Economia solidária como formas alternativas de economia

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Universidade de Coimbra Mestrado em Intervenção Social, Inovação e Empreendedorismo O cooperativismo como forma alternativa de economia Por Jarbas Felicio Cardoso Ensaio realizado para fins de avaliação na Cadeira de Políticas Sociais e Cidadania, ano Letivo 2015/2016, ministrado pelo Professor Doutor Pedro Hespanha. Dezembro de 2015

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Universidade de Coimbra Mestrado em Intervenção Social, Inovação e Empreendedorismo

O cooperativismo como forma alternativa de

economia

Por

Jarbas Felicio Cardoso

Ensaio realizado para fins de avaliação na Cadeira de Políticas Sociais e Cidadania,

ano Letivo 2015/2016, ministrado pelo Professor Doutor Pedro Hespanha.

Dezembro de 2015

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RESUMO

Esse trabalho tem como fins pedagógico e avaliativo para cadeira de Políticas Sociais e

Cidadania, ministrada pelo Professor Dr. Pedro Hespanha, no mestrado de Intervenção Social,

Inovação e Empreendedorismo, Universidade de Coimbra. Dentro da análise que nos propomos

a realizar será feito uma abordagem sobre modelo alternativo de economia, dentre esses, a

questão da economia social e solidária, através do cooperativismo. Buscaremos abordar o

conceito de economia social e solidária; um breve histórico sobre a origem e constituição do

movimento cooperativo, conceito e atuação; o cooperativismo na atualidade em Portugal e

Brasil, seus desafios quanto a questão de inovação e implementação na forma de sua governança

enquanto alternativa económica; considerações.

1 INTRODUÇÃO

Vivemos em um mundo cada vez mais interligado sob a ótica da economia capitalista, a

qual impera em nosso meio com o apoio de tecnologias, em especial as de comunicação. Nesse

âmbito o cotidiano em si, tanto nos grandes centros como nas mais remotas localidades, a lógica

da economia capitalista procura nos conduzir a um comportamento que privilegia o consumo e o

valor da troca. Nela tudo é visto como mercadoria, desde os meios de produção e distribuição,

sendo todas as transações voltada unicamente à propriedade privada e ao acúmulo de capital.

Esse modelo económico busca ser hegemônico em todos os âmbitos da vida humana, “influindo

nas políticas de estado, industriais, na relação de trabalho, na cultura, na relação com a

natureza,” submetendo tudo à reprodução do capital.

Diante do modelo económico hegemônico atual, são muitos os efeitos negativos que

fazem com que se busque novas alternativas económicas, dentre esses podemos citar a própria

exploração do homem pelo homem, que ocorre atualmente sobre o argumento de promover

maior competição entre os produtos e serviços das empresas, através da redução dos salários dos

trabalhadores; a precarização do trabalho; as crise e a vulnerabilidade económica que ocorrem

ciclicamente as quais acabam por promover a estagnação económica, o desemprego e, de igual

forma, influindo em políticas de austeridade por parte do Estado, as quais muitas vezes resultam

em cortes de recursos financeiros em áreas socias, afetando sempre os mais vulneráveis

economicamente; o uso e consumo desenfreado dos recursos naturais, os quais são limitados,

dentre outros exemplos que aqui poderiam ser citados.

Contrarias a essas lacunas deixadas historicamente tanto por parte do Estado e pelo

Sistema Capitalista (neoliberal mercantil), as quais geram pobreza e exclusão social, é que

surgem novos movimentos, organizações, que almejam uma sociedade mais justa e

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equilibrada economicamente, priorizando de igual forma a promoção humana nos campos da

ética e do político e não meramente o lucro. São instituições e ações que compõem o chamado

Terceiro Setor, ou quando referidas no quesito económico, de Economia Social ou Solidária.

Essas ações alternativas são diversas e muitas vezes até singulares, mas que são expressas em

experiências coletivas de trabalho organizado sob a forma de cooperativas, associações, clubes

de troca, empresas autogestionárias, redes de cooperação, dentre outras. Mesmo plurais, esses

movimentos alternativos à economia capitalista, possuem, ou devem possuir, princípios em

comum que os definem como tais, como o trabalho em cooperação, participação democrática,

responsabilidade de autogestão, solidariedade, respeito a natureza, comércio justo e consumo

solidário.

No campo conceitual esses princípios são consenso entre os estudiosos e teóricos do

tema, de igual forma, é consenso também que esse fenómeno (ou fenómenos) alternativo à

economia hegemónica é constituído de diferentes formas, conceitos e escolas de pensamento

com origens em diferentes países e regiões. Logo a importância em se aprofundar o estudo e

definição dessas experiências alternativas à economia hegemônica, exatamente para desenvolver

propostas que possam ser usadas tanto em escala local, regional, mas também na grande escala,

sendo essa última um dos desafios.

2 O CONCEITO DE ECONOMIA SOCIAL, O CONCEITO DE ECONOMIA

SOLIDÁRIA, OU SERIA ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA?

O uso e definição do conceito de economia social é segundo Manuela Silva (2012), um

debate inacabado e está longe de ser consensual, pois não existe unanimidade acerca da

preferência relativamente à designação considerada mais ajustada, a dificuldade “resulta da

complexidade e da pluralidade de expressão que a economia social pode abranger a respetivas

tradições históricas”. Segundo Silva, em Portugal, o conceito economia social é a definição mais

tradicional e tem o mérito de definir com clareza o perímetro legal deste sector. Ainda para a

pesquisadora a designação economia solidária, preferida por outros pesquisadores, poderá no

futuro ser uma alternativa.

Para Paul Singer (2002) em sua definição de economia solidária, termo em uso no Brasil,

a mesma representa um conjunto de atividades econômicas de produção, distribuição, consumo,

poupança e crédito, organizadas coletivamente de acordo com os princípios da autogestão. Essa

forma de produção visa transformar o trabalho num meio de libertação humana dentro do

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processo de democratização econômica, alternativa à dimensão alienante do modelo de trabalho

assalariado capitalista.

Já para Pedro Hespanha e Luciana Santos (2012), economia solidária é um termo recente

e pouco usado em Portugal, e engloba uma diversidade de atividades económicas, formas de

produzir, trocar e consumir, baseadas em relações de cooperação e em princípios de gestão

democrática. Segundo Hespanha, há uma diferença, não muito clara, entre economia solidária e

economia social, fazendo parte dessa última as instituições juridicamente constituídas, a saber, as

cooperativas, as mutualidades e as associações. As iniciativas mais espontâneas, inovadoras e

democráticas, foram ficando de fora da economia social e, portanto, economia solidária tornou-

se assim a designação comum destas formas emergentes e não enquadráveis institucionalmente

na economia social. Nesse sentido e diante da abordagem que nos propomos neste trabalho,

parece-nos justo usar o conceito Economia Social e Solidária.

3 O COOPERATIVISMO COMO ALTERNATIVA ECONÓMICA

Como visto há diversas formas de expressão e ações da economia social e solidária. Em

nossa análise, a partir de agora, iremos tratar especificamente sobre o cooperativismo, em

sentido lato sensu. Entendemos que o movimento cooperativo, com mais de 200 anos de história,

como veremos mais adiante, continua sendo uma alternativa económica, por vários motivos, os

quais destacamos: primeiro, por todo o seu processo histórico, no qual se constitui dentro do

movimento operário, como uma doutrina opositora ao modelo econômico capitalista que surge

com na Revolução Industrial, no final do Séc. XVIII. Hoje, tal doutrina, com seus princípios e

valores servem como base para novas formas e experiencias de empreendimentos e ações da

economia social e solidária; segundo, em seu quesito económico, pois mesmo recentemente o

setor ter sofrido abalos económicos com a crise financeira que iniciou em 2008, nos EUA, este

mesmo funcionando dentro do sistema capitalista, as estatísticas mostram que o setor apresentou

bons resultados tanto económicos, como na geração de emprego; terceiro, porque o modelo

cooperativista pode ser aplicado em grande escala, tanto na forma da instituição cooperativa,

como também em alianças ou confederações de cooperativas; quarto, pois o mesmo encontra-se

em processo modernização de sua gestão e no fortalecimento de seus princípios e valores,

através do plano de ação, lançado pela Aliança Cooperativa Internacional – ACI, para a chamada

Década Cooperativa, que projeta a visão global do cooperativismo para o ano de 2020; quinto,

somada essa busca de inovação de sua gestão, pode ser incluso a questão do empreendedorismo

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social, o qual com criatividade e inovação e com auxílio de ferramentas de planeamento,

desenvolve formas inovadoras na aplicação do cooperativismo, isso tanto em sua gestão, na

forma de interação com o seu meio, no modelo de produção e atuação, que deve estar, portanto,

voltado para uma intervenção e transformação social.

Cabe observar, citando Singer (2002), que existem dois tipos de cooperativa: de um lado,

a autêntica, que é socialista, igualitária, solidária e democrática, onde a igualdade faz sentido e,

de outro lado, cooperativas de visão essencialmente capitalista, como as agrícolas onde grandes

fazendeiros exploram pequenos proprietários. Salienta-se ainda que no Brasil e na União

Europeia, a legislações do setor cooperativo encontram-se em estudos e reformulação, no Brasil

através do Projeto de Lei nº 3/2007 que está no Congresso, em fase de estudo nas comissões

especiais do Senado, para posterior aprovação. Em Portugal, p. ex., em estudos junto ao grupo

Study Group on European Cooperative Law – SGECOL e via projeto PECOL. Esse último

reúne-se regularmente para debater questões fundamentais, tendências e desenvolvimentos do

direito cooperativo na Europa, através da agenda 2020.

4 A CONSTITUIÇÃO HISTÓRICA DO MOVIMENTO COOPERATIVO

O cooperativismo é um ato que exprime solidariedade e esforço coletivo na realização de

vontades e objetivos em comum das pessoas. Segundo seus pesquisadores e historiadores é algo

que esteve presente na humanidade desde seu princípio, através de ações de entreajuda e, como

diz o próprio termo, de cooperação. É um fenômeno que em sua base, por necessidade de

sobrevivência, exigiu das pessoas o desenvolvimento de valores e concepção de solidariedade.

Ao longo de seu percurso, o cooperativismo foi se estruturando, ganhando definições claras e

objetivas em seus valores e princípios, forma e corpo jurídico através da cooperativa1.

O cooperativismo moderno, tal como conhecemos atualmente, teve seu marco inicial a

partir do século XIX, surgindo como “resposta ao comportamento egoísta e desenfreado no

mercado das florescentes sociedades por ações, criadas como meio de obtenção de capital para

entidades empresariais” (Parnell, P. 12, 2012).

Segundo Goerck (2012), o cooperativismo moderno surge como uma alternativa a um

período de grande crise e exploração dos trabalhadores na Europa, em especial na Inglaterra e

1 A Aliança Cooperativa Internacional define cooperativa como “uma associação autónoma de pessoas unidas voluntariamente para prosseguirem as suas necessidades e aspirações comuns, quer económicas, quer sociais, quer culturais, através de uma empresa comum democraticamente controlada”.

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em França, a partir dos períodos definidos como Primeira Revolução Industrial, entre os séculos

XVIII e XIX e Segunda Revolução Industrial, entre o século XIX e início do século XX. Esse

momento importante e divisor da história da humanidade resulta no fim do processo de trabalho

manufaturado artesanal, e passa a dar lugar a produção industrial via a um conjunto de inovações

tecnológicas tais como a máquina a vapor, tear mecânico, as estradas de ferro e propriamente no

surgimento da fábrica. O início da revolução industrial corresponde ao momento de consolidação

do capitalismo industrial no processo de produção”. (Goerck p.8, 2012). Na segunda fase, o

processo industrial é intensificado com forte desenvolvimento tecnológico e aplicação de novas

fontes de energia como o petróleo e eletricidade que são aplicados principalmente às indústrias

elétrica, química, metalúrgica, farmacêutica e de transportes. Todo esse processo de expansão e

inovação industrial fez surgir o fenômeno do êxodo rural, onde as pessoas se deslocavam do

campo para cidade na busca de arrumar empregos gerados nas indústrias urbanas.

O mesmo processo de industrialização que gera emprego e motiva o deslocamento das

pessoas do meio rural para o meio urbano na busca de trabalho, é o mesmo que origina,

exatamente por esse deslocamento em massa das pessoas do meio rural, “um crescente

desemprego e uma exacerbada exploração dos trabalhadores, principalmente do trabalho

feminino e infantil” (Goerck, P8, 2012), a precarização do trabalho, com jornadas de até 16

horas/dia, sem descanso nos fins-de-semana e muito menos ao direito de férias. Os

trabalhadores, diante de tais dificuldades na relação com o trabalho e donos do capital, foram

obrigados a encontrar formas alternativas ao modelo capitalista. É, portanto, nesse contexto que

“o Cooperativismo Moderno surgiu juntamente com a Revolução Industrial, possivelmente

também como uma forma de “amenizar” os conflitos econômicos e socias que eram vivenciados

pela classe trabalhadora”. (Goerck, 2012, p.9). Os criadores do cooperativismo moderno estavam

preocupados não só em resolver questões imediatas, mas visualizavam através do movimento

“uma sociedade mais justa e igualitária, em que a organização e sistematização do processo de

trabalho estariam, inspiradas em princípios norteadores, divergentes do modo de produção

capitalista – individualismo, acumulação e centralização de capital.” (Goerck, 2012, p.10).

Como se pode ver, se por um lado a humanidade em sua história de progresso, a partir da

Revolução Industrial apresentou grandes conquistas e avanços tecnológicos, podendo dessa

forma ampliar a produção a níveis de grade escala e amenizar o sofrimento (o fardo) humano do

trabalho manual, substituindo este por novas tecnologias e o uso de máquinas, resultando em

melhorias da qualidade de vida das pessoas, por outro, a ambição do próprio homem (donos do

capital) pela busca desenfreada de riquezas, produziu de forma extrema a precarização do

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trabalho, a exploração e sofrimento do trabalhador, ou melhor, das pessoas.

Já o século XX, foi o período de expansão e avanço dessas experiências para além da

Europa, onde a mensagem do movimento cooperativo atingiu e se materializou praticamente nos

cinco continentes do globo, tendo a criação e estruturação de órgãos representativos do

movimento.

Em Portugal e Brasil, países que usamos como base nessa abordagem, tiveram avanços

significativos no cooperativismo. No Brasil, após longo período de experiências no setor, foi

criada a Organização das Cooperativas Brasileiras – OCB, no ano de 1969. Foi também o

período de avanços no campo jurídico através da aprovação da Lei Federal nº 5.764/1971, que

unifica e define toda a Política Nacional do Cooperativismo, e regulamente a OCB como

instituição representante do Cooperativismo2 do país, a qual possui unidades de representação

em todas as unidades da federação. Já em Portugal, país que foi exemplo basilar3 para criação de

leis para o cooperativismo na Europa, teve o seu Código Cooperativo, que representa a

unificação e normatização das aspirações doutrinais dos teóricos do sector, sancionado

originalmente no final da segunda metade do século XX, através dos artigos 164º, a línea d), e

169º, nº 3, da Constituição Portuguesa e no do Decreto-lei nº 454/80. Em vigor até o presente,

através da aprovação da Lei 51/96, de 7 de setembro4.

5 O COOPERATIVISMO NA CONTEMPORANEIDADE E A IMPORTÂNCIA DOS

SEUS PRINCÍPIOS E VALORES

Atualmente, segundo dados encontrados no Portal da Aliança Cooperativa Internacional -

ACI, existem mais de um bilhão de pessoas cooperativados, distribuídas em 98 países, com mais

de 283 instituições representativas de cooperativas que à integram. São mais de 763 mil

cooperativas em todo globo. Dessas a maior concentração encontra-se na Ásia com 63%, seguido

da Europa com 27%, Américas 6% e Africa 4%.

2 Segundo informações retiradas do Site da Organização das Cooperativas Brasileiras–OCB, <http://www.ocb.org.br/site/ocb/historia.asp> em 10 de agosto de 2015. 3 Portugal, depois da Inglaterra, foi o segundo país europeu a reconhecer de forma legal a importância das cooperativas, através da Lei de 2 de julho de 1867 – Lei Basilar, de Andrade Corvo, a qual serviu de modelo a outros países europeus. Ver mais em <http://www.cases.pt/0_content/actividades/Seminar_confer/conferencia_argentina.pdf>. Acessado em 03 de dezembro de 2015. 4 Segundo informações obtidas no Site Cooperativa António Sérgio para a Economia Social- CASES,

http://www.cases.pt/0_content/homepage/ES_entre_Cooperativas_e_Estado_em_Portugal.pdf>, em 03 de

dezembro de 2015.

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Em Portugal, segundo dados da CASES – Cooperativa António Sérgio para a Economia

Social, atualmente são mais de 3.100 cooperativas atuando, e estão distribuídas em diversas

áreas, sendo as principais: agrícola, habitação e construção, serviços, cultura, solidariedade

social, ensino, crédito, consumo, uniões, pescas, produção operária e artesanato. Juntas essas

cooperativas envolvem direto e indiretamente mais de 2 milhões e 135 mil cooperados.

No Brasil, segundo dados da Organização das Cooperativas Brasileiras, são mais de 46

milhões de brasileiros beneficiados pelo cooperativismo, desses mais de 11 milhões são

diretamente cooperativados. Dados oficiais revelam ainda que existem no País mais de 7.500

cooperativas atuando e distribuídas nos mais diversos ramos, sendo os principais: agropecuário,

saúde, consumo, crédito, educacional, especial, habitação, infraestrutura, mineração, produção,

turismo e lazer, saúde, trabalho e transporte, juntas geram mais de 315 mil empregos diretos.

Essas informações são importantes e demonstram que o cooperativismo pode desenvolver e

ocupar maior espaço no cenário econômico global, e dessa forma, aprofundar seus objetivos em

ter uma sociedade mais justa econômica e socialmente.

Mas há desafios para esta alternativa que se estruturou sobre a instituição cooperativa e

que além de seus valores5 e princípios6, ganhou avanços significativos no campo jurídico. Cabe

salientar que o cooperativismo baseado em seus valores deve ter o entendimento que a

cooperação deve ser uma prática útil na vida quotidiana, pois deve-se pensar nela como um

trabalho de colaboração e em equipa. Pois essa é também “uma abordagem mais equilibrada de

viver e as bases para uma forma mais justa de organização económica” (Parnell, p.10, 2012) em

5 No site da Cases encontramos a seguinte definição para os valores do cooperativismo: “As cooperativas baseiam-se em valores de ajuda e responsabilidade próprias, democracia, igualdade, equidade e solidariedade. Na tradição dos seus fundadores, os membros das cooperativas acreditam nos valores éticos da honestidade, transparência, responsabilidade social e preocupação pelos outros. ” Ainda sobre valores do cooperativismo o professor João Salazar Leite escreve: Para Böök valores fundamentais da cooperação são os “personificados no próprio conceito de cooperação”. Esses valores fundamentais são as “ideias fundamentais”, por um lado, e a “ética fundamental”, por outro. As “ideias fundamentais” podem ser descritas como crenças e convicções cooperativas sobre o modo de alcançar uma sociedade melhor e a forma que tal sociedade deve assumir”. A “ética fundamental” é aquilo que se designa por “cultura cooperativa”. Inclui “os valores éticos e morais, os conceitos de ideais humanos, do “homem cooperativo”, do “espírito cooperativo” e da “comunidade cooperativa””. E acrescenta Böök que, “por forma a funcionarem como veículos dos valores, as organizações cooperativas têm de ser eficientes; assim, as ideias e ética fundamental têm sido complementadas pelas experiências práticas para formar os valores instrumentais. A eles me referirei como “princípios fundamentais””. De entre os valores instrumentais os mais conhecidos serão os Princípios da ACI, reconhecendo Böök que “desde que eles sejam interpretados a partir de orientações ideológicas o carácter universal desaparece”. ( Leite, 2011) 6 Os princípios cooperativos são as linhas orientadoras através das quais as cooperativas levam à prática os seus valores, esses atuais princípios foram aprovados no 31º Congresso da ACI, em Manchester, no ano de 1995. 1º Princípio: Adesão voluntária e livre; 2º Princípio: Gestão democrática pelos membros; 3º Princípio: Participação económica dos membros; 4º Princípio: Autonomia e independência; 5º Princípio: Educação, formação e informação; 6º Princípio: Intercooperação; 7º Princípio: Interesse pela comunidade. (ver mais sobre os princípios em: <http://www.confagri.pt/Cooperativas/Cooperativismo/Pages/Valores.aspx>, acessado em 07/12/2015. )

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especial às classes menos favorecidas economicamente. Mesmo sendo o cooperativismo “uma

ideia atraente e bela” (Parnell, 2012) e em seu percurso histórico se tenha firmado em bons

exemplos e avanços na geração de economia e emprego, supondo-se na também na qualidade da

vida das pessoas, esse é, em sua amplitude, complexo e exige de seus participantes a consciência

de que “a prática da cooperação está longe de ser fácil ou simples, especialmente quando

aplicada a larga escala. Frequentemente perdemos de vista os princípios básicos quando as ideias

simples ficam enterradas num labirinto de explicações esotéricas, e às vezes há relutância em

aceitar a necessidade de nos focarmos no conceito central. ” (Parnell, 2012, p11).

Como nos diz Pedro Hespanha ao fazer uma reflexão sobre a pluralidade de ações e

experiências que estão surgindo como forma alternativa ao modelo capitalista, o mesmo citando

Santos:

‘“ainda que não se pretenda substituir o capitalismo de um só golpe” elas conseguem

“tornar mais incómodo a sua reprodução e hegemonia” ao enraizar primeiro no

quotidiano das pessoas e ao disseminar depois num alargado campo social princípios que

são antagónicos dos deste sistema, tais como a igualdade, a solidariedade e o respeito pela

natureza”’(Santos e Rodriguez apud Hespanha, 2011, p. 205).

Isso quer dizer, de modo abrangente, que nossas ações em nosso meio, desde as coisas

simples do dia-a-dia, no trabalho, no exercício de uma profissão (atrelada ou não a uma lógica ou

sistema mais complexo), e mesmo na concepção de um grande sistema estão sempre associadas a

sentido e valores que são atribuídos e acreditados a fatos, questões e resultados históricos que

por sua vez são constituídos e adquiridos culturalmente. Atrás de uma instituição, de uma

decisão, há sempre a questão humana, e nessa há sempre valores e a formação implícita, ou

melhor, a forma de pensar, é resultado da formação a qual nos constituímos. No movimento

cooperativo deve-se ser exigido muito mais que capacidade técnica para seus envolvidos, pois

sua essência é carregada de valores e sentidos históricos de partilha, os quais exigem ações

democráticas, participação solidaria, logo referenciais éticos que devem ser traduzidos na prática

e como exemplo, do contrário, como já afirmado a cima, perde-se o real sentido.

Segundo o professor Jorge de Sá (2010):

“Para quem se preocupa com o devir do terceiro sector, em tempos em que a globalização

do modelo liberal mercantil se pretende impor como modelo único, há um aspecto

formativo cuja importância estratégica pode ser determinante para a própria

sobrevivência da autonomia da economia social e que passa pela afirmação permanente

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da sua identidade, dos seus valores de solidariedade humana e da sua capacidade para

resolver situações concretas, construindo precisamente onde o modelo hegemónico

destrói.” (Sá, 2010, p. 151).

Para Safanelli (2011):

“A contribuição de um Sistema Cooperativo no processo de trabalho ocorre na medida

em que recursos humanos capacitados para as funções diretivas, gerenciais e

operacionais, aliada à conscientização dos associados das cooperativas, em relação ao

papel econômico-político e social em que estão organizados atingem as demandas pré

estabelecidas no movimento.” (Safanelli, et al, 2011, p.2)

De igual forma Goerck (2012) afirma que muitas cooperativas declinaram em seus

negócios, por questões imbricadas a formação, pois “ocorreu a falta de acompanhamento destes

empreendimentos, bem como não foi desenvolvido um aprimoramento e uma constante

qualificação dos sujeitos que integravam estas experiências coletivas” (Goerck, p.29, 2012).

Para Parnell (2012), o movimento cooperativo, na atualidade, sofre desafios de ordem

pedagógica quanto ao conhecimento de seus fundamentos e práticas de suas ações voltadas para

economia cooperativa:

“Aqueles que procuram expandir o papel das Empresas Mutualistas e Cooperativas na

economia devem primeiro aceitar e, em seguida, enfrentar o facto de ser necessário

garantir que a população em geral tenha um melhor conhecimento, quer da prática

cooperativa, quer da verdadeira natureza do modelo de empresa mutualista e

cooperativa.” (Parnell, 2012, p15).

Ainda para esse autor, mesmo dentro das cooperativas há muitas pessoas envolvidas que

“exibem frequentemente um nível perturbador de má compreensão sobre o verdadeiro propósito

e natureza das suas empresas. Mais acentuadamente, é a falta de conhecimento sobre a economia

da cooperação”. (Parnell, 2012, p. 15).

Pois:

“Significativamente, em todos os níveis de liderança (líderes membros e chefes

executivos) é preciso haver a compreensão inequívoca não só da verdadeira finalidade da

sua organização, mas também uma perceção clara do modelo empresarial mutualista e

cooperativo e dos preceitos económicos sobre os quais a cooperação se baseia” (Parnell,

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p.15, 2012).

Além da questão da formação sobre o cooperativismo é também observado como sendo

necessário uma “ampla reforma para que possa enfrentar o desafio” (Parnell, p.15, 2012)

referente formação e a necessidade, ou melhor “a incapacidade de adaptar o modelo

organizacional a operação de maior escala.” (Parnell, p.15, 2012).

É evidente que o desafio da formação passa pela qualificação profissional das pessoas

que atuam nas cooperativas, devendo se trabalhar a formação técnica para melhorar a gestão, a

participação democrática e a governança descentralizada, a questão empreendedora, e a busca de

excelência não só na questão económica, mas social e cultural. Cabe observar o cuidado para o

uso do termo competitividade, pois este uma vez não bem trabalhado, pode afetar, ou melhor,

contrariar os fundamentos da cooperação, por isso a formação e nessa a formação profissional

das cooperativas deve estar imbricada com a conscientização permanente dos propósitos do

movimento cooperativo, que é algo pedagógico e sempre foi uma das preocupações dos seus

idealizadores. Eis, portanto, a objetivação dos princípios e valores, com destaque especial para o

seu 5º Princípio que trata sobre educação, formação e informação7. Pois desde seus primórdios,

os tecelões de Rochdale, ou melhor, a Cooperativa Pioneira de Rochdale já se teve como

preocupação a formação sobre a essência do cooperativismo. A formação no meio cooperativo é

hoje obrigatória e foi reafirmada nos Princípios Cooperativos Internacional no Congresso alusivo

ao Centenário desta organização, realizado em Manchester em 1995. De igual forma é

obrigatório através de leis, por exemplo, em Portugal e no Brasil.

A educação cooperativa é um dos eixos essenciais de sustentação do cooperativismo,

todavia, ela deve avançar no sentido de congregar as pessoas em torno do movimento, rompendo

com a questão do formal/jurídico e informal motivando-as e, consequentemente, efetivando a

participação democrática de todos, objetivando sempre na construção do saber e na cultura do

cooperar. Historicamente a educação cooperativa sempre foi valorizada no meio cooperativo,

sempre foi um componente determinante para a conscientização e valorização do ser humano e

7 Sobre o 5º princípio ainda encontramos a seguinte definição: “As cooperativas promovem a educação e a formação dos seus membros, dos representantes eleitos, dos dirigentes e dos trabalhadores, de modo a que possam contribuir eficazmente para o desenvolvimento das suas cooperativas. Elas devem informar o grande público particularmente, os jovens e os líderes de opinião, sobre a natureza e as vantagens da cooperação, (ver mais em <http://www.cases.pt/cooperativas/legislacao/codigo-cooperativo/>). Ainda sobre o código Rui Namorado escreve: É este um princípio verdadeiramente estratégico, da maior importância como factor de legitimação social da cooperatividade e como elemento de divulgação das experiências cooperativas. É um elemento central da identidade cooperativa, estando, por isso muito longe de poder ser considerado um simples ornamento. (Namorado, 2000, p. 190-191).

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do processo democrático, se isso recentemente foi perdido em alguns campos do movimento,

deve ser resgatado. Segundo Frantz (2001) educação e cooperação são duas práticas sociais que

se processam de tal forma que, sob certos aspetos, onde uma contém a outra. A educação é um

processo social fundamental na vida dos homens. A cooperação como processo social produz a

educação, logo, a organização cooperativa além de outros significados é também lugar social de

educação (Frantz, 2001).

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O cooperativismo em seus princípios e valores representa uma alternativa concreta ao

capital neoliberal contemporâneo, de igual forma, é e deve ser com a economia social e solidária

a utopia de um mundo melhor. É também uma das bases estruturantes para economia social e

solidária. De forma mais pragmaticamente é, para muitos, a oportunidade e forma de

organização que serve de inserção ao mundo do trabalho, gerando assim renda e dignidade.

Não podemos ignorar que desde as últimas décadas do XX, se vive a chamada Terceira

Revolução Industrial, com novos avanços de tecnologias e conhecimento, onde o capital

financeiro circula livremente, sem encontrar fronteiras, e em nome de sua expansão, se constata

novamente uma ameaça aos trabalhadores, na qualidade de seus trabalhos, em seus direitos

políticos e sociais conquistados através do Estado de Providência. De igual forma, há no cenário

atual, um acirramento nas desigualdades sociais entre os mais ricos e os mais pobres. Nas

empresas a ordem é ter mais competitividade através do uso de tecnologias de ponta, criatividade

e inovação na gestão e produtos, tudo com custo baixo de produção, produtos de qualidade e

preços acessíveis ao consumidor. O fato é que essa ordem na produção de economia capitalista,

com o “custo baixo de produção” acaba influindo apenas e diretamente na perda de direitos e

renda/salário do trabalhador, além, é claro, do crescimento de pessoas tidas como sobrantes, não

qualificadas ou desnecessárias ao mercado do trabalho no viés capitalista, contribuindo dessa

forma para o aumento da pobreza e o agravamento de diferenças sociais.

Não se pode assumir um discurso retrogrado com relação ao avanço do tempo e no

emprego de novas tecnologias e do conhecimento. Por outro lado não se pode também recuar em

nome da busca desenfreada do lucro, em avanços sociais e mesmo culturais conquistados em

processos históricos. Defender o uso de novas tecnologias e conhecimento atrelados a

participação democrática e cooperação é algo que deve ser cada vez mais desenvolvido e

aplicado à Economia Social e Solidária, logo ao cooperativismo. O movimento cooperativo

nasceu com o propósito de ser uma alternativa à economia capitalista, através da organização

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econômica e o desenvolvimento dos princípios e valores cooperativos. Esse movimento que

surgiu como opção à economia capitalistas, hoje atua dentro do sistema capitalista, e se depara

com um momento crucial e crítico, no qual será levado a fazer escolhas: inovar e se desenvolver

com crescimento económico competitivo dentro de um modelo que o aproxima a questão

ordinária do modelo capitalista; ou continuar visionando a utopia de um mundo melhor através

de outra via a qual pode se concretizar através de sua reinvenção e inovação de sua gestão

através da busca de excelência e do empreendedorismo, mantendo em seu meio a cultura da

cooperação, ou melhor, guiando-se a partir de seus princípios e valores que lhe deram origem e

que hoje o mantem dentro do universo da Economia Social e Solidária.

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