Edição Atual Vol. 17 Nº 3 - Jul/Ago/Set / 1995 · 2019-12-08 · peito do II Congresso...

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Edição Atual Vol. 17 Nº 3 - Jul/Ago/Set / 1995 1 Adequação da DPAC. Autores: Hugo Abensur, Manuel Carlos Martins de Castro. 2 II Congresso Brasileiro de Nefrologia. Autores: Alberto Augusto Paolucci. 3 Campanha Pró-Memória da Nefrologia Brasileira. Autores: 4 Sistema de coagulação nas glomerulopatias. Autores: Márcia Camegaçava Riyuzo, Vitor Augusto Soares. 5 Glomerulonefrite associada à infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (GNVIH). Autores: Omar da Rosa Santos , Guilherme Santoro Lopes. 6 Lesões renais em hanseníase. Autores: Edson Eiji Nakayama, Somei Ura, Raul Fleury Negrão, Vitor Augusto Soares, Dinah Borges de Almeida, Marcello Franco. 7 Ocorrência de hipouricemia em pacientes com nefrolitíase. Autores: Adagmar Andriolo. 8 Infecção por fungos e Transplante Renal : análise nos primeiros 500 pacientes transplantados no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto- USP. Autores: Miguel Moysés Neto, Valmir Muglia, Maria Estela P. N. Batista, Tania Marisa Pisi, Luciana T.S.Saber, Agenor Spallini Ferraz, Hayton Jorge Suaid, Adauto José Colona, José Fernando de Castro Figueiredo. 9 Cinética da uréia e creatinina na avliação de diálise peritoneal ambulatorial contínua (CAPD). Autores: Eduardo Homsi, Gentil Alves Filho, Odair Marson, Carlos Stabile Neto, Morad Amar, Maria Ines Salati. 10 Diabetes pós-transplanterenal: Ocorrência. Aspectos clínicos e possíveis fatores de risco. Autores: Cássia Mendes Matos, David Saitovich, Ricardo Sesso, Álvaro Pacheco e Silva Filho, Horácio Ajzen, José Osmar Medina Pestana. 11 Carta ao Editor

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Edição Atual Vol. 17 Nº 3 - Jul/Ago/Set / 1995

1 Adequação da DPAC. Autores: Hugo Abensur, Manuel Carlos Martins de Castro. 2 II Congresso Brasileiro de Nefrologia. Autores: Alberto Augusto Paolucci. 3 Campanha Pró-Memória da Nefrologia Brasileira. Autores: 4 Sistema de coagulação nas glomerulopatias. Autores: Márcia Camegaçava Riyuzo, Vitor Augusto Soares. 5 Glomerulonefrite associada à infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (GNVIH). Autores: Omar da Rosa Santos , Guilherme Santoro Lopes. 6 Lesões renais em hanseníase. Autores: Edson Eiji Nakayama, Somei Ura, Raul Fleury Negrão, Vitor Augusto Soares, Dinah Borges de

Almeida, Marcello Franco. 7 Ocorrência de hipouricemia em pacientes com nefrolitíase. Autores: Adagmar Andriolo. 8 Infecção por fungos e Transplante Renal : análise nos primeiros 500 pacientes transplantados

no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto- USP. Autores: Miguel Moysés Neto, Valmir Muglia, Maria Estela P. N. Batista, Tania Marisa Pisi, Luciana

T.S.Saber, Agenor Spallini Ferraz, Hayton Jorge Suaid, Adauto José Colona, José Fernando de Castro Figueiredo.

9 Cinética da uréia e creatinina na avliação de diálise peritoneal ambulatorial contínua (CAPD). Autores: Eduardo Homsi, Gentil Alves Filho, Odair Marson, Carlos Stabile Neto, Morad Amar, Maria

Ines Salati. 10 Diabetes pós-transplanterenal: Ocorrência. Aspectos clínicos e possíveis fatores de risco. Autores: Cássia Mendes Matos, David Saitovich, Ricardo Sesso, Álvaro Pacheco e Silva Filho, Horácio

Ajzen, José Osmar Medina Pestana. 11 Carta ao Editor

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Editorial Adequação da DPAC

O controle da qualidade da terapia dialítica oferecida a pacientes em programa de DPAC é ainda uma questão não completamente estabelecida entre os nefrologistas.

O objetivo final de qualquer método dialítico, além de substituir a função renal, deve ter como meta recuperar o paciente para sua função social.

O tratamento dialítico não deve corrigir apenas a função renal de eliminação de líquidos e solutos acumulados, deve também repor ao organismo solutos, como bicarbonato e cálcio, além de se associar com a reposição farmacológica das funções endócrinas do rim (produção de eritropoetina, vitamina D). Desse modo, um paciente é considerado bem em diálise quando está livre de sintomas urêmicos (anorexia, prurido, serosites, osteodistrofia, fenômenos hemorrágicos), tem sua anemia controlada (Hb em torno de 10 g/dl), está eutrófico e normotenso.

A aplicação da cinética de uréia na adequação da terapia hemodialítica mostrou-se bastante eficaz.1 Uma sessão de hemodiálise é considerada adequada, quando o volume de sangue depurado de uréia é pelo menos superior ao volume de distribuição de uréia. A expressão matemática que exprime esta relação é o KT/V, onde o numerador corresponde ao volume de sangue depurado de uréia durante uma sessão de hemodiálise e o denominador corresponde ao volume de distribuição da uréia. Têm sido demonstrado que pacientes submetidos a 3 sessões de hemodiálise com KT/V superior a 1 (total semanal maior do que 3) apresentam boa evolução.2 A cinética de uréia tem um caráter preventivo na adequação da terapia hemodialítica, isto é, diferentemente dos outros parâmetros utilizados, ela antecipa que se um paciente estiver recebendo uma quantidade inadequada de diálise ele poderá apresentar problemas futuros. Em outras palavras não se deve esperar um paciente ficar desnutrido, hipoalbuminêmico, anêmico, infectado, com serosites para se constatar que o tratamento oferecido é inadequado.

A aplicação da cinética de uréia para a adequação da DPAC esbarrou inicialmente num paradoxo. Foi visto que pacientes tratados em um regime padrão de DPAC, 4 trocas de 2L por dia com uma ultrafiltração de cerca de 1,5L por dia, apresentavam KT/V semanal da ordem de 1,7 e evoluiam satisfatoriamente. A hipótese do pico tóxico foi elaborada por Keshaviah3 para explicar porque em DPAC os pacientes evoluiam bem, apesar de receberem um KT/V menor. De acordo com esta hipótese um KT/V maior é requerido para hemodiálise, porque ela, em oposição à DPAC, é uma terapia intermitente com picos elevados de concentração sérica de uréia. Portanto, os pacientes em hemodiálise têm que receber maior J{T/ V para corrigir estes picos.

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Para o cálculo do KT/V em DPAC é necessário coletar todas as bolsas de diálise drenadas num período de 24 horas, homogeneizar o conteúdo das mesmas e aferir o volume drenado e a concentração de uréia. Ao se multiplicar a concentração de uréia pelo volume drenado, obtêm-se a massa de uréia eliminada durante as 24 horas de tratamento. A esta massa deve-se adicionar a massa total de uréia eliminada na urina, coletada no mesmo período de 24 horas. A depuração de 24 horas é, então, obtida, dividindo-se a massa total de uréia eliminada pela concentração sérica de uréia. Por fim o KT/V de um dia é obtido ao se dividir a depuração de 24 horas de uréia (renal + peritoneal) pelo volume de distribuição de uréia. O KT/V semanal corresponde ao KT/ V de um dia, multiplicado por 7.

O volume de distribuição de uréia, que corresponde ao conteúdo total de água no organismo, pode ser estimado como uma porcentagem fixa do peso corpóreo (homens 60%, mulheres 55%) ou pela equação antropométrica de Watson4. O primeiro método gera resultados de KT/V, superestimados em torno de 5%.5

O estudo multicêntrico, conhecido por CANUSA,6 por ter sido realizado nos Estados Unidos e Canadá, avaliou prospectivamente durante 24 meses 698 pacientes iniciando DPAC e verificou que os fatores demográficos associados com maior probabilidade de morte em DPAC foram a idade avançada, diabetes insulino dependente e doença cardiovascular. Também, o nível sérico de albumina foi um preditor de sobrevida (p<0,0001) assim como o KT/V (p<0,05).

Neste número do Jornal Brasileiro de Nefrologia, Homsi e cols., num estudo de corte transversal, verificaram que, paradoxalmente, pacientes com KT/V de uréia inadequado apresentavam melhor estado nutricional do que os pacientes com KT/V adequado. Quando os autores utilizaram para o cálculo do V o peso ideal, baseado na altura e no sexo, esta discrepância foi contornada. A partir desses resultados, os autores propõem o uso do peso ideal para o cálculo do V em DPAC.

De fato o uso do peso real para o cálculo do V na equação do KT/V assume que deva existir uma relação constante entre a depuração de uréia e o tamanho do paciente. Porém, esta relação ainda não foi validada para pacientes em diálise: Harty et aí8 demonstraram uma correlação muito fraca (r=0,3) entre a depuração de uréia e o tamanho corpóreo. O uso do peso ideal para o cálculo do V seria uma alternativa para contornar as variações do KT/V, associadas com a redução do peso corporal, além de corrigir a imprecisão do cálculo do volume de distribuição de uréia em pacientes obesos. Por outro lado, ele pode encobrir uma situação de subdiálise em pacientes obesos. Somente um estudo prospectivo com o objetivo de determinar qual o melhor método de calcular o V da equação do KT/V poderá resolver esta questão.

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Hugo Abensur Manuel Carlos Martins de Castro Médicos Assistentes da Unidade de Diálise do Hospital das Clínicas da FMUSP Referências 1. Lowrie EG, Laird NM, Parker TF, Sargent JA. Effect of hemodialysis prescription on patient morbidity. Report from National cooperative Dialysis Study. N. Engl. J. Med. 1981; 305:1176-1181 2. Castro MCM. Prescrição em hemodiálise. In Cruz J, Barros RT, Sesso RCC, David Neto E, Suassuna JHR, Heilberg IP, Gouveia Filho WL eds. Atualidades em Nefrologia 3. São Paulo, S.P., Sarvier p. 146-154, 1994 3. Keshaviah P, Nolph K. The peak concentration hypothesis: a urea kinetic approach to comparing the adequacy of continuous ambulatory peritoneal dialysis (CAPD) and hemodialysis. Perit. Dial. Internat. 1989; 9:257-260 4. Watson PE, Watson ID, Batt RD. Total body water volumes for adult males and females estimated from simple anthropometric measurements. Am. J. Clin. Nutr. 1980; 33:27-39 5. Blake PG, Balaskas E, Blake R, Oreopoulos DG. Urea kinetics has limited relevance in assessing adequacy of dialysis in CAPO. Adv. Perit. Dial. 1992; 8:65-70 6. Churchill DN, Thorpe K, Taylor 0W, Keshaviah P. Adequacy of peritoneal dialysis J. A. 5. N. 1994; 5:439 7. Harty JC, Venning M, Gokal R. Does CAPD guarantee adequate dialysis delivery and nutrition. Nefrol. Dial. Transplant. 1994; 9:1721-1723 8. Harty JC, Bulton H, Uttley L, Adams J, Venning M, Gokal R. Normalised clearance - a flawed expression of dialysis dose. Clin. Sci. 1994; 86(5.30): 30p.

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J. Bras. Nefrol. 1995; 17(3): 131 131

Ponto de Vista Histórico: II Congresso Brasileiro de Nefrologia

Alberto Augusto Paolucci

do Programa - que tive a sorte de encontrar entreantigos papéis esquecidos num “bureau” da Faculdadede Medicina.

Ex-Secretário da Regional de Minas Gerais - Sociedade Brasileira deNefrologia.Biocor Hospital de Doenças Vasculares, Belo Horizonte, MG

Sabendo do interesse em resgatar a evolução dahistória da nefrologia no Brasil, como Sócio-Funda-dor da Sociedade Brasileira de Nefrologia, em cujoquadro tenho a honra de figurar, e como Secretárioda Regional de Minas naquela ocasião, sirvo-medesta para enviar interessante documentação a res-peito do II Congresso Brasileiro de Nefrologia, rea-lizado aqui em Minas, em outubro de 1964, sob apresidência do Prof. Caio Benjamin Dias.

Sem dúvida, foi uma honra para nós sediar aque-le evento, numa fase de grande entusiasmo, mastambém de inegáveis dificuldades para uma entidadeainda ensaiando os primeiros passos. O fato é quetivemos, graças à boa vontade de colegas e decididoapoio de inúmeras entidades, um excelente congres-so.

Assim, com prazer que selecionei algumas fotospara a Campanha Pró-Memória, além de um exemplar

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J. Bras. Nefrol. 1995; 17(3): 133-141 133

M. C. Riyuzo e V. A. Soares - Coagulação e glomerulopatias

Sistema de coagulação nas glomerulopatias

Márcia Camegaçava Riyuzo, Vitor Augusto Soares

Realizou-se a revisão do papel do sistema de coagulação e da agregação plaquetária na

cronificação das glomerulopatias. A importância desse mecanismo foi sugerida devido a seme-

lhança morfológica entre doenças glomerulares mediadas pelo sistema imune e a toxemia da

gravidez. As evidências da participação do sistema de coagulação e agregação plaquetária são

demonstradas através da deposição de fibrina e agregação plaquetária nas doenças renais

humanas e experimentais. Várias evidências sugerem que a deposição de fibrina pode ser

conseqüência da infiltração glomerular de macrófagos e ou de linfócitos. Nas glomerulopatias

existe aumento da atividade procoagulante glomerular que poderia ser induzida tanto pelas

células participantes do infiltrado inflamatório (linfócitos e macrófagos) como pela lesão

endotelial.

O encontro de antígenos plaquetários nos glomérulos sugere que essas células tenham parti-

cipação na gênese e progressão de diferentes nefropatias.

Baseados nestes fatos, vários autores têm proposto o uso de anticoagulantes e ou

antiagregantes plaquetários no tratamento de diferentes nefropatias com resultados variáveis.

na hemodinâmica intra renal,1,2,3,4,5 deposiçãomesangial de lípides 6, 7, 8, hipertrofia glomerular,9, 10, 11

participação de infiltrado celular com liberação desubstâncias vasoativas e proliferativas para célulasglomerulares 12, 13, 14, 15, 16 e o envolvimento do sistemade coagulação e agregação plaquetária.12, 17, 18, 19, 20

Entre os mecanismos citados será abordado o papelda coagulação e da agregação plaquetária na evolu-ção das lesões glomerulares.

No processo de coagulação existe a ativação dosdois mecanismos; ativação da cascata de coagulação eagregação plaquetária, resultando em formação defibrina ou de agregado plaquetário. Ambos os meca-nismos são ativados quando ocorre lesão do endo-télio. A formação de fibrina é resultante da ativaçãoda cascata de coagulação que pode ocorrer pela viaintrínseca ou pela via extrínseca.

A via intrínseca se inicia quando o fatorHageman (XII) entra em contato com substânciacolágena exposta e a via extrínseca quando há libe-

Departamento de Pediatria e Disciplina de Nefrologia, Departamento deClínica Médica.Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP- SP.

Endereço para correspondência: Prof. Dr. Vitor Augusto SoaresDisciplina de Nefrologia - Departamento de Clínica Médica. Faculdade deMedicina de Botucatu- UNESP - SPCEP: 18618-970 - Caixa Postal: 584Fone: (0149) 22-2969 - Fax: (0149) 22-2238

Glomerulopatia, coagulação, plaquetas, progressão lesão renal,nefropatiasGlomerulopathy, coagulation, platelets, progression of glomerularlesion, nephropathies

I n t ro d u ç ã o

Os mecanismos propostos para explicar o proces-so de cronificação das glomerulonefrites são múlti-plos. Os mais estudados na literatura são: alterações

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J. Bras. Nefrol. 1995; 17(3): 132-141134

M. C. Riyuzo e V. A. Soares - Coagulação e glomerulopatias

ração de tromboplastina tecidual - fator III dos teci-dos lesados. Uma vez iniciada a cascata de coagula-ção, o processo torna-se ir reversível com ativaçãodo fator X e das etapas subsequentes para formaçãode fibrina.

A lesão do endotélio com a exposição do colá-geno também estimula a aderência de plaquetas nolocal da lesão. As plaquetas aderidas sofrem altera-ções estruturais e liberam adenosina difosfato (ADP),resultando em agregação plaquetária. As plaquetasagregadas são ativadas e mais plaquetas tornam-seaderentes, perdem seus grânulos liberando mais ADPe aminas vasoativas. Também liberam componenteslipoprotéicos que são cofatores (fator plaquetário III)necessários na conversão de protrombina emtrombina que, por sua vez, converte fibrinogênio emfibrina.

As plaquetas podem induzir lesão tecidual não sópela sua participação na formação de trombos, comotambém, pela liberação de substâncias mediadoras dareação inflamatória ou de fatores de crescimento ce-lular.17

Têm sido enfatizado que a expansão de matrizmesangial e proliferação de células mesangiais sejamdecorrentes de estímulos de fatores de crescimentocelular, tais como fator de crescimento derivado deplaquetas, fator beta transformador do crescimento efator de crescimento semelhante a insulina além desubstâncias como interleucina 6, interleucina 1 e fatorde necrose tumoral.21, 22 Entre esses, o fator de cres-cimento derivado de plaquetas e o fator beta transfor-mador do crescimento estão localizados nos grânulosplaquetários. Este fato sugere que as plaquetas po-dem contribuir para progressão da lesão glomerularatravés da liberação dessas sustâncias além da via decoagulação.

E v i d ê n c i a s d a p a r t i c i p a ç ã o d os i s t e m a d e c o a g u l a ç ã o e a g re g a ç ã o

p l a q u e t á r i a n a s g l o m e r u l o p a t i a s

Vassalli e McCluskey, 19 em 1965, foram os primei-ros autores a enfatizarem a importância do sistema decoagulação nas glomerulonefrites. Esta dedução sur-giu em decorrência da observação da semelhançamorfológica entre as lesões renais da doença do soro,da nefrite por anticorpo anti-membrana basalglomerular e da toxemia da gravidez. A diferençaentre estas doenças está no mecanismo de injúria.Enquanto as duas primeiras são mediadas pelo siste-

ma imune, na toxemia da gravidez, acredita-se que osistema de coagulação exerça um papel importante nasua gênese.23

Evidências da participação do sistema de coagula-ção foram observadas em pacientes com glomerulo-nefrite aguda grave e rapidamente progressiva. Nestespacientes foi detectada, na histologia renal, presençade material cuja coloração apresentava propriedadesde fibrina.23

Diversos autores têm relatado a correlação entreperda de função renal e evidências de presença defibrina ou plaquetas nas artérias ou arteríolas glome-rulares.23, 24 Em várias doenças renais têm-se observa-do a presença intraglomerular de antígenos de mem-brana plaquetária e antígenos relacionados à coagula-ção.25, 26, 27, 28, 29, 30

Também há relatos de que a diminuição da ativi-dade da ADPase na membrana basal glomerular derins de ratos ocasiona um aumento da tendênciatrombótica intraglomerular.31

I m p o r t â n c i a d a d e p o s i ç ã o g l o m e r u l a rd e f i b r i n a

Deposição de fibrina nas glomerulopatias humanas

Alguns pacientes com glomerulonefrite apresen-tam alterações sistêmicas de coagulação que são de-vidas à síndrome nefrótica ou à doença de base queoriginou a glomerulonefrite tais como sepsis, vasculiteou doença do tecido conectivo. Nessas doenças têm-se relatado a presença de trombocitose, hiperfibrino-genemia, níveis aumentados de proteínas de faseaguda com atividade anti fibrinolítica 32, 33, 34 e níveisdiminuídos de anti trombina III.35, 36 A presença defibrina e tendência à coagulação nestas doenças seriaconseqüente ao desequilíbrio entre as vias anti-coagulantes e coagulantes.

Existem evidências, no entanto, de que nas lesõesglomerulares possa ocorrer a ativação intrarenal dosistema de coagulação que independe das alteraçõessistêmicas.

Nas glomerulonefrites humanas, a deposição defibrina está associada com doenças proliferativas e/oucrescênticas. Nestas glomerulonefrites foi observada adeposição de fibrina concomitante com o influxo demacrófagos.37, 38, 39 Tem sido proposto que a deposi-ção de fibrina nos glomérulos seria consequência doaumento da atividade procoagulante dos glomérulosnestes pacientes.40

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J. Bras. Nefrol. 1995; 17(3): 133-141 135

M. C. Riyuzo e V. A. Soares - Coagulação e glomerulopatias

Os macrófagos ativados, presentes nos glomé-rulos, podem aumentar a atividade procoagulante,quer diretamente pela expressão de moléculasprocoagulantes, quer indiretamente pela produção decitocinas (Interleucina I, fator de necrose tumoral)que, agindo nas células endoteliais, alteram a expres-são de moléculas procoagulantes e anti-coagulantesdas células endoteliais.51, 52, 53

Outros fatores que aumentam a atividade pro-coagulante glomerular são: deposição de componen-tes do sistema complemento,53 infiltração de linfócitosT 41, 54, 55 e imunoglobulinas e deposição de complexosimunes.56, 57

As células glomerulares intrínsecas contribuempara aumento da atividade procoagulante glomerular.Assim, observou-se que as células mesangiais têm opotencial de expressar a atividade procoagulante au-mentada quando estimuladas pelo fator de necrosetumoral.58 Também foi observado que as célulasendoteliais e mesangiais sintetizam plasminogêniotecidual 59 e as células endoteliais glomerulares ex-pressam trombomodulina, que é importante moléculaanticoagulante.60 As células endoteliais podem aumen-tar a produção do inibidor do ativador do plas-minogênio quando estimuladas por infiltração deneutrófilos.49

No modelo de ablação renal em ratos, os animaisdesenvolvem hipertensão arterial e proteinúria. Àmicroscopia óptica, apresentam fibrose periglomerular,proteína coagulada no espaço de Bowman, trombosede capilares glomerulares e esclerose glomerular. Àmicroscopia eletrônica, é observado edema depodócitos e trombo plaquetário focal. À microscopiade varredura, verifica-se aneurismas de capilares glo-merulares e à microscopia de imunofluorescência, de-tecta-se depósitos de fibrina.1, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68

O uso de drogas anticoagulantes, neste modelo,tem apresentado resultados contraditórios.61, 62, 63, 66, 69

Assim, o tratamento com coumadin (warfarina sódica)não alterou a evolução para esclerose glomerular. 69

Por outro lado, o tratamento com heparina, com ousem ação anticoagulante, resultou em melhora daslesões glomerulares, 62, 66, 69 enquanto não ocorreu omesmo no estudo de Olson.61 O tratamento comheparina sem ação anticoagulante reduziu a protei-núria, além de melhorar as lesões glomerulares.66

Também no estudo experimental de nefrite me-diada por anticorpo anti membrana basal glomerular,os ratos tratados simultaneamente com heparina, ci-clofosfamida e betametasona apresentaram redução

No estudo de biópsias renais de pacientes porta-dores de nefropatia por imunoglobulina A foi obser-vada a presença de antígenos relacionados a coagula-ção (fibrina, fator Von Willebrand) em endotélio emesângio sugerindo a participação do endotélio emreações procoagulantes.29

Outro mecanismo de deposição de fibrina glome-rular está relacionado à participação da hipersensi-bilidade tardia. Isto é sugerido pela observação deque existe associação entre a presença de linfócitos T,macrófagos e deposição de fibrina glomerular.41

Em vista destas evidências da participação defibrina nas glomerulonefrites humanas, vários autorestêm utilizado medicamentos anticoagulantes com oobjetivo de evitar a deterioração da função renal.

O tratamento de pacientes com diferentes glome-rulonefrites, com crescentes, com heparina ou war-farin resultou em melhora da função renal em váriosrelatos.42, 43, 44, 45, 46

O tratamento com �ancrod� (um componente doveneno de cobra que converte fibrinogênio em fibrinasolúvel facilitando sua depuração mais rápida da cir-culação e resultando em hipofibrinogenemia) em 5pacientes portadores de glomerulonefrites resultouem melhora da função renal em todos. As biópsiasrenais seriadas mostraram diminuição de trombosglomerulares e menor intensidade de necrose.47

Observou-se também piora da depuração de crea-tinina após suspensão do tratamento com heparina emelhora da depuração da creatinina com o reinício domedicamento 46 ou menor freqüência de evoluçãopara insuficiência renal.44

Embora sugestivo de que o uso de anticoa-gulantes tenha efeito benéfico na evolução dasglomerulonefrites, estes estudos não são conclusivos,pois foram realizados em pacientes com heteroge-neidade de doenças renais, com o uso concomitantede anticoagulantes e/ou esteróides ou imunossupres-sores ou antitrombóticos e sem grupo controle, sendoque dificultam sua interpretação.

Deposição de fibrina nas glomerulopatias experimentais

A deposição de fibrina nos glomérulos tem sidoobservada na glomerulonefrite mediada por anticorpoanti-membrana basal glomerular, glomerulonefriteinduzida por complexos imunes e por antígenos plan-tados.48,49

Os estudos dos mecanismos determinantes dadeposição de fibrina nesses modelos têm demonstra-do que existe aumento da atividade procoagulanteglomerular.48, 50

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J. Bras. Nefrol. 1995; 17(3): 132-141136

M. C. Riyuzo e V. A. Soares - Coagulação e glomerulopatias

da proteinúria, porém as lesões glomerulares foramsimilares aos animais não tratados.70

Apesar das observações a respeito do tratamen-to das glomerulonefrites humanas ainda serem contra-ditórias, nas glomerulonefrites experimentais, nasquais utilizou-se tratamento com heparina e substân-cias fibrinolíticas, evidenciou-se melhora da funçãorenal e diminuição, ou desaparecimento, de depósitosde fibrina na histologia renal. Isto foi evidenciado nanefrite experimental mediada por anticorpo anti mem-brana basal glomerular,30, 71, 72, 73, 74, 75 na nefrite porcomplexo imune crônica,76 na doença aguda do soro71 e no lupus eritematoso do camundongo.77

I m p o r t â n c i a d a a g re g a ç ã o p l a q u e t á r i a

Agregação plaquetária e glomerulopatias humanas

A participação do sistema de coagulação e deagregação plaquetária nas glomerulonefrites humanastem sido estudada através da avaliação da funçãoplaquetária em pacientes nefróticos, da identificaçãode fatores de fibrinólise-coagulação e antígenos demembrana plaquetária em biópsias.28, 78, 79, 80, 81

Na avaliação da função plaquetária de 73 crian-ças portadoras de síndrome nefrótica, com diferenteslesões glomerulares, a agregação plaquetária estavaaumentada em 22 delas; o soro destes pacientes pro-moveu o aumento da agregação de plaquetas nor-mais, enquanto que a urina tinha capacidade de inibiressa agregação.78 Esses achados sugerem que o au-mento da agregação plaquetária tenha sido decorrenteda perda na urina de proteína inibidora da agregação,normalmente presente no soro.

Também observou-se a presença de agregadosplaquetários circulantes em pacientes portadores devárias doenças renais com Síndrome Nefrótica. Noestudo de 56 pacientes com glomerulonefrite progres-siva crônica, sendo 11 deles portadores de SíndromeNefrótica, constatou-se níveis maiores de agregadosplaquetários circulantes em pacientes que não foramtratados com dipiridamol ou sulfinpirazona em rela-ção aos pacientes tratados.80

Outros autores observaram que pacientes comglomerulonefrite membrano-proliferativa e glomerulo-esclerose segmentar e focal apresentavam maioresconcentrações de agregados plaquetários circulantessugerindo a participação da agregação plaquetárianestas doenças.81 No estudo da função plaquetária empacientes nefróticos observou-se que as suas pla-

quetas foram mais sensíveis para indução de agrega-ção pelo ácido araquidônico quando comparadas aplaquetas de indivíduos normais. Maior agregaçãoplaquetária ocorreu com soro de pacientes hipoalbu-minêmicos, sendo que a adição de albumina ao sorocorrigiu esta alteração.79

Assim, na síndrome nefrótica, a função plaque-tária pode estar alterada devido a hipoalbuminemiaquer devido a perda de fatores inibidores da agrega-ção plaquetária.

Na biópsia renal de pacientes portadores de glo-merulopatia, a presença de plaquetas nos glomérulosraramente é detectada, isto porque quando a plaquetaé estimulada ocorre liberação de substâncias dos seusgrânulos e, em algumas técnicas, a caracterização dasplaquetas é realizada a partir da detecção das substân-cias contidas nesses grânulos.82 No entanto, a pesqui-sa de deposição renal de antígenos plaquetários nes-tes pacientes geralmente é positiva, tanto nosglomérulos como nas arteríolas. Desta forma, encon-trou-se deposição de antígenos plaquetários mais fre-qüentemente nas lesões glomerulares de pacientescom síndrome hemolítico-urêmica, glomerulonefritemembrano-proliferativa tipo I e tipo II, nefropatia dia-bética, nefrite familiar, hipertensão arterial associadacom doença cística ou associada à insuficiência renalcrônica, nefropatia por imunoglobulina A, glomerulo-nefrite membranosa e glomerulonefrite lúpica.25, 28, 29

Antígenos plaquetários foram encontrados conco-mitantemente à deposição de fibrina ou sem a presen-ça de fibrina glomerular. Assim, a presença destesantígenos foi constatada em 56 biópsias renais de 111pacientes. Em 29% das biópsias, o antígeno plaque-tário estava localizado nos mesmos locais de deposi-ção de fibrina, sendo interpretado que a deposição deplaquetas poderia ocorrer por ativação da via de co-agulação. No entanto, 24% das biópsias renais apre-sentavam apenas antígeno plaquetário sem fibrina,podendo-se inferir que o envolvimento das plaquetasestaria relacionado à interação das plaquetas com amembrana basal glomerular sem ativação do sistemade coagulação.26

Apesar dessas observações, diferentes trabalhostêm demonstrado resultados contraditórios em relaçãoao tratamento de pacientes portadores de glomeru-lonefrites com drogas anti-plaquetárias. Assim, pacien-tes com glomerulonefrites membrano-proliferativas ti-pos I e II tratados com dipiridamol, coumadin eciclofosfamida não apresentaram melhora da funçãorenal quando comparados aos pacientes não tratados.83

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Em outro estudo, pacientes com glomerulonefritemembrano-proliferativa tipo I tratados com dipiri-damol e aspirina, durante o período de observação deum ano, apresentaram melhora da função renal.84

Os resultados diferentes desses dois estudos po-dem estar relacionados ao tempo de observação dospacientes. No primeiro estudo foi de 4,3 anos e nosegundo de 1 ano.

O estudo de reavaliação de vários relatos de tra-tamentos de pacientes com glomerulonefrite mem-brano-proliferativa com droga anti-plaquetária mos-trou que a sobrevida é semelhante em pacientes tra-tados e não tratados quando avaliados por período de10 anos.85

Agregação plaquetária nas glomerulopatias experimentais

Embora os estudos das glomerulonefrites huma-nas apenas surgiram a participação do sistema de co-agulação e de agregação plaquetária na evolução paraesclerose glomerular, os resultados decorrentes doestudo das diferentes glomerulopatias experimentaismostram maiores evidências desses fatores na pato-genia das glomerulonefrites.

No modelo de ablação renal em ratos observou-se trombose de capilares glomerulares à microscopiaóptica, edema de podócitos e presença de tromboplaquetário focal à microscopia eletrônica e presençade aneurismas de capilares glomerulares à micros-copia de varredura.1, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 68

A importância da agregação plaquetária na pro-gressão da lesão renal, neste modelo, tem sido discu-tida. Assim, foi observado que animais tratados comaspirina (inibidor seletivo da ciclooxigenase plaque-tária) apresentaram diminuição da intensidade da le-são renal,65 enquanto outros autores não demonstra-ram o efeito benéfico desta droga.86 Zoja e cols. de-monstraram que o uso de ticlopidina (droga que al-tera várias funções plaquetárias) associou-se commenor intensidade de lesão glomerular.68

Também observou-se que ratos com ablação renaltratados com um inibidor da sintetase do tromboxane(OK 41581) apresentaram menores alterações glome-rulares.64, 65 Como o tromboxane, entre as suas dife-rentes ações, é capaz de aumentar adesividade pla-quetária, os autores propuseram que isto seria umaevidência a favor da importância das plaquetas nomecanismo de lesão neste modelo. O tromboxanetambém pode ser produzido por células glomerularesquando estimuladas por radicais de oxigênio. Estudoin vitr o, utilisando glomérulos isolados e incubando -

os com xantina/xantina oxidase (sistema capaz degerar radicias livres de oxigênio), observou- se a pro-dução aumentada de Tromboxane B2 e prostaglan-dinas como PGE2, 6 ceto PGF 1 alfa (metabólito ativoda prostaciclina).87 Entre as células glomerulares, asmesangiais são as que predominantemente produzemradicais livres de oxigênio.88, 89, 90

Baseado nestas observações, tem sido propostoque no modelo de ablação renal a presença de hiper-tensão glomerular provocaria a formação de micro-aneurismas, lesão em endotélio com exposição desubstância colágena e subseqüente agregação pla-quetária que pode levar a liberação de produtosplaquetários (serotonina e fator de crescimento deri-vado de plaquetas), afetando a permeabilidade docapilar e resultando em proteinúria, além de produzirproliferação de músculo liso. Além disso, a agregaçãoplaquetária pode ativar a coagulação intra glomerularcom subseqüente fibrose e esclerose. Assim, no mo-delo experimental de ablação renal, as alteraçõeshemodinâmicas parecem ser o mecanismo inicial deprogressão de lesão glomerular e os eventos relacio-nados ao processo de coagulação intraglomerular eagregação plaquetária parecem influir na evolução danefropatia.

Nas glomerulonefrites experimentais induzidaspor mecanismos imunológicos observa-se infiltradode polimorfonucleares e plaquetas localizadas emglomérulos ou presença de infiltrado mononuclear in-tersticial.70, 91, 92, 93, 94

No modelo experimental de nefrite mediada poranticorpo anti membrana basal glomerular, o trata-mento com dipiridamol resultou na diminuição daproteinúria.93

Neste modelo de nefrite observou-se a elevaçãodo fator ativador de plaqueta (PAF). Quando os ani-mais foram depletados de plaquetas ou complementoocorreu a redução do fator ativador de plaquetas, su-pondo-se que a infiltração de plaquetas contribuapara o aumento dos níveis dessa substância.95 Como ofator ativador de plaquetas pode induzir agregaçãoplaquetária, quimiotaxia, aumento da permeabilidadevascular e estímulo da produção de eicosanóides,96

alguns autores têm sugerido um papel do fator ativa-dor de plaquetas na patogênese desta glomerulo-nefrite.95

Na nefrite nefrotóxica foi observada redução daatividade da ADPase concomitante ao acúmulo deplaquetas intraglomerulares. O tratamento desses ani-mais com superóxido dismutase aumentou a atividade

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da ADPase e diminuiu o número de agregadosplaquetários intraglomerulares.94 Em estudo in vitroutilizando plaquetas humanas, observou-se que osradicais livres de oxigênio aumentaram a adesãoplaquetária induzida pela trombina.97 Estes dados emconjunto sugerem que a deposição de plaquetas nestemodelo pode ser mediada pela formação de radicaislivres de oxigênio.

No modelo de glomerulonefrite ativa de Hey-mann, o tratamento com dipiridamol resultou na dimi-nuição da proteinúria, sem melhora das lesões glo-merulares.93 Também, neste estudo, o tratamento comaspirina, ticlopidina ou batroxobina (substância quereduz o fibrinogênio plasmático) não reduziu a pro-teinúria e nem impediu a evolução da lesão renal. 93

Resultados diferentes foram obtidos no modeloexperimental de glomerulonefrite por complexoimune, induzida pela imunização subcutânea comalbumina do soro bovino, em ratos espontaneamentehipertensos. Os animais tratados com ticlopidina oudipiridamol apresentaram diminuição da proteinúria,entretanto, apenas os tratados com ticlopidina apre-sentaram menores freqüências de lesões glome-rulares.98

Na glomerulonefrite por complexo imune indu-zida pela concanavalina A em ratos, a depleção deplaquetas resultou em diminuição da excreçãourinária de albumina e redução significante de trom-bos intraglomerulares, da necrose segmentar e menordeposição de fibrina nos glomérulos.70

No modelo experimental de glomerulonefrite comanticorpo anti-timócito, observou-se a redução da ati-vidade da ADPase concomitante ao acúmulo deplaquetas intraglomerulares. O tratamento desses ani-mais com superóxido dismutase aumentou a ativida-de da ADPase e diminuiu o número de agregados pla-quetários intraglomerulares.94 Assim, neste modelo, ésugestivo que a deposição de plaquetas pode sermediada pela formação de radicais livres de oxigênio.A depleção de plaquetas, prévia à indução de glome-rulonefrite experimental anti timócito em ratos, resul-tou em menor proliferação de células glomerulares emelhor função renal.91

Outros modelos experimentais têm sido utilizadospara estudar os mecanismos de progressão de lesãoglomerular para esclerose tais como as nefropatias in-duzidas por drogas como a adriamicina e o aminonu-cleosídeo de puromicina.6, 99, 100

Nestes modelos experimentais, a importância dasplaquetas tem sido pouco estudada. Na nefropatia

induzida pelo aminonucleosídeo de puromicina emratos, observou-se presença de imunoglobulina M eantígeno, relacionado a fibrina nas paredes capilarese no mesângio.101 Neste modelo, ocorreu redução doinfiltrado intersticial e da proteinúria nos animais tra-tados com antagonista do fator ativador de plaquetas.102 De forma semelhante, o antagonista do fatorativador de plaquetas reduziu o infiltrado intersticial ea proteinúria na nefropatia induzida por adriamicinaem ratos 102, 103 e a morfologia renal foi semelhante aosanimais controles sadios.103

Na nefropatia induzida pela adriamicina, o trata-mento com inibidor da tromboxane-sintetase resultouem redução da síntese de tromboxane B2, da ex-creção do tromboxane B2, da proteinúria e da fre-qüência de esclerose glomerular. 104

C o n c l u s ã o

Em conclusão, podemos afirmar que a presençade depósitos de fibrina e de antígenos plaquetáriosnas diferentes glomerulopatias humanas e experimen-tais está bem determinado, porém., a importância des-sa deposição na gênese e progressão das diferentesnefropatias é discutível.

Os estudos em seres humanos feitos, na suamaior parte, com a utilização de diferentes associa-ções de drogas e geralmente não apresentando gru-pos controles, não permitem chegar a conclusões.

Os trabalhos experimentais, que avaliaram a im-portância de deposição de fibrina, demonstraram queexiste associação entre a diminuição dos depósitos defibrina e atenuação das lesões glomerulares, sugerin-do que esta deposição tenha importância na gêneseda lesão glomerular.

A importância da agregação plaquetária na pato-genia e evolução das glomerulopatias humanas eexperimentais, no entanto, não está completamenteesclarecida.

Observa-se que nas nefropatias mediadas pelosistema imune, os estudos sobre a importância dasplaquetas na gênese das lesões renais indicam que obloqueio da agregação plaquetária é capaz de reduzira proteinúria sem alterar a intensidade da lesão renal.

Por outro lado, estudos realizados nas nefropatiasinduzidas por drogas (aminonucleosídeo de puromi-cina, adriamicina) ou por ablação de massa renalobservaram que a inibição da agregação plaquetáriafoi capaz de reduzir a progressão da lesão glomerular,quando estudada a curto prazo.

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A g r a d e c i m e n t o s

Os autores agradecem a Professora DoutoraDinah Borges de Almeida e ao Professor DoutorHerculano Dias Bastos pela revisão criteriosa destemanuscrito.

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O. da R. Santos e G. S. Lopes - Glomerulonefrite e Imunodeficiência Humana

Glomerulonefrite associada à infecção pelo Vírus daImunodeficiência Humana (GNVIH)

Introdução

Há dez anos, da epidemia da infecção pelo vírusda imunodeficiência humana (VIH), emergiu novanefropatia, ao lado das diversas modalidades doenvolvimento renal. Veio a ser denominadaglomerulonefrite associada à infecção pelo VIH(GNVIH), sublinhada principalmente por glomerulos-clerose segmentar e focal (GESF) com lesõestubulointersticiais peculiares, 1-5 descrevendo-se, a se-guir, marcadores ultraestruturais 2-6 e indicações daparticipação do VIH na etiopatogenia 7-9 ( presença deantígenos e amplificação de genomas virais). Caracte-rizada por proteinúria, freqüentemente nefrótica, como curso rápido de insuficiência renal (IR), alcançando,na maioria, o estágio terminal em semanas ou meses,muitas vezes sem edemas ou hipertensão arterial 3-10 econservando os rins dimensões normais ou aumenta-das, córtex hiperecogênica e ocorrendo quase sempre

Omar da Rosa Santos e Guilherme Santoro Lopes

É oferecida uma revisão atualizada da GNVIH, discutindo os principais aspectos clínicos,

anatomo-patológicos e epidemiológicos que esta entidade nosológica entranha. Focalizam-se

os conceitos recentemente alcançados à luz da compreensão da etiopatogenia, que também é

discutida. Os dados de 8 pacientes da série do Hospital Universitário Gafrée e Guinle (UNI-

RIO) são mencionados. Faz-se breve menção às possibilidades terapêuticas.

em negros. A GNVIH instala-se em indivíduos sero-positivos, antes que se asseste a síndrome deimunodeficiência adquirida (SIDA) em cerca de 50% ,sendo, em perto de 20%, a manifestação única e pre-coce, sinalizadora da vigência da infecção pelo VIH. 11

A GESF é lesão inespecífica e não é a única nainfecção pelo VIH, havendo sido descritas: lesãoglomerular mínima, hiperplasia mesangial, GNmembrano-proliferativa, GN membranosa e GN porimunocomplexos, incluindo por IgA e “lupus-like”. Aslesões vasculares costumam faltar, exceto nos casosde microangiopatia trombótica trombocitopênica.Contudo, prevalece a GESF, ornada dos seguintesindicativos:

a) GESF global com colapso precoce dos tufos;b) notórias hipertrofia e vacuolização do epitélio

visceral;c) túbulos microcísticos com cilindros gigantes por

todo o néfron;d) degeneração focal e simplificação do epitélio

tubular;e) numerosas estruturas tubulorreticulares no endo-

télio e nos leucócitos infiltrantes. 12

Outros dados incluem: hiperplasia mesangial;infiltrado celular intersticial precoce; depósitos deimunoglobulinas (principalmente IgM), C1, C3 ealbumina no epitélio visceral, no espaço de Bowmane nos cilindros; degeneração da cromatina e corposnucleares complexos. 2,6 As séries de biópsias renais(BR) sugerem rápida evolução da glomerulopatiacolapsante para um estágio intermediário, com capila-

Grupo de Trabalho: Clínica Médica III e Serviço de Nefrologia, Escola deMedicina e Cirurgia, UNI-RIO, Hospital Universitário Gaffrée e Guinle.

Endereço para correspondência: Prof. Dr.Omar da Rosa SantosRua Botucatu 71 - Grajaú - CEP 20541-340.Rio de Janeiro - RJ

VIH, glomerulonefriteHIV, glomerunephritis

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res colapsados e obstruídos por membrana basal (MB)e matriz mesangial (MM) (hialinose), até fases avança-das de GESF com degeneração cística e atrofiatubulares e fibrose intersticial (Fig 1A-D). Foram des-critos casos de evolução de glomerulopatia com lesãomínima e de hiperplasia mesangial, até GESF, compa-tíveis com a evolução por um “continuum” de lesões

10. Dados recentes, franceses 5 (BR em 60 pacientes;29 negros e 31 brancos) mostram três padrões predo-minantes;a) GESF (principalmente em negros);b) GN por imunocomplexos (IC) ( mais comum entre

os brancos), incluindo casos de GN pós-infecciosae “lupus-like”, e

Figura 1 - A-Caso n o 3 (Tabela I) GNVIH sinalizadora, expressa como glomerulonefrite aguda. Aspecto (H.E. 250x) de GN proliferativa difusa com segmentos deglomerulosclerose (GS) e lesões túbulo-intersticiais agudas. Experimentou recuperação funcional e redução da proteinúria (Fig. 2) após uso de “pulse “de metil-prednisolona seguido de prednisona oral. Oito meses após houve súbita redegradação funcional renal, falecendo com criptococose sistêmica. O estudo histopatológico“per mortem” evidenciou ( B,C,D ) GESF associada com degeneração microcística tubular, contendo cilindros gigantes (cil) ( B- H.E. 80x), muitos glomérulos exibindoproliferação e produçào mesangial com colapso dos tufos capilares, coroados por epitélio visceral (Ep) hipertrófico e vacuolizado ( C- PAS 250x). Havia áreas dos tufosperiféricos com epitélio visceral (Ep) hipertrófico e estirado, formando cisternas (ci) e aderindo, por células isoladas, à cápsula de Bowman (CB) através de finas travescitoplasmáticas (setas) ( D- PAS 1000x). E- Caso n o 8 (Tabela I) GNVIH sinalizadora, expressa como glomerulonefrite aguda grave em paciente com sífilis. A BR indicouglomerulonefrite proliferativa difusa (PAS 250x), que formava crescentes celulares em cerca de 30% dos glomérulos. Ao tratamento (penicilina, doses “pulse”de metil-prednisolona seguidas de prednisona oral), seguiu-se recuperação funcional, com redução da proteinúria, mantida por mais de um ano.

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e a construção de modelo experimental, 16 concorrempara evidenciar a identificação da GNVIH com argu-mentos tão fortes quanto os que sustentam a indivi-dualidade da maioria das nefropatias. 14

A GNVIH prevalece na raça negra na razão de 9:1,embora haja relatos entre brancos. Os negros nãousuários de drogas endovenosas constituem a maioriados pacientes (cerca de 3/4) 17 o que tende a absolvero uso de tóxicos da posição de determinante princi-pal, embora a morfina, metabolito da heroína provo-que proliferação celular e aumento da matriz mesan-gial “in vitro”. 18 O relato de GNVIH em negros africa-nos 5 e em negros e mestiços brasileiros, 19,19a emséries com baixas porcentagens de toxicômanos, favo-rece a predisposição da raça negra. Na América Lati-na, a GNVIH é infreqüente e o número de casos noBrasil é de 15 pacientes. 20 Porém, a análise de 4 sériesnorte-americanas, totalizando 104 pacientes com aetnia pormenorizada, 3,4,21,22 identifica 23 hispânicos,dado que, junto a outro relato norte-americano 23 queidentifica a GNVIH tanto em negros como em bran-cos, remete à necessidade de conhecer melhor opapel da etnia. Nossa experiência, numa série em queo número de brancos supera o dos negros, no Hos-pital Universitário Gaffrée e Guinle, indica que aporcentagem de GNVIH se tem mantido em torno de1%,19,19a com diversas expressões histopatológicas (Ta-bela 1), aparentemente menos do que nos EE.UU..Contudo, considerando apenas a etnia negra, vê-seque ela ocorre em cerca de 4%. Predomina, nitida-mente, entre negros e mestiços sem vinculação com ouso de drogas endovenosas.

Embora a GN mediada por IC não guarde, aparen-te, papel central na GNVIH, detectam-se linfócitosCD

8+ no interstício precocemente. 2 É provável que

c) nefrite tubulointersticial, isolada ou associadacom diversas lesões glomerulares.Foram observadas diversas associações de GESF

com GN proliferativa no mesmo espécimen, talvezespelho da diversidade étnica da população, talvezdos critérios adotados para perfazer a BR. Num estu-do norte-americano, 8 verificou-se que a GESF preva-lecia na metade dos casos, ocorrendo GN proliferativaem cerca de 30%, favorecendo a tese de que a GNVIHcurse com todo um espectro de lesões. Com efeito, aGN imunologicamente mediada (com depósitos ouformação de IC “ in situ ”) pode ser observada naGNVIH,13 concordando com o achado de IC circu-lantes contendo antígenos do VIH. O estudo de 4pacientes soropositivos com GN por IC (3 deles comsorologia para lues positiva) _ a exemplo do visto nocaso 8 (Tabela 1, Fig. 1E) _ permitiu recuperar ICidênticos, contendo antígenos do VIH, da circulação edo tecido renal. 13 As observações de GNVIH por ICconcordam com as descrições da nova modalidade denefropatia vinculada ao VIH, marcada por depósitosde IgA, 9 onde não costuma haver IR grave, sendomais comum em pacientes brancos. É consistente como fato de uma porcentagem substancial da respostapoliclonal na SIDA se fazer com a produção de IgA.

A identidade da GNVIH foi, inicialmente, questi-onada. Parecia restringir-se aos centros na Costa Lestenorte-americana e em Miami, 2,3,4,14 confundindo-secom a nefropatia da heroína. A identificação de umahistória natural e de um quadro clínico bem caracte-rizados, as lesões histopatológicas definidas, osmarcadores ultraestruturais, as indicações da partici-pação do VIH na patogenia, os relatos de fora dosEE.UU. e na Costa Oeste norte-americana, 15 a ocorrên-cia de GNVIH em recém-nascidos de mães infectadas

Tabela 1Principais dados clínico-patológicos de 8 casos de GNVIH (H.U. Gaffrée e Guinle)

No Idade/Sexo Cor Fator de Risco Proteinúria (g/24h) Creatinina sérica (mg%) Patologia NS VIH+

1 23/M Pd Hs/D 4,9 5,5 GESF2 35/M Pd Hs 8,3 14,5 GESF §3 42/M P Hs 5,3 8,5 GESF §4 36/M Pd Hs 3,2 0,9 N5 41/F P T 4+* 0,9 N6 38/M P Hs 4,3 9,6 GESF7 39/M B Hs 20 11,4 GESF8 19/M Pd Hs 3,6 3,0 GNPD §

Pd = pardo; B = branco; P = preto; Hs = homossexual; D = viciado em drogas endovenosa; T= transfundido; N = normal à microscopia óptica; GESF =glomerulosclerose segmentar/focal; GNPD = glomerulonefrite proliferativa difusa;§: pacientes com nefropatia sinalizadora que receberam doses “pulse”de metilprednisolona;* apenas pesquisa qualitativa de proteinúria foi realizada.NS VIH + = nefropatia sinalizadora da infecção pelo VIH

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monócitos e linfócitos infectados migrem para os rins,estabelecendo-se santuários onde ocorram ativação ereplicação virais, infectando células CD

4+ que se tor-

nam fonte de citoquinas (CK) e fatores de crescimen-to (FC), decorrendo proliferação mesangial e a GESF,10 sem exigir a participação de infecções oportunistase de IC. A GESF pode decorrer de reação inflamatóriainespecífica com proliferação mesangial e obsoles-cência. Verificamos a hiperplasia do mesângio emcerca de 50% das necrópsias de SIDA e glomérulosaumentados em cerca de 25%. 19,19a Observamos aindaque a reserva funcional renal se mostra diminuída nossoropositivos assintomáticos. 24 Tais fatos conduzem aespecular sobre a mediação hemodinâmica favore-cedora da instalação da GNVIH , concordando com osestudos que demonstram IR fulminante na ausênciade obliteração glomerular 22 e volume glomerularmédio aumentado nas necrópsias de pacientes comSIDA. A tese da mediação hemodinâmica é socorridapela detecção de proteinúria tubular e glomerular epela microalbuminúria preditiva da GNVIH. 25

Evidencia-se a participação do VIH na GNVIH :invasão viral em células endoteliais, mesangiais eepiteliais viscerais e tubulares, 1,7,8,26 com detecção dogenoma viral amplificado pela PCR, 13 indicando que apresença do genoma proviral possa ser condição ne-cessária, embora não obrigatoriamente suficiente,para a GNVIH. É provável que a participação viralative gens de CK e TGF β, que promovam aumento damatriz mesangial, enquanto o mesângio prolifere e

produza fatores biopatológicos. É possível que a açãoviral direta provoque um estado conjugado de insufi-ciência mesangial e do epitélio visceral 27,27a que seestire sobre capilares dilatados pelo hiperfluxo,ensejando cisternas interpediceliais (Fig. 1D) onde seacumula filtrado rico em proteínas, facilitando a ade-são do epitélio visceral à cápsula de Bowman, peloefeito de CK e FC, com a formação de ninhos e focosde GESF que adota curso rápido.

O soro de portadores do VIH estimula a prolife-ração mesangial e interage com macrófagos sintetizan-do matriz mesangial. 18 Como as células endoteliais emesangiais são suscetíveis à infecção pelo VIH, 26

expressando as últimas receptores CD4+ e, como os

produtos macrofágicos estimulam a síntese de matrizmesangial, 16 embora apenas baixa porcentagem dedoentes desenvolva a GNVIH, é de indagar se o in-sulto inicial permite a infiltração de macrófagos queaceleram a GESF. O TGF β faz as células mesangiaistransfectadas com o VIH incrementarem a expressãode gens virais 28 e é capaz de alterar a replicação viral.Sua concentração é alta no plasma e nos tecidosinfectados pelo VIH. A liberação de FC para fibro-blastos (bFCF) pelo mesângio lesado pode estimular oaumento mesangial. O TGFβ pode atuar por viaparácrina, autócrina ou estimulando a transcrição dogenoma do VIH, quiçá estabelecendo-se círculo vicio-so: produção de matriz mesangial, hipertrofia celular,fibrogênese, sem requerer inflamação glomerular obri-gatória. A infecção pelo VIH desregula a produção deCK e FC, sugerindo-se a interação hospedeiro /VIHou produtos do seu genoma. Efetivamente, o gen tatativa a produção de TGF β. 16

Resta a possível co-infecção, concorrente ouintercorrente, com outros vírus. A proteína X do vírusB da hepatite (VBH) transativa o VIH “in vitro” eexistem observações clínicas esparsas ligando aGNVIH e o VBH. Observamos o HBsAg no epitélioem 80% dos rins com GESF e apenas em 17% doscasos em que faltava a glomerulosclerose na SIDA 29 e,por fim, considerar que proteínas do ciclo vital doVIH (e.g.rev) são encontradas em glomérulos escle-róticos na GNVIH experimental em camundongostransgênicos para elemento subgenômico não infec-tante do VIH. 16 Resta alinhar tais conhecimentos numahipótese unificadora da patogênese da GNVIH.

No tratamento, cabe mencionar os recentes me-lhores resultados com o suporte dialítico bem como aesperança de que os corticosteróides possam realmen-te oferecer redução da proteinúria e controle da IR,

Figura 2 - Evolução de 2 pacientes (casos 3 e 8 na Tabela 1) com GNVIH (Fig. 1,A-E), que se apresentaram com glomerulonefrite aguda grave e insuficiência re-nal, havendo recebido “pulses” de metil-prednisolona antes de conhecido o esta-do de portador do VIH. (l ) = creatinina sérica, (m )= proteinúria de 24 h.

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usados pela via oral 30 ou , eventualmente, em doses“pulse”, talvez com o auxílio do AZT, que pode sermelhor aplicado com o socorro da eritropoietina paracontornar a anemia da IR, com o intuito de abrandara evolução explosiva da GNVIH. Cabe, ainda, inves-tigar o valor da ciclosporina, que tem a vantagem debloquear a secreção de CK; das dietas hipoproteicas;dos bloqueadores de canais de cálcio; dos inibidoresda enzima conversora da angiotensina; dos antagonis-tas de tromboxano, de PAF, de PDGF, etc; dosanticorpos contra TNF, IL6 e TFG β; além da inserção,por manipulação genômica, de DNA impeditivo dacodificação de CK envolvidas na patogênese. Os re-sultados entrevistos na Fig. 2, em 2 de 3 casos deGNVIH sinalizadora da infecção, alcançando reversãoda IR e redução duradoura da proteinúria, podem sercontingenciais; podem, porém, acenar com a possibi-lidade de se intervir no turbilhão etiopatogênico destaglomerulopatia.

Summary

Glomerulonephritis associated to human immunode-ficiency virus infection (GNHIV)

An update on GNHIV, discussing clinical, patho-logical and epidemiological topics, is presented.Evolving concepts about its etiopathogeny are fo-cused. Data based on a series of 8 cases at HospitalUniversitário Gaffrée e Guinle are mentioned. Briefcomments on therapeutical possibilities are included.

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J. Bras. Nefrol. 1995; 17(3): 142-147 147

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J. Bras. Nefrol. 1995; 17(3): 148-157148

E. E. Nakayama, et al - Lesões renais em hanseníase

Lesões renais em hanseníase

Edson Eiji Nakayama, Somei Ura, Raul Fleur y Negrão, Vitor Augusto Soares, Dinah Bor gesde Almeida, Marcello Franco

I n t ro d u ç ã o

Hanseníase é doença crônica multissistêmicagranulomatosa causada pelo Mycobacterium lepraeque apresenta tropismo especial pela pele e sistemanervoso periférico.1,2 A doença exibe dois tipos delesões granulomatosas: macrofágica (hanseníasevirchoviana) e epitelióide (hanseníase tuberculóide).Envolvimento sistêmico tem sido observado afetandoespecialmente os órgãos do sistema retículo-endotelial .3,4

Comprometimento renal foi inicialmente descritopor Mitsuda & Ogawa,3 em 1937, que relataramnefropatias sem especificações em 150 autópsias. Aseguir, alterações renais foram também encontradaspor Kean & Childress,4 em 1942, que detectaram 54casos de nefropatias em 103 autópsias (52,42%) assimdistribuídas: 4 casos de glomerulonefrite aguda(GNDA), 8 de glomerulonefrite crônica (GNC), 5 denefrite aguda, 17 de nefrite crônica, 4 de arterio-lonefrosclerose, 13 de nefrosclerose, 7 de tuberculose

e 4 de amiloidose. O termo nefrite foi, provavelmen-te, aplicado à patologia túbulo-intersticial, e os termosarterionefrosclerose e nefrosclerose à nefrosclerosearteriolar e arterial, respectivamente.

Subsequentemente diversos trabalhos sobre os as-pectos anátomo-clínicos das doenças renais associa-das à hanseníase foram publicados, baseados emcasuísticas de autópsias 5-9 e biópsias.2,10-18

De modo geral, as alterações clínico-laboratoriaisincluem edema, hematúria, proteinúria e/ou anorma-lidades bioquímicas.10,11,19-25 Sob o ponto de vistamorfológico, podem ser encontradas várias nefro-patias, como amiloidose,4,5,7,11,18 nefrite intersticial7,24 eglomerulonefrite.2,7,10,13-17,22-23,26-32 Excepcionalmente, osrins são sede de envolvimento específico pela doen-ça.3,6,9,10,22,24,29,33

As lesões renais podem ser observadas em todasas formas de hanseníase, e são mais frequentes nasformas virchovianas reacionais, especialmente duranteepisódios de eritema nodoso.20,34

O mecanismo exato das glomerulopatias associa-das à hanseníase não está totalmente esclarecido.27

Não foi possível incriminar M.Leprae como o agentecausal primário das glomerulonefrites em hanseníasehumana. Porém, a demonstração de depósitos decomplexos imunes nos glomérulos de alguns pacien-tes, associados à diminuição dos níveis de comple-mento sérico, sugerem que as alterações observadasresultem da deposição de complexos imunes.30-32

As lesões renais na hanseníase podem ter grandeimportância, já que podem evoluir para insuficiênciarenal, constituindo-se, então, em causa contributivade morte dos pacientes.3,4,7-9,11

Trabalho realizado no Departamento de Patologia da Faculdade de Medicinade Botucatu, UNESP, São Paulo.

Endereço para correspondência: Dr. Marcello Franco, Departamento dePatologia, Faculdade de Medicina de Botucatu, UNESP, 18618-000, SãoPaulo. Fax: (0149) 21-2348.

Hanseníase, rim, glomerulonefrite, amiloidoseLeprosy, kidney, glomerulonephritis, amiloidosis

O presente trabalho revê as manifestações clínicas e laboratoriais, os tipos morfológicos

(amiloidose, glomerulonefrite, nefrite túbulo-intersticial e lesões específicas) e a patogenia das

lesões renais associadas às diferentes formas de hanseníase.

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E. E. Nakayama, et al - Lesões renais em hanseníase

M a n i f e s t a ç õ e s c l í n i c a s e l a b o r a t o r i a i s

Os pacientes hansênicos com comprometimentorenal podem apresentar desde quadro assintomáticoaté síndrome nefrótica plenamente instituída.

Na presente revisão, agrupamos os dados de 367casos referidos na literatura (Tabela 1). As apresenta-ções clínicas mais frequentes foram: diminuição do��clearance�� de creatinina (84,3%), proteinúria(46,3%), cilindrúria (25,3%) e hematúria (22%).Síndrome nefrótica foi detectada em 13 casos (6,0%).Aumento dos níveis de uréia e de creatinina plas-máticos foi observado em 8,5% e 6,3% dos casos,respectivamente. Hipertensão arterial e hematúriamacroscópica foram achados clínicos pouco frequen-tes nos pacientes estudados.

A Tabela 2 demonstra as alterações clínico-labo-ratoriais encontradas em hanseníase virchoviana (330casos) e não-virchoviana (37 casos). Observou-seprevalência significativamente maior de proteinúria

(50,9% X 2,7%), hematúria (25,1% X 0%) e síndromenefrótica (6,6% X 5,4%) em pacientes com hanseníasevirchoviana. Os pacientes não- virchovianos não apre-sentaram aumento dos níveis plasmáticos de uréia ecreatinina. �Clearance� de creatinina não foi estudadoneste grupo.

Vários trabalhos estudaram a relação entre envol-vimento renal e reação hansênica em pacientes vir-chovianos. A Tabela 3 apresenta a distribuição dasalterações clínico-laboratoriais renais em 334 casosde hanseníase virchoviana em fase reacional atual(128 casos), em fase reacional pregressa (91 casos) eem 115 pacientes controles, que nunca apresentaramreação hansênica (hanseníase virchoviana não-compli-cada) .

Proteinúria foi observada em 54,1% dos pacientesna fase reacional, em 31,9% na fase pós-reacional eem 33% dos casos de hanseníase não complicada.Hematúria foi também muito mais frequente nos pa-

Tabela 1Alterações clínico-laboratoriais renais em 367 pacientes com hanseníase

AUTOR Nº Pac. HA Edema HeMa S. Nefro Prot. HeMi Cilin Aumento Aumento DiminuiçãoANO Creat. Uréia ClearCreat

Çologlu14

1979 21 1 1 0 1 12 13 NR NR NR NRGrupta e col.16

1981 21 0 0 0 3 14 7 4 5 4 17Bajaj e col.19

1981 8 NR NR NR 0 8 NR NR 1 NR 8Bajaj e col.20

1981 122 NR NR NR NR 63 23 26 NR NR NRNG e col.17

1981 1 0 1 0 0 1 1 1 0 NR NRPhadnis e col.24

1982 50 NR NR NR 1 25 NR NR 0 0 NRChugh e col.13

1983 60 0 0 0 3 8 4 NR 1 1 NRGrover e col.29

1983 54 NR NR NR 4 22 11 NR NR 9 NRKanwar e col.34

1984 27 NR NR NR NR 14 6 10 NR NR NRGelber28

1986 1 NR NR NR 0 1 1 1 1 1 1Al-Mohaya e col.10

1988 1 0 1 0 0 1 1 1 0 0 0Weiner e Northcutt1989 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1

TOTAL 367 2/105 4/105 1/105 13/218 170/367 68/309 44/174 9/143 16/188 27/32

% (1,9) (3,8) (0,9) (6,0) (46,3) (22) (25,3) (6,3) (8,5) (84,3)

ABREVIAÇÕES: HA= hipertensão arterial, S.Nefro= síndrome nefrótica, HeMa= hematúria macroscópica, Prot= proteinúria, Cilin= cilindrúria, HeMi=hematúria microscópica, Creat= creatinina sérica, ClearCreat= clearance de creatinina, NR= não referido no estudo.

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100 ml na fase reacional, 0,91 mg/100 ml na fasequiescente e 0,68 mg/100 ml na não-complicada.

O conjunto dos dados indica que alterações re-nais são mais comumente associadas às fasesreacionais de hanseníase virchoviana, o que sugeremecanismos de patogênese comuns para ambos osfenômenos.

Insuficiência renal aguda (IRA) pode tambémocorrer na hanseníase. A principal causa deste distúr-

cientes reacionais (47,9%) do que nos pós-reacionais(14,3%) e não-complicados (14,1%).

Filtração glomerular, quantificada pelo �clearance�de creatinina e nível plasmático de creatinina, mos-trou-se mais alterada nos pacientes com reaçãohansênica. O �clearance� de creatinina apresentoumédia de 54,84 ml/min na fase reacional contra 70,69ml/min na pós-reacional e 73,78 ml/min na não com-plicada. Creatinina plasmática teve média de 1,42 mg/

Tabela 2Alterações clínico-laboratoriais renais em pacientes com hanseníase virchoviana e não-virchoviana

HANSENÍASE VIRCHOVIANA

AUTOR Nº Pac. HA Edema HeMa S. Nefro Prot. HeMi Cilin Aumento Aumento DiminuiçãoANO Creat. Uréia ClearCreat

Çologlu14

1979 21 1 1 0 1 12 13 NR NR NR NRGrupta e col.16

1981 21 0 0 0 3 14 7 4 5 4 17Bajaj e col.19

1981 8 NR NR NR 0 8 NR NR 1 NR 8Bajaj e col.20

1981 122 NR NR NR NR 63 23 26 NR NR NRNG e col.17

1981 1 0 1 0 0 1 1 1 0 NR NRPhadnis e col.24

1982 45 NR NR NR 1 25 NR NR 0 0 NRChugh e col.13

1983 32 0 0 0 2 7 4 NR 1 1 NRGrover e col.29

1983 50 NR NR NR 4 21 NR NR NR NR NRKanwar e col.34

1984 27 NR NR NR NR 14 6 10 NR NR NRGelber28

1986 1 NR NR NR 0 1 1 1 1 1 1Al-Mohaya e col.10

1988 1 0 1 0 0 1 1 1 0 0 0Weiner e Northcutt1989 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1

TOTAL 330 2/77 4/77 1/77 12/181 168/330 57/227 44/174 9/110 7/101 27/32

% (2,6) (5,1) (1,3) (6,6) (50,9) (25,1) (25,3) (8,2) (6,9) (84,4)

NÃO-VIRCHOVIANA

Phadnis e col.24

1982 5 NR NR NR 0 0 NR NR 0 0 NRChugh e col.13

1983 28 0 0 0 1 1 0 NR 0 0 NRGrover e col.29

1983 4 NR NR NR 1 NR NR NR NR NR NR

TOTAL 37 0/28 0/28 0/28 2/37 1/37 0/28 NR 0/33 0/33 NR

% 0 0 0 5,4 2,7 0 NR 0 0 NR

ABREVIAÇÕES: HA= hipertensão arterial, S.Nefro= síndrome nefrótica, HeMa= hematúria macroscópica, Prot= proteinúria, Cilin= cilindrúria, HeMi=hematúria microscópica, Creat= creatinina sérica, ClearCreat= clearance de creatinina, NR= não referido no estudo.

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J. Bras. Nefrol. 1995; 17(3): 148-157 151

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Tabela 3Alterações clínico-laboratoriais renais em 334 pacientes com hanseníase virchoviana nas fases

reacional (N=128), pós-reacional (N=91) e sem fase reacional (não complicada) (N=115)

REACIONAL

AUTOR Thomaz e Çologlu14 Bajaj e Sritharan e Bajaj e Kanwar e TOTALANO col.25-1970 1979 col.20-1981 col.35-1981 col.19-1981 col.34-1984 (%)Nº 35 7 44 30 8 4 128Hematúria 16 5 19 NR 3 4 47 (47,9%)Proteinúria 8 4 29 NR 8 4 53 (54,1%)Cilindrúria 12 NR 10 NR 1 3 26 (28,6%)Creatinina NR NR 1,14 1,88 1,19 1,67 1,42

(+0,35) (+0,92) (0,75-1,8) (0,8-2,5) (0,8-2,5)Uréia NR NR 27,36 39,0 25,37 57,0 32,61

(+10,37) (30-50) (12-40) (37-83) (12-83)Clear.Creat NR NR 55,62 58,0 38,71 NR 54,84

(+18,96) (55-71) (27,2-61.7) (27,2-71)

PÓS-REACIONAL

Nº 30 NR 45 NR 8 8 91Hematúria 8 NR 4 NR 0 1 13 (14,3%)Proteinúria 1 NR 20 NR 4 4 29 (31,9%)Cilindrúria 3 NR 10 NR 0 3 16 (17,6%)Creatinina NR NR 0,93 NR 0,92 0,8 0,91

(+0,22) (0,80-1,9) (0,4-0,8) (0,4-1,9)Uréia NR NR 27,20 NR 30 29,37 27,8

(+ 9,40) (20-62) (19-36) (19-62)Clear.Creat NR NR 71,22 NR 67,72 NR 70,69

(+24,05) (40,2-96.2) (40,2-96)

NÃO-COMPLICADA

Nº 24 13 33 30 NR 15 115Hematúria 3 8 0 NR NR 1 12 (14,1%)Proteinúria 0 8 14 NR NR 6 28 (33%)Cilindrúria 0 NR 6 NR NR 4 10 (13,8%)Creatinina NR NR 0,88 0,53 NR 0,58 0,68

(+0,19) (+0,06) (0,4-0,8) (0,4-1,0)Uréia NR NR 22,73 39,0 NR 28,33 30,12

(+ 3,73) (22-56) (19-39) (19-56)Clear.Creat NR NR 79,05 68,0 NR NR 73,78

(+20,61) (63-86) (29-99)

ABREVIAÇÕES: ClearCreat= clearance de creatinina, NR= não referido no estudo.

bio é necrose tubular aguda (NTA) consequente àsepticemia, observada em estágios terminais da doen-ça.7 Alguns casos de IRA foram observados em pacien-tes com hanseníase virchoviana reacional associada àglomerulonefrite rapidamente progressiva (GNRP).13,14,29 A partir de 1986, quando a rifampicina passou aser administrada uma vez ao mês, começaram a surgircasos esporádicos de IRA. 38-42 As lesões renais respon-sáveis pela IRA foram: necrose tubular aguda (NTA)38,39,41 e nefrite túbulo-intersticial (NTI).38,39,41 NTA édecorrente de hemólise intravascular grave ou cho-que.38,42 Os dados atuais sugerem que NTI é devido a

mecanismo imunológico.38,40 Em alguns pacientes quesofreram esta lesão, foram demonstrados anticorposanti-rifampicina no soro.40

As alterações clínicas e laboratoriais de pacienteshansênicos com amiloidose renal secundária estãodemonstradas na Tabela 4. A análise foi possível em65 pacientes relatados na literatura.

A pressão arterial (PA) foi estudada em 50 casos,sendo que 12 pacientes (24%) eram hipertensos. Estespacientes apresentavam grau moderado ou grave deinsuficiência renal. A maior prevalência de hiperten-são arterial (HA) neste grupo de pacientes em relação

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J. Bras. Nefrol. 1995; 17(3): 148-157152

E. E. Nakayama, et al - Lesões renais em hanseníase

Tabela 4Freqüência de amiloidose renal secundária em hanseníase: relação com surto reacional achados clínico-laboratoriais renais

Pacientes Achados clínicos e laboratoriais renaisAUTOR/ANO Nº V VR+ VR- NV HA HeMac S.Nefro Prot HeMic Creat Ureia

Krishnanomurthy & Job36

1966 2 2 NR NR 0 NR 0 2 2 0 NR NRDate e col.26

1977 2 2 2 0 0 NR 0 2 2 2 7,4 NRAtta e col.11

1977 7 7 5 2 0 4 0 2 5 0 4,7 NRÇologlu14

1979 1 1 0 1 0 NR 0 1 1 0 NR NRGrupta e col.16

1981 3 3 3 0 0 NR NR 3 3 1 1,7 136Phadnis e col.24

1982 1 1 0 1 0 NR NR 1 1 0 NR NRGrover e col.29

1983 3 3 NR NR 0 NR 0 3 3 0 NR NRChugh e col.13

1983 3 2 NR NR 1 NR 0 3 3 0 NR NRCamara5

1989 43 40 23 17 3 8 0 NR 42 25 16,31 300

TOTAL 65 61 33 21 4 12 0 17 62 28 13,71 289

(%) (93,8) (61,1) (38,9) (6,2) (24) (0) (77,2) (95,3) (43) mg% mg%

ABREVIAÇÕES: V= hanseníase virchoviana, VR+= hanseníase virchoviana reacional, VR-= hanseníase virchoviana não reacional, NV= hanseníase nãovirchoviana, HA= hipertensão arterial, S.Nefro= síndrome nefrótica, HeMa= hematúria macroscópica, Prot= proteinúria, HeMi= hematúria microscópica,Creat= creatinina sérica, NR= não referido no estudo.

têm demonstrado uma variedade de outras lesõesrenais nos pacientes.

Nesta revisão reunimos 612 pacientes, sendo 509classificados como virchovianos e não virchovianos,427 pacientes (83,8%) foram portadores de hanseníasevirchoviana e 82 (16,1%) não virchoviana (Tabela 5).Entre os pacientes virchovianos, 48,5% eram rea-cionais e 51,5% não apresentavam reação hansênica.

A prevalência de lesões renais entre todos ospacientes com hanseníase virchoviana foi de 56,5%(45,4% nas autópsias e 61,3% nas biópsias), enquantoque na não virchoviana foi de 52,4% (37,5% nas au-tópsias e 56,1% nas biópsias). Entre os pacientesvirchovianos, 59,2% das reacionais e 50,7% das não-reacionais apresentaram lesão renal.

No total, as lesões renais acometeram 346 (56,5%)pacientes, sendo 244 (85,1%) portadores de han-seníase virchoviana e somente 43 (14,2%) de han-seníase não virchoviana.

Os tipos de lesões renais observadas foram:glomerulonefrite (GN) em 22,2% dos pacientes (11%em autópsias e 31,3% em biópsias), NTI em 11,8% dospacientes (11,7% em autópsias e 12% em biópsias),amiloidose em 5,2% dos pacientes (6,2% em autópsias

à população adulta geral (16%) pode ser explicadapela presença de insuficiência renal crônica.43

Hematúria macroscópica não foi observada emnenhum caso. Hematúria microscópica ocorreu em43% dos casos.

A maioria dos pacientes apresentou proteinúria(95,3%), sendo que síndrome nefrótica foi observadaem 77,2% dos pacientes com amiloidose renal.

A creatinina sérica dosada em 55 casos variou de1,0 a 29,6 mg/100 ml, com média de 13,7 mg/100 ml;86% dos pacientes apresentaram valores aumentados.O �clearance� de creatinina foi estudado em 12 paci-entes, variando de 2 a 98,7 ml/min com média de31,61 ml/min. Em 91,6% dos casos, o �clearance�mostrou-se diminuído.

Em resumo, a amiloidose renal na hanseníase semanifesta, inicialmente, por proteinúria, que evoluipara síndrome nefrótica e insuficiência renal crônicaterminal. 11,44

T i p o s m o r fo l ó g i c o s d e l e s õ e s re n a i s

Embora a hanseníase como infecção não afetecomumente o rim, estudos de autópsias e biópsias

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e 4,42% em biópsias), pielonefrite crônica em 4,5%,e outras lesões renais em 22,8% dos pacientes (Tabe-la 5).

Esta prevalência de lesões renais na hanseníase ésuperestimada devido a alguns fatores: os pacienteseram de origem hospitalar, sendo, portanto, umaamostra viciada; o número de pacientes virchovianosestudados foi maior que os não virchovianos, o quenão retrata a população hanseniana em geral; os pa-cientes autopsiados estavam em fase avançada dadoença; biópsias renais são realizadas quando existesuspeita de comprometimento renal.

Em estudo realizado na Índia por Chugh e col.13

60 pacientes consecutivos, não selecionados, portado-res de hanseníase (32 com hanseníase virchoviana, 20"bordeline" e 8 tuberculóide), foram investigados paraenvolvimento renal. Lesões renais foram observadasem 9 pacientes (15%), sendo 3 (5%) com amiloidosee 6 (10%) com GN.

1. Amiloidose

A prevalência de amiloidose renal em hanseníasevaria amplamente em diferentes áreas do mundo.Prevalência alta, de mais de 30%, é relatada nos Es-

Tabela 5Freqüência de lesões renais em hanseníase em autópsias e biópsias. Relação com surto reacional

AUTÓPSIAS

Pacientes Lesões Renais Tipos de LesõesAUTOR/ANO Nº V VR+ VR- NV Nº V VR+ VR- NV AMI NTI GN PNC OUT

Kean & Childress4

1942 103 NR NR NR NR 62 NR NR NR NR 4 22 12 5 24Desikan & Job8

1968 37 30 NR NR 7 26 24 NR NR 2 3 10 2 10 4Date e col.7

1985 133 124 46 78 9 50 46 18 28 4 10 0 16 5 19TOTAL/AUTÓPSIAS 273 154 46 78 16 138 70 18 28 6 17 32 30 20 47(%) (90) (37) (63) (10) (50,5) (45,4) (39,1) (35,9) (37,5) (6,2) (12) (11) (7,3) (17,2)

BIÓPSIAS

Mittal e col.45

1972 30 18 NR NR 12 15 10 NR NR 5 0 13 8 1 7Date e col.26

1977 19 14 8 6 5 14 11 7 4 3 2 0 12 0 0Çologlu14

1979 20 20 7 13 0 12 12 4 8 0 1 1 10 0 0Grupta e col.16

1981 21 21 17 4 0 16 16 14 2 0 3 0 12 0 1Peter e col.23

1981 21 9 NR NR 12 15 5 NR NR 5 0 0 15 0 0Phadnis e col.24

1982 50 45 33 12 5 28 27 17 10 1 1 10 8 0 25Grover e col.29

1983 54 50 NR NR 4 54 50 NR NR 12 3 12 30 0 9Chugh e col.13

1983 60 52 NR NR 8 9 8 NR NR 1 3 0 6 0 0Nigam e col.22

1986 64 44 19 25 20 45 35 17 18 10 2 4 5 7 35TOTAL/BIÓPSIAS 339 273 84 60 66 208 174 59 42 37 15 40 106 8 77(%) (80,5) (58,3) (41,6) (19,4) (61,3) (63,7) (70,2) (70) (56,1) (4,4) (12) (31,3) (2,3) (22,7)

TOTAL/AUTÓPSIAS 612 427 130 138 82 346 244 77 70 43 32 72 136 28 124+BIÓPSIAS (%) (83,8) (48,5) (51,5) (16,1) (56,5) (57,1) (59,2) (50,7) (52,4) (5,2) (12) (22,2) (4,5) (20,3)

ABREVIAÇÕES:- V= hanseníase virchoviana, VR+= hanseníase virchoviana reacional, VR-= hanseníase virchoviana não reacional, NV= hanseníase nãovirchoviana, AMI= amiloidose, NTI= nefrite túbulo-intersticial, GN= glomerulonefrite, PNC= pielonefrite crônica, OUT= outros tipos de lesões renais, NR=não referido.

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tados Unidos e Argentina. Ao contrário, na Índia,Panamá, Japão e Turquia esta prevalência é maisbaixa. A prevalência média é de 11,43% .

Williams e col.46 investigaram a prevalência deamiloidose em hanseníase em 2 grupos pareados (101pacientes americanos e 119 mexicanos), utilizandocritérios homogêneos de diagnóstico (autópsia, biópsiagengival e/ou teste de retenção do vermelho congo).Encontraram amiloidose em 5,9% dos pacientes mexi-canos e 31% dos americanos. Concluiram que o prin-cipal fator responsável por esta diferença foi o consu-mo exagerado de gordura animal pelos americanos.

O comprometimento renal está presente em todosos casos de amiloidose secundária em hanseníase,seguido de lesões das glândulas endócrinas (supra-renais, tiróide, hipófise), tubo digestivo, fígado, glân-dulas salivares, baço, próstata, testículos e cora-ção.36,44,47,48 Em casos graves de amiloidose secundária,o comprometimento das glândulas salivares é fre-quente, sendo a biópsia deste órgão um bom métododiagnóstico.47

A amiloidose em hanseníase ocorre, mais frequen-temente, na forma virchoviana (Tabela 4), principal-mente naqueles pacientes que apresentam eritemanodoso reacional (61,1%). Os casos descritos deamiloidose na forma tuberculóide estavam associados

à úlcera trófica crônica e osteomielite.5,11,48,49 Em estu-do realizado no Instituto Lauro Souza Lima - Bauru(SP), encontrou-se úlcera trófica associada à ami-loidose secundária em 29 pacientes (67,4%).5

2. Glomerulonefrite

A frequência de GN em hanseníase é variável.Depende da forma de hanseníase, da presença ounão de reação hansênica e do tipo de inquérito rea-l izado.

Em estudos de autópsias, a frequência de GN emhanseníase foi de 11%, enquanto que em material debiópsia esta frequência foi muito mais elevada(31,3%) (Tabela 5). A frequência média foi de 22,2%.

A influência das formas de hanseníase e da pre-sença ou não de reação hansênica no desenvolvimen-to de GN está demonstrada na Tabela 6, na qual fo-ram agrupados trabalhos com grande número de ca-sos estudados. Observamos uma frequência de 24,7%entre os pacientes virchovianos e 12,3% entre os não-virchovianos. Entre os pacientes com história de rea-ção hansênica, 27% sofriam de GN, enquanto que osnão-reacionais se comportaram como os não-virchovianos (13,6%).

Na hanseníase, uma grande variedade de formashistológicas de glomerulonefrite tem sido observada.

Tabela 6Freqüência de glomerulonefrite em hanseníase vichoviana reacional, não-reacional e não-virchoviana

AUTOR Virchiviana V. Reacional V. Não-Reacional Não-VirchovianaANO T GN+ GN- T GN+ GN- T GN+ GN- T GN+ GN-

Desikan & Job8

1968 30 2 28 NR NR NR NR NR NR 7 0 7Mital e col.45

1972 18 10 8 NR NR NR NR NR NR 12 5 7Çologlu14

1979 20 10 10 7 4 3 13 7 6 0 0 0Grupta e col.16

1981 21 12 9 17 11 6 4 1 3 0 0 0Phadnis e col.24

1982 45 8 37 33 8 25 12 0 12 5 0 5Grover e col.29

1983 50 28 22 NR NR NR NR NR NR 4 2 2Chugh e col.13

1983 32 6 26 NR NR NR NR NR NR 8 0 8Date e col.7

1985 124 15 109 46 6 40 78 9 69 9 1 8Nigam e col.22

1986 48 5 43 19 4 15 25 1 24 20 0 20TOTAL 388 96 292 122 33 89 132 18 114 65 8 57(%) (24,7) (75,3) (27) (73) (13,6) (86,4) (12,3) (87,7)

ABREVIAÇÕES; T= número total de pacientes estudados, GN+= pacientes com glomerulonefrite, GN-= pacientes sem glomerulonefrites, NR= não referido.

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A forma mais comum é a GN proliferativa mesangial(GNMes) (37,5%), seguida da GNDA (17,8%) e GNmembranosa (GNM) (17,8%). As formas menos fre-quentes são GNC (9,8%), GN proliferativa endocapilar(GNEnd) (6,2%), GN proliferativa focal (GNF) (3,6%),lesões mínimas (LM) (2,7%), GN Rapidamente pro-gressiva (GNRP) (2,7%) e GN proliferativa mesan-giocapilar (GNMcap) (1,8%).2,4,10,13-16,22-24,26,29,30

Os estudos imunohistoquímicos dos glomérulosdemonstraram depósitos granulares de IgG, IgM e C3e, menos frequentemente, de IgA e fibrina. Estes de-pósitos são encontrados na região mesangial e/ou aolongo das paredes capilares glomerulares.2,10,12-14,17,30-32

Os estudos de microscopia eletrônica confirmarama presença de depósitos encontrados no estudoimunohistoquímico. Os depósitos glomerulares ele-tron-densos são relatados nas regiões mesangial,subendotelial e subepitelial. Outros achados ultra-estruturais relatados foram infiltrado inflamatório, pro-liferação de células mesangiais, aumento de matrizmesangial, fusão de processos podálicos, duplicaçãoe aumento da membrana basal glomerular. 2,10,12,15,17,26,32

3. Nefrite túbulo-intersticial

A frequência de NTI em hanseníase é variável(Tabela 5). Alguns estudos relataram frequência emtorno de 25% dos casos,8,24,29,45 enquanto outros nãoobservaram esta complicação.13,16,23,26 A frequênciamédia é de 11,8%.

A maioria dos casos de NTI ocorreu na formavirchoviana.22,24,29 Entretanto, alguns trabalhos relata-ram casos esporádicos de NTI associados à hanse-níase tuberculóide.16,24

4. Lesões renais específicas da hanseníase

A hanseníase pode acarretar lesões viscerais, ca-racterizadas por acúmulo de histiócitos xantomatososricos em bacilos (hanseníase virchoviana ou "bor-deline" virchoviana) ou pela formação de granulomasepitelióides (hanseníase "bordeline" tuberculóide).

O rim é raramente afetado pela infecção mico-bacteriana. Granulomas epitelióides renais foram rela-tados em casos de autópsias,3,9,33 associados a NTI24,29

e em pacientes com hanseníase "bordeline". 6,10,22

P a t o g ê n e s e d a s l e s õ e s re n a i s

1. Amiloidose

Os fatores de risco para desenvolvimento deamiloidose secundária em hanseníase são: infecção

hansênica de longa duração; úlceras tróficas crônicase/ou osteomielite supurativa crônica e surtos frequen-tes de reação de eritema nodoso.47,49

A análise química de fibrilas isoladas de depósitosamilóides mostrou que o principal componente é aproteína AA.50 Um componente sérico (SAA), antige-nicamente relacionado, parece ser o precursor dasfibrilas AA dos depósitos amilóides.49 Os níveis séricosde SAA aumentam durante infecções agudas, interpre-tando-se que essa substância seria um componentesérico da fase aguda, associada à proteína principalda fibrila AA da amilóide.

Em hanseníase, foram encontrados níveis aumen-tados de SAA durante surtos reacionais de eritemanodoso, juntamente com neutrofilia. Níveis aumenta-dos de SAA foram mais frequentes em pacientesvirchovianos e em não virchovianos que sofriam deúlcera trófica crônica.49,50

Níveis elevados de SAA associados à gravidade deeritema nodoso e a persistência de SAA detectável porsemanas ou meses após episódios de eritema nodosoforam observados. Embora a origem de SAA aindaseja desconhecida, sua relação com a proteína AAencontrada na amiloidose, sugere fortemente que adeposição de proteína AA nos tecidos ocorre pordegradação gradual e persistente de SAA.

Boros (1986),47 em estudo de autópsias de 10pacientes com hanseníase virchoviana de longa dura-ção e que apresentaram surtos de eritema nodoso,úlcera tróficas e/ou osteomielite crônica, não encon-trou nenhuma evidência de amiloidose secundária.Este achado sugere duas hipóteses:a ) existência de outros fatores (especialmente gené-

tica) envolvidos no desenvolvimento da amiloi-dose em hanseníase;

b ) reabsorção da substância amilóide quando cessa-da a ação dos fatores amiloidogênicos.

2. Glomerulonefrite

Eritema nodoso e GN na hanseníase parecem serdoenças de origem imunológica, ligadas à deposiçãode imune complexos; hipoteticamente, o desenvolvi-mento de GN deve ser mais frequente em pacientesque apresentam surtos de eritema nodoso. Em con-cordância com isto, pacientes com eritema nodosoapresentam anormalidades urinárias mais frequente-mente que pacientes não reacionais (Tabela 3).

Estudos anátomo-patológicos demonstraram maiorfrequência de GN em pacientes com eritema nodoso(27%) quando comparados aos não reacionais (13,6%)

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E. E. Nakayama, et al - Lesões renais em hanseníase

(Tabela 6). Além disso, existem relatos de pacientesque durante surto de eritema nodoso apresentamproteinúria, hematúria e piora da função renal, haven-do normalização ou melhora significativa destas anor-malidades após o tratamento.10,19,28

Entretanto, a GN na hanseníase pode ser observa-da também em hanseníase não reacional. Metade dospacientes virchovianos tem depressão da imunidademediada por células e aumento da resposta imunehumoral, situação que pode favorecer o desenvolvi-mento de GN por complexos imunes.27

Estas observações, juntamente com o achado dedepósitos de imunoglobulinas e complemento e dedepósitos eletron-densos nos glomérulos, sugeremque a GN em hanseníase é de origem imunológica.

GN na hanseníase pode ter origem multifatorial.Antígenos outros que não micobacterianos poderiamestar envolvidos. Condições infecciosas, tais comoestreptocócicas ou estafilocócicas, comuns em pacien-tes hansenianos, principalmente os virchovianos, po-deriam participar da formação de complexos imunes eda gênese da GN.17

A confirmação do mecanismo imunológico da le-são renal desencadeada por antígenos de M.lepraerequer a identificação de antígenos micobacterianosnos glomérulos e da eluição de anticorpos específi-cos. Em hanseníase humana nenhum estudo conse-guiu demonstrar antígeno específico nos rins. Emestudo experimental, Vaishnavi e col.52 inocularamM.leprae nas patas de camundongos albinos suiçostimectomizados e irradiados. Bacilos de Hansen foramencontrados em pequena quantidade em 1/3 dos rinsdos camundongos infectados, juntamente com lesõesproliferativas e complexos imunes. Kaur e col.52 re-alizaram experimento semelhante em camundongosnormais, encontrando resultados idênticos.

3. Nefrite túbulo-intersticial

A patogênese de NTI em hanseníase é poucoestudada. Provavelmente, NTI é a consequência dainteração de diversos fatores: drogas (analgésico ousulfa), infecção bacteriana secundária ou lesão pordepósitos de complexos imunes.24,48

O uso regular e prolongado de fenacetin ou ace-tominofen (principal metabólito da fenacetina) estáassociado com aumento de risco de doença renalcrônica.54

Como no lúpus eritematoso sistêmico, a NTI emhanseníase pode estar associada com depósitos decomplexos imunes.53

Entretanto para comprovar a patogenia desta le-são novos estudos são ainda necessários.

S u m m a r y

The present study reviews the clinical manifesta-tions, the alterations of the laboratory tests, the mor-phology of the lesions (amyloidosis, glomerulo-nephritis, tubulointerstitial nephritis and specific in-volvement) and the pathogenesis of the renal lesionsassociated with the clinical forms of Hansen�s disease.

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A. Andriolo - Hipouricemia e nefrolitíase

Ocorrência de hipouricemia em pacientes com nefrolitíase

Adagmar Andriolo

Foram estudados bioquímicamente 8 pacientes adultos, hipouricêmicos e portadores de

nefrolitíase cálcica recorrente. Dois deles se mostraram hipercalciúricos, sendo um do tipo

renal e outro por hiperabsorção intestinal de cálcio. Um outro paciente apresentou,

concomitantemente, hiperuricosúria. Não foram observadas evidências de outras disfunções

tubulares renais. Ressalta-se a ocorrência de hipouricemia isolada em pacientes portadores de

nefrolitíase cálcica.

hipouricemia, nefrolitíase, ácido úricohypouricemia, nephrolithiasis, uric acid

I n t ro d u ç ã o

Níveis séricos persistentemente baixos de ácidoúrico associados à elevada depuração renal de ácidoúrico podem ser observados em um pequeno númerode pacientes portadores de calculose urinária, mesmona ausência de hiperuricosúria. 1,2

Hipouricemia, definida como nível sérico de ácidoúrico abaixo de 2,0 mg/dL, é descrita em associaçãocom síndrome de Fanconi, 3 doença de Wilson 4 ousíndrome de liberação inapropriada de hormônioantidiurético, 5 ainda que possa ocorrer de forma iso-lada, sendo então denominada de hipouricemia renalprimária. 6,7

Neste trabalho é descrito um grupo de pacientescom hipouricemia e nefrolitíase cálcica recorrente, noqual foi realizado estudo bioquímico com a finalidadede se identificar a causa da calculose urinária.

Casu í s t i c a

Foram realizadas dosagens bioquímicas em san-gue e urina de 8 indivíduos adultos, portadores de

calculose urinária recorrente, com idade entre 23 e 41anos, sendo 7 do sexo feminino e 1 do sexo mascu-lino. Os níveis séricos de ácido úrico se mostrarampersistentemente abaixo de 2,0 mg/dL. O estudobioquímico incluiu a realização de um teste de sobre-carga oral de cálcio. 8

M é t o d o s

Foram utilizados os métodos habituais de rotinaem laboratório clínico, dentre os quais se incluiu umexame de urina de rotina, no qual são realizadaspesquisas bioquímicas para proteínas e glicose, deter-minados o pH e a densidade urinária. A Tabela 1

Laboratório Fleury

Endereço para correspondência: Rua Cincinato Braga 282CEP 01333-910 - Bela Vista - São Paulo - S.P.Tel.: (011) 284.5233 - Fax: (011) 287-2482

Tabela 1Parâmetros estudados, metodologia e intervalos de referência considerados

Referência Intervalo debibliográfica referência

Parâmetrossanguíneos Cálcio 11 8,8 - 10,6 mg/dL

Fósforo 12 2,3 - 4,6 mg/dLÁcido Úrico 13 2,0 - 6,8 mg/dLCreatinina 14 0,6 - 1,2 mg/dL

Parâmetrosurinários Ácido Úrico 13 feminino até 33 mg/h

masculino até 38 mg/hCálcio pré 11 até 0,100 mg/dL FGCálcio pós 11 até 0,270 mg/dL FGAMP cíclico pré 15 1,7 - 3,9 nM/dL FGAMP cíclico pós 15 1,0 - 3,3 nM/dL FGFração de excreção de ácido úrico 5 - 15%

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J. Bras. Nefrol. 1995; 17(3): 159-161160

A. Andriolo - Hipouricemia e nefrolitíase

apresenta os parâmetros estudados, a metodologiautilizada e os respectivos intervalos de referência. Afração de excreção de ácido úrico, medida pela rela-ção percentual entre as depurações renais de ácidoúrico e de creatinina é considerada normal quandopermanece no intervalo entre 5% e 15%.

R e s u l t a d o s

As Tabelas 2 e 3 apresentam os resultados dasdosagens bioquímicas realizadas em sangue e urina,respectivamente. Em nenhum dos pacientes foiidentificada qualquer outra anormalidade da funçãotubular renal que se manifestasse por glicosúria,aminoacidúria ou fosfatúria, não sendo, também, ob-servados distúrbios nas capacidades de acidificação econcentração urinárias. Não foram observadas evidên-cias de outras patologias, tais como doença de Wilsonou de liberação inapropriada de hormônio anti-diurético. Dos 7 pacientes para os quais foi calculadaa fração de excreção renal de urato, em cinco (71,4%)observou-se valores acima do intervalo de referência.

O grupo se mostrou homogêneo quanto aos ní-veis séricos de cálcio, fósforo e creatinina. Quanto aoteste de sobrecarga oral de cálcio, observamos que 6pacientes (75%) se apresentaram normocalciúricos, 1(12,5%) com hipercalciúria do tipo renal e 1 (12,5%)com hiperabsorção intestinal de cálcio.

Apenas um paciente apresentava hiperuricosúriaconcomitante à hipouricemia, sendo que para os cincooutros pacientes não se identificou nenhuma outraalteração metabólica que pudesse ser responsabilizadapela calculose.

Uma das pacientes com hipercalciúria evidenciouperfil bioquímico típico de hiperabsorção intestinal decálcio, com normocalcemia, normofosfatemia, cálcio

urinário em jejum normal, acentuada hipercalciúriaapós a sobrecarga e função paratiroideana suprimida(avaliada pelo AMP cíclico urinário). Esta pacienteparece se comportar exatamente como aquela descritapor Uribarri e Oh. 9 Estes autores, adicionalmente,documentaram níveis plasmáticos de 1,25 dihidroxi-vitamina D persistentemente elevados, justificando otipo de hipercalciúria.

O segundo paciente com hipercalciúria foi classi-ficado como do tipo renal, com cálcio e fósforoséricos normais, calciúria elevada nas duas amostras ereduzida resposta supressiva do AMP cíclico urinárioapós a sobrecarga oral de cálcio.

Di s cu s s ão

Tem sido sugerido que a hipouricemia renal pri-mária é um defeito genético de transmissãoautossômica recessiva, ainda que a maioria dos paci-entes descritos na literatura seja do sexo feminino. Aassociação com hipercalciúria já havia sido descritaanteriormente, sendo que dos 8 pacientes estudadospor De Vries e Sperling,10 4 se apresentaramhipercalciúricos. Até o momento, porém, não existemexplicações claras a respeito de eventual correlaçãoentre os níveis de vitamina D circulante e transportetubular renal de ácido úrico.

Sendo a nefrolitíase o produto final de uma sériede possíveis alterações bioquímicas do meio ambienteurinário que podem ocorrer concomitantemente, emmuitas situações é extremamente difícil avaliar-se aexata contribuição de cada uma delas, por possuirem,

Tabela 2Resultados do estudo bioquímico, parâmetros sanguíneos

Paciente Sexo Idade Ácido Úrico Cálcio Fósforo Creatininanúmero M/F* anos mg/dL mg/dL mg/dL mg/dL

1 M 34 1,5 10,8 5,0 0,92 F 23 1,7 9,0 2,9 0,73 F 27 1,6 9,8 3,7 0,84 F 29 1,9 9,3 3,7 0,75 F 31 1,8 8,9 2,8 0,86 F 31 1,8 9,4 3,1 0,77 F 38 0,9 10,0 3,1 0,88 F 41 1,9 9,0 3,5 0,6

* M = masculino � F = feminino

Tabela 3Resultados do estudo bioquímico, parâmetros urinários

Paciente Ácido Úrico Cálcio pré Cálcio pós AMPc pré AMPc pós F.E.**número mg/hora mg/dL FG* mg/dL FG nM/dL FG nM/dL FG Ac.Ur.

1 42 0,028 0,191 2,3 1,4 - 2 16 0,097 0,190 3,9 3,0 16,2 3 29 0,068 0,250 3,1 2,4 32,5 4 30 0,098 0,551 1,8 1,0 25,0 5 18 0,081 0,219 2,9 2,2 22,2 6 20 0,049 0,262 3,6 2,7 18,0 7 7 0,149 0,362 4,0 3,8 10,5 8 16 0,065 0,128 3,2 2,4 14,3

* FG = filtrato glomerular, medido pela depuração da creatinina endógena** F.E. Ac. Ur. = relação percentual entre as depurações renais de ácidoúrico e de creatininaCálcio e Adenosina Mono Fosfato cíclico (AMPc) urinários dosados emamostras pré e pós sobrecarga oral de 1g cálcio

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A. Andriolo - Hipouricemia e nefrolitíase

em geral, efeito somatório. Apenas quando a anorma-lidade detectada é única pode-se, com maior seguran-ça, responsabilizá-la pelo evento.

No grupo presentemente estudado, em apenas umpaciente (número 1) se observou hiperuricemia e em2 (números 4 e 7) havia hipercalciúria concomitantes.Os cinco pacientes restantes (62,5%) a hipouricemiafoi a única alteração metabólica detectada.

A hipouricemia descrita nestes oito pacientesdeve ser entendida como um fator adicional de riscopara a calculose por refletir um estado de perda crô-nica e elevada de ácido úrico, evidenciada pela ele-vada fração de excreção renal.

S u m m a r y

Eight (8) adult patients, 7 female and 1 male, withhypouricemia and recurrent calcic nephrolithiasiswere studied. All patients presented persistenthypouricemia without using any type of drug thatcould be responsible for it. Two of these patientswere hypercalciuric, one of them was classified asrenal type and the other one as absorptive type.Another patient showed hyperuricosuria. We did notdetect other renal tubular disfunction in any of thestudied patients.

R e f e r ê n c i a s b i b l i o g r á f i c a s1 . Kawabe K, Murayama T, Akaoka I. A case of uric acid renal

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M. Moysés Neto et al - Infecção por fungos e transplante renal

Infecção por fungos e Transplante Renal: Análise nos primeiros500 pacientes transplantados no Hospital das Clínicas daFaculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP

Micoses, Transplante renal, Paciente imunossuprimidoMycoses, Kidney transplant, Immunosuppressed patient

Miguel Moysés Neto, Valmir Muglia, Maria Estela P. N. Batista, Tania Marisa Pisi, LucianaT. S . Saber, Agenor Spallini Fer raz, Haylton Jor ge Suaid, Adauto José Cologna, JoséFernando de Castro Figueiredo

Departamentos de Clínica Médica e de Cirurgia da Faculdade de Medicina deRibeirão Preto e Unidade de Transplante Renal do Hospital das Clínicas daFaculdade de Medicina de Ribeirão Preto -USP- Ribeirão Preto- SP

Endereço para correspondência: Dr.Miguel Moysés Neto, Departamento deClínica Médica, Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto - Fazenda MonteAlegre. Ribeirão Preto - SP - CEP 14100Fone: (016) 623-4083 - Fax (016) 623-7943

permanece muito elevada, em parte porque o diag-nóstico é tardio.1,2 A ocorrência de infecção no trans-plantado está relacionada a dois fatores: o estado deimunossupressão do paciente e a exposição aos co-municantes, em especial aos riscos nosocomiais, desdea instrumentação invasiva até a contaminação hospita-lar.3,4,5 Cerca de 80% dos pacientes transplantados têm,pelo menos, 1 episódio de infecção no primeiro anoapós o transplante, com risco maior do que a popula-ção em geral de contrair infecção oportunista.4 As in-fecções fúngicas, que afetam o paciente transplantadorenal, podem ser consideradas como pertencentes aduas categorias gerais: a) micoses sistêmicas geografi-camente restritas (histoplasmose, coccidioidomicose,paracoccidioidomicose), as quais raramente causam in-fecção disseminada no transplantado, b) fungos inva-sivos oportunistas como Candida sp, Aspergillus sp,Cryptococcus sp, Mucoracae sp, que raramente causamdoença no hospedeiro normal.3,6,7 Outros tipos de fun-gos podem, mais raramente, provocar infecções comoTricosporon sp, Fusarium sp, Bipolaris sp.2,8

I n t ro d u ç ã o

As infecções fúngicas incluem algumas das doençasmais comuns do homem, como as dermatofitoses ecandidíases de pele. Entretanto, em anos recentes, asmicoses sistêmicas têm aumentado sua incidência eimportância, particularmente nos pacientes com doen-ças neoplásicas e transplantes de órgãos, sendo quea mortalidade, a despeito do tratamento instituido,

Foram avaliados, em estudo retrospectivo, os primeiros 500 pacientes transplantados renais

do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, com relação ao acome-

timento por infecções fúngicas (“micoses profundas”). Setenta e seis pacientes apresentaram

um total de 82 episódios de infecção por esse tipo de agente. O trato respiratório, o sistema

nervoso central, e o trato urinário foram os locais mais frequentemente acometidos- 54 epi-

sódios (65,6%). Os agentes mais frequentes foram Candida sp e Cryptococcus sp perfazendo um

total de 56 casos (68,3%). Foram ainda isolados: Aspergillus sp, Paracoccidioides sp, Mucor sp,

Histoplasma sp, Aureobasidium sp, Rhodotorula sp , Trichophyton sp. A alta taxa de mortalidade e

a dificuldade de diagnóstico precoce chamaram a atenção, mostrando a necessidade de inves-

tigações mais persistentes e constantes, e tratamento precoce, nos pacientes suspeitos.

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J. Bras. Nefrol. 1995; 17(3): 162-170 163

M. Moysés Neto et al - Infecção por fungos e transplante renal

O objetivo desse trabalho foi estudar as infec-ções por fungos em pacientes transplantados renais,com ênfase nos aspectos clínicos, diagnósticos eterapêuticos.

M a t e r i a l e M é t o d o s

Foram avaliados, de maneira retrospectiva, os ca-sos de infecção fúngica que ocorreram nos primeiros500 pacientes submetidos a transplante renal no Hos-pital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribei-rão Preto (HCFMRPUSP),de fevereiro de 1968 até de-zembro de 1992 , através de seus respectivos pron-tuários, além de consultas a relatos anteriores.9,10 Con-sideraram-se somente os casos em que foram acome-tidos mucosas e órgãos, denominando-as como �mi-coses profundas�, e também os casos em que a pelee o subcutâneo foram lesados ou por disseminaçãoou por agentes etiológicos não habituais nesses lo-cais. Não foram considerados, portanto, os casos deptiríase versicolor ou as tinhas de maneira geral. Con-siderou-se infecção fúngica quando, além do quadroclínico compatível, um fungo era identificado emcultura e/ou visualizado em preparações histológicasobtidas de biópsias ou necrópsias. A revisão dosprontuários foi feita segundo um protocolo padroni-zado, o que permitiu a análise dos seguintes parâ-metros: número total de pacientes que apresentaraminfecção fúngica; número de episódios de infecçãofúngica; época do aparecimento da infecção em rela-ção ao transplante; sítios anatômicos acometidos eagentes etiológicos identificados. Para cada um dosfungos mais frequentemente implicados como causa-dores da infecção, analisou-se também a sua ocorrên-cia em relação à época do transplante; o local acome-tido, o número de casos que receberam tratamentoespecífico e o número de óbitos atribuíveis à infecçãofúngica propriamente dita.

R e s u l t a d o s

A- Dados Gerais

Setenta e seis (15,2%) pacientes apresentaram umtotal de 82 episódios de infecção por fungos. Em 21casos, o diagnóstico foi feito somente após anecrópsia (25,6%). Vinte e cinco casos receberampulso de metilprednisolona previamente (30,4%), con-siderando-se o período de 1 mês entre o pulso e oaparecimento do quadro infeccioso. Notou-se um

grande número de ocorrências nos primeiros meses,porém, a incidência maior ocorreu após o primeiroano do enxerto (Tabela 1).

Tabela 1Número de episódios de infecção fúngica de acordo com o tempo decorrido

após o transplante renal em pacientes transplantados do HCFMRPUSP

TEMPO PÓS NÚMERO DE %TRANSPLANTE EPISÓDIOS

0 a 3 meses 19 23,13 a 6 meses 05 6,06 a 12 meses 11 13,4maior que 12 meses 47 57,3

Tabela 2Topografia em 82 episódios de infecção fúngica nos transplantados renais do

HCFMRPUSP.

TOPOGRAFIA NÚMERO DE EPISÓDIOS %

Trato respiratório 20 24,3Sistema Nervoso Central 19 23,1Trato urinário 15 18,2Trato gastrointestinal 10 12,1Pele e subcutâneo 6 7,3Laringe 1 1,2Pálato 1 1,2Disseminada 10 12,1

Os agentes mais frequentes foram Candida sp eCr yptococcus sp, perfazendo um total de 56 casos(68,3%). Em 9 episódios, não foi possível a identi-ficação do fungo. (Tabela 3)

Tabela 3Agentes etiológicos (Gênero) em 82 episódios de infecção fúngica em

pacientes transplantados renais no HCFMRPUSP.

AGENTE ETIOLÓGICO NÚMERO DE EPISÓDIOS %

C a n d i d a 32 39,0C r y p t o c o c c u s 24 29,2Asper g i l lus 5 6,0Paracoccidioides 3 3,6Mucor 3 3,6Histoplasma 3 3,6A u r e o b a s i d i u m 1 1,2Rhodotorula 1 1,2Trichophyton 1 1,2Fungos não identificados 9 10,9

O Trato Respiratório, Sistema Nervoso Central(SNC), Trato Urinário foram os locais mais frequen-temente acometidos (65,6%). Em 12,1% dos casos (10episódios), a infecção fúngica foi considerada disse-minada (Tabela 2).

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J. Bras. Nefrol. 1995; 17(3): 162-170164

M. Moysés Neto et al - Infecção por fungos e transplante renal

minação da doença. Os casos comprovadamente dis-seminados mostraram uma alta taxa de mortalidademesmo com tratamento. Um único caso em que hou-ve crescimento de Candida parapsilosis em hemo-cultura não foi tratado e evoluiu bem.

Criptococose

O Cr yptococcus neoformans foi o segundo agenteetiológico mais frequente (prevalência de 4,6% na po-pulação total de transplantados, perfazendo um totalde 24 episódios em 23 pacientes (Tabela 7). A maioriados episódios ocorreu no período de 2 anos póstransplante. (68,0%). O local mais frequente de infec-ção foi o Sistema Nervoso Central (SNC) isoladamen-te, ou associado a outras localizações. Praticamente,metade deles evoluiu para o óbito. A boa evoluçãonos casos em que a pele estava comprometida, pro-vavelmente foi devido ao diagnóstico mais precoce dainfecção (Tabela 8).

Outras Micoses

Micoses menos frequentes foram identificadas em18 pacientes. Os fungos responsáveis pelas infecções,a época de seu aparecimento, a topografia do proces-so infeccioso e sua evolução encontram-se resumidosna Tabela 9. Os casos de aspergilose, mucormicose eRhodotorula apareceram mais precocemente, tende-ram à disseminação e tiveram alta mortalidade. Emcontraposição, os casos de paracoccidioidomicose,histoplasmose, Aureobasidium e cromomicose tiveramaparecimento mais tardio e predominaram nas formaslocalizadas de infecção, com melhor prognóstico. Umúnico caso de infecção disseminada, fatal, por Try-chophyton, foi registrado em fase tardia do transplan-te. Em 8 casos, não foi possível a identificação dofungo. Desses, sete faleceram em consequência dagravidade dos quadros clínicos e do diagnóstico tar-dio da infecção.

B- Infeccões fúngicas mais frequentes

Candidíase:

A infecção por Candida sp foi a mais frequente.(Tabelas 4, 5, 6) No total foram verificados 32 casosem 30 pacientes, sendo que 17 (53,1%) haviam rece-bido previamente pulso de metilprednisolona para re-jeição aguda, e, desses pacientes, 4 foram a óbito pelacandidíase. A espécie mais prevalente foi Candidaalbicans, seguida de Candida tropicalis. A candidíaseocorreu com muita frequência nos primeiros 3 meses(31,2%), mas se distribuiu em várias épocas após otransplante renal, mesmo após o primeiro ano. O lo-cal mais comum de infecção foi o trato urinário, se-guido do esôfago e pulmão. Alguns casos, apesar denão terem sido tratados, apresentaram boa evolução.Os óbitos ocorreram mais frequentemente quando ospulmões estavam acometidos, fato indicativo de disse-

Tabela 6Local da infecção e evolução dos episódios de candidíase, de acordo com o tratamento nos transplantados renais do HCFMRPUSP

LOCALIZAÇÃO NÚMERO DE NÚMERO DE CASOS NÚMERO DE CASOS ÓBITOSEPISÓDIOS TRATADOS COM BOA EVOLUÇÃO

Trato Urinário 13 7 12 1Esôfago 7 1 6 1Pulmão 6 5 3 3Trato Gastro Intestinal 2 0 2 0Subcutâneo 1 0 1 0Disseminada 3 2 1 2

Tabela 5Tempo de aparecimento da infecção por Candida sp pós transplante renal em

transplantados renais do HCFMRPUSP

TEMPO DE APARECIMENTO NÚMERO DE CASOS %

até 3 meses 10 31,23 a 6 meses 4 12,56 meses a 1ano 5 15,6maior que 1 ano 13 40,6

Tabela 4Espécies de Candida isoladas nos episódios de infecção fúngica em pacientes

transplantados renais do HCFMRPUSP

ESPÉCIE DE CANDIDA NÚMERO DE CASOS %

C. albicans 19 59,3C. tropicalis 4 12,5C. glabrata 3 9,3C. Parapsilosis 1 3,1Candida sp 5 15,6

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M. Moysés Neto et al - Infecção por fungos e transplante renal

Di s cu s s ão

Aspectos Gerais

Os achados mostram-nos a importância das infec-ções fúngicas no transplantado renal, com alta mor-bidade e mortalidade nessa população. Reis e cols. 10

estudaram a �causa mortis� de 102 pacientes trans-plantados renais, no HCFMRPUSP, que faleceram noperíodo de 1968 a 1991. Através de estudo necros-cópico, concluiram que 18 pacientes (25,3%) haviamfalecido em decorrência de infecções fúngicas. Osagentes mais comuns no nosso trabalho foramCandida sp e Cryptoccocus sp, e os locais mais atingi-dos, o SNC, trato respiratório, urinário e gastroin-testinal. Alguns relatos de outros grupos de pesquisatambém mostram a importância dessas infecções compredominância de candidíase e criptococose, além deapresentarem taxas elevadas de mortalidade, comoaquela aqui verificada.11,12

Embora suspeitemos com frequência de infecçãofúngica invasiva, o diagnóstico é extremamente difícil,uma vez que as hemoculturas e os testes para de-tecção de anticorpos tem baixa sensibilidade, e a re-alização de biópsias pode ser dificultada pelas con-dições gerais do paciente.8 O diagnóstico clínico éprejudicado pelo polimorfismo do quadro acrescidode manifestações atípicas decorrentes da imunos-supressão. Estudo prospectivo, procurando demons-

trar a correlação anatomo-clínica em casos de trans-plantados renais, que foram a óbito no HCFMRPUSP,verificou que o diagnóstico etiológico foi suspeitadoem vida em apenas 43,0% dos casos.13 A presença delesões orais ou cutâneas pode sugerir etiologia fún-gica e deve, nesse caso, ser avaliada a possibilidadede biópsia.8,14

Candidíase:

São as infecções fúngicas mais comuns no hospe-deiro comprometido, com várias espécies reconheci-damente patogênicas (C.albicans, C.tropicalis, C.krusei, C.parapsilosis, C.glabrata, C.pseudotropicalis.).C.albicans e C. tropicalis são os patógenos mais fre-quentes.1,8,15,16,17 Nos nossos casos, a candidíase foimais frequente no trato urinário (40,6%), principal-mente até o terceiro mês após o transplante, seguidodo esôfago, num total aproximado de 65% dos casos.Embora infecções fúngicas do trato urinário sejammenos comuns do que infecções bacterianas, tem-severificado o aparecimento de candidúria em até 20%no pós operatório de transplante renal, provavelmen-te pelo uso frequente de cateter vesical.18 Várias espé-cies de Cândida podem provocar infecção urináriagrave, com formação de grumos renais (bezoares) quepodem ocasionar cólicas fortes ou mesmo obstruçãodo fluxo urinário.18,19 Mimetizando pielonefrite bac-teriana, pode coexistir com esse tipo de infecção,ocorrendo 4 vezes mais em mulheres do que emhomens. Pode, ainda, provocar ruptura de artéria re-nal por infecção perirrenal 20,21. Na maioria dos casospor nós verificado, houve evolução favorável, mesmosem tratamento. Entretanto, deve sempre existir a sus-peita de disseminação em pacientes transplantados re-nais com candidúria, que deverão ser tratados porserem pacientes de alto risco.

O trato gastrointestinal é a maior fonte de can-didíase no hospedeiro comprometido, pois enquantoem pessoas normais a colonização ocorre em 20 a

Tabela 7Número de episódios de infecção por Cryptococcus sp de acordo com o tempo

decorrido após o transplante renal, nos pacientes do HCFMRPUSP

TEMPO DE APARECIMENTO NÚMERO DE CASOS %PÓS TRANSPLANTE

menor que 6 meses 2 8,3entre 6 meses e 1 ano 3 12,5entre 1 a 2 anos 3 12,5maior que 2 anos 16 66,6

Tabela 8Local da infecção e evolução dos casos de criptococose de acordo com o tratamento

LOCAL NÚMERO DE NÚMERO DE CASOS NÚMERO DE CASOS ÓBITOSCASOS TRATADOS COM BOA EVOLUÇÃO

SNC 13 11 5 8SNC e outros locais 4 3 2 2Pulmão e Pele 4 4 4 0Pulmonar e/ou disseminada 3 1 1 2Total 24 19 12 12

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Tabela 9Infecções fúngicas menos comuns, encontradas nos pacientes transplantados renais do HCFMRPUSP, segundo tempo pós transplante (TX),

local da infecção e resposta ao tratamento

FUNGO NÚMERO DE TEMPO PÓS-TX LOCAL E NÚMERO NÚMERO DE CASOS NÚMERO DE CASOS ÓBITOS(GÊNERO) CASOS (TOTAL) E NÚMERO DE CASOS DE CASOS TRATADOS COM BOA RESPOSTA

Asper g i l lus 5 até 3 meses: 3 Pulmonar: 1 2 1 4mais que 1 ano: 2 SNC: 2

Disseminado: 1

Mucor 3 até 3 meses: 3 Seio face: 1 1 1 2SNC: 1Disseminado: 1

Paracoccidioides 3 mais que 1 ano: 3 Pulmonar: 1 2 2 1Pálato: 1TGI: 1

Histoplasma 3 mais que 1 ano: 3 Cordas vocais: 1 1 1 2Pulmonar: 2

Tr i c h o p h y t o n 1 mais que 1 ano Disseminado 0 0 1

Rhodotorula 1 até 3 meses Disseminado 1 1 0

A u r e o b a s i d i u m 1 mais que 1 ano Pele 1 1 0

Cromomicose 1 mais que 1 ano Pele 1 1 0

30% dos casos, em pacientes debilitados pode chegara 85%. A doença pode progredir da cavidade oralpara o esôfago e o diagnóstico é feito geralmentepela endoscopia digestiva e pelo quadro clínico. 8 Emnossos achados, o segundo local de infecção maisacometido foi o esôfago, com um caso evoluindopara óbito, indicando que esse tipo de infecção devaser tratado assim que diagnosticado.O tratamento re-comendado poderia ser com cetoconazol, fluconazolou itraconazol.22

A candidíase pulmonar geralmente ocorre por dis-seminação. Encontramos 5 casos, com 2 óbitos, mos-trando a importância e a necessidade de tratamentomais agressivo para essa condição, de preferênciacom anfotericina B.

Observamos 3 casos de candidíase disseminada,um com hemocultura positiva para C. parapsilosisque evoluiu bem, sem tratamento, e 2 outros queforam a óbito (C. albicans em um caso e Candida spem outro).

A alta taxa de mortalidade e frequência de dis-seminação hematogênica são indícios contrários aoconceito de candidemia transitória ou benigna. As-sim, todos os pacientes com candidemia, indepen-dentemente de sua fonte ou duração, devem recebertratamento antifúngico.23 Alguns estudos sugeremque tanto a anfotericina B como o fluconazol podemser igualmente eficazes para tratamento de can-didíase em casos sem neutropenia (basicamente

candidemia por cateteres). No caso de candidíasedisseminada, é prudente iniciar o tratamento comanfotericina B, até que o paciente se estabilize. 6,16,23

O fluconazol é escolhido para tratamento de infec-ção urinária por Candida por sua alta concentraçãorenal.23 Quanto ao itraconazol, ativo �in vitro� con-tra várias espécies de Candida , não tem ainda suaeficácia plenamente estabelecida. 23,24

Criptococose

O Cr yptococcus neoformans é comumente encon-trado em vegetais, no solo, bem como em fezes deaves, 8,25 e é adquirido, mais frequentemente, pelo arinspirado.16 As infecções criptocócicas mais sérias usu-almente ocorrem em indivíduos com imunidade celu-lar defeituosa.26 É causa comum de meningite fúngicaem pacientes imunocomprometidos e normais.23,27 Aapresentação clínica mais comum, usualmente de iní-cio gradual, inclui cefaléia, perda da memória, con-centração deficiente, sinais de irritação meníngea eparalisia de nervos cranianos.1,8,25 O acometimento depele e pulmões é indicativo de disseminação.28,29 Oexame de líquor revela, com frequência, pleocitoselinfocítica, hipoglicorraquia e hiperproteinorraquia.8,30

Baixos teores de glicose, pressão de abertura elevada,quantidade de criptocococos no líquor e presença defungemia, estão associados a pior prognóstico.31 Odiagnóstico pode ser feito em preparação de tinta daChina, com recuperação posterior por cultura no

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líquor ou hemocultura.A pesquisa de antígeno crip-tocócico no líquor é também útil no diagnóstico.25

O agente etiológico mais comum no nosso meiofoi o C.neoformans (23 casos). Em um paciente foiisolado o C. luteolus. Na grande maioria dos casos(66,6%), a criptococose foi complicação tardia, apare-cendo após 2 anos ou mais do transplante. Predomi-nou o acometimento neurológico grave, por lesõescerebrais e medulares. A esse respeito, a precocidadedo diagnóstico, ensejando terapias mais rápidas, podemelhorar o prognóstico.28 Em quatro casos por nós es-tudados, com acometimento cutâneo, a biópsia depele permitiu diagnóstico precoce e a terapêutica comanfotericina B, resultou em cura completa de todose les .

Aspergilose

O A. fumigatus e o A. flavus são as duas espéciesmais comumente encontradas no hospedeiro compro-metido.8 Esses agentes são saprófitas ubíquos nomeio ambiente, geralmente encontrados em meiosorgânicos em decomposicão, podendo ser tambémencontrados em vasos de plantas, espaços cheios depoeira e em condimentos alimentares como pimenta,por exemplo. 8,1,16,32 A aspergilose resulta da aspiraçãode esporos dentro e fora dos hospitais, particularmen-te quando há reformas ou construções desses noso-comios, podendo haver contaminação nos sistemas deventilação.1,8 No presente estudo, foram encontrados 5casos de aspergilose, sendo dois casos com acometi-mento pulmonar, 2 atingindo o Sistema Nervoso Cen-tral, e um paciente com quadro séptico por esse agen-te. Quatro pacientes faleceram e 1 se curou com otratamento. Um paciente, que apresentava septicemiapor Aspergillus, tinha, também, infecção concomitantecom fungo do gênero Mucor, apresentou obstruçãofúngica coronariana e infarto agudo do miocárdio.Hárelatos de caso de miocardite, determinada porAspergillus.33 Raramente as hemoculturas são positi-vas, a cultura de escarro tem valor limitado, devidoao fato de que pode ser encontrado em 15% depessoas normais e devido ao alto número de resulta-dos negativos em aspergilose invasiva confirmada.Por outro lado, amostra de escarro de pacientes imu-nossuprimidos em que se isola A. fumigatus ou A.flavus, pode ser altamente preditivo de aspergiloseinvasiva.1 A biópsia pulmonar oferece subsídios parao diagnóstico em número expressivo de casos (92%).A sua indicação, é, entretanto, limitada aos casos nãomuito graves, aptos a suportar esse procedimento ci-

rúrgico1. Verificamos dois casos de aspergilose doSNC,que foram a óbito apesar do tratamento, comdiagnóstico feito pela necrópsia. O quadro pode seapresentar como síndrome tipo AVC, convulsões,meningite. Infiltrados pulmonares são encontrados empraticamente todos os casos no tempo de aparecimen-to dos sintomas neurológicos. 34 O rim também pode,eventualmente, ser afetado com prognóstico ruimpara o enxerto.35 Raramente a aspergilose se manifestaapós 12 meses de transplante e em transplantadosrenais é, frequentemente, fatal, daí a importância dodiagnóstico precoce e valorização da cultura positivaem pacientes imuinossuprimidos de acordo com oquadro clínico.36 O tratamento é feito preferencial-mente com anfotericina B,com dose acumulada totalmédia de 2 a 3 g. O uso de itraconazol tem sido boaalternativa terapêutica.24

Mucormicose

Os microorganismos causadores da doença per-tencem a 4 famílias da ordem das mucorales, mem-bros da classe zigomiceto (phycomiceto), incluindo 3gêneros da família mucoracae: Absidia, Mucor eRhizopus, patógenos clássicos em hospedeiros com-prometidos, notadamente em diabéticos descom-pensados.8,37 O diagnóstico é sempre feito quando seencontram, na histologia, hifas não septadas, de for-ma irregular e amplas. A cultura é fundamental parao diagnóstico definitivo37 As mucoracae são encontra-das universalmente no solo, esterco, vegetação emdecomposição e outras matérias orgânicas, não sãopatogênicos, e hospedeiros normais raramente sãoinfectados.8,38 Foram descritas as seguintes formas demucormicose: a) cerebrorinoorbital (a mais comum),b) pulmonar, c) SNC, d) gastrointestinal, e) feridas dequeimaduras, f) endocardite.8,16,38,39 A forma rinoce-rebral é particularmente grave, com evolução ful-minante. O quadro se inicia, caracteristicamente, pelacavidade nasal, às vezes sob forma de uma úlceranegra, com cefaléia unilateral e congestão nasal dosseios paranasais ou palato, e aí se espalhando pelaórbita, eventualmente para estruturas intracranianasatravés da veia oftálmica, fissura supra-orbital, poden-do causar oftalmoplegia, paralisia facial e edema deface.8,29 A terapêutica precoce com anfotericina B, as-sociada com a ressecção cirúrgica, é o tratamento deescolha.37,38 A forma pulmonar é a segunda emfrequência da localização da infecção.37 Observamosum caso de mucormicose rinocerebral que evoluiupara óbito, cujo tratamento foi iniciado tardiamente,

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um caso de infecção do SNC (meningite) que evoluiupara cura e um quadro de disseminação hema-togênica, que causou obstrução de artéria coronária,provocando infarto do miocárdio, causa básica doóbito.Esse último caso, conforme já foi relatado, apre-sentava também aspergilose invasiva.

M i c o s e s E n d ê m i c a s( H i s t o p l a s m o s e ,

P a r a c o c c i d i o i d o m i c o s e )

Histoplasmose:

O Histoplasma capsulatum é encontrado em vári-as partes do mundo e frequentemente infecta indiví-duos normais, causando doença grave em doentesimunodeprimidos.8,16 Seu habitat natural é o solo,particularmente aqueles contaminados por fezes demorcegos e aves, devido à alta concentração de nitro-gênio no solo.8,16 A infecção pode permanecer dor-mente por vários anos após a primo-infecção, e setornar clinicamente aparente quando o hospedeiroestá imunologicamente comprometido 8,16,40 Podeocorrer lesão primária pulmonar, mimetizando tuber-culose, podendo se disseminar, o que ocorre tipica-mente no hospedeiro imunodeprimido. O diagnósticopode ser feito através de isolamento a partir de lesõesda pele, crescimento nas culturas, exames da medulaóssea e secreções respiratórias.8,40 O modo mais fre-quente de adquirir a infecção é por inalação. Há ca-sos descritos de transmissão através do orgão de ca-dáver recebido pelo receptor, 41 e casos de insuficiên-cia renal ou obstrução por invasão do tecido renal. 42,

43,44 Registramos um caso de histoplasmose que foi de-tectada em cordas vocais, tendo sido tratado comanfotericina B com boa resposta e dois outros casosque foram a óbito com o diagnóstico feito somentena necrópsia, como infecção pulmonar e disseminada.Um dos casos que foi a óbito apresentava lesões depele algumas semanas antes. Também nesses casos, aanfotericina B é o tratamento de escolha, com dosetotal acumulada média entre 2,0 a 3,0g.40 O itraco-nazol pode ser a droga inicial em casos menos gra-ves.23

Paracoccidioidomicose

Essa doença, como a histoplasmose, é umamicose endêmica que eventualmente pode provocardoença em imunodeprimidos. Na nossa casuística, en-contramos 3 casos, um dos quais no trato gastro-

intestinal, diagnosticado após o óbito. O paciente vi-nha apresentando diarréia e emagrecimento. Outrosdois pacientes, um com acometimento pulmonar eoutro com lesões na mucosa do pálato, evoluirambem, após tratamento com sulfadiazina. Constituemalternativas terapêuticas: associação sulfametoxasol-trimetroprim, anfotericina B, ketoconazol e o itraco-nazol.23

Outros fungos:

Outros agentes podem ser mais raramente encon-trados como oportunistas no hospedeiro imunocom-prometido. Aureobasidium pullulans foi recuperadode uma lesão de pele no membro inferior direito eevoluiu bem após tratamento com anfotericina B.Comumente, esse é um agente que coloniza a su-perfície de plantas como a videira, saprófita, cujaporta de entrada é desconhecida, porém pode provo-car doença sistêmica grave.45 Um outro agente, Rodo-thorula sp foi isolado em hemocultura de um pacien-te que evoluiu bem após tratamento com anfotericinaB.O mesmo paciente apresentava também infecçãourinária por Candida sp. Infecção disseminada e fatalpelo Trychophyton rubrum ocorreu em um únicocaso. Esse paciente recebeu somente tratamento localem lesão de pele e do subcutâneo. Um caso de cro-momicose, tratado somente com ressecção cirúrgica,evoluiu para cura. Em 8 casos, determinados por fun-gos não identificados, houve alta taxa de mortalidadepor serem muito graves e não diagnosticados em tem-po. Desses, somente 4 receberam tratamento anti-fúngico.

Temos verificado um aumento da incidência deinfecção fúngica em pacientes transplantados renaisnos últimos anos. Isso decorre, em parte, pelo aumen-to do número de transplantes, aumento do número deprocedimentos invasivos e por técnicas mais apuradasde diagnóstico. Em contrapartida, esquemas menosintensos de imunossupressão, aliados à valorizaçãoadequada dos resultados microbiológicos e trata-mento precoce, contribuem para a diminuição da altataxa de mortalidade nesses casos.46 Lembramos tam-bém que, naqueles casos em que não há resposta re-lativamente mais rápida ao tratamento instituido parainfecção supostamente bacteriana , deve-se aventar ahipótese de infecções por outros agentes e, se indica-do, iniciar o tratamento antifúngico de maneira em-pírica. Apesar do grande avanço provocado pelo apa-recimento dos imidazóis, a anfotericina B continuasendo o tratamento preferencial nos casos mais gravese com suspeita de disseminação.

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S u m m a r y

The first 500 kidney transplants from Hospital dasClínicas de Ribeirão Preto, were evaluated , in a ret-rospective study, to search the incidence of fungalinfections. Seventy six patients showed a total of 82episodes. The most frequent infected organs were:respiratory tract, central nervous system, and urinarytract, accounting for 54 episodes (65,6%). The mostfrequent pathogens were: Candida sp and Cr ypto-coccus sp, accounting for 56 cases (68,3%). Other iso-lated pathogens: Asper gillus sp, Paracoccidioides sp,Mucor sp, Histoplasma sp, Aureobasidium sp, Rho-dotorula sp, Trichophyton sp. The high mortality ratesand difficulty of diagnosis, showed the necessity ofmore intensive and constant investigations, and theneed to start an early treatment in the suspiciouscases .

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E. Homsi et al - Cinética de uréia em CAPD

Cinética de uréia e creatinina na avaliação de pacientes emdiálise peritoneal ambulatorial contínua (CAPD)Eduardo Homsi, Gentil Alves Filho, Odair Marson, Carlos Stabile Neto, Morad Amad,Maria Ines Salati

A relevância dos índices derivados do estudo de cinética de uréia e creatinina não está bem

consolidada na determinação da diálise peritoneal ambulatorial contínua. Realizamos estudo

com o objetivo de avaliar os índices de KT/V de uréia e clearance de creatinina semanal de

pacientes em CAPD e correlacioná-los com parâmetros nutricionais e laboratoriais indicativos

de prognóstico dos pacientes. Utilizando as fórmulas convencionais no cálculo dos índices,

encontramos KT/V de uréia <1,7 e clearance de creatinina <50 litros/semana, respectivamen-

te, em 24 e 9% dos casos. Quando comparamos os pacientes com KT/V de uréia inadequado

com os pacientes com índices adequados encontramos, paradoxalmente, melhor estado

nutricional e níveis superiores de albumina e creatinina sérica nos pacientes com KT/V baixo.

Observamos que o cálculo dos índices baseado no peso real dos pacientes cria forte tendên-

cia de proporcionar melhores índices nos pacientes desnutridos. Para corrigir parcialmente esta

falha no método, propusemos a utilização de peso ideal no cálculo dos índices. Utilizando esta

fórmula praticamente não encontramos pacientes com índices inadequados em nosso programa.

Introdução

A importância da individualização da prescriçãoem hemodiálise ficou estabelecida após a publicaçãodo Estudo Cooperativo Norteamericano. 1 Foi demons-trado que a morbidade dos pacientes era reduzida,quando a dose de hemodiálise permitia remoção maiseficiente de uréia e a ingestão de proteina era ade-quada. Baseado nos dados deste estudo, Gotch eSargent 2 introduziram o índice de KT/V de uréia, queconvenientemente, integrou a eficiência da remoção

de solutos (clearance de uréia), duração do tratamen-to (T) e superfície corpórea dos pacientes (volume dedistribuição de uréia). Nos pacientes anéfricos, sub-metidos a 3 sessões semanais de hemodiálise, foi su-gerido o índice de KT/V de 1 como mínimo desejado,ao lado de ingesta proteica, avaliada pela Taxa deCatabolismo Proteico (PCR), superior a 1gr/kg/dia.

Não existe estudo prospectivo e randomizado,semelhante ao Estudo Cooperativo Norteamericano,planejado para avaliar influência da dose de diáliseperitoneal na evolução clínica dos pacientes. Basea-dos em revisão de dados de literatura relacionados amorbidade e mortalidade em diálise, Lysaght et cols. 3

sugeriram que o índice de KT/V de uréia de 0,60 emCAPD seria equivalente ao índice de 1 em hemo-diálise. Keshaviah 4 chegou a conclusão semelhantebaseado na teoria do pico de concentração sérica deuréia. Twardowsky et col. 5 estimaram clearance decreatinina de 50 l/semana como o mínimo necessáriopara pacientes em CAPD.

Trabalho realizado na Clínica de Nefrologia Santa Rita, São Paulo, SP

Endereço para correspondência: Rua Cubatão 1043, cep 04015-012São Paulo, SP - Tel : 575 5357 Fax: 5499162

CAPD, adequação, cinética de uréia, peso corpóreo real e idealCAPD, adequacy, urea kinetic, actual and ideal body weight

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E. Homsi et al - Cinética de uréia em CAPD

O objetivo de nosso estudo foi avaliar, através decinética de uréia e creatinina, os índices convencio-nais de adequação em CAPD e correlacionar os acha-dos a outros parâmetros, laboratoriais e nutricionais,indicativos do estado clínico dos pacientes.

Pacientes e Métodos

Pacientes

Foram incluidos 33 pacientes (20 homens, 13mulheres), em programa de CAPD, na Clínica de Ne-frologia Santa Rita. O estudo foi realizado em pacien-tes com mais de 3 meses em CAPD e sem terem apre-sentado peritonite neste período. Todos os pacientesincluidos neste estudo tinham prescrição de 4 trocasde bolsas de 2 litros ao dia. A idade média dos pa-cientes era de 54,6 anos, com variação de 27 a 90anos. O tempo médio em CAPD era de 20,9 meses,com variação de 4 a 70 meses. Nove pacientes apre-sentavam clearance residual renal zero. No momentodo estudo não apresentavam edema ao exame clínico.

Métodos

Estudo em corte transversal. No dia da avaliação,dialisato e urina eram coletados por 24 horas. No fimdeste período, sangue era colhido. Foram dosadosnas amostras de sangue, urina e dialisato as concen-trações de uréia, creatinina, proteina total e albumina.Os níveis de hematócrito, cálcio e fósforo foram me-didos no sangue. O valor da creatinina no dialisatofoi reduzida em 7% para corrigir o efeito da glicosepresente nos banhos no resultado de sua dosagem. 6

Baseado nestes parâmetros, assim como no peso, al-tura e idade dos pacientes, foram calculados os se-guintes índices:

Superfície corporal em m 2 (SC): (peso (kg) - 60)/100 + altura (m)

Volume de distribuição de uréia em litros(Watson e col. 7): homem: 2,447- (0,09516 X idade) +(0,1074 X altura cm) + (0,3362X peso kg)mulher : (0,1069 X altura cm) + (0,2466 X peso kg) - 2,907Índice de massa corpórea em kg/m 2 (IMC): pesokg/(altura m) 2

Massa corpórea seca em kg (LBM): 7,38 + 0,02908X (creatinina urinária mg/dl X volume urinário ml/100) + creatinina dialisato mg/l X volume dialisatoml/100) (Forbes e col. 8)Taxa de geração de nitrogênio ureico em mg/min(TGU): ((uréia urinária mg/dl X 0,49) X volume uri-nário ml/100 + (uréia dialisato mg/dl X 0,49) X volu-me dialisato ml/100)/1440Taxa de catabolismo proteico em gr/dia (PCR):((TGU X1,44) + 1,46) X 10,76 (Randerson e col. 9)PCR corrigida em gr/kg/dia: PCR/peso kgClearance residual corrigido para a superfíciecorporal (ml/min/1,73): (clearance renal de uréia +clearance renal de creatinina)/2 X 1,73/SCClearance semanal de creatinina corrigido paraa superfície corporal (l/semana/1,73): clearanceperitoneal de creatinina X 1,73/SC+ clearance residualcorrigido para a superfície corporal.KT/V de uréia semanal: (clearance semanal peri-toneal de uréia não corrigido para a superfície corpo-ral (l/semana) + clearance residual renal de uréia nãocorrigido para a superfície corporal (l/semana) / Vo-lume de distribuição de uréia.Clearance semanal de uréia (l/semana): clearancesemanal peritoneal de uréia não normalizado + clea-rance semanal residual renal de uréia não corrigidopara o peso.

Dezoito pacientes foram submetidos a inquéritonutricional de 3 dias, sendo, desta forma, calculada aingesta proteica diária (IPD gr/kg/dia).

Para calcular os índices de adequação, baseadono peso ideal para a altura e sexo, utilizamos tabela

Tabela 1Índices de adequação de diálise e de ingesta proteica nos pacientes em CAPD.

média desvio padrão mínimo máximo n

KT/V uréia semanal (peso real) 2,35 0,51 1,44 3,82 33

KT/V uréia semanal (peso ideal) 2,47 0,58 1,68 4,14 33

Clear. creat. (L/semana/ 1,73 m 2 real) 70,2 21,1 46,8 149,8 33

Clear. creat. (L/semana/ 1,73 m 2 ideal) 74,2 22,4 52,1 158,5 33

PCR (gr/kg/dia) 1,18 0,26 0,73 1,70 33

IPD (gr/kg/dia) 1,08 0,39 0,49 1,60 18

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E. Homsi et al - Cinética de uréia em CAPD

de correção de peso da Metropolitan Insurance Com-pany, USA.

Estatística

Os valores são apresentados através da média ob-tida e correspondente desvio padrão. A comparaçãoentre 2 grupos foi realizada através do teste T nãopareado. A correlação entre variáveis foi avaliada atra-vés de regressão linear. As diferenças foram conside-radas significativas quando p<0,05.

Resultados

Na tabela 1, apresentamos os índices de adequa-ção de diálise e de ingesta proteica, obtidos atravésde cinética de uréia e creatinina ou inquéritonutricional. Observamos em 8 pacientes (24,2%) KT/V semanal de uréia, calculado para o peso real, infe-rior ao limite mínimo aceitável (1,7), e em 3 pacientes(9%) clearance semanal de creatinina corrigido para asuperfície corporal baseada no peso real abaixo de 50l/semana/1,73 m 2. Quando os mesmos índices foramcalculados, baseando-se no peso ideal para a altura esexo, encontramos apenas 1 paciente com KT/V de

uréia inferior ao limite e nenhum paciente comclearance de creatinina inadequado. A ingesta pro-teica, avaliada através do PCR corrigido para o peso,mostrou-se insuficiente (<1 gr/kg/dia) em 32% dospacientes, enquanto a avaliação através de inquéritonutricional demonstrou ingesta proteica inadequadaem 50% dos pacientes.

Notamos correlação significativa entre KT/V deuréia e o PCR corrigido para o peso (r= 0,45, p <0,01), porém, não houve correlação entre o KT/V deuréia e o PCR não corrigido (r= 0,008) ou entre oclearance semanal de creatinina corrigido para a su-perfície corporal e PCR corrigido para o peso (r=0,18).Também não foi observada correlação entre o KT/Vde uréia e IPD corrigida para o peso (r=0,09).

Na figura 1, apresentamos a relação entre o pesodos pacientes e o KT/V de uréia calculado utilizando-se o peso real e o peso ideal. Observamos correlaçãonegativa significativa entre o peso e KT/V calculadopelo peso real (r = -0,51, p < 0,01). Não houve cor-relação semelhante entre o peso e KT/V de uréia pelopeso ideal. Em pacientes com peso superior a aproxi-madamente 60 kg, há tendência progressiva do KT/Vcalculado pelo peso real subestimar os valores obti-dos com peso ideal.

A seguir, os dados serão analisados comparandoos 8 pacientes com KT/V de uréia inadequado (< 1,7)com os demais pacientes. Ressaltamos que o tempoem CAPD não diferiu nestes 2 grupos (KT/V < 1,7 =14,4 ± 5,0 e KT/V > 1,7 = 15,7 ± 17,2 meses).

Na tabela 2, apresentamos individualizadamentevariáveis que compõem o cálculo de KT/V de uréia.Notamos diferença extremamente significativa somen-te em relação ao volume de distribuição de uréia, quemostrou ser maior e responsável pela redução do KT/V nos pacientes com índice inadequado.

Na tabela 3, comparamos parâmetros antropo-métricos e nutricionais nos 2 grupos de pacientes.Como esperado, tendo em vista a diferença mostradano volume de distribuição de uréia, os pacientes comKT/V baixo apresentam todas a medidas de massa

Figura 1 - Relação entre peso e KT/V de uréia.

Tabela 2Composição do KT/V de uréia nos pacientes em CAPD.

KT/V < 1,7 KT/V > 1,7n 8 25

Clearance peritoneal de uréia (L/semana) 70,4 ± 8, 6 80,1 ± 17,0 não significativo

Volume de distribuição de uréia (L) 42,8 ± 4,7 30,8 ± 5, 5 p<0,0001

Clearance renal de uréia (ml/min) 0,97 ± 1,02 1,58 ± 1,67 não significativo

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E. Homsi et al - Cinética de uréia em CAPD

corporal significativamente superiores aos pacientescom KT/V considerado adequado. A ingesta proteicaavaliada pela PCR, aparentemente é superior nos pa-cientes com KT/V alto, porém, esta diferença só é sig-nificativa quando o cálculo do PCR é corrigido parao peso. Em termos absolutos não há diferença quan-to à ingesta proteica avaliada pelo PCR.

Na tabela 4, apresentamos dados laboratoriais deambos os grupos. Não há diferença quanto ao nívelsérico de fósforo ou hematócrito nos 2 grupos. Porém,notamos albumina sérica e creatinina sérica significati-vamente superiores no grupo com KT/V < 1,7, apesarda perda de albumina no dialisato ser semelhante nos2 grupos.

A concentração de albumina sérica não apresen-tou correlação com o KT/V de uréia ou PCR (gr/dia),porém, houve correlação significativa entre albuminasérica e IMC (r= 0,45, p < 0,01) e albumina sérica eLBM (r= 0,39, p < 0,05).

Discussão

A avaliação da qualidade da diálise, através decinética de uréia e creatinina, demonstrou que a pres-crição utilizada em nossos pacientes (4 trocas, 2 li-tros/dia) foi inadequada em 24% e 9% dos pacientesquando analisados, respectivamente, pelo KT/V deuréia e clearance de creatinina semanal, baseados nopeso real dos pacientes. Esta proporção de pacientescom índices inadequados é inferior à apresentada em

outros estudos 10,11 , provavelmente pela utilização demenor volume de dialisato em parte dos doentes queparticiparam dos demais trabalhos. Quando calcula-mos os índices de adequação, utilizando o peso idealdos pacientes, encontramos apenas 1 paciente queapresentava KT/V de uréia abaixo do limite de 1,7.

Os pacientes com KT/V de uréia real inferior aolimite de 1,7 apresentavam clearance de uréia, tantoperitoneal como residual renal, semelhantes aos paci-entes com índice adequado. Porém, por tratar-se depacientes com maior peso e superfície corporal, apre-sentavam maior volume de distribuição de uréia, quedeterminou os baixos níveis do índice calculado.

A forte dependência dos índices de adequação dediálise ao peso corporal induza uma situação paradoxal,na qual os pacientes com maior massa corporal e, por-tanto, com melhor estado nutricional, apresentam pioresíndices de adequação de diálise. Harty et cols. 10 eJones 12 não encontraram diferença nos índices de ade-quação de diálise em pacientes em CAPD classificadoscomo desnutridos ou bem nutridos. Quando corrigiramos índices para o peso ideal em relação à altura e sexo,ao invés do real, os pacientes bem nutridos passarama apresentar índices de KT/V de uréia e clearance sema-nal de creatinina superiores aos desnutridos. Em nossoestudo a correção dos índices de adequação pelo pesoideal reduziu a influência deste parâmetro no resultadodos índices, visto que a correlação negativa significa-tiva entre peso e KT/V de uréia só foi obtida quandoos cálculos foram baseados no peso real.

Tabela 3Medidas antropométricas e nutricionais nos pacientes em CAPD.

KT/V < 1,7 KT/V > 1,7

peso (kg) 82,2 ± 11,2 60,5 ± 10,7 p < 0,0001

Índice de massa corporal (IMC)kg/m 2 28,5 ± 3,8 23,2 ± 2, 6 p < 0,0001

Massa corporal seca (LBM) kg 36,4 ± 12,1 29,1 ± 6, 5 p < 0,05

superfície corporal (m 2) 1,92 ± 0,13 1,61 ± 0,18 p < 0,001

PCR (gr/kg/dia) 0,90 ± 0,18 1,14 ± 0,23 p < 0,05

PCR (gr/dia) 74,7 ± 20,6 69,1 ± 17,4 não significativo

Tabela 4Avaliação laboratorial nos pacientes em CAPD.

KT/V < 1,7 KT/V > 1,7

albumina sérica gr/dl 3,68 ± 0,30 3,35 ± 0,33 p < 0,05

creatinina sérica mg/dl 9, 1 ± 2, 6 6,8 ± 1, 7 p < 0,01

albumina dialisato gr/dia 3,7 ± 3,04 5,9 ± 3,28 não significativo

hematócrito % 27,8 ± 3,02 30,3 ± 6,49 não significativo

fósforo mg/dl 5,1 ± 0,38 4,51 ± 0,88 não significativo

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E. Homsi et al - Cinética de uréia em CAPD

Encontramos níveis séricos de albumina e crea-tinina significativamente maiores nos pacientes comKT/V de uréia real inadequado. Spiegel et cols. 13.

Strujik et cols. 14 demonstraram o forte valor preditivodos níveis séricos de albumina no prognóstico depacientes em CAPD. De maneira semelhante, maioresvalores de creatinina sérica estão associados a melhorprognóstico em pacientes em hemodiálise 15. Não épossível conciliar os valores de albumina e creatininasérica com o KT/V real de uréia de nossos pacien-tes, sendo este dado importante argumento a favor dese utilizar peso ideal no cálculo dos índices de ade-quação.

A avaliação da ingesta proteica, utilizando-se aTaxa de Catabolismo Proteico corrigido para o pesoreal (PCR gr/kg/dia), incorre no mesmo problema,tendendo a ser maior em pacientes desnutridos, poisapresentam peso menor que os pacientes bem nutri-dos16. Assim, é mais correto avaliar a ingesta proteicaatravés do PCR não corrigido pelo peso (gr/dia).Apenas a correlação entre PCR corrigido para o pesoe KT/V de uréia foi significativa, enquanto a correla-ção entre outros índices de depuração e ingestaproteica não lograram significância. Este dado colocaem dúvida o valor da correlação entre PCR corrigidoe KT/V de uréia, que pode decorrer apenas de arte-fato matemático, pois tanto a excreção de uréia quan-to o peso participam do cálculo de ambas as variá-veis. Em nossos pacientes, o nível de albumina séricanão correlacionou-se com a PCR (gr/dia), mas mos-trou correlação positiva com os índices antropo-métricos utilizados para avaliação nutricional.

Os estudos, que analisaram longitudinalmente aevolução clínica e mortalidade de pacientes com dife-rentes níveis de KT/V de uréia, mostram resultadosconflitantes. Lameire et cols. 17 acompanharam 16 pa-cientes em CAPD por 5 anos, com diferentes índicesde KT/V de uréia e encontraram correlação negativaentre o índice de KT/V de uréia e o número total dedias hospitalizados, taxa de peritonite e velocidade decondução nervosa em nervo periférico. Teehan etcols. 18, de maneira semelhante, notaram correlaçãonegativa entre KT/V de uréia e dias de internaçãohospitalar em 51 pacientes, acompanhados em média24 meses. Além disso, notaram sobrevida significati-vamente maior após 5 anos em CAPD em pacientescom índices de KT/V de uréia semanais superiores a1,89, comparado com pacientes com índice inferior a1,89. Em contrapartida, Blake et cols. 19 não encontra-ram correlação entre o nível de KT/V de uréia e

sobrevida da técnica de CAPD, dias de internaçãohospitalar, taxa de peritonite e velocidade de conduçãonervosa. Goodship et cols. 20 não encontraram diferençana morbidade de pacientes, em CAPD, com índices deKT/V de uréia semanais superiores ou inferiores a 1,95.Os resultados controversos destes estudos poderiamser minimizados se a correção dos índices obedecesseao critério de peso ideal e ao não real.

Em conclusão, nossos dados demonstram que aavaliação da diálise peritoneal, através de cinética deuréia e creatinina apresenta problema metodológico,quando são utilizadas as fórmulas convencionais,baseadas no peso real dos pacientes. Os pacientescom KT/V de uréia inadequados mostram melhorestado nutricional e níveis de albumina sérica supe-riores aos pacientes “bem” dialisados. Para corrigiresta falha no cálculo dos índices, pode ser utilizadoo peso ideal, baseado na altura e sexo dos pacientes.Quando corrigimos os índices desta forma, pratica-mente não encontramos pacientes com índices inade-quados em nosso programa.

A importância da cinética de pequenas molécu-las, na avaliação da qualidade do CAPD, necessitaser comprovada em estudos prospectivos erandomizados, utilizando-se diferentes doses dedialisato, em pacientes anéfricos, para que não hajavariação decorrente de redução do clearance residual.A correção dos índices de depuração deve ser feitacom base no peso real e ideal dos pacientes. Com oemprego desta metodologia, os valores limites de ade-quação poderão ser estabelecidos criteriosamente, as-sim como pode ser confirmada a importância da corre-ção dos índices pelo peso ideal, como nossos dadossugerem.

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J. Bras. Nefrol. 1995; 17(3): 177-184 177

C. M. Matos et al - Diabetes pós-transplante renal

Diabetes pós-transplante renal: ocorrência, aspectos clínicose possíveis fatores de riscoCássia Mendes Matos, David Saitovich, Ricardo Sesso, Álvaro Pacheco e Silva Filho,Horácio Ajzen, José Osmar Medina Pestana

transplante de órgãos. O impacto negativo desta com-plicação do transplante renal na sobrevida do pacien-te tem sido relatado por alguns autores. 1,2 Conside-rando que os dados sobre a ocorrência de diabetesapós o transplante renal no Brasil são escassos e limi-tados e que o entendimento da natureza da doençatorna-se importante para o seu adequado manejo eprevenção, o presente trabalho foi realizado com oobjetivo de conhecer a ocorrência, os aspectos clíni-cos e os fatores pré e pós-transplante associados aodesenvolvimento do diabetes pós-transplante renal.

Pacientes e Métodos

Foram revisados, retrospectivamente, 600 trans-plantes renais realizados na Unidade de Transplante

Objetivo: Conhecer a ocorrência, os aspectos clínicos e os possíveis fatores associados ao

desenvolvimento de diabetes pós-transplante renal (DPTX). Métodos: 477 pacientes renais,

adultos, sem história prévia de diabetes, foram estudados retrospectivamente, e a ocorrência

de DPTX foi investigada sendo definida como a presença consecutiva de 3 glicemias de jejum

> 140 mg%. Para avaliar os possíveis fatores associados ao seu desenvolvimento, um grupo

controle de pacientes que não desenvolveram DPTX foi comparado com o grupo DPTX,

através de regressão logística múltipla. Resultados: DPTX ocorreu em 42 pacientes (8,8%),

sendo 52% dos casos diagnosticados nos primeiros 3 meses pós-transplante. A forma mais

frequente de apresentação clínica foi glicemias elevadas em exames de rotina. Dos 42 pacien-

tes, 25 (60%) necessitaram de insulina exógena para controle glicêmico inicial, porém, apenas

11 (26%) permaneceram insulino-dependentes. Dezenove pacientes (45%) foram mantidos

com hipoglicemiante oral e/ou dieta e, em 12 (28%) o DPTX foi transitório. Idade > 36 anos,

raça não branca, índice de massa corporal > 25 kg/m2 aos 6 meses pós transplante, história

familiar de diabetes mellitus e maior dose de corticóide durante a fase de indução da imu-

nossupressão (prednisona > 1,3 mg/kg/dia), foram variáveis significante e independentemente

associadas ao desenvolvimento do DPTX.

Transplante renal, Diabetes mellitus

Disciplina de Nefrologia - Escola Paulista de Medicina, São Paulo, SP.Endereço para correspondência: José Osmar Medina Pestana - Rua BorgesLagoa, 783 - cj.41 - Vila Clementino - São Paulo, SP - CEP 04038-031 -Tel. (011) 574-9015.

Introdução

O diabetes mellitus é uma complicação bem co-nhecida da terapia imunossupressora. Essa condiçãofoi, inicialmente, reconhecida em receptores de trans-plante renal por Starzl em 1964, e, a partir de então,tem sido relatada como importante complicação do

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C. M. Matos et al - Diabetes pós-transplante renal

Renal da Escola Paulista de Medicina, de junho de1976 a junho de 1992. Pacientes com história préviade diabetes mellitus, crianças menores de 14 anos epacientes com menos de 6 meses de acompanhamen-to pós-transplante foram excluídos da análise, restan-do 477 pacientes elegíveis para o estudo. Neste gru-po, o diabetes pós-transplante definido como presen-ça de 3 glicemias maiores de 140 mg%, persistentepor pelo menos 8 dias, em qualquer época após otransplante, foi identificado em 42 pacientes. Paraavaliar a influência de fatores pré e pós-transplanteno desenvolvimento da DPTX, um grupo controle de84 pacientes que não desenvolveram diaberes pós-transplante definido como presença de glicemias dejejum abaixo de 140 mg% e ausência de glicosúria, foisorteado aleatoriamente entre os demais transplanta-dos. Portanto, nesta comparação foi realizado umestudo do tipo “caso controle”, sendo os possíveisfatores de risco investigados retrospectivamente. Otempo médio de acompanhamento foi de 44,8 + 18,6meses no grupo DPTX e 38,1 + 18,8 meses no grupocontrole (p = 0,056).

Parâmetros estudados: Os seguintes parâmetros foramavaliados nos 2 grupos estudados: idade do receptor;sexo; raça; tipo de doador; número de episódios derejeição aguda; dose total de metilprednisolona utili-zada para tratamento dos episódios de rejeição aguda;uso de diuréticos e beta-bloqueadores durante o pri-meiro ano pós-transplante; uso de ciclosporina; dosede prednisona em mg/kg/dia na 1 a, 2 a, 3 a, 4 a, 8 a, 12 a

semanas pós transplante; história familiar de diabetestipo 2, e o índice de massa corporal (IMC = kg/m 2)calculado aos 6 meses pós-transplante. No grupo dediabetes foram analisados também a ocasião do trata-mento clínico de diabetes, seu tratamento inicial e demanutenção. A sobrevida atuarial global do enxerto edo paciente após 1 e 5 anos foi avaliada nos 2 gru-pos. O protocolo de imunossupressão utilizado con-sistiu de metilprednisolona 1g iv no dia do transplan-te, seguido de prednisona oral, dose inicial de 0,5 a2 mg/kg/dia, reduzida progressivamente até uma dosede manutenção de 0,2 mg/kg/dia. Azatioprina 1,5 a 2mg/kg/dia, ajustada na presença de mielotoxicidadeou hepatotoxicidade. A ciclosporina na dose inicial de6 a 8 mg/kg/dia, adicionada a partir de 1986 nos re-ceptores de rim de cadáver e a partir de 1988 tambémnaqueles com doador vivo haploidêntico ou distinto,foi ajustada de acordo com o nível sanguíneo da dro-ga. Episódios de rejeição aguda foram tratados com

pulsoterapia de metilprednisolona 0,5 a 1 g/dia, porum período de 3 a 5 dias. Globulinas antilinfocíticasou anticorpo monoclonal anti-CD3 (OKT3) foram usa-das para rejeições agudas córtico-resistentes. Na aná-lise estatística, o teste de Mann-Whitney foi utilizadopara comparar variáveis quantitativas contínuas, testede qui-quadrado e teste exato de Fisher para análisede proporções. Regressão logística múltipla foi utiliza-da para estimar a razão de risco (“odds ratio”) para odesenvolvimento da DPTX em relação à exposiçãoaos possíveis fatores de risco. Os pontos de corte(cutoff) para a análise dos fatores de risco, em relaçãoàs variáveis idade e dose de prednisona, foram osvalores medianos do grupo total de pacientes e emrelação à presença de obesidade, índice de massacorporal > 25 kg/m 2. O nível de significância estatís-tica foi testado pelo método do quociente de máximaverossimilhança (BMDP Statistical Software, LosAngeles, Califórnia, 1990). A probabilidade cumulati-va de sobrevida de pacientes e do enxerto foi calcu-lada pelo método de Kaplan-Meier e as diferenças en-contradas avaliadas pelo teste de Mantel-Coxbicaudal. Em todos os testes fixou-se o nível designificância em 0,05 ou 5%.

Resultados

Dos 477 pacientes transplantados renais elegíveispara o estudo, 42 pacientes (8,8%) apresentaram dia-betes pós-transplante. O pico de incidência do diabe-tes pós-transplante renal (52% dos casos) ocorreu nosprimeiros 3 meses após o transplante, e poucos pa-cientes desenvolveram a doença numa fase tardia dotransplante (Gráfico 1). A forma mais freqüente deapresentação da doença foi glicemias elevadas duran-te exames de rotina, sendo que em 1 paciente cetoa-cidose diabética foi a manifestação clínica inicial.

Gráfico 1 - Época do diagnóstico do diabetes pós-transplante renal.

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Tabela 1Análise multivariada dos fatores associados ao desenvolvimento de diabetes pós-transplante renal

DPTX CONTROLES pN=42 N=84

Idade (x ± sd)* 41± 9 34 ± 10 p < 0.01

SEXO

Masculino 29 (69%) 55 (65%) NS

Feminino 13 (31%) 29 (35%)

RAÇA

Branca 25 (59.5%) 66 (78.6%) p < 0.05

Não Branca 17 (40.5%) 18 (21.4%)

DOADOR

Vivo 24 (57%) 52 (62%) NS

Cadáver 18 (43%) 32 (38%)

HISTÓRIA FAMILIAR

Positiva 22 (59%) 19 (25%) p < 0.05

Negativa 15 (41%) 56 (75%)

IMC (kg/m 2) 25.2 ± 3 23.3 ± 3 p < 0.01

USO DE DIURÉTICO

Sim 22 37 NS

Não 20 47

USO DE BETA-BLOQUEADOR

Sim 17 34 NS

Não 25 50

USO DE CICLOSPORINA

Sim 19 39 NS

Não 23 45

Episódios de Rejeição (mi)** 1 1 NS

Dose Total de Metilprednisolona (mi)** 4.0 1.5 p = 0.056

(*) média e desvio padrão, (**) mediana

Influência de Fatores Pré e Pós-transplante no Desenvol-vimento de Diabetes Pós-transplante. Análise Univariada(Tabela 1). Os pacientes que desenvolveram DPTXapresentaram idade significantemente maior (41,2 ± 9anos, variando de 21 a 70 anos), quando comparadoscom o grupo controle (33,6 ± 10 anos, variando de 16a 54 anos, (p < 0,001). Dos 42 pacientes do grupoDPTX, 17 (40,5%) eram de raça não branca, compara-dos com 18 (31,4%) dos 84 pacientes do grupo con-trole, (p < 0,05). Não houve diferença estatisticamentesignificante na distribuição do sexo, tipo de doador equanto ao uso de diuréticos ou beta bloqueador. Aobtenção de doadores familiares foi possível em 24pacientes que desenvolveram diabetes pós-transplantee 52 pacientes do grupo controle. Antecedente fami-liar de diabetes mellitus foi mais freqüentemente en-contrado entre os pacientes que desenvolveram dia-betes pós transplante: 22 (59%) comparado com 19(25%) pacientes do grupo controle (p < 0,05). O ín-dice de massa corporal (IMC), no sexto mês pós-trans-plante, foi obtido em 35 pacientes do grupo DPTX e

70 pacientes do grupo controle. A média ± desviopadrão do IMC foi de 25,22 ± 3,60 kg/m 2 no grupoDPTX e 23,30 ± 3,50 kg/m 2 no grupo controle (p <0,01). Há uma tendência para uma maior dose médiadiária de prednisona, nas primeiras 4 semanas pós-transplante, nos pacientes que desenvolveram DPTXcomparados com os controles (Gráfico 2), entretanto,

Gráfico 2 - Dose média de prednisona (mg/KG/dia) no grupo de pacientes quedesenvolveram diabetes pós-transplante renal e no grupo controle, de acordocom o período pós-transplante.

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C. M. Matos et al - Diabetes pós-transplante renal

significância estatística foi alcançada apenas na pri-meira semana, com dose média de 1,4 ± 0,5 mg/kg/dia no grupo DPTX e 1,1 ± 0,5 mg/kg/dia no grupocontrole (p < 0,05). Em relação à dose total demetilprednisolona, a mediana do grupo DPTX foi 4,0g e no grupo controle 1,5 g (p=0,057). Ciclosporinafoi utilizada em 19 (45,2%) pacientes do grupo quedesenvolveu DPTX e em 39 (46,2%) pacientes dogrupo controle (p > 0,05).

Análise Multivariada. A Tabela 2 mostra o modelo finalde regressão logística, incluindo as variáveis que demodo significante e independente, se relacionaram aodesenvolvimento de diabetes, após o transplante re-nal. Observamos que idade superior a 36 anos, raçanão branca, história familiar de diabetes, IMC > 25 edose inicial de prednisona > 1,3 mg/kg/dia foramfatores de risco independentes e significantementeassociadas ao desenvolvimento de DPTX.

Manejo da Hiperglicemia. Em relação à abordagem tera-pêutica inicial, 25 pacientes (59,5%) necessitaram deinsulin exógena, 14 pacientes (33,3%) obtiveram con-trole glicêmico com hipoglicemiante oral e 3 (7%)pacientes foram controlados apenas com dieta (Gráfi-co 3). A necessidade de insulina foi mais freqüenteentre os 22 pacientes cujo diagnóstico de DPTX ocor-reu nos primeiros 3 meses pós transplante (77,3%),comparados com o grupo de 20 pacientes, cujo diag-nóstico ocorreu após 3 meses do transplante (40%),(p > 0,05). Em relação ao tratamento de manutençãodo DPTX, 11 (26,2%) tornaram-se insulino-dependen-tes, 19 (45,2%) foram mantidos com hipoglicemianteoral ou dieta, e 12 pacientes (28,6%) normalizaram aglicemia após um período de acompanhamento de 1a 8 meses (média de 3,4 ± 2,2 meses), não neces-sitando de nenhum tratamento específico durante oresto do acompanhamento (DPTX transitório) (Gráfico4). A duração do acompanhamento deste grupo,

Tabela 2Análise dos fatores associados ao desenvolvimento de diabetes pós-transplante através de regressão logística

VARIÁVEL COEFICIENTE ERRO O.R. PADRÃO 95% C.I.

Idade

(>36a vs < 36a) 1.45 0.56 4.26 (1.33 - 11.50)

Raça

(não branca vs branca) 1.36 0.59 3.89 (1.21 - 12.50)

Prednisona

(dose > 1.3mg/kg vs < 1.3mg/kg 1.37 0.54 3.91 (1.33 - 11.50)

na 1ª semana pós-transplante)

História familiar de diabetes

(positiva vs negativa) 1.28 0.52 3.60 (1.27 - 10.30)

I.M.C.

(>25 vs <25 kg/m 2) 1.33 0.61 3.77 (1.11 - 12.70)

O.R. = odds ratio ou razão de risco, C.I. = intervalo de confiança, I.M.C. = índice de massa corporal

Gráfico 3 - Abordagem terapêutica inicial do diabetes pós-transplante renal. Gráfico 4 - Tratamento de manutenção do diabetes pós-transplante renal.

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C. M. Matos et al - Diabetes pós-transplante renal

considerado DPTX transitório foi de 39 ± 17,8 mesese do grupo que permaneceu em tratamento de manu-tenção com insulina ou hipoglicemiante oral ou dieta47 ± 20,0 meses (p > 0,05).

Sobrevida Atuarial do Paciente e do Enxerto. Asobrevida atuarial global do paciente, em 1 e 5 anos,iniciando com 100% em 6 meses, foi de 100% e 87%,respectivamente, nos pacientes que desenvolveramDPTX e 98% e 88%, respectivamente, nos controles(p > 0,20). A sobrevida atuarial global do enxerto, em1 e 5 anos, iniciando com 100% em 6 meses, foi de95% e 73%, respectivamente para o grupo DPTX e98% e 78%, respectivamente, para o grupo controle,(p > 0,20).

Discussão

A ocorrência de diabetes pós-transplante em 8,8%dos pacientes transplantados renais adultos, é compa-rável a de outras séries da literatura. 3,4,5,6,7 O teste oralde tolerância à glicose não tem sido feito de rotina namaioria dos serviços e, conseqüentemente, não temsido utilizado com critério para diagnóstico de diabe-tes após o transplante renal. A utilização apenas daglicemia de jejum como critério para diagnóstico dediabetes pós-transplante, provavelmente subestima averdadeira dimensão do problema, do ponto de vistaepidemiológico.

Os corticosteróides tem sido considerados osprincipais responsáveis pelo diabetes pós-transplante,e há quase um consenso de que a resistência insu-línica seja o principal mecanismo implicado no seudesenvolvimento. 8 A influência da dose de corticóide,utilizada após o transplante renal sobre a ocorrênciado diabetes pós-transplante, é controversa. Os nossosresultados mostram tendência para o uso de maioresdoses de prednisona, nas primeiras 4 semanas após otransplante, nos pacientes que desenvolveram DPTXem relação ao grupo controle, entretanto, signifi-cância estatística foi alcançada apenas em relação àprimeira semana. Dose inicial de prednisona superiora 1,3 mg/kg/dia foi fator de risco significante e inde-pendente para o desenvolvimento de diabetes pós-transplante. A diferença entre a dose total de metil-prednisolona administrada nos 2 grupos alcançousignificância estatística marginal (p=0,057). Evidênciasde que a dose de esteróide utilizada após o transplan-te renal possa ter influência na ocorrência do diabetespós-transplante tem sido relatadas por alguns autores.

9,10,11 Entretanto, outros não observaram tal correla-ção. 1,12,5 Para se avaliar de modo definitivo o papel dadose dos corticosteróides sobre a ocorrência doDPTX, seria necessário identificar populações contro-les equivalentes, pareadas para muitas variáveis, in-clusive para a dose de esteróides recebida antes dotransplante, o que tem sido difícil de se determinarprecisamente.

Diversos estudos tem relatado aumento na inci-dência de DPTX após a introdução de ciclosporinacomo agente imunossupressor. 2,13,14 Entretanto, esteperíodo coincide também com a inclusão de pacientesmais idosos como receptores de transplante renal,sendo a idade um dos mais importantes fatores asso-ciados ao desenvolvimento de DPTX. 1,2,3,5,9,10,12,15,16 Nopresente estudo não encontramos evidências de queo uso de ciclosporina possa tornar os pacientes maissuscetíveis ao desenvolvimento de DPTX. A maioriados estudos clínicos que trazem evidências do efeitodiabetogênico da ciclosporina em transplantados re-nais, utilizaram doses mais elevadas deste agente (10a 14 mg/kg) no protocolo de indução da imunos-supressão do que as utilizadas em nossa instituição (6a 8 mg/kg). Em nosso meio, a preferência pelo esque-ma triplo de imunossupressão tem permitido o uso dedoses mais baixas de ciclosporina, reduzindo a inten-sidade dos seus efeitos colaterais. 22

Além do corticóide, outros fatores, particularmen-te idade, raça, índice de massa corporal e heredi-tariedade devem contribuir para o desenvolvimentode um estado diabético em pacientes transplantadosrenais. Em nosso estudo, pacientes com idade supe-rior a 36 anos na ocasião do transplante, apresenta-ram risco cerca de 4 vezes maior de desenvolver di-abetes do que os pacientes com idade inferior a esta.A influência da idade no desenvolvimento pós-trans-plante tem sido confirmado em diversos trabalhos. 1,2,3,

5,9,10,12,15,16 Como a idade não tem sido um fator limi-tante para a realização de transplante renal na maioriados centros, um aumento na incidência de diabetespós-transplante pode ser esperado.

Nossos resultados sugerem que pacientes nãobrancos possam ser mais propensos ao desenvolvi-mento de diabetes pós-transplante. Resultados seme-lhantes foram relatados por outros autores. 1,11,12,15 Asrazões para este agravo são provavelmente complexase multifatoriais, podendo estar envolvidos fatoressócio-econômicos e genéticos. Estudo recente sobrediferenças raciais na farmacocinética da metilpred-nisolona mostrou que indivíduos de raça negra apre-

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C. M. Matos et al - Diabetes pós-transplante renal

sentam menor depuração e maior meia vida da droga,comparados com indivíduos brancos pareados porsexo e idade. 17 É possível que diferenças raciais nametabolização dos glicocorticóides, possam tornardeterminados grupos mais suscetíveis a seus efeitoscolaterais.

Maior risco de desenvolver DPTX entre indivíduoscom história familiar de diabetes, tem sido identifica-do por alguns estudos. 10,16 O uso de esteróides empacientes com história familiar de diabetes mellituspode acelerar a cadeia de eventos patogenéticos quelevam ao diabetes tipo 2. 23

O índice de massa corporal aos 6 meses pós-transplante foi significativamente maior entre os paci-entes que desenvolveram DPTX do que no grupocontrole (25,22 ± 3,60 e 23,30 ± 3,50, respectivamen-te), e no modelo de regressão, IMC > 25 kg/m 2, ouseja a presença de algum grau de obesidade, foi asso-ciado a maior risco de desenvolvimento de DPTX.Tem sido relatado que a maioria dos pacientes apre-sentam considerável ganho de peso após o transplan-te e que a obesidade é um fenômeno relativamentecomum após o transplante renal, 18,19 inclusive emnosso meio. 20 Esses autores também demonstraramque o ganho de peso é máximo nos primeiros 6 me-ses após o transplante. Os resultados do nosso traba-lho indicam que a presença de obesidade após otransplante renal está associada a maior risco de de-senvolver diabetes pós-transplante.

Assim, o diabetes pós-transplante parece ser umadesordem de origem multifatorial que deve desenvol-ver-se como consequência da interação de vários fa-tores. O trabalho identifica idade mais avançada naocasião do transplante, raça não branca, história fami-liar de diabetes e obesidade após o transplante renalcomo fatores de risco independentes associados aodesenvolvimento da doença, e que sugere que a dosede corticóide inicialmente utilizada também possaestar associada ao surgimento do diabetes pós-trans-plante. Destacamos que a análise multivariada atravésde regressão logística empregada neste estudo confir-mou que estes fatores estão independentemente asso-ciados ao desenvolvimento de diabetes após o trans-plante renal, ajustando-se simultaneamente para osdemais parâmetros. Estudos anteriores que relaciona-ram a presença de alguns dos parâmetros por nósidentificados com o desenvolvimento de diabetespós-transplante, não utilizaram métodos de análisemultivariada. 1,2,9,12,16

Em relação aos aspectos clínicos analisados, a

observação do pico de incidência do diabetes pós-transplante renal (52%) nos primeiros 3 meses após otransplante está de acordo com os resultados previa-mente relatados. 1,2,6,9,10,16 Este período corresponde àépoca em que maiores doses de corticosteróides sãoutilizados e que doses suplementares de metilpred-nisolona são administradas para tratamento de rejei-ção aguda, além de outros fatores que potencialmentefavorecem o desencadeamento da hiperglicemia comoo ato cirúrgico, necrose tubular aguda, episódios deinfecções bacterianas e virais.

A doença teve um início insidioso na maioria doscasos, sendo diagnosticada em exames de rotina,entretanto quadros mais agudos e graves, como cetoacidose diabética, podem ocorrer, 6,12,16 já tendo sidoobservados também, o coma hiperosmolar nãocetótico. 5,12,16 A maioria dos pacientes necessitou deinsulina exógena para manejo inicial da hiperglicemia,entretanto apenas 25% tornaram-se insulino-depen-dentes. Em cerca de 30% dos casos, o distúrbio foiconsiderado transitório, com duração média de 3meses após o diagnóstico. Alguns trabalhos defendema idéia de que o diabetes pós-transplante seja leve etransitório na maioria dos casos. 11,21 No presente es-tudo 25% dos pacientes que desenvolveram DPTXpermaneceram insulino-dependentes e 45% necessita-ram tratamento de manutenção com hipoglicemianteoral e/ou dieta. Esses resultados refutam a concepçãode que o DPTX seja uma desordem leve e transitória,e sugerem que o distúrbio deva ser de caráter dura-douro na maioria dos casos.

A história natural do diabetes pós-transplante nãoé bem conhecida. O impacto negativo desta compli-cação do transplante renal na sobrevida do pacientetem sido observada por alguns autores. 1,2 No nossoestudo, a sobrevida atuarial global do paciente e doenxerto, foi semelhante em diabéticos e não diabéti-cos, entretanto, o estudo da sobrevida de pacientes eenxerto não foi objetivo primário do presente traba-lho e, assim sendo, vários parâmetros que poderiamter influenciado na comparação das taxas de sobre-vida de casos e controles não puderam ser controla-dos. Estudos prospectivos e controlados sobre o im-pacto do diabetes pós-transplante na evolução dopaciente e do enxerto parecem justificados, paramelhor caracterização e entendimento da sua histórianatural.

Em resumo, diabetes pós-transplante ocorreu em8,8% dos pacientes transplantados renais adultos, comenxerto funcionante por no mínimo 6 meses. O pico

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C. M. Matos et al - Diabetes pós-transplante renal

de incidência do diabetes pós-transplante ocorreu nosprimeiros 3 meses após o transplante, a maioria dospacientes necessitou de insulina exógena para manejoinicial da hiperglicemia, sendo o distúrbio considera-do transitório em 30% dos casos. O presente estudoidentifica idade mais avançada, raça não branca, his-tória familiar de diabetes e obesidade após o trans-plante renal como variáveis independentes, associa-das ao desenvolvimento da doença e sugere que adose inicial de corticóide utilizada após o transplantetambém pode se relacionar ao surgimento do diabetespós-transplante.

Summary

The present protocol was designed to study theoccurrence, clinical features and risk factors involvedin post renal transplant diabetes mellitus. Methods :477 non diabetic adult renal transplant recipients,were studied retrospectively for the development ofPTDM (defined as 3 consecutive fasting glycemia >140 mg/dl). In order to asses the risk factors involvedin PTDM, a randomized group of non diabetic posttransplant recipients was compared with PTDM pa-tients, through a multiple logistic regression analysis.Results : PTDM developed in 42 patients (8.8%), 52%were diagnosed within 3-month post-transplantation.The most frequent presentation was elevated bloodglucose level during a routine follow-up visit. Of 42patients 25 (60%) required insulin therapy from theonset, but only 11 (26%) remained insulin-dependent.Nineteen patients (45%) were controlled with oralhypoglycemic agents or diet and in 12 (28%) PTDMwas transient. Older age (> 36 yr.), non-white race,body mass index (> 25 kg/m 2) at 6-month post-trans-plant, positive family history of diabetes and higherdose of corticosteroid during induction of immuno-suppression (prednisone > 1.3 mg/kg/d) was signifi-cant and independent risk factors for development ofPTDM.

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Edição Atual Vol. 17 Nº 3 - Jul/Ago/Set / 1995

1 Adequação da DPAC. Autores: Hugo Abensur, Manuel Carlos Martins de Castro. 2 II Congresso Brasileiro de Nefrologia. Autores: Alberto Augusto Paolucci. 3 Campanha Pró-Memória da Nefrologia Brasileira. Autores: 4 Sistema de coagulação nas glomerulopatias. Autores: Márcia Camegaçava Riyuzo, Vitor Augusto Soares. 5 Glomerulonefrite associada à infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (GNVIH). Autores: Omar da Rosa Santos , Guilherme Santoro Lopes. 6 Lesões renais em hanseníase. Autores: Edson Eiji Nakayama, Somei Ura, Raul Fleury Negrão, Vitor Augusto Soares, Dinah Borges de

Almeida, Marcello Franco. 7 Ocorrência de hipouricemia em pacientes com nefrolitíase. Autores: Adagmar Andriolo. 8 Infecção por fungos e Transplante Renal : análise nos primeiros 500 pacientes transplantados

no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto- USP. Autores: Miguel Moysés Neto, Valmir Muglia, Maria Estela P. N. Batista, Tania Marisa Pisi, Luciana

T.S.Saber, Agenor Spallini Ferraz, Hayton Jorge Suaid, Adauto José Colona, José Fernando de Castro Figueiredo.

9 Cinética da uréia e creatinina na avliação de diálise peritoneal ambulatorial contínua (CAPD). Autores: Eduardo Homsi, Gentil Alves Filho, Odair Marson, Carlos Stabile Neto, Morad Amar, Maria

Ines Salati. 10 Diabetes pós-transplanterenal: Ocorrência. Aspectos clínicos e possíveis fatores de risco. Autores: Cássia Mendes Matos, David Saitovich, Ricardo Sesso, Álvaro Pacheco e Silva Filho, Horácio

Ajzen, José Osmar Medina Pestana. 11 Carta ao Editor

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