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Edição 2015

Planejamento e gestão pública da cultura

Elementos de gestão dos empreendimentos culturais

Elaboração e texto Lucas Van de Beuque

disciplina 26

Elementos de gestão dos

empreendimentos culturais

Lucas Van de Beuque

Ao fi nal da disciplina, você deverá ser capaz de:

• Identifi car os processos de gestão cultural.

• Conhecer a aplicabilidade das ferramentas de administração ao universo das instituições culturais.

• Reconhecer a importância da manutenção e sustentabilidade das instituições culturais.

Objetivos

4disciplina 26

Gestão profi ssional de instituições culturais, uma perspectiva

Por mais que hoje ainda tenhamos um cenário na área cultural de muita escassez,

principalmente de recursos, é possível dizer que no Brasil, nos últimos trinta anos, o campo

tem passado por um processo de intensas mudanças, no sentido de maior profi ssionalização.

No bojo dessas transformações, o conceito de gestão cultural tem se fi rmado e impulsionado

práticas em instituições.

Neste texto, a partir do cenário de mudanças estruturais que têm ocorrido no campo

da cultura no Brasil, pretendo promover a refl exão sobre os processos de gestão cultural,

especifi camente no que se refere à aplicação das ferramentas da administração ao universo

das instituições culturais de caráter continuado (grupos artísticos, espaços culturais e museus).

Será ainda abordada a questão da manutenção e da sustentabilidade dessas instituições.

Ampliação dos recursos e da institucionalidade da cultura

Como primeiro passo para entendermos os modos de operação da gestão cultural

atualmente, acredito ser importante entendermos as mudanças estruturais do fi nanciamento

da cultura e da sua institucionalidade no Brasil nas últimas décadas.

A década de 1980 é um período de intensas mudanças na estrutura da sociedade

brasileira. De um lado vivenciamos o fi m da ditadura militar e do outro uma grave crise

econômica, que levou esse período a ser chamado de década perdida. Apesar dessa grande

difi culdade fi nanceira enfrentada pelo Estado, a cultura ganha certo destaque neste período.

A redemocratização do país é um elemento importante para entender esta orientação. Em

1985, no dia da posse do primeiro presidente civil após os 21 anos de ditadura, é criado o

Ministério da Cultura, sinalizando a volta do protagonismo da cultura no novo regime que

se iniciava. Merece ainda destaque que, apesar do cenário econômico desfavorável, houve

Elementos de gestão dos empreendimentos culturais

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ampliação de recursos para a cultura de 1985 a 1989. De outro lado, seguindo uma tendência

que já se encontrava madura em outros países, em 1986 é aprovada, pelo recém-criado

Ministério da Cultura, a Lei Sarney (n° 7.505/86), a primeira de uma série de leis federais

voltadas ao estímulo da participação da iniciativa privada no setor cultural brasileiro.

Após a revogação da Lei Sarney, posteriormente, em 1991, foi criada a lei 8313 (Lei

Rouanet) , que trouxe alguns ajustes que fi zeram com que a captação de recursos via incentivo

fi scal decolasse. Vale observar o Gráfi co 1, o qual demonstra a ampliação dos recursos via lei

de incentivo de 1993 a 2008.

Gráfi co 1 – Recursos captados por meio da Lei Rouanet (1993-2008)

Fonte: Ministério da Cultura

Posteriormente, o modelo de captação de recursos por meio da lei de incentivo fi scal se

estendeu para estados e municípios. Também merece destaque, que assim como foi criado

o Ministério da Cultura no âmbito do governo federal, nos estados e municípios são criadas

paulatinamente Secretarias de Cultura, com o setor ganhando de forma gradual mais recursos

e institucionalidade.

Na busca por esses recursos, as instituições culturais passam a ter que profi ssionalizar

toda a sua captação de recursos. São desafi os inúmeros que já se iniciam na elaboração do

projeto. Deve-se estudar o perfi l das empresas patrocinadoras, buscando aquelas que são

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mais adequadas ao seu projeto. No caso dos editais públicos e privados, deve-se pesquisar

as linhas de apoio e que tipos de projetos foram selecionados em editais anteriores. Após

o projeto aprovado é fundamental ter muito rigor no acompanhamento das contrapartidas

acordadas e se investir tempo para o desenvolvimento das relações com os patrocinadores.

E na fi nalização do projeto, é importante ter ainda mais atenção, pois em muitos casos é o

momento quando se decide a renovação do patrocínio do período seguinte.

Esse é um pequeno resumo de preocupações e tarefas, sem falar na própria execução do

projeto que fazem com que seja necessário, cada vez mais, um conjunto de profi ssionais com

especialidades diferentes: administradores, produtores culturais, assessores de comunicação

e outros profi ssionais que variam de acordo com o perfi l da instituição cultural. Como numa

banda de música, esse grupo deve ter harmonia e afi nação, para isso é fundamental uma gestão

profi ssional, na qual estabeleça claramente o foco de atuação, os objetivos e resultados esperados

da instituição e criando as condições ideais que permitam a sua implementação.

Mudanças de comportamento do público, assim como ampliação e sofi sticação das atividades de cultura e lazer

Além das questões relacionadas a institucionalidade e aos recursos para a cultura o gestor

cultural teve que passar a pensar com maior profundidade no seu produto e/ou serviço cultural,

pois o mercado cultural também se transformou nesse período.

Nos últimos trinta anos, houve avanços impressionantes no campo tecnológico, que geraram

mudanças profundas na sociedade, chegando mesmo a criar novos paradigmas políticos,

econômicos, sociais e culturais. Ganha fi m a sociedade pós-industrial – das máquinas e da

produção em série – e tem início o que fi cou conhecido como sociedade do conhecimento e

das ideias. As informações passaram a correr o globo em instantes, assim como novas formas

de entretenimento foram surgindo e se sofi sticando. Primeiro a televisão e por fi m a internet

trouxeram as manifestações culturais de forma rápida e barata até os indivíduos, e com a

internet foi agregado a diversidade.

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Além do público, as ofertas culturais haviam se sofi sticado. A competição passou a ser muito

mais intensa. Não só havia uma gama mais ampla de atividades para ocupar o tempo livre,

como os espaços passaram a fornecer formas mais complexas de entreter o público. Podemos

destacar como exemplos: os centros culturais (com exposições temporárias, cinemas, teatro,

café, livraria etc.), os complexos de cinema (com livraria, lojas, café e videolocadora) e até os

shoppings (com cinemas, livrarias, restaurantes etc.). Vale ainda destacar a multiplicação dos

festivais de cinema e música.

Nesse cenário, com mudanças de comportamento do público e ampliação das possibilidades

de lazer, torna-se necessário uma postura mais pró-ativa das instituições culturais no sentido

de se fazerem signifi cativas para a sociedade e assim permitir a sua permanência ou, quem

sabe, o seu crescimento.

Gestão da cultura e de negócios, diferença de princípios

Esse cenário, com mudanças de comportamento do público e ampliação das possibilidades

de lazer, aliado do aumento da institucionalidade e dos recursos para o mercado cultural,

torna o setor mais complexo e, consequentemente, passa a exigir profi ssionais mais bem-

preparados. Naturalmente que esta afi rmativa se refere ao campo maior das atividades

culturais. Evidentemente já existiam outros setores nos quais as práticas profi ssionais já tinham

se estruturado, a exemplo da indústria fonográfi cas, editorial e cinematográfi ca. A questão, foi

que essa visão se estendeu para todos os setores da cultura.

Até a Revolução Industrial, no século XIX, a gestão era, de forma geral, implementada

informal e intuitivamente; com o progresso no setor industrial, o advento da produção em

massa, com destaque para o papel de Henry Ford, surgiu a necessidade de organizar e

administrar complexos sistemas de produção. Mas só foi a partir da década de 1960, que

começou um processo de incorporação de práticas de gestão do mundo industrial pelo setor

de serviços. E, principalmente a partir da década de 1980, houve a adoção destes métodos

por parcela do serviço público, do terceiro setor e da cultura. Até aquele momento, de forma

geral, o campo das organizações sem fi ns lucrativos fi cou a margem da profi ssionalização da

gestão, se caracterizando por pessoas com múltiplos conhecimentos, que se desdobravam

nas diversas tarefas organizacionais, movidos pela causa.

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Nesse contexto, o conceito de “gestão cultural” signifi ca a aplicação dos princípios de

gestão contemporâneos provenientes da investigação sobre as “melhores práticas” do mundo

dos negócios para o campo da cultura.

É importante destacar que estas práticas de gestão que são originadas no mundo dos

negócios, tem como objetivo central melhorar o desempenho econômico, o lucro, dessas

organizações. Assim, a utilização destas práticas como referência para o campo cultural deve

necessariamente passar por um grande fi ltro na medida em que para a maior parte das

instituições culturais a dimensão econômica não é o elemento central de sua fi nalidade.

Para David Thorsby (2001), por exemplo, os bens e serviços culturais seriam divididos em

duas dimensões: o seu valor econômico e o seu valor cultural. As dimensões do valor cultural,

para o autor, devem nascer no discurso cultural. Nesse sentido ele propõe uma divisão a

partir do que vê como os elementos básicos do valor cultural: valor estético, histórico, social,

espiritual, simbólico e de autenticidade. Essa abordagem de Throsby (2001) destaca que,

por exemplo, nos casos dos museus tanto o espaço físico como seu acervo têm valor em si

(estético, histórico, social, espiritual, simbólico ou de autenticidade). Dessa forma, podemos

compreender a missão dos museus como sendo a conservação, pesquisa e transmissão

educativa do valor das suas instituições e dos seus acervos. Até por que, nos casos específi cos

dos museus, foi consensuado pelos integrantes do Icom (International Council of Museums),

que os museus são instituições sem fi ns lucrativos.

A “profi ssionalização” da gestão da cultura

Ainda na década de 1980, começam a aparecer, segundo Rodrigues (2004), diversos

autores no campo das organizações sem fi ns lucrativos, “preocupados em criar consciência

entre gestores sobre a necessidade de trabalhar perseguindo objetivos claramente defi nidos”.

No mesmo período, segundo Zubíria, Abello e Trujillo (2001), a noção de gestão cultural passa

a ser incorporada ao discurso do setor. Observando-se, nesse período, também grande

quantidade de textos destacando a necessidade de coibir o amadorismo na área cultural.

Conforme vimos acima, o ambiente da produção de bens e serviços culturais tornou-se

de fato mais complexo nas últimas décadas. Era realmente necessário passar a ter processos de

gestão profi ssional, mas afi nal como realizar uma gestão profi ssional na cultura?

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Na verdade, não há um modelo de gestão que seja aplicável para todas as instituições

culturais, deve se buscar aquele que seja mais adequado ao porte do grupo/espaço cultural

seu histórico, sua natureza administrativa, sua região, seu segmento cultural. A gestão da

cultura deve procurar formas alternativas de alcançar a sua efi cácia e a sua efi ciência, assim

como avaliá-las.

E o campo da gestão é vasto, com diversas subdivisões, muitas vezes com literatura

específi ca. Podemos destacar os estudos relacionados à estrutura organizacional, liderança,

planejamento, estratégia, sistemas e métodos de avaliação, entre outros.

Nesse sentido, considerei importante apresentar de forma resumida algumas dessas

preocupações da área da gestão. Sem ter o interesse em prescrever métodos e fórmulas de

gestão, escolhi uma abordagem de avaliação de empresas que possibilita uma visão global

sobre a gestão cultural. A abordagem selecionada foi McKinsey 7-S ou Modelo dos sete “S”.

Destaco a seguir os elementos principais para esta escolha: (1) ser considerada como

o primeiro método de avaliação organizacional não fi nanceiro; (2) ser considerada um dos

métodos mais citados dentro da literatura especializada; (3) ser orientada para o entendimento

global da instituição, considerando aspectos objetivos e subjetivos.

Na visão do modelo dos 7-S existem sete elementos-chave de uma organização, que

são fundamentais para compreender a efi cácia da organização: (S)hared Values = valores

compartilhados; (S)trategy = estratégia; (S)tructure = estrutura; (S)taff = pessoal; (S)kills =

habilidades; (S)tyle = estilo gerencial; e (S)ystems = sistemas. Abaixo há uma apresentação

sintética de cada um desses 7 elementos.

Valores compartilhados

Os valores compartilhados (Shared Values) são os elementos que defi nem a instituição

(missão) e projetam o seu futuro (visão). Cada instituição cultural deve determinar em sua

missão qual será a sua contribuição particular para o campo em que atua. Para Stuart Davies

(1996), idealmente a “missão” de uma instituição responde a cinco perguntas-chave e procura

resumir as respostas de forma sucinta: para que existimos (fi nalidade); em que acreditamos

(valores); o que queremos alcançar (metas); o que fazemos (função) e para quem o fazemos

(público e parceiros).

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Nesse sentido, é importante observar a missão de um museu brasileiro, inaugurado em

2008, que tem sido um grande sucesso de público,1 com mais de 300 mil visitas por ano.

A missão do Museu do Futebol, exposta em seu site, é

[...] investigar, divulgar e preservar o futebol como

manifestação cultural brasileira. Trabalhando com a

inserção histórica e cultural desse esporte no Brasil por

meio de exposições, ações educativo-culturais, pesquisas e

procedimentos de salvaguarda, valorizando a prática do futebol

que atravessa o cotidiano do país desde fi ns do século XIX.

O futebol – seus números, regras, símbolos, representações

e histórias – é o nosso principal foco de apreciação. A partir

dele pretende estimular refl exões críticas sobre dimensões

da sociedade associadas ao tema como: comportamento,

evolução da preparação física do atleta, vocabulário e

religiosidade, entre outras, sempre entrelaçando o futebol

com a história do país.

Percebe-se na missão desse museu, uma preocupação em limitar o foco do museu,

restringindo o campo de atuação para os fenômenos associados ao futebol no Brasil,

não abrindo espaço, inclusive, para se ter uma abordagem do futebol em outros países. Não

podemos dizer que esta missão é o elemento do seu sucesso, pois o museu trata de um

tema de grande apelo popular, que envolveu muitos recursos, interesses e mídia. No entanto,

serve como referência das práticas recentes adotadas pelos museus brasileiros.

Entretanto, embora pareça simples, ainda existem algumas resistências a formulação da

missão por algumas instituições culturais, que são basicamente divididas em dois pontos. O

primeiro pauta-se no fato de que a missão já é sabida por todos da instituição cultural ou já

está no documento que a constituiu. No segundo, que a defi nição da fi nalidade do museu

limita a criatividade e a exploração de novas possibilidades.

1 Segundo o governo do estado de São Paulo, em 2009, o museu recebeu mais de 300 mil visitantes. Retirado de: http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia.php?id=204834.

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Para Neil Chalmers, diretor do Museu de História Natural de Londres, defi nir uma missão

e uma visão clara e objetiva não limita a instituição, ao contrário do exposto no segundo

argumento, e sim permite ao museu se concentrar em sua missão e deixar claro para o público

e para os fi nanciadores qual é. Para o autor (1989, p. 187)

[...] é impossível esperar que se obtenham fundos, de

que se necessita, sem uma visão de futuro. Os museus não

convencerão o governo, as companhias ou os indivíduos

para que aportem recursos sufi cientes salvo que possamos

convencê-los de que temos uma visão de futuro. Sem uma

visão o museu carece de futuro.

Estratégia

Os valores compartilhados que se originam da missão e da visão necessitam de uma

Estratégia que seja capaz de torná-la realidade. Aqui tomarei como referência a abordagem

do “planejamento estratégico”. Apesar de existirem outros métodos de planejamento, escolhi

por apresentar “planejamento estratégico” na medida que essa concepção é tradicionalmente

empregada em criação de estratégias empresariais (Proença, Cameira, Ribeiro, 2004) e

também ser a principal utilizada na gestão cultural (Moore, 1998).

Um primeiro ponto importante se refere a seu tempo de previsão, duração e atualização.

Moore (2005) propõe que o plano deve cobrir três anos, sendo detalhadas apenas as ações

do primeiro ano. As atividades do segundo ano se detalham de forma aproximada, e as do

terceiro são pouco mais que um esboço, podendo-se optar até por fazer apenas sugestões de

possíveis opções. Esta orientação visa a garantir que o planejamento não ganhe vida própria

e se constitua em um fi m em si mesmo. Para o autor, “todos os planos devem permitir certo

grau de espontaneidade. A direção é tanto uma arte como uma ciência”.

Outra questão relevante é: quem deve participar da elaboração do planejamento

estratégico? Para Moore (2005), os planos devem contar com a intervenção mais ampla

possível, idealmente, todos profi ssionais da instituição e da direção. Sabe-se, no entanto, o

quanto é difícil envolver todos, principalmente pelo tempo despendido para tal.

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No campo operacional, uma questão-chave é: quais questões devem ser levantadas e qual

o formato fi nal do documento do planejamento estratégico. Atualmente, existe uma série de

publicações a esse respeito, segue abaixo uma proposta:

(1) Resumo executivo: resume em uma página a fi nalidade e conteúdo do documento;

(2) Antecedentes: breve discussão do desenvolvimento do museu até a presente data; (3)

Declaração de missão e visão e os objetivos estratégicos; (4) Os objetivos para o primeiro ano,

incluindo as medidas específi cas de cumprimento; (5) Uma exposição dos objetivos para o

segundo e terceiro ano do plano; (6) As necessidades de pessoal: uma discussão das funções

para atingir os objetivos do plano, qualquer pessoal adicional necessário, e as necessidades

de formação e desenvolvimento de pessoal; (7) Resumo fi nanceiro: incluindo um orçamento

detalhado para o primeiro ano e orçamentos aproximados para o segundo e terceiro anos;

(8) Avaliação do risco: uma análise dos riscos que poderia correr o museu para alcançar seus

objetivos, e as medidas adotadas para evitar ou reduzir seus efeitos; (9) O futuro: uma breve

visão do desenvolvimento em longo prazo do museu.

Um plano estratégico desse tipo não deve ser deixado em um arquivo; deve ser utilizado

e revisado, não só anualmente, mas de forma praticamente diária. É a pedra fundamental, o

guia, o mapa de todas as atividades do museu. Por fi m, no caso dos museus por exemplo,

além do plano estratégico, é necessário realizar, dentro de suas possibilidades, um plano

detalhado para cada setor específi co (conservação, pesquisa, exposições, educação e difusão,

captação de recursos etc.).

Pessoal

Segundo o anuário de estatísticas culturais de 2009, as atividades culturais de forma geral

são mais intensivas em mão de obra do que a média. Conforme vimos nos itens acima, valores

compartilhados e estratégia, alguns autores indicam a ampla participação dos trabalhadores

nessas defi nições tendo como um dos objetivos ampliar o comprometimento dos profi ssionais

com a missão da instituição e suas metas específi cas. Mas para contar com estes profi ssionais na

construção do futuro do espaço/grupo cultural, é necessário também mostrar-lhes um horizonte,

um futuro positivo pessoal e profi ssional.

Nesse sentido, a motivação merece atenção especial. Em geral, os trabalhadores da

cultura têm um grande comprometimento com suas atividades, em função da identidade

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que compartilham com as instituições. É uma escolha profi ssional que busca mais satisfações

subjetivas do que objetivas. Apesar dessa suposição de interesse, os aspectos objetivos, como

o salário, são extremamente importantes. De forma geral, mesmo tendo melhoras, os recursos

ainda são muito escassos tanto para investimentos quanto para a manutenção dos espaços/

grupos culturais. Nesse contexto, os gestores enfrentam grandes difi culdades em remunerar

adequadamente os profi ssionais do setor, o que torna o ambiente de trabalho mais instável.

No Brasil, o IBGE2 comparou os salários médios entre 21 setores da economia, relativo ao

ano de 2006. Nesse estudo o setor de artes, cultura, esporte e recreação tiveram “rendimento

médio” de 1,4 salários mínimos por trabalhador, quarto pior desempenho e bem abaixo do

“rendimento médio” da economia brasileira em 2006, 2,5 salários mínimos. Isso mostra o quanto

o setor, apesar de seu crescimento, necessita ainda de mais institucionalidade e recursos.

Habilidades

Conforme foi visto anteriormente, a cultura vem passando por mudanças profundas, tanto

em sua missão quanto em sua estrutura de fi nanciamento. Para atender a esses novos desafi os,

os espaços/grupos culturais redesenharam o perfi l das habilidades que devem reunir os seus

profi ssionais. Esse novo direcionamento traz consigo uma série de mudanças profundas na

defi nição dos postos de trabalho, das formações, das capacitações e dos processos seletivos.

A estrutura técnica dos grupos/espaços culturais, de forma geral, passou por mudanças, a

complexidade do ambiente cultural passou a exigir uma equipe de perfi l multidisciplinar com

profi ssionais com especialidades distintas. As atividades não relacionadas as atividades fi m

(captação de recursos, administração e à comunicação) também ganharam mais importância.

Estilo gerencial

A liderança é um elemento muito importante da literatura que aborda a gestão. Conforme

destaca Becker (2003, p. 23):

2 Fonte: IBGE, Cadastro Central de Empresas, 2007. Rio de Janeiro: IBGE, 2009.

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[...] têm sido bastante divulgados os casos de alguns

administradores de museus paulistas que tiraram a instituição

de uma situação de abandono, inserindo-os na rota das

boas opções de lazer cultural de São Paulo: é o caso da

Pinacoteca do Estado e do Mam – Museu de Arte Moderna

de São Paulo. Ambos, porém, têm à sua frente diretores cuja

infl uência pessoal tem sido apontada como principal motivo

da obtenção de tais resultados. No entanto, às descrições da

situação privilegiada de tais instituições encontramos menções

à estrutura de captação de recursos em que é destacado o

grau de competência que apresentam na gestão dos recursos

e no retorno que oferecem àqueles que ligam seu nome ao

das instituições.

O caso apresentado serve como modelo? Gestores culturais devem ter como atributos

o acesso aos meios de fi nanciamento e ter perfi l empreendedor? Que estilo gerencial e de

liderança são mais adequados para conduzir a equipe para superar os desafi os e alcançar os

resultados traçados pela instituição? Como dirigir melhor os profi ssionais dos grupos/espaços

culturais? Na verdade, não existe um modelo ou forma única, o que era de se esperar. Uma

instituição pode ter vários líderes, em circunstâncias de maior ou menor hierarquia entre eles,

dependendo da sua estrutura organizacional.

Estrutura

Quem deve responder a quem e como encaixar o indivíduo na organização geral? Como

organizar equipes dentro das instituições culturais para executar funções e tarefas?

A organização hierárquica é mais difundida e consiste em uma arquitetura na qual as pessoas

se organizam em níveis hierárquicos, que se superpõem. No topo da estrutura temos o chefe e,

quanto mais baixo o nível, maior o número de pessoas. As responsabilidades também variam

da mesma forma: quanto maior o nível na arquitetura, mais responsabilidade. Segundo Moore

(1998, p. 25), “nos últimos anos, sem dúvida, temos assistido um aumento no nível de críticas

à estrutura ‘hierárquica’ pela sua tendência a colocar travas a iniciativa individual e a promover a

rivalidade entre departamentos”.

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A organização atualmente vista como politicamente correta e que tem obtido muito êxito é

a estruturada em redes ou “equipes”. Segundo Peter Drucker (1999), um exemplo recorrente

para compreender a sua organização é o da “banda de jazz”, em que cada participante faz

o que ele, ou ela, sabe fazer melhor, mas, juntos, produzem música de alta qualidade. No

entanto, para Peter Drucker, a questão da organização funcional da instituição é ainda mais

complexa. A questão não é migrar de um modelo “X” para “Y”, pois é impossível encontrar

um modelo único e universal de organização. Existem apenas organizações, cada uma das

quais possui pontos fortes distintos, limitações distintas e aplicações específi cas, e uma

estrutura organizacional é adequada para determinadas tarefas em determinadas condições

e determinadas épocas.

Como escolher e aplicar a estrutura organizacional correta para um museu, por exemplo?

Nesse caso, a maior parte das atividades dependem de um trabalho de equipe. Sendo criadas

“forças tarefas” para algum projeto em particular, como a elaboração de uma exposição. Essa

equipe muitas vezes tem como líder o curador e os outros participantes podem ser o designer

expositivo, o montador, o produtor, o museólogo, o educador e os demais profi ssionais

necessários de acordo com a exposição. Apesar de contar com um líder, esta equipe tem, em

muitos casos, uma grande autonomia de interação entre os participantes. Assim, difere da

equipe idealizada, da “banda de jazz”, sem um líder.

Sistemas

Os sistemas são os processos formais e procedimentos usados para gerenciar uma

organização, incluindo sistemas de gestão de controle, medição de desempenho e sistemas

de recompensa, planejamento, orçamentos e sistemas de informação.

Para Moore (1998), não é sufi ciente para os museus proclamarem o seu êxito simplesmente

mostrando o volume de visitas ou o seu custo por visitante. É preciso criar sistemas mais

elaborados de medidas de rendimento que permitam avaliar até que ponto são cumpridos os

objetivos estabelecidos no planejamento estratégico.

Peter M. Jackson (1998) divide os indicadores em quatro grupos e, a estes, relaciona alguns

índices e medidas. Seguem alguns exemplos: (1) Economia: renda total x custos totais, pessoal

administrativo x pessoal operacional, metragem quadrada de espaço utilizado para área

fi m x metragem quadrada total, renda do público x renda total, número de visitantes x dias

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abertos por ano; (2) Efi ciência: orçamento do marketing x número de visitantes, custos de

captação x captação total, custo de energia x total metragem quadrada; (3) Equidade: número

de visitantes gratuitos x visitantes totais; número de visitantes com necessidades especiais

e visitantes totais; (4) Efi cácia: estudos de opiniões dos visitantes sobre as exposições, o

programa educativo, a infraestrutura etc.

Apesar dos benefícios destas medições, não podemos deixar de destacar os problemas.

Existe o perigo de focar em excesso na realização de medições quantitativas ao custo das

qualitativas somente porque este último resulta ser muito mais difícil de realizar. É importante

destacar que, especialmente nos espaços/grupos culturais, a qualidade do que se consegue

é tão importante quanto a quantidade do trabalho realizado. Talvez seja melhor o uso do

termo “avaliação” do que “indicadores de resultado”, pois o primeiro inclui tanto aspectos

quantitativos como qualitativos.

Os desafi os para a sustentabilidade

A partir dos elementos apresentados, pode-se discutir a importância de criar uma gestão

profi ssional em instituições culturais. No entanto, para garantir a sustentabilidade de um

grupo ou espaço cultural não basta ter uma gestão profi ssional: muitos outros elementos são

necessários para superar os desafi os postos.

Hoje o principal desafi o para instituições culturais é o de não contar com uma previsibilidade

orçamentária. Apesar de seu caráter contínuo, as receitas, de forma geral, vêm de projetos, que

têm caráter temporário (1 ano geralmente). Por exemplo um museu funciona normalmente

todos os dias da semana durante todo o ano. Estão, geralmente, abertos ao público de terça

a domingo e na segunda-feira é feita a manutenção dos espaços e outros serviços internos.

Funcionando inclusive em feriados. As atividades acontecem ao longo de todo o ano, não

existe um período de pré-produção. Como os museus, grupo de dança, teatro e outros podem

não ter apresentações o ano todo, mas também têm um funcionamento contínuo.

Assim, a busca por recursos no caso dessas instituições é uma atividade permanente e

deve ter como objetivo a diversifi cação das fontes de seu fi nanciamento. Esta é uma forma

de reduzir o risco institucional relativo à perda de um patrocínio pois, caso exista um único

parceiro do grupo ou espaço cultural, sua saída obrigará a instituição a fechar as portas. O

ideal é ter um leque de patrocinadores e outras fontes de recursos. No caso dos museus é

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necessário gerar receita também por meio da venda de produtos, uso comercial de imagens

e venda de exposições de seu acervo para outras instituições. Além da abertura de lojas

e cafeterias próprias ou o aluguel de seus espaços a terceiros para a implementação de

restaurantes, de cinemas e para a realização de eventos (musicais, moda, prêmios, feiras,

casamentos etc.). Em termos de grupos de teatro, dança, circo e outros, podemos aplicar a

mesma lógica, pensando em vendas de espetáculos, participações em eventos, oferecimentos

de atividades formativas etc.

Por outro lado, da mesma forma que é importante diversifi car as fontes de recursos, também

é necessário a fi delização dos patrocinadores. A instituição cultural deve buscar compreender

as motivações que levou a empresa a realizar o investimento e os resultados que se espera

dessa ação. De modo a alcançar a expectativa do parceiro e se possível superá-la.

Conforme destaca Romulo Avelar (2013):

Os empreendedores culturais brasileiros seguem aos

sobressaltos, obrigados a conviver com o fantasma da

descontinuidade e com a incômoda sensação de “fi m de linha” a

cada resultado negativo de edital, a cada reunião de negociação

de patrocínio frustrada. Quanto mais se afasta dos grandes

centros urbanos, maior a difi culdade daqueles que atuam

na área em identifi car um fi o de meada para a costura de um

trabalho mais profi ssional.

Se hoje existem mais recursos, como vimos, existem também mais ofertas culturais. Ou seja,

ampliou a disputa pelos recursos e pelo público. Os espaços culturais e museus devem, nesse

sentido, buscar constantemente se atualizar, estabelecendo comunicação e interação com o

público em geral e com a comunidade do seu entorno. É fundamental ter uma programação

cultural conectada com a atualidade, sem perder o seu foco (estabelecido em sua missão e

visão institucional).

Nessa concepção, a exposição do acervo dos museus, por exemplo, passa a ser um

instrumento de comunicação. É necessário permitir que o público aborde os objetos e as

exposições de forma mais próxima e ativa, de maneira que o visitante (usuário) tenha uma

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experiência que envolva todos os sentidos. O museu deve ser o porta-voz dos valores culturais

que abriga, tendo que aprofundar o conhecimento sobre o seu acervo e entender como os

diversos públicos o percebem.

Conforme destaca Maria Helena Cunha (2013):

Assim, para garantir a gestão qualifi cada de espaços

culturais é preciso manter uma equipe qualifi cada

tecnicamente, comprometida com os propósitos da instituição,

além de desenvolver suas ações com base no planejamento

estratégico, tendo clareza de seus objetivos, metas e

resultados esperados e um plano de comunicação (interna e

externa) para a instituição, mantendo, ainda, um permanente

processo de monitoramento e avaliação de suas atividades e

da sua relação com o público.

Por último, mas não menos importante, os espaços culturais devem ter maior controle de

seus gastos, e para garantir a sua sustentabilidade é necessário ter maior efi ciência e efi cácia

na sua gestão. Ou seja, os desafi os são enormes e para fazer frente a eles é preciso, além do

profi ssionalismo, altas doses de coragem e ânimo.

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Bibliografi a

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