Economia Da Cultura e Os Equipamentos Culturais - Leandro Valiati

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Esse artigo tem por objetivo compreender, em sentido amplo, à luz da economia da cultura e da sociologia do território, de que forma a expressão de valor simbólico, apropriado pela instalação de bens e equipamentos culturais nos centros urbanos, interfere no bem-estar dos agentes econômicos. Em um segundo momento, como expressão instrumental da economia da cultura na cidade, enquanto caso particular, aplicaremos o método chamado valoração contingente, como mecanismo de compreensão dessa valoração subliminar associada um equipamento cultural do centro da cidade de Porto Alegre. Os resultados dessa análise podem ser úteis ao fornecerem dados objetivos para instrumentalizar certas políticas de planejamento para os bens urbano-culturais, com base na expressão dos agentes que os praticam.

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  • ECONOMIA DA CULTURA E OS EQUIPAMENTOS CULTURAIS: A

    VALORAO SIMBLICA COMO DETERMINANTE DE POLTICAS

    PBLICAS PARA OS CENTROS URBANOS.

    Autores: Luana Priscila Betti1

    Leandro Valiati2

    RESUMO

    Esse artigo tem por objetivo compreender, em sentido amplo, luz da economia da

    cultura e da sociologia do territrio, de que forma a expresso de valor simblico,

    apropriado pela instalao de bens e equipamentos culturais nos centros urbanos,

    interfere no bem-estar dos agentes econmicos. Em um segundo momento, como

    expresso instrumental da economia da cultura na cidade, enquanto caso particular,

    aplicaremos o mtodo chamado valorao contingente, como mecanismo de

    compreenso dessa valorao subliminar associada um equipamento cultural do centro

    da cidade de Porto Alegre. Os resultados dessa anlise podem ser teis ao fornecerem

    dados objetivos para instrumentalizar certas polticas de planejamento para os bens

    urbano-culturais, com base na expresso dos agentes que os praticam.

    Palavras-chave: Centros urbanos, economia, cultura.

    1. Economia, Cultura, Territrio e Valor Simblico

    Praticado, sociabilizado e identificado. a forma natural com que se apresenta o

    centro da cidade, sobretudo quando pensamos nos agentes que se utilizam desse espao,

    que referencialmente de todos, patrimnio inegvel do tecido urbano de uma cidade.

    Agentes de todas as classes o praticam, seja como lugar de passagem, lugar de trabalho,

    lugar de consumo, eixo de deslocamento para outros bairros, local de prticas sociais.

    Particularmente, esses agentes tm no centro referncias importantes, que orientam a

    sua percepo de forma ampla, permitindo a prtica desse espao. Essas referncias

    podem ter origens econmicas e simblicas, que contribuem para a construo de

    acumulaes materiais e simblicas que, antes de tudo, so fruto de uma identificao

    com o local e com o que ele representa. O recorte que esse estudo prope nesse aspecto

    especfico que essa prtica do espao por agentes variados, de diversas origens em

    termos de classes sociais, facilitada nos centros renovados pelo consumo e prticas

    culturais, sobretudo por elementos simblicos que promovem essa integrao (que

    1 Graduanda em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail:

    [email protected]. 2 Economista, Mestre, Doutorando em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-

    mail: [email protected].

  • inclusive, podem ser apropriados economicamente, de forma multifacetada, por todos

    esses agentes).

    Dessa forma, para capturarmos esse fenmeno, se fazem necessrias interaes

    entre os campos analticos da sociologia do territrio e economia da cultura, em

    perspectiva dos aspectos atinentes formao de valor simblico em funo das

    identidades territoriais a partir de prticas espaciais, interagindo com a chamada

    economia da cultura, por seus aspectos simblicos e materiais.

    Nesse sentido, dado que o espao aludido nesse caso especfico o dos centros

    renovados para o consumo e prticas culturais, a sociologia do territrio tem condies

    de oferecer instrumental terico que dialoga com a economia da cultura, indo ao

    encontro das perspectivas de valorao do imaterial atinentes a este ramo da economia.

    Particularmente, isso se torna vivel quando nos remetemos idia de valorao

    indireta e imaterial, expressas na prtica de espaos e constituio de territrios. Esses

    elementos, por sua vez, so indissociveis das prticas estabelecidas para construo das

    categorias de espao e territrio, na medida em que o valor cultural aparece neste

    trabalho como elemento que, em boa parte, brota da identidade estabelecida a partir das

    prticas para a construo das referidas categorias espaciais.

    Para Haesbaerth (07) a partir da considerao desses elementos relacionais que se

    estabelece o ncleo duro da relao entre identidade e territrio. Isso, ao considerarmos

    as aplicaes do termo afetas Geografia Cultural e Economia Regional. Se, a partir

    desses campos de estudo, o conceito de territrio aparece como uma dimenso do

    espao geogrfico, capaz de apreender a dimenso poltica e de relaes de poder,

    tambm o territrio poltico passa pelos conceitos de regio, paisagem e, sobretudo,

    lugar.

    As questes econmicas apropriam o conceito de lugar fundamentalmente a partir

    de trs elementos trazidos por Castello (07): i. o lugar como expresso de arranjos

    motivados pelo mercado imobilirio; ii.3 a converso do lugar em mercadoria

    (commodities) e iii. o lugar como estratgia de marketing no chamado turismo cultural.

    De acordo com Fainstein (01), muitos valores associados a lugares de memria

    tambm se associam ao que pode ser tratado como economia do lugar, em que certos

    arranjos locacionais caracterizam-se pelo valor econmico. Essa autora promoveu um

    amplo estudo sobre a exploso dos mercados imobilirios de Nova Iorque e Londres no

    incio da dcada de 80i, que precisou ter seus fatos geradores revistos, tendo em vista a

    3 Economista, Mestre e Doutorando Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

  • recesso ocorrida pouco tempo depois. O que fica como marca dessa observao e que

    aps o perodo em que o capitalismo financeiro aparecia como responsvel pelo empuxo

    dessa expanso imobiliria, a prpria demanda aparece como elemento fundamental

    quando este perde protagonismo. Para a autora h fatores econmicos, polticos,

    tecnolgicos e culturais que influenciaram a os investidores a tomar decises. Decises

    essas que alteraram definitivamente o perfil dessas cidades.

    Nesse sentido, para Fainstein (02), o lugar partindo da economia componente

    fundamental para o bem-estar (a partir da conceituao econmica deste), pois:

    (a) prov uma base para a congregao humana

    (b) localiza o desenvolvimento econmico e o consumo

    (c) o lcus da representao poltica

    (d) o palco onde as polticas pblicas atuam sobre as pessoas

    O lugar, nesse sentido, tem papel elementar no bem-estar econmico,

    expediente que fortalecido quando no processo de formao de commodities a partir

    da apropriao de valores culturais, dada a presena de aspectos como externalidades e

    valoraes tpicas da ocorrncia de bens de mrito.

    De outra forma, a partir de um espectro material, atribuindo novo sentido ao

    conceito original de lugar, Castello trata o mesmo de forma mais ligada a fatores tpicos

    da economia: lugar como componente do mercado imobilirio; lugar como objeto de

    valor de troca (commodity); lugar como estratgia de marketing no desenvolvimento do

    turismo cultural. Esses componentes, ao serem aprofundados, podem orientar o

    condicionamento econmico da formao do lugar.

    Neste sentido, em pesquisa sobre os estmulos percebidos na rea central de

    Porto Alegre, Castello (07) indica:

    Ali [na rea central], o quadro urbano suporte, mais do que em

    qualquer outra parte da cidade, de acumulaes de todo o tipo fsicas, sociais

    e simblicas. Na verdade, a rea mais rica em significado histrico-cultural,

    pois nela esto contidas as imagens de todos os diferentes tempos da cidade, o

    registro da memria informativa acumulada da prpria existncia da cidade e

    imersos no multifacetado contexto da rea central os novos estmulos

    atuais.... (Castello, 07, p 159)

    A pesquisa apura um repertrio de elementos referencias do centro da cidade

    em dois momentos distintos (1985 e 1995), com resultados de relevncia para o assunto

    aqui abordado. A apurao de 1985 (logo, prvia ao processo de instalao dos

  • equipamentos culturais aqui referidos) prope a seguinte questo: Cite, agora, alguns

    lugares ou prdios que lhe vem cabea quando se fala em centro de Porto Alegre. A

    tabela abaixo reproduzida e o traz constatao de relevncia a este estudo, na medida

    em que os prdios histricos que foram convertidos em equipamentos culturais ou

    restaurados para esse fim - na dcada de 90, so citados como elementos referenciais da

    cidade. uma legitimao identitria que seguramente trasbordou seu sentido para os

    equipamentos culturais, em um trnsito da relao de pertencimento que migra do que

    era comercial, fiscal, financeiro, para o que produz bens e servios culturais. Para as

    correlaes aqui levantadas, a pesquisa profcua em estabelecer o nexo identitrio

    entre os habitantes da cidade e os elementos aqui levantados, principalmente no que diz

    respeito sua funo prvia ao estabelecimento do entorno cultural. Abaixo segue

    reproduo da tabela:

    Elementos que mais lembram o centro de Porto Alegre (1985)

    Elementos mais citados N

    citaes

    Elementos mais citados N citaes

    1 Mercado 54 18 Casas Masson 9

    2 Praa da Alfndega 46 19 Lojas Renner 9

    3 Rua da Praia 44 20 Chal da Praa XV 8

    4 Prefeitura 32 21 Praa Montevidu 8

    5 Praa da Matriz 21 22 Santa Casa de Misericrdia 8

    6 Catedral Metropolitana 20 23 Viaduto Otvio Rocha 7

    7 Praa XV 17 24 Rua Voluntrios da Ptria 7

    8 MARGS 15 25 Palcio da Justia 6

    9 Correio Velho 15 26 Livraria do Globo 6

    10 Lojas Americanas 15 27 Galeria Chaves 6

    11 Avenida Borges 15 28 Antigo Hotel Majestic 6

    12 Palcio do Governo 12 29 Edifcio da CRT 6

    13 Teatro So Pedro 12 30 Banco do Brasil 5

    14 Edifcio SULACAP 11 31 Calado da Rua da Praia 5

    15 Correio Novo 9 32 Lojas Mesbla 5

    16 Galeria Malcon 9 33 Ant. Usina do Gasmetro 5

    17 Edifcio Santa Cruz 9 34 Avenida Salgado Filho 5

    Tabela 1. In Castello (07), pg. 157/158

  • Um elemento importante o fato de que, ainda que a maioria desses prdios seja

    de propriedade privada, so percebidos como pblicos e, a maior parte dos prdios

    convertidos em equipamentos culturais aqui estudados teve referncias estabelecidas

    Essa relao identitria expressa nos indica que algo de referencial incorpora-se

    nestas aes, na medida em que o imaginrio prvio aos prdios que deram origem aos

    equipamentos culturais presentes no centro de Porto Alegre fato de clara percepo.

    As citaes do conta de que h um forte vnculo dos mesmos com a forma a partir da

    qual os agentes entendem o centro da cidade, o que legitima inclusive as tticas de

    apropriao desse espao via aes culturais que, de certa forma, associam-se aos

    aparelhos culturais e, por conseguinte, ao centro.

    Nesse sentido, abaixo reproduzimos tabela comparativa:

    Comparao entre os lugares de referncia

    Elementos que lembram o centro de

    Porto Alegre (1985)

    % O que mostrar a um conhecido (1995) %

    Rua da Praia:

    Comeo (quartis; ponta do Gasmetro);

    parte antiga; calado; Galeria Chaves;

    esquina democrtica; hotel Majestic; lojas

    Americanas.

    29,5% Praa da Matriz e entorno:

    Assemblia Legislativa; Biblioteca; Catedral

    Metropolitana; Theatro So Pedro; Palcio

    Piratini; Solar dos Cmara.

    14,6%

    Praa da Matriz e entorno:

    Assemblia Legislativa; Biblioteca;

    Catedral Metropolitana; Theatro So Pedro;

    Palcio Piratini; museu Julio de Castilhos;

    rua Duque de Caxias

    20.5%

    Mercado Pblico:

    Chal da Praa XV; Praa Montevidu; Largo

    Glnio Peres; Banca 40; Prefeitura Velha;

    pombas na frente da prefeitura

    12,5%

    Praa da Alfndega

    MARGS, edifcios antigos

    17,0% Casa de Cultura Mrio Quintana 11,9%

    Nada 6% Usina do Gasmetro e arredores 11,7%

    Analisando o exposto, h claras externalidades positivas das prticas culturais no

    centro de Porto Alegre quando percebemos o protagonismo dos aspectos culturais nessa

    anlise de referncias. Particularmente, h uma clara permanncia entre as pesquisas

    dos equipamentos urbanos que aqui estudamos enquanto parte do processo de

    reabilitao do centro, promovendo a formao de estoques intertemporais de capital

    cultural.

  • 2. O mtodo de valorao contingente, valor simblico e a Economia Urbana

    Alguns mtodos vm sido utilizados em trabalhos na rea de Cincias

    Econmicas visando precificar equipamentos urbanos em funo de variveis

    explicativas como sua localizao relativaii, seu tamanho em m, e at mesmo de

    variveis que capturem a presena de externalidades iii

    .

    Uma forma de valorao a Teoria da Localizao Residencial, usada na

    Economia Urbana, a qual trata a cidade como um produto de mercado(

    Abramo,2001). Esse modelo da Escolha Residencial parte das contribuies de

    (Wingo,1961) e (Muth,1985) e conceitua que a deciso dos indivduos quanto escolha

    de sua morada se d em termos de maximizao de utilidade, isto , o indivduo tido

    como agente econmico racional que visa maximizar seu bem-estar quando opta por sua

    residncia. Em outras palavras, podemos dizer que as pessoas escolhem uma

    combinao tima; menor distncia at o Centro da cidade com o menor nvel de

    criminalidade e maior tamanho em m, sujeito restrio oramentria. A funo de

    utilidade tida, formalmente como

    onde,

    z: representa todos os bens que no pertencem dimenso residencial, mas compem a

    cesta de consumo do indivduo;

    q: representa a superfcie de terreno ocupada;

    t: diz-se a distncia do domiclio ao Centro da cidade.

    A Teoria da Localizao Residencial, entretanto, falha ao no incluir como

    variveis decisrias as externalidades que compem o ambiente onde se dar a locao

    do terreno. Por isso, tornou-se usual incluir o Modelo de Preos Hednicos formalizado

    por (Rosen,1974), o qual consiste em definir um bem como heterogneo. Assim, o bem,

    em si, no produz utilidade ao consumidor; ele possui caractersticas (mais de uma), e

    essas caractersticas fazem surgir a utilidade. Podemos fazer a relao deste mtodo

    com Economia Urbana usando o preo dos imveis como bem heterogneo, composto

    por n-variveis, fatores estruturais de seus apartamentos- podendo estes ser expressos

    em termos de m ou nmero de quartos (S)-, de sua acessibilidade ao CBD (A) e de

    alguns fatores ambientais que so relativos regio R onde o imvel se encontra (E).

    Mais especificamente temos:

  • sendo i os respectivos coeficientes( parmetros)iv.

    Embora este mtodo seja capaz de capturar algumas amenidades urbanas,

    certas externalidades no tm seu valor includo nesta anlise. o caso do valor

    simblico, que se faz presente ao estudar bens culturais- mais especificamente

    patrimnio cultural e/ou histrico no mbito urbano. Para conseguirmos valorar aqueles

    componentes do tecido urbano dotados de valor cultural utilizaremos, portanto, o

    Mtodo de Valorao Contingente (MVC) a ser apresentado na prxima seo.

    2.1 O Mtodo de Valorao Contingente

    O paradigma econmico neoclssico, vigente na Cincia Econmica atual,

    pressupe que, uma vez que os bens disponveis para consumo na sociedade so finitos

    e escassos, cabe ao indivduo fazer escolhas racionais que lhe tragam benefcios. Isto ,

    tendo uma restrio oramentria, o indivduo tem de optar por quais bens consumir,

    dentre uma cesta ofertada, a fim de maximizar seu nvel de bem-estar (utilidade).

    Essa anlise operacionalizada em funo do preo de cada bem e da utilidade

    que lhe conferido particularmente; i.e., se a utilidade que este tem ao indivduo for

    maior que seu preo, ele optar por consumi-lo. Em termos de bens privados, esse preo

    aquele de mercado, onde demandantes e ofertantes determinam o preo de equilbrio

    de seu mercado particular. J os bens pblicosv, que o caso de equipamentos urbanos

    que detm alguma capacidade identitria, no possuem um mercado prprio que os

    transacione (e, portanto, dele no se podem derivar preo ou quantidade de equilbrio),

    por isso seu valor a cada pessoa- e, portanto, seu valor agregado a sociedade-

    desconhecido. Esse valor vem a ser importante para que polticas pblicas sejam

    eficientes ao moldar o tecido urbano mantendo o sentido econmico, dado que os

    recursos pblicos tambm so escassos e se faz necessrio que a gesto os empregue de

    maneira eficiente.

    Alm disso, ao tratarmos diretamente de bens culturais, temos de considerar que

    estes, segundo Throsby(2001), so dotados tanto de valor cultural quanto de valor

    econmico. Esse ltimo pode ser analisado simplesmente em funo de uma quantia

    monetria, j o valor cultural ... parte de um sistema de idias, crenas e tradies de

    um grupo e que faz com que cada indivduo componente obtenha uma satisfao ao

    possuir um grau de identidade com seus companheiros. (Florissi e Valiati, 2005).

    Por todas essas especificidades que so apresentadas e por se tratar de bens que

    no so transacionados em mercadovi, faz-se necessrio, ao analisar equipamentos

  • urbanos, o uso de um mtodo que nos disponha de algum artifcio para estimar seus

    valores. Tal metodologia deve ser capaz de mensurar tanto valores econmicos da

    amenidade quanto aqueles que lhe so intrnsecos ( esses detm a identidade histrica

    e/ou cultural de um grupo ou suas crenas religiosas,...). A Economia do Meio

    Ambiente- para valorar certos atributos da natureza como qualidade da gua, poluio

    do ar,... - vem fazendo uso de Valorao Contingente que consiste na criao de um

    mercado hipottico que seja capaz de transacionar uma amenidade ambiental.

    O Mtodo de Valorao Contingente (MVC) supe o mesmo critrio

    neoclssico: os indivduos so aqueles que melhor julgam seus prprios bem-estares. E

    mais, os consumidores tm preferncias bem definidas por bens pblicos e sua demanda

    pode ser mensurada como a quantidade de outras mercadorias ordinrias que eles esto

    dispostos a dispensar para que possam consumir uma unidade do bem em questovii

    . O

    MVC nos permite criar um mercado hipottico, onde os indivduos possam revelar sua

    preferncia pelo bem estudado. Isso feito atravs do conceito econmico de Diposio

    a Pagar (DAC)viii

    , ou seja, o nvel de bem-estar dado pela mxima quantia monetria

    que o consumidor est disposto a pagar pela mercadoria em questo. Formalmente,

    ainda podemos conceituar a DAP como o montante a ser retirado da renda(Y) para que

    a funo de utilidade do indivduo permanea constante,

    onde v representa a funo utilidade indireta; P, o vetor preos e , nveis de

    quantidade ou qualidade do bem.

    O valor capturado pelo MVC, segundo Pearce e Turner (1991), agrega tanto o

    valor de uso quanto o valor de no-usoix do bem ou servio ambiental. O primeiro

    consiste na utilidade que a amenidade ambiental pode gerar ao indivduo pelo seu uso

    direto; o segundo aquele valor que representa uma caracterstica inerente do bem, que

    independe de seu consumo efetivo. Randall(1980) estressa mais esses ltimos conceitos

    para a sua subdiviso em:

    (i) Option Value

    (ii) Quase-option value

    (iii) Existence value

    (iv) Vicarious use;x

    Sua operacionalizao consiste em aplicar surveys que recriem a uma amostra

    populacional apropriada um mercado hipottico o qual seja capaz de transacionar o

    Valor Econmico Total do bem pblico. Tais perguntas devem, portanto, ser capazes de

  • captar a mxima quantia monetria que cada indivduo est disposto a pagar

    (Disposio a Pagar - DAP) xi para que uma melhoria ambiental seja implementada, ou

    mesmo para que se d a conservao de um stio histrico/cultural.

    No domnio da Economia do Meio Ambiente pode-se utilizar de tal mtodo para

    analisar questes do tipo Quanto voc estaria disposto a pagar para preservar uma

    reserva ecolgica ou um recurso natural?; no caso da Economia da Cultura, por

    exemplo, podemos articular com: Quanto voc estaria disposto a aceitar de

    compensao para no usufruir de um bem cultural? xii.

    Mitchell e Carson (1989) propem que um cenrio para pesquisa de valorao

    contingente deve ser composto por trs elementos:

    (i) descrio detalhada de bens e servios dentre os quais o entrevistado

    deve escolher

    (ii) perguntas que devem estimar o valor atribudo pelo indivduo ao bem em

    questo

    (iii) caractersticas socioeconmicas referentes ao entrevistado.

    .

    3. Aplicao do CVM Casa de Cultura Mrio Quintana

    Inicialmente sob a condio de Hotel Majestic, institudo em 1923, a atual Casa

    de Cultura Mrio Quintana (CCMQ) hoje um importante cenrio para a atividade

    artstica de Porto Alegre e do estado do RS. Detentora de um grande acervo fixo em

    obras de arte, a Casa foi aberta em setembro de 1990, aps um longo perodo de

    reformas sobre o prdio do antigo hotel posto venda em 1980. Tal esforo do governo

    estatal foi feito para que se mantivesse o patrimnio cultural, aludido pela populao, o

    qual o Hotel Majestic e seu estoque de valor histrico representavam para a cidade. O

    Majestic foi, em 1983,ento arrolado prdio de valor histrico e iniciou-se sua

    transformao em Casa de Cultura, batizada em homenagem ao poeta Mrio Quintana

    (antigo hspede do Hotel).

    Por ser um dos expoentes do Corredor Cultural situado no Centro Histrico de

    Porto Alegre, a CCMQ foi tomada como nosso objeto de anlise, uma vez que abriga

    uma grande diversidade de atividades culturais- e, portanto, de pblico.

    Foram aplicados questionrios (disponveis em anexo) a duas amostras de

    freqentadores da CCMQ em dois perodos de tempo distintos, totalizando 108

    respostas vlidas, onde a pergunta decisria ( parte das condies socioeconmicas dos

    entrevistados) foi a seguinte:

  • Suponha que a Casa de Cultura Mrio Quintana no fosse mais financiada,

    quanto voc estaria disposto a pagar mensalmente para manter essa instituio

    em funcionamento? ( sem incluir o preo do ingresso a pagar por

    atividade).

    Estes surveys foram elaborados segundo duas variantes do Modelo de Valorao

    Contingente: Open Ended e Cartes de Pagamento. A metodologia open-ended se

    constitui em perguntar ao indivduo sem nenhuma restrio algo da forma: Quanto

    voc estaria disposto a pagar para tal melhoria ambiental? e considerar esse valor como

    sendo sua medida direta de bem-estar. Esse tipo de pesquisa encontra muitas limitaes,

    pois ao se deparar com a questo em aberto, o entrevistado no tem referncia alguma

    de valor e acaba, por muitas vezes, concedendo respostas improvveis. Por esta razo

    (espectro de resposta muito amplo, concedeu desvio padro muito elevado), optamos

    pela variante Cartes de Pagamento.

    Hanley e Spash(1993) citam o mtodo Payment Cards, o qual consiste em

    apresentar opes pr estabelecidas de valores( ou intervalos de valores) a serem

    escolhidas pelos entrevistados. Esta metodologia supera em termos operacionais o open

    ended na medida que mantm os valores da DAP em um nvel concentrado e

    racionalmente aceitvel- uma vez que feito uma pesquisa piloto para determinar qual

    espectro compor as alternativas nos cartes de pagamento. O bias que pode surgir se

    encontra justamente na pesquisa piloto, a qual tem possibilidades de estar enviesada,

    gerando uma distoro na pesquisa final, ao impor um vis na escolha dos entrevistados.

    Assim, vale considerar alguns resultados acerca das variveis socioeconmicas da

    amostra como a mdia de idade dos freqentadores da CCMQ ficou em 39,05 anos.

    Uma provvel razo por este perfil reside no fato de ser concedidos amplos descontos

    nos preos das atividades culturais para pblico idoso (tornando-se um incentivo

    freqncia de pessoas idosas). A amostra de 108 indivduos teve uma composio

    assimtrica na quantidade de homens (41%) e mulheres (59%) entrevistados

    Tem-se abaixo detalhado a DAP mdia registrada atravs do MVC com a

    variante Cartes de Pagamentosxiii

    relacionada com suas respectivas quantidades

    observadas durante os questionrios e suas representatividades frente ao total de

    amostras (n=108):

  • Tabela 2. Distribuio DAP em (%). FONTE: Elaborao Prpria

    DAP

    Quantidades

    Observadas %

    R$ - 11 10,19%

    R$ 0,60 8 7,41%

    R$ 0,85 7 6,48%

    R$ 1,50 14 12,96%

    R$ 3,50 19 17,59%

    R$ 6,00 5 4,63%

    R$ 7,50 16 14,81%

    R$ 8,50 8 7,41%

    R$ 12,50 6 5,56%

    R$ 15,00 9 8,33%

    R$ 17,50 2 1,85%

    R$ 20,00 3 2,78%

    Total geral 108 100,00%

    A Disposio a Pagar mdia desta amostra com 108 indivduos, que pode ser

    calculada como uma mdia ponderada em cima das observaes na Tabela 1, foi de

    R$5,75. O grfico 2 demonstra melhor a relao entre o percentual de pessoas e sua

    DAP respondida:

    Figura 1. Grfico da Distribuio da DAP. FONTE: Elaborao Prpria

    Com o grfico 2, podemos ver que existe uma grande expresso nos valores da

    DAP que variam no intervalo [R$1,50;R$7,50], o que sugere que o valor da DAP mdia

    esteja contido em tal intervalo. Assim, temos que o valor pr-estabelecido de maior

  • expresso foi o de R$3,50 (representando 17,59% da amostra), seguido daquele de

    R$7,50( representando 14,81% da amostra). Realmente, uma vez que o valor estimado

    da DAP foi de R$5,75, vemos que este se encontra entre os picos de representatividade

    do grfico.

    4. Consideraes finais

    Uma vez que a pergunta decisria utilizada no Mtodo de Valorao Contingente

    com a variante Cartes de Pagamento supe um cenrio onde o indivduo pague um

    tributo mensal para manter um equipamento urbano dotado de valor histrico e cultural,

    podemos determinar seu valor total como sendo a Disposio a Pagar estimada vezes o

    nmero de freqentadores da Casa de Cultura Mrio Quintana. Dado que o nmero de

    visitantes da CCMQ no ano de 2007 foi estimado em um total de 345.361 pessoas (dado

    oficial da instituio), temos que o valor total, seguindo nosso estudo, gerado pelo

    equipamento urbano e cultural de R$1.991.575,75 mensais (ou de R$2.389.893,00

    acumulado ao ano).

    Isto significa dizer que, cada pessoa que freqenta a CCMQ, ou seja, cada uma

    das pessoas que tem conhecimentos acerca das atividades da instituio, estaria disposta

    a pagar R$69,00 anualmente para manter a instituio em funcionamento em caso desta

    no ser mais financiada pela Secretaria Estadual de Cultura. Este valor, se multiplicado

    pela populao de freqentadores, supera o custo de manuteno da Casa, o que

    justifica o investimento por parte do Estado no mbito de fornecer este bem sociedade

    (bem de mrito).

    Tido isto como verdadeiro, podemos dialogar acerca de como tal valorao pode

    ser relevante a decises de polticas pblicas. Alm de poder tornar polticas de

    fomento cultura eficientes, uma vez que concede ao governante o conhecimento sobre

    as preferncias de uma populao, a valorao de bens pblicos tem uma implicao

    direta economia urbana, no sentido de gerenciar a composio do tecido urbano. Isto

    , uma vez que o valor total concedido a um bem pblico leva em considerao os

    valores identitrios agregados a ele, temos um instrumento de polticas pblicas que

    otimiza a formao de lugares e espaos.

  • REFERNCIAS

    ABRAMO, Pedro. Mercado e Ordem Urbana: do caos Teoria da Localizao

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    i Tpica da excepcional expanso do capitalismo financeiro, sendo que o caso de NY ser mais fortemente abordado no terceiro captulo dessa dissertao ii Distncia da propriedade ao CBD (Center Business District) iii Nvel de criminalidade, arborizao da regio,... iv Uma vez que necessrio estimar os parmetros de cada varivel explicativa( i.e., necessrio determinar quanto cada varivel influi no preo do bem final), temos de utilizar a metodologia

  • economtrica de regresso( e suas variantes);e,como os dados so amostrais, temos de considerar a varivel estocstica, pois a equao uma estimativa: P( s, e, a) = 0 + 1S + 2E + 3A + u v Segundo Pyndick e Rubinfeld(1994) um bem dito pblico se atende s caractersticas de no-rivalidade e no-exclusividade, i.e., denominado no-rival quando, para qualquer nvel especfico de produo, o custo marginal da sua produo zero para um consumidor adicional e no-exclusivo quando as pessoas no podem ser excludas do seu consumo. vi O conceito de mercado pode ser tido como um loccus aonde se tem presente tanto consumidores quanto produtores do bem em questo. vii

    Esse conceito tido formalmente em Economia com Taxa Marginal de Substituio (TMS) de um bem por outro. viii

    Pode-se tambm obter dos questionrios a Disposio a Receber Compensao (DAC), a qual representa o montante que uma pessoa estaria disposta a receber para, por exemplo, no usufruir de um bem pblico. Matematicamente, temos: ix Tambm encontrado na literatura com valor intrnseco ou de existncia.

    x Ver ODoherty(1998) e Randall(1991). xi Pode-se tambm criar surveys que tenham como resultado a Disposio a Aceitar Compensao(DAC), ou seja, o indivduo deve responder qual o mximo valor est disposto a receber para no ter um certo incremento ambiental. Willig(1976) e Mitchell e Carson(1989) argumentam que a diferena entre a mensurao atravs da DAP e DAC mnima, embora o mtodo DAP seja superior em um maior nmero de experimentos. Para mais detalhes ver ODoherty(1998). xii Propomos o uso da metodologia Disposio a Aceitar Compensao-DAC nesse exemplo.