando-se da abordagem de Rabello que descreve em seu estudo como foi

internalizada a biblioteca comunitária no Brasil, revelando que a mesma é produto de uma

atuação ausente do Estado na formulação de políticas públicas no atendimento das necessidades

básicas da população. Uma população que se agregava de maneira desordenada nas periferias das

grandes metrópoles do país, em espaços quase sempre desprovidos de qualquer assistência social

pregada pela corrente liberal, e pelo desenvolvimento econômico implantado aos moldes

estrangeiros que se instaurava no país no período supracitado.

Nesse contexto, o Estado construiu um modelo de biblioteca pública pautado na ideologia,

que pregava “o acesso livre a informação a todos os cidadãos” mas que se apresentava de

maneira contraditória quando promovia a construção de unidades de informação em áreas nobres,

em locais distantes das massas, dificultando dessa maneira o acesso à biblioteca pública pela

população menos favorecida.

Este modelo não se adaptou à nossa realidade social, pois a maior parte da população era

de pessoas analfabetas, sem uma formação educacional básica, ficando quase sempre no ponto

inferior da pirâmide pública, na dependência extrema desse sistema democrático, que não

disponibilizava acesso pleno aos direitos humanos básicos como: educação, moradia, saúde,

segurança e qualidade de vida. Direitos como estes eram reservados apenas à elite, excluindo

dessa maneira a classe social menos favorecida. No entanto, a maior exclusão ainda era a do

acesso à informação e ao conhecimento.

Neste sentido Rabello comenta (1987, p. 26) que “Cresceu a demanda à biblioteca, mas

somente por um grupo detentor do poder econômico. […] A educação destinava-se a uma elite e

a biblioteca seguiu a mesma tendência”; e relata ainda que pouco se fez para mudar essa

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concepção até o início da década de 1980, demonstrando dessa maneira uma clara separação

entre a biblioteca pública e sociedade.

A autora aponta ainda, que foi no final dos anos 1970, na insurgência de diversos

movimentos populares de reivindicação e restituição dos direitos democráticos, que as primeiras

“bibliotecas comunitárias” surgiram como espaços sócio-democráticos na promoção e inclusão

informacional de uma população excluída culturalmente.

Com o intuito de esclarecer a natureza da biblioteca comunitária, assim como os aspectos

essenciais para não haver confusão na utilização da terminologia, a autora aponta algumas

características desses espaços alternativos de informação, (RABELLO, p.32):

surge exatamente como alternativa a biblioteca, que nunca chegou ao povo;

trata-se de uma proposta de uma biblioteca de “baixo para cima”;

é ligada a uma comunidade determinada;

origina-se a partir da consciência desse grupo da necessidade de informação a

ser fornecida pela biblioteca;

não pode ser uma dádiva de poderes públicos, políticos, nem mesmo de

educadores, mas sim da vontade de um grupo de resolver problemas de

interesse coletivos;

deve estar sob a coordenação de alguém com experiência de trabalho social ou

animação cultural.

É certo que algumas das concepções acima sobre as bibliotecas comunitárias foram

reformuladas de maneira relevante, pois o contexto citado remete ao final da década de 1980

onde o tema estava em constante mudança devido às novas expressões sociais e políticas da

sociedade brasileira.

No cenário atual, a biblioteca comunitária pode ser entendida como um ambiente

informacional criado com a participação ativa de pessoas de uma comunidade local, com o

sentido de desenvolver ações sócio-educativas de inclusão social pela leitura, alfabetização,

informática, atividades de recreação, lazer, formação cultural e cidadania.

A colaboração de entidades das esferas públicas e privadas, assim como do terceiro setor

são importantes para a manutenção desses espaços, desde que a essência das atividades

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desenvolvidas sejam discutidas e construídas democraticamente com a comunidade local, sem

imposição e troca de favores por ambas as partes.

Como se vê o tema é relevante e essa é a razão da pesquisa Ciranda de leitura: espaços,

(im)pactos, desejos e carências na perspectivas da inclusão social estudar o assunto para propor

intervenção como suporte teórico.

4.1 ECOLOGIA DA INFORMAÇÃO NAS BIBLIOTECAS COMUNITÁRIAS DE SALVADOR

Ao entrarmos no universo da biblioteca comunitária percebemos a real possibilidade de

novas leituras do mundo em que vivemos. A identidade social do leitor que interage com a sua

comunidade e que dela participa ultrapassa qualquer barreira que o prenda a antigos laços de

exclusão social. Os “muros” que impedem o acesso à informação nesse contexto se transformam

em degraus para outras realidades que o leitor há de descobrir e transformar na medida em que o

mesmo busque agir coletivamente.

É oportuno relatar que não é somente desses espaços a responsabilidade de, a partir da

problemática vivenciada transformar a realidade mas entendemos que esses exemplos são

consideráveis no apoio a formação crítica de leitores dentro de suas comunidades, e que sem

esses ambientes, pouco é feito pelos órgãos públicos para modificar essa carência de formação de

leitores nesses bairros.

As bibliotecas comunitárias de Salvador analisadas neste estudo desenvolvem diversas

ações para modificar o quadro histórico de uma educação fragilizada pela falta de leitura, dentre

outras carências.

BIBLIOTECA COMUNITÁRIA DO CALABAR

As estratégias desenvolvidas são contação de histórias, dramatização, teatro de bonecos,

exibição de filmes infantis, leitura de contos, poesias e outras manifestações culturais.

Em relação à observação in loco, constatou-se que o público alvo da biblioteca é de

crianças, adolescentes, jovens e adultos, que utilizam o espaço para leitura de livros infantis,

literatura em geral, revistas, jornais, desenhos, pinturas, leitura de imagens (filmes), peças

teatrais, pesquisa para trabalhos escolares além de oferecer empréstimo de livros.

Page 12: Ecologia da informação nas bibliotecas comunitárias do Salvador

BIBLIOTECA COMUNITÁRIA PAULO FREIRE (SOFIA CENTRO DE ESTUDOS)

Para atrair os leitores à biblioteca são desenvolvidas algumas estratégias de leitura como a

hora do conto, clube de leitura e programação anual que envolvem as crianças da comunidade,

das escolas e da creche.

A hora do conto é uma atividade do Programa Virando a Página realizada quinzenalmente

com a finalidade de estimular crianças a ler, escrever, escutar e expressar-se tendo por objetivos:

incentivar o hábito da leitura a partir da contação de história, realizar leituras coletivas,

proporcionar integração dos usuários, incentivar a escrita e o diálogo e aproximar o livro da vida

das crianças.

O Clube da Leitura é uma estratégia direcionada aos adolescentes. O programa anual para

2009 da biblioteca consta de onze blocos sendo distribuídos da seguinte forma:

Bloco I - Leitura e Arte nas férias, que acontece nos meses de janeiro e fevereiro. As

atividades desenvolvidas são brincando com as cores, carnaval da bicharada e as brincadeiras

corrida de limão, cantigas de roda, rabo do burro, três - três passarão, boca de forno, dança das

cadeiras entre outras.

Bloco II - Poesia e Literatura. Acontece no mês de março e enfatiza a leitura de poesias de

Maria da Graça Almeida e José Paulo Paes.

Bloco III - O mundo de fantasias de Monteiro Lobato que ocorre no mês abril em

comemoração ao Dia Nacional do Livro Infantil e aniversário de Monteiro Lobato com conto das

Histórias de Monteiro Lobato e como atividade a Visita ao Mundo Encantado do “Sítio do Pica-

Pau Amarelo”.

Bloco IV - Aniversário do Sofia tendo por objetivo comemorar o aniversário da

Biblioteca Paulo Freire (Sofia Centro de Estudos) que acontece em maio. Tem como atividades a

leitura de literatura infantil, exibição de filmes infantis e pinturas dos clássicos.

Bloco V - Educação Ambiental, desenvolve-se no mês de junho com atividades relativas

ao tema.

Bloco VI - Quer ser meu amigo? Busca incentivar a amizade e solidariedade entre as

crianças e difundir esse sentimento como um valor a ser cultivado. Acontece no mês de julho.

Page 13: Ecologia da informação nas bibliotecas comunitárias do Salvador

Bloco VII - Folclore e Literatura, acontece em agosto e busca valorizar a cultura popular

brasileira e tem como atividade a leitura das lendas populares.

Bloco VIII - Primavera Literária, ocorre em setembro e tem como objetivos incentivar a

preservação do meio ambiente, estimular o respeito às diferenças. As atividades são a leitura do

livro “O Patinho feio” e a leitura do livro “A Floresta Poluída” de Maria Auxiliadora Moreira

Duarte.

Bloco IX - Semana da Criança tem como objetivos comemorar o Dia das Crianças, o Dia

Nacional da Leitura, incentivar a práticas de higiene, divulgar os direitos das crianças e estimular

a leitura de obras clássicas. As atividades são: leitura de “O Menino Maluquinho e o Estatuto da

Criança e do Adolescente”, leitura coletiva, construção de brinquedos criativos e leitura de livros

da coleção “Cuidando do Corpo”, de Gina Borges.

Bloco X - Cultura Afro e Literatura comemorando o Dia Nacional da Consciência Negra e

difundir a literatura de matriz africana. Acontece em novembro e tem como atividades leitura de

contos africanos e oficina de percussão.

Bloco XI - Clássicos Natalinos. Tem como objetivos celebrar o espírito natalino através

do estímulo à amizade e a solidariedade e incentivar a leitura de livros religiosos. As atividades

são leituras de contos bíblicos e peça teatral do Nascimento de Jesus.

BIBLIOTECA COMUNITÁRIA SETE DE ABRIL (ASSOCIAÇÃO CULTURAL UGO MEREGALI)

As estratégias de leitura da biblioteca incluem o Projeto de Leitura nas Férias, atividades

de teatro de bonecos, contação de histórias, leitura de poesias, poemas e contos e outras

atividades.

De acordo com a observação in loco a predominância é de crianças em fase escolar que

utilizam o espaço da biblioteca principalmente para trabalhos solicitados pelos professores o que

demonstra a deficiência ou ausência de bibliotecas escolares. Em relação aos adultos, geralmente,

são mães que estudam à noite e utilizam o espaço para consulta e empréstimo de livros de

literatura e outros assuntos.

Page 14: Ecologia da informação nas bibliotecas comunitárias do Salvador

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As bibliotecas comunitárias, como parte integrante da rede social pela leitura, merecem,

por parte do pesquisador e do profissional bibliotecário, um enfoque diferencial de observação e,

para isso, analisamos a temática desses ambientes na perspectiva da teoria da ecologia da

informação desenvolvida por Davenport (1998), na qual o autor apresenta um modelo holístico,

em que todas as partes do ambiente são analisadas e relacionadas tendo em vista a gestão e

mediação de informação nos moldes da realidade da comunidade.

Em uma abordagem da ecologia da informação nos ambientes das bibliotecas

comunitárias devem-se considerar os diversos tipos de informação que circulam nesses ambientes

e reconhecer que estes sofrem influências de fatores internos e externos, e que necessitam de

mudanças e inovações contínuas para manter a integração social. Neste sentido, a ênfase no

comportamento pessoal e coletivo é um dos fatores essenciais para o sucesso de ações e

estratégias desenvolvidas para a coletividade.

Nessa direção, a pesquisa Ciranda de Leitura: espaços, (im)pactos, desejos e carências na

perspectiva da inclusão social, com base no aprofundamento teórico e no estudo de campo,

verifica as formas e o fluxo da leitura, o impacto desse processo sobre os leitores nas bibliotecas,

mostrando pelos resultados parciais da pesquisa, a importância destes espaços para a sociedade,

para propor, se necessário, uma intervenção que conduza a uma prática mais afinada com o

acesso e uso da informação e a leitura como forma de desenvolvimento individual e da

coletividade na direção da inclusão social.

Page 15: Ecologia da informação nas bibliotecas comunitárias do Salvador

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